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Direito constitucional II

Direito Constitucional II
(Resumos: Lições de Direito Constitucional vol. II, Melo Alexandrino)

1. História Constitucional
1.1. Introdução
Segundo Ruy e Martim de Albuquerque, “os textos constitucionais portugueses e
respetivos atos adicionais, longe de constituírem marcos separadores do percurso liberal, são
epifenómenos de um movimento mais fundo de ideias e de alterações politicas, sociais e
económicas que só uma perspetiva redutoramente positivista pode sacralizar”.

Importância da Constituição na prática:

1. A Constituição não se reduza um texto (parte visível da Constituição), na medida em que


há ainda outras fontes a considerar alem do texto: o costume e as interpretações.
2. À historia constitucional apenas interessam as estruturas, as instituições e as normas
constitucionais tal como elas foram realmente efetivadas.

Periodificação da história constitucional portuguesa:

➢ Era pré-liberal (vai até 1820): a historia constitucional portuguesa começa no século XII;
quanto às normas que enformavam a Constituição histórica e material portuguesa, e as
respetivas fontes constitucionais: segundo António Ribeiro dos Santos, as leis
fundamentais são as resultantes da convenção expressa ou tácita entre o Povo e o
príncipe (Actas das Cortes de Lamego, leis que garantem os direitos invioláveis, os foros
e privilégios do corpo da nação e dos diferentes estados do reino); segundo Pascoal José
de Melo Freire, integravam as leis fundamentais o direito de não ver alteradas essas leis,
o direito de suplica, o direito de pretender os ofícios do reino e o direito de ver
respeitada a propriedade, bem como o próprio fundamento constitucional do poder
municipal. Os princípios provenientes da normatividade pré-liberal que relevam ainda
influencia na Constituição de 1976, são, para Paulo Otero:
• Ideia de limitação do poder de governantes
• Rigidificação do processo de modificação das normas constitucionais;
• Existência de matérias reservadas ou dependentes da intervenção das Cortes
• Predomínio ou centralidade da vida politica pelo órgão de topo do poder
executivo

O movimento de ideias que esta na base do constitucionalismo das revoluções


despontara em Portugal a partir da década de 80 do século XVIII, onde o reformismo
jusracionalista se afirma como cultura politica dominante, o que vem ter ampla
comprovação no debate travado em 1789 entre Melo Freire e António Ribeiro dos
Santos.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

➢ Era Constitucional (distingue-se de constitucionalismo porque: o constitucionalismo não


se reduz a uma pratica politica ou à adoção de Constituições, sendo também um
movimento de ideias; nada impede que também Portugal se tenha concretizado
historicamente um “constitucionalismo das origens” anterior ao “constitucionalismo
das revoluções” e ao “constitucionalismo liberal”; não podemos excluir na experiencia
portuguesa uma eventual sobreposição destas ultimas fases do constitucionalismo)
1. Período do constitucionalismo liberal e parlamentar: inicia-se com a Revolução
Liberal de 1820 e termina com o golpe de Estado de 28 de maio de 1926 (1820-
1851, fase da instauração do liberalismo; 1852-1890, fase de estabilização
constitucional do sistema, formalizada com a primeira revisão da carta
constitucional; 1890-1910, fase da crise da monarquia constitucional; 1890-
1910, fase da crise da monarquia constitucional);
Vigora o Estado liberal de Direito, o regime politico encaminha-se no sentido da
democratização(sem sufrágio universal e com predomínio económico e político
da burguesia, de que é testemunho o sufrágio censitário), sistema de governo
passa de simplesmente representativo para parlamentar (primeiro
condicionado, depois orleanista e, no final, de assembleia), e o sistema de
partidos oscila entre o Estado sem partidos, o bipartidarismo e o
multipartidarismo, perfeito, na fase da crise da monarquia, e de partido
dominante, depois de 1911.
2. Período do constitucionalismo antiliberal, antidemocrático, antiparlamentar
e antipartidário: inicia-se em 1926 e prolonga-se até ao golpe de Estado de 25
de abril de 1974 (1926-1933, fase da ditadura militar; 1933-1974, fase da
vigência da Constituição de 1933);
Estado intervencionista, regime politico autoritário, sistema de governo
autoritário de concentração de poderes no chanceler, reforçado em 1959,
sistema com partido único ou de partido liderante, ainda que a Constituição não
reconheça na prática a liberdade de associação partidária.
3. Período do constitucionalismo para-democrático e democrático: vai de 1974
até aos nossos dias (1974-1976, fase pós-revolucionária de interregno
constitucional; 1976-1982, fase da vigência da versão originaria da Constituição
de 1976; 1982-…, fase da consolidação da democracia constitucional);
Estado intervencionista (primeiro com intenções socializante, depois como
Estado Social), regime democrático, sistema de governo hibrido (oscila entre o
parlamentar e o presidencial), e existe um multipartidarismo de partido
dominante.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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1.2. Constituição histórica, escrita e real


Constituição histórica: ideia de Constituição dos antepassados (Platão); Constituição
material sempre que não esteja associada a uma constituição formal (como sucede com a
constituição britânica e portuguesa anterior a 1820), logo dispensa os textos constitucionais;
conjunto de valores, princípios e instituições fundamentais que apresentam continuidade
jurídica efetiva num ordenamento concreto e situado, se for caso disso,
independentemente dos textos e das próprias vicissitudes constitucionais observáveis,
atravessando os textos constitucionais, sem os destruir ou ser por eles destruída (este é o
sentido que interessa); a constituição histórica está ligada à alma da constituição. É
essencialmente consuetudinária, não se decreta, não está necessariamente formalizada e
defini-la pelo conteúdo das respetivas normas

Constituição escrita: Constituição formal. Essencialmente documental, é um ato com autor


e data, envolve necessariamente uma forma e defini-la pela sua força

Constituição real: conjunto das normas da constituição de um Estado que são efetivamente
aplicadas e tomadas como parâmetro da ação dos poderes públicos e como parâmetro de
uma garantia efetiva dos direitos dos cidadãos, verificação que, se depende largamente do
exercício da jurisdição constitucional, não dispensa outras verificações, sobretudo no
âmbito da atividade política, normalmente isenta de controlo constitucional. Envolve todas
as fontes relevantes, escritas e não escritas, revela-se na prática, vê para além das formas e
defini-la pela efetividade das normas.

A normatividade limitada das nossas constituições escritas, prova-se pelo número é


extensão das revisões constitucionais de que foram alvo ou pela enumeração de toda a série
de vicissitudes de que pode eram, para não falar se Constituições Que não vigoraram (como
a de 1838) ou das que aprovadas por uma única força política tiveram afinal uma vigência
anormal e atribulada (como a de 1911). Existem também factos que podem ilustrar esta tese
da normatividade limitada:

• Entrada em vigor de uma nova constituição sem a substituição dos titulares dos
cargos, como sucedeu em 1838, com o presidente do ministério
• Durante o Estado Novo, depois de 1936, não se procedeu à exoneração formal de
Salazar por ocasião das eleições presidenciais
• O Governo, até 1926, ganhava sempre as eleições
• Os deputados, mas eleições para a assembleia constituinte em 1911, não foram
eleitos, mas sim designados pelo Partido Republicano

Paulo Otero:

• Decorrem da leitura da Carta Constitucional, três ideias essenciais: a de que o Rei


(titular exclusivo do poder moderador e do poder executivo) possuía completa
centralidade no sistema de governo, a de que as Cortes concentravam em si o exercício
da competência legislativa, e a não existência de qualquer norma que consagrasse a
responsabilidade politica dos ministros junto das Cortes. Apesar de ser isto que dizia a

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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Constituição escrita, as coisas na pratica, ou seja, na Constituição não escrita, não


aconteceram desta maneira, já que o Rei começou a confiar a uma personalidade o
encargo de formar o ministério, sem qualquer autorização, criando-se a figura do
Presidente do Ministério, que passou a funcionar como intermediário entre o Rei e os
Ministros e o Rei e as Cortes; o Governo passou a carecer também da confiança politica
das Cortes, passando o sistema de governo a envolver uma vertente parlamentar; e o
executivo passou a exercer poderes legislativos, quebrando a competência exclusiva
das Cortes, através das leis de delegação legislativa não previstas no texto da Carta e
através de um bill de indemnidade, eram frontalmente contrários ao texto
constitucional.
• Quanto à constituição de 1933: era no Presidente do Conselho que estava o centro de
todo o sistema governativo, apesar do texto constitucional fazer do Presidente da
Republica o centro de toda a organização politica; era o Presidente do Conselho que
escolhia o candidato a Presidente da Republica e o fazia eleger, ainda que a Constituição
dissesse que o Presidente do Conselho era escolhido e nomeado pelo presidente da
republica; apesar do texto constitucional só conferir ao Governo competência
legislativa autorizada e em casos de urgência e necessidade publica, verifica-se que a
pratica, vinda da Ditadura Militar, fez do Governo um órgão legislativo normal
• Constituição de 1976: o texto constitucional configura as instituições politicas segundo
três princípios:
i) Primado legislativo da Assembleia da Republica
ii) Subordinação politica do Governo ao parlamento
iii) Flexibilidade do estatuto funcional do Presidente da República

João Tello de Magalhães Collaço, as ideias que resultavam da medida constitucional do


Estado português na Constituição de 1911 eram:

i) O Parlamento tem o exclusivo do poder legislativo


ii) A constituição assenta na supremacia do Parlamento sobre o executivo
iii) O Presidente da Republica foi apenas tolerado, não chegando a ser um agulheiro

Isto tem como consequências o surgimento de um regime de decretos com força de lei, todos
voltam os olhos para os Paços do Governo, porque o Parlamento em tudo se intromete e nada
faz, e o Presidente da Republica foi obrigado a destacar-se, até vir a receber o poder de
dissolução, devido a ausência do Parlamento.

1.3. Receções, interregnos e padrões estruturantes das constituições escritas

Fontes de receção e influencia das constituições:

a) Fontes diretas (correspondem a influencias visíveis, declaradas e textuais, sendo


francamente assumidas ou reconhecidas)
b) Fontes mediatas (correspondem a influencias de certo modo visíveis, mas não
necessariamente declaradas ou textuais, sendo habitualmente relevadas pela doutrina)
c) Fontes profundas (correspondem a influencias invisíveis, não declaradas, que se
encontram ao nível estrutural, sendo reveladas apenas pela analise histórica)

Quanto à analise das fontes das diversas constituições portuguesas (ver quadro), observa-se
que:

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• Todas as Constituições portuguesas revelam uma abertura ao exterior


• A influencia das constituições estrangeiras é muito relativa e variável
• Cada constituição portuguesa recolhe sempre uma influência direta ou profunda da
constituição ou das constituições portuguesas anteriores
• Estamos perante varias edições da mesma constituição
• A ideia da existência de ligações ao período pré-liberal não esta excluída
• As grandes esferas de influência são a francesa (até 1933, com receção de elementos do
constitucionalismo britânico em 1826 sobretudo, e do constitucionalismo norte-
americano em 1911, sobretudo) e a alemã (com nova reaproximação ao
constitucionalismo norte-americano)

Interregno constitucional – período de tempo que medeia entre a rutura ou a cessação de


vigência de uma constituição escrita, ou seja, o período de tempo sem uma constituição em
vigor.

Interregnos constitucionais de 1822:

i) 1823-1826: regresso as leis fundamentais da monarquia


ii) 1828-1834: D. Miguel fez-se proclamar rei pelos três “Estados do Reino”, que
aboliram a carta constitucional e reimpuseram as leis fundamentais, regressando-
se dessa forma ao regime absoluto, que se estende ate ao termo da guerra civil
entre absolutistas e liberais
iii) 1836-1838: vive-se na realidade em regime ditatorial, e alegadamente era aplicável
a constituição de 1822 (com as adaptações necessárias)
iv) 1910-1911: vigoram normas dispersas decretadas pelo governo provisório, que
legislava por decretos com força de lei
v) 1926-1933: a constituição de 1911 esta em vigor parcial e atenuadamente,
juntamente como os sucessivos decretos com força de lei aprovados em regime de
Ditadura militar pelo governo
vi) 1974-1976: foram aprovadas 35 leis constitucionais, tendo a Lei nº3/74, de 14 de
maio, procedido à receção material das normas da Constituição de 1933 no que não
fosse incompatível com o Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA)

Todos estes interregnos têm três coisas em comum: foram marcados por uma forte
turbulência social e politica, correspondendo sempre a períodos de ditadura, de facto ou de
Direito, neles se consumando as maiores ofensas tanto à separação de poderes como à garantia
dos direitos individuais; períodos onde o poder politico estava sempre concentrado nas mãos
do executivo; todos os períodos se revelam sempre nefastamente criativos, tendo
verdadeiramente sido eles a ditar as novidades que haviam de ser incorporadas na nova
Constituição.

Síntese da evolução histórica do constitucionalismo:

• Tipos constitucionais de Estado


i) 1822-1926 – Estado liberal de Direito
ii) 1926-1974 – Estado antiliberal, intervencionista e autoritário conservador
iii) 1974-1976 – Estado para-democrático, intervencionista e marxizante
iv) 1976-1982 – Estado social e democrático de Direito
• Separação de poderes
i) Constituição de 1822 – separação rígida

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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ii) Constituição de 1826 – introdução do poder moderador, a chave de toda a


organização politica
iii) Constituição de 1838 – tripartição dos poderes
iv) Constituição de 1911 – concentração de poderes no Parlamento, sem
contrapesos relevantes
v) Constituição de 1933 – concentração de poderes efetiva no Presidente do
Conselho
vi) Constituição de 1976 – separação e interdependência de poderes
• Regime politico: só se pode falar de regime democrático a partir de 1976
• Sistema de governo
i) Constituição de 1822: sistema de separação rígida de poderes
ii) Carta constitucional de 1826+Constituição de 1838: sistema parlamentar
orleanista (dupla responsabilidade do Governo perante o Rei e perante as
Cortes)
iii) 1910-1911: sistema de governo autoritário de concentração absoluta de
poderes no Governo Provisório
iv) Constituição de 1911: sistema parlamentar de assembleia (1º fase), sistema de
governo autoritário e corporativo de matriz presidencialista
v) Depois de 1919: sistema parlamentar inicial, com a introdução do poder de
dissolução e a criação do Conselho Parlamentar
vi) 1926-1933: sistema de governo autoritário de concentração de poderes no
Governo
vii) 1933-1074: sistema de governo autoritário de concentração de poderes no
Presidente do Conselho
viii) 1974-1976: sistema de governo que evolui no sentido autoritário sob influencia
militar
ix) 1976-1982: semipresidencialismo de matriz portuguesa
x) Depois de 1982: existe um sistema hibrido e flexível de difícil qualificação
• Sistema de partidos
i) Até 1852: sistema sem partidos
ii) 1851-1891: bipartidarismo artificial rotativista
iii) 1891-1910: multipartidarismo perfeito
iv) 1910-1926: multipartidarismo imperfeito, com interrupções ditatoriais e
tentativas de sistema de partido hegemónico
v) 1910-1911 + 1933-1974: com partido único
vi) 1926-1933: sem partidos
vii) 1974-1976: multipartidarismo condicionado
viii) 1976/1982: multipartidarismo de partido dominante.

1.4. Génese, aprovação e transformações da constituição de 1976

A constituição de 1976 teve uma gestação complicada, já que resultou de uma forma
democrática de exercício do poder constituinte, e porque todos os interregnos constitucionais
portugueses foram marcados por grande turbulência politica e social, envolvendo formas
ditatoriais de exercício do poder. É com esta constituição que se inicia o período para-
democrático e democrático em Portugal, e que é eleita, pela primeira vez, a Assembleia
Constituinte por sufrágio universal.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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Podemos dividir o período entre 1974 e 1976 (ultimo interregno constitucional) em quatro
grandes fases:

i) Fase que vai do 25 de abril até 28 de setembro de 1974, mais ligada ao programa
do MFA; está presente a legitimidade associada à ideia de Direito inicial, proclamada
em 25 e 26 de abril (entra rapidamente em crise)
ii) Fase que vai de 28 de setembro de 1974 a 11 de março de 1975, de emergência do
processo revolucionário, num sentido socializante e de reforço do poder político
militar
iii) Fase entre 11 de março de 1975 a 25 de novembro de 1975, de ditadura do conselho
da revolução, em declarado conflito com a legitimidade eleitoral da Assembleia
Constituinte; legitimidade revolucionaria marxizante, assumida pelo Conselho da
Revolução a partir de 11 de março de 1975, e a legitimidade eleitoral inerente à
eleição da Assembleia Constituinte, em 25 de abril de 1975 (estas legitimidades vão
entrar em confronto aberto durante o período de elaboração da constituição)
iv) Fase final de reequilíbrio da legitimidade eleitoral, que levaria à celebração da 2º
plataforma de Acordo Constitucional; até à chegada desta fase, em que os paridos
conseguiram impor a renegociação da Plataforma de Acordo Constitucional, o
trabalho da Assembleia Constituinte desenrolou-se durante o período mais critico e
conturbado do interregno constitucional

Circunstancias particulares que assinalaram o processo que se desenrola até à Constituição


(JoMi):

• Turbulência dos dois anos entre a revolução e a Constituição


• Celebração de duas plataformas de Acordo Constitucional entre os principais partidos
políticos e o MFA, definindo alguns pontos importantes da futura Lei fundamental
• Pluralismo partidário (6 partidos representados na Assembleia Constituinte)

Durante este interregno constitucional, a Constituição de 1933 mantinha-se em vigor com


algumas adaptações (aquilo que contrariava os princípios expressos no programa do MFA e nas
referidas leis constitucionais não era aplicado), e foram aprovadas 35 leis constitucionais, em
que 3 dessas leis têm uma referencia importante: Lei nº3/74. De 14 de Maio (remete para a
ideia de Direito subjacente ao programa do MFA, porque configura a primeira pré-constituição,
estabelece o sistema de órgãos de soberania, dispõe sobre o estatuto da futura Assembleia
Constituinte, e define normas relativas aos direitos fundamentais e à fiscalização da
constitucionalidade), a Lei nº5/75, de 14 de março (rompe com a pré-constituição e redefine o
sistema de órgãos de soberania, concentrando no Conselho da Revolução os poderes de Junta
de Salvação Nacional e do Conselho de Estado, e criando uma Assembleia do MFA) e a Lei
nº8/75, de 25 de julho(ainda consta da CRP, no art.292º, apesar de ofender postulados básicos
do Estado de Direito, como a igualdade perante a lei e a proibição da incriminação retroativa e
as garantias do devido processo)

Plataforma de Acordo Constitucional: documento que incorporava uma doutrina imposta


aos partidos (dai todos eles, de uma forma ou de outra, tivessem de se referir ao socialismo nos
seus projetos e nos futuros debates) e definia os termos do futuro sistema de governo, que
envolvia um PR militar, o Conselho de Revolução, uma segunda camara militar, e um Governo

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

sujeito a uma dupla responsabilidade; até aos partidos conseguirem impor a renegociação da
Plataforma de Acordo Constitucional na ultima fase de interregno constitucional, o trabalho da
Assembleia Constituinte desenrolou-se durante o período mais critico e conturbado do
interregno constitucional, e foi desse período que emergiu uma Constituição feita em revolução
e sobre o acontecimento, grandemente limitada nas suas opções em matéria de organização do
poder politico e da fiscalização da constitucionalidade e exprimindo ela própria todas as
contradições e ambiguidades que atravessaram o seu anómalo processo de gestação.

Razoes pela qual a Constituição de 1976 é considerada problemática:

• Conflito de legitimidades
• Imposição constitucional de uma doutrina politica
• Defraudar a primeira função da Constituição, que é a de exprimir a unidade da
comunidade politica em torno de um conjunto de valores e princípios (função de
integração)
• Não exprimir um consenso fundamental, mas apenas um agregado de acordos
parcelares alcançados por distintas forças politicas, numa situação histórica crítica

Para alguns autores, existiam duas Constituições, uma democrática e liberal, e outra autoritária
e socialista (Lucas Pires e Manuel Afonso Vaz); para outros, a Constituição acusava sobreposição
de tendências (Manuel de Lucena), convívio de contrário (Braga de Macedo), contradições
internas (Heinrich Hoster, André Thomashausen, Vieira de Andrade, Paulo Otero) e seria menos
bipolar (Cardoso da Costa); JMA diz que a Constituição não era apenas compromissória, mas
também compósita, representando um compromisso por adição, sem conseguir alcançar uma
síntese unificadora – Ideia de constituição dividida

A constituição de 1976 sofreu ate agora 7 revisões constitucionais:

• 1982: desmilitarização do sistema politico, consolidação da afirmação do principio do


Estado de Direito, e remoção das diversas “entorses” ao principio democrático
• 1986: redireccionamento do regime económico, com a abolição da regra que impunha
a irreversibilidade das nacionalizações, e aperfeiçoamento jurídico do texto
constitucional
• 1992: constitucionalização das soluções do tratado de Maastricht
• 1997: reforço dos direitos fundamentais, pela previsão de um direito ao
desenvolvimento a personalidade, e flexibiliza as diversas estruturas constitucionais
• 2001: ratificação do estatuto do Tribunal Penal Internacional e introdução das
importantes restrições a diversos direitos, liberdades e garantias
• 2004: aprofundamento das autonomias regionais
• 2005: permissão do referendo a tratados europeus

Podemos identificar, quanto a este processo, quatro fases:

1) Fase da “questão constitucional” (1976-1989)


2) Fase da superação da “questão constitucional” (1989-1997)
3) Fase da “questão politica” das revisões constitucionais (1997-2011)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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4) Fase da aparente “superação do revisionismo constitucional” (2011 ate hoje)

José Melo Alexandrino: “as centenas e centenas de alterações introduzidas no texto de uma
Constituição cada vez mais descentrada, o estilo das revisões e a insatisfação que se segue a
cada uma delas, bem como o constante apelo à revisão indiciam, para alem da fala de
autenticidade subjacente, a ausência de uma veneração particular pela Constituição, por parte
dos partidos”, porem, a proposta segundo a qual o consenso constitucional há-de ter de ser
induzido pela confluência do procedimento, da natureza, e do decurso do tempo mantem-se. O
facto da ultima revisão constitucional ter sido feita há mais de 10 anos, não significa que
finalmente se consolidou o consenso constitucional, e que não há necessidade de repensar
algumas normas da constituição, designadamente à luz da mudança de paradigma imposta pela
crise financeira destes últimos anos.

Quais as duas datas mais fundamentais quanto ao processo de transformação da Constituição?

• 1982: assinala um ponto de chegada do constitucionalismo português, a chegada da


democracia representativa sem as entorses da primeira fase de vigência da constituição,
a chegada do principio do Estado de Direito, e achegada do “tempo dos direitos” e do
“constitucionalismo da democracia constitucional”, com a criação do Tribunal
Constitucional, em substituição do Conselho da Revolução e da Comissão
Constitucional; aprovação do 1º Ato Adicional à Carta Constitucional de 1826
• 1986: assinala a reorientação europeia de Portugal, depois de 5 seculos de expansão e
colonização ultramarinas, que teve como consequências no desenvolvimento
constitucional subsequente e na identidade da própria constituição; adesão às
Comunidades Económicas Europeias, acontecimento que, até hoje, é o mais
persistentemente determinante de todas as transformações constitucionais ocorridas
(âmbito do desenvolvimento constitucional); para Paulo Otero, quanto à identidade da
Constituição, há um conjunto de sinais que revelariam uma nova identidade
constitucional, bem diferente da identidade resultante do texto originário, como:
i) O facto da clausula de empenhamento na construção e aprofundamento da UE
se apresentar como um novo principio da CRP
ii) A perda de competência dos órgãos de soberania sobre diversas matérias
iii) A limitação de certas garantias constitucionais por via do Direito da União
Europeia (art.33º/5, CRP)
iv) A pratica reiterada da interpretação aplicação da CRP económica em
conformidade com o DUE
v) O facto da própria revisão constitucional se ter tornado um instrumento que
visa harmonizar previas vinculações politicas no âmbito da UE com o texto da
CRP

Podemos dizer que a Constituição de 76 ainda é a mesma? – há autores que defendem


que há uma nova Constituição desde 1982 (Luís Barbosa); outros hesitam em dar a sua resposta,
deixando a questão em aberto (Cardoso da Costa);os que admitiam a existência não de uma mas
de duas Constituições prognosticaram a morte de uma delas (Lucas Pires), ou acabam por
reconhecer a existência de verdadeiras mutações constitucionais (Manuel Afonso Vaz); uma boa

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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parte da doutrina admite que a Constituição de 76 ainda é a mesma (Gomes Canotilho, Jorge
Miranda, Vital Moreira).

Segundo Paulo Otero, independentemente das alterações constitucionais introduzidas


pelas diversas revisões constitucionais, pode-se dizer que se assistiu a uma mudança da
fisionomia originaria da Constituição, gerando uma transfiguração identificativa da CRP, sendo
os 5 principais fatores: o decurso do tempo e a gestação de uma normatividade “não oficial”
subversiva, o peso da herança histórica do Estado Novo, a intervenção dos partidos políticos, a
integração europeia e o seu aprofundamento, a erosão do domínio reservado do Estado e o
constitucionalismo transnacional.

JMA: para alem da sua parte visível, a CRP tem também uma parte invisível (a que liga
as raízes históricas, a que lhe advém da sua estrutura, a que resulta da praxis constitucional) e
que se manifesta através do costume e das interpretações; a CRP configura-se como uma rede
de princípios em tensão, razão pela qual ela se apresenta como uma ordem-aberta e uma
ordem-quadro; para quem admite a possibilidade de existirem, no constitucionalismo
português, varias edições da mesma constituição, não custara acreditar que a constituição de
76 ainda seja a mesma. Por um lado, a CRP ainda é a mesma, por não ter rompido com o melhor
legado que recebeu da constituição histórica, por outro, porque se verificou a resistência
oferecida por uma serie de elementos fundamentais, que por isso mesmo representam o
verdadeiro cimento da ordem constitucional (o principio da dignidade da pessoa humana, o
primado dos direitos, liberdades e garantias, e o principio da democracia representativa).

1.5. Uma síntese do constitucionalismo português

Constitucionalismo Português é pautado por:

Divergência de fundo – continuidade vs. ruturas

• É possível identificar uma continuidade em todo o constitucionalismo e até para além


dele.

- Ruy e Martim de Albuquerque: permanência de certas linhas de força de uma tradição


que sobrevive às diversas Constituições

• Constitucionalismo nasce através de um corte abrupto com o passado e avança por


ruturas sistemáticas.
- Gomes Canotilho: código binário continuidade/descontinuidade, predominando as
ruturas e as descontinuidades

JMA: formalmente há ruturas, materialmente há continuidade.

• Sobretudo há uma continuidade. Até em 1976 se quis mudar tudo, mas muito foi
mantido – sendo que a prática que vai além do texto constitucional também releva para
esta ideia de continuidade

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


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Divergência metodológica – predomínio dos textos constitucionais vs. fatores de origem externa
e interna

• Ênfase na distinção entre fatores jurídicos e os fatores culturais, socioeconómicos e


políticos, sendo que todos eles estão presentes no constitucionalismo português
- Marcelo Rebelo de Sousa: muito relevante as interações dos fatores jurídicos e
extrajurídicos, que são em maior número.

JMA: Fatores extrajurídicos pesam mais que os textos constitucionais (Ex: Constituição 1933 –
primazia teórica do PR, mas na prática era o Presidente do Conselho de Ministros)

O Constitucionalismo português caracteriza-se pela superfície (os textos) e pela


profundidade (pressupostos, raízes, influências, elementos estruturantes, prática):

i) Elementos pré-liberais – preponderância do Governo, tendência para a


desnacionalização (havendo marcas de influência de matrizes francesa,
britânica, norte americana e mais recentemente alemã)
ii) Mitificação da Constituição escrita ao entrar na “era constitucional” –
nominalismo constitucional que predomina
iii) Continuidade de textos, estruturas, instituições e práticas – estando a
Constituição sempre próxima da que a precedeu (bem como dessa experiência
política) _ há novidades e elementos reativos, mas tendo em conta uma
continuidade e incorporação
iv) Interregnos constitucionais – perfil marcante e constitutivo de “ditaduras
criativas”
v) Relevância do costume e da prática para determinar a Constituição real – falta
de correspondência entre os textos e a realidade Constitucional
vi) Dificuldade em estabelecer-se um consenso fundamental
vii) Intranquilidade dos textos – 6 constituições e 25 revisões constitucionais

O constitucionalismo português evolui por transformações progressivas, coberto de ruturas


parciais de diverso tipo, revelando significativas constantes, quer positivas quer negativas, e
uma marcada capacidade de adaptação. Resulta da interação de três correntes
complementares:

1) Continuidade: autoritarismo, mitificação e nominalismo, insuficiências estruturais e


institucionais
2) Reação: despotismo e incúria, descrédito do anterior e nova onda mais radical e etc.
3) Novidade: que se assumem e consolidam para o futuro – governo representativa,
pluralidade de órgãos políticos, igualdade perante a lei, garantia de direitos, fiscalização
(1911), intervenção do Estado (1933), princípio democrático

A Constituição de 1976 recebeu da Constituição Histórica portuguesa uma parte significativa dos
seus princípios, estruturas, regras e instituições. Ela entende-se por:

• Texto da Constituição escrita em vigor


• Pertinentes raízes históricas, estruturas e influências recebidas

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

• Constituição real efetivamente aplicada – sem desconsiderar os elementos relevantes


que decorrem da prática constitucional

Explica de forma abrangente o fenómeno cultural do Constitucionalismo português,


percebendo que as grandes transformações não coincidem com os momentos constituintes
propriamente ditos; as realidades novas são assimiladas pelos textos subsequentes ao
identificar-se o melhor do legado de cada uma das etapas, havendo uma proximidade e
profundas inspirações na Constituição anterior. A Constituição Portuguesa não serve, no
entanto, tecnicamente na dogmática jurídica quanto a respostas concretas.

Paulo Otero: Identidade Relacional da Constituição – por influência, contágio ou plágio –


receberam soluções normativas de outras constituições:

• A Constituição de 1976 também exportou soluções normativas


a) Contágio: Constituição espanhola de 1978
b) Plágio: Constituição de S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Timor-Leste, Guiné-Bissau

JMA: perspetiva mais ampla em que se deve perscrutar não só os textos, mas também a
“matéria escura”, partindo para influências diretas e influências profundas: apenas Cabo Verde
teve essa influência direta e profunda – quer ao nível dos textos quer ao nível político

Matriz Constitucional de Língua Portuguesa?

JMA: Não há uma matriz lusófona pois a Constituição não se resume ao texto, nem o
Constitucionalismo se resume ao poder constituinte – tem que se atender à prática (e a maior
parte das Constituições dos países lusófonos têm caráter nominal e semântico); pressupõe-se
também a existência de um movimento de ideias visando a garantia da liberdade e
racionalização do poder político (em muitos países não há correspondência entre os fins
proclamados nos textos constitucionais e os pressupostos culturais, éticos, económicos,
políticos e sociais); a esse movimento tem que se seguir uma prática política (muitos países
puseram logo as Constituições em vigor sem estas etapas – exceto Cabo verde que não adotou
logo uma Constituição, teve movimento de ideias e hoje é o país mais democrático).

2. Padrões estruturantes da Constituição de 1976: os


princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

2.1. Sentido e âmbito da formula “Estado de Direito Democrático”

Principio do Estado de Direito Democrático:

• Na sua versão originaria, esta expressão só constava do preambulo, tendo sido a revisão
constitucional de 1982 a alterar a epigrafe do art.2º de “Estado democrático e transição
para o socialismo” para Estado de Direito Democrático, e a positivar o novo principio
nos artigos 2º e 9º, alínea b), da CRP;
• Do ponto de vista linguístico, a Constituição de 1976 quis evitar a expressão “Estado
social” devido à conotação que teve no Estado Novo;
• Do ponto de vista substantivo, as dimensões do principio do Estado de Direito
Democrático já incorporavam de certa forma a Constituição portuguesa, desde a
entrada na era constitucional, e desde a Constituição de 1933, quanto à dimensão da
justiça social e da promoção de bem-estar

Os artigos que fazem referencia a este principio são: art.2º, art.9º,b), art.7º/6, e art.8º/4 CRP

Fenómenos que deram origem ao desenvolvimento constitucional do principio do EDD:

i) Revisões constitucionais (alteração do art.2º em 1989 e 1997, acrescentando novos


conteúdos e atribuindo nova funções, em matéria de transferência de poderes
soberanos e de vinculação do Estado de Direito Europeu)
ii) Desenvolvimento jurisprudencial (extração de novos princípios e regras, como os
princípios da proporcionalidade, da proteção da confiança e da razoabilidade, e
diversas garantias, nomeadamente em matéria criminal, alem do próprio direito ao
mínimo de existência condigna
iii) Elaboração doutrinária

Conceito de EDD:

• Jorge Miranda: traduz a confluência de Estado de Direito e democracia; não é algo de


contraposto a Estado social democratico
• Maria Lúcia Amaral: quem procura compreender o sistema dos direitos e deveres
fundamentais, o sistema de organização do poder politico, o sistema de fontes
normativas ou os meios de proteção e garantia da Constituição está sempre, direta ou
indiretamente, a deparar com formas de concretização ou de explicitação do conteúdo
deste principio, porque o coração da constituição encontra-se nele
• Paulo Otero: o conceito constitui uma expressão-síntese da orientação teleológica uma
da constituição, dos respetivos pressupostos e meios de concretização
• Gomes Canotilho + JMA: conceito-chave e particularmente complexo da constituição,
que se apresenta como a expressão de síntese de todo o sistema da Constituição

Características do principio do Estado de Direito democrático:

i) Carácter primário (primeira decisão que o poder constituinte toma)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

ii) Carácter complexo ou compreensivo (apresenta-se na nossa Constituição como


uma formula que tem uma extensão muito mais ampla do que lhe deveria
corresponder, quer em termos linguísticos, quer por agrupar realidades que
tradicionalmente aparecem separadas)
iii) Macrocefalia (fraca operatividade jurídica, sendo privado de um conteúdo jurídico
autónomo, estando o seu conteúdo normativo consumido pelo das varias
realidades que o integram)
iv) Expressão de síntese da Constituição

Funções do princípio do Estado de Direito Democrático:

a) Enunciativa (expressão de síntese do sistema da CRP)


b) Normogenética (capacidade que possui para ser fonte de outras normas constitucionais,
sejam elas princípios ou regras)
c) Instrumental (servem de parâmetro orientador e hermenêutico)
d) Limite e parâmetro da vinculação do Estado português no âmbito da EU

Estado de Direito ou juridicidade

Envolve três componentes


Democracia ou pluralismo
(orientação maioritária)

Autonomização do principio do
Elementos fundamentais na
Estado social relativamente ao
fórmula de Estado de Direito Estado social do bem-estar ou da
principio do Estado de Direito
Democratico sociedade
democratico
(doutrina)
(Marcelo Rebelo de Sousa)

Maria Lucia Amaral: há autores


que exprimem reservas à
fórmula constitucional ou não
fazem sequer referencia neste
dominio

JMA: prefere falar em Estado de Direito, democracia e Estado social; a leitura do art.2º CRP
permite detetar três níveis do principio do Estado de Direito Democrático _ um nível de base,
compreendendo especialmente a dignidade da pessoa humana, o reconhecimento e garantia
efetivados direitos e liberdades fundamentais, o principio do Estado de Direito, o principio da
igualdade e o principio democrático; um nível teleológico, traduzido na ideia da democracia
económica, social e cultural; e um nível metodológico residual, traduzido no principio da
democracia participativa, falando aqui o preceito no aprofundamento da democracia
participativa.

Existe alguma tensão entre democracia e Estado de Direito?

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

JMA: na CRP, a existência do principio do Estado de Direito democrático é uma prova de que
não há incompatibilidade entre o Estado de Direito e a democracia, nem entre o Estado de
Direito e o Estado social, na medida em que vivem ambos debaixo do mesmo teto , exprimindo
no seu conjunto a grande síntese constitucional; os princípios constitucionais encontram-se
numa situação de tensão, não se podendo excluir a existência de contradições; podem existir
dificuldades a respeito da demarcação entre o que pertence ao plano da Constituição e o que
pertence à margem de decisão do legislador, devendo nos casos duvidosos ou de fronteira ser
dada a preferência às opções do legislador, que goza, em atenção ao principio democrático e a
outras razoes, de um critério de confiança.

2.2. Principio do Estado de Direito

O principio do Estado de Direito tem as suas origens no constitucionalismo das revoluções


e na elaboração filosófica que lhe esteve associada, nomeadamente em Kant, elaboração essa
que, ao longo do século XIX, é apropriada pelos juristas da Europa continental, de modo a
conferir ao principio um sentido jurídico próprio, que veio a resumir-se ao principio da legalidade
da administração e ao principio da independência do poder judicial, apresentando por
conseguinte o principio (Estado de Direito formal) um conteúdo mais restrito do que aquele que
lhe e dado hoje (Estado de Direito material).

Estado de Direito: Estado limitado e organizado juridicamente com vista à garantia dos
direitos fundamentais dos cidadãos, apresentando-se a separação de poderes e os direitos
fundamentais como duas das suas dimensões essenciais (genericamente); a ideia de Estado de
Direito alargou-se no constitucionalismo das revoluções, carregando-se de um sentido material
e estando ainda aberta uma pluralidade de conceções; o poder do Estado só pode ser exercido
com fundamento na Constituição, e em leis que formal ou materialmente com ela sejam
conformes e com o fim de garantira dignidade da pessoa humana, a liberdade, a justiça e a
segurança (Klaus Stern); o significado essencial vem a ser, por um lado, a ideia de submissão e
da sujeição do poder do Estado a princípios e a regras jurídicas e, por outro lado, a vinculação
da atuação do Estado ao prosseguimento de um conjunto de fins _ a garantia da dignidade da
pessoa humana, a liberdade, a justiça e a segurança (JMA)

Elementos formais do principio do Estado de Direito:

• Principio da separação e interdependência de poderes: art.2º e 111º CRP; distribuir as


diferentes funções estaduais por diferentes instituições, estabelecer meios de controlo
reciproco entre elas, de tal forma que possa haver vigilância e coresponsabilização
quanto ao modo pelo qual cada uma exerce a função(ões) que lhe foram
constitucionalmente distribuídas (Maria Lúcia Amaral)
• Principio da constitucionalidade: todas as leis têm de estar de acordo com a
Constituição; a validade das leis e dos demais atos do Estado, das RA, do poder local e
de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a
Constituição (art.3º/3 CRP); postula mecanismos para o controlo da constitucionalidade
dos atos do poder politico do Estado, controlo normativo que na CRP está a cargo de
qualquer tribunal e do Tribunal Constitucional, nas três modalidades de fiscalização

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

abstrata; dá-se uma extensão do sistema de fiscalização da constitucionalidade a um


conjunto de leis mais relevantes que funcionam também como parâmetros de um
controlo da constitucionalidade da legalidade, em tudo similar ao controlo da
constitucionalidade (Blanco de Morais)
• Principio da legalidade da administração: não tem a centralidade de outros tempos;
postula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei, e
requere o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e a
observância dos princípios da prossecução e do interesse publico, da justiça, da
proporcionalidade e da boa-fé (art.266º CRP); o seu núcleo essencial é definido pelos
princípios da prevalência da lei (assinala a superioridade da lei, relativamente a
quaisquer aos da administração _ regulamentos, atos e contratos _, impondo a esta a
aplicação da lei e proibindo-lhe a pratica de atos contrários a lei), e da reserva da lei
(significa que o tratamento de certas matérias, como por exemplo a das restrições aos
direitos, liberdades e garantias, só pode ser feito por lei, proibindo-se ao poder
executivo ou à administração qualquer regulação ou interferência não definida
previamente por lei nesses domínios)
• Independência dos tribunais: art.203º CRP; elemento e garantia essencial do Estado de
Direito, pois de outro modo não estaria assegurado um instrumento indispensável
contra o arbítrio ou a prepotência da parte de qualquer dos poderes do Estado (Nuno
Piçarra); tem como finalidade defender os tribunais de ingerências, pressões ou
instruções que pudessem vir dos demais poderes do Estado; os tribunais estão apenas
sujeitos ao Direito, a que a Constituição chama “lei”, cabendo-lhes a eles dizer o Direito
(iuris dicto), gozam de autonomia na interpretação do direito e entre as garantias da sua
independência contam-se a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade do
exercício das funções dos juízes (art.216º CRP), bem como a existência de um adequado
regime de incompatibilidades, de nomeação, colocação, transferência e promoção
(art.216º/4 e 5, e 217º CRP)
• Tutela jurisdicional efetiva: art.20º CRP; necessidade de existência de mecanismos
judiciais de controlo da conformidade jurídica das atuações do poder politico, quer por
lesão objetiva da juridicidade, quer quando esteja em causa lesão ou afetação de
direitos, pressupondo designadamente a existência de tribunais, de uma ação ou meio
processual adequado, o acesso aos tribunais, um processo equitativo, uma decisão em
prazo razoável e a garantia de execução das decisões tomadas; alem deste postulado da
tutela jurisdicional efetiva, o principio do Estado de Direito requer um conjunto de
mecanismos de garantia, que no nosso sistema podem ser sistematizados _ fiscalização
da constitucionalidade e da legalidade das normas, controlo da legalidade da atuação
da administração publica, responsabilidade civil do Estado e das demais entidades
publicas, responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos e mecanismos de
exceção (Paulo Otero)

Art.1º CRP: há quem veja (Maria Lúcia Amaral) a afirmação da forma republicana e governo onde
o poder é exercido não para o bem de alguns mas para o bem de todos, e quem veja (Paulo
Otero) na sua parte final o objetivo ultimo do próprio Estado de Direito democrático, que seria
a “construção de uma sociedade livre, justa e solidaria; JMA defende que “republica soberana”
significa a forma de uma comunidade nacional ou Nação (um termo que a Constituição quis
evitar devido à projeção desse conceito no Estado Novo, defende também que se pretende
afirmar o compromisso solene da comunidade em relação a alguns valores (dignidade da pessoa

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

humana e a vontade popular, enquanto verdadeiras bases ou pedras angulares do sistema


constitucional, e o empenho na realização da liberdade, da justiça e da solidariedade, valores
que a comunidade assume como fins permanentes a prosseguir), e por ultimo que a formula
constitucional assinala também o primado da pessoa e da sociedade sobre o Estado e sobre o
poder político, porque é primariamente a sociedade e não o Estado que está em causa.

Elementos materiais do principio do Estado de Direito (ver quadro):

• Dignidade da pessoa humana


• Igualdade
• Proibição de excesso/Proporcionalidade
• Proteção da confiança

Os elementos materiais são normas de ação ou normas de controlo? - Ersnt Forsthoff: é


diferente a vinculação de um órgão que atua da vinculação de um órgão que controlo, uma vez
que há parcelas das normas em que o controlo esta necessariamente afastado.

2.3. Principio democrático

George W. Bush quis, em 2003, implantar a democracia no Iraque. A democracia é algo que, em
qualquer lugar, só se implanta quando o terreno se encontra devidamente preparado (em
Portugal, a democracia só começa a ser implantada em 1822, mas os seus efeitos só se
começaram a fazer sentir em 1976/82).

Pressupostos da democracia:

• Eleição dos governantes por parte dos cidadãos Apenas pode existir em
• Eleições livres, frequentes e justas sociedades abertas, complexas e
• Liberdade de expressão minimamente estruturadas em
• Acesso a fontes de informação torno dos valores e da pratica do
• Autonomia de associação constitucionalismo
• Cidadania ativa

Opções fundamentais tomadas em sede do principio democrático pela CRP:

i) Proclamação da vontade popular com um dos valores de base da comunidade (a


dignidade da pessoa humana) e do sistema constitucional, pelo que é a vontade
popular que o poder politico encontra o seu fundamento
ii) Afirmação da soberania popular e do pluralismo de expressão e organização politica
democráticas como elementos constitutivos do Estado de Direito democrático
(art.2º CRP) afirmando o seu correspondente compromisso na defesa da
democracia politica (art.9º, al. c) CRP)
iii) Distinção entre titularidade da soberania, que pertence ao povo, e as formas
constitucionais do seu exercício (art.3º/1 e 108º), que explica que o povo exerce o

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

poder politico através do sufrágio universal, direto, secreto e periódico, do


referendo e de outras formas previstas na Constituição (Maria Lúcia Amaral)
iv) A constituição não deixa de referir o seu compromisso com a garantia e o
aprofundamento da democracia participativa (para alem da democracia
representativa e da democracia semidirecta)
v) Regra geral da eleição por sufrágio direto, universal, secreto e periódico na
designação dos titulares dos órgãos eletivos da soberania, das regiões autónomas e
do poder local
vi) Pluralismo: fez uma opção pelo sistema de representação proporcional, procede à
incorporação constitucional dos partidos que concorrem para a organização e
expressão da vontade popular, e reconhece um estatuto à oposição, tanto
parlamentar como extraparlamentar, salvaguardando ainda diversos mecanismos
de proteção das minorias
vii) A responsabilidade politica dos governantes perante o povo é a implicação direta
da democracia configurada na CRP, quer no sentido:
• Da exigência de um espaço publico onde seja possível o debate livre e
esclarecido
• Da prestação de contas pela forma como são exercidos os mandatos ou os
cargos em que o povo investe os governantes
• De sancionamento da condução irregular dos assuntos públicos
• Na responsabilização dos órgãos executivos perante os órgãos colegiais
representativos da comunidade (indiretamente)
viii) Relação circular, de reciproca interdependência, entre os direitos fundamentais e o
principio democrático, ainda que a função democrática dos direitos fundamentais
seja própria na realidade dos regimes não plenamente democráticos

Conceito de democracia (conceito mais problemático, devido aos seus vários sentidos históricos
e conceções teóricas, mas também o caracter multiforme ou multidimensional do conceito; na
sua conceção moderna, o cerne da democracia é-nos dado pela igualdade de todos os cidadãos,
no sentido de que esta pressupõe antes de tudo o mais que todos os membros do povo tenham
“um igual direito à participação politica”):

• Conceções teóricas e filosóficas:


a) Fórmula de Lincoln: “governo do povo, pelo povo e para o povo”; presente no art.2º da
Constituição francesa
b) Fórmula de Popper: “sistema em que os governantes podem ser afastados do poder
sem violência”
c) Habermas: auto-organização politica da sociedade através da discussão e da deliberação
d) Zagrebelsky: sistema aberto à critica e à reversibilidade das decisões
• Plano constitucional-positivo – a democracia ainda surge na constituição como uma
unidade multidimensional, na medida em que nos é apresentada como um valor
(art.1º), como fundamento do poder politico (art.2º), como forma politica que define os
termos da rlaçao entre governantes e governados, e como um principio complexo que
compreende um conjunto de princípios, procedimentos e regras
• Jorge Miranda – forma de governo em que o poder é atribuído ao povo, à totalidade dos
cidadãos e em que é exercido de harmonia com a vontade expressa pelo povo, nos
termos constitucionalmente prescritos

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

• JMA – forma de organização e racionalização da titularidade e do exercício do poder


politico numa comunidade humana, o que implica a consideração de sucessivos níveis,
desde o da legitimação do poder politico, o da arquitetura do sistema de governo, o da
regulação das formas do exercício do poder politico, o do controlo da ação desenvolvia
ate ao da responsabilidade politica

Soberania popular – art.3º/1; é única e indivisível; reside no povo (conjunto ou reunião de todos
os portugueses, em condições de igualdade), que a exerce segundo as formas previstas na CRP;
pressuposto da igualdade absoluta dos cidadãos no domínio da participação politica; distinção
entre titularidade da soberania e formas constitucionais do seu exercício. Serão os conceitos de
soberania popular e soberania nacional equivalentes? _ para alguns autores, como Maria Lúcia
Amaral, só o conceito de soberania popular expressa o imperativo de tratar todos os cidadãos
de modo igual, não considerando por isso os dois termos iguais; para outros, como Jorge
Miranda e José Melo Alexandrino, na CRP a soberania popular equivale à soberania nacional na
linha do constitucionalismo democrático, embora que na origem se pudesse falar em
significações distintas, pelo conhecimento da origem da expressão soberania nacional, que veio
na altura da Revolução francesa, em que povo era apenas uma classe da sociedade, porque o
conceito de soberania nacional evoluiu ao longo do tempo, em função das transformações que
se foram sucedendo nas estruturas politicas e sociais, pelo facto da constituição francesa de
1958 utilizar exatamente a expressão soberania nacional como soberania popular.

Legitimação democrática – expressão da vontade popular de que emana o poder constituinte,


que é regulada pela constituição; exercido pelos governantes, que não o detêm ou exercem em
nome próprio, mas sim como representantes autorizados pelo povo, perante o qual prestam
contas.

Regra da maioria – formas através da qual se expressa a vontade popular: o voto, e a tomada
ade decisões ou deliberações pelos órgãos investidos no exercício do poder através da regra da
maioria; quer o povo, quer os órgãos que o representam se socorrem à regra da maioria (o povo
escolhe o PR por maioria absoluta dos votos expressos, decide questões politicas por referendo
segundo a maioria dos votos, e as deliberações dos órgãos colegiais são tomadas, quando não
estejam previstas outras maiorias, segundo a regra da maioria relativa); tem como fundamento,
em primeiro lugar, tratar-se de um expediente técnico que, de forma pragmática e segundo uma
prova quantitativa, tornar possível chegar a uma decisão (MLA), em segundo lugar, existir uma
adequação estrutural entre a regra da maioria e o principio da liberdade subjacente à
democracia (Kelsen), e em terceiro lugar, a regra da maioria deixar-se atravessar pelos demais
princípios estruturantes, como a igualdade e a liberdade, sem exclusão da norma de base do
sistema, na medida em que há ainda quem veja na democracia uma consequência organizatória
da dignidade da pessoa humana. Isto não significa que as decisões tomadas ao abrigo da regra
da maioria sejam necessariamente justas, nem que não existam limites à regra da maioria:

1) Não há verdades absolutas nem decisões finais em democracia, já que esta pressupõe
discussão, tolerância, critica e possibilidade de correção constante
2) A constituição exige consensos mais alargados ou admite a formulação de votos de
vencido, relevando aí o contributo da minoria

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

3) A constituição contem uma serie de regras e princípios que constituem barreiras contra
as decisões da maioria, como o conteúdo irrestringível dos direitos fundamentais e as
regras básicas do Estado de direito (proibição do arbítrio, da concentração de poderes,
a independência dos tribunais, etc.)

Manifestações da democracia como componente do principio do Estado de direito como


componente do principio do Estado de Direito democrático na CRP:

➢ Democracia representativa
• Assenta no sufrágio universal (art.10º e 117º) e no pluralismo partidário (art.2º
e 51º)
• Tem de satisfazer três condições básicas (Ernst-Wolfgang Bockenforde):
i) Tem de ser possível uma referência permanente ao povo do poder
politico dos órgãos representativos
ii) Tem de excluir que os representantes deslizem para uma posição de
soberania
iii) Tem de incluir a possibilidade de o poder governativos ser
democraticamente corrigido e contrapesado
• Há dois sentidos de representação:
i) Sentido formal – refere-se à autorização que os órgãos obtêm do povo,
dos cidadãos; dá uma forma exterior à estrutura democrática
ii) Sentido material – consiste e ocorre quando a ação dos órgãos de
governo se configura de tal forma que os indivíduos e os cidadãos no
seu conjunto podem reconhecer essa ação; processo politico-espiritual,
que pressupõe a realização do poder do povo e a participação politica
dos indivíduos
• A representação constitui um processo dialético e interativo, na medida em
que, não se reduzindo à autorização dada aos governantes, ela se produz
também através de uma determinada ação dos representantes que deve
responder a exigências especificas no que se refere ao seu conteúdo
• Pode realizar-se, por ser um processo aberto e dialético, mas não esta excluída
a hipótese de ela não se realizar, designadamente se os governantes não
assumirem que querem ser também representantes do povo em sentido
material
➢ Democracia semidirecta
• Traduz-se, no nosso sistema, no referendo (art.115º) e na iniciativa popular
(art.167º/1 e 2)
• O referendo foi introduzido no âmbito local em 1982, no âmbito nacional em
1989, no âmbito regional em 1997, e no âmbito da UE em 2005, estando
regulado no art.115º CRP, do qual decorrem as seguintes regras:
a) Incide sobre questões politicas de relevante interesse nacional, cuja decisão
cabe à AR ou ao Governo através de convenção internacional ou ato
legislativo
b) A sua decisão é um ato livre, e compete ao PR, mediante proposta da AR ou
do Governo, podendo a iniciativa do referendo resultar da iniciativa de
75000 cidadãos dirigida à AR

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

c) Art.115º/4: há conjunto de matérias que estão excluídas no âmbito do


referendo, a começar pelas alterações à CRP e pelas matérias da
competência politica ou da reserva absoluta de competência legislativa da
AR
d) As propostas têm de ser submetidas obrigatoriamente à fiscalização
preventiva da constitucionalidade e da legalidade por parte do TC
e) O referendo tem eficácia vinculativa quando o numero de votantes for
superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento
• A única hipótese de referendo obrigatório é a do referendo para a instituição
em concreto das regiões administrativas, as quais podem ser criadas apos voto
favorável expresso pela maioria dos eleitores
• A iniciativa popular está regulada pela Lei nº17/2003, d 4de junho, e consiste
em permitir que um certo numero de eleitores possa dar inicio a um
procedimento legislativo, existindo também matérias excluídas do âmbito da
iniciativa (art.3º da Lei que a regula) e outros limites à iniciativa dos cidadãos
(art.4º), similares aos que são definidos na CRP e no Regimento para a iniciativa
legislativa em geral
➢ Democracia participativa
• Representa um reforço e complemento da democracia representativa
• Tem a ver com o envolvimento mais intenso dos cidadãos do que o exercício do
direito de voto, pressupondo uma ativação ou produção de inputs por parte dos
cidadãos, a titulo individual ou coletivo, na gestão de informação, no debate e
na avaliação das decisões tomadas pelos órgãos e instituições
• São múltiplos os afloramentos desta realidade no texto constitucional, desde o
exercício de uma multiplicidade de direitos políticos, ao envolvimento na vida
interna dos partidos, à intervenção em sede de procedimento legislativo, à
discussão pública de planos e regulamentos administrativos

O princípio democrático desenvolve-se ainda num conjunto de outras dimensões e funções:

1. Estado Constitucional de Partidos – centralidade dos partidos políticos como elementos


indispensáveis à expressão da vontade popular. Participam nos órgãos baseados no
sufrágio tendo um monopólio de direito na representação política. Exercem o direito de
oposição democrática e são ouvidos previamente à dissolução da AR, bem como à
nomeação do PM. Dispõe de um conjunto de poderes e direitos estabelecidos pela
Constituição e pela lei.
2. Sistema Eleitoral – optou-se pelo Sistema de Representação Proporcional manifestando
a preferência pelo multipartidarismo e pela representação fiel da sociedade; existência
de círculos plurinominais; desde 1997 admite que a lei possa configurar o sistema
eleitoral em novos moldes com três tipos de círculos: nacional, plurinominal e
uninominal (art.149º)
3. Problema da desobediência coletiva e insurreição revolucionária
4. Limites do Pluralismo – como a tolerância pelos intolerantes. A CRP não permite
fascismo (art.46º/4)
5. Projeção quanto à concretização dos direitos económicos, sociais e culturais são
remetidas para a margem de conformação do legislador

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

2.4. Principio da socialidade

Podemos utilizar as expressões Estado social, socialidade e bem-estar indiferentemente, ainda


que as mesmas possam ter significados distintos; esta abertura terminológica é dupla:

i) Por um lado, a CRP, uma vez abandonado o principio socialista, não fez nenhuma
opção expressa de qualificação do Estado nesse domínio tendo-se socorrido, em
sede do art.2º, da formula da “realização da democracia económica, social e
cultural”
ii) Por outro lado, não se corre com esta abertura terminológica o risco de afastar a
realidade normativa que se pretende analisar

O conceito de Estado social é um conceito de predominante recorte jurídico, e postula as


condições previas do Estado de Direito e da democracia, por traduzir um novo patamar do
Estado constitucional de tipo ocidental

Há diversas formas de concretização jurídica do Estado social: reconhecimento de direitos


fundamentais sociais (como sucede na CRP), do principio do Estado social (como sucede na
Constituição alemã), e de um espaço de opção do legislador na definição e execução de politicas
de bem-estar social (como sucede nos países nórdicos)

JMA: encontramo-nos hoje em geral numa segunda vida do Estado social, por ter deixado de
existir um equilíbrio entre o capitalismo e a proteção social, um crescimento económico robusto
e uma situação de pleno emprego; porem, hoje a grande questão é a da sustentabilidade do
Estado social (Estado social de garantia ou Estado pós-social)

Origem – segundo alguns autores, o principio já havia sido formulado por Hegel, e a doutrina
Social da Igreja deu um importante contributo nos últimos 120 anos (origem interna); podemos
dizer que confluem três fontes:

• Tradição nacional do reconhecimento dos “socorros públicos” vinda da Carta


Constitucional de 1826 e mantida nas Constituições seguintes
• Previsão da vinculação do Estado à realização do bem-estar social na Constituição de
1933
• Principio socialista inscrito na versão originaria da CRP

Fundamento – norma de base da dignidade da pessoa humana, em articulação com o principio


da solidariedade e com as exigências de realização da igualdade material, vinculo esse que se
revela: na Constituição histórica, na medida em que remonta ao art.6º/3 Constituição de 1933
a ligação entre dignidade da pessoa humana e bem-estar; no texto e estrutura da constituição
na praxis politica do legislador de revisão constitucional e sobretudo na jurisprudência do TC;
numa orientação doutrinaria que vê na dignidade da pessoa humana a exigência imediata das
condições e dos meios necessários à garantia da própria existência física da pessoa, de que e
concretização o principio do Estado social, defendendo-se entre nós que a dignidade da pessoa
humana desempenha o seu principal papel junto dos direitos sociais

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

Significado – a ideia de Estado esta constitucionalmente obrigado à promoção da igualdade real


e à realização da justiça social, respondendo dessa forma às desigualdades sociais e a todo um
conjunto de necessidades coletivas, com vista a assegurar condições mínimas de existência às
pessoas e a redistribuir a riqueza (Estado Robin dos Bosques _ rouba aos ricos para dar aos
pobres), ou seja, um Estado que assume uma responsabilidade pelas pessoas mais
desfavorecidas da sociedade; todavia, o Estado não desenvolve todas as atuações e tarefas
implicadas na realização do bem-estar social sozinho, uma vez que revelam ainda aí as ideias de
solidariedade (dever de responsabilidade reciproca dos membros da comunidade), de
subsidiariedade (cabe ao Estado as tarefas que os privados e os grupos sociais não esteja em
condições de assumir eficazmente) e de cooperação (articulação entre os sistemas públicos e o
mercado)

Positivação – apesar de, ao contrario do que acontece nas constituições alemã e espanhola, a
CRP não se referir expressamente ao principio do Estado social, a doutrina e a jurisprudência
não hesitam em deduzir o principio do Estado social do:

• Art.2º: nível teleológico do Estado de Direito democrático, por estabelecer o objetivo


da realização democracia económica, social e cultural)
i) Jorge Miranda: considera o socialismo como democracia económica, social e
cultural, fórmula que o texto constitucional vem adotar a partir de 1982
ii) Gomes Canotilho: vê na referência a democracia económica, social e cultural o
sinal de que o Estado social é na CRP uma consequência ou extensão do
principio democrático
iii) JMA: a Constituição de certo modo procedeu à classificação de um
determinado espaço para a edificação do projeto da futura democracia
económica, socia e cultural pensado pelo legislador constituinte, mas cuja
concretização efetiva depende da vontade do povo português e, naturalmente
das condições reais existentes ao longo do tempo
• Art.9º, d): a tarefa fundamental do Estado é promover o bem-estar e a qualidade de
vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos
direitos económicos, sociais e ambientais, mediante a transformação e modernização
das estruturas económicas e sociais
• Art.81º, a) e b)
• Catálogo de direitos e deveres económicos, sociais e culturais (art.58º a 79º)
i) Carácter sobredimensionado reconhecido em 1976 por Marcelo Curto,
Presidente da III comissão da Assembleia Constituinte, ao antecipar a
reprovação daas gerações futuras à excessiva regulamentação no texto
constitucional de matérias que deviam ser deixadas ao legislador ordinário, que
surgem como o traço da constitucionalização simbólica
ii) Este catalogo tem um sentido politico (lembra ao legislador a imposição
permanente de justiça social e de realização do bem-estar pretendida pela
Constituição e o patamar por ela requerido para o desfrute, em termos de
igualdade de oportunidades e de condições para o desenvolvimento da
personalidade de cada um, de todos os demais direitos fundamentais),
concretiza e qualifica um tipo de Estado juridicamente legitimado a intervir na
configuração da vida económica e social, inclui um conjunto de garantias

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

pontuais, que obriga à institucionalização e organização, impõe determinados


modelos de cooperação, participação e integração e, no final, fixa a direção da
concretização pretendida do principio do estado social, projetando ao nível do
texto constitucional o modelo de sociedade bem ordenada imaginado pelo
constituinte, que obriga pelo menos à imposição de politicas publicas com ele
condizentes, bem como à necessidade de justificação dos eventuais
retrocessos
iii) Apesar da vastidão do catálogo e do reconhecimento da força jurídica dos
direitos económicos, sociais e culturais na doutrina, o que se verificou ao longo
dos anos, foi um esvaziamento do conteúdo jurídico desses direitos, devido às
opções tomadas pelos sucessivos governos e ao baixo padro de garantia que
lhe tem sido reconhecido pelo TC (acórdão 509/2002 _ o reconhecimento da
existência de um direito a um mínimo de existência condigna veio, na prática,
a corresponder a uma efetiva despromoção das normas de direitos
fundamentais sociais consagrados na Constituição, aparentemente convertidos
à garantia do mínimo de existência condigna)
iv) Quanto à força jurídica dos direitos económicos, sociais e culturais, há um
relativo consenso na doutrina portuguesa a respeito dos seguintes traços:
a) Estes direitos envolvem imposições constitucionais para adoção de
politicas publicas e das medidas legislativas necessárias para tornar
cumpridos os preceitos constitucionais, cujo incumprimento dá lugar a
inconstitucionalidade por omissão (art.283º)
b) As respetivas normas constitucionais constituem critério de interpretação
das demais normas constitucionais e parâmetro jurídico de controlo das
atuações do Estado
c) São noras de garantia, pelo que constituem fundamento para a restrição
ou afetação de direitos, liberdades e garantias
d) Proibição de recriação de omissões inconstitucionais (uma regra
constitucional que proíbe a revogação simples de uma norma
concretizadora de um direito económico, social e cultural)
e) Por serem direitos fundamentais e por não estarem na livre disposição das
opções politicas do legislador, não podem ser afetados por razoes de mera
luta politica
f) Garantem uma certa capacidade de resistência aos direitos derivados a
prestações, resultantes da atividade conformadora do legislador,
resistência que, sem passar pelo reconhecimento de um “principio da
proibição do retrocesso” envolve especialmente a proteção constitucional
oferecida pelos princípios constitucionais da igualdade, da
proporcionalidade e da proteção da confiança

2.5. Principio do Estado unitário descentralizado

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

O Estado de Direito democrático português é um Estado unitário descentralizado, que se deixa


atravessar por diversas componentes daquele principio mais abrangente:

• Separação vertical de poderes


• Pluralismo (com existência de comunidades politicas distintas do Estado dispersas pelo
território)
• Principio democrático (subjacente à legitimação, organização, funcionamento e
controlo dessas variadas estruturas politicas territoriais)
• Principio da liberdade (Baptista Machado)

Principio do Estado unitário significa que há apenas uma constituição, um único poder politico
soberano politico e um único sistema de órgãos de soberania para todo o território nacional,
com exclusão do fracionamento ou da federalização dos mesmos.

Corolários do principio do Estado unitário:

i) Há um conjunto de interesses gerais da comunidade como um todo cuja realização


compete em exclusivo ao Estado, de que são exemplos os poderes inerentes à
função jurisdicional, à segurança externa e à defesa ou às várias esferas da reserva
absoluta de competência da Assembleia da Republica
ii) Articulação entre a unidade do Estado e a segurança jurídica, de onde decorre uma
clausula de supletividade do Direito do Estado, capaz de assegurar sempre a
existência de um direito aplicável em matérias da competência das entidades
intraestaduais, cláusula de que é expressão o art.228º/2 CRP

O principio da unidade do Estado tem de conviver e de ser harmonizado com:

• Principio da autonomia politica regional


• Principio da subsidiariedade
• Principio da autonomia local
• Principio da descentralização democrática da administração publica

Descentralização: forma de repartição de atribuições e competências por pessoas jurídicas


publicas distintas do Estado, através da qual se exprime a organização pluralista do poder
politico; existem dois casos diferentes de descentralização _ descentralização político-
administrativa (transferência ou repartição de poderes políticos, legislativos e administrativos
do Estado; corresponde, no nosso ordenamento, à autonomia politica das regiões autónomas
dos Açores e da Madeira) e a descentralização administrativa (transferência de atribuições
pertencentes às função administrativa, com exclusão,Emporsentido
conseguinte,
estrito:de poderes políticos e
legislativos) descentralização em pessoas
jurídicas autónomas do Estado,
como sucede com as autarquias
locais, as universidades publicas e
as associações publicas
Descentralização
administrativa

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

Devolução de poderes:
descentralização em pessoas jurídicas
integradas na Administração indireta
do Estado e que, por isso,
prosseguem fins típicos do Estado, a
cujo controlo e orientação estão
sujeitas

Europeização

A Constituição autoriza, desde 1922, a partilha e o exercício em comum de poderes soberanos


necessários à construção e aprofundamento da união europeia, com respeito do principio da
subsidiariedade e dos princípios fundamentais do Estado de Direito democráticos.

A unidade de soberania, que é indivisível e reside no povo impede, por exemplo, que Portugal
se torne membro de uma eventual federação europeia ou que a transferência de poderes se
possa considerar definitiva e irrevogável, não só por força do princípio da independência
nacional, mas também por força do postulado segundo o qual a competência das competências
ainda se encontra no estado soberano, como deixou bem claro o TC alemão o seu acórdão de
2009 sobre o Tratado de Lisboa.

A UE tem uma natureza jurídica mais próxima de uma estrutura confederal do que de um Estado;
a integração de Portugal na UE foi um ato livre do Estado e um ato autorizado pela CRP, não
estando excluída a possibilidade de o Estado poder recuperar a plenitude dos seus poderes
soberanos, optando pelo abandono da UE, um poder hoje reconhecido no art.50º/1, Tratado da
UE, segundo o qual “qualquer Estado membro pode decidir, em conformidade com as respetivas
normas constitucionais, retirar-se de União”.

Efeitos que resultam do conjunto de poderes soberanos a favor da UE delegado pelo Estado
português:

• Existência de uma clausula geral de transferência ou delegação de poderes do Estado


para a UE
• Clausula de limitação da soberania do Estado
• Admissão de uma correspondente clausula geral implícita de prevalência do Direito da
UE
• Proibição de retrocesso unilateral no processo de construção da UE, salvo previa revisão
constitucional

Subsidiariedade: presente nos art.6º/1 e 7º/6, conceito que migrou da filosofia politica para a
doutrina social de Igreja, alcançado só depois o terreno do Direito; tem a ver com a ideia de
limitação da esfera dos poderes públicos àquilo que não possa ser adequadamente deixado à
sociedade e com a limitação da intervenção publica aos casos em que a mesma seja mais
racional e eficiente. No art.6º/1, o principio esta enunciado como critério de repartição de
poderes entre o Estado e os demais entes intraestaduais, apontando para um reforço dos
poderes a conferir às estruturas mais próximas dos cidadãos; no art.7º/6, o principio esta

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

enunciado como critério de limitação da transferência de poderes do Estado para a União


europeia, apontando para que apenas se cometam à UE os poderes que o Estado não possa
prosseguir eficazmente.

Para autores, como Gomes Canotilho, não se justifica a qualificação de Portugal como “Estado
unitário regional”, na medida em que a descentralização político-administrativa não abrange
senão uma pequena parte do país, existindo apenas uma componente regional na organização
unitária do Estado; para outros autores, como Marcelo Rebelo de Sousa, o Estado português é
um Estado unitário regional.

JMA: a forma de Estado na CRP é a de Estado unitário regional periférico e descentralizado, com
prevalência do Direito do Estado.

3. Organização do poder politico


3.1. A regulação da organização do poder politico (Introdução)
Tem-se como poder politico a faculdade exercida por um povo de, por autoridade própria,
instituir órgãos que exerçam o senhorio de um território e nele criem e imponham normas
jurídicas, dispondo dos necessários meios de coação. Em sentido amplo, distingue-se entre
poder politico soberano, aquele que é dotado de autoridade originaria e subordinante, e os
demais poderes políticos, ou seja, os derivados, constituídos e subordinados, identificando-se
neste grupo o poder de revisão constitucional, os poderes políticos inerentes ao exercício das
funções política e legislativa do Estado, a autonomia politica das regiões autónomas, e o poder
local exercido pelas autarquias locais.

Camadas do poder politico:

1) Soberania – o titular é o povo; é expresso especialmente no exercício do poder


constituinte. Segundo uma relevante corrente doutrinaria, tem de haver, desde logo,
uma norma jurídica a reconhecer este poder originário como soberano (esta norma
encontra-se, hoje, no Direito Internacional costumeiro), logo, a primeira norma
pertinente a reter seria uma norma de costume, aflorada depois em diversos
dispositivos constitucionais /art.1º, 2º, 3º, 10º/1 e 108º CRP), sucedendo ainda que não
há nada na Constituição a respeito do fenómeno revolucionário ou sequer a respeito do
exercício do poder constituinte do povo, salvo no preambulo.
2) Poder de revisão constitucional – exercido pela Assembleia da Republica, em nome do
povo. É, talvez, o único que se encontra regulado integralmente na Constituição escrita,
nos art.284º a 289º CRP, comprovando a diferença de natureza face ao poder
constituinte.
3) Demais poderes políticos soberanos – exercidos em nome do povo pelos diversos órgãos
de soberania; exercidos pelos órgãos e instituições da União Europeia, por delegação
constitucional; exercido pelo povo através do referendo. Primariamente regulados na
Constituição escrita (art.108º a 224º), num segundo plano, essa regulação é integrada
por uma ou outra norma de costume constitucional, num terceiro plano, é

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

complementada por toda uma serie de leis orgânicas e de outras leis ordinárias, pelas
disposições dos Tratados da União Europeia e ainda por regimentos internos; por fim,
não estão excluídas as normas de natureza extrajurídica
4) Poderes políticos dos entes intraestaduais (ou não-soberanos), autonomia politica
regional e o poder local, exercidos, respetivamente, em nome das respetivas
comunidades territoriais, pelas RA e pelas autarquias locais – quanto à sua regulação,
por um lado, a Constituição estabelece uma ampla regulação tanto das RA (art.6º e 225º
a 234º CRP) como do poder local (art.6º, 235º a 265º, 291º e 294º CRP); por outro lado,
não esta excluída a existência de normas se costume constitucional nessa matéria, como
sucede com as normas na presença das quais o Presidente da Camara veio a emergir
como órgão nuclear do sistema de governo municipal; por fim, a Constituição esta
especialmente complementada pelo disposto nos estatutos político-administrativo das
RA e no estatuto das autarquias locais, que uma parcela da doutrina entende serem leis
de valor reforçado pelo menos em sentido funcional, por garantir diretamente o
principio constitucional da autonomia local
5) Poder politico social difuso – exercido pelos partidos políticos, por associações,
empresas, grupos e moimentos sociais, meios de comunicação social e, em geral, pela
opinião publica. Esta regulado na CRP nos art.10º/1, 38º, 39º/1, 40º, 51º, 55º, 56º, 86º
ou 114º, e na lei, sendo em grande medida objeto de regulações extrajurídicas
6) Poder politico de cada cidadão – expresso e exercido através das competências
inerentes aos direitos de participação politica, do livre exercício das liberdades de
expressão, reunião e manifestação e do envolvimento nos mecanismos da democracia
participativa. É objeto de normas constitucionais escritas, de usos e convenções
constitucionais, bem como de um numero considerável de leis, convenções
constitucionais, normas de Direito Europeu e regulamentos.

A função da CRP de criar órgãos, definir atribuições e competências, bem como estabelecer os
princípios estruturantes da respetiva organização e funcionamento, não é a única razão pela
qual a regulação do poder politico não pode só ser encontrada na Constituição, e menos ainda,
apenas na Constituição escrita. A primeira razão que surge reside no facto de a Constituição se
apresentar como uma ordem-quadro necessariamente incompleta, de onde resulta a
necessidade de articulação entre a Constituição e a lei; a segunda razão reside no facto de
existirem múltiplas camadas do poder politico, algumas das quais não são normas
constitucionais; a terceira razão reside na multiplicidade de fontes do Direito constitucional,
desde as fontes primarias as fontes secundarias (até mesmo às fontes extra-ordinem).

Princípios materiais de regulação do poder politico: foi Paulo Otero o autor que mais se dedicou
a esta tarefa, identificando um conjunto de 10 princípios materiais da regulação constitucional
da organização do poder politico, uma serie de oito princípios respeitantes aos titulares do
poder politico, e ainda três grandes princípios sobre as fontes reguladoras da organização do
poder politico.

Iremos, porem, cingir-nos apenas a três dos princípios materiais de regulação do poder politico:

➢ Principio da pluralidade de vinculações constitucionais – podemos falar deste principio


uma vez que a interdependência dos poderes que envolve uma necessária convivência
e uma pluralidade de relações entre os vários protagonistas e órgãos constitucionais, e

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

o relacionamento entre eles deve pautar-se por regras de lealdade, boa-fé e civismo
democrático.
Este principio desdobra-se em três subprincípios:
i) Solidariedade (pressupõe uma relação de confiança e de responsabilidade
mutua, que se exprime no dito “um por todos e todos por um”, sendo esse
vínculo que existe entre os membros do Governo): expressão de sintonia
politica entre determinados órgãos, que só existe nos casos que decorram
claramente da CRP; a violação do dever de solidariedade por parte de um
membro do Governo envolve o dever de demissão
ii) Cooperação institucional (resulta da existência de poderes entrecruzados
envolvendo diferentes órgãos e consubstancia-se num esforço positivo de
viabilização ou colaboração, exigindo um operar conjunto ou, pelo menos, cria
um dever de não gerar obstáculos gratuitos ao regular funcionamento das
instituições, sendo esse vinculo o que esta presente entre o Governo e o PR):
pressupõe a existência de competências de exercício partilhado entre
diferentes órgãos, visando o regular funcionamento das instituições; a
consequência da violação deste subprincípio provoca, no limite, provoca a
demissão do governo (art.195º/2), ainda que a pratica não aponte nesse sentido
iii) Respeito institucional (forma mais ténue de relacionamento entre os órgãos do
poder político, revelando um dever entre os órgãos do poder politico, revelando
um dever de conveniência democrática e de civilidade, com apelo a regras de
trato social, ainda que possam concorrer limitações decorrentes do estatuto
especial de certos titulares): vinculação permanente em virtude da qual
nenhum outro órgão se encontra habilitado a dirigir-se ou a tratar outro com
menor respeito, sem prejuízo da maior latitude de expressão politica
reconhecida; uma ofensa ao respeito institucional apenas tem efeitos no plano
da ética politica ou das normas de trato social.
➢ Principio da auto-organização interna – postula que na ausência de outra regulação e
salvo disposição expressa em contrario, todos os órgãos do poder politico têm o poder
inerente de decretar normas que disciplinam o regime da sua organização e
funcionamento; tem o seu fundamento na ideia de pluralismo dos centros de poder,
indissociável de uma democracia constitucional, mas também na exigência de
racionalização da organização do poder. Não existem duvidas quanto à existência deste
principio no Direito constitucional português, devido aos vários afloramentos expressos
do mesmo no texto da Constituição: o poder da AR aprovar o seu regimento (art.175º,
al.a)); competência legislativa exclusiva do Governo em matéria da sua organização e
funcionamento, que acresce ao poder de elaboração do regimento do conselho de
ministros; o poder do conselho de Estado elaborar o seu regimento (art.144º/1);o poder
das ALR aprovarem o seu regimento (art.232º/3); ou a competência exclusiva dos
governos regionais quanto à definição da respetiva organização e funcionamento.
Este principio tanto pode estar fundado na CRP (a que corresponde um dever expresso
de publicidade do ato no Diário da Republica), ou apenas no correspondente principio
geral, admitindo-se um dever implícito de publicação oficial, sempre que os
correspondentes atos disciplinem matérias de relevância constitucional
➢ Principio da imodificabilidade da competência – art.110º/2 CRP; traduz-se n ideia
segundo a qual a competência dos órgãos do poder politico tem de ser sempre
recortada por referencia a uma norma da constituição, quer seja a constituição a defini-
la em exclusivo ou quase em exclusivo, quer a constituição remeta a definição da

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

competência para a lei, quer a constituição se limite a definir o órgão com poderes para
a definição da competência. Este princípio tem um valor muito relativo por um lado
porque, com exceção do PR, nenhum outro órgão de soberania ou órgão constitucional
tem os seus poderes unicamente definidos na Constituição, na medida em que é a
constituição a autorizar a lei a intervir no sentido da ampliação das competências dos
demais órgãos de soberania; por outro lado, porque a constituição flexibiliza esse
principio ao admitir múltiplas situações de delegação de poderes e de substituição.
Obedece a três regras básicas:
1) Nenhuma competência atribuída por uma norma constitucional pode ser
modificada por lei
2) Nenhuma competência pode ser modificável pela simples vontade do órgão ao qual
se encontra confiada
3) Nenhuma competência é modificável pela intervenção de um terceiro órgão que
interfira nesses poderes

3.2. Estruturas da República: órgãos de soberania


3.2.1. Presidente da Republica
Antes de se caracterizar este órgão, é importante fazer referencia a três notas históricas: a
primeira é a de que sempre existiu na historia constitucional portuguesa a figura arbitral de um
Chefe de Estado; a segunda é a de que, esse Chefe de Estado não governa, mas sim reina; em
ultimo lugar, podemos dizer que a data-chave a ter em conta é a revisão constitucional de 1982,
porque até aí subsistiam ainda elementos da componente militar/revolucionaria, com um PR
que presidia ao Conselho de Revolução, o Governo era politicamente responsável perante o PR,
que o podia demitir, e o PR passa a ser o herdeiro do poder, até aí conferido ao Conselho de
Revolução, de garantir o regular funcionamento das instituições politicas.

À luz do texto da CRP, vemos que o PR é o primeiro órgão de soberania de que se ocupa a parte
III da CRP; que o PR é o único órgão de soberania cuja competência se encontra exclusivamente
definida na Constituição, sem prejuízo da existência de poderes implícitos, deduzidos dos
poderes constitucionais expressos ou mesmo de funções expressas.

Funções:

• Função de representação: cabe ao presidente o papel de representante da comunidade


nacional como um todo, de modo a cumprir a função clássica de integração e unidade
atribuídas a um Chefe de Estado. Esta função tem as seguintes manifestações
constitucionais:
i) Na representação simbólica da comunidade nacional, daí participarem nas
eleições os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro
ii) Na corporização da unidade do Estado e da independência nacional (art.120º)
iii) Na inerente da qualidade de Comandante supremo das forças armadas
iv) No exercício do poder de conferir condecorações
v) Na representação externa da comunidade nacional (poder reconhecido pelo
DIPublico costumeiro)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

vi) Nos poderes de exteriorização do pensamento político


• Função de garantia: cabe ao PR desempenhar um papel de garante politico da
Constituição, quer em virtude do juramento prestado aquando da tomada de posse,
quer em virtude do poder moderador que lhe vem da Constituição histórica e que está
textualmente presente nos art.120º e 195º/2, quer em virtude de uma multiplicidade
de normas constitucionais, nomeadamente as que lhe conferem diversos poderes; é,
em especial, através do poder moderador, colocado numa posição de superioridade e
equidistância, que ele vem a desempenhar funções de policia, de arbitro e bombeiro do
sistema, porque fiscaliza as atuações do Parlamento e do Governo, arbitra e dirime
conflitos, e resolve crises no funcionamento das instituições
• Função de conformação política: apesar da CRP confiar ao Governo a condução da
politica geral do país, tal não significa que tal poder esteja totalmente entregue ao
Governo; o desenvolvimento da função politica pode decompor-se em quatro
dimensões, a de programação (art.188º e 194º/1) e execução (art.182º, 199º, al.a)), que
compete predominantemente ao Governo, e as de definição e controlo, que se
encontram atribuídas primacialmente à AR e ao PR. Esta função manifesta-se
especialmente nos poderes de nomeação e demissão do Governo, de dissolução da AR
e das ALR, de convocação de referendos de âmbito nacional ou regional, de
promulgação e de veto dos atos legislativos e regulamentares e da pratica dos atos finais
da vinculação internacional do Estado português, e de exteorização do pensamento
politico, entre outros.

Estatuto:

i) É eleito por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos portugueses


recenseados no território nacional e ainda nos emigrantes que possuam laços de
efetiva ligação à comunidade nacional
ii) São elegíveis os cidadãos portugueses, maiores de 35 anos, salvo as inelegibilidades
previstas na CRP nos art.123º/1 e 2, e 130º/3
iii) É eleito PR o candidato que obtiver maioria absoluta dos votos validamente
expressos, não se considerando como tal os votos em branco; caso não seja atingida
a maioria absoluta, há uma segunda volta no prazo de 21 dias
iv) O mandato do PR tem a duração de cinco dias
v) O PR não pode ser destituído antes do final do mandato, a não ser que venha a ser
condenado por crimes praticados durante o exercício das suas funções, competindo
depois ao TC verificar a perda do cargo
vi) O PR só responde apos o termo do mandato e perante tribunais comuns, nos casos
em que são cometidos crimes estranhos (art.130º/4)
vii) O PR não responde politicamente perante nenhum outro órgão de soberania,
estando apenas sujeito a uma responsabilidade politica difusa
viii) É livre de renunciar ao mandato (art.131º), devendo para o efeito dirigir uma
mensagem à AR, não podendo depois ser reeleito, nos termos do art.123º/2, porque
para alem de constituir um importante recurso do PR, a renuncia pode ainda servir
em caso de discordância absoluta relativamente a um ato que esteja obrigado a
praticar
ix) Em caso de impedimento é substituído por um presidente interino (art.132º/1).

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

x) Goza dos seguintes direitos: a uma devida consideração, de pronuncia, de contacto


direito, à informação e de ser ouvido, de sugestão, de opinião sobre assuntos
complexos, e de, em circunstancias, impor condições à constituição de um Governo
ou de recusar a nomeação ou aconselhar a demissão de um membro do Governo
xi) Goza dos seguintes deveres: de acompanhamento e vigilância, de conselho, de
distanciamento, e de não ingerência publica nas atividades próprias do Governo

O texto constitucional divide a competência do PR em três grupos:

1) Competência quanto a outros órgãos (art.133º)


2) Competência para a pratica de atos próprios (art.134º)
3) Competência nas relações internacionais (art.135º)

Já a doutrina, que critica esta divisão, apresenta outra sistematização quanto às competências
do PR:

• Gomes Canotilho – deve ser feita a distinção entre os poderes próprios e os poderes
partilhados, e uma distinção entre os poderes de controlo e os poderes de
exteriorização politica; juntamente com Vital Moreira, faz a distinção entre poderes
ativos e negativos (que corresponde aos poderes de estatuir e de impedir), e a distinção
entre o exercício de poderes em situação de normalidade ou em situação de crise
constitucional (sendo este o cenário em que os poderes presidenciais são exercidos na
sua maior plenitude, falando-se mesmo a esse propósito de uma reserva da Republica)
• JoMi – há que distinguir, por um lado, competências em função do respetivo âmbito
material e, por outro, competências que podem exercer-se num plano de maior ou
menor liberdade ou discricionariedade
• JMA + Paulo Otero – o critério a adotar deve atender ao grau de liberdade, de vinculação
ou de condicionamento do exercício dos poderes, emergindo daí competências de
exercício vinculado, de exercício condicionado e de exercício livre
• Jorge Reis Novais – baseia-se no peso relativo dos diversos poderes, distinguido os
poderes dramáticos (de dissolução da AR e de nomeação e demissão do Governo) dos
poderes fracos (poder de veto e de iniciativa de fiscalização da constitucionalidade)

Referenda ministerial: exigência de assinatura por parte do PM e dos Ministros competentes


em razão da matéria relativamente a um conjunto de atos presidenciais; estão sujeitos a
referenda os atos expressos no art.140º/1 CRP, podendo dizer-se que no nosso sistema a regra
é a de ausência de referenda, porque dela ficam isentos alguns dos atos mais importantes dos
poderes do PR. A referenda só é necessária nos atos que pressuponham um envolvimento
necessário do Governo.

A doutrina vem defendendo diversas teses a respeito da natureza e da função da referenda:

i) Gomes Canotilho aponta a uma multifuncionalidade do instituto


ii) Jaime Valle reduz a referenda a uma simples confirmação ou atestado
governamental
iii) JoMi admite a existência de referenda livre e referenda obrigatória
iv) Jorge Reis Novais considera que a referenda é obrigatoriamente devida, sob pena
de inversão radical da distribuição dos poderes

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

v) JMA defende que a pratica diz-nos que a referenda nunca foi recusada pelo
Governo, apresentando-se também À luz da jurisprudência constitucional como um
instrumento limitado, puramente notarial e certificatório da qualificação dos atos
presidenciais; à luz destes elementos, entende a referenda ministerial como um ato
essencialmente certificatório e como um poder de exercício vinculado, cuja recusa
ilegítima pelo Governo pode vir a ser valorada pelo PR como quebra da devida
cooperação institucional e do regular funcionamento das instituições democráticas

Quanto ao prazo da emissão da referenda, deparamo-nos com uma lacuna; é, então, necessário
recurso a uma analogia do prazo de oito dias previsto para os casos de promulgação obrigatória
(art.136º/2), na inexistência de um prazo mais curto.

Promulgação: ato eminentemente politico do PR mediante o qual se atesta e declara


que um determinado diploma foi elaborado por um determinado órgão constitucional para valer
como lei, DL ou decreto regulamentar. A promulgação comporta três fases:

1) Conhecimento qualificado de um ato do PR


2) Qualificação do ato como sendo de um certo tipo
3) Correspondente declaração solene

A promulgação distingue-se da sanção, porque esta interfere no conteúdo do ato e envolve


codecisão, correspondendo a um poder de estatuir, e distingue-se do veto, porque este exprime
um poder de impedir.

Tipos de promulgação: livre (art.136º/1 e 4), obrigatória (no caso de leis de revisão
constitucional, de decretos confirmados em sede de veto politico e de leis aprovadas em
conformidade com uma decisão referendaria), e vedada (art.278º/4 e 7, e 279º/1 e 2).

A promulgação é hoje vista maioritariamente como um poder de controlo, já que o PR não tem
de concordar integralmente com o ato, mas sim fazer com que os aspetos positivos superem os
negativos; não é, por isso, ajustado à natureza das coisas nem às exigências do principio do
Estado de Direito ou à logica subjacente à função de integração do PR, a prática da promulgação
“com reservas”, sendo desejável que, salvo casos excecionais, que a promulgação seja simples.

O PR tem 20 dias para promulgar ou vetar um decreto da AR (art.136º/1), podendo ainda, num
prazo de 8 dias, suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade (art.278º/1).

Veto: poder politico de impedimento de produção de efeitos jurídicos de certos atos, no uso
de um direito de controlo prévio do mérito ou da oportunidade do ato em causa.

A doutrina amite que há uma distinção entre um veto limiar (ou veto-sanção) e um veto
construtivo, consoante haja uma discordância absoluta ou parcial relativamente ao mérito do
diploma, já que o veto de bolso foi expressamente proibido na revisão constitucional de 1982.

O veto de um decreto proveniente da AR é um veto meramente suspensivo, já que é


obrigatoriamente acompanhado de um pedido de nova apreciação do diploma em mensagem
fundamentada (art.136/1), abrindo à AR as possibilidades de desistir do diploma, confirmar o
diploma pelas maiorias referidas no art.136º/2 e 3, e a de reformular o diploma; pelo contrário,

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

o veto dos diplomas provenientes do Governo é absoluto, bastando ao PR comunicar por escrito
ao Governo o sentido do veto (art.136º/4), havendo a considerar os seguintes aspetos:

a) O decreto aprovado pelo Conselho de Ministros, depois de assinado pelo PM e pelos


Ministros competentes em razão de matéria, é remetido ao PR, tendo o PR o prazo de
40 dias para promulgar ou vetar, como consta no art.136º/4:
b) Se o governo pretender prosseguir com a solução legislativa, a alternativa que lhe resta
é a de transformar o conteúdo do decreto em proposta de lei a submeter à AR, já que o
veto é absoluto
c) Quanto ao fenómeno das devoluções informais e da reapreciação de diplomas, trata-se
de uma pratica duvidosa e pouco transparente, quer por envolver um procedimento
legislativo num circuito informal, quer por traduzir a restauração de um poder de sanção
inscrito na CRP; a retirada de diplomas por parte do Governo é perfeitamente
admissível, por não haver risco de alargamento da margem de conformação politica do
PR, nem uma indevida intromissão na esfera de decisão constitucionalmente reservada
ao Governo.

3.2.2. Assembleia da Republica


A AR é um Parlamento unicameral, designado por sufrágio universal, órgão autónomo e
permanente perante o qual o Governo é politicamente responsável. Quanto à relação da
Assembleia da Republica e os demais órgãos de soberania politicamente conformadores,
verificamos que esta pode ser dissolvida pelo PR, no entanto, nem este, nem outros poderes do
PR permitem-nos falar de um principio geral de dependência politica face ao PR, na medida em
que decorre do texto, da praxis e da estrutura que as alegadas situações de dependência não
passam de manifestações de interdependência, sem prejuízo de se reconhecer a maior
intensidade dos poderes do PR sobre a AR; quanto ao Governo, apesar da existência de uma
verdadeira responsabilidade politica do Governo perante este órgão, admite-se a ideia de
permeabilidade e instrumentalização governamental.

Funções:

a. Representativa – segundo o art.147º, traduz-se no facto de caber à AR tornar presente


a vontade e a variedade de interesses e aspirações da sociedade, de onde vem a resultar
o importantíssimo papel de o Parlamento ser a base da formação do governo, e o papel
de fórum de debate, onde se exprimem e confrontam abertamente os diferentes
interesses e perceções da sociedade
b. Revisão constitucional – traduz-se no desenvolvimento de uma competência que lhe
esta inteiramente reservada de modificação expressa, de alcance geral e abstrato, da
constituição escrita (art.161º, al.a), 284º e 286º)
c. Programação, definição e controlo politico – exercício de um conjunto muito
diversificado de poderes políticos, entre os quais os de apreciar o programa de governo,
as leis das grandes opções do plano e o Orçamento de Estado, os estatutos político-
administrativos, conceder autorizações legislativas ao Governo e às ALR (art.115º/1,
161º, 163º, 192º, 193º e 194º)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

d. Legislativa – a Constituição escrita atribui uma supremacia da função legislativa do


Parlamento, que pode, em principio, legislar sobre todas as matérias, definiu em seu
favor amplas reservas de competência legislativa absoluta e relativa, e concedeu-lhes a
prerrogativa de supervisionar o exercício das competências legislativas de outros órgãos
e. Fiscalizadora – art.107º, 162º, 169º, 278º/4 e 281º/2, al.b) e f)); a mais importante, ou
uma das mais importantes funções da AR
f. Eletiva – cabe à AR eleger um conjunto de titulares de órgãos constitucionais,
designadamente, 5 membros do Conselho de Estado, 10 juízes do TC, o Provedor de
Justiça, 7 vogais do Conselho Superior de Magistratura, bem como os membros da
entidade reguladora da comunicação social
g. Acompanhamento – compete à AR acompanhar a participação de Portugal no processo
de construção da União Europeia, bem como o envolvimento dos contingentes militares
e de forças de segurança no estrangeiro

Segundo o art.148º CRP, que nos diz que a AR é composta por um mínimo de 180 deputados
e um máximo de 230, a lei eleitoral fixa esse numero em 230 deputados. Estes deputados são
eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, através de candidaturas necessariamente
apresentadas por partidos políticos (art.151º/1); no território nacional, o numero de deputados
a elege é proporcional ao numero de eleitores inscritos em cada circulo (círculos plurinominais,
correspondentes aos distritos e às duas R.A, e um circulo eleitoral da Europa e outro fora da
Europa), como consta no art.149º/2. A conversão de votos em mandatos faz-se segundo o
sistema de representação proporcional e o método é o da média mais alta de Hondt
(art.149º/1), estando excluída, de modo a favorecer a representação dos partidos pequenos, a
existência de uma clausula barreira que exigisse aos partidos uma percentagem mínima de votos
(art.152º/1).

O mandato dos Deputados é de 4 anos, e estes são livres de renunciar ao mandato, podendo
perdê-lo nas situações previstas no art.160º/1. A sua substituição é regulada pela lei eleitoral,
tendo o Estatuto dos Deputados estabelecido a regra de que a substituição se faça pelo primeiro
candidato não eleito da respetiva ordem de precedência da lista submetida a sufrágio, não
havendo, por isso, no nosso sistema, eleições parciais ou intercalares para nova eleição de
Deputados, mesmo no caso de não ser já possível a substituição.

Organização:

➢ Estruturas orgânicas principais


a) Plenário – órgão titular de competência das competências do Parlamento, quer por
tradição histórica, quer em virtude das exigências básicas da abertura, da
publicidade e do respeito pela igualdade politica, por ele passando necessariamente
a pratica dos atos mais relevantes de todas as funções desempenhadas pela AR,
desempenhando ainda o papel de instancia de recurso de decisões tomadas por
outras estruturas do Parlamento, nomeadamente o Presidente da AR e a Mesa da
AR. Há um conjunto de deliberações do Plenário que não seguem a regra geral da
maioria relativa, que estão presentes nos art.136º/, 168º/5, 192º/4, 195º/1, al.f), e

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

296º/1 (maioria absoluta), no art.174º/2 (maioria de 2/3 dos deputados), entre


outros.
b) Presidente da AR – órgão de Parlamento eleito por maioria absoluta dos Deputados
em efetividade de funções, expressas no art.175º, al.b), cabendo-lhe ainda a função
de substituto do PR
c) Mesa da Assembleia da Republica – órgão colegial que coadjuva o Presidente da AR,
constituído por 4 vice-presidentes eleitos sob proposta dos quatro maiores grupos
parlamentares e ainda por quatro secretários e 4 vice-secretários
d) Comissões – o art.178º
e) Comissão permanente – substitui o plenário, mas apenas pode desenvolver as
funções e praticar os atos expressamente definidos no art.179º/3
f) Grupos parlamentares – art.180º CRP
➢ Estruturas orgânicas secundarias
a) Conferencia de lideres
b) Conferencia dos Presidentes das comissões parlamentares
c) Delegações da AR
d) Grupos parlamentares de amizade

Critérios de classificação das competências da AR:

1) Forma dos atos (sugerido pelo texto da Constituição)


• Aprovação da lei constitucional
• Aprovação da lei orgânica
• Aprovação da lei
• Aprovação de moção
• Aprovação de resolução, que constitui a forma residual de aprovação de atos da
AR e dos atos da respetiva Comissão Permanente (art.166º/5)
2) Natureza dos atos praticados
• Competências normativas: aprovação de leis constitucionais, aprovação de leis,
aprovação de convenções internacionais, e a aprovação do seu regimento e de
outros regulamentos internos
• Competências politicas: atos inseridos em qualquer das dimensões da função
politica do Estado, com exceção dos que envolvam aprovação das normas
jurídicas ou o exercício da sua competência administrativa
• Competência administrativas: pratica de atos relativos à organização e
funcionamento administrativos internos de instituição parlamentar
• Competência legislativa: a AR dispõe de uma esfera de competência legislativa
genérica, uma esfera de competência legislativa de reserva absoluta, e uma
esfera de competência legislativa de reserva absoluta
• Competência de fiscalização: pode assumir uma pluralidade de formas, desde
as perguntas, interpelações e debates, à constituição de comissões de inquérito
parlamentar, ao exame de petições, à votação de moções de censura (art.194º),
até à realização de audições aos candidatos nomeados para altos cargos do
Estado (art.231º e 257º do Regimento); podem incidir sobre atos do Governo e
da Administração Pública, como sobre certos atos das ALR, estando excluídos

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

os atos do PR e os atos dos tribunais; quanto aos efeitos, temos a participação


criminal ao Ministério Publico, a suscitação da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade junto do TC, a aprovação de resoluções exortatórias (exortatória //
discurso em que se persuade ou aconselha), a publicação e divulgação de
relatórios, a cessação de vigência ou alteração de DL, a criação de novas
comissões e, no limite, a aprovação de uma moção de censura ao Governo

3.2.3. Governo
A consagração formal do Governo ocorre pela primeira vez na Constituição
portuguesa de 1933, apesar deste ter estado presente na historia constitucional
portuguesa antes desta Constituição, surgindo de norma costumeira. Em termos
sistemáticos, o Governo é o terceiro órgão de soberania de que se ocupa a CRP; a
realidade demonstra que em Portugal, o eixo da vida politica passa pelo Governo, por
um alargado conjunto de razões.

O Governo, para alem de ser um “órgão de conduta da politica geral do país e o


órgão superior da administração publica” (art.182º), em termos constitucionais
positivos, podemos afirmar que, no nosso sistema, o Governo se apresenta:
i) Como um órgão constitucional autónomo, ao qual a Constituição confiou em
especial a “função de governar”, demarcando-lhe para o efeito uma reserva
de intervenção decisória própria e uma ampla esfera de ação; segundo os
princípios da equiordenação e da interdependência entre os órgãos de
soberania, o Governo nem é subalterno do PR ou da AR, nem se encontra
vinculado a instruções provenientes desses órgãos, nem vê abalada a sua
permanência em funções pela eleição de um novo PR.
ii) Revestido de uma tripla natureza de órgão politico, legislativo e
administrativo – face à dificuldade de delimitar uma função governativa
(definida por Gomes Canotilho como um complexo de funções legislativas,
regulamentares, planificadoras, administrativas e militares, de natureza
económica, social, financeira e cultural, dirigidas à individualização e
graduação dos fins constitucionalmente estabelecidos), as funções do
Governo são repartidas em:
• Função de condução politica geral do país – parcela da função politica
do Estado, envolvendo as dimensões de programação e da execução
das grandes orientações e opções politicas da comunidade; envolve
a elaboração do Programa do Governo (que contem as principais
orientações políticas e medidas a adotar ou a propor nos diversos
domínios da atividade governamental), a execução do Programa do
Governo (através da adoção de todo o tipo d medidas que caibam na
esfera de competência do Governo), a concretização de medidas
resultantes de concertação politica com o PR, a condução das demais

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

politicas sectoriais definidas por outras estruturas do Estado ou da


UE, e a concretização da cooperação e articulação com os demais
poderes políticos intraestaduais
• Função legislativa – é o Governo que procede à canonização do DL
como a fonte normal e mais frequente de Direito
• Função de órgão superior da Administração Publica – o Governo é o
primeiro e principal órgão da Administração Publica, devendo dispor
de uma ampla reserva de competência administrativa; do
reconhecimento normativo da função em causa, há a necessidade de
justificação material de todas as intervenções legislativas
expropriadas de poderes administrativos do Governo a favor de
autoridades independentes ou condicionadoras da sua margem de
decisão administrativa, sendo no âmbito desta função que o Governo
responde perante a AR
iii) Como um órgão particularmente complexo – relvam princípios
estruturantes, entre os quais:
• Principio da colegialidade (todas as decisões politicas mais
importantes competem ao Conselho de Ministros, como é o caso da
definição das linhas gerais da politica governamental, da aprovação
das propostas de lei ou da aprovação dos DL; na mesma linha, as
competências constitucionais conferidas ao Governo nos art.197º a
199º devem ser exercidas pelo órgão colegial, embora o mesmo não
seja aplicável às competências atribuídas por lei; articulado com este
principio, está o principio da solidariedade, de onde decorre a
vinculação dos membros do Governo ao Programa de Governo e às
deliberações tomadas em Conselho de Ministros, e que os membros
do Governo não são individualmente responsáveis perante a AR)
• Principio da proeminência (justificativo do principio da unidade
politica governamental; assinala a posição de primazia funcional e,
eventualmente hierárquica do PM no interior do Governo, na medida
em que, entre outros fatores, a Constituição não lhe confere não só
uma função presidencial, mas também funções especificas de
gestação do Governo, de direção politica, de chefia administrativa, de
representação governamental e de controlo)
• Principio da repartição de competências (os Ministros, ainda que não
possuam um poder de definição politica, dispõem de um domínio
material incluído no amito da atividade geral do Governo, na medida
em que lhes compete executar a politica definida para os seus
ministérios)

Como é composto o Governo?


➢ Órgãos de existência obrigatória

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

•Conselho de Ministros – constituído pelo PM, pelos Vice-Primeiros-


Ministros (se os houver), e pelos Ministros. Presidido pelo PM, podendo,
a solicitação do PM, ser presidido pelo PR (art.133º, al.i)); esta faculdade
justificar-se-ia para evitar que o PR pudesse substituir o Governo na
definição da politica geral do país (Gomes Canotilho + Vital Moreira),
devendo a mesma ser excecional, por não corresponder ao perfil do
sistema de governo português. A sua competência vem definida no
art.200º CRP, sendo discutido a doutrina o sentido de cláusula de
ampliação da competência prevista na respetiva alínea g), havendo
opções favoráveis à admissão de um modelo de concentração de poderes
no Conselho de Ministros (Paulo Otero, Gomes Canotilho, Vital Moreira),
opiniões contrarias a essa abdicação da competência pelos Ministros do
Conselho de Ministros (Freitas do Amaral, JoMi, Marcelo Rebelo de
Sousa, Rui Medeiros) e opiniões intermedias (Jaime Valle)
• Ministros – a Constituição não impede a existência de Ministros sem
ministério, de Ministros-Adjuntos ou sem pasta e, eventualmente a figura
do Ministro-delegado ou Adjunto de outro Ministro, apesar de
normalmente existir um Ministro por ministério. Têm a seu cargo um
determinado departamento governamental, cabendo-lhes em especial
impulsionar e da execução às linhas gerais da politica governamental
definidas pelo Conselho de Ministros, bem como assegurar as relações
de caracter geral entre o Governo e os demais órgãos do Estado, no
âmbito dos respetivos ministérios
• Secretários de Estado – encontram-se na dependência de um Ministro ou
do PM, têm um estatuto definido por lei, que tem optado por reservar
aos Ministros a competência politica e administrativa, razão pela qual os
Secretários de Estado e os Subsecretários de Estado apenas dispõem de
competências delegadas
➢ Órgãos de existência facultativa (todos os demais órgãos)
➢ Órgãos colegiais (Conselho de Ministros e os Conselhos de Ministros
especializados)
➢ Órgãos singulares

Art.187º CRP (formação do Governo): o PR dispõe de um poder substancial de


conformação politica, não apenas quanto ao juízo acerca dos resultados eleitorais, as
também quanto ao PM a nomear e quanto ao controlo politico dos membros do
Governo que lhe sejam propostos pelo PM; o PR tem de ter em conta, na nomeação do
PM, a composição da AR e a capacidade de subsistência do Governo (valendo a regra de
que o Governo deve ser encontrado no quadro do sistema partidário parlamentar), logo,
este ato de nomeação não é um ato inteiramente livre do PR. A CRP não obriga a que o
PM seja o líder do partido mais votado nas eleições para o Parlamento, ainda que
diminua consideravelmente a margem de decisão do PR no caso de haver uma maioria
parlamentar clara; o ato formal de nomeação do PM é habitualmente procedido da
indigitação (indicação) do futuro PM, de modo a que este possa procurar uma solução
governativa esboçar desde logo as principais linhas e orientações politicas, devido ao
prazo de 10 dias definido pelo art.192º/1 para a apresentação do Programa de Governo

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

à AR, estando também a nomeação acompanhada da posse (art.186º/4), começando a


contar a partir dessa data o tal prazo de 10 dias. A nomeação dos Ministros e dos
restantes membros do Governo é feita sob proposta do PM, podendo aqui o PR recusar-
se a nomear ou condicionar a nomeação dos nomes indicados pelo PM.
Apos a nomeação do PM (que pode ser condicionada pela aceitação de determinadas
condições ou compromissos políticos), segue-se a apreciação do Programa de Governo
na AR, existindo um mero “Governo de gestão”, podendo dizer-se que apenas a AR
confere ao Governo uma legitimidade politica para aceder à plenitude de funções; a CRP
não prevê, todavia, a aprovação do Programa de Governo, limitando-se a admitir a
possibilidade de rejeição do Governo ou a apresentação de um voto de confiança,
viabilizando assim a existência de governos sem apoio parlamentar maioritário no
Parlamento.

Art.195º (cessação de funções do Governo) – as causas podem agrupar-se em


quatro:
i) Decorrentes da intervenção da AR – a AR pode provocar a demissão do
Governo através da aprovação, por maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções, de uma moção de rejeição do programa de Governo;
da aprovação de uma moção de censura, por maioria absoluta dos
Deputados em efetividade de funções; da não aprovação de uma moção de
confiança solicitada pelo Governo, bastando neste caso a maioria simples
ii) Decorrentes de ato voluntario do PM – o PM apresenta ao PR o seu pedido
de demissão, pedido que carece de aceitação expressa do PR, o qual, em
ultima instancia, não poderá opor-se por muito tempo à força do principio
da renunciabilidade aos cargos públicos e ao exercício do correspondente
direito subjetivo por parte do PM; na base do pedido de demissão tanto
podem estar razoes de natureza politica, de natureza pessoal, de cortesia
institucional ou outras ainda
iii) Decorrentes da intervenção do PR – nos termos do art.195º/2, o PR pode
demitir o Governo apenas quando seja necessário assegurar o regular
funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado;
esta causa de demissão do Governo consagrada na revisão constitucional de
82, ainda não foi aplicada até hoje
iv) Decorrentes de causas objetivas ou involuntárias – inicio de nova legislatura
(art.195º/1, al.a)); morte ou impossibilidade física duradoura do PM;
condenação definitiva do PM por crime de responsabilidade cometido no
exercício das suas funções.

Competências:
• Politica – traduz-se na prática de uma multiplicidade de atos, em especial os que
se encontram referidos no art.197º CRP; a Constituição cometeu ao Conselho de
Ministros a definição das linhas gerais da politica governamental, bem como as
linhas gerais da sua execução, confiando ao PM a competência de dirigir a

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

politica geral do Governo, coordenando e orientado a ação de todos os


Ministros, bem como a direção do funcionamento do Governo e das suas
relações com os demais órgãos do Estado
• Legislativa – pode ser reservada, concorrencial, autorizada ou complementar
• Administrativa – art.199º; podem ser agrupadas segundo a doutrina em três
subfunções, a de garantir a execução das leis, a de assegurar o funcionamento
da Administração Pública, e a de promover a satisfação das necessidades
coletivas

Art.185º CRP – há Governos de gestão em duas situações, quando há um Governo


sem programa apreciado e quando o Governo é demitido, mas continua em funções até
a posse do novo PM; a limitação do estatuto funcional do Governo de gestão à pratica
dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos, no
que esta implicada uma exigência de proporcionalidade. Entre as limitações aplicáveis
aos Governos de gestão, destacam-se o facto do Governo estar impedido ou deixar de
poder executar o seu programa; o facto do Governo estar impedido ou deixar de poder
exercer livremente as suas competências em matéria politica, legislativa e
administrativa; as propostas de lei e de referendo apresentadas caducarem, deixando
de poder apresentar novas propostas, caducando também as autorizações legislativas
comuns que lhe tiverem sido concedidas; pelo facto de passar a existir um dever
acrescido de concentração com o PR e de cooperação com o Governo anterior, tratando-
se de Governo sem programa apreciado, e com o PM do Governo seguinte, tratando-se
de um Governo demitido.

Governos demissionários – aqueles aos quais ainda não foi formalizada a demissão,
existindo intenção ou indicações nesse sentido; Governos politicamente enfraquecidos
pela natureza da situação politica em concreto, não estando, no entanto, juridicamente
sujeitos às limitações do Governo de gestão.

Na mesma situação que o Governo de gestão, encontra-se o Governo (em funções)


com a Assembleia Publica dissolvida; ainda que não se possa falar de Governo de gestão,
perante a lacuna, admite-se que a mesma possa ser preenchida até certo ponto por
analogia com o disposto no art.234º/2.

3.3. Sistema de Governo


Fases da qualificação do sistema de governo em Portugal:
1) Até 1982: a doutrina maioritária qualificava o sistema de governo como
semipresidencial – foi marcada historicamente pela confluência de elementos
provenientes da 2ª Plataforma de Acordo Constitucional, pela propensão para o
parlamentarismo manifestada pelos dois principais partidos e por um conjunto

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

de razoes e conveniências de ocasião favoráveis ao pendor presidencial. Salvo


Marcello Caetano (que o qualificava como um sistema de ditadura do Conselho
de Revolução), Gomes Canotilho e Vital Moreira (que o qualificavam como
sistema de parlamentarismo racionalizado), a generalidade da doutrina
constitucional admitia que o sistema de governo na CRP era o semipresidencial,
devido às seguintes características, apresentadas por Marcelo Rebelo de Sousa:
• O PM é nomeado pelo PR
• O Governo responde politicamente perante a AR
• O PR é eleito por sufrágio universal, direto e secreto
• O Governo é politicamente responsável perante o PR
• Os poderes do PR são apreciavelmente amplos, destacando-se o poder de
dissolução da AR, de promulgação e de veto
• Fatores que sugerem um progressivo destaque dos poderes políticos do PR
2) 1982 - 2006: um numero considerável de autores recusa a qualificação anterior
– a revisão constitucional de 1982 foi a mais importante, porém, termina aí a
concordância, na medida em que André Gonçalves, Cristina Queiroz e Paulo
Otero viram nesta revisão uma mudança de natureza do sistema; Lucas Pires,
Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa continuaram a entender que o sistema
se reconduzia ainda ao semipresidencialismo; Gomes Canotilho e Vital Moreira
passam a qualifica-lo como sistema misto parlamentar-presidencial, levantando
duvidas ao próprio conceito de sistema semipresidencial.
3) 2006- Atualidade: a par de uma radicalização doutrinaria do
semipresidencialismo, começa a afirmar-se como maioritária a corrente adversa
a essa qualificação.

SEMIPRESIDENCIALISMO
Carlos Blanco de Morais incorpora quatro traços estruturais do semipresidencialismo
que o sistema português incorpora:
i) Eleição do PR por sufrágio universal (instrumento de reforço da sua
legitimidade politica)
ii) Diarquia institucional entre o PR e o PM (o PR não chefia direta e
formalmente o poder executivo)
iii) Dupla responsabilidade do Governo, perante o PR (responsabilidade
institucional) e perante a AR (responsabilidade política)
iv) Livre dissolução do Parlamento pelo PR (competência “moderadora” do
Chefe de Estado)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

Jorge Reis Novais: o semipresidencialismo dispensaria quer a diarquia no Executivo, quer


a dupla responsabilidade politica do Governo, bastando a presença da existência de um
PR com legitimidade democrática e que pode exercer poderes políticos significativos, e
a existência de uma responsabilidade politica do Governo perante o Parlamento; este
autor admite que a complexidade do semipresidencialismo é potenciado por um
conjunto de fatores extra-jurídicos, podendo haver diferentes padrões de
funcionamento típicos do semipresidencialismo e dar-se até o caso de, dentro do
mesmo padrão, se poderem ainda encontrar modalidades de funcionamento também
muito diferenciadas.
Para a doutrina estrangeira, a existência de semipresidencialismo pressupõe a
existência de um poder autónomo de liderança politica por parte do PR, de tal modo
que o sistema se apresente com uma autoridade dual ou bifronte.

SISTEMA MISTO E PARLAMENTARISMO RACIONALIZADO


a) André Gonçalves Pereira: falta ao sistema português a nota saliente do sistema
semipresidencial, que é a “capacidade de controlo” do presidente,
particularmente na sua relação com o Governo, apresentando-se, neste aspeto,
o poder de demissão do Governo (art.198º/2 CRP), como uma mentira piedosa
(uma mera cortesia para com o PR) _ Sistema parlamentar racionalizado
b) Cristina Queiroz: o sistema de governo não pode ser designado de
semipresidencial pelo facto de o PR não partilhar com o Governo o exercício da
função governamental, e também porque o traço dominante e original do
sistema português radica justamente no governamentalismo, na medida em que
entre nós prevalece o Governo; os três elementos caracterizadores do sistema
português são o parlamentarismo, o poder moderador e a presidência supra-
partes _ sistema parlamentar reforçado
c) Gomes Canotilho e Vital Moreira: a presença de elementos que provêm do
parlamentarismo e do semipresidencialismo não significa que haja necessidade
de crismar o sistema como sendo semipresidencialista, porque o sistema se
apresenta como parlamentar e bem distante do sistema de governo francês, a
logica do sistema de representação proporcional procura manter o equilíbrio
partidário, mesmo que haja uma alternância na presidência, e também porque
enquanto se procura selecionar um governo responsável, nas eleições
presidenciais, está em causa a escolha do cidadão representativo da Republico,
o que não acontece em França
d) Paulo Otero: o semipresidencialismo não é um sistema de governo autónoma
capaz de agrupar um conjunto de experiencias constitucionais, por se mostrar
cientificamente incorreto integrar no mesmo tipo um sistema de governo como
o da V República francesa e o sistema de governo resultante da Constituição
portuguesa, face ao abismo colossal entre os dois, na medida em que:

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

i) França: eixo da vida política é o PR, e o PM e Parlamento têm um papel


secundário; Portugal: eixo da vida política é o Governo, atendendo à AR
e liderado pelo PM
ii) França: PR tem poderes autónomos de decisão e definição da condução
política e preside ao conselho de ministros; Portugal: PM dirige a política
geral do Governo para condução da política geral do país.
iii) PR francês tem todas as vantagens do PM britânico e do PR americano
sem as desvantagens; em Portugal o PR reina, mas não governa – síntese
do poder moderador do rei e do chefe de estado numa república
parlamentar.

Reforço do ceticismo do Semipresidencialismo:


1) Semipresidencialismo é definido por diferentes características por diferentes
autores (não há um uso suficientemente partilhado de uma ideia de
semipresidencialismo)
2) Duverger admitiu que o semipresidencialismo não é uma nova síntese e sim uma
sucessão de fases presidenciais e parlamentares; reduziu também o número de
experiências constitucionais que se reconduzem ao semipresidencialismo – dada
a indevida generalização da experiência da V República francesa
3) Variabilidade de características na distribuição de poderes e modo de
funcionamento – não contribui para a consistência do modelo
4) Em França, o sistema de governo é ambivalente com dois padrões de
funcionamento muito distintos que não se reconduzem a um único sistema de
governo
5) Tendência para a parlamentarização de todos os demais sistemas (incluindo o
português)

JMA (posição adotada) – o sistema vigente em Portugal apresenta-se como um sistema


de base parlamentar, a inserir nos sistemas mistos, onde quem governa é sempre o
Governo:
i) De base parlamentar: preponderância no texto e na prática politica, das
características próprias do parlamentarismo
ii) Inserção os sistemas mistos a recusa de uma integração simples em qualquer
dos sistemas típicos e a recusa de uma qualificação como um sistema misto
de um determinado tipo, remetendo para uma caridade aberta de
designação
iii) Quem governa é sempre o governo: apesar da relevância substantiva dos
iv) poderes do PR e da elasticidade do sistema, em Portugal quem governa é
sempre o Governo, não havendo lugar nem à ambivalência francesa, nem a

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

uma autoridade bifronte no Executivo, cuja condução esta


constitucionalmente cometida ao Governo, ainda que sob a fiscalização e o
controlo políticos da AR e do PR

3.4. Atos legislativos


O que é a lei?

A palavra lei aparece na CRP em pelo menos quatro conceções diferentes:

i) Norma jurídica ou de ordenamento jurídico (art.13º/1 e 203º)


ii) Ato legislativo do Parlamento [art.112º/1, 134º al.b), 136º/1, 149º/1, 161º al.c),
166º/3 ou 278º/1]
iii) Ato legislativo em qualquer das suas formas (art.112º/5)
iv) Lei de Parlamento e decreto-lei do Governo (art.112º/6)

Correntes principais que se confrontam na doutrina portuguesa a respeito do conceito e sentido


de lei:

a) Corrente substancialista – os valores do Estado de Direito, que postulam a proibição do


arbítrio; a lei é necessariamente norma ou regra jurídica, devendo por isso estar
revestida das características da generalidade e da abstração ou, pelo menos, na
generalidade. Ou seja, para esta corrente, a lei só é válida desde que assuma conteúdo
geral e abstrato.
b) Corrente formalista – defendida por Gomes Canotilho, Vital Moreira, Marcelo rebelo de
Sousa, Jorge Reis Novais e JMA; é lei todo e qualquer ato do poder politico a que se
atribua essa forma, qualquer que seja o seu conteúdo, podendo dizer-se que no plano
material, a lei se apresenta como um conceito vazio e aberto, por se caracterizar pela
forma, procedimento e força jurídica.
Blanco de Morais, apesar de defender uma posição eclética, ao reclamar uma aceção
estrutural de lei e ao declarar excluir uma aceção puramente formal de lei, define lei em
termos próximos desta corrente, como todo o critério politico de decisão produzido e
revelado sob a forma de lei pelos órgãos titulares da função legislativa e que exprime
uma supremacia sobre os demais atos normativos não políticos, de direito
infraconstitucional.
O TC, que adere a esta corrente, veio a corrigir a corrente substancialista, quer no
entendimento que a mesma pretendia retirar do art.268º/4, considerado pelo Tribunal
uma garantia de natureza complementar, quer ao admitir a fiscalização da
constitucionalidade de leis com conteúdo individual e concreto, quer reconhecendo o
carácter de norma (art.227º/1) para efeitos de fiscalização da constitucionalidade a
todas as leis, independentemente do seu conteúdo.

Para haver lei, é relevante o seu conteúdo ou basta-lhe a forma? – em Estado constitucional e
também perante a CRP, para haver lei é irrelevante o seu conteúdo, uma vez que entendemos
que a lei se define pela forma e pelo órgão competente para a sua emissão, que deve gozar da

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

máxima liberdade que lhe for consentida, uma vez colocado nessa posição de obediência direta
e imediata à CRP.

Quais os limites ao poder de intervenção da lei? – a lei é um ato vinculado à Constituição, na


medida em que, face ao primado da Constituição, a função legislativa está necessariamente
vinculada ao respeito e à realização das normas constitucionais, para cujo controlo existe
justamente a jurisdição constitucional. Os limites e os parâmetros são:

• A lei ordinária não pode alterar as próprias normas constitucionais, pois essa tarefa está
reservada ao poder de revisão constitucional, tal como não pode interferir nos domínios
materiais da função jurisdicional, pois essa função compete aos tribunais
• Limites materiais: dimensões essenciais do principio do Estado de Direito, tal como o
respeito pelo conteúdo essencial dos direitos, liberdades e garantias (art.18º/3)
• Limites que relevam da separação de poderes: reserva da função jurisdicional aos
tribunais; limites que decorrem de normas constitucionais atributivas de competência
politica, bem como as normas constitucionais que configuram “reservas especiais de
administração”
• Limites que relevam da forma dos atos: reserva de ato administrativo, particularmente
na esfera de poderes hierárquicos

Apesar da lei se definir pela forma, a lei não pode validamente dispor sobre as matérias que
entender, sempre que encontrar pela frente uma norma constitucional que se lhe oponha, trate-
se de um parâmetro material ou de qualquer outro; a lei não pode por isso esvaziar o conteúdo
da autonomia privada.

Reserva (pertença exclusiva):

➢ Reserva de Constituição – matérias cuja regulação compete apenas à Constituição, com


exclusão de quaisquer outras fontes, como é o caso no núcleo indisponível do Estado de
Direito democrático, das regras sobre a forma de Estado e sobre a repartição vertical do
poder politico, das normas que definem o conteúdo essencial dos direitos, liberdades e
garantias, das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos
órgãos de soberania e, em geral, todas as regras constitucionais, respeitem elas aso
direitos fundamentais, à organização do poder politico ou à garantia da Constituição.
➢ Reserva de lei – conjunto de matérias que devam ser necessariamente reguladas por lei
e só por lei, com exclusão de outras fontes normativas, correspondendo, por isso, a um
domínio material necessário de intervenção da lei, como a supremacia da lei sobre
outros atos normativos. Tem duas dimensões: a negativa (postula que as matérias
reservadas à lei não podem ser reguladas por outras fontes diferentes da lei) e a positiva
(postula que deve ser a lei a estabelecer efetivamente o regime jurídico das matérias
em questão). Segundo a doutrina, a reserva de lei tem um fundamento democrático,
em que está em causa assegurara a submissão da função democrática do Parlamento, e
um fundamento garantísticos, que visa assegurar a previsibilidade e a mensurabilidade
das atuações publicas por parte dos cidadãos.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

➢ Reservas especificas de lei – matérias necessariamente reservadas a certas formas


especificas ou a certas categorias de lei. Segundo Blanco de Morais, tanto podem
respeitar
• Conteúdo: reserva de lei geral e abstrata, reserva de lei de conteúdo geral e
reserva de lei de conteúdo não retroativo
• Órgão: reserva absoluta de competência legislativa da AR, reserva relativa de
competência legislativa da AR, reserva exclusiva de competência legislativa do
Governo e reserva exclusiva de competência legislativa das RA
• Natureza do ato legislativo – reserva de lei comum, reserva de lei reforçada pelo
procedimento e reservas de leis reforçadas pela parametricidade material

Força de lei – suscetibilidade de a lei poder revogar e condicionar outros atos, sem que por eles
possa ser revogada ou condicionada. Fala-se em força ativa, que se traduz na capacidade de
inovação do ato legislativo, através da possibilidade de revogação, derrogação ou modificação
de outras fontes, e em força passiva, que se traduz na capacidade de revogação ou derrogação.

Art.112º CRP

• Nº1 – reside aqui o núcleo do principio da tipicidade das formas de lei, que pressupõe a
articulação estreita entre a competência, o procedimento e o titulo: Carlos Blanco de
Morais diz, quanto a este assunto, os títulos específicos de lei, DL e decreto legislativo
regional assinam atos legislativos cuja formação resulta de um procedimento próprio
ou especifico para a sua produção, o qual é, por seu turno, pressuposto pela
competência atribuída a um determinado órgão constitucional. Deste principio decorre:
i) Principio da fixação da competência legislativa pela Constituição que submete
os correspondentes atos a um cuidadoso e articulado regime
ii) Na CRP, são atos legislativos os atos emanados da AR, do Governo ou das ALR
que revistam a forma de lei, independentemente do seu conteúdo
iii) Na CRP, a forma geral de “lei ordinária” compreende apenas três formas
especificas de lei: a lei, o DL e o decreto legislativo
iv) Estando reservada à CRP a definição das formas de lei, nenhum ato legislativo
pode criar outras formas de lei (art.112º/5, 1ªparte CRP)
v) Nenhum ato legislativo pode conferir a atos de outra natureza o poder de, com
eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar
qualquer dos seus preceitos, razão pela qual a regra é a de que um ato legislativo
só pode ser afetado por um outro ato legislativo
• Nº2 – da primeira parte deste preceito decorre o principio da paridade hierárquica entre
a lei e o DL, que se traduz na possibilidade de, nas matérias da área concorrencial e no
respeito pelas relações de subordinação a certas leis, lei e DL se interpretarem,
suspenderem e revogarem mutuamente; JMA: o principio da parametricidade não é
compreensível sem analisar a geologia da Constituição, tem um alcance menor do que
por vezes é defendido e dificilmente pode ser erguido a principio geral na repartição do
poder legislativo entre a AR e o Governo. Da segunda parte resulta que certos atos
legislativos (os DL autorizados e os DL de desenvolvimento) se encontram numa relação
de subordinação especifica relativamente a outras categorias de atos legislativos
parlamentares (as leis de autorização e as leis de bases), por estes serem dotados de

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

parametricidade (hierarquia) material, devendo os DL de desenvolvimento respeitar as


leis de base do Parlamento
• Nº3 – leis de valor reforçado: leis orgânicas (art.166º/2); leis que carecem de aprovação
por maioria de 2/3 (art.168º/6; encontram-se as leis de autorização, as leis de bases e
as leis de enquadramento); leis que, por força da Constituição, seja pressuposto
normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas (onde
cabem os estatutos das regiões autónomas). Todas as outras leis são leis comuns, sendo
diversos os critérios que presidem à identificação das leis reforçadas (todas elas servem
como parâmetro de controlo de validade de outras leis, paralelo ao controlo de
constitucionalidade)
• Nº4 – requisitos dos decretos legislativos regionais: têm de ter âmbito regional; têm de
versar sobre mateias enunciadas no estatuto político-administrativo da respetiva RA;
não podem estar reservadas aos órgãos de soberania
• Nº5 – principio da tipicidade; um ato legislativo só pode ser afetado por um outro ato
legislativo.

➢ Órgãos legislativos
• O que têm em comum? – Jaime Valle: a fonte de legitimidade, pois qualquer deles goza
de legitimidade direta ou indireta; amplos poderes de direção política, que lhes
permitem a individualização dos fins e a escolha dos meios na prossecução das tarefas
que a Constituição põe a seu cargo. Critica de JMA: a legitimidade do Governo não é
idêntica à da AR ou das ALR, não sendo de modo algum equiparável a respetiva função
representativa, que só o parlamento desenvolve na sua máxima extensão; admite-se,
no entanto, que na base da legitimação dada ao Governo para legislar se encontrem
ainda razões de colegialidade, tecnicidade e eficiência, bem como a responsabilidade
perante o PR; ainda relativamente ao Governo, uma fonte adicional de legitimação dos
seus poderes neste domínio encontra-se no controlo final da sua produção legislativa
por parte do órgão representativo por excelência; já a justificação dos poderes
legislativos regionais não oferece dificuldade nenhuma, pois é requerida pela forma de
Estado, como pelo principio democrático.
• Princípios que presidem à distribuição da competência legislativa ao ordenamento
constitucional português – para um setor da doutrina, a distribuição da competência
legislativa do Governo e da AR obedeceria ao principio geral da paridade hierárquico-
normativa, e o principio que diz que as matérias da competência reservada do
Parlamento traduzem a exceção; outro setor da doutrina defende que o Parlamento
mantem-se como órgão legislativo por excelência, na base das três linhas reitoras: a AR
tem uma competência legislativa geral a que somente escapa a organização e
funcionamento do Governo; as matérias politicamente mais sensíveis ou
normativamente mais importantes são reservadas à AR; a AR mantém a ultima palavra
sobre os DL e os decretos legislativos regionais. Os princípios que presidem à
distribuição da competência legislativa no ordenamento constitucional português:
i) A regra geral do nosso sistema é a de que a AR pode fazer leis sobre todas as
matérias, salvo as reservadas a outros órgãos
ii) A competência legislativa do Governo está limitada aos casos expressamente
enunciados na CRP, não estando excluída a subordinação dos DL às leis
parlamentares materialmente paramétricas

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

iii) A competência legislativa das ALR rege-se pelo principio da taxatividade do


poder legislativo das RA

Primado da AR – entre as manifestações do primado da AR no exercício da função legislativa,


encontram-se as seguintes:

a) A presença da regra geral segundo a qual a AR dispõe de uma competência legislativa


genérica, que lhe permite legislar sobre todas as matérias não reservadas a outros
órgãos
b) A amplitude da reserva absoluta e relativa da competência legislativa parlamentar
c) O facto de se de inscreverem na reserva do Parlamento todas as leis reforçadas, seja das
leis reforçadas pelo procedimento, seja das leis reforçadas pela parametricidade
material
d) A autoridade conferida ao Parlamento de, em matéria reserva relativa, não só de
conceder ou recusar a autorização legislativa, mas de definir também o sentido e a
extensão da autorização
e) A existência de leis de bases e o correspondente regime, com destaque para a
subordinação dos DL e dos decretos legislativos regionais a todos as leis de bases,
mesmo as decretadas fora da reserva de competência da AR, e para a necessidade de
invocação expressa da lei de bases por esses órgãos
f) O poder reservado à AR de ter a ultima palavra no controlo do exercício da função
legislativa por parte do Governo e das ALR, através do mecanismo da “apreciação
parlamentar de atos legislativos”
g) O facto de o prazo de promulgação das leis ser de 20 dias e da promulgação dos DL ser
de 40 dias
h) O facto de o veto presidencial ser suspensivo no caso das leis e absoluto no caso dos DL
i) A prática de cortesia institucional de o Governo não legislar sobre matérias acerca das
quais estejam pendentes na AR projetos de lei, propostas de lei ou pedidos de
apreciação de DL

Há uma grande divisão na doutrina sobre o disposto no art.198º/1, al.c) CRP (competência do
Governo para fazer DL de desenvolvimento): uns sustentam que a AR dispõe de plena
competência para o desenvolvimento das leis de bases, em concorrência com o Governo
(doutrina maioritária e TC); outros que, no todo ou em parte, negam essa faculdade ao
Parlamento, defendendo pelo contrario a existência de uma reserva de desenvolvimento a favor
do Governo (Paulo Otero, Blanco de Morais, Jaime Valle, Freitas da Rocha). No final, debatem-
se a este respeito pelo menos cinco diferentes linhas de entendimento:

• Conceção tradicional – não há nenhuma reserva de desenvolvimento das leis de bases


a favor do Governo (Jorge Miranda)
• Conceção limitativa – deve extrair-se da disposição uma compreensão ao âmbito da al.
a) do art.198º, seja por se vedar ao Governo a possibilidade de legislar na área
concorrencial, caso não existir uma previa lei de bases da AR, seja por se lhe vedar a
possibilidade de revogar ou modificar as leis de bases anteriormente editadas pela AR
(Gomes Canotilho, Vital Moreira)

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

• Conceção ampliativa – a disposição em analise alarga a competência legislativa do


Governo, ao permitir-lhe intervir nas matérias de reserva absoluta da competência do
Parlamento, bastando para tal que este se limite a emanar leis de bases sobre esses
domínios: a alínea c) atribui ao Governo uma competência de desenvolvimento de bases
gerias contidas em leis sobre matérias de reserva do Parlamento, que, ao circunscrever-
se às bases, permitem ao Governo aí intervir legislativamente (Manuel Afonso Vaz)
• Quarta orientação – a norma em causa atribui ao Governo uma competência legislativa
reservada de desenvolvimento de leis de bases, em matérias reservadas à AR (Blanco
de Morais), em matérias da área concorrencial (Jaime Valle) ou em ambas (Paulo Otero,
Freitas da Rocha), expropriando a AR do correspondente poder de desenvolvimento e,
em ultima instancia, limitando o Parlamento à emanação das leis de bases
• Conceção próxima do entendimento tradicional – o sentido da al. c) do art.198º é o de
vincular o Governo, quando desenvolve leis de bases da AR, a fazê-lo sob a forma de DL,
encontrando-se vedado ao mesmo órgão o recurso à sua competência regulamentar,
consagrando-se aí uma reserva intraorgânica de competência a favor do Governo-
legislador em prejuízo do Governo-administrador (Luís Pereira Coutinho, Marcelo
Rebelo de Sousa, JMA)
• JMA – recusa a existência de uma reserva de desenvolvimento das leis de bases a favor
do Governo, aderindo no final à ultima orientação acima exposta, por ser a que melhor
se coaduna com o principio geral da competência legislativa do Parlamento, com a
intenção constituinte (JoMi) e com as traves mestras em que se assentam as regras
constitucionais sobre fixação da competência, sem deixar de dar um sentido útil ao
preceito.

3.5. Leis reforçadas


Origem – introduzida na revisão constitucional de 1989, que apesar de não as definir, deixou
claro pelo menos duas coisas: por um lado, reconheceu expressamente como leis de valor
reforçado as leis orgânicas; por outro lado, associou à violação das leis de valor reforçado o
desvalor da ilegalidade, permitindo o correspondente controlo de legalidade, em sede de
fiscalização concreta e de fiscalização abstrata.

Positivação – os dispositivos constitucionais relativos ao conceito de valor reforçado foram


objeto de alteração na revisão constitucional de 1997, que fixou o enunciado do art.112º/3 CRP.

Função – identificar um conjunto de atos legislativos que deveriam constituir um parâmetro


normativo da fiscalização da legalidade de outras leis, traduzindo por isso um “bloco de
legalidade qualificada” capaz de assegurar um controlo de validade paralelo ao controlo de
constitucionalidade.

Após a revisão constitucional de 1997, a doutrina convergiu no reconhecimento de que, na


formulação dada ao art.112º/3, o legislador de revisão pretendeu de algum modo reunir os
vários critérios defendidos até então, pois tanto se apela a forma e ao procedimento agravado,
como à função e à parametricidade material, de onde resulta o reconhecimento de que na CRP
não há um critério único, mas sim vários critérios que se entrecruzam para a qualificação de uma

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

lei de valor reforçado, tornando impossível esboçar um conceito dogmático unitário de lei de
valor reforçado.

Porem, não existe um consenso doutrinário quanto ao numero, designação e recorte dos
critérios relevantes; há uns que defendem a prevalência de um critério material/hierárquico e
os que entendem que deve prevalecer um critério formal/procedimental:

1) Paulo Otero e JoMi – as leis reforçadas são aquelas cujo conteúdo tem de ser respeitado
por outras (como sucede com as leis de base, as leis de autorização, os estatutos
político-administrativos das RA ou as leis enquadramento), pela sua função de
pressuposto ou de padrão de conformidade de outras leis; por essa razão, as leis
reforçadas pelo procedimento representam uma mera categoria formal, despida de
qualquer relevância operativa, devendo por isso ser qualificadas como leis reforçadas
imperfeitas, por carecerem de qualquer função como pressuposto ou padrão de
conformidade de outras leis. JoMi: liga o conceito de lei de valor reforçada a um
fenómeno de diferenciação de funções e uma proeminência não hierárquica, vendo
nelas o denominador comum da especifica forma indesligável da função material que a
CRP assim lhes assina; Paulo Otero: o conceito de valor reforçado apela a um mecanismo
em tudo análogo ao que se processa entre a lei e o regulamento, envolvendo o
estabelecimento de relações de prevalência normativa de certas leis, pelo facto de umas
serem pressuposto ou padrão de conformidade hierárquica de outras, que não as
podem contrariar, sob pena de ilegalidade.
2) Blanco de Morais – consideram-se leis de valor reforçado em sentido próprio apenas as
leis dotadas de um procedimento agravado, isto porque:
a) No plano da estrutura, as leis reforçadas pelo procedimento devem o seu caracter
apenas a elementos orgânico-formais
b) No plano institucional, essas leis constituem uma expressão exclusiva do poder
parlamentar, ao passo que as leis definidas pelo seu conteúdo podem provir de
outros órgãos
c) No que concerne ao regime operativo, as leis reforçadas pelo procedimento são em
geral atos relativamente densos e completos, ao passo que as leis definidas pelo seu
conteúdo, por regra, são incompletas
d) Quanto à teleologia, as leis reforçadas pelo procedimento são caracterizadas pela
sua maior essencialidade politica, tendo uma relação direta com o funcionamento
do sistema politico

Para esta corrente, serão, por conseguinte, leis reforçadas em sentido próprio as leis
que, por força da Constituição, estejam sujeitas a um procedimento legislativo agravado,
apresentando-se todas as demais como leis reforçadas em sentido improprio.

3) JMA – a CRP adota um conceito compósito de lei de valor reforçado, não podendo a
elaboração dogmática excluir, designadamente através de interpretação corretiva,
nenhuma das componentes aí integradas por decisão do legislador de revisão, já que o
ponto de partida determinante na construção do conceito de lei reforçada é o texto
constitucional e os dados que a partir dele se extraem.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

Conceito compósito de lei reforçada (art.112º/3 CRP):

• Compreende leis cujo valor reforçado decorre essencialmente do seu procedimento


agravado
• Compreende leis que desempenham a função de pressuposto normativo de outras leis
• Compreende ainda residualmente leis que por outras devam ser respeitadas, de que
podem ser dados, entre outros, os exemplos dos estatutos político-administrativos das
RA e da Lei do Orçamento do Estado

São três os critérios revelantes para a determinação de uma lei de valor reforçado: o do
procedimento agravado, o da função do pressuposto normativo e o da parametricidade
material.

Subcategorias de leis reforçadas:

1. Leis reforçadas pelo procedimento


• Leis orgânicas – indicadas no art.166º/2 CRP. São leis que devem esgotar o
tratamento da matéria sobre que incidam, não podendo delegar ou reenviar
para leis não orgânicas nada que corresponda ao respetivo âmbito material,
vigorando aqui uma reserva de densificação total. Apresentam as seguintes
especialidades: objeto de um titulo próprio, o titulo de lei orgânica,
beneficiando ainda de uma numeração exclusiva; são obrigatoriamente votadas
na especialidade no Plenário, salvo as das alíneas l), q), t) do art.164º CRP; são
aprovadas, em votação final global, pela maioria absoluta dos Deputados em
efetividade de funções; em caso de veto politico, a superação do mesmo
requerer uma maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que
superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções; quanto
à fiscalização preventiva, são duas as particularidades _ por um lado, alarga-se
ao PM e a 1/5 dos Deputados a legitimidade para suscitar a fiscalização
preventiva da constitucionalidade; por outro lado, o PR esta impedido de
promulgar o correspondente decreto sem que decorra o prazo de oito dias apos
a respetiva receção ou, tendo havido fiscalização preventiva, antes de o TC se
ter pronunciado, falando-se a este propósito em promulgação vedada
• Leis aprovadas por maioria de 2/3 – referidas no art.186º/6 CRP: no caso das al.
a), b) e c) estamos diante de leis autónomas, ao passo que nas demais alíneas
se esta diante de disposições inseridas em leis de diversa natureza. A CRP não
distingue quais as votações em que se requer a maioria de 2/3 dos deputados
presentes, devendo, por isso, o interprete partir do principio de que essa
maioria é requerida nas três votações, apesar de haver hesitações na doutrina,
por alegadamente relevar ai apenas a votação na especialidade. Em caso de
veto politico, poderia em tese admitir-se quer a alternativa de estar afastado o
exercício do poder politico, por falta de previsão, quer a alternativa, mais
condizente com o principio da adequação funcional e com um argumento de
maioria de razão, de estas leis estarem submetidas ao regime do veto
qualificado do art.136º/3
2. Leis reforçadas pela parametricidade material
• Leis de bases – definem as opções politico-legislativas, fixando um conjunto de
princípios carecidos de posterior desenvolvimento a fazer por legislação

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

complementar a elas subordinada. Admite-se, quanto à supremacia das leis de


bases sobre os DL desenvolvimento, a orientação segundo a qual esta
supremacia tanto existe no âmbito das matérias reservadas à AR como fora
dessas matérias, pois é nesse sentido que apontam o texto e o elemento
teleológico, mas também o primado do Parlamento. Apesar das leis de bases
poderem ser aprovadas pela AR, pelo Governo e pelas ALR, apenas as leis de
bases da AR e as do Governo, mediante autorização legislativa, valem como leis
de valor reforçado pela sua parametricidade material, pelas seguintes razoes: o
art.112º/2 alude expressamente à subordinação dos DL às bases gerais dos
regimes jurídicos, sendo que a CRP apenas se refere a bases e a bases gerais no
âmbito da competência da AR; o art.227º/1 al. c) permite às RA o
desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos
contidos em lei que a ele se circunscrevam; o art.198º/3 impõe que os DL de
desenvolvimento devam invocar expressamente a lei de bases ao abrigo da qual
são aprovados; segundo Gomes Canotilho, subjacente à existência de leis de
bases parece ter estado a intenção de assegurar a intervenção legislativa
primaria da AR, permitindo ao Governo e às ALR legislar sobre a mesma matéria,
uma vez fixadas as bases gerias através de lei do parlamento, com o que se
preserva quer o primado do Parlamento, quer uma adequada divisão do
trabalho legislativo; quanto à estrutura da CRP, a supremacia das leis de bases
da AR sobre os DL do Governo foi afirmada na revisão constitucional de 1982
com o fim de restringir os poderes legislativos do Governo, cuja latitude, nos
termos da redação primitiva do texto de 1976, foi reconhecida como pouco
compatível com um Estado de direito democrático e como demasiado
influenciada pelo regime constitucional de 1933.
O desenvolvimento das leis de bases tem de ser feito necessariamente por ato
legislativo, com exclusão do regulamento administrativo; nem o Governo nem
as ALR podem invadir ou inovar na matéria de leis de bases reservadas à AR,
nem contrariar os princípios fixados em previa lei de bases, embora a AR o
possa fazer uma vez que pode fazer leis sobre todas as matérias, não estando
por isso inibida de proceder ao desenvolvimento da lei de bases nem obrigadas
a invocar as bases cujo desenvolvimento proceda, ao contrario do que sucede
com o Governo e as ALR; nada na CRP impede que a AR possa esgotar toda a
matéria ou definir um regime misto de princípios e de normas de pormenor;
ainda que o Governo possa teoricamente revogar uma lei de bases da área
concorrencial, o mesmo terá de suportar os custos políticos inerentes a essa
verdadeira descortesia, pelo menos no quadro da mesma legislatura; segundo
a doutrina, as leis de bases da área concorrencial têm um valor reforçado
enfraquecido; a revogação de uma lei de bases não determina a caducidade da
legislação de desenvolvimento que ao seu abrigo tenha sido editada, o que é
particularmente evidente no caso da legislação complementar regional; na falta
de uma autoqualificação, nem sempre é claro quando se estará diante de uma
lei de bases; as leis de bases da AR podem ainda ser vistas como um instrumento
de prevalência do Direito de Estado relativamente aos decretos legislativos
regionais, mas igualmente como instrumento de supremacia legislativa da AR
sobre o Governo; o surgimento ou a alteração de uma lei de bases implicam
ilegalidade superveniente da legislação complementar colidente.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

• Leis de autorização – objeto de tratamento no paragrafo seguinte, dedicado à


atividade legislativa da AR
• Leis de enquadramento – podem-se definir como os atos legislativos de
existência necessária que são pressuposto e parâmetro normativo dos
ulteriores atos legislativos de execução e concretização. Constituem leis de
enquadramento na CRP: leis de enquadramento orçamental (art.106º/1); leis
sobre a criação modificação e extinção das autarquias locais [art.164º, al. n), e
236º/4]; lei-quadro de adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades
regionais [art.227º/1, al.i)]; a lei de criação das regiões administrativas
(art.255º); lei-quadro das reprivatizações (art.293º). Trata-se de um conjunto
de leis da reserva do Parlamento, dotadas de densidade variável, mas em
medida superior à das leis de bases, e que devem cumprir a função especifica
que lhes foi constitucionalmente atribuída
3. Leis duplamente reforçadas
• Estatutos político-administrativos – reserva de iniciativa confiada às ALR, a
quem cabe em exclusivo a elaboração do projeto de estatuto (art.226º/1); são
aprovados por maioria simples, salvo as disposições que enunciem as matérias
que integram o respetivo poder legislativo [art.168º/6, al. f)]; leis dotadas de
parametricidade material, em virtude de serem leis de vinculação genérica, na
medida em que os estatutos devem ser respeitados por quaisquer leis, regionais
ou nacionais. Para uma significativa parte da doutrina e para a jurisprudência
constitucional, os estatutos perfilam-se como leis hierarquicamente superiores
às demais; os estatutos cumprem a função de serem a lei básica da respetiva
RA, sendo a expressão mais elevada da autonomia politica regional, detendo
por isso uma natureza quase-constitucional.
• Leis das grandes opções dos planos nacionais – JoMi hesita em qualifica-las
como leis reforçadas. São leis dotadas de um nível mínimo de parametricidade
material, na medida em que as eis orçamentais com elas se devem harmonizar;
o procedimento agravado resulta da existência de uma iniciativa reservada ao
Governo [art.161º, al. g)]
• Lei do Orçamento de Estado – objeto de regulação constitucional e de uma
específica lei de enquadramento, devendo harmonizar-se com as diretrizes
definidas na lei das grandes opções do plano, estando por isso vinculada, em
cadeia, à CRP e a diversos atos legislativos, e às normas de Direito Europeu. É
uma lei duplamente reforçada pelo facto de incorporar limites ao poder do
Parlamento na edição de leis que, no ano económico, pretendam aumentar a
despesa ou diminuir a receita, e devido à reserva de iniciativa governamental
(só pode ser alterado por vontade iniciativa do Governo)
• Lei-quadro das reprivatizações – prevista no art.293º; é uma lei dotada de
parametricidade material em virtude de ser uma lei enquadramento,
estabelecendo e concretizando os princípios, os critérios e os procedimentos a
que devam obedecer os DL que procedam à reprivatização dos bens
nacionalizados depois do 25 de abril, advindo-lhe o procedimento agravado da
exigência de aprovação por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de
funções.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

3.6. Atividade legislativa da AR


Esferas de competência legislativa da AR:

• Competência legislativa genérica – enunciada no art.161º, al. c), nos termos do qual
compete à AR fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição
ao Governo. Devemos considerar igualmente excluídas as competências reservadas às
ALR ou mesmo ao Governo Regional, bem como as competências regulamentares
reservadas à administração autónoma, em especial às autarquias locais e às
universidades.
• Competências legislativa de reserva absoluta – enunciada no art.164º, mas entende-se
também a um conjunto de outras competências legislativas especificas do Parlamento:
- a aprovação dos estatutos político-administrativos das RA
- a aprovação das leis de autorização legislativa
- a concessão de amnistias e de perdoes genéricos
-a aprovação das leis das grandes opções dos planos nacionais
- a aprovação do Orçamento de Estado
- a autorização ao Governo a contrair e conceder empréstimos e a realizar outras
operações de credito que não sejam de divida flutuante, definindo as respetivas
condições gerais, bem como o estabelecimento do limite máximo dos avales a conceder
em cada ano pelo Governo
- a aprovação das leis referidas no art.168º/6, al. a), b) e c)
-a aprovação da lei de criação das regiões administrativas
-a aprovação das leis de instituição em concreto de cada uma das regiões
administrativas
-a aprovação da lei-quadro de adaptação do sistema tributário nacional às
especificidades regionais
-a aprovação da lei-quadro das reprivatizações
• Competência de reserva relativa – enunciada no art.165º, entendendo-se que, se a AR
nada fizer, só ela tem pode de legislar nessas matérias, permitindo-se, todavia, a
delegação do exercício dessa competência no Governo e, em parte, também nas ALR

Existem três tipos de situações em que as reservas da AR não têm o mesmo alcance:

i. A reserva abrange toda a matéria legislativa como sucede na generalidade das alíneas
dos art.164º e 165º, nº1
ii. A reserva incide apenas sobre o regime geral, podendo os demais órgãos legislativos
legislar sobre regimes especiais, ainda que de forma não incompatível com os princípios
traçados no regime geral
iii. As normas de reserva respeitem apenas à definição das bases ou das bases gerais do
regime jurídico, cabendo nesse caso ao Parlamento apenas a aprovação das opções
politicas fundamentais, a serem posteriormente desenvolvidas por qualquer dos órgãos
titulares de competência legislativa.

Segundo o TC há três níveis nas normas de reserva:

a) Um nível mais exigente em que toda a regulamentação é reservada à AR


b) Um nível intermedio em que a reserva se limita à definição de um regime comum ou
normal, podendo os regimes especiais ser aprovados pelo Governo ou pelas ALR

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

c) Um nível menos exigente, em que a competência reservada da AR se restringe às bases


gerais dos regimes jurídicos

Procedimento legislativo parlamentar:

1º) Fase de iniciativa – momento em que se poe em marcha o procedimento legislativo, através
da apresentação de uma proposta de lei ou de um projeto de lei por parte de qualquer dos
sujeitos investidos no correspondente poder funcional; compete aos Deputados, aos grupos
parlamentares, ao Governo, a grupo de cidadãos eleitores e às ALR (art.167º/1). Pode ser interna
(provem dos Deputados ou dos grupos parlamentares; traduzindo-se na apresentação de
projetos de lei) ou externa (proveniente do Governo e das ALR; propostas de lei); pode ser
originaria, quando se traduza na abertura do procedimento legislativo, ou superveniente,
quando se traduza na apresentação de propostas de alteração ou em textos de substituição;
pode ser genérica (incide sobre quaisquer matérias) ou especificas (como sucede com as ALR,
que só têm iniciativa em matérias que respeitem às RA); podem ainda ser concorrencial (os
diversos sujeitos possam desencadear o procedimento) ou reservada (poder funcional conferido
em exclusivo ao Governo ou às ALR).

Limites à iniciativa: norma travão (art.167º/2).

Se uma iniciativa for rejeitada, não pode ser renovada na mesma sessão legislativa, a não ser
que tenha sido eleita nova AR; se uma iniciativa não for aprovada até ao final da sessão
legislativa, não precisa de ser renovada, transitando o projeto ou proposta de lei para a sessão
legislativa seguinte, a não ser que tenha terminado a legislatura; quanto à caducidade, a regra
geral é a de que os projetos e propostas de lei caducam com o termo da legislatura, com a
demissão do Governo (no caso das propostas de lei do Governo)

2º) Fase de instrução – entregue essencialmente às comissões especializadas da AR que tem por
finalidade recolher e preparar os dados e elementos, nomeadamente pareceres, informações e
pronuncias, que permitam analisar a oportunidade e o conteúdo da iniciativa legislativa

3º) Fase constitutiva – o Parlamento exprime a sua vontade de decretação de um ato legislativo,
determinando o respetivo conteúdo e efeitos; fase complexa, por se decompor, por se
decompor em diversos subprocedimentos, subfases e atividades, cujo resultado final vem a ser
a deliberação do Parlamento materializada num ato a que no nosso sistema se dá o nome do
decreto. Abrange três momentos distintos: discussão e votação na generalidade, de discussão e
votação na especialidade e de votação final global; há dois debates (uma na generalidade e outro
na especialidade) e três votações, sendo que a discussão e votação na generalidade e a votação
final global são sempre feitas no Plenário. Quanto à votação na especialidade, deve reter-se o
facto de a norma do art.168º/3 CRP ter sido afastada por uma norma de costume contra
constitutionem, nos termos da qual a votação na especialidade se realiza por regra em comissão
e não no Plenário, exigindo, no entanto, sempre votação obrigatória no Plenário as leis referidas
nos nº4 e 5 (parte final), e 6 do art.168º.

Debate na generalidade: discussão sobre os princípios e o sobre sistema do texto apresentado,


visando no fundo apurar se o Parlamento tem ou não interesse em avançar com a discussão da
matéria em causa

Debate na especialidade: versa sobre cada artigo, numero ou alínea de um projeto ou proposta
de lei.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

A regra geral é a de que a votação das leis se processa pela maioria simples, a menos que se
deva aplicar alguma das regras especiais previstas no art.168º/5 e 6, e 293º

Votação final global: exprime o ato conclusivo do procedimento em sede parlamentar,


carecendo, todavia, ainda de uma redação final, a cargo da comissão competente, e da posterior
publicação no Diário da AR.

4º) Fase de controlo de mérito – o decreto aprovado pelo Parlamento é enviado ao PR para
efeitos de promulgação ou veto, entrando-se assim numa nova fase.

Quanto ao veto politico, embora o texto não seja inequívoco e haja divergências na doutrina, é
plenamente defensável a tese segundo a qual a fiscalização preventiva deve preceder o veto
politico (art.136º/1 e 4); o PR não deverá invocar razões de constitucionalidade no veto politico,
mas já poderá invocar, por exemplo, razoes de mau Direito ou a violação de lei de valor
reforçado, uma vez que relativamente a essas hipóteses já não está em aberto o recurso à
fiscalização preventiva.

5º) Fase de integração de eficácia – prende-se não com a validade do ato legislativo, mas com a
eficácia, o que pressupõe o conhecimento do mesmo pelos seus destinatários, os cidadãos.

Art.165º/1 CRP: a AR pode conceder autorizações legislativas ao Governo, em qualquer das


matérias da reserva relativa de competência legislativa, podendo igualmente conferir às ALR
autorizações legislativas, em algumas dessas matérias. Os destinatários das leis de autorização
são eles apenas o Governo em plenitude de funções e as ALR, estando constitucionalmente
excluídas quaisquer subdelegações legislativas. As leis de autorização, apesar do seu carácter
incompleto e da sua duração delimitada, não têm uma natureza diversa das demais leis,
havendo hoje um relativo consenso na doutrina a respeito da qualificação da autorização como
delegação de poderes, agora colocada num plano constitucional de divisão e de
interdependência de poderes, mas também num plano de afirmação da supremacia do
Parlamento no exercício da função legislativa, que não só preserva o poder de modificar,
suspender ou revogar a lei de autorização, como o poder de modificar, suspender ou revogar o
DL ou o decreto legislativo autorizado, em processo legislativo ou em processo de apreciação.

Art.165º/2: tem a função de garantir o respeito pelo principio da separação e interdependência


de poderes, vedando autorizações implícitas ou em branco, limitando a discricionariedade do
Governo e acautelando a existência de um conjunto de limites previamente definidos e passiveis
de controlo.

Objeto traduz-se na definição das matérias sobre as quais pode incidir o diploma autorizado, ou
seja, traduz-se na indicação de uma matéria ou, se for caso disso, de mais do que uma das
matérias enunciadas no art.165º/1; Sentido da lei de autorização traduz-se no conjunto de
princípios orientadores, diretrizes ou fins a prosseguir pelo DL autorizado, constituindo por isso
os parâmetros materiais subordinantes do conteúdo da legislação a produzir; Extensão tanto
pode consistir na delimitação do objeto, como do programa legislativo a estabelecer e até
mesmo da previsibilidade das soluções; Duração da autorização consiste no período
determinado de tempo dentro do qual o diploma autorizado pode ser emitido.

Se a AR não definir na lei de autorização os elementos referidos no art.165º/2, a lei de


autorização padecerá de inconstitucionalidade material, por desvio de poder, do mesmo vicio
padecendo os decretos-leis autorizados, a titulo consequencial. A infração a cada um desses

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

elementos por parte dos DL autorizados tem consequências distintas: por um lado, o
desrespeito do sentido de lei de autorização implica ilegalidade, na medida em que o diploma
autorizado não respeitou os parâmetros da lei subordinante a que estava vinculado; por outro
lado, o desrespeito do objeto, da extensão ou da duração da autorização implicam, em principio,
inconstitucionalidade orgânica.

Os atos autorizados têm necessariamente de revestir a forma de DL ou de decreto legislativo


regional, tendo alem disso de invocar expressamente a lei de autorização, sob pena de
inconstitucionalidade formal.

As autorizações legislativas cessam:

• Utilização – as autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez
(principio da irrepetibilidade)
• Caducidade – com o decurso do prazo fixado para a sua utilização, mas também com o
termo da legislatura, a dissolução da AR ou a demissão do Governo
• Revogação – a AR pode fazer cessar a autorização legislativa revogando a lei de
autorização antes da sua utilização, significando com isso chamar a plenitude do poder
legislativo

Apreciação parlamentar: constitui uma das peças-chave na afirmação do primado da AR, na


medida em que permite ao Parlamento ter a ultima palavra na apreciação do mérito da
produção legislativa do Governo. Estão sujeitos a apreciação parlamentar todos os DL do
Governo, salvo os aprovados no exercício da competência exclusiva do Governo, sem exclusão
dos DL de desenvolvimento ou dos DL de conteúdo individual e concreto, na medida em que o
Parlamento exerce aqui uma função politica de controlo; estão ainda sujeitos a apreciação os
decretos legislativos regionais que tenham sido objeto de uma previa autorização legislativa.
Esta tem como finalidade da apreciação parlamentar levar à cessação da vigência e à alteração
dos diplomas em causa, podendo ainda durante o percurso do processo de apreciação a
Assembleia deliberar a suspensão da vigência, no caso de se tratar de um DL autorizado;
relativamente aos diplomas regionais, há quem admita apenas a cessação de vigência. O
processo de requerimento de dez deputados, nos trinta dias subsequente à publicação do ato a
apreciar, valendo quanto às votações a realizar a regra geral da maioria simples e podendo o
procedimento caducar nas condições do art.169º/5, ou se o diploma for, entretanto, revogado
pelo órgão que o tiver aprovado.

Em caso de cessação de vigência ou de suspensão, o ato reveste a forma de resolução, deixando


o diploma de vigorar desde o dia em que a resolução, deixando o diploma de vigorar desde o
dia em que a resolução for publicado e devendo a AR especificar se há ou não lugar a
repristinação das normas revogadas pelo diploma em causa; em caso de alteração, o ato da AR
reveste a forma de lei.

3.7. Atividade legislativa do Governo


O reconhecimento de que os poderes legislativos do Governo na CRP de 76 traduzem uma
singularidade e uma situação inédita no quadro europeu.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

Competência legislativa do Governo (quanto à historia constitucional) – é possível identificar


quatro fases: fase de competência exclusiva do Parlamento; fase em que se permitem as
autorizações legislativas ao poder Executivo (1911); fase de admissão dos DL em caso de
urgência e necessidade (1933-1945); fase em que o Governo passou a receber uma competência
legislativa normal (desde 1945)

Competência legislativa do Governo (quanto à pratica constitucional): durante os interregnos


constitucionais sempre existiu um monopólio legislativo total do Executivo, a quem se deve a
aprovação das reformas legislativas mais importantes ao longo de quase dois seculos;
consolidou-se a prática dos decretos ditatoriais (atos com força de lei aprovados pelo Executivo,
que eram depois sujeitos a ratificação pelas Cortes, através do bill de indemnidade); durante a I
Republica abundaram os decretos com força de lei; vários têm sido os fatores a reforçar a
tendência no sentido da preponderância do poder legislativo do Governo.

Competência legislativa (quanto à doutrina): de um lado temos os autores que consideram


normal o modelo de repartição de poderes legislativos, tendendo ainda a privilegiar a posição
politico-constitucional (Paulo Otero, Blanco de Morais, Jaime Valle, Freitas da Rocha); por outro
lado, há autores que tendem a privilegiar o primado da competência legislativa da AR (JMA,
JoMi, Gomes Canotilho, Marcelo Rebelo de Sousa). O TC adota uma posição intermediaria, ainda
aque esteja porventura mais próxima da afirmação do primado da AR.

Tipologia das competências legislativas do Governo:

➢ Competência legislativa reservada (ou exclusiva)


• Diz respeito à matéria da sua própria organização e funcionamento (art.198º/2),
envolvendo ainda, por Constituição, o numero, a designação e as atribuições
dos ministérios e secretarias de Estado, bem como as formas de coordenação
entre eles
• Segundo uma linha minimalista, a competência em causa abrange a organização
do Governo, mas já não compreende, por falta de arrimo constitucional, a
organização dos ministérios
• Para uma corrente maximalista, compreende a lei orgânica do Governo, as leis
orgânicas do Ministério, e as normas referentes à organização e funcionamento
do Governo através do Conselho de Ministros
• JMA: reserva quanto à estruturação essencial do Governo, que integra
necessariamente as regras essenciais do funcionamento do Governo, que
integra necessariamente as regras essenciais do funcionamento do Conselho de
Ministros, mas que não deve obstar totalmente a incursões secundários do
Parlamento relativamente à organização dos Ministérios, sempre que as
mesmas se mostrem justificadas e não afetem o principio da adequação
funcional.
• Os aspetos essenciais da organização e funcionamento do órgão colegial do
Governo terão, por força da CRP, de ter sede legislativa, não sendo de admitir a
sua subtração ao controlo do PR
➢ Competência legislativa concorrencial
• Vigora o principio de paridade entre a lei e o DL
• JMA – apesar de vigorar o principio de paridade, o Governo não dispõe da
faculdade de legislar sobre todas as matérias porque: o âmbito de incidência da
competência concorrencial do Governo não é comparável ao da AR, na medida

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

em que esta dispõe de 67 domínios materiais reservados, ao passo que o


Governo dispõe de apenas um; apenas a AR pode produzir leis de bases de
carácter subordinante heterónomo na esfera concorrencial; o Governo não
pode revogar ou desconsiderar lei de bases da AR sem suportar os inerentes
custos políticos (JoMi), a começar pela sujeição ao controlo politico do art.169º;
o Governo esta impedido de renovar um DL que tenha sido objeto de veto
politico por parte do PR ou que tenha sido objeto de cessação de vigência por
parte da AR, porque a sua atividade legislativa esta sujeita a um duplo controlo
de mérito, absoluto em qualquer dos casos; o Governo deve abster-se de
legislar sempre que uma determinada matéria esteja em apreciação na AR
• O Governo goza de uma ampla esfera de competência legislativa na área
concorrencial, sem prejuízo do primado da AR, podendo os dois órgãos legislar
a todo o tempo sobre as mesmas matérias, aplicando-se aí o critério
cronológico, nos termos do qual um ato legislativo posterior revoga o anterior,
dado o igual valor da lei e do DL
➢ Competência legislativa autorizada
• Art.198º/1, al.b)
• O exercício desta competência está condicionado ao pressuposto da existência
de uma previa lei de autorização
• Uma vez emitido o DL, o Governo não pode modificar ou revogar, a menos que
receba nova lei de autorização legislativa (JMA não acolhe a tese segundo a qual
o Governo poderia dispensar nova lei de autorização nua situação de
inconstitucionalidade, por força do principio do autocontrolo da validade

➢ Competência legislativa complementar ou de desenvolvimento


• O governo dispõe de uma competência legislativa complementar que lhe
permite aprovar DL de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos
regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam
• Está condicionado ao pressuposto da existência de uma previa e efetiva lei de
bases, não bastando para o efeito a invocação de ma alegada lei de bases, mas
podendo igualmente tratar-se de um DL de bases aprovado no uso de uma
autorização legislativo
• Só pode ser feito por ato legislativo das leis de bases, devendo os DL de
desenvolvimento invocar expressamente a lei de bases ao abrigo da qual são
aprovados

3.8. Atividade legislativa das RA


Revisão constitucional de 2004:

i) Remissão para os estatutos político-administrativos da lista de matérias sobre as quais


pode incidir o poder legislativo regional
ii) Fixação de três requisitos básico ao exercício do poder legislativo regional: o âmbito
regional, a taxatividade das matérias, e o respeito pelas reservas de competência dos
órgãos de soberania
iii) Prevalência de leis estaduais reduzida agora aos estatutos político-administrativos e às
leis dotadas de parametricidade material

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

iv) Alargamento da esfera de competência legislativa autorizada das RA, a par do


conhecimento do poder de transposição de atos legislativos da EU
v) Manutenção de um núcleo residual de competência legislativas exclusivas, enunciado
em diversas alíneas do art.227º/1, em geral, sujeitas a lei de enquadramento prévia.

Principio da taxatividade do poder legislativo das RA: art.112º/2,3,4 e 8; art.22º, 228º e 231º/1.
Expresso na formula segundo a qual a autonomia legislativa das RA incide sobre matérias
enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania (art.228º/1)

Tipologia das competências legislativas das ALR:

➢ Competência legislativa reservada ou exclusiva – conjunto de matérias nas quais apenas


as RA podem legislar (art.227º/1 e 231º/1). As matérias em questão são: exercício de
poder tributário próprio; adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades
regionais; criação e extinção de autarquias locais, bem como a modificação da respetiva
área; elevação de povoações à categoria de vilas ou cidades; aprovação do plano de
desenvolvimento económico da região. Esta competência constitui limites aos poderes
legislativos dos órgãos de soberania, que não as poderão invadir, sob pena de
inconstitucionalidade
➢ Competência legislativa comum ou primaria – compreende o poder de legislar no
âmbito regional em matérias enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo
e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania; o poder de transposição de atos
legislativos da UE no âmbito regional e que não estejam reservadas aos órgãos de
soberania. Quanto à primeira modalidade, são necessários três requisitos: o do âmbito
regional (decompõe-se num elemento material e num elemento geográfico), o da
tipicidade das matérias (condiciona o exercício da competência regional à exigência de
que a matérias a regular esteja enunciada nos estatutos), e o do respeito pela reserva
de competência dos órgãos de soberania. Esta competência vem a situar-se numa esfera
concorrencial, podendo por isso ser editadas sobre as matérias tanto leis do Estado
como leis regionais, prevalecendo a legislação regional, e na ausência de legislação
regional própria, aplica-se supletivamente na RA a legislação estadual; no caso do
Direito de Estado, em virtude da qual as leis regionais, sob pena de ilegalidade, estão
vinculadas aos estatutos político-administrativos, bem como às demais leis reforçadas
pela parametricidade material
➢ Competência legislativa autorizada – conferida após a revisão constitucional de 2004;
art.227º/1, al.b). As propostas de lei de autorização devem ser acompanhadas d
anteprojeto de decreto legislativo regional a autorizar; ainda que a AR possa revogar ou
alterar a lei de autorização, há um sector da doutrina que entende que a AR, em
homenagem ao principio da autonomia regional, não pode vir a alterar o decreto
legislativo regional autorizado
➢ Competência legislativa complementar – prevista no art.227º/1, al.c). A hesitação da
doutrina a respeito da questão de saber se também relevam para este efeito as leis de
bases da área concorrencial, deve ser resolvida segundo uma interpretação favorável à
autonomia politica regional, quer por força do apelo ao critério auxiliar da
subsidiariedade; é, então, defensável a tese segundo a qual as RA apenas estão

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

vinculadas às leis de bases editadas pelas AR, mas de modo algum às leis de bases
editadas pelo Governo, salvo naturalmente tratando-se de DL de bases autorizados.
Todavia, as RA podem receber uma autorização legislativa derrogatória de princípios ou
de bases gerais definidas em previa lei de bases estadual, por força do art.227º/1, al.b).
JoMi integra nesta competência o poder de definir atos ilícitos de mera ordenação social
e respetivas sanções (art.227º/1, al. q)), observando o regime geral; Carlos Blanco de
Morais integra a concretização de leis de enquadramento; JMA não concorda com estes
dois autores, dizendo que as suas teses não têm um apoio direto no texto nem são
exigidas pelo sistema da CRP, bastando que as ALR não editem regras incompatíveis com
o correspondente regime geral, nem comas correspondentes leis de enquadramento.

4. Garantia da Constituição
4.1. Inconstitucionalidade
Inconstitucionalidade:

• Tem a ver com uma relação direta entre um ato e a Constituição, pressupondo que o
ato contradiga diretamente a norma constitucional, e não uma outra norma interposta
entre o ato e a Constituição, como poderia ser o caso de uma lei de autorização ou de
uma lei de bases (JoMi: ilegalidade; Blanco de Morais: inconstitucionalidade indireta)
• Só há inconstitucionalidade diante de atos do poder politico do Estado: por um
lado, pelo facto de a Constituição ser a lei fundamental do Estado, e não da
sociedade; por outro lado, por pertencer à Constituição organizar juridicamente
as formas de atuação do Estado, resultando a inconstitucionalidade da existência
de um desvio a essa ordenação
• Ato do poder politico, que tanto pode significar um comportamento positivo
(ação) como um comportamento negativo (omissão) de um ato que a CRP
mandava praticar
• Traduz-se na relação de um ato não com a Constituição como um todo, mas com
uma determinada norma constitucional, norma esta que pode ser uma regra
como um principio, tanto pode ser uma norma expressa ou implícita e tanto
pode ser uma norma produzida por lei constitucional, por costume
constitucional ou por interpretações; este ato encontra-se subordinado ao
parâmetro constitucional, por este ter a qualidade de normas das normas, como
resulta do art.3º/3

Marcelo Rebelo de Sousa – apenas os atos da função de revisão constitucional e das funções
primarias do Estado, com destaque para a função legislativa, estão submetidos à fiscalização
jurisdicional da constitucionalidade.

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

O conceito de inconstitucionalidade difere com os conceitos de vício (desconformidade


especifica do ato do poder politico que respeite a qualquer dos seus pressupostos ou
elementos), de valor negativo (depreciação mais ou menos intensa, sofrida por um ato
desconforme com a Constituição, suscetível de obstar à produção dos efeitos jurídicos que lhe
corresponderiam) e de sanção (tipo concreto de reação assumida pelo ordenamento jurídico
contra atos inconstitucionais).

Tipos de inconstitucionalidade:

➢ Quanto ao modo da ofensa


a) Inconstitucionalidade por ação: traduz-se na pratica de um ato que ofende a
Constituição, assumindo um carácter mais grave e relevante
b) Inconstitucionalidade por omissão: resulta da inercia ou da abstenção de um
órgão do poder politico, que deixa de praticar um ato a que estava
constitucionalmente obrigado; no ordenamento português, apenas ocorre
quando o legislador não aprove medidas legislativas necessárias para dar
execução a normas constitucionais não executadas por si mesmas, limitando-se
o TC nesse caso a dar conhecimento ao órgão legislativo competente. Não há
por isso nenhum outro controlo da constitucionalidade de omissões,
designadamente de atos políticos
➢ Quanto à natureza do vicio
a) Inconstitucionalidade material: colisão do conteúdo do ato do poder político
com o conteúdo de uma norma constitucional; tanto pode consistir numa
violação ao texto da norma constitucional, como pode consistir na violação de
uma norma implícita, podendo também incidir na contradição entre a finalidade
prosseguida pelo ato e os fins da norma constitucional
b) Inconstitucionalidade formal: violação de normas constitucionais respeitantes à
produção ou revelação de um ato do poder politico, podendo envolver vícios no
procedimento, vícios na revelação do ato ou vícios de excesso de forma (esta
modalidade é desconsiderada pelo TC)
c) Inconstitucionalidade orgânica: vicio que se traduz na violação de uma regra de
competência, podendo assumir três modalidades, segundo Marcelo Rebelo de
Sousa: carência absoluta de fundamento constitucional para a ação do Estado;
usurpação de funções do Estado; invasão de competência alheia no âmbito da
mesma função
➢ Quanto à extensão
a) Inconstitucionalidade total: a desconformidade afeta o ato do poder politico em
toda a sua extensão (as inconstitucionalidades orgânicas e formais tendem a ser
totais)
b) Inconstitucionalidade parcial: a desconformidade afeta apenas uma parte do
ato, uma parte da norma ou apenas uma parte do período de vigência da norma
(a inconstitucionalidade material, em regra, é parcial)
➢ Quanto ao momento da concretização do vicio
a) Inconstitucionalidade originária: o ato do poder politico ofende desde o inicio
uma certa norma constitucional em vigor
b) Inconstitucionalidade superveniente: o ato do poder politico só passa a ser
desconforme após o surgimento de uma nova norma constitucional; apenas

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

relevam os vícios materiais, em virtude da aplicação do principio tempus regit


actum
➢ Quanto à vigência das normas
a) Inconstitucionalidade presente: existe perante uma norma constitucional em
vigor (1º sentido); refere-se a um ato do poder politico em vigor (2º sentido)
b) Inconstitucionalidade pretérita: ocorre perante uma norma constitucional que
já não esta em vigor (1º sentido); respeita a um ato do poder politico que já não
está em vigor, mas que pode continuar a produzir efeitos, dai o interesse
processual na respetiva apreciação (2º sentido)
➢ Quanto ao critério da imediatividade
a) Inconstitucionalidade direta: a desconformidade resulta imediatamente do
confronto do ato com a CRP
b) Inconstitucionalidade consequente: a desconformidade resulta da dependência
do ato em causa relativamente a outro que é inconstitucionalidade; ex.: o DL
autorizado aprovado no seguimento de uma lei de autorização inconstitucional

Consequência da constitucionalidade: desvalorização da conduta inconstitucional, que pode


assumir graus mais ou menos acentuados, que podem ir desde a inexistência do ato, até à sua
invalidade ou à sua irregularidade. Segundo MRS, o valor negativo do ato inconstitucional so
pode ser equacionado em relação a um ordenamento jurídico em concreto porque:

i) Tudo depende da ponderação que cada Constituição fizer do valor das condutas
concretas
ii) Tudo depende do sistema de fiscalização da constitucionalidade efetivamente instituído
iii) Deve-se ter em conta, em termos de proporcionalidade, a gravidade da conduta
concreta desconforme
iv) Deve-se revelar a função sistemática das normas violadas

A doutrina tende a afirmar, face à excecionalidade das situações em que a CRP determina
inexistência ou irregularidade do ato, que, no ordenamento jurídico português, os atos
normativos inconstitucionais que não sejam inexistentes ou irregulares, estão feridos de
nulidade, pelo que o desvalor-regra do ato normativo inconstitucional é uma espécie de
invalidade.

4.2. O sistema português de controlo da constitucionalidade e da


legalidade
Modelos típicos de fiscalização da constitucionalidade:

➢ Fiscalização politica – tradicionalmente a cargo do Parlamento; sistema habitual na


Europa, e também em Portugal durante todo o constitucionalismo liberal.
➢ Fiscalização judicial difusa – desenvolveu-se por costume nos EUA, vindo depois a ser
exportada para o Brasil, Portugal, Japão e Itália; confere a todos os tribunais o poder de
apreciar a aplicação de leis inconstitucionais, dizendo-se por isso que é difusa; mas trata-
se de uma fiscalização concreta e incidental, na medida em que os efeitos da decisão se

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

cingem ao caso em apreciação, e em que a apreciação da constitucionalidade surge


como um incidente do processo, e não como a questão principal nele discutida.
➢ Modelo concentrado – num TC, embora esteja melhor adaptado aos sistemas
continentais europeus, espalhou-se um bocado pelo Mundo, traduzindo-se na
existência de um tribunal especializado, colocado à parte dos demais tribunais, que
intervém por via principal na fiscalização abstrata, mas que pode intervir também no
julgamento da fiscalização concreta e como instancia de proteção dos direitos
fundamentais.

Em Portugal, a respeito da fiscalização da constitucionalidade, é possível identificar quatro


períodos:

1822-1911 – fiscalização politica a cargo das Cortes

1911-1933 – fiscalização judicial difusa

1933-1982 – sistema misto, num duplo sentido, por envolver a fiscalização difusa e a fiscalização
concentrada, e por estar a cargo de órgãos judiciais (concreta), politico (AN, Conselho
Ultramarino, Conselho de Estado e o Conselho da Revolução) e ad hoc (Comissão
Constitucional). A Constituição de 1933 mantem a fiscalização judicial difusa com algumas
limitações, ao negar aos tribunais ordinários a apreciação da constitucionalidade orgânica e
formal de diplomas promulgados, atribuindo paralelamente à AN a competência para a
apreciação da inconstitucionalidade orgânica e formal das normas sujeitas a promulgação, alem
da fiscalização a cargo do Conselho Ultramarino; na versão originaria da Constituição de 1976,
o sistema da fiscalização da constitucionalidade tem uma raiz direta no interregno
constitucional, sobretudo na 2ª Plataforma de Acordo Constitucional, desenhando-se aí um
sistema misto e particularmente complexo, com varias modalidades de fiscalização abstrata
confiada ao Conselho de Revolução e a fiscalização concreta entregue aos tribunais, com
possibilidade de recurso para a Comissão Constitucional.

1982-hoje – sistema misto com preponderância do TC. A revisão constitucional de 1982


reconfigura decisivamente o sistema, com a extinção da Comissão Constitucional, e com a
criação de um TC, que intervém, a título principal, na fiscalização abstrata e, a titulo de recurso,
na fiscalização concreta.

Traços fundamentais do sistema de fiscalização:

• Sistema que combina o controlo da constitucionalidade de normas como o controlo da


legalidade de leis
• Sistema inteiramente jurisdicionalizado, uma vez que a fiscalização está apenas confiada
aos tribunais e, muito em especial, ao TC
• Sistema misto, porque envolve quer a fiscalização concreta quer a fiscalização abstrata,
podendo esta ser preventiva, sucessiva e abranger a inconstitucionalidade por omissão
• Sistema pautado pela centralidade do TC, quer por ser a ultima instancia de decisão no
processo de fiscalização concreta, quer por ser o único órgão competente nos processos
de fiscalização abstrata da constitucionalidade e da ilegalidade, quer pela tendência do
engrandecimento das suas competências, quer pela recente postura de maior ativismo
e de reforço do seu protagonismo politico

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

• Sistema com predomínio do controlo exercido sobre normas, com as únicas exceções
do controlo preventivo dos referendos e do controlo, na fiscalização concreta, de
interpretações implícitas numa decisão judicial
• Sistema pautado, quanto ao regime e ao desvalor do ato inconstitucional, pelos
seguintes traços fundamentais: poder singular concedido a todos os tribunais de
apreciação e de recusa de aplicação das normas inconstitucionais; obrigatoriedade das
normas inconstitucionais até à existência e decisão judicial em contrario, sem prejuízo
do direito de resistência; possibilidade de impugnação a todo o tempo das normas
inconstitucionais; insanabilidade da invalidade da normas inconstitucionais; efeitos
retroativos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
repristinação da norma declarada inconstitucional; ressalva dos casos julgados, salvo
quanto a matéria sancionatória se forem de conteúdo menos favorável ao arguido;
possibilidade de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, quando tal
for exigido pela segurança jurídica, por razoes de equidade ou por interesse publico de
excecional relevo

4.3. Fiscalização abstrata


Fiscalização preventiva (art.278º e 279º) – primeiro dos processos de fiscalização abstrata;
mecanismo de controlo prévio ou controlo-barreira de certos atos normativos através do qual é
permitido ao TC “barrar” o caminho ou “interromper o nascimento” de futuros atos
inconstitucionais. Não deixa de ser um processo que vem a ser enxertado num momento
terminal de um procedimento complexo, podendo, por conseguinte, ser vista igualmente como
um incidente e como um subprocedimento mais vasto. Segundo a doutrina, além de prevenir
problemas graves nas relações internacionais, o instituto teria sido previsto sobretudo para
evitar a vigência de normas grosseiramente inconstitucionais.

A fiscalização preventiva tem um prazo de oito dias para ser requerida, devendo, por isso , o TC
pronunciar-se no prazo máximo de 25 dias, sob pena de ineficácia da sua decisão posterior,
podendo então o PR considerar-se autorizado a promulgar ou a vetar o diploma.

Objeto: normas imperfeitas ou pré-normas de ato legislativo ou convenção internacional


(art.278º/1)

Legitimidade: PR (regra) ou, tratando-se de decreto legislativo regional, pelos Representantes


da Republica (art.278º/1 e 2); pode ainda ser requerida, no caso de leis orgânicas, pelo PM e por
1/5 dos Deputados em efetividade de funções (art.278º/4), ocorrendo aí uma situação de
promulgação vedada (art.278º/7)

Efeitos: quando o TC não se pronuncia, o diploma poderá ser promulgado ou assinado ou objeto
de veto politico pelo PR ou pelo Representante da Republica, podendo ainda o PR ratificar ou
recusar a ratificação, se estiver em causa um tratado internacional; se o TC se pronunciar, o
diploma deve ser vetado e devolvido ao órgão que o tiver aprovado, ocorrendo aí um veto
jurídico ou veto por inconstitucionalidade, e tratando-se de atos legislativos, alem da
desistência, todos os órgãos podem proceder ao expurgo da inconstitucionalidade ou à
reformulação do diploma, mas apenas à AR é permitida a confirmação, por maioria de 2/3dos
deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL


Direito constitucional II

funções; quando tal acontece, o PR não está vinculado a promulgar, deixando-lhe de algum
modo a Constituição a arbitragem do conflito entre a CRP e a arbitragem do conflito entre o TC
e a AR.

Fiscalização sucessiva abstrata: art.281º e 282º; tipo de controlo abstrato de validade de normas
exercido por via direta e principal, que tem por finalidade essencial a eliminação das normas
jurídicas já publicadas que sejam julgadas inconstitucionais ou ilegais, bem como de efeitos que
as mesmas hajam produzido no passado. Está em causa a apreciação de normas jurídicas que já
se encontram a produzir os seus efeitos, visando a eliminação das mesmas e dos seus efeitos,
visando a eliminação das mesmas e dos seus efeitos, com eficácia erga omnes, de modo a
garantir a reposição integral do principio da constitucionalidade. Pode ser requerida a todo o
tempo, não existindo um prazo fixo para a decisão do TC.

Objeto: quaisquer normas jurídico-políticas

Legitimidade: entidades referidas no art.281º/2 _ os particulares não têm acesso direto ao TC;
as entidades referidas nas seis primeiras alíneas têm um poder de iniciativa geral e
incondicionado.

Efeitos: nulidade, tendo por isso eficácia retroativa, que determina a repristinação das normas
que tenham sido revogadas, a menos que se trate de inconstitucionalidade ou ilegalidade
superveniente. Não atinge os casos julgados, em homenagem à segurança jurídica, a menos que
esses casos julgados respeitem a matéria sancionatória e forem de conteúdo menos favorável
ao arguido.

Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão: prende-se com o controlo de omissões


absolutas, traduzidas na falta de medidas legislativas necessárias para tornar executáveis
normas constitucionais, por incumprimento durante um determinado período de tempo, de
deveres específicos de legislar, determinados ou determináveis.

Legitimidade: PR e Provedor de Justiça

Efeito: comunicação (ato desprovido de sanção); o comportamento omissivo assume natureza


licita para efeitos de responsabilidade civil do Estado

Márcia Cabral Barroso, 1º TAN 16/17, FDUL

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