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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO DA FAMÍLIA
Professor Doutor Jorge Duarte Pinheiro

INTRODUÇÃO
1 – Noção e objecto do Direito da Família
O Direito da Família representa o ramo do Direito que trata do conjunto de normas
jurídicas reguladoras da instituição família. A noção de família não se encontra expressa
no Código Civil, dado que se altera em função do tempo e do espaço. Apesar disso, a
esta mantém-se a mesma desde que entrou em vigor o Código Civil (1967). A família é,
assim, entendida como um grupo de pessoas que estão entreunidas por qualquer uma
das relações jurídicas familiares, das presentes no art 1576º CC.
Não é conferida à família personalidade jurídica, pelo que a expressão “interesse de
família” não diz respeito a um interesse autónomo associável a uma entidade colectiva,
mas sim ao interesse dos indivíduos da família. A Constituição fala deste grupo como
sendo um “elemento fundamental da sociedade”. Apesar disso, a importância das
várias modalidades de família, juridicamente falando, não é a mesma: a relação
matrimonial e a relação de filiação1 sobrepõem-se às restantes2.
Não é correcto para os dias de hoje falar-se de Direito da Família enquanto o ramo que
regula a instituição família. O objecto desta legislação alargou-se, de maneira a engobar
as relações parafamiliares. Diz o Professor Jorge Duarte Pinheiro que devemos, para
entender o conceito de relação parafamiliar, atentar ao aspecto de similitude. Sendo
assim, definimos relações parafamiliares como as relações cuja eficácia jurídica é
idêntica à das relações familiares ou, então, às relações nas quais se de facto se verifica
uma vida comum, exigida às relações familiares. Cabe referir, não obstante, que o
Direito da Família não se fica apenas pelas relações familiares e parafamiliares,
englobando também aquilo a que chamamos protecção de crianças, jovens e idosos:
apadrinhamento civil.

2 – O Direito da Família enquanto ramo do Direito Civil


O Direito da Família integra o Livro IV do Código Civil, juntando-se ao Direito das
Sucessões enquanto Direito institucional3. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, gera-
se um movimento de cepticismo perante a intervenção do Estado. Jemolo, jurista
italiano, é o primeiro a vir dizer que a família “não pode ser reduzida a uma construção
jurídica”. Defende que esta é um elemento pré-jurídico, que não tem como ser abarcada
pela lei. Carbonnier, pai do Direito da Família francês, fala-nos do non-droit – uma área
em que se verifica a ausência do Direito e na qual o Direito poderia, tecnicamente, estar
presente. Significa isto, para o Direito da Família, que este só interfere quando não seria
possível agir de outra maneira, vivendo-se de resto como se ele não existisse. Cabe

1
Relaçao de parentesco no primeiro grau da linha recta
2
Professor Jorge Duarte Pinheiro baseia-se uma análise formal do Código Civil, destacando o número de
artigos dedicado a cada modalidade de família
3
O Direito das Obrigações e os Direitos Reais geram o Direito comum

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salientar que, ainda assim, nenhum dos dois autores nega natureza jurídica ao Direito
da Família.
O Direito da Família não se resume ao Livro IV do Código Civil, uma vez que engloba
também normas que, presentes noutros lugares, disciplinam de forma análoga ou
complementar. Cabe perguntar: é o Direito da Família Direito Privado? Poderíamos ser
levados a dizer que não: o Direito da Família é constituído por diversas normas
injuntivas, legitimadas pelo interesse público e limitadoras da autonomia privada; há
uma quase constante intervenção do Estado; falamos mais em deveres do que em
direitos. Apesar de tudo isso, o Direito da Família é, de facto, um ramo do Direito
Privado4: os grupos familiares e parafamiliares não são entes públicos, sendo
disciplinada a condição normal das pessoas.

4 – O critério da relação jurídica familiar


Não há na lei uma noção de relação jurídica familiar. Há, em vez disso, o art 1576º CC:
“São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a
adopção”
Diz o Professor Jorge Duarte Pinheiro que o artigo é infeliz, pois que o parentesco e a
afinidade não são factos constitutivos das ligações jurídicas familiares, mas sim relações
jurídicas familiares – a fonte do parentesco é a procriação; a fonte da afinidade é a
conjugação do casamento-acto com a procriação. O casamento e a adopção podem ser
vistos como relações jurídicas familiares ou como factos constitutivos.
As relações familiares não são verdadeiras relações jurídicas, dado que uma verdadeira
relação jurídica implica situações jurídicas relativas 5. A doutrina dominante defende
que não há mais relações jurídicas familiares para além das que se retiram do art 1576º
CC, sendo o problema geralmente discutido a propósito da união de facto:
o Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira – enunciado é taxativo. O Professor
Jorge Duarte Pinheiro nega esta teoria dizendo que, em geral, as tipologias legais
não são taxativas e que a má formulação do artigo afasta a ideia de que o
enunciado seja fechado;
o Antunes Varela - uma relação jurídica familiar implica deveres familiares. O
Professor Jorge Duarte Pinheiro nega esta teoria dizendo que, como já se viu,
não é necessário que haja direitos e deveres entre as pessoas ligadas por
relações familiares;
o Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa - relação implica um estado pessoal.
O Professor Jorge Duarte Pinheiro nega esta teoria dizendo que seria necessário
que a mesma tivesse uma concretização material, o que não parece acontecer.
Cabe, então, determinar qual o critério subjacente à qualificação feita no art 1576º CC.
Para isso, é-nos exigida uma análise prévia das relações familiares nominadas:

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Esta teoria é contrariada por Pamplona Corte-Real
5
Um direito de uma pessoa que corresponde a um dever de outra

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Casamento
Está definido no art 1577º CC como “contracto celebrado entre duas pessoas que
pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das
disposições deste Código.”. Esta definição diz respeito ao casamento-acto, mas pode ser
adaptada ao casamento-estado: a relação matrimonial consiste no vínculo entre duas
pessoas que celebraram um contacto válido pelo qual se comprometem a constituir
família mediante uma plena comunhão de vida. Implica, assim, deveres recíprocos de
respeito, fidelidade e coabitação, cooperação e assistência – art 1672º CC.
Este contracto tem sempre de ser celebrado perante uma entidade competente6, sob
pena de inexistência – art 1628º, a) e art 1629º CC. O casamento está sujeito a registo
civil obrigatório – art 1651, nº1 CC

Adopção
Está definida no art 1576º CC como “vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas
independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas
nos termos dos artigos 1973º e seguintes”. Este vínculo depende da vontade de uma das
partes – o adoptante – e faz-se por sentença judicial, proferida em processo próprio –
o processo de adopção.
Antigamente distinguia-se a adopção plena da adopção restrita: a adopção plena
equiparava-se à filiação biológica; a adopção restrita não implicava a extinção total das
situações jurídicas familiares entre o adoptado e a sua família biológica, nem uma
ligação familiar entre o adoptado e os parentes do adoptante. No entanto, a figura da
adopção restrita foi eliminada do Código Civil com as alterações feitas em 2015.
A adopção é um acto que tem de ser registado, só podendo o vínculo extinguir-se por
via judicial ou por morte.

5 – O parentesco
Está no art 1578º CC presente a definição de parentesco – “vínculo que une duas
pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem
de um progenitor comum”.
O parentesco é uma relação de consanguinidade, que se mede por linhas e por graus,
como descrito no art 1579º CC. As linhas podem ser rectas – um dos parentes descende
do outro – ou colaterais – nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos
procedem de um progenitor comum (art 1580º CC).

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Excepto em caso de casamento urgente – art 1590º CC – sendo que mesmo este carece de acto posterior
– a homologação – art 1628º, al b) CC

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MODO DE CONTAR OS GRAUS E AS LINHAS DE PARENTESCO


A
|
B
A – B parentes de linha recta em 1º grau
|
A – C parentes de linha recta em 2º grau
C
A – D parentes de linha recta em 3º grau
|
D

A
/ \ A – B parentes de linha recta em 1º grau
B C B – C parentes de linha colateral em 2º grau
| |
D – C parentes de linha colateral em 3º grau
D E D – E parentes de linha colateral em 4º grau
| | F – E parentes de linha colateral em 5º grau
F G

O parentesco em linha recta pode ser ascendente ou descendente – art 1580, nº 2 CC.
A lei distingue entre linha materna e linha paterna.
O parentesco pode ser unilateral ou bilateral, consoante se verifica por apenas uma ou
pelas duas linhas – paterna e materna. Se o parentesco unilateral se verificar por meio
de um progenitor masculino comum, falamos em irmãos consanguíneos; se for a mãe
o progenitor comum, falamos em irmãos uterinos.
A fonte do parentesco é a procriação, sendo os seus poderes apenas atendíveis se a
filiação se encontrar legalmente estabelecida – art 1797º CC. A filiação é um facto
sujeito a registo civil obrigatório, pelo que, na prática, o parentesco depende do registo
de filiação estabelecida. Dita o art 1582º CC que os efeitos do parentesco se produzem
em qualquer grau da linha recta e até ao sexto grau da linha colateral. A filiação é a
mais importante relação de parentesco, sendo os seus principais efeitos os presentes
nos arts 1874º e 1877º CC. Segue-se, por nível de relevância, a relação que liga outros
parentes em linha recta e depois a que liga os irmãos entre si. Vem depois a relação
entre uma pessoa e os descendentes do seu irmão e, por fim, o parentesco no 4º grau
da linha colateral.
A extinção do vínculo de parentesco dá-se por morte ou por acção judicial.

6 – A afinidade
A afinidade é o “vínculo que liga cada um dos cônjuges ao parente do outro” – art 1584º
CC. Depende, assim, da celebração de um casamento e da existência de uma relação
de parentesco entre uma pessoa e um dos cônjuges. Dita o art 1585º CC que a afinidade
se determina pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco. Cabe referir que
não há uma relação de afinidade entre os parentes de um cônjuge e os parentes do
outro.
A eficácia da afinidade apenas se verifica se a filiação estiver legalmente estabelecida
e se esta e o casamento estiverem registados. A mais importante relação de afinidade

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é a que existe em linha recta, ou seja, a que liga sogros a noras ou genros e os padrastos
aos enteados. Este vínculo não finda após o fim do casamento por morte, mas finda
em caso de divórcio.
O vínculo de afinidade extingue-se ex tunc com a anulação e a nulidade do casamento,
a menos que ambos os cônjuges estivessem de boa-fé ao celebrar o acto – art 1647º
CC. Extingue-se também retroactivamente caso se dê a extinção retroactiva da relação
de filiação da qual decorre o parentesco de um dos cônjuges. A afinidade extingue-se
ex nunc com a morte de um dos sujeitos da relação e com a adopção plena do parente
do cônjuge, excepto se o adoptado for filho do cônjuge do adoptante – art 1986º CC.

7 – A hipótese de relações jurídicas familiares inominadas


Cabe agora perguntar: existiram outras relações jurídicas, para além das relações
jurídicas familiares? Para responder a isto, é então necessário saber qual o critério
subjacente às relações jurídicas familiares. Excluiu-se já a necessidade de existirem
deveres jusfamiliares e, quanto ao afecto e à vida em comum, na opinião do Professor
Regente, são aspectos meramente acidentais na fixação do carácter jusfamiliar de uma
ligação. A característica comum ao casamento, ao parentesco, à afinidade e à adopção
é a presença de um acto estatal ou equivalente, sem o qual a relação familiar nominada
não se constitui ou não produz os seus efeitos essenciais.
Existem duas relações familiares inominadas:
o Filiação por consentimento não adoptivo – a presunção de que o pai é o marido
da mãe não subsiste com a inexistência de laços de sangue entre o marido da
mãe e a criança. No entanto, o art 1839º, nº 3 CC impede a impugnação de
paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela
consentiu.
o Apadrinhamento civil
A união de facto e a convivência em economia comum não são, por enquanto, relações
jurídicas familiares, pois que se constituem e extinguem livremente (sem que se
imponha uma intervenção estatal). Basta, por isso, a vontade das partes. A tutela, em
contrapartida, está sujeita a registo civil obrigatório e não depende apenas da vontade
das partes, mas também do tribunal. No entanto, outros factores podem ser
questionáveis. Dito isto, estas três figuras apenas podem ser consideradas relações
jurídicas parafamiliares e, ainda assim, têm de cumprir determinados requisitos.
Diz o Professor Jorge Duarte Pinheiro que a relação entre esposados e a relação entre
ex-cônjuges não são relações parafamiliares, como também não o é a relação
estabelecida entre o credor e o devedor de alimentos.

8 – A obrigação de alimentos enquanto efeito das relações


familiares e parafamiliares
A obrigação de alimentos é um efeito resultante das relações familiares, sendo as
pessoas vinculadas a esta prestação as que estão presentes no art 2009º, nº1 CC.
Aplicam-se à adopção plena, nesta matéria, as mesmas regras aplicáveis ao parentesco,
como dita o art 1986º CC. A adopção restrita implica também a prestação de alimentos

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e, no caso de apadrinhamento civil, é necessário atender ao disposto na LAC. Também


o membro sobrevivo de uma união de facto pode exigir alimentos, nos termos do art
2020º CC. No que toca ao tutor, tem este a mesma obrigação que teriam os pais (art
1935º, nº 1 CC).
A obrigação de alimentos não tem, no entanto, natureza jurídica familiar – pode vincular
uma pessoa perante outra sem que existam entre elas laços familiares (art 2009º CC).
Também não tem natureza de relação parafamiliar, como defendem os Professores
Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, uma vez que não é necessário que haja uma
vida comum entre o credor e o devedor de alimentos. Esta relação de alimentos, sendo
uma relação acessoriamente familiar, é simplesmente um possível efeito das relações
familiares e parafamiliares.
A obrigação de alimentos pode ter origem num negócio jurídico ou num facto não
negocial, como um vínculo familiar – há uma obrigação legal de alimentos. Está presente
no art 2009º, nº1 CC o elenco de pessoas vinculadas a esta prestação. Caso algum dos
vinculados não possa prestar os alimentos ou não puder saldar a sua prestação na
totalidade, a responsabilidade recai sobre os onerados subsequentes. No caso da
adopção restrita, o elenco é alterado, estando presente no art 2000º, nº 1 CC. Em
situação de apadrinhamento civil, há que se adaptar de acordo com o disposto no art
21º da LAC.
No art 2010º CC fala-se da hipótese de haver uma pluralidade de pessoas obrigadas à
prestação de alimentos, ficando no nº 2 claro que, caso uma das pessoas assim oneradas
não puder satisfazer a prestação, o encargo recai sobre os restantes. A medida dos
alimentos é orientada pelo binómio necessidade do alimentado/possibilidade do
obrigado – art 2004º CC. Disto resulta a existência de dois limites: a contribuição de
alimentos não pode exceder nem o que é necessário ao credor nem o que é exigível, no
contexto, em função da capacidade do devedor. A obrigação de alimentos é vista como
uma expressão do dever de solidariedade entre os membros da família. Entre cônjuges
e entre pais e filhos, a obrigação de alimentos está incluída no dever de assistência,
tornando-se autónomo quando não haja vida em comum.
A prestação de alimentos pode aumentar, diminuir ou passar a vincular outras pessoas,
de acordo com o presente no art 2012º CC. As causas de cessação da obrigação
alimentar estão presentes no art 2013º CC, sendo que para os casos relacionados com
o casamento existem três causas adicionais, que estão esplanadas no art 2020º CC.

9 – Características do Direito da Família


O Direito da Família é, dos vários ramos do Direito, daqueles que mais se mostram
permeáveis à realidade social e às diversas posições ideológicas. Esta é uma
característica que se torna clara, essencialmente, ao nível da actividade legislativa.
De acordo com o critério de modo de conexão com os valores, o Direito da Família pode
se monista, pluralista ou relativista:
o Monista - o Direito da Família apenas considera como correcta uma determinada
categoria de concepções, não aceitando quaisquer outras;
o Pluralista – o Direito da Família admite a relevância de diversas ordens de dever-
ser, dentro de certos limites, traçados geralmente pelo pensamento da maioria.
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É este o caso do Direito da Família português, sendo que o pluralismo comporta


graus que nem sempre permitem uma definição clara das suas fronteiras em
relação ao monismo e ao relativismo;
o Relativista – o Direito da Família aceita todas e quaisquer orientações,
orientadas por quaisquer tipos de valores.
Como principais características do Direito da Família, podemos assinalar:
o Crescente internacionalização - o Direito da Família ocidental importa diversas
soluções externas, tendo várias fontes extra-estatais e regulando situações
transnacionais mediante normas de outros ordenamentos. Esta tendência para
importar soluções estrangeiras levou à criação de um núcleo ocidental comum
de Direito da Família, que se expressa sobretudo em princípios como a não
descriminação entre cônjuges e entre filhos nascidos dentro e fora do
matrimónio;
o Prevalência da dimensão pessoal – neste ramo do Direito, a dimensão pessoal
prevalece sobre a dimensão patrimonial. Significa isto que, de uma perspectiva
legal, a constituição de uma relação conjugal não tem em vista o aumento do
património ou a satisfação de necessidades económicas. Tem em vista, sim, a
criação de uma vida conjunta.
o Recurso a conceitos indeterminados – estes são utilizados para definir os
principais efeitos das relações jurídicas familiares. A sua utilização tem a
vantagem de permitir uma melhor adaptação do Direito da Família aos casos
concretos e ao decurso do tempo. Traz, como desvantagem, um maior grau de
incerteza.
o Profusão de normas injuntivas – leva a uma limitação da autonomia privada que,
apensar disso, não leva a uma limitação da liberdade individual dos sujeitos, pois
que existem até normas injuntivas que protegem essa liberdade. A protecção da
personalidade e o acordo das partes são dois dos elementos fundamentais a ter
em conta.
o Institucionalismo/individualismo – o Direito da Família vive num constante
equilíbrio entre o institucionalismo e o individualismo. Esse equilíbrio advém
desde logo do art 67º CRP: este não se limita a reconhecer à família o direito à
protecção da sociedade e do Estado, reconhecendo-lhe também o direito à
efectiviação de todas as condições que possibilitem a realização pessoal dos seus
membros. É, assim, totalmente admissível o exercício da liberdade individual,
desde que esse se faça de forma responsável (sem ameaçar a coesão familiar);
o Lógica de protecção – implica a tutela de um cônjuge perante outro, agindo
contra a desigualdade e a violência. Esta lógica de protecção implica uma grande
intervenção estatal, que se mostra através de actividade legislativa;
o Abertura ao uso da mediação ou outros métodos alternativos – o Direito da
Família está hoje em dia muito aberto à utilização de métodos alternativos para
a resolução de litígios, como a mediação ou a arbitragem. A arbitragem
manifesta-se, p.e., no processo de divórcio sem consentimento de um dos
cônjuges ou na regulação do poder paternal. A mediação, por sua vez, implica a
presença de um terceiro, a quem é exigida imparcialidade, que procura ajudar a

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chegar a um acordo entre as partes. Este segundo método tem como vantagem
uma maior facilidade num entendimento, mas tem também desvantagens, como
o facto de não oferecer as mesmas garantias e imparcialidade que a intervenção
judicial oferece. Mesmo que a mediação leve a um acordo, é sempre necessário
o controlo judicial.

10 – Características das situações jurídicas familiares


As situações jurídicas familiares são caraterizadas pela sua natureza estatutária,
indisponibilidade, durabilidade virtual, funcionalidade acentuada, oponibilidade erga
omnes e tipicidade:
o Natureza estatutária – as situações jurídicas familiares resultam de um status;
o Indisponibilidade – as situações jurídicas familiares, tal como o status, são
indisponíveis. Isto significa que os sujeitos não podem abdicar delas ou alterá-
las. Como seria de esperar, esta característica tem repercussões no regime de
extinção das situações jurídicas familiares, que são intransmissíveis e
irrenunciáveis;
o Durabilidade virtual – as situações jurídicas familiares tendem a durar enquanto
durar o status familiar e este apenas se perde com a morte de um dos sujeitos
ou com um acto do Estado. No entanto, o quadro de situações pode ser
modificado durante o tempo de vida da relação familiar, o que comprova a
funcionalidade acentuada das situações jurídicas familiares;
o Funcionalidade acentuada – as situações jurídicas familiares estão, mais que
tudo, ao serviço de interesses que vão para além dos interesses dos seus
titulares. Disso resulta que, mesmo as situações jurídicas que se traduzem em
direitos subjectivos, não podem ser exercidos de forma egoísta. Há, por isso, a
constante preocupação de dizer que os deveres são mútuos ou recíprocos.
o Oponibilidade erga omnes – as situações jurídicas familiares dizem respeito a
um grupo (a família) que é tido como fundamental na sociedade. Dessa realidade
resulta que o vínculo familiar não esgota a sua relevância nas pessoas que a ele
pertencem: este vínculo afecta todos.
o Tipicidade – as situações jurídicas familiares, sendo munidas de uma
oponibilidade erga omnes, têm de ser típicas. Significa isto que os terceiros
devem estar em condições de saber com segurança quais os domínios em que
lhes é vedado interferir.
o O problema da garantia - diz a perspetiva clássica, os direitos familiares têm
uma garnia mais frágil que, p.e., os direitos reais ou de crédito, uma vez que não
se aplica o instituto geral da responsabilidade civil (com base na ideia que uma
acção de indemnização entre cônjuges ou pais e filhos prejudicaria a família). No
entanto, não há razão para afastar a aplicação deste regime, pois que a família
não deve ser vista como uma realidade à parte. As situações jurídicas familiares,
assim, devem até gozar de uma garantia acrescida.

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PARTE 1 – DIREITO DA FILIAÇÃO


Capítulo I – Constituição do vínculo de filiação
Secção I – Noção e modalidades de filiação
1 – Noção de filiação
É em torno do conceito de filiação que se constrói o Direito da Família, bem como a
Protecção de Crianças e Jovens. O conceito de filiação pode ser analisado em sentido
estrito ou em sentido amplo:
o Filiação em sentido estrito – é a relação juridicamente estabelecida entre as
pessoas que procriaram e as que foram geradas;
o Filiação em sentido amplo – é não só a relação familiar constituída pela
procriação, mas também a relação que, apesar de não ter origem na procriação,
tem efeitos similares. Este sentido do conceito de filiação permite analisar
também o vínculo de adopção, uma vez que os seus efeitos quase não se
distinguem dos resultantes da filiação biológica. Há, por isso, uma preferência
pelo sentido amplo da filiação.
Actualmente, a criança representa a preocupação fundamental deste ramo do Direito.
Tal factor justifica o domínio do princípio do superior interesse da criança. Este superior
interesse da criança é, na realidade, um conceito indeterminado, pelo que comporta
algum risco de relativismo. No entanto, tem nele um núcleo, que corresponde à
estabilidade das condições de vida da criança, das suas relações afectivas e do seu
ambiente físico e social. É, assim, exigido um ambiente familiar normal. É com base
neste princípio que se dá prevalência à biparentalidade7 no Direito da Filiação.

2 – Modalidades de filiação
Existem três modalidades de filiação – filiação biológica, filiação adoptiva e filiação por
consentimento não adoptivo:
o Filiação biológica – equivale à filiação stricto sensu, sendo aquela que decorre
da procriação, identificando-se com o parentesco no 1º grau da linha recta. É,
assim, uma relação familiar nominada, sendo que o seu estabelecimento tem
eficácia retroactiva até à data do nascimento do filho.
• Filiação decorrente de procriação por acto sexual
• Filiação decorrente de procriação medicamente assistida.
o Filiação adoptiva – é aquela que, independentemente dos laços de sangue, se
constitui por sentença proferida no âmbito do processo de adopção. A filiação
adoptiva não tem eficácia retroactiva.
o Filiação por consentimento não adoptivo – constitui-se através do
consentimento da parte que assegurará a posição jurídica de pai,
independentemente dos laços de sangue e sem que tenha havido sentença de
adopção. Representa uma relação de filiação inominada, que reveste carácter

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Compreende-se a averiguação oficiosa da paternidade, a regra do exercício conjunto do poder paternal
e a preferência pela adopção plena conjunta, em detrimento da adopção plena singular.

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retroactivo. Há ainda hoje muita discussão na doutrina acerca da existência desta


modalidade de filiação.

3 – Critério biológico e critério social/afectivo


A filiação biológica é a principal modalidade de filiação, sendo a filiação adoptiva e a
filiação por consentimento não adoptivo modalidades subsidiárias. No que toca à
filiação adoptiva, esta é dificultada pela exigência de variados requisitos.
Relativamente à filiação por consentimento não adoptivo, esta encontra-se
estreitamente associada à procriação medicamente assistida. Com tudo isto, o critério
geral determinante para a constituição do vínculo da filiação continua a ser biológico.
A prevalência do critério biológico advém desde logo da forma como a lei contrapõe a
filiação stricto sensu à adopção, bem como da liberdade probatória reconhecida no
âmbito das acepções de filiação. A força deste critério tem por base, antes de mais, o
direito à identidade pessoal do filho e o direito ao desenvolvimento da personalidade
dos pais – art 26º CRP. No caso do menor, acresce a ideia de que os pais genéticos serão
melhores no desempenho das responsabilidades parentais8.
Apesar de tudo isto, o critério biológico não representa um valor absoluto, nem mesmo
em contexto de filiação biológica.

Secção II – Estabelecimento da filiação, no caso da procriação


através do acto sexual
4 – Distinção entre estabelecimento da maternidade e
estabelecimento da paternidade
Está no art 1796º CC a distinção entre estabelecimento da maternidade e
estabelecimento da paternidade.
Relativamente ao estabelecimento da maternidade, segue-se o sistema de filiação,
pois que a maternidade jurídica resulta do nascimento (regra que pressupõe que a mãe
genética e a mãe de gestação são a mesma pessoa). Já no estabelecimento da
paternidade, é afastado o sistema de filiação – segue-se a presunção de que o pai é o
marido da mãe (para os filhos nascidos dentro do casamento).
O regime geral português de estabelecimento da filiação parte do pressuposto de que
é mais fácil fazer prova da maternidade do que da paternidade. Este regime tem por
base a ideia de biparentalidade heterossexual, apesar de já ser possível que um filho
tenha simultaneamente dois pais ou duas mães.

5 – Estabelecimento da maternidade
O estabelecimento da maternidade está regulado nos arts 1803º a 1825º do Código
Civil. Este pode ser feito de duas formas: declaração de maternidade e reconhecimento
judicial. A averiguação oficiosa da maternidade, fazendo a ressalva, não é uma maneira

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Facto que, por vezes, não se confirma

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de estabelecer a maternidade, mas sim um mecanismo imposto por lei para que esta
possa ser estabelecida através dos dois métodos supracitados.

Declaração de maternidade
ARTIGOS 1803º - 1807º CC.
É o modo normal de estabelecer a maternidade. É uma identificação de maternidade
que tanto pode ser feita pela mãe, como por terceiros. Se a declaração de maternidade
é feita pela própria mãe, falamos em declaração de maternidade em sentido estrito.
Geralmente, a declaração de maternidade é feita no registo de nascimento do filho,
falando-se assim em menção da maternidade – art 1803º CC. O nascimento é um facto
que carece de registo obrigatório, aplicando-se o art 96º CRC se este ocorrer em
território português.
A mãe não perfilha, declara a maternidade. A declaração de maternidade em sentido
estrito é a figura homóloga da perfilhação, pois que ambos são actos jurídicos simples
e não negociais. Diferem, sim, por a declaração de maternidade ser uma declaração de
ciência e a perfilhação ser uma declaração de consciência.

Reconhecimento judicial da maternidade


ARTIGOS 1814º - 1825º CC.
O reconhecimento judicial da maternidade ocorre através de uma acção autónoma de
declaração da maternidade.
A acção de investigação judicial da maternidade pode ser simples/comum ou
especial/complexa:
o Acção comum – incide apenas no plano do estabelecimento da maternidade;
o Acção especial – pretende reconhecer a maternidade de filho nascido ou
concebido na constância do matrimónio da pretensa mãe (art 1822º CC), tendo
consequências no estabelecimento da paternidade.
A averiguação oficiosa da maternidade está regulada nos arts 1808º - 1813º CC.

6 – Estabelecimento da paternidade
No art 1796º CC define-se que a paternidade se presume em relação ao marido da mãe
e que, em casos de filiação fora do casamento, se estabelece por reconhecimento.
A presunção de paternidade – pater is est – é regulada pelos arts 1826º - 1846º CC,
pressupondo que a mãe é casada no momento do nascimento ou, quanto muito, da
concepção. Tendo em conta os dados estatísticos, esta é a normal maneira de
estabelecer a paternidade.
O reconhecimento da paternidade está disciplinado nos arts 1847º - 1873º CC. Do art
1847º CC resulta que o reconhecimento da paternidade pode efectuar-se por
declaração de paternidade ou por perfilhação ou por reconhecimento voluntário. Tal
como acontece no caso da maternidade, a averiguação oficiosa da paternidade não é
uma forma de a reconhecer, mas sim uma actividade que visa possibilitar o seu
reconhecimento através dos dois processos supraindicados. Destes, a perfilhação é o
modo mais comum de estabelecer a paternidade de filhos nascidos ou concebidos fora

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

do casamento. O reconhecimento judicial é indicado para o reconhecimento da


paternidade de filhos nascidos ou concebidos fora do casamento, quando não tenha
ocorrido perfilhação. Há, assim, três modos de estabelecer a paternidade – a
presunção, a perfilhação e o reconhecimento judicial.
Este sistema, como visto, assenta na diferença entre filhos nascidos dentro e fora do
casamento, o que, há quem diga, é discriminatório e viola o art 36º CRP. Há quem pense
não ser defensável que haja esta diferenciação, por ter implícita a ideia de que há uma
ligação mais forte do filho com o marido da mãe do que com o homem que vive com a
mãe em união de facto. A alternativa a isto, diz o Professor Regente, não passa por
acabar com a presunção – apesar de os testes de ADN nos conferirem, hoje em dia,
conhecimento suficiente acerca da paternidade, não há necessidade de fazer depender
o estabelecimento de paternidade na vontade de perfilhar ou no sucesso da acção de
investigação, acolhendo um factor adicional de indefinição. Apesar disso, o Professor
defende que esta diferenciação não vai contra a Constituição, dizendo ainda que não é
possível aplicar a presunção, analogicamente, à união de facto. Sendo o fundamento
da presunção a forte probabilidade de correspondência com a realidade, à primeira
vista, seria possível estendê-la à união de facto. No entanto, a presunção pressupõe o
registo do vínculo que une os pais da criança, sendo que na união de facto não há
sujeição a qualquer registo. A sua informalidade, então, impede a aplicação da
presunção.
Releva para o estabelecimento da paternidade o momento de concepção. A perfilhação
do nascituro só é válida se for posterior à concepção – art 1855º CC. É também através
do momento da concepção que é delimitado o âmbito de aplicação das situações de
cessação da presunção da paternidade e da acção oficiosa de investigação da
paternidade com base em processo crime.

Presunção de paternidade
Advém do art 1826, nº 1 CC que o filho nascido ou concebido na constância do
matrimónio da mãe tem como pai o marido da mesma. Esta regra abrange os casos de
concepção e nascimento durante o casamento; de concepção antes do casamento,
mas nascimento durante o matrimónio e de concepção durante o casamento, mesmo
que nascido posteriormente a esse. O art 1827º CC estende a presunção aos casamentos
anulados ou declarados nulos, desde que registados.
A conjugação do art 1826, nº 2 com o art 1827º leva-nos a concluir que a presunção em
causa vigora até ao trânsito em julgado da sentença de anulação. No caso de
casamento católico, a presunção vigora ate ao registo civil da sentença de declaração
de nulidade. Esta presunção, no entanto, não teme em conta certos avanços
científicos, p.e. a possibilidade de ter um filho após a morte dos pais com a
criopreservação. A presunção pater is est é ilidível por impugnação judicial – art 1838º
CC.
A cessação de presunção de paternidade ocorre nos termos dos arts 1828º, 1829º e
1832º CC. A presunção de paternidade que cessa com base no art 1829º pode renascer
(art 1831º CC) ou reiniciar (art 1830º CC). No caso de bigamia ou casamento sucessivo
da mãe com desrespeito pelo prazo internupcial, o conflito de presunções de

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

paternidade é resolvido com base no art 1834º, nº 1 – prevalece a presunção de que o


pai é o segundo marido. Se a paternidade do segundo marido for impugnada com
sucesso, então o art 1834º, nº 2 dita que renasça a presunção relativa ao anterior marido
da mãe.
Perfilhação
A perfilhação é o modo de estabelecer a paternidade fora do casamento – é o acto
através do qual uma pessoa do sexo masculino declara que um outro indivíduo é seu
filho. A perfilhação é pessoal – tem de ser feita pelo próprio pai ou por intermédio de
procurador com poderes especiais; não é um acto patrimonial – é livre – o que se
confirma pela previsão de anulabilidade da perfilhação viciada por coecção moral – é
solene – apenas pode revestir uma das formas previstas no art 1853º CC – e é
irrevogável.
A perfilhação tem de corresponder à verdade – art 1859º, nº1 CC. Existem, depois,
requisitos que dizem respeito ao perfilhante e requisitos que dizem respeito ao
perfilhando:
o Relativamente ao perfilhante, é exigida capacidade (art 1850º CC) e
consentimento (o perfilhante tem de declarar que quer perfilhar). É exigido que
o perfilhante identifique a mãe (art 1855º CC);
o Relativamente ao perfilhando, é exigida a ausência de outra paternidade
estabelecida, a concepção do perfilhando, a existência do perfilhando e o
assentimento do perfilhando maior ou emancipado.
A perfilhação não pode ser invocada antes de ser lavrado o respectivo registo. É um
simples acto jurídico, dado que o seu efeito se produz por força da lei – tem natureza
não negocial (art 1852º CC). É, no fundo, uma declaração de consciência9.

Reconhecimento judicial da paternidade


O reconhecimento judicial é um outro modo de estabelecer a paternidade fora do
casamento, realizando-se através de uma acção autónoma de investigação da
paternidade. Esta acção não pode ser proposta enquanto a maternidade não estiver
estabelecida – art 1869º CC. Tal como acontece com a perfilhação, não é permitido o
reconhecimento judicial da paternidade em contrário com o que consta do registo de
nascimento. Regra geral, a acção de investigação da paternidade é iniciada pelo filho
contra o pretenso pai. Nos restantes aspectos relacionados com a paternidade, aplica-
se o regime definido para o reconhecimento judicial da maternidade – arts 1818º e
1819º CC.
A causa de pedir nas acções de investigação da paternidade é a procriação biológica do
filho pelo réu a quem a paternidade é imputada. A prova da procriação pode ser feita
através de testes de ADN – art 1801º CC – ou pela demonstração de que o suposto pai
teve relações sexuais com a mãe durante o período definido como período de
concepção.

Secção III – Constituição da adopção


9
Figura intermédia da declaração de ciência e da declaração negocial

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

7 – Noção e modalidades da adopção


A definição do conceito de adopção aparece-nos no art 1586º - “vínculo que, à
semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se
estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e seguintes”.
A regulamentação em matéria de adopção encontra-se não só no Código Civil, mas
também na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Protecção de Crianças e
Jovens em Perigo.
Existe em Portugal uma grande discrepância entre as intenções e os resultados, no que
toca aos processos de adopção. Diz o Professor Jorge Duarte Pinheiro que uma das
razões na base desse factor é o próprio modelo português de adopção – este assenta na
ideia de que a adopção é uma imitação da filiação natural, sugerindo que a filiação
adoptiva é secundária em comparação com a filiação biológica.
Como modalidades de adopção, podemos identificar:
o Adopção internacional – implica a mudança de residência da criança adoptada;
o Adopção interna – não implica a mudança de residência da criança adoptada.

o Adopção singular – feita por apenas uma pessoa;


o Adopção conjunta – feita por duas pessoas.
Há, no regime jurídico português, uma preferência clara pela adopção conjunta. O
Professor Regente tenta explicar esta preferência dizendo que tem por base a ideia
supramencionada de que a adopção é uma “imitação” da filiação natural.

8 – Requisitos da adopção interna


O vínculo adoptivo tem origem numa sentença judicial, como diz o art 1973º, nº 1 CC.
Esta sentença implica o preenchimento de vários requisitos, que dizem respeito tanto
ao adoptante, como ao adoptando, como ainda a terceiros.

Quanto ao adoptando (aquele que é adoptado)


São quatro os requisitos: conveniência do vínculo, não subsistência de adopção anterior,
idade máxima e consentimento.
o Conveniência – art 1974º, nº 1 CC – “será decretada quando apresente reais
vantagens para o adoptando”.
o Não subsistência de adopção anterior – art 1975º CC – “Enquanto subsistir uma
adopção, não pode constituir-se outra”
o Idade máxima do adoptando – art 1980º, nº 2 CC – “O adoptando deve ter
menos de 15 anos à data do requerimento da adopção”
o Consentimento – art 1981º, nº 1, al a) CC – “Para a adopção é necessário o
consentimento: a) Do adoptando maior de 12 anos”

Quanto ao adoptante (aquele que adopta)


São cinco os requisitos: vontade de adoptar, motivos legítimos, idoneidade, idade
mínima e idade máxima.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Vontade de adoptar – art 1990, nº 1, al a) CC – “(...) a) se tiver faltado o


consentimento do adoptante”
o Motivos legítimos – art 1974º, nº 1 CC – “A adopção visa realizar o superior
interesse da criança e será decretada quando (...) se funde em motivos legítimos”
o Idoneidade – art 1973º, nº 2 CC
o Idade mínima – art 1979º, nº 1 CC – “Podem adoptar duas pessoas (...) se ambas
tiverem mais de 25 anos” (situação de adopção conjunta); art 1979º, nº 2 CC –
“Pode ainda adoptar quem tiver mais de 30 anos” (situação de adopção singular).
o Idade máxima – art 1797º, nº 3 CC – “Só pode adoptar quem não tiver mais de
60 anos”
Em caso de adopção conjunta, a lei exige ainda que os dois candidatos à adopção
estejam ligados por uma união conjugal ou por uma união de facto protegida há mais
de quatro anos – art 1979, nº 1 CC. Esta exigência da lei funda-se na necessidade de
assegurar a estabilidade do relacionamento que une os candidatos.

Quanto à relação adoptando/adoptante


São três os requisitos: a probabilidade do estabelecimento de um vínculo semelhante
ao da filiação biológica, a necessidade de um período em que o adoptando tenha estado
previamente ao cuidado do adoptante e a diferença de idades.
Probabilidade do estabelecimento de um vínculo – art 1974º, nº 1 CC – “seja razoável
supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao
da filiação”
Necessidade de que o adoptando tenha já estado ao cuidado do adoptante – art 1974º,
nº 2 CC – “O adoptando deverá ter estado ao cuidado do adoptante durante prazo
suficiente”
Diferença de idades – art 1979º, nº 3 CC – “sendo que a partir dos 50 anos a diferença
de idades entre o adoptante e o adoptando não pode ser superior a 50 anos”

Quanto a terceiros
Quanto aos familiares do adoptante, são dois os requisitos: não pode a adopção
envolver sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e é necessário que o
cônjuge do adoptante dê o seu consentimento.
o Não envolvimento de sacrifício injusto – art 1974º, nº1 CC – “A adopção visa
realizar o superior interesse da criança e será decretada quando (...) não envolva
sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante”
o Consentimento do cônjuge do adoptante – art 1981º, nº 1, al b) CC - “Para a
adopção é necessário o consentimento: b) Do cônjuge do adoptante não
separado judicialmente de pessoas e bens”
Quanto aos parentes e ao tutor do adoptando, são dois os requisitos: consentimento
para a adopção, prestado pelo tutor e por certos parentes do adoptando e a audição de
alguns parentes do adoptando cujo consentimento não é necessário.
o Consentimento para a adopção – art 1982, nº 1 CC – “O consentimento é
inequívoco e prestado perante o juiz” (este consentimento é irrevogável – art
1983º, nº 1 CC)
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Audição de parentes do adoptando – art 1984º CC


Cabe aqui tratar a questão do consentimento para a adopção por parte dos pais do
adoptando – art 1981º, nº 1, al c) CC. Diz o Professor Regente que, em Portugal, não
temos um sistema em que a adopção dependa predominantemente do consentimento
dos pais biológicos. A lei, inclusive, prevê várias situações nas quais tal não acontece (art
1981º, nº 3 CC)

9 – O processo de adopção interna


O processo de adopção comporta em si carácter administrativo e judicial.
A primeira fase do processo, predominantemente administrativa, inicia-se com a
apresentação da candidatura a adoptante perante um organismo de segurança social.
Esse organismo irá proceder ao estudo do candidato, durante o prazo de 6 meses.
Concluído o estudo, a decisão do organismo de segurança social é anunciada ao
candidato que, caso esta seja desfavorável, poderá recorrer a tribunal. Em caso de
decisão favorável, o menor é entregue ao candidato, com vista a uma adopção futura –
é o período experimental, denominado período de pré-adopção.
Findo o período de pré-adopção ou quando se verificam reunidas as condições para ser
requerida a adopção, o organismo de segurança social elabora, durante 30 dias, o
relatório. Pode, agora, o candidato apresentar uma petição de adopção, com a qual se
inicia a fase judicial do processo.

10 – Particularidades da adopção plena


O art 1987º CC define que, depois de decretada a adopção plena, não é possível
estabelecer a filiação natural do adoptado nem fazer a prova dessa filiação. Este artigo
tem de ser interpretado de forma restritiva, uma vez que não pode ele impedir a
aplicação na totalidade do que está previsto no art 1603º, nº 1 CC
O art 1985º CC prevê o segredo da identidade: a identidade do adoptante não pode ser
revelada aos pais biológicos do adoptado, salvo se aquele declarar que não se opõe a
essa revelação. Esta regra destina-se a proteger os pais adoptivos de interferências dos
pais biológicos. Do mesmo artigo decorre que a identidade dos pais biológicos só não é
revelada ao adoptante se esses se tiverem oposto a tal, mediante declaração expressa.
Esta medida visa proteger a sua privacidade.
Não se prevê o segredo de identidade dos pais biológicos perante o adoptado, sendo
que tal previsão entraria em conflito com os direitos fundamentais à identidade pessoal
e genética do ser humano – art 26º CRP.

11 – A adopção internacional
A adopção internacional de menores residentes no estrangeiro implica a intervenção
das autoridades de dois Estados – aquele no qual reside(m) o(s) adoptante(s) e aquele
no qual reside o adoptando. A implicação de existência destas intervenções é o que faz
com que, em países em conflito, não ocorram adopções.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Secção IV – Estabelecimento da filiação em caso de PMA


12 – Procriação Medicamente Assistida
A PMA abarca o conjunto de técnicas destinadas à formação de um embrião humano
sem a intervenção do acto sexual. No âmbito desta técnica, separam-se os processos de
procriação sexuada – com recurso a gâmetas de ambos os sexos – dos processos de
procriação assexuada – recurso a gâmetas de apenas um dos sexos. O art 2º LPMA
elenca as técnicas que se integram na procriação medicamente assistida.
Podemos distinguir a procriação medicamente assistida homóloga – os gâmetas
utilizados são ambos do casal de benificiários – da procriação medicamente assistida
heteróloga – implica o recurso a um dador. Esta segunda pode ser total ou parcial,
consoante as células reprodutoras não provêm de nenhum dos membros do casal ou
provêm de um deles. Se o benificiário for uma pessoa só, a procriação é
necessariamente heteróloga, podendo ser total ou parcial.
Apesar de a Constituição da República enquadrar desde 2007 a necessidade do Estado
regulamentar a PMA, só em 2006 foi publicada em Portugal uma legislação acerca do
tema. Temos, então, uma inconstitucionalidade por omissão de 1997 a 2006. A Lei da
Procriação Medicamente Assistida foi acentuadamente alterada em Junho de 2016
(apesar de a última alteração ser de Agosto).
Os princípios fundamentais aplicados à PMA são essencialmente princípios do Direito
de Personalidade e do Direito da Família. Destaca-se desde logo o princípio da dignidade
da pessoa humana, expressamente presente no art 67º, nº 2, al e) CRP e também
mencionado na LPMA. A este associa-se o direito de constituir família, presente no art
36º CRP.
A PMA levanta vários problemas éticos e jurídicos. Desde logo, urge ponderar se será
aceitável o recurso à PMA por uma pessoa que alegue, pura e simplesmente, que quer
ter um filho sem ter que manter relações sexuais. No ordenamento português, as
técnicas de PMA são subsidiárias – art 4º LPMA. No entanto, a alteração de 2016 permite
que todas as mulheres recorram a estas técnicas, independentemente do diagnóstico
de infertilidade. O art 7º da mesma lei define que as técnicas de PMA não podem ser
usadas para escolher características não médicas, como o sexo, a menos que o objectivo
seja evitar uma doença hereditária grave que esteja ligada ao sexo.
O art 6º prevê que podem ser beneficiários da PMA casais heterossexuais, casais
homossexuais de mulheres e mulheres solteiras. Cabe saber se os casais que vivem em
união de facto podem também recorrer a esta técnica – apesar de esta ser uma relação
parafamiliar e de depender apenas da vontade das partes, o que importa é que a criança
venha a encontrar um ambiente familiar normal e ninguém contesta o carácter
jusfamiliar da relação que liga o filho aos pais não unidos pelo matrimónio. Desta
maneira, a resposta é afirmativa.
Várias são as vozes que se levantam contra a procriação com gâmetas de terceiros,
dizendo que esta implica uma quebra na unidade do casal. O Professor Jorge Duarte
Pinheiro nega esta perspectiva, defendendo que essa unidade seria sim quebrada se ao
membro do casal, que pode fazê-lo com gâmetas próprios, for negado o direito de
procriar enquanto estiver unido ao outro. Há, de facto, um ideal de coincidência entre a

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

biologia e a filiação, o que leva ao carácter subsidiário dos processos heterólogos – art
10º LPMA. A admissibilidade subsidiária dos processos heterólogos levanta dois
problemas: a contrapartida económica da dação e o anonimato do dador.

Contrapartida económica da dação


É afastada a possibilidade de haver uma contrapartida, com base no princípio da
dignidade da pessoa humana – tal equivaleria à venda de material biológico (art 18º
LPMA). Para além disso, os centros autorizados a ministrar técnicas de PMA não podem
atribuir qualquer valor ao material genético utilizado – art 17º LPMA.

Anonimato do dador
Cabe aqui saber se o dador deve ou não beneficiar de um segredo de identidade
oponível a beneficiários da procriação e à pessoa graças a ela nascida.
Há quem diga que sim, argumentando que o contrário implicaria uma redução
acentuada do número de dadores e que faz este anonimato mais sentido que o que
opera no regime da adopção quanto aos pais biológicos. No entanto, em termos
constitucionais, tal posição é muito problemática: a pessoa nascida tem direito à sua
identidade pessoal genética (art 26º, nº3 CRP), o que engloba o direito a conhecer quem
lhe transmitiu os genes.
Diz o Professor que o anonimato nunca pode ser absoluto, quanto mais não seja para
impedir que a pessoa nascida com recurso a PMA não venha a casar com o dador. É no
art 15º da LPMA que estão reguladas as questões de confidencialidade.

Ainda dentro das técnicas de Procriação Medicamente Assistida, inclui-se a gestação de


substituição – “qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez
por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e
deveres próprios da maternidade” (art 8º LPMA). Desta definição retira-se que a
gestação de substituição engloba três fases – negociação, celebração do acordo e
cumprimento do que foi estipulado.
Existem várias classificações que podem ser elaboradas, desde logo quanto ao facto de
a gestação resultar do acto sexual ou de PMA. Opera-se, como seria expectável, quase
sempre no âmbito da PMA. Existem outras classificações:
Quanto à titularidade do ovócito:
o Maternidade de gestação genérica – o ovócito pertence à mãe de gestação;
o Maternidade de substituição puramente gestacional – o ovócito não pertence à
mãe de gestação
Quanto à existência, ou não, de contrapartidas patrimoniais para a mãe de gestação:
o Maternidade de substituição a título oneroso;
o Maternidade de substituição a título gratuito.
Quanto à ligação entre a mãe de gestação e a mãe de recepção:
o Maternidade de substituição intrafamiliar;
o Maternidade de substituição extrafamiliar.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Geralmente, os casos de maternidade de substituição envolvem um acordo mediante o


qual a mãe de gestação se compromete a cumprir três obrigações principais – iniciar e
completar a gravidez; entregar à mãe de recepção a criança; reconhecer a mãe de
recepção como mãe jurídica, abstendo-se de quaisquer direitos parentais sobre o
menor. Deste contracto pode também resultar, p.e., que a mãe de recepção pague as
despesas decorrentes da gravidez. Tudo isto implica, assim, a celebração de um
contracto. O Professor Jorge Duarte Pinheiro diz-nos que este será um contracto de
prestação de serviço atípico, dado ser a figura que melhor se enquadra dadas as
circunstâncias.
De entre os vários argumentos utilizados a favor da maternidade de substituição, a
Regência destaca três:
o Criação de vida humana;
o Assegurar do direito de procriar em condições de igualdade;
o Harmonia com o princípio da autonomia privada.
Os primeiros dois argumentos, diz o Professor, não chegam: a criação de vida humana e
a procriação não são valores absolutos. Quanto à questão da autonomia privada, esta
está presente na Constituição – todos têm direito ao desenvolvimento da personalidade
(art 26º, nº1) ou à liberdade (art 27º, nº1). No entanto, a liberdade contractual é limitada
pelos princípios fundamentais de direito e estes operam com base em conceitos
indeterminados. É clara a nulidade do contracto de gestação a título oneroso, dado que
tal iria contra a dignidade da pessoa humana, que seria aqui como que vendida. O
mesmo problema não se levanta nos contractos de gestação a título gratuito10.
Apesar de os contractos a título gratuito serem menos censuráveis, há ainda críticas que
se podem fazer:
o Ao estipular a entrega da criança a alguém que não a mãe de gestação, está a
violar-se o princípio da taxatividade dos meios de regular o destino dos menores;
o O consentimento da mãe de gestação quanto à entrega da criança, sendo
prestado antes da concepção, vai contra o art 1982º, nº 3 CC, aplicável
analogicamente ao consentimento estruturante do contracto de prestação.
Em resposta a estas críticas, o Professor Jorge Duarte Pinheiro diz que: mesmo que haja
coincidência entre a mãe genética e a mãe de recepção, é discutível quer a existência de
uma violação das regras legais de regulação do destino dos menores – dado o
predomínio do critério biológico – quer uma aplicação analógica do regime de prestação
do consentimento da mãe do adoptando à prestação do consentimento da mãe de
gestação – o regime da adopção pressupõe que os adoptantes não sejam
simultaneamente progenitores biológicos.
A dúvida está no que fazer quando um contracto de gestação a título oneroso é
cumprido. Em circunstâncias normais, dada a nulidade do mesmo, o problema era
resolvido com a restituição de tudo o que tivesse sido prestado. No entanto, neste caso,
isso implicaria dar a criança de novo à mãe de gestação?

10
Estes levam frequentemente a situações de substituição intrafamiliar

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

13 – Estabelecimento da filiação, nos casos de PMA


homóloga e parcialmente heteróloga
Não se considera fixada a filiação entre o filho e o membro do casal que não tenha
consentido no uso da técnica de PMA. A filiação apenas se estabelece quando houver
consentimento. Se a procriação homóloga tiver ocorrido post mortem e tenha sido
previamente consentida pelo de cujus, então a filiação será estabelecida por
reconhecimento judicial. Se se tratar de implantação de embrião produzido antes do
falecimento da pessoa casada com a mãe, opera a presunção pater is est. Do art 22º
LPMA resulta que é ilícito a transferência de sémen do de cujos, ainda que tenha havido
consentimento. Caso seja violada esta disposição, diz o art 23º LPMA que se tem como
pai o falecido. Em caso de maternidade de substituição gestacional em que as células
reprodutoras provêm totalmente do casal de recepção, a filiação deve ser estabelecida
em relação a esse mesmo casal.
Em caso de procriação medicamente assistida parcialmente heteróloga, a filiação é
estabelecida em relação ao beneficiário que tiver contribuído com as respectivas células
reprodutoras. Se tal tiver ocorrido em benefício de um casal (heterossexual ou
homossexual), então a filiação será estabelecida em relação ao que tiver contribuído
com as suas células e tiver consentido no uso da técnica de PMA. Se tiver sido realizada
em benefício de uma mulher, então a filiação será estabelecida em relação a ela e só em
relação a ela – o dador não é tido como pai.

Secção V – Constituição da filiação por consentimento não


adoptivo
14 – Noção de filiação por consentimento não adoptivo
O vínculo de filiação por consentimento não adoptivo define-se por exclusão de partes,
pois que é a modalidade de filiação que não é biológica – por ser independente dos laços
de sangue – nem é adoptiva – por não se constituir mediante sentença de adopção.
A identificação da filiação por consentimento não adoptivo advém da interpretação feita
do art 1839º, nº 3 CC. Do nº 3 resulta a proibição da impugnação da paternidade com
fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, sendo a
paternidade atribuída ao marido da mãe que foi sujeita a inseminação, mesmo que o
esperma seja de terceiro – há um afastamento do critério biológico. Parte da doutrina,
no entanto, olha para isto como sendo venire contra factum proprium. O Professor Jorge
Duarte Pinheiro opta pela primeira opção.
Na procriação assistida heteróloga, não faz sentido insistir no critério biológico, pois tal
implicaria entregar a criança a quem é o mero dador do material genético. Desta feita,
o vínculo de filiação deve ser estabelecido em relação ao beneficiário da PMA (caso
tenha havido consentimento), sendo esta a solução que melhor acautela o interesse da
criança.
O consentimento para a constituição da filiação não adoptiva implica uma dupla
intenção:
o Intenção dirigida à admissão da procriação heteróloga

20
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Intenção ulterior da constituição do vínculo de filiação.


Este consentimento insere-se num negócio jurídico que é a fonte da relação jurídica
familiar inominada. Para este efeito, conta ainda o art 14º LPMA. Este vínculo constitui-
se, regra geral, em relação ao beneficiário da procriação assistida (total ou parcialmente
heteróloga) que não tenha contribuído para o nascimento com material genético. Tal é
feito por declaração de maternidade, presunção de paternidade, perfilhação ou
reconhecimento judicial.

15 – Concretizações de filiação por consentimento não


adoptivo
Está presente no art 1839º, nº 3 CC uma clara situação de filiação por consentimento
não adoptivo. Também os arts 20º e 23º, nº 2 da LPMA o são.
VER NOVA VERSÃO MANUAL PROF JDP

Capítulo II – Efeitos da filiação


Secção I – Generalidades
17 – Momento de produção dos efeitos de filiação
A filiação tem de se encontrar legalmente constituída para que produza efeitos – art
1797º, nº 1 CC. Isto vale para todas as modalidades de filiação.
(…)

Secção II – Efeitos gerais da filiação


20 – Deveres paternofiliais
Os deveres paternofiliais não se confundem com as responsabilidades parentais. Pais e
filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência – art 1874º, nº 1 CC. Sendo
todos eles conceitos indeterminados, carecem de concretização. Essa concretização
varia em razão das circunstâncias.
Os deveres paternofiliais perduram ao longo da relação de filiação, não sendo a sua
projecção uniforme: começam por estar encobertos pelas responsabilidades parentais,
perdendo intensidade quando o filho sai de casa. Voltam, depois, a estar em força com
o envelhecimento dos pais.
o Dever de respeito – obriga os sujeitos a não violar os direitos individuais do
outro, quer sejam direitos de personalidade ou direitos patrimoniais. Este dever
de respeito é mais intenso que o dever geral de respeito;
o Dever de auxílio – implicam a obrigação de ajuda e protecção, relativos quer à
pessoa quer ao património dos pais e dos filhos;
o Dever de assistência – tendo uma configuração sobretudo patrimonial, o dever
de assistência implica uma obrigação de prestar alimentos e contribuir para os
encargos da vida familiar (art 1874º, nº 2 CC).
• Obrigação de alimentos acaba por ser absorvida pelos encargos da vida
familiar quando há uma comunhão de habitação entre os pais e os filhos.

21
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Aqui se integra o dever paternal de pagamento de despesas com o


sustento, segurança, saúde e educação do filho maior ou emancipado
que, sem culpa grave, não tenha completado os estudos – art 1880º CC
• Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar – destina-se a
ocorrer a necessidades dos membros do agregado familiar que vivam em
economia comum. Esta dependerá sempre das possibilidades de cada
sujeito.
O incumprimento destes deveres pode levar à aplicação de medidas de protecção de
crianças, jovens e idosos em perigo.
Do lado activo dos deveres paternofiliais estão direitos subjectivos que se demarcam
dos direitos subjectivos comuns – são direitos de entreajuda, que têm de ser exercidos
de forma a criar, manter e reforçar o sentimento de pertença a um mesmo grupo
familiar. Caracterizam-se por: acentuada funcionalidade, natureza estatutária,
durabilidade virtual, carácter erga omnes, tipicidade e tutela reforçada.

21 – Outros efeitos gerais de filiação


Um dos principais efeitos da filiação é o nome do filho – o nome completo de uma
pessoa é fixado no momento do registo do nascimento (art 102º, nº 1, al a) CRC). O
nome é indicado por quem declarar o nascimento ou pelo funcionário perante quem foi
essa declaração apresentada – art 103º, nº 1 CRC. É composto por, no máximo, seis
vocábulos: dois nomes próprios e quatro apelidos.
O nome está sujeito ao princípio da imutabilidade. Apesar disso, são admitidas
modificações não dependente de autorização fundadas em vicissitudes subsequentes
no campo da constituição e da extinção do vínculo.
A filiação é determinante para a composição do nome: não havendo estabelecimento
da filiação, serão ao registando atribuídos apelidos à escolha de quem declara o
nascimento ou ao conservador. Constituído o vínculo de filiação biológica, cabe aos ais
a escolha do nome do filho – art 1875º, n º 2 CC. Na falta de acordo, o tribunal fixará o
nome, de harmonia com o interesse do filho. Quando a paternidade não se encontra
estabelecida, podem ser atribuídos apelidos do marido da mãe – art 1876º, nº 1 CC.
Através desta solução, pretende-se integrar o filho no novo lar. Quando, por contrário,
não há estabelecimento da maternidade, pode dar-se a aplicação analógica do art
1876º, nº 1 CC.
Em caso de adopção plena, a constituição do vínculo de adopção leva à mudança de
nome do adoptando – art 1988º CC. O filho adoptivo perde os apelidos de origem,
passando a ter os apelidos dos adoptantes. Em princípio, conservar-se-á o nome próprio.
Excepcionalmente, o adoptando pode requerer a sua alteração.

PARTE 2 – DIREITO TUTELAR


Capítulo I – Protecção das crianças e jovens em perigo
1 – Protecção de menores
Tem-se verificado uma crescente sensibilidade em torno da protecção dos menores, que
advém da ideia de que a criança é também um sujeito de direitos, diferente em relação

22
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ao adulto. A criança é hoje tida como sujeito autónomo de direitos, com especificidades
resultantes das características das fases próprias do seu desenvolvimento.
O art 69º CRP já consagra o princípio da protecção da infância, do qual se infere a
necessidade de reconhecer às crianças o direito à protecção da sociedade e do Estado.
A protecção de crianças e jovens é fundamentalmente assegurada por normas civis e
penais. A maioria das normas civis estão incluídas no Código Civil, no quadro do Direito
da Filiação. Fora do Código, destaca-se a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em
Perigo.
A Lei de Protecção é um dos dois grandes diplomas do Direito dos Menores, sendo o
outro a Lei Tutelar Educativa. Nessa primeira, o menor é visto como um sujeito cujos
direitos devem ser respeitados, estando a mesma vocacionada para a defesa da pessoa
do menor. Desta feita, é ao Código Civil que cabe, essencialmente, a sua defesa
patrimonial. Tal não significa que não permaneçam as disposições do Código que visam
a protecção pessoal – o art 1618º CC subsiste.
A Lei Tutelar Educativa regula apenas a situação de menores com idades compreendidas
entre 12 e 16 anos. Daí resulta que, aos menores com idade inferior a 12 anos, se aplica
o regime expresso na Lei da Protecção.

3 – Intervenção para a protecção da criança e do jovem em


perigo
O art 3º, nº 1 da Lei de Protecção determina o pressuposto da intervenção tutelar de
protecção. Deste retira-se que a criança ou jovem tem de estar numa situação de perigo
imputável aos pais, ao representante legal ou a quem tenha a guarda de facto. Entende-
se por situação de perigo imputável aos pais aquela em que o perigo é por eles criado
ou na qual eles nada fizeram para remover esse perigo, neste caso criado por terceiros.
O art 3º, nº 2 da Lei de Protecção procede a uma enumeração exemplificativa de
situações de perigo.
Das situações enunciadas no artigo supracitado, merecem destaque o abandono, os
maus tratos e a insuficiência de cuidados parentais:
o Abandono – al a) - situação na qual a criança é entregue à sua sorte, ficando
totalmente desamparada. Os pais, o representante legal ou o guardião de facto
não manifestam qualquer interesse;
o Maus tratos – al b) – incluem os maus tratos físicos e psicológicos;
o Insuficiência de cuidados parentais – al c) – alude à situação da criança ou do
jovem que não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação
pessoal
Do art 4º da mesma lei resultam vários princípios orientadores da intervenção. O
primeiro destes é o interesse superior da criança e do jovem. Apesar da prioridade que
lhe é conferida, não é possível deixar de se ter em consideração outros interesses
legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
A comunicação de situações de crianças e jovens em perigo está regulada nos arts 64º
e seguintes da Lei de Protecção. A comunicação pode ser feita por qualquer pessoa que
tenha conhecimento de situações em perigo – art 66º, nº 1 Lei da Protecção – sendo

23
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

esta obrigatória se estiver em risco a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade


da criança ou jovem – art 66º, nº 2 Lei da Protecção. Feita a comunicação às comissões
de protecção, estas efectuam comunicações ao Ministério Público nos casos previstos
nos arts 68º e 69º da presente Lei.
A intervenção tutelar deve ser levada a cabo pelas entidades com competência em
matéria de infância e juventude, pelas comissões de protecção de crianças e jovens e,
subsidiariamente, pelos tribunais – art 6º Lei da Protecção. O Ministério Público tem
também uma função relevante neste processo, de acordo com o art 72º, nº 1 Lei da
Protecção. Esta intervenção é efectuada com consentimento dos pais, representantes
levais ou de quem tenha a guarda de facto – art 7º.
Os arts 12º e seguintes regulam a natureza, competência, composição e funcionamento
das comissões de protecção de crianças e jovens. Estas comissões são instituições
oficiais não judiciárias com autonomia funcional, que podem aplicar todas as medidas
de prorecção e promoção11. A sua autoridade tem de ser aceite pelos interessados – art
9º da Lei da Protecção. Do princípio da subsidiariedade presente no art 4º, al k) resulta
que só em última instância é admitida a intervenção judicial.
A intervenção do Ministério Público é regulada no art 72º, que lhe atribui competência
para fiscalizar a actividade das comissões e para propor acções necessárias à promoção
e protecção das crianças e jovens em perigo.
Detectada uma situação de perigo, a intervenção pode traduzir-se na aplicação de uma
das medidas presentes no art 35º da Lei da Protecção. Esta enumeração tem elenco
taxativo, a menos que exista perigo actual ou eminente para a vida ou integridade física
da criança. Estas medidas podem ser divididas consoante três classificações distintas:
Art 35º, nº 2 Lei de Protecção
o Medidas a executar no meio natural – alíneas a), b), c), d) e g), no tocante a
pessoa selecionada para adopção. São prestados apoios psicopedagógicos12,
sociais13 e económicos14;
o Medidas a executar em regime de colocação – alíneas e), f) e g), no tocante a
instituição com vista a futura adopção.
Art 35º, nº 2, in fine Lei de Protecção
o Medidas provisórias – aquelas que se aplicam nas situações de emergência ou
precedentes ao diagnóstico da situação. Estas não podem exceder os seis meses,
por força do art 37º da Lei de Protecção;
o Medidas definitivas – todas as restantes, sendo que também estas terão duração
limitada.
Art 36º Lei de Protecção

11
Exceptuando a confiança a pessoa selecionada pra adopção, sendo essa reservada aos tribunais (art 38º
da Lei da Protecção)
12
Intervenção de natureza psicológica e pedagógica, que visa promover o desenvolvimento integral da
criança ou do jovem
13
Intervenção que envolve os recursos comunitários, visando contribuir para o desenvolvimento integral
da criança ou do jovem
14
Atribuição de uma prestação pecuniária, fundamentada pela necessidade de garantir os cuidados
adequados ao desenvolvimento integral da criança ou do jovem

24
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Medidas decorrentes de negociação – são as que integram um acordo de


promoção e protecção, sendo nestas manifestado o consentimento dos pais, do
representante legal ou da pessoa que tem a guarda de facto. As medidas
aplicadas pelas comissões são necessariamente negociais; as dos tribunais
podem ser ou não
o Medidas impostas
É necessário articular sempre os princípios da necessidade, da proporcionalidade e da
prevalência da família. Este último confere preferência às medidas que integrem a
criança e o jovem na sua família ou que promovam a sua adopção. A articulação destes
princípios leva-nos a olhar para o art 35º como sendo dotado de hierarquização. Deste
artigo retiramos as várias medidas aplicáveis:
o Apoio junto dos pais – art 35º, nº 1, al a) + art 39º – consiste em proporcionar à
criança ou jovem o apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando
necessário, ajuda económica. Neste caso, a palavra pais abrange os pais, o
representante legal ou a pessoa que detenha a guarda de facto;
o Apoio junto de outro familiar – art 25º, nº 1, al b) + art 40º – consiste na
colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida
ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica
e social e, quando necessária, ajuda económica;
o Confiança a pessoa idónea – art 35º, nº 1, al c) + art 43º - consiste na colocação
da criança ou do jovem sob a guarda de uma pessoa que, não tendo qualquer
relação familiar com a mesma, com ela tenha estabelecido relação de
afectividade recíproca;
o Apoio para a autonomia de vida – art 35º, nº 1, al d) + art 45º – consiste em
proporcionar directamente ao jovem com idade superior a 15 anos apoio
económico e acompanhamento psicopedagógico e social;
o Acolhimento familiar – art 35º, nº 1, al e) + art 46º – consiste na atribuição da
confiança da criança ou do jovem a pessoas, habilitadas para o efeito, visando a
sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados necessários à
satisfação das suas necessidades. Essas pessoas não podem ter com a criança ou
o jovem qualquer relação de parentesco;
o Acolhimento em instituição – art 35º, nº 1, al f) + art 50º consiste na colocação
da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações
e equipamento de acolhimento permanente, tendo de lhes ser possível o
garantir dos cuidados adequados;
o Confiança a pessoa selecionada para a adopção ou a instituição com vista a
futura adopção – art 35º, nº 1, al g) – consiste na colocação da criança ou do
jovem sob a guarda de candidato seleccionado ou de instituição com vista à
adopção pelo competente organismo da segurança social
As medidas que decorram de negociação integram um acordo de promoção e protecção,
definido como o compromisso escrito entre as comissões de protecção de crianças e
jovens ou o tribunal e os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto e,
ainda, a criança e o jovem com mais de 12 anos, pelo qual se estabelece um plano
contendo medidas de promoção de direitos e de protecção. Este inclui o prazo por que é

25
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

estabelecido – art 55º, nº 1, c) – e não pode conter cláusulas que imponham obrigações
abusivas – nº 2. O art 56º aplica-se a medidas em meio natural de vida. O art 57º trata
do conteúdo do acordo relativo a medidas de colocação.

Capítulo II – O apadrinhamento civil


VER REGIME JURÍDICO DO APADRINHAMENTO CIVIL, LEI Nº 103/2009, DE 11 DE
SETEMBRO – VEM SUBSTITUIR A LEI DO APADRINHAMENTO CIVIL (LAC)

Capítulo III – Protecção dos idosos


10 – Protecção constitucional e civil dos idosos
Protecção constitucional: arts 67º, nº 2, al b) e art 72º
Protecção civil: não há, para os idosos, uma lei como a que existe para a protecção de
crianças e jovens em perigo. No entanto, o idoso também pode estar em perigo. Como
explicar esta discrepância? Numa primeira fase, o número de idosos era reduzido e a
condição de idoso impunha desde logo o respeito por parte da família; depois, apesar
do aumento desse número, continua a acreditar-se na espontaneidade da solidariedade
familiar; actualmente, porém, o número de idosos ultrapassa o número de jovens, e
esses primeiros são por vezes vistos como um fardo. Vivemos numa sociedade em que
se entende que importa o futuro e não o passado. Apesar disso, pode retirar-se dos
deveres de respeito, auxílio e assistência preceitos que sirvam para tutelar as pessoas
mais dependentes.
Apesar de estabelecidos os regimes da interdição e da inabilitação, estes mostram-se
más soluções. Os seus processos são caros e morosos. O Professor Regente defende a
necessidade de uma profunda alteração legislativa neste campo. Apesar disso, essas não
bastarão: impõe-se que a própria sociedade volte a valorizar o idoso.

PARTE 3 – DIREITO MATRIMONIAL


Capítulo I – Constituição do vínculo matrimonial
1 – Noção e modalidades do casamento
“o contracto celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante
uma plena comunhão de vida” art 1577º CC
O casamento caracteriza-se pela:
o Contratualidade – característica que tem vindo a ser contestada. Antes, o
casamento era tido como um acto administrativo, dado que só a intervenção de
um funcionário conferia ao acto valor jurídico. Desta feita, a declaração de
vontade dos nubentes era tida como uma condição da prática de um acto estatal.
Os últimos tempos têm vindo a ser marcados pela negação do cariz negocial do
casamento, falando-se ora num acto jurídico stricto sensu (invocando-se a falta
de liberdade de estipulação) ou a soma de dois actos jurídicos simples (falando-
se na incompatibilidade dos efeitos do casamento com a ideia de vinculação
contractual). Conclui-se que, na realidade, é a declaração de vontade dos
nubentes que se mostra essencial, pelo que estamos perante um acto de Direito
Privado.
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Assunção do compromisso recíproco de plena comunhão de vida – esta


característica do casamento implica deveres particulares, previstos no art 1672º
CC
o Pessoal – na realização deste contracto e indispensável a presença dos
contraentes, ou de um deles e do procurador do outro [art 1616º, al. a)]. Para
além disso, é pessoal porque influi no estado das pessoas, tendo uma finalidade
comunitária.
o Solene – a celebração do casamento está sujeita a uma forma estabelecida no
art 1615º CC.
O casamento pode ser civil ou católico – art 1587º, nº 1 CC. Para determinar qual o
sistema matrimonial vigente em Portugal, é necessário analisar os diferentes sistemas
existentes:
o Sistema de casamento religioso obrigatório – o Estado apenas reconhece eficácia
civil ao casamento religioso. Este era o sistema que vigorava na Grécia até 1982;
o Sistema de casamento civil obrigatório – casamentos religiosos não produzem
efeitos civis. Apenas o casamento civil importa, sendo este feito com base na lei
civil. É o sistema que vigora em França e que chegou a vigorar em Portugal até
1940;
o Sistema de casamento civil facultativo – os casamentos religiosos e civis têm
ambos relevância jurídica
• Variante 1: Estado só reconhece um regime particular ao casamento
religioso nos aspectos formais, sendo ao resto aplicável a lei civil;
• Variante 2: Estado admite a eficácia do direito da igreja ou comunidade
religiosa em aspectos que não são meramente formais.
o Casamento civil subsidiário – Estado reconhece o casamento religioso, apenas
admitindo o casamento laico nos casos em que tal é legitimado pelo direito da
igreja ou da comunidade religiosa. Foi este o sistema que vigorou em Espanha
até 1981.
Desde 1940 que vigora em Portugal o sistema de casamento civil facultativo na sua
segunda variante, sendo o casamento laico facultativo para todos os membros de igrejas
ou comunidades religiosas. O casamento religioso não católico integra-se no casamento
civil, que pode assim ser civil (celebrado pelo conservador do registo civil) ou religioso
(celebrado perante ministro do culto).

2 – Promessa de casamento
A promessa de casamento é o contracto pelo qual duas pessoas se comprometem a
contrair matrimónio – art 1591º CC. O Professor Menezes Cordeiro diz-nos, no entanto,
que este não será um verdadeiro contracto-promessa, pois que ao casamento falta a
prometibilidade jurídica.
Por a este contracto se aplicarem, na falta de disposição especial, as disposições do
contracto-promessa, é essencial o art 410º, nº 1 CC. Deste resulta que a capacidade
exigida para a promessa é a mesma que se requer para a celebração do casamento. Já
relativamente ao consentimento, aplicam-se as regras gerais do negócio jurídico. O

27
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

objecto deve ser legalmente possível – art 280º, nº 1 CC – havendo liberdade de forma
(art 219º CC). É exemplo de promessa de casamento o pedido, quando aceite.
Dos efeitos da promessa de casamento resulta o facto de as partes ficarem vinculadas a
casar uma com a outra. No entanto, a natureza desta obrigação obsta à execução
específica da promessa – arts 1591º e 830º, nº 1 CC. Em caso de incumprimento, é
apensa conferido à parte lesada o direito às indemnizações previstas no art 1594º CC. A
acção de indemnização caduca no prazo de um ano – art 1595º CC.
Em caso de ruptura da promessa de casamento, opera o previsto no art 1592º, nº 1 CC.
Em caso de extinção por morte de um dos promitentes, opera o art 1593º CC.

3 – Requisitos de fundo do casamento civil


Era antes exigido que os nubentes fossem de sexo oposto. Essa limitação era, para o
Professor Regente, constitucionalmente duvidosa, dada a existência do art 13º, nº 2
CRP. A posição do Tribunal Constitucional assentou na ideia de que nada obsta ao
casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo disso resultado a Lei nº 9/2010, de 31
de Maio que vem permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Nesta lei
existe ainda um artigo que exige que a interpretação do Direito Matrimonial seja feita
tendo em conta a hipótese concreta de estarmos perante um casamento entre pessoas
do mesmo sexo.
Um dos requisitos do casamento civil é a capacidade – art 1600º CC. Às circunstâncias
que de qualquer modo obstam à realização do casamento chamamos impedimentos
matrimoniais. Verificado um destes impedimentos, o casamento não se deve realizar.
Se, ainda assim, este ocorrer, então pode ser anulável – art 1631º, al a) – ou pode estar
associado à aplicação de sanções especiais com carácter patrimonial – arts 1649º e
1650º CC.
Os impedimentos podem ser:
o Nominados – aqueles que são designados como impedimentos pela própria lei
(arts 1601º, 1602º e 1604º CC)
o Inominados – todos os restantes
o Dirimentes – aqueles que, caso existam, condenam o casamento à anulabilidade
[art 1631º, al a)]
o Impedientes – todos os outros
o Absolutos – aqueles que obstam à realização de um casamento por uma pessoa
seja com quem for;
o Relativos – aqueles que obstam à realização de um casamento entre
determinadas pessoas.
o Susceptíveis a dispensa – não obstam ao casamento se houver um acto de
autorização de uma autoridade (art 1609º CC + arts 253º e 254º CRC).
o Insusceptíveis a dispensa – não permitem a celebração do casamento mesmo
que seja feito um pedido de autorização a uma autoridade. É o caso de todos os
impedimentos dirimentes.

28
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Impedimentos dirimentes
Os impedimentos dirimentes levam à anulabilidade do acto, tendo essa de ser decretada
por sentença especialmente intentada para esse fim – art 1632º CC. A legitimidade para
intentar a acção está tratada no art 1639º, devendo tal ser feito no prazo fixado pelo art
1643º. Ao Ministério Público aplica-se o nº2 do mesmo artigo.

ABSOLUTOS – art 1601º CC


o Idade inferior a 16 anos – aplicam-se as regras especiais no tocante à
legitimidade e ao prazo para anulação. Além das pessoas referidas no art 1639º,
nº 1 CC, pode ainda o tutor do menor intentar ou prosseguir a acção (art 1639º,
nº 2 CC). O prazo aplicável depende de se a acção é proposta pelo próprio
incapaz ou por outra pessoa, estando ambos expressos no art 1643º, nº 1, al a)
CC. O casamento do menor não núbil pode ser confirmado por este, nos termos
do art 1633º, nº 1, al a) CC.
o Demência – esta pode ser a demência de direito (interdição ou inabilitação por
anomalia psíquica) ou de facto. Entende-se por demência qualquer anomalia
psíquica que torne uma pessoa incapaz de reger convenientemente a sua pessoa
e/ou o seu património. Esta demência tem de ser notória (certa, inequívoca e
não duvidosa) e habitual. A legitimidade para intentar a acção é reconhecida aos
sujeitos indicados no art 1639º, nº 1, ao qual acresce o tutor ou curador presente
no nº2. O prazo está fixado no art 1643º, nº 1, al a) CC. A anulabilidade considera-
se sanada se o demente o confirmar perante o funcionário do registo civil e duas
testemunhas, depois de ser levantada a interdição ou a inabilitação – art 1633º,
nº 1, al b) CC. O Professor Jorge Duarte Pinheiro considera que seria mais
adequado permitir aos que sofrem de demência notória e habitual contrair
casamento válido, quando comprovado que a demência não impede a vida
conjugal.
o Casamento anterior não dissolvido – destina-se a evitar a bigamia, cessando com
a dissolução do casamento anterior por morte ou divórcio. Apesar de a morte
presumida não dissolver o casamento, o novo casamento faz dissolver o anterior.
Este impedimento não existe se o casamento anterior for inexistente (art 1630º
CC). Quanto à legitimidade para intentar a acção, junta-se o primeiro cônjuge do
infracto (art 1639º, nº 2 CC) aos restantes, presentes no nº 1. O prazo é o fixado
pelo art 1643º, nº 1, al c), ao qual se junta o disposto no nº 3.

RELATIVOS – art 1602º CC


Apesar de a adopção fazer extinguir as relações familiares entre o adoptado e os seus
ascendentes biológicos, os impedimentos de parentesco e afinidade também a eles se
aplicam. Estes impedimentos de parentesco e afinidade relevam mesmo que a filiação
não se encontre estabelecida, o que se mostra uma excepção ao princípio da
atendibilidade apenas da filiação legalmente constituída – art 1797º, nº 1 CC.
O art 1603º, nº 1 CC tem aplicação plena à filiação biológica daquele que foi adoptado
plenamente, pelo que o art 1987º CC deve ser alvo de uma interpretação restritiva – é
admissível a prova da filiação biológica do adoptado na acção de declaração de nulidade

29
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ou anulação do casamento fundado num dos impedimentos previstos nas alíneas a), b)
e c) do art 1602º CC.
Relativamente à alínea d) do artigo supracitado, o impedimento só se verifica se já tiver
transitado em julgado a sentença de condenação por homicídio. Se a sentença ainda
não tiver transitado em julgado, estaremos perante um impedimento impediente – art
1604º, al f) CC. Este impedimento não deve ser visto como sendo a punição da prática
de um crime.

Impedimentos impedientes
Constituem impedimentos impedientes as circunstâncias que, embora obstem ao
casamento, não o tornam anulável se ele se chegar a celebrar. Pode apenas acontecer
que uma das partes sofra sanções de carácter patrimonial. Do art 1604º CC, apenas as
duas primeiras alíneas dizem respeito a impedimentos absolutos; os restantes são, por
isso, relativos.

Outro dos requisitos para o casamento é o consentimento – é exigido o mútuo


consentimento das partes, tendo este que ser exteriorizado no próprio acto (art 1617º
CC). O consentimento tem carácter pessoal – art 1619º CC – pelo que é necessário que
a vontade seja exteriorizada pelos próprios nubentes. A representação só é lícita nos
termos em que a lei admite o casamento por procuração15. O casamento no qual falte a
declaração de vontade de um ou ambos os nubentes é considerado inexistente – art
1628º, al c) CC. O consentimento deve ser puro e simples, como expresso no art 1618º
CC e a vontade deve ser livre e esclarecida. Disso resulta a presunção de que a vontade
não está viciada por erro ou coacção – art 1634º CC. Se a procuração não observar a
forma necessária é tida como nula, o que leva a que o casamento seja inexistente,
aplicando-se o art 1628º, al d) CC. Se na procuração não estiver indicada a modalidade
de casamento, o facto de esta não estar indicada como causa de inexistência ou
anulabilidade faz com que tal seja uma mera irregularidade – o casamento é válido. A
revogação da procuração pode ser feita nos termos do art 1621º CC.
Há por vezes situações de falta de vontade negocial ou de divergência entre a vontade
real e a vontade declarada. O casamento é anulável, por falta de vontade negocial, nos
casos previstos no art 1635º CC. Para que a simulação constitua fundamento de
anulação, é necessário que não haja vontade de assumir a obrigação de plena comunhão
de vida e que as partes renunciem a totalidade dos efeitos essenciais do casamento – a
simulação tem de ser total. À simulação parcial16 aplicar-se-á o art 1618º CC.
No caso de erro-vício, o casamento é anulável nos termos do art 1636º CC. Exige-se que
o erro recaia sobre uma qualidade essencial da pessoa do outro cônjuge, entendendo-
se por qualidade essencial a qualidade de uma pessoa que seja idónea para determinar
o consentimento matrimonial (p.e. a impotência). O erro tem de ser desculpável e
essencial – tem de se tratar de uma característica que, conhecida, teria tornado legítima

15
Excepção ao princípio do carácter pessoal do casamento (art 1619º CC). Apenas um dos nubentes pode
ser representado por procurador na celebração do casamento – art 1620º, nº 1 CC
16
É, p.e., o caso em que os nubentes declaram casar, tendo previamente combinado que não se vinculam
ao dever de fidelidade

30
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

a não celebração do casamento, à luz da consciência social dominante. Se o erro recai


sobre uma das circunstâncias constituinte de impedimento dirimente, cabe à vítima
optar pelo regime a aplicar – o desvalor é idêntico, pelo que é uma questão de análise
do prazo.
Em caso de coacção moral, o casamento é anulável – art 1638º CC. Os requisitos da
coacção moral são os presentes no art 256º CC.

4 – Formalidades do casamento civil


O casamento está sujeito a formalidades estabelecidas no art 1615º CC. Podemos
distinguir entre:
o Formalidades prelimitares – aquelas que antecedem a cerimónia;
o Formalidades de celebração;
o Formalidades subsequentes – correspondem ao registo.
As formalidades variam consoante a modalidade e a forma do casamento, tal como
consoante o local em que a cerimónia ocorre – em Portugal ou no estrangeiro – e a
nacionalidade dos nubentes – há que saber se são ambos portugueses, se é um
português e um estrangeiro ou se são ambos estrangeiros. Em sede de Direito da
Família, é paradigmático o casamento civil sob forma civil, comum (não urgente),
celebrado em Portugal entre dois cidadãos portugueses.

Formalidades do casamento civil celebrado por forma civil


PRELIMINARES
Estão expressas nos arts 134º - 145º CRC e, no Código Civil, pelos arts 1610º - 1614º. O
processo preliminar destina-se à verificação da inexistência de impedimentos – art
1610º CC – sendo este processo organizado por qualquer conservatória do registo civil
– art 134º CRC. Através da declaração para casamento – art 135º CRC – os nubentes
comunicam a sua intenção de contrair matrimónio e requerem a instauração do
processo de casamento. A forma e o conteúdo dessa declaração são aspectos regulados
no art 136º CRC.
Até ao momento da celebração do casamento, qualquer pessoa pode declarar
impedimentos de que tenha conhecimento (art 1611º, nº 1 CC). A declaração de
impedimentos abre o processo de impedimento do casamento (arts 245º - 252º CRC) e
dita a suspensão do processo preliminar – art 1611º, nº 3 + art 142º CRC). Se o
impedimento for considerado procedente, o processo preliminar do casamento é
arquivado; se não, o processo continua.
Lavrado o despacho final a autorizar a realização do casamento, este deve celebrar-se
nos seis meses seguintes – art 1614º CC.
DA CELEBRAÇÃO
Estão presentes nos arts 153º - 155º CRC e nos arts 1615º e 1616º do Código Civil. O dia,
a hora e o local da cerimónia resultam de acordo entre os nubentes e o conservador,
como presente no art 153º, nº 1 CRC.
As pessoas que devem intervir estão expressas tanto no CRC como no CC,
respectivamente nos seus arts 154º e 1616º. A ausência dos nubentes ou do
conservador dita a inexistência do casamento – art 1628º al a) e c) CC. A celebração do
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

casamento é pública – art 1615º CC – estando as formalidades relativas à cerimónia


reguladas no art 155º CRC. O contracto de casamento adopta uma forma oral,
particularmente solene.
SUBSEQUENTES – O REGISTO
Estão fixados no art 1651º CC os casamentos que estão sujeitos a registo obrigatório.
Este registo consiste no assento que é lavrado por inscrição ou transcrição – art 1652º
CC. O assento lavrado por inscrição é um registo directo do acto de casamento [art
52º, al e) CRC]; o assento por transcrição é um registo que tem por base o assento da
cerimónia feito por uma entidade que não desempenha funções de registo civil [art
53º, als b) c) d) e e) CRC].
Efectuado o registo, os efeitos civis do casamento retrotraem-se à data da celebração
do acto – art 1670º CC. O casamento cujo registo é obrigatório não pode ser invocado
enquanto não for lavrado o respectivo assento. São excepções a este princípio as
previstas no art 1601º, al c) e no art 1653º, nº 1 CC. O registo condiciona assim a prova
do casamento.

Formalidades do casamento civil celebrado por forma religiosa


Este casamento observará as formalidades exigidas pela própria religião, interessando
neste contexto apenas as formalidades civis. (…)

Formalidades do casamento urgente


O casamento civil urgente sob forma civil é aquele cuja celebração é permitida
independentemente do processo preliminar de casamento e sem a intervenção do
funcionário do registo civil – art 1622º, nº 1 CC. Apesar disso, também é reconhecida
eficácia civil ao casamento católico urgente (art 1599º CC), bem como ao casamento civil
urgente sob forma religiosa (sujeito às mesmas condições que o católico).
Para que se possa saber se estamos perante um casamento urgente civil, católico ou
religioso, importa aferir se este foi celebrado perante um funcionário do registo civil,
um ministro da Igreja Católica ou um ministro de outro culto. Sem maneira de saber isso,
pode presumir-se, de acordo com a hipotética vontade das partes, qual a modalidade
de casamento urgente – art 1590º CC
São requisitos de fundo do casamento urgente o fundado receio de morte próxima de
algum dos nubentes ou a iminência de parto – art 1622º, nº 1 CC. O casamento urgente
dispensa de processo preliminar, sendo sempre obrigatória a presença de quatro
testemunhas [das quais duas não podem ser parentes sucessíveis dos nubentes – art
156º, al b) CRC]. As formalidades preliminares resumem-se assim à proclamação escrita
ou oral de que se vai celebrar o casamento – art 156º, al a) CRC. A acta do casamento
tem de ser assinada por todos os intervenientes, dependendo da sua apresentação a
decisão do conservador d se o casamento deve ou não ser homologado – art 1623º, nº
1 CC. A não homologação do casamento urgente determina a sua inexistência – art
1628º, al b) CC. O registo do casamento civil urgente homologado é lavrado por
transcrição (art 182º, nº 2 CRC).

5 – Casamento católico
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O casamento católico pode ser definido como o “acto da vontade pelo qual o homem e
a mulher, por pacto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente, a fim de
constituírem o matrimónio”. Neste caso, ao contrário do que acontece com os
casamentos civis sob forma religiosa, é atribuída relevância ao Direito Canónico em
matérias que não se resumem à forma do casamento. Tal advém da Concordata de 2004.
Desta feita, o casamento católico só pode ser inválido se violar o Direito Canónico, não
sendo anulável se infringir regras civis sobre os requisitos do casamento. A categoria da
nulidade, que não é aplicada ao casamento civil, pode aplicar-se ao casamento católico
– art 1625º - sendo a decisão reservada aos tribunais eclesiásticos competentes.
Apesar de o casamento civil se inspirar no casamento católico, há diferenças de regime:
o casamento católico apenas pode ocorrer entre homem e mulher, sendo que o
casamento civil anterior não dissolvido não constitui impedimento. Situações como a
impotência ou a disparidade de culto podem ser impedimentos. O erro-vício, tal como
a coacção moral, tornam o casamento inválido.
O casamento católico só pode ser celebrado por quem para isso tiver capacidade – art
1596º CC. É através da recusa da transcrição que o Estado português assegura a
observância dos impedimentos de Direito Civil mais importantes – os impedimentos
dirimentes, fundados no interesse público.

Formalidades do casamento católico


As formalidades do casamento católico são reguladas tanto pelo Direito Canónico como
pelo Direito Civil. O casamento católico está sujeito a processo preliminar, organizado
nas conservatórias de registo civil – art 1597º, nº 1 CC. A declaração de casamento é
regulada no art 135º, nº 1 e 2 CRC e, verificado o despacho final, o conservador tem um
dia para emitir a declaração que permita aos nubentes contrair casamento. Celebrado
o casamento, o pároco deve lavrar o assento paroquial em duplicado, enviando-o para
a conservatória competente. O Professor José Duarte Pinheiro defende que a
transcrição do casamento católico tem a mesma natureza que qualquer outro acto de
registo de casamento – é uma formalidade ad probationem – pois que o casamento
católico não transcrito apenas obsta à celebração de casamento civil subsequente [art
1601º, al c) CC]. Os casamentos católicos urgentes dispensam processo preliminar.

Capítulo II – Efeitos do casamento


Secção I – Generalidades
6 – O status ou estado de casado
No que toca aos efeitos do casamento, todos eles se regem pelas mesmas normas – art
36º, nº 2 CRP e art 1588º CC. Ao casar, as partes adquirem um status ou estado de
casado, estando a partir desse momento sujeitos aos deveres dos cônjuges. Este status
é a ligação que se estabelece entre duas pessoas que casaram uma com a outra.
Diferente significado tem a expressão “casamento enquanto Estado” ou “casamento-
estado”, que se confunde com os efeitos do acto.
Este status caracteriza-se, em termos gerais, pela sua:
o Indisponibilidade

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Durabilidade virtual
o Oponibilidade erga omnes
Em termos específicos, podemos falar da exclusividade – art 1601º, al c), que explana o
princípio da monogamia.
Enquanto regime, o casamento-estado é fundamental. Essa fundamentalidade verifica-
se tanto antes, como durante e depois do casamento, pois que o Estado não se
desinteressa da relação conjugal depois da cerimónia. Tal se verifica, desde logo, pelo
facto de os impedimentos ao casamento poderem ser mencionados a todo o momento,
incluindo após a celebração do casamento. O Estado impõe aos cônjuges uma
determinada imagem do casamento, sendo essa imagem ideal a do art 1577º CC. A plena
comunhão de vida mencionada neste artigo é, todos sabemos, impossível17, pelo que
apenas se exige a sua observância na medida do possível. Aproxima-se da medida do
possível o art 1672º CC. O mais importante no casamento como estado é a dimensão
pessoal, uma vez que a relação conjugal é concebida como uma unidade entre duas
pessoas e não propriamente como uma comunidade de bens.
A doutrina tende a separar os efeitos pessoais dos efeitos patrimoniais do casamento.
Disso resultaria, tecnicamente, a integração dos deveres dos cônjuges nos primeiros. No
entanto, por existirem deveres – como o dever de assistência – que têm uma estrutura
patrimonial e ainda deveres – como o dever de respeito – que possuem em si ambas as
vertentes, o Professor Regente afasta o tratamento em separado destes efeitos.

7 – Princípio da igualdade dos cônjuges


Do art 1671º, nº 1 CC retira-se que o casamento se baseia na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges. Este preceito, que era já decorrente da Constituição, foi
reproduzido no Código Civil para que se evitassem questões quanto à aplicabilidade
directa da norma constitucional.
Desta igualdade dos cônjuges resulta a proibição da sua descriminação consoante o
sexo, sendo “uma trave mestra do casamento moderno”. A necessidade de reafirmar o
princípio prende-se, hoje em dia, com o pluralismo religioso em que vivemos, existindo
por vezes uma ideia de subordinação da mulher ao marido, aceite por várias religiões.
Uma das principais manifestações deste princípio é a quantificação e concretização dos
deveres conjugais – os cônjuges estão reciprocamente vinculados de forma idêntica.
Outra dessas manifestações é a atribuição aos membros do casal da direcção conjunta
da família.

8 – Acordos sobre a orientação da vida em comum


Como meio para assegurar o princípio da igualdade entre cônjuges, a lei impõe aos
cônjuges a obrigação de tentar chegar a um acordo em relação a tudo o que seja a
orientação da sua vida em comum. Esta obrigação insere-se no domínio do dever de
cooperação conjugal, pelo que a recusa sistemática e gratuita de um cônjuge em chegar
a acordo com o outro pode ser motivo suficiente para divórcio sem necessidade de

17
A propósito disso mesmo: Carbonnier – “os cônjuges, ainda que durmam no mesmo leito, têm sonhos
diferentes”

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

consentimento. Na falta de acordo, consagra-se a possibilidade de intervenção do


tribunal, para que não seja dada primazia à vontade de uma das partes e para evitar
uma situação de bloqueio. Este acordo entre cônjuges representa o único instrumento
de autogoverno da família.
São objecto dos acordos sobre a orientação da vida em comum os assuntos com especial
relevância familiar, ficando de fora os direitos de personalidade que não esteja
directamente abrangidos pela relação conjugal (sem prejuízo de o seu titular ter de os
exercer com respeito pelos interesses da família). Há hoje uma grande discussão acerca
da natureza destes acordos, perguntando-se se estes representam, ou não, verdadeiros
negócios jurídicos. Na verdade, sim – se o consenso é sequência do princípio da
igualdade dos cônjuges, a negação do carácter vinculativo do acordo é incompatível com
a natureza inderrogável do princípio. No entanto, estes acordos estão sujeitos a regimes
específicos de modificação e extinção, menos exigentes que o regime geral.

9 – Tutela da personalidade no casamento e a ideia do núcleo


intangível da comunhão conjugal
A generalidade das normas sobre os efeitos do casamento é de natureza injuntiva. No
entanto, disso não se pode retirar que o casamento implica a total perda de liberdade
pessoal das partes, que fica a partir desse momento condenada a cumprir com os
deveres de comportamento impostos. O casamento não elimina a individualidade de
cada um, estando inclusive presente na disciplina matrimonial a protecção da
personalidade. Esta verifica-se, por exemplo, na indicação dos interesses pessoais dos
cônjuges como factores a ponderar na celebração dos acordos sobre a orientação da
vida em comum – art 1671º, nº 2 CC.
A preocupação da tutela da personalidade, contudo, não pode chegar ao extremo de
afastar os efeitos jurídicos essenciais do casamento, em nome do direito à liberdade. O
regime injuntivo dos efeitos do casamento não engloba todos os aspectos da vida
pessoal dos cônjuges, pelo que se verifica uma liberdade individual para reger todos os
restantes.

Secção II – Deveres dos cônjuges


11 – Dever de respeito
Em sentido imediato, o dever de respeito exige aos cônjuges não lesar a honra um do
outro, sendo indiscutível a ilicitude de comportamentos que atinjam a integridade moral
do outro cônjuge. Este princípio é um reflexo da tutela geral da personalidade física e
moral, assegurada pelo art 70º, nº 1 CC – o casamento não legitima a violação dos
direitos e liberdades pessoais do outro.
Para lá da esfera pessoal, este dever manifesta-se na esfera patrimonial dos cônjuges,
correspondendo ao dever geral de respeito (originalmente ligado ao conceito de direito
real). Desta maneira, torna-se necessário restringir o dever de respeito, de modo a que
os restantes mantenham o seu âmbito de aplicação – são impostas pelo dever de
respeito todas as obrigações que não caiam na previsão dos restantes deveres conjugais.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

12 – Dever de fidelidade
O dever de fidelidade implica um duplo dever de abstenção – fidelidade física
(impedimento de adultério) e fidelidade moral (impedimento de qualquer ligação
amorosa de um cônjuge com terceiro). O Professor Jorge Duarte Pinheiro, no entanto,
considera a fidelidade moral como integrante do dever conjugal de respeito, pelo que
limita o dever de fidelidade à proibição do adultério. Esta proibição destina-se a manter
a imagem legal do casamento como comunhão tendencialmente plena de vida – art
1577º CC – e monogâmica – art 1601º, al c). Não está, por isso, associada à necessidade
de manter a viabilidade da presunção de paternidade, até porque este dever vincula
todos os cônjuges e não apenas a mulher casada com um homem.

13 – Dever de coabitação
De acordo com uma perspectiva clássica, o dever de coabitação implica comunhão de
leito – expressão que engloba a prática de relações sexuais –, mesa – comunhão de vida
económica – e habitação. É exigida a partilha de recursos, sendo a comunhão sexual e
de habitação as vertentes deste dever de coabitação que se mostram mais relevantes.
De acordo com esta acecção mais tradicional, é exigida uma convivência a tempo inteiro
(pelo menos habitual) na casa de morada de família (art 1673º CC).
Na realidade, os dias de hoje mostram-nos que tal é pouco viável. Por razões
essencialmente profissionais, muitas pessoas são hoje obrigadas a viver longe dessa
morada de família. Disso resulta que, se estiverem em causa motivos ponderosos, pode
ser prescindida a adopção de morada de família – art 1673º CC. Apesar disso, vigora
sempre uma exigência de comunhão de habitação, pelo que é exigido aos cônjuges um
esforço pela convivência que se aproxime o mais possível da convivência plena.
A obrigação de comunhão sexual é por vezes excluída, por não resultar de forma
expressa da letra da lei. No entanto, a Regência discorda manifestamente dessa
exclusão: a coabitação significa a prática habitual de actos sexuais, sendo essa a razão
pela qual são previstos requisitos de validade do casamento que assentam no seu
aspecto sexual. Contra o argumento da restrição da liberdade sexual, o Professor afirma
que os direitos não são nunca ilimitados, pelo que nada obsta às restrições traçadas.
Apesar de tudo, esta exigência não é muito intensa – só se entende violada a comunhão
sexual se houver uma recusa sistemática, injustificada e prolongada.

14 – Dever de cooperação
O art 1647º CC decompõe o dever de cooperação em duas vertentes:
o Obrigação de socorro e auxílio mútuos – cônjuges têm de assumir em conjunto
as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram, pressupondo a
intervenção na esfera do outro cônjuge. Equivale ao dever de cooperação na vida
do outro cônjuge;
o Domínio mais genérico da vida da família.
A obrigação de socorro e auxílio mútuos está, como seria espectável, sujeita a limites –
“a ninguém é exigível um comportamento heróico ou próprio de um mártir”. A obrigação
de assunção em conjunto das responsabilidades inerentes à vida familiar implica a

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

cooperação de sustento, guarda e educação dos filhos, assim como o apoio a outros
familiares que estejam a cargo de um ou de outro cônjuge. Esta obrigação está
intimamente ligada ao princípio da igualdade dos cônjuges, pois que impõe o respeito
da regra de co-direcção da família. Esta vincula ainda os cônjuges a trabalharem para a
prosperidade comum, criando riqueza para os dois e vivendo sob um princípio de
cooperação patrimonial.
Secção III – Efeitos do casamento no domínio do nome, da filiação, da
nacionalidade, da entrada e permanência no território português
17 – O apelido dos cônjuges
Está expressa no art 1677º, nº 1 CC que cada um dos cônjuges pode acrescentar ao seu
nome até dois apelidos do outro. Esta é apenas uma possibilidade e não um dever. Por
força do princípio da igualdade, esta possibilidade pode ser exercida por qualquer um
dos cônjuges (e não apenas pela mulher em relação aos nomes do marido). Apesar de
tal estar disponível aos dois, apenas um o pode fazer, ou seja, não pode a mulher
adoptar apelidos do marido e o marido adoptar apelidos da mulher, de forma
simultânea. Assim, é exigido às partes que apresentem por consenso qual das duas irá
exercer esta possibilidade. Na falta de acordo, não há qualquer alteração.
Esta possibilidade de alterar o nome por via do casamento é uma excepção ao princípio
da imutabilidade do nome fixado no assento de nascimento, presente no art 104º, nº 1
CRC. Esta excepção é justificada pela existência de uma marca distintiva comum a todos
os membros da família. Disto resulta a opinião do Professor Regente em como não é
legítima uma interpretação literal do art 1677º CC, no sentido de permitir que um ou os
dois alterem os seus nomes, sem que daí resulte um elemento identificador comum.
Tem, por isso, de haver uma coincidência quanto à ordem ou à disposição do(s)
apelido(s).

19 – Casamento, nacionalidade, entrada e permanência no


território português

Secção IV – Efeitos predominantemente patrimoniais do casamento


21 – Convenções antenupciais
Podemos definir uma convenção antenupcial como um negócio celebrado em vista da
futura realização de um casamento, com a necessária intervenção de, pelo menos, um
dos nubentes, na qualidade de parte. Não podemos defini-la como o acordo dos
nubentes sobre o regime de bens que vai vigorar no seu casamento, pois que não é
exigido que a convenção disponha sobre essa matéria; também não podemos falar na
convenção antenupcial como um acordo mediante o qual os nubentes regulam as
relações patrimoniais que se irão estabelecer no futuro casamento, pois que não é
permitido alterar as disposições legais sobre administração e disposição de bens do
casal.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A convenção antenupcial não exige um acordo entre os nubentes, nem tem sequer de
ser um contracto: pode incluir apenas uma doação feita por terceiro a um dos esposados
ou uma disposição testamentária feita por uma dos esposados.
Sendo uma convenção antenupcial, esta precede e é acessória ao casamento – é preciso,
por isso, que esta tenha algum nexo com o futuro casamento. Tal não significa que são
nulas as disposições que não tenham em vista a futura realização do casamento. Estas
podem ser válidas, mas não estarão subordinadas às regras legais específicas da
convenção.
Conteúdo
No que toca ao conteúdo da convenção antenupcial, este prende-se essencialmente
com a determinação do regime de bens – no qual vigora o princípio da liberdade de
estipulação (art 1698º CC). Esta liberdade é, no entanto, restringida pelo art 1699º CC.
O art 1699º, nº 2 CC deve ser objecto de uma interpretação restritiva, sendo isso algo
hoje aceite pela Doutrina – este artigo é um instrumento de tutela dos sucessivos
legitimários em vida do de cujos, visando proteger as expectativas sucessórias dos filhos
de apenas um dos nubentes perante as de outros sucessíveis legitimários prioritários
deste. O Professor Regente concorda com tal interpretação – exige-se, para que
preenchida a previsão do art 1699º, nº 2 CC, que um dos nubentes tenha filhos de
terceiros.
Para além da estipulação do regime de bens, pode a convenção antenupcial ter por
objecto outros aspectos conexos ou não com o futuro casamento. As cláusulas que
sejam integrantes da convenção antenupcial e que não tenham em vista o futuro
casamento não estão sujeitas às regras respeitantes às convenções antenupciais, como
o princípio da imutabilidade. Apesar disso, é escassa a relevância do conteúdo da
convenção antenupcial em aspectos que não se relacionem com o regime de bens do
casal. Sendo possível a regulamentação de assuntos relevantes da vida matrimonial,
essas subordinam-se às regras próprias dos acordos sobre a orientação da vida comum,
entre as quais vigora a mutabilidade das mesmas.
O regime legal das dívidas também não pode ser sujeito a modificação convencional,
pois que este pertence ao estatuto patrimonial imperativo do casamento – art 1618º,
nº 2 + integração sistemática do regime das dívidas no capítulos que versa sobre efeitos
de casamento.
É válida a convenção antenupcial sob termo ou condição – art 1713º, nº 1 CC.

Capacidade
A capacidade para celebrar convenções antenupciais é regulada no art 1708º CC.
Salienta-se que este artigo apenas corresponde à capacidade para intervir na convenção
sob qualidade de esposado ou nubente (para nela participar enquanto terceiro
outorgante, são outros os parâmetros aplicáveis).
Esta capacidade é definida com base na capacidade matrimonial – não com base na
capacidade genérica – pelo que têm capacidade para celebrar convenções antenupciais
todos aqueles que têm capacidade para casar. Por não estarmos no âmbito da
capacidade genérica, é reconhecida capacidade de gozo para realizar convenções a
pessoas desprovidas de incapacidade genérica de exercício – p.e. interditos. É, pelo

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

mesmo raciocínio, negada capacidade de gozo para celebrar convenções antenupciais a


sujeitos que dispõem de capacidade genérica de exercício – p.e. pessoas que estejam
casadas. A outorga de uma convenção antenupcial sem que haja capacidade de gozo
para tal leva à nulidade da mesma.
Nos casos aos quais é aplicável o art 1709º CC, a anulabilidade demarca-se do regime
geral da anulabilidade (arts 287º e 288º CC) em três aspectos:
o Os representantes têm legitimidade para invalidar a convenção, mesmo que não
se encontrem no círculo de pessoas em cujo interesse a lei estabelece a
anulabilidade;
o O prazo de um ano conta-se a partir da data do casamento e não a partir do
momento em que cessa a incapacidade;
o A anulabilidade é sanável mediante a celebração do casamento depois de finda
a incapacidade.

Forma e registo
A forma da convenção antenupcial deve obedecer ao art 1710º do Código Civil. Estas
são, então, válidas se forem celebradas por declaração prestada perante o funcionário
do registo civil ou por escritura pública.
A convenção antenupcial está sujeita a registo civil obrigatório, feito de acordo com as
exigências do art 190º CRC. Só depois de registadas podem as convenções produzir
efeitos perante terceiros – art 1711º, nº 1 CC. Este registo não dispensa o registo predial
relativo aos factos a ele sujeitos – art 1711º, nº 3. CC. Regra geral, a convenção
antenupcial não adquire carácter retroactivo – art 191º, nº 1 CC. No entanto, o nº 2
admite excepção em relação aos casamentos católicos, podendo – por analogia –
aplicar-se também aos casamentos civis celebrados por forma religiosa. Apesar de não
ser, sem registo, oponível perante terceiros, a convecção é oponível inter partes – art
1711º a contrario.

Revogação e modificação
O regime de revogação e modificação da convenção antenupcial varia consoante
estamos em momento anterior ou posterior ao casamento.
o Em momento anterior – vigora o princípio geral da modificação ou extinção por
mútuo consentimento dos contraentes – art 1712º, nº 1 CC;
o Em momento posterior – vigora o princípio da imutabilidade – art 1714º, nº 1
CC.
É pelo art 1712º, nº 1 CC exigido que haja consentimento de todos os outorgantes. A
falta de algum desses – noutra qualidade que não a de esposado – não implica a
irrelevância total da convenção revogadora ou modificadora.
O art 1714º, nº 1 CC determina que, depois da celebração do casamento, não é
permitida a revogação ou a modificação da convenção, nem a alteração do regime de
bens legalmente fixado.

Invalidade e caducidade

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

São, neste caso, aplicáveis as regras gerais sobre invalidade dos negócios jurídicos. No
entanto, a incapacidade de exercício tem regulamentação especial, presente no art
1709º CC.
A inobservância dos requisitos dispostos no art 1699º leva à nulidade da convenção –
art 294º CC. Têm-se por não escritas cláusulas pelas quais, p.e., os nubentes pretendem
modificar os efeitos do casamento, ou submetê-lo a condição, termo ou preexistência
de algum facto – art 1618º, nº 2 CC. Estas cláusulas não escritas nunca determinam a
invalidade da convenção e são insusceptíveis de conversão.
A convenção antenupcial caduca nos termos do art 1716º CC. Graças ao princípio da boa
fé, a não celebração do casamento no prazo de um ano e a declaração de nulidade ou
anulação do casamento não implica inevitavelmente a ineficácia da convenção.

22 – Doações para casamento


A doação para casamento pode ser definida como “a doação feita a um dos esposados
ou a ambos, em vista do seu casamento” – art 1753º, nº 1 CC. Esta é uma doação em
sentido técnico – art 940º CC. Estas doações são feitas em vista do casamento, sendo
este a sua causa jurídica e o factor do qual dependem – art 1760º, nº 1, al a) CC.
o Critério da qualidade do doador – art 1754º CC
• Doações entre esposados – feitas por um dos esposados ou pelos dois
reciprocamente;
• Doações de terceiro – feitas por terceiro a um ou a ambos os esposados
o Critério do momento da eficácia – art 1755º CC
• Doações inter vivos – o efeito da transmissão da propriedade da coisa ou
da titularidade de um direito ocorre em vida do doador;
• Doações mortis causa – a doação ocorre por morte do doador
Os critérios são comuláveis. Regra geral, as doações são inter vivos e produzem os seus
efeitos a partir da celebração do casamento.

23 – Efeitos do casamento no campo do activo patrimonial


Regimes de bens
Podemos definir regime de bens como o conjunto de regras cuja aplicação define a
titularidade sobre os bens do casal. Esta é a noção subjacente ao art 1717º CC. Sendo
esta a noção em sentido estrito, existe ainda uma noção de sentido mais amplo: o
regime de bens é o “complexo de normas relativas aos efeitos do casamento que se
produzam, no plano patrimonial, durante a subsistência do vínculo matrimonial e não
estejam estreitamente ligados à disciplina dos deveres dos cônjuges”. Para esta
definição é útil distinguir entre o regime patrimonial primário – efeitos gerais
patrimoniais18 – e o regime patrimonial secundário – regras sobre a titularidade dos
bens19. Ao regime patrimonial primário associam-se normas injuntivas e ao regime
patrimonial secundário normas supletivas. Diz o Professor que esta definição é algo

18
Regras sobre a administração e disposição dos bens do casal, bem como regras de responsabilidade
por dívidas;
19
Regras sobre titularidade dos bens

40
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

artificial, pois que também no regime patrimonial secundário se encontram normas


supletivas (p.e. art 1720º CC).
Adoptada a noção estrita de regime de bens, segue o estudo dos regimes de bens sticto
sensu. Podemos desde logo dividi-los em duas grandes categorias:
o Regimes de bens típicos – aqueles que se enquadram num dos tipos previstos
na lei:
• Regime de comunhão geral de bens
• Regime de comunhão de bens adquiridos
• Regime de separação de bens
o Regimes de bens atípicos – os demais
Há ainda outra classificação, que divide os regimes em convencionais, supletivos e
imperativos:
o Regimes convencionais – aqueles que podem ser fixados pelas partes, mediante
convenção antenupcial. Em princípio, tal pode consistir quer na fixação de um
regime típico, quer na fixação de um regime atípico (art 1698º CC);
o Regimes supletivos – aqueles que vigoram na falta de uma estipulação válida e
eficaz das partes. No regime português, define o art 1717º CC que o regime
supletivo é o da comunhão de bens adquiridos20;
o Regimes imperativos – aqueles que vigoram num casamento
independentemente da vontade das partes. Por força do art 1720º, nº 1 CC, o
casamento celebrado sem precedência de processo preliminar e o celebrado
por pessoas com idade igual ou superior a 60 anos é obrigatoriamente regime
pela separação de bens.

REGIME DA COMUNHÃO DE BENS ADQUIRIDOS


Neste regime, a regra é a de que são bens comuns o produto do trabalho dos cônjuges
e os bens adquiridos por eles, a título oneroso, na constância do matrimónio– art
1724º CC. Fala-se apenas nos bens adquiridos a título oneroso porque os que resultam
de doação ou sucessão caem na vigência do art 1722º, nº 1, al b), sendo por isso tidos
como bens próprios.
Este regime que vigora como regime convencional – quando adoptado pelos nubentes
em convenção antenupcial – ou supletivo – relativamente aos casamentos posteriores
a 31 de Maio de 1969. O seu regime está previsto nos arts 1722º a 1731º CC, sendo o
art 1724º tido como disposição central do regime. Deve, do âmbito de aplicação deste
artigo, afastar-se os bens adquiridos em substituição de salários, como as pensões, uma
vez que estes – sendo direitos estritamente pessoais – são exceptuados da comunhão
pelo art 1733º, nº 1, al c) CC.
O art 1722º CC procede a uma enumeração meramente exemplificativa de bens que se
consideram adquiridos em constância do matrimónio, por via de direito próprio
anterior. Apesar de não estarem neste artigo mencionados, cabem nele também os
bens adquiridos depois do casamento por causa de negócios aleatórios celebrados

20
Para os casamentos celebrados antes de 31 de Maio de 1967, vigora como regime supletivo o regime
da comunhão geral de bens

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antes dele – p.e. prémio de boletim do totoloto comprado antes do casamento – e os


bens adquiridos por força de termo ou condição, inseridos no contracto antes do
casamento, mas verificada depois da celebração. É dúbia a qualificação de bens
adquiridos depois do casamento em cumprimento de contracto-promessa anterior.
Parte da jurisprudência distingue, para este propósito, consoante há ou não eficácia real
no contracto-promessa. O Professor Regente discorda desta distinção, dizendo que a
mesma não é observada pelo art 1722º, nº 2, d) CC.
Há uma grande polémica em volta do art 1723º, al c), devido à sua exigência de
documento de aquisição ou equivalente com intervenção de ambos os cônjuges, sob
pena de que bens tidos como próprios deixem de o ser. Parte da doutrina considera que
os bens adquiridos com dinheiro ou valores próprios seriam, então, comuns, por
aplicação do art 1724º, al b) CC. No entanto, outra parte da doutrina, baseando-se no
facto de a documentação exigida ter por objectivo a protecção de terceiros credores,
não exclui a classificação destes bens como bens próprios, quando tal não afecte
terceiros. Ao Professor Jorge Duarte Pinheiro parece a segunda opção ser a mais
correcta. O Professor alerta ainda para o carácter especialmente gravoso da primeira
ideia, dado que tal nem se coadunaria com o regime de doação entre casados, dada a
incomunicabilidade dos objectos – art 1764º CC. Conclui-se, assim, que se não for
afectado o interesse de terceiros, o bem adquirido será próprio, ainda que falte a
documentação exigida. Se, porém, esse interesse for posto em causa, o bem adquirido
será comum, restando ao cônjuge o direito a uma compensação.
Relativamente a bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra
parte com dinheiro ou bens comuns, retira-se do art 1726º CC que estes bens terão a
natureza da mais valiosa das prestações. Assim, se for a mais valiosa a prestação de
bens próprios, vigora o art 1723º, al c) CC; se essas prestações forem 50/50, passa-se
para o regime do art 1724º, al b) CC. Do art 1728º, nº 1 CC, por interpretação a contrario
sensu, conclui-se que aos frutos de bens próprios se aplica a qualidade de bens comuns
[art 1724º, al b)].

REGIME DE COMUNHÃO GERAL DE BENS


O regime da comunhão geral de bens pode vigorar por via convencional – se adoptado
em sede de convenção antenupcial – ou por via supletiva, aos casamentos celebrados
antes de 31 de Maio de 1969. Este regime está regido nos arts 1722º a 1731º, aplicando-
se tanto ao regime convencional como ao regime supletivo.
No regime da comunhão geral de bens, são bens comuns todos os que a lei não
considera incomunicáveis – art 1732º CC. São incomunicáveis os bens presentes no art
1733º CC. Disto resulta que não se pode afirmar a inexistência de bens próprios no
regime de comunhão geral. Apesar disso, os frutos ou as benfeitorias úteis resultantes
dos bens presentes no art 1733º CC são já tidos como bens comuns – art 1733º, nº 2.
Às situações restantes aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas tocantes
ao regime da comunhão de bens adquiridos21.

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A remissão abrange os arts 1723º, 1725º, 1726º, 1727º e 1728º CC

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REGIME DE SEPARAÇÃO GERAL DE BENS


No regime de separação geral de bens não há bens comuns – todos os bens são próprios
de um ou de outro cônjuge, como expresso no art 1735º CC. Apesar disso, podem existir
situações de compropriedade – art 1736º, nº 2 CC. Esta dará origem a bens que não são
comuns, mas sim em parte próprios de um cônjuge e noutra parte próprios do outro.
Cabe, desde logo, distinguir a compropriedade da comunhão conjugal de bens:
o Comunhão conjugal - há uma contitularidade de mão comum ou germânica.
Esta subsiste enquanto não se verificar uma das situações legalmente
estabelecidas de cessação das relações patrimoniais dos cônjuges ou de
separação superveniente de bens. As quotas em causa são idênticas (50/50),
sendo nula qualquer estipulação em contrário (art 1730º, nº 1 CC). A comunhão
conjugal rege-se pelas regras dispostas nos arts 1678º - 1687º CC;
o Compropriedade – há uma pluralidade de direitos da mesma espécie, que
recaem sobre o mesmo bem. A compropriedade cessa com a divisão de coisa
comum, que pode ser exigida a todo o tempo por qualquer um dos consortes
(arts 1412º e 1423º CC). Basta, por isso, que se verifique uma manifestação de
vontade nesse sentido. Os direitos dos consortes podem, para além disso, ser
diferentes (não se verifica a necessidade de serem 50/50). A compropriedade
rege-se pelas regras dispostas nos arts 1406º, 1407º 1408º, nº 1 e 2 CC.
Apesar de tudo isto, não se pode dizer que no regime de separação de bens há uma
total independência patrimonial, pois que os cônjuges estão ainda assim obrigados a
um mínio de comunhão de vida patrimonial. Disso resulta que podem verificar-se
restrições à liberdade de disposição dos bens próprios, instituídas em prol do grupo
familiar e que os cônjuges estão vinculados aos deveres de cooperação e assistência,
dos quais pode resultar a resposta por ambos às dívidas contraídas por um só deles.
Aceita-se ainda a ideia de uma administração exclusiva sobre os bens de um dos
cônjuges, exercida pelo outro.
Do art 1720º CC resulta que estão obrigatoriamente sujeitos ao regime de separação
geral de bens os casamentos realizados sem precedência de processo preliminar e por
pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. A imposição legal da separação de bens
é vista como um mecanismo para impedir ou evitar o casamento por interesse
económico. A ratio legis é, assim, o combate ao casamento negócio. No que toca à
situação das pessoas casadas com idade igual ou superior a 60 anos, o Professor Jorge
Duarte Pinheiro diz que tal pode já hoje ser incompatível com o princípio da igualdade
– art 13º CRP – uma vez que a esperança média de vida é hoje bastante superior e não
se espera que alguém com 60 anos tenha já “pouco tempo e pouca qualidade de vida”.

Analisados os regimes típicos, faltam os regimes atípicos – aqueles que se demarcam,


em qualquer aspecto, de um dos regimes previstos no Código Civil. Estes regimes têm
de ser fixados em convenção antenupcial, que pode ser feita por escritura pública ou
perante o funcionário do registo civil – art 1710º CC. Encontram-se submetidos às
restrições comuns ao princípio da liberdade de estipulação em matéria de regime de
bens.

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Sendo atípico em Portugal, cabe destacar um regime que é tido como típico pelo Direito
alemão – o regime da participação nos adquiridos. Neste regime, não há bens comuns22.
Apesar disso, no momento da extinção do casamento, é assegurada aos cônjuges uma
participação por igual no valor correspondente à diferença entre o património inicial e
final do casal.
Fixado um regime atípico, coloca-se o problema de titularidade de todos os bens do
casal. Primeiro que tudo, aplicam-se as regras de interpretação do negócio jurídico, só
depois podendo aplicar-se as regras da comunhão de adquiridos naquilo em que a
convenção for omissa.

Modificação superveniente do regime de bens

Administração dos bens do casal

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Tal não o torna idêntico ao regime de separação de bens – no momento de extinção do casamento, não
é reconhecível qualquer compensação por o património de um cônjuge se ter valorizado mais que outro

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