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A ESSÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO

Na obra “A Essência da Constituição” (4ª. Edição, Rio de Janeiro, Editora


Lúmen Júris, 1998), o autor Ferdinand Lassale (1825-1864), advogado na
antiga Prússia, basicamente analisa os fundamentos essências, sociais e
políticos de uma Constituição, diferenciando a mesma entre o que chamou de
“Constituição escrita” e “Constituição efetiva”. Neste contexto, o autor define
Constituição como sendo “a lei fundamental de um país. Uma força ativa que
faz, por uma exigência da necessidade, que todas as outras leis e instituições
jurídicas vigentes no país sejam o que realmente são. Uma constituição
promulgada, a partir de um instante, não se pode decretar, naquele país,
embora possam querer, outras leis contrárias à fundamental”.

Com relação a essa definição, são inicialmente feitas, de forma elucidativa,


considerações relativas aos pontos fundamentais que estão presentes em uma
Constituição, os equívocos existentes nos comentários a eles relacionados, os
fatores reais do poder que integram e direcionam uma Constituição e a forma
sustentável que os mesmos lhe são inseridos.

Os pontos fundamentais a serem abordados quando se desenvolvem


comentários a uma constituição são: suas características fundamentais e o seu
conceito. O autor critica que estes temas são abordados de maneira
equivocada, de forma a atender a uma Constituição específica. De forma até
certo ponto genericamente exagerada, afirma que aplicadores do Direito
apresentam a esses pontos ensinamentos apenas relacionados ao campo
jurídico, que no geral não atendem aos seus propósitos e não são suficientes
para se definir se uma Constituição é boa ou má ou se suas características
atendem a uma determinada finalidade. Desta forma, o autor afirma que os
juristas se limitam a descrever apenas as funcionalidades externas de uma
Constituição, não esclarecendo onde está a sua essência, “... apenas dão-nos
critérios, notas explicativas para conhecer juridicamente uma Constituição”.

Para que seja possível definir as características fundamentais e o conceito de


uma Constituição, é informado que é necessário saber qual a sua verdadeira
essência. Para isso é preciso identificar se a Carta Constitucional está de
acordo ou não às suas exigências indispensáveis. Portanto, de nada servirão
estas definições jurídicas que são geralmente atribuídas à Constituição, as
quais “podem ser aplicadas a todas as leis de uma nação, atribuindo-as, seja
qual for o seu conteúdo ou essência, o papel de Constituição”.

Com relação à essência de uma Constituição, ou seja, aos fatores que


efetivamente influenciam uma sociedade, Ferdinand Lassale explica que estes
segmentos, de forma basilar, são partes integrantes de uma Constituição, pois
são condições fundamentais, contribuindo veementemente nas suas
formulações, lhes obrigando, como o próprio autor informa “... a ser como são e
o que são, sem poderem ser de outro modo”. Somente desta forma, unindo
“esses fatores reais do poder, os escrevendo em uma folha de papel, os
mesmos adquirem expressão escrita”. A partir desse momento, não mais serão
considerados simples fatores reais do poder, mas sim “verdadeiro Direito”, uma
verdadeira Constituição.
Com o intuito de fundamentar com exatidão a importância da influência dos
fatores reais em uma Constituição, o autor se baseia em um contexto Europeu,
descrevendo como determinados segmentos de uma sociedade se tornará
parte de uma Constituição em uma situação em que todas as leis de uma
nação são destruídas, ficando a mesma sem nenhuma lei que a governe,
sendo necessário decretar novas leis:

01) Se nesta nação em que as leis foram destruídas houvesse uma Monarquia
como sistema de governo, onde o exército subsiste e obedece unicamente ao
Rei, este governante será parte de uma Constituição, pois poderá utilizar a
força coercitiva “das baionetas e canhões” para que não seja tolerado que
pessoas venham lhe impor posições e prerrogativas que não estejam do seu
acordo;

02) As pessoas nobres, compreendidas em grandes proprietários agrícolas,


são também parte de uma Constituição quando possuem grande influência na
Corte, garantindo-lhe a não utilização da força para atingir os seus objetivos;

03) No sistema medieval visto anteriormente, era por lei que existisse uma
quantidade restrita de produção de cada industrial e cada indústria somente
poderia ocupar um determinado número de operários por igual. Por
conseguinte, nesse sistema as grandes indústrias são também parte de uma
Constituição, pois, como a grande indústria exige ampla liberdade de fusão dos
mais diferentes ramos do trabalho nas mãos de um mesmo capitalista, as
mesmas seriam fechadas e os pequenos industriais seriam obrigados a fechar
suas oficinas e a multidão passaria necessidade. Isso proporcionaria que a
grande burguesia, sustentando esse povo com o seu dinheiro, viriam
fatalmente à luta, na qual o triunfo não seria certamente oriundo da força;

04) Quando eventualmente o governo sente apertos financeiros devido a


necessidade de investir grandes quantias de dinheiro que não tem coragem de
tirar do povo por meio de novos impostos ou aumento dos existentes, os
Banqueiros são considerados parte de uma Constituição, tendo em vista que
nessas condições os governos não podem se indispor com os mesmos em
virtude de serem utilizados como intermediários de empréstimos.

05) A pequena Burguesia e a Classe Operária são também parte de uma


Constituição se o governo pretendesse tirá-los não somente as suas liberdades
políticas, mas a sua liberdade pessoal.

Para explicar a forma em que os Fatores Reais do Poder são incluídos em uma
Constituição, Ferdinand Lassale, a título de exemplo, relata o que ocorria no
reino da Prússia: esta nação era dividida em três grupos eleitorais, de acordo
com os impostos por eles pagos e que, conseqüentemente, estariam de acordo
também com as posses de cada eleitor. Dividindo o poder proporcionalmente
ao poder aquisitivo dos eleitores, concluiu-se que o rico terá o mesmo poder
político, ou seja, poder nos destinos do país, que 17 cidadãos comuns. Desta
forma, era bastante fácil usurpar as liberdades políticas dos trabalhadores e da
pequena burguesia, sem, todavia, privar-lhes de modo radical e imediato dos
bens pessoais constituídos pelo direito à integridade física e à propriedade.
Da mesma forma, os representantes de grandes propriedades rurais e mais
alguns outros elementos secundários ao se unirem no senado, terão
atribuições de aprovar ou não os acordos feitos pela câmara dos deputados
eleitos pelo povo, que não terão valor legal se os mesmos forem rejeitados pelo
senado. Isso equivale a atribuir, de forma simulada, grandes direitos políticos a
ricos proprietários ou a banqueiros, de tal forma que lhes permitirá equilibrar a
vontade nacional e de todas as classes que a compõem, por mais unânime que
seja essa vontade.

Desde tempos históricos, em especial na França do final do século XVIII, é


verificado que já se falavam de Constituição e se reconhecia a sua
irredutibilidade até pelos próprios governantes, mesmo que não esteja escrita
em qualquer papel ou documento especial. Naquela época o povo era obrigado
a suportar o peso dos impostos e prestações que lhe quisessem impor. Não
existia papel escrito que constasse os direitos do povo e os do governo. Assim,
já se verificava a expressão simples e clara dos fatores reais do poder que
vigoravam naquele país.

É verificado também que os fatos considerados tradicionais têm grande


importância nas questões Constitucionais. No exemplo do pagamento de
impostos, colocava-se em questão de que desde longínquas datas o povo
estava sujeito a estas cargas e, sobre este precedente, esta norma podia
continuar de forma ininterrupta.

Todos os fatos e seus precedentes, todos esses princípios de direito reunidos


formavam a Constituição de um país, sem que todos eles, por sua vez,
fizessem outra coisa que não enunciar os fatores reais do poder que regiam
esta nação. Por conseguinte, todos os países possuem ou possuíram sempre e
em todos os momentos da sua história uma Constituição “real e verdadeira”. A
diferença, nos tempos atuais, não são estas Constituições, mas sim “aquelas
escritas nas folhas de papel”.

Quanto ao fato de sempre se desejar uma Constituição escrita, Ferdinand


Lassale explica que todo país tem que possuir necessariamente uma
Constituição real (escrita) condicionada a uma Constituição efetiva, pois não é
“possível imaginar uma nação onde não existam os fatores reais do poder,
quaisquer que eles sejam”. Esse desejo está condicionado às transformações
dos segmentos de uma sociedade (elementos reais do poder) e que foram
parcial ou totalmente diferentes em outras épocas. Caso estes fatores fossem
iguais em todas as épocas de uma sociedade, não haveria a necessidade que
um povo desejasse uma Constituição também atualizada. Portanto, com o
progresso constante de todos os fatores e seguimentos de uma sociedade,
surgirão outras formas de governo e, conseqüentemente, a necessidade de
elaboração de uma nova Constituição que controle toda uma sociedade, agora
mais instruída e consciente dos seus direitos e deveres. A Constituição antiga
será como tivesse sido totalmente destruída, com se “um incêndio ou um
furacão tivessem varrido a velha legislação nacional”.
A eficácia e durabilidade de uma Constituição podem ser demonstradas
quando verificarmos se uma Constituição real tiver sua origem nos fatores do
poder que regem o país. Quando uma Constituição escrita não corresponder à
real, prevalecerá inevitavelmente um conflito que será impossível de se evitar.
Portanto, a Constituição escrita desaparecerá diante da constituição real (“das
verdadeiras forças vitais do país”).

Uma Constituição se tornará “nada mais do que um pedaço de papel” quando:


promulgada de forma prematura, não se tendo conhecimento da sua essência;
afastando os fatores reais e efetivos do poder dentro do país e intrometendo-se
no Poder Executivo de tal forma que este fique impossibilitado de surgir como
soberano perante a Nação. “De nada servirá o que se escrever numa folha de
papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder”. “... não existe
Deus nem força capaz de salvá-la”.

O uso da força coercitiva, realizado pelos órgãos de segurança nacional, tem


valor decisivo e importantíssimo em um poder organizado; mas também
existem outros valores, como organizações de diversos segmentos funcionais
de uma sociedade, que podem ser considerados também como forças
organizadas de poder.

Nos comentários e informações sobre Constituição, Lassale ao condicionar a


Constituição escrita à Constituição efetiva, deixa basicamente evidente a
importância que tem o direito natural no direito positivo. É tornado claro que é
fundamental na formulação de uma lei se atentar quanto aos valores naturais
inerentes a determinada nação. Seria impossível se elaborar um texto
constitucional sem se verificar o progresso natural de todos os segmentos
sociais de um país. Uma Constituição, assim como as características de uma
sociedade, jamais será eterna. Como já defendia Grotius na sua concepção
jusnaturalista, “o direito provém do homem, devido a sua tendência inata de
viver em sociedade”.

A intenção de Lassale neste maravilhoso trabalho, ao contrário da maioria dos


estudiosos daquela época, é realmente elucidar e não somente informar sobre
os pontos fundamentais de uma Constituição, como se pode verificar nos
vários exemplos de contextos Europeus daquele período.

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