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A FILOSOFIA JURÍDICA NOS TEMPOS POMBALINOS

RODRIGO M. F. VALENTE MARTINS

SUMÁRIO:

Parte I – Precedentes
1. Humanismo Jurídico.
2. Racionalismo Jurídico.
3. Influência Jesuíta na Educação.
4. Centralização Política e Iluminismo.

Parte II – Receção Portuguesa


1. Modelo de Governo Pombalino.
2. Racionalismo e Estudo Universitário.
Parte I – Precedentes

1. Humanismo Jurídico.

O Humanismo foi um movimento social iniciado nos finais do século XV em Itália, ou seja,
pela época dos princípios do Renascimento. Esta corrente alastrou-se às mais diversas áreas da
ciência e da cultura, nomeadamente ao Direito.

Durante a Idade Média, graças, principalmente, à obra da Escola dos Glosadores e,


posteriormente, à da Escola dos Comentadores, o Direito romano justinianeu encontrou espaço para
a sua vigência. Sabemos que o Corpus Iuris Civilis foi consagrado pelas nações da Respublica
Christiana como sendo a fonte de Direito por excelência na resolução de problemas temporais.
Contudo, a decadência do poder da Igreja, paralela ao início do Renascimento, levou a que a
aplicação do Direito romano tivesse de encontrar outra forma de obter legitimidade. Passou, então,
a encontrá-la na sua racionalidade1.

Os Humanistas acusaram, contudo, os juristas medievais de deturparem (e até obliterarem) a


racionalidade do Direito romano, vulgarizando-o e barbarizando-o2. Diziam que, com os seus
estudos medievais, o Direito justinianeu se tornara num “Direito formado por glosas a glosas” 3 e
que havia, portanto, que restaurar os textos originais do Corpus e recomeçar o trabalho exegético do
Direito romano4.

2. Racionalismo Jurídico.

Aquilo que foi supra apresentado consiste na raiz historicista do Humanismo jurídico,
existindo ainda uma vertente Racionalista5. O Racionalismo jurídico questiona-se se, já que o
fundamento da aplicação do Direito romano é precisamente a sua racionalidade, a verdadeira fonte
de Direito não será antes a própria razão6 – que, aliás, na maioria das Escolas derivadas do
Racionalismo se identifica com o próprio Direito Natural.

1
Cf., p. 356, NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, História do Direito Português, 7ª Edição, Fundação Calouste
Gulbenkian, 2019.
2
Vide, p. 118, MARTIM DE ALBUQUERQUE / RUY DE ALBUQUERQUE, História do Direito Português, vol. II,
Lisboa, 1983.
3
In, ibidem, p. 118.
4
Cf., ibidem, p. 119.
5
Cf., ESPINOSA GOMES DA SILVA, Op. Cit., p. 357.
6
Vide, ibidem, p. 361.
Uma primeira posição que podemos apresentar vinda de dentro do Racionalismo, consiste na
ideia de que a razão não cobre todo o Corpus Iuris Civilis, porém apenas alguns dos seus preceitos7.
Neste âmbito, foi fundada, na Alemanha, a Escola dos Usus Modernus Pandectarum, na qual se
destacam os nomes de STRYK (que cunhou esta expressão latina), e de BÖHEMER. Defendeu esta
corrente que apenas se estudasse “o Direito romano […] que se tivesse adaptado às novas
exigências [da época]”8, ou, por outras palavras, que se há um uso moderno para determinado
preceito do Direito romano, é porque este é conforme à razão 9. É também neste momento que se
começa verdadeiramente a valorizar o Direito pátrio.

Seguindo um ponto de vista mais radical – ainda dentro do Racionalismo –, houve também
quem optasse por repudiar completamente o Direito justinianeu. Os seus adeptos afirmavam que os
preceitos jurídicos romanos conformes à recta ratio não passavam de meras coincidências10, pelo
que nada valiam. Esta corrente não se difundiu tanto como a primeira, então terminamos a sua
análise por aqui.

3. Influência Jesuíta na Educação.

Fundada em França, no ano de 1540, por SANTO INÁCIO DE LOYOLA, a Companhia de Jesus
promovia o chamado “anti-probabilismo”, uma forma abstrata e cega de obediência às autoridades
cujas opiniões se encontrem consagradas na tradição11. Deste modo, a doutrina jesuíta fez da
educação um processo retórico e intelectualmente vazio, afastando do ensino novas ideias como as
da segunda escolástica12. “A passividade não era uma abjeção porque na boca do ministro, ou
superior, estava o verbo de Jesus Cristo”13.

Diz SANTO INÁCIO: “Não considereis o superior, qualquer que ele for, como homem sujeito
a erros; antes olhai para aquele a quem no homem obedeceis, para Cristo; buscai em vós as razões
que possam defender os seus mandatos”14. Estas ideias alastraram-se em Portugal, o que explica
porque é que o Humanismo jurídico falhou em adentrar o nosso país, assim como a
impermeabilidade dos nossos juristas ao abandono dos mos italicus e da communis opinio.

7
Cf., ibidem, p. 362.
8
In, ibidem, p. 464.
9
Cf., ibidem, p. 465.
10
Cf., ibidem, p. 362.
11
Cf., p. 395, OLIVEIRA MARTINS, História de Portugal, 17ª Edição, Guimarães & C.ª Editores, 1977.
12
Vide, ibidem, pp. 384-385.
13
In, ibidem, p. 380.
14
In, ibidem, p. 380.
Se por um lado podemos argumentar que, pelo facto de apoiar as ideias de submissão e
obediência, o jesuitismo não parecia contrariar a natureza política do despotismo esclarecido, não
nos devemos esquecer de que, contrariamente àquele, este último se opunha fortemente à tradição.
O absolutismo tradicional advogava a subordinação do monarca à Lei Natural e aos costumes do
reino, enquanto o despotismo esclarecido concede ao suserano poder inquestionável, pois é ele
próprio o único intérprete legítimo do Direito Natural15. Esta aversão ao costume manifestou-se
também ao nível do regime das fontes de Direito, já que a Lei da Boa Razão (1769) estabelece no
seu §14º que só serão válidos os costumes com uma antiguidade comprovada de mais de 100 anos,
que sejam conformes à “boa razão”, e que não sejam contra legem nem praeter legem. Deste modo,
o legislador pombalino destrói praticamente o costume como fonte de Direito.

4. Centralização Política e Iluminismo.

Nos finais do século XVII começou, em Portugal, o processo de centralização política. As


Cortes perderam a sua função legislativa, degenerando num órgão impotente, que se limitava a
confirmar a legitimidade dos herdeiros ao trono português16. O Governo, outrora partilhado entre o
rei e os nobres (com os seus respetivos Conselhos), começa a concentrar-se naquele, com a criação
das Secretarias de Estado em 1713, por D. João V17.

Neste âmbito, a reforma governativa de 1736 é especialmente relevante. Dela resultou a


reorganização e o fortalecimento do secretariado régio, dividido pelos Secretários de Estado: (i) do
Reino, (ii) dos Negócios Estrangeiros, e (iii) da Marinha e do Ultramar; no qual o primeiro se
tratava de uma espécie de Primeiro-Ministro18. Assim, a concentração do poder político no Governo
não foi algo inédito aos tempos de Pombal, mas, como iremos ver, “a única diferença é que com
este o Primeiro-Ministro controlou, não só a governação, mas igualmente a totalidade do país
[…]”19. Em paralelo a estas mudanças no paradigma político português, surgia noutras partes da
Europa a corrente do Iluminismo.

Tendo a sua génese na primeira metade do século XVIII e chegado a Portugal na segunda, o
Iluminismo jurídico fez-se sentir em duas dimensões diferentes. No tocante ao Direito Natural foi
Racionalista, identificando-o com a razão; relativamente ao Direito positivo, foi voluntarista, pois
determinou que há uma vontade legislativa, mas que esta se deve subordinar à razão20.

15
Cf., p. 374, OLIVEIRA MARQUES, Breve História de Portugal, 1ª Edição, Editorial Presença, 1995.
16
Cf., ibidem, p. 363.
17
Vide, ibidem, p. 364.
18
Cf., ibidem, p. 364.
19
In, ibidem, p. 391.
20
Vide, ESPINOSA GOMES DA SILVA, Op. Cit., p. 443.
Diz-nos KANT que a razão universal é sempre capaz de distinguir o justo do injusto. No
entanto, a vontade humana, própria do mundo imperfeito dos sentidos, pode não corresponder
àquilo que é moralmente correto21. Não foi apenas KANT que pensou assim, vários pensadores seus
contemporâneos adotaram ideias semelhantes, estendendo alguns o seu âmbito de aplicação à
governação. Conforme já na Antiguidade PLATÃO indicara que o governante ideal seria aquele que
fosse capaz de fazer corresponder o seu voluntarismo legislativo-executivo à razão22, também certos
autores Iluministas abraçaram esta filosofia. Nasceu assim o Despotismo Esclarecido.

Postas as coisas desta maneira, algumas frases da época tornam-se bastante compreensivas,
como a de Frederico, o Grande, da Prússia, que declarou: “Raciocinai a propósito de tudo […], mas
obedecei[-me]”; bem como ideias análogas à de José II da Áustria, que acreditava que se deve
“fazer a felicidade dos povos, mesmo independentemente da vontade destes”23. Na filosofia do
século das luzes, o principal adepto do Despotismo Esclarecido foi VOLTAIRE, que acreditava que
nada de grande seria feito se não houvesse um Governo forte, centralizado e capaz de seguir a razão
em oposição às crenças e “preconceitos” do vulgo24.

21
Ver, sobre o assunto da filosofia moral, pp. 54-55, HANNAH ARENDT, Responsabilidade e Juízo, Editora
D. Quixote, 2007.
22
Cf., ESPINOSA GOMES DA SILVA, Op. Cit., p. 442.
23
Ambas as citações in, ibidem, p. 443, nota 2.
24
Vide, p. 202, DIOGO FREITAS DO AMARAL, História do Pensamento Político Ocidental, Almedina, 2021.
Parte II – Receção Portuguesa

1. Modelo de Governo Pombalino.

Em Portugal, o apogeu do Despotismo Esclarecido deu-se durante o reinado de D. José I,


através do consulado de Sebastião de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal). Quiçá, no caso
português, o mais indicado não seja falar num “rei-filósofo”, mas sim num “filósofo por detrás do
rei”.

Voltando ao pensamento de VOLTAIRE, notamos que o Marquês de Pombal seguiu vários dos
seus “mandamentos”25. Combateu a nobreza que se manifestasse oposta ao rei, liquidando os
Marqueses de Távora, acusados de conspirarem contra o monarca; fez frente ao clero, expulsando
os jesuítas em massa; reformou o ensino através dos novos Estatutos da Universidade (1772), e a
economia através da criação de empresas públicas e do Erário Régio (1761); entre outras medidas.
No entanto, é de notar que, tal como fez a maioria dos déspotas europeus, o mandamento da
liberdade de expressão foi completamente ignorado por Pombal26. De facto, o governo português
desta altura acolheu plenamente os ideais de um típico “Estado de Polícia”.

Após o terramoto de 1755, o Estado abandonou a sua posição passiva relativamente à


população, visto que a destruição e o caos por este causados se demonstraram demasiado “grandes”
para ser corrigidos pelas muito menores malhas do Direito e das instituições políticas da altura27.
Assim, o Governo do Marquês de Pombal optou por procurar soluções no estrangeiro,
“encontrando” a chamada “Ciência da Polícia”, caracterizada por três pilares: (i) ordem e
segurança; (ii) saúde e higiene pública; e (iii) economia e comércio fortes.

O conceito de “Polícia” não se limitava ao seu significado atual, no qual os seus agentes
apenas fazem cumprir a lei nas mais diversas matérias. Teriam eles também o dever de fiscalizar a
saúde, a educação e a moralidade populares. Afinal de contas, a função do Estado era garantir a
proteção social a todos os níveis e promover o “bem-comum”28. A polícia vigiava “cada
circunstância, lugar e tempo, para orientar a mudança de práticas [consideradas reprováveis]”29,
visando criar as condições necessárias à plenitude e à prosperidade da sociedade portuguesa.

25
Cf., ibidem, pp. 202-203.
26
Cf., ibidem, p. 203.
27
Cf., pp. 356-357, JOSÉ SUBTIL, “A ‘Lei da Boa Razão’ e o estado português”, in, A Lei da Boa Razão de 18
de Agosto de 1769: 250 Anos Depois, AAFDL Editora, 2019, coordenação: PEDRO CARIDADE DE FREITAS / ANA
CALDEIRA FOUTO.
28
Vide, ibidem, pp. 358-359.
29
In, ibidem, pp. 360-361.
Órgão relevante a este propósito foi a Intendência Geral da Polícia da Corte, e Reino,
fundada em 1760. Intervinha nos âmbitos da “criminalidade, do fomento social e económico,
censos, controlo da saúde pública e estado sanitário, a vigilância e a segurança do movimento de
pessoas e bens, o recolhimento de mendigos [e] o combate à prostituição”30. Mais tarde, a atividade
fiscalizadora intendencial estender-se-ia às mais diversas áreas, desde a agricultura, às fábricas e ao
provimento do exército31. No período pombalino, Manuel Gonçalves de Miranda foi o intendente
geral que mais tempo ocupou o cargo – entre 1766 e 178032.

Finalmente, compete falar acerca da transformação que a Inquisição, supremo tribunal


religioso, sofreu no período pombalino. Desde o reinado de D. João V que a Igreja se tornara
dependente dos favores régios, situação que Pombal soube explorar. Tratando-se de uma espécie de
“Estado dentro do Estado”, o tribunal inquisitório era uma instituição oposta às ideias Iluministas,
quer por limitar o poder do déspota, quer por causar desnivelamentos sociais relacionados com a
religião. Assim, o Marquês de Pombal tratou de converter a Inquisição num instrumento ao serviço
do poder temporal e já não do espiritual: a Real Mesa Censória, estabelecida em 176833.

2. Jusracionalismo e o Ensino Universitário.

Além da influência jesuíta no ensino, o Humanismo jurídico não vingou no nosso país na
sua forma inicial pelos mais diversos motivos: desde a desnacionalização dos juristas Humanistas
portugueses, à sua desistência desta corrente ao adentrarem na vida prática jurídica portuguesa, ou
ainda pelo seu afastamento completo do Direito34. O mesmo nem tanto se aplica ao Racionalismo,
que encontrou certo sucesso no nosso país – embora tardiamente –, com nomes como o de
VERNEY35.

VERNEY foi um “estrangeirado”, termo este que se aplicava aos portugueses que, vivendo
fora do país e, dessa forma, colhendo muitas das ideias estrangeiras, desejavam a sua
implementação em Portugal36. O principal contributo deste autor encontra-se no seu Verdadeiro
Método de Estudar (1746), no qual faz uma análise do ensino universitário português e propõe a sua
reforma. VERNEY acusa o estudo do Direito em Portugal de se alicerçar demasiadamente nas
citações à communis opinio doctorum, reduzindo o estímulo mental dos estudantes, além de se

30
In, ibidem, p. 369.
31
Cf., ibidem, p. 369.
32
Vide, ibidem, p. 376.
33
A propósito da reforma pombalina da Inquisição, ver: OLIVEIRA MARQUES, Op. Cit., pp. 369-370; e OLIVEIRA
MARTINS, Op. Cit., pp. 485.
34
Cf., ALBUQUERQUE / ALBUQUERQUE, Op. Cit., pp. 123 e 124.
35
Cf., ibidem, p. 128.
36
Cf., ESPINOSA GOMES DA SILVA, Op. Cit., p. 466.
furtar ao ensino do Direito das gentes, do Direito Natural e até do Direito português, ao mesmo
tempo que versava excessivamente sobre o Ius Romanum e, concomitantemente, não promovia o
estudo da restante romanidade37.

As sugestões de VERNEY são, portanto, que o escolar de leis se dedique, primeiramente,


tanto à História (universal e romana), como à “Ética que trata do Sumo Bem e Direito Natural, mas
também a que trata do Direito das gentes”38. Advogou, ainda, pelo regular estudo do Direito pátrio e
pela realização de uma análise racional e utilitária das instituições do Direito romano justinianeu,
naquilo que consistiu numa clara adoção da doutrina dos Usus Modernus Pandectarum39.

Mais tarde, em 1771, a Junta de Providência Literária – convocada pelo Marquês de Pombal
no ano anterior – acolheu, no seu relatório (Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra),
muitas das críticas de VERNEY, considerando, igualmente, a maioria das suas propostas de
reforma40. Contudo, o Racionalismo jurídico não se instalou no nosso país na sua forma pura, sendo
coerente analisar a posição de alguns autores da época a este respeito.

Comecemos com ANTÓNIO CORTEZ BREMEU, cuja obra jurídica foi produzida em 1749,
pouco depois da de VERNEY. Este autor é ilustrativo do paradigma Jusracionalista português.
Afirma que o Direito Natural não deriva da razão, mas antes corresponde à vontade de Deus.
Acrescenta, finalmente, que a razão tem apenas o papel de reconhecer ou, por outras palavras,
“promulgar”, as leis divinas41.

Surgido ainda antes das reformas pombalinas, a sintonia deste jusnaturalismo com a ideia do
divino, demonstra a hesitação da doutrina portuguesa em abandonar por completo a tradição
católica nacional em prol do Iluminismo.

Segue-se, em 1773, TOMÁS ANTÓNIO GONZAGA, outro autor que pretende “evidenciar num
mesmo testemunho, tradição e vanguarda”42. Notamos no seu trabalho a influência de “GRÓCIO
[, que] promovera o entendimento racionalizante do Direito Natural”43, porém GONZAGA não
deixou de lhe tecer críticas, preferindo as ideias de HEINÉCIO44.

37
Vide, ALBUQUERQUE / ALBUQUERQUE, Op. Cit., pp. 128 e 129.
38
In, ESPINOSA GOMES DA SILVA, Op. Cit., p. 467.
39
Cf., ibidem, p. 468.
40
A este propósito, v., pp. 409 e 410, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, História do Direito Português, 5ª
Edição, Almedina, 2019.
41
Cf., pp. 330-331, SUSANA ALVES-JESUS, “Direito Natural e Boa Razão: Chaves de entendimento universal
entre os homens na Época das Luzes”, in, A Lei da Boa Razão…
42
In, ibidem, p. 341.
43
In, ibidem, p. 339.
44
Vide, ibidem, pp. 339-340.
Enquanto GRÓCIO afirma a primazia da razão como fonte do Direito Natural – chega
inclusive a dizer que este subsistiria mesmo que Deus não existisse –, HEINÉCIO “reafirma a
primazia de Deus”45. Em suma, GRÓCIO define a Lei Natural como sendo as “regra[s] dos atos
morais que obriga[m] ao que é justo”, enquanto HEINÉCIO a descreve como as “regra[s] dos atos
morais prescrita[s] pelo Superior aos súbditos para os obrigar a comporem conforme ela[s] as suas
ações”46.

Como refere ADELTO GONÇALVES, GONZAGA acreditava na necessidade de um Governo


superior e proativo que defendesse o povo dos seus impulsos irracionais, pelo que se afastou de
quaisquer posições que sugerissem uma perspetiva minimamente liberal47.

Finalmente, releva o nome de ANTÓNIO BARRETO E ARAGÃO, que escreveu a sua principal
obra entre 1772 e 1777. Diz SUSANA ALVES-JESUS que “ARAGÃO alinha com GRÓCIO na escolha
da razão como primeiro princípio da Lei Natural”48. Note-se que o Direito Natural é, para este autor,
anterior à religião revelada, sendo já conhecido e aplicado pelos povos Antigos, como os romanos, e
mantendo-se igual ao longo dos anos e em todos os cantos do mundo49.

No entanto, caminho percorrido ao seguir a razão não é, segundo ARAGÃO, somente uma
forma de viver bem e sossegadamente, mas também a observância da vontade de Deus 50. Mantém-
se, portanto, a ideia de GONZAGA de um Direito Natural fundado por Deus e “promulgado” pela
razão.

Em suma, no período que se segue aos Estatutos Pombalinos, a separação teologia-


-filosofia não se reveste de força plena. A ideia de que “a falibilidade e a fragilidade da razão
humana” tinha de ser suprida pela “revelação” divina, torna-se então imperante, o que ilustra a
dificuldade de uma rutura absoluta com a escolástica tomista51.

45
In, ibidem, p. 340.
46
Ambas as citações se encontram in, ibidem, p. 340, nota 29.
47
Este autor é citado por SUSANA ALVES-JESUS in, Op. Cit., p. 341, nota 30.
48
In, ibidem, p. 344.
49
Cf., ibidem, pp. 342-343.
50
Vide, ibidem, pp. 344-345.
51
Cf., ibidem, p. 347, nota 57.
– FONTES:

a) DIOGO FREITAS DO AMARAL, História do Pensamento Político Ocidental, Almedina,


2021.

b) HANNAH ARENDT, Responsabilidade e Juízo, Editora D. Quixote, 2007. (Concretamente,


Capítulo 1: “Algumas questões de filosofia moral”, pp. 43-66).

c) MARTIM DE ALBUQUERQUE / RUY DE ALBUQUERQUE, História do Direito Português,


vol. II, Lisboa, 1983.

d) NUNO ESPINOSA GOMES DA SILVA, História do Direito Português, 7ª Edição, Fundação


Calouste Gulbenkian, 2019.

e) OLIVEIRA MARQUES, Breve História de Portugal, 1ª Edição, Editorial Presença, 1995.

f) OLIVEIRA MARTINS, História de Portugal, 17ª Edição, Guimarães & C.ª Editores, 1977.

g) PEDRO CARIDADE DE FREITAS / ANA CALDEIRA FOUTO (coord.), A Lei da Boa Razão de
18 de Agosto de 1769: 250 Anos Depois, AAFDL Editora, 2019:

 JOSÉ SUBTIL, “A ‘Lei da Boa Razão’ e o estado português”.

 SUSANA ALVES-JESUS, “Direito Natural e Boa Razão: Chaves de entendimento


universal entre os homens na Época das Luzes”.

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