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fundamentais
Da Antiguidade até as primeiras importantes
declarações nacionais de direitos
Sumário
1. Introdução. 2. A Antiguidade greco-roma-
na. 3. O Cristianismo e a Idade Média. 4. Os pri-
mórdios da Idade Moderna. 4.1. A Reforma. 4.2.
Os pensadores espanhóis da Escolástica tardia e
os Monarchomachos franceses. 4.3. Os grandes
filósofos do Estado. 4.3.1. A contribuição inglesa.
4.3.2. A contribuição francesa. 4.3.3. A contribui-
ção alemã. 5. A Idade Moderna: as primeiras
importantes declarações nacionais de direitos.
5.1. A Inglaterra. 5.2. Os Estados Unidos da
América. 5.3. A França. 6. Considerações finais.
1. Introdução
Durante vários anos, a questão das
Urbano Carvelli é professor na Faculdade de raízes e das origens dos direitos fundamen-
Direito da Universidade de Colônia na Repúbli- tais foi considerada esclarecida, apesar de
ca Federal da Alemanha. Bacharel em direito alguns debates controversos sobre aspectos
pela Universidade do Vale do Paraíba, especia- específicos. No entanto, o conhecimento
lista em direito alemão pela Universidade de
de que a análise dos princípios históricos,
Bonn na República Federal da Alemanha, mestre
(Magister Legum) e doutorando em direito pela
políticos e filosóficos dos direitos funda-
Universidade de Colônia na República Federal mentais também é de incalculável valor na
da Alemanha. Jornalista. práxis da nossa realidade atual desponta
Sandra Scholl é uma European Union Liai- nitidamente aos nossos olhos. Assim, não é
son Officer. Trabalha na EuroConsult Research de se admirar que esses princípios estejam
& Education, uma instituição do Ministério no foco de diversas disciplinas científicas
para Inovação, Ciência e Pesquisa do Estado da e que exista um dilúvio de ensaios sobre a
Renânia do Norte e Westfalia com sede na Rhei- temática.
nischen Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn.
Uma explicação para a importância
Mestre (Magistra Artium – M.A.) de Ciência Po-
lítica, História e Ciência Jurídica na Rheinische essencial dos princípios dos direitos fun-
Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn e douto- damentais pode ser constatada a partir do
randa em Direito internacional pela Rheinische status exponencial que estes recebem dentro
Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn. dos Estados de direito modernos. Assim, os
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direitos fundamentais são primordialmente garantias de instituto, direitos de defesa, di-
constitutivos para um Estado constitucional reitos de participação, direitos de prestação,
democrático1 e representam o verdadeiro obrigações de proteção ou como decisões de
núcleo de uma ordem liberal-democrática.2 valor. Também não se deve esquecer que,
Os direitos fundamentais delimitam as nas ordens jurídicas modernas, o método de
áreas nas quais o poder estatal não deve interpretação histórico pertence, juntamente
intervir e representam, ao mesmo tempo, com o gramatical, o sistemático e o teológi-
os fundamentos da comunidade. Eles são co, ao rol dos mais importantes métodos de
a expressão e a garantia tanto da liberdade interpretação das regras jurídicas. Ademais,
política quanto da liberdade pessoal. Os di- o aspecto evolucional também deve ser
reitos fundamentais munem o indivíduo da apreciado. Uma vez que foram necessários
garantia de organização e gerência de sua vários séculos de esforços intermináveis
própria vida, abrindo-lhe a possibilidade de e imensas dificuldades para o estabeleci-
participar da vida política da comunidade. mento dos direitos fundamentais como
Assim, entre os direitos fundamentais e a elemento constitutivo da vida comunitária,
ideia de liberdade democrática desenvol- uma análise abrangente e profunda do de-
veu-se uma relação simbiótica, da qual o senvolvimento histórico, político e filosófico
rompimento conduziria ao abandono do dos direitos fundamentais é obrigatória.
Estado constitucional democrático. A seguir, apresentaremos uma visão
O extraordinário interesse sobre os geral sobre as principais fases do desen-
princípios dos direitos fundamentais não volvimento dos direitos fundamentais
deve, porém, ser analisado através de uma considerando o contexto histórico, político
perspectiva monodimensional ou declara- e filosófico. Primeiramente, trataremos
do como monocausal. A investigação dos das correntes intelectuais na Antiguidade
princípios históricos, políticos e filosóficos greco-romana. Além disso, apreciaremos os
dos direitos fundamentais tem por base as pré-trabalhos intelectuais, os quais foram
mais diversas motivações e objetivos. As- trazidos pelo Cristianismo, e ofereceremos
sim, a importância da investigação desses uma pequena sinopse tanto sobre o mundo
princípios é evidente a todo pesquisador medieval quanto sobre as declarações de
que trata com sistemas políticos em que os direitos medievais. Adiante, analisaremos
direitos fundamentais inexistem ou são in- a influência dos reformadores, dos pensa-
suficientes. Exatamente numa tal situação, dores espanhóis da Escolástica tardia, dos
surge a necessidade de aclarar onde estão Monarchomachos franceses e dos grandes
as raízes, as origens histórico-ideológicas e filósofos do Estado sobre o desenvolvimen-
os motivos que determinam a vigência dos to da ideia dos direitos fundamentais. No
direitos fundamentais. Além disso, os prin- próximo ato, apresentaremos as primeiras
cípios dos direitos fundamentais têm uma importantes declarações nacionais de di-
importância relevante para a compreensão reitos considerando as suas importantes
dos catálogos de direitos fundamentais das contribuições para o desenvolvimento dos
constituições contemporâneas vigentes; direitos fundamentais modernos e, por fim,
especialmente quando se objetiva elucidar encerraremos com algumas considerações
as funções dos direitos fundamentais como finais.
1
Cf. BVerfGE 20, 56 [97]: O Bundesverfassungsgeri-
cht utilizou essa afirmação especialmente em relação à 2. A Antiguidade greco-romana
liberdade de expressão. No entanto, a referida consta-
Na Antiguidade greco-romana, inexis-
tação deve ser entendida como a expressão idiomática
“pars pro toto”. tiam – até aonde as fontes históricas permi-
2
Cf. BVerfGE 31, 58 [73]; 43, 154 [167]. tem tal conclusão – direitos fundamentais
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