Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
3. Resenha analítica
LIVRO!
menta de uma nova entidade, de "um corpo moral e coletivo ", com "sua unidade,
seu eu comum, sua vida e sua vontade", que não é o simples agregado de
homens, mas a ''pó/is·: a "república·: ou, como prefere Rousseau, o "corpo
político ". Como um todo orgânico, chama-se "Estado·: quando passivo; "sobe-
rano", quando ativo, e ''potência" no trato com seus iguais. Quanto aos homens,
constituíram um ''povo", sendo "cidadãos" ou "súditos" conforme os conside-
remos ativa ou passivamente.
"Do Soberano", ou seja, dos homens considerados coletivamente e depois
de legitimamente investidos no poder que lhes conferiu o pacto, cuida o Capítulo
VII, que analisará as relações entre o corpo político ativo e seus próprios campo~
nentes,formulando a mais transcendente questão do Contrato Social: a vontade
geral. Importa saber, desde logo, onde auscultá-la e estabelecer que nos próprios
homens é que ela se revela, não pelo que de geral haja em suas vontades particu-
lares, mas pelo que de comum as torna interligadas. Por isso mesmo, a vontade
geral é sempre certa e, não podendo errar, jamais atentará contra a liberdade de
qualquer dos membros do corpo social. O Capítulo VIII, estudando o "Estado
civil", num balanço entre o que perde e o que ganha o homem pelo contrato,
traça o contraste entre, de um lado, o direito ilimitado atomar para si tudo que
suas forças permitirem e, de outro, a liberdade civil e a propriedade de tudo que
possui legitimamente, enquanto o Capítulo IX examina as relações entre a
propriedade privada e o poder do soberano.
LIVRO II
o Estado precisar das vidas dos súditos, a elas tem direito, porém, malgrado um
contido protesto sentimental, apressa-se a distinguir tal situação, configurada
pelas exigências da guerra, da pena de morte que se aplica aos criminosos, por-
quanto estes, pelo seu crime, já se colocaram à margem do pacto social.
"Da Lei" é o título do Capítulo VI, que começa, aliás, por uma clara propo-
sição do problema: se ''pelo pacto social demos existência e vida ao corpo políti-
co, resta atribuir-lhe, pela legislação, movimento e vontade". De fato, à descrição
genética, que nos deu uma visão segura, porém apenas estática, anatômica, do
organismo político, impõe-se acrescentar o exame de sua fisiologia, de seu
comportamento ativo. E o Estado vive e age pela lei.
Não nos percamos, a tal propósito, em idéias metafisicas que, apelando
para a lei da natureza ou afirmando que toda ajustiça vem de Deus ou ainda que
há uma justiça universal emanando da razão, não chegam a definir, na essência,
o que é a lei do Estado. Ora, impõe-se saber, exatamente, a relação que resulta do
disposto pela vontade geral "quando todo o povo estatui algo para todo o povo",
pois, sendo a matéria de deliberação "geral como a vontade que a estatui '', aí
teremos o que se pode e se deve chamar de lei. Em outras palavras, a lei, que pof
isso mesmo jamais pode discriminar ou particularizar, é a expressão das condi-
ções da associação civil, tais como as estabelece o mesmo povo a quem virá a
obrigar. Conseqiientemente, se chamarmos de república a todos os Estados regi-
dos por leis, só os governos republicanos, sem embargo daforma particular de
sua administração, serão legítimos.
A noção de lei, que completa e amplia as noções fundamentais do Livro 1,
exige, contudo, uma nova cogitação básica, pois faz-se necessário supor, para o
primeiro e imprescindível estabelecimento legal, uma "inteligência superior" que
se interessasse pelos interesses dos homens, sem ter ela própria nenhum interesse.
"Do Legislador" trata o Capítulo III, que muitos comentários tem suscitado pelo
fato de, nele, Rousseau abandonar decidida e declaradamente qualquer rigor
analítico e racional para, depois de afirmar que "seriam precisos deuses para dar
leis aos homens", supor que só será verdadeiro legislador aquele que, "homem
extraordinário no Estado'', não obstante permanece praticamente fora do Estado,
sem poderes e sem autoridade. E admite até que em estágios sociais rudimentares
recorra a apelos às divindades, para ser melhor compreendido e aceito pelos ho-;
mens que nelas creit~m. Como se vê, não basta o pacto constitutivo do corpo
político, pois quase tão substancial quanto ele é o estabelecimento das conven-
ções gerais que só um legislador pode realizar devidamente.
Suposto tal elemento, os capítulos VIII, IX e X, sob o título geral "Do
Povo'', passam em exame as condições de adequação dos sistemas de legislação
a cada povó, considerado segundo sua própria constituição, as condições natu-
rais de sua vida e cada momento particular de sua história. O Contrato Social
começa a tanger o campo dos problemas, se não concretos, ao menos práticos,
ou ainda melhor: técnicos, da organização estatal. Essas considerações se con-
cluem no Capítulo XI, onde a análise dos "diversos sistemas de legislação '"se re-
sume àfixação de "dois objetos principais: a liberdade e a igualdade, sempre os
mesmos, enquanto variam os recursos específicos empenhados em sua pres~va
ção conforme as específicas condições de cada caso concreto". O Capítulo XII
estabelece uma divisão das leis que distingue as políticas das civis e das crimi-
nais, porém não se encerra sem apaixonada referência - em que repercutem as
18 INTRODUÇÃO
concepções sobre o legislador - a uma quarta espécie de lei, "a mais importante
de todas, que não se grava no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos
cidadãos". Como dessas leis imateriais decorre a "verdadeira constituição do
Estado", podemos concluir que, no momento em que se vê levado a examinar
problemas mais técnicos, Rousseau julga necessário reafirmar a importância
capital do conteúdo ético da vida política.
LIVROIJI
LIVRO/V
Iniciando-se o último livro com um capítulo sob o título "De como a Vonta-
de Geral é Indestrutível", impõe-se esclarecer que não nos defrontamos aqui com
uma tardia seqiiência da primeira porção do segundo livro, on.de se tratou dos
atributos essenciais da soberania, mas apenas com uma conclusão do que se tra-
tou no Livro III sóbre as refações entre o governo e o soberano. É curlosa a loca-
lização desse trecho conclusivo no quarto livro, sobretudo se tivermos em vista
que nos demais capítulos, entre os quais não se reconhece a mesma unidade siste-
mática e a mesma coerência expositiva até agora constantes, surge uma série de
ponderações sobre certos problemas de minúcia, certas implicações concretas do
funcionamento da máquina política que,fartamente entremeadas de referências
tomadas à história romana por intermédio de Sigonius, instigam a suspeita de
tratar-se de um aproveitamento fragmentário de porções das Instituições que a
Rousseau custava abandonar.
Assim vemos sucessivamente abordados os problemas do sufrágio (Capítulo
II) e das eleições (Capítulo III), onde ainda ressoam considerações sobre a legí-
tima expressão da vontade geral, para logo toparmos com uma verdadeira mono-
grafia sobre os comícios romanos (Capítulo IV), que se relacio'Tta com o assunto,
mas dispensava tratamento exaustivo. O "tribunato ·: palavra que Rousseau
emprega com significação muito especial, e a ditadura (capítulos V e VI), ou seja,
os remédios excepcionais a que se pode recorrer quando o Estado, ameaçado em
sua integridade, chega às bordas da crise, também se ligam ao exemplo de Roma,
porém nele não encontram mais do que inspiração para uma inédita figura de
ditador-repúblico jamais vista na prática e que parece significar o temor de ver-se
irremissivelmente perdida a essência do ente político. E, como sempre que cuida
do Estado em perigo, não pode Rousseau esquecer-se de seu conteúdo ético, pelo
que normalmente se passa, no Capítulo VII, à questão da censura que corres-
ponde, para a opinião pública, ao que, para a vontade geral, é a lei. Não se bus-
que aí, contudo, a raiz da exposição sobre a religião civil que surge no capítulo
seguinte, fruto de diversa inspiração e de circunstânciàs distintas das responsá-
veis pelo mais que se encontra nesse livro. Embora não constitua, propriamente,
um corpo estranho ao conjunto do Contrato Social, esse capítulo sempre exigirá
estudo e comentário à parte. Afinal, o derradeiro capítulo não passa de brevís-
20 INTRODUÇÃO
sima conclusão em que, à guisa de escusa, Rousseau enumera o que não pôde
expor, isto é, o que constituiria o plano completo das Instituições Políticas.