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Dinis Abrantes Figueiredo

Direito da Família e dos Menores

Ano letivo de 2022/2023


1. Introdução
1.1 Noção jurídica de família e fontes das relações jurídicas familiares
1.1.1 Noção de família
O Código Civil não oferece uma noção jurídica explícita de família, antes indicando
quais as fontes das relações jurídicas familiares.
1.1.2 Fontes das relações jurídicas familiares
De acordo com o artigo 1576º CC, são quatro as fontes das relações jurídicas
familiares:
Casamento
O casamento encontra-se previsto no artigo 1577º CC que diz: “Casamento é o contrato
celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena
comunhão de vida, nos termos das disposições do Código Civil.”
→ Remissão para o ponto 3
Parentesco
1) Noção: O parentesco encontra-se previsto no artigo 1578º CC que diz: “Parentesco é
o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou
de ambas procederem de um progenitor comum.” O parentesco pode revestir duas
modalidades que constam do artigo 1580º, n. 1 CC:
- Parentesco na linha recta: A linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do
outro.
-» Exemplo: Pais e filhos, avós e netos, etc.
- Parentesco na linha colateral: A linha diz-se colateral, quando nenhum dos parentes
descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum.
-» Exemplo: Irmãos, primos, tios e sobrinhos, etc.
Para além desta distinção, poder-se-á distinguir entre:
- Parentesco na linha paterna: A linha diz-se paterna, quando existe um vínculo que une
determinada pessoa ao seu pai.
- Parentesco na linha materna: A linha diz-se materna, quando existe um vínculo que
une determinada pessoa à sua mãe.
→ Esta distinção tem toda a relevância no que diz respeito aos efeitos sucessórios, uma
vez que, concorrendo à sucessão irmãos germanos (parentes nas linhas paterna e
materna) e irmãos consanguíneos (parentes só na linha paterna) ou uterinos (parentes
só na linha materna), o quinhão de cada um dos irmãos germanos, ou dos descendentes
que os representem, é igual ao dobro do quinhão de cada um dos outros (2146º CC). Ou
seja, os irmãos germanos têm melhores direitos que os irmãos consanguíneos e uterinos.
Dentro do parentesco na linha recta, o artigo 1580º, n. 2 CC distingue ainda:
- Ascendente: A linha recta é ascendente, quando se considera como partindo do
descendente para o progenitor.
- Descendente: A linha recta é descendente, quando se considera como partindo do
ascendente para o que dele procede.
→ Esta distinção tem toda a relevância no que diz respeito aos efeitos sucessórios, uma
vez que os descendentes são chamados à sucessão antes dos ascendentes (2133º CC).
2) Cômputo dos graus: O artigo 1581º CC esclarece como se deve calcular o grau de
parentesco:
- Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco,
excluindo o progenitor.
-» Exemplo: Pai e filho são parentes na linha recta no 1º grau.

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-» Exemplo: Avô e neto são parentes na linha recta no 2º grau.
- Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos
e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.
-» Exemplo: A é pai de B e C. B e C são parentes na linha colateral no 2º grau.
-» Exemplo: C é tio de D. C e D são parentes na linha colateral no 3º grau.
3) Efeitos: A relação de parentesco à qual o Direito associa mais efeitos é ao parentesco
na linha recta no 1º grau e, mais especificamente, às relações entre pais e filhos.
Contudo, o Direito associa igualmente efeitos importantes a outras relações de
parentesco (2133º, n. 1 CC (Classes de sucessíveis (descendentes, ascendentes, irmãos
e seus descendentes, outros colaterais até ao quarto grau) e 2009º, n. 1 CC (Pessoas
obrigadas a alimentos (descendentes, ascendentes, irmãos, tios durante a menoridade do
alimentando)).
→ Existe, contudo, um limite do parentesco, previsto no artigo 1582º CC: “Salvo
disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau
na linha recta [a vida encarregar-se-á de limitar tais efeitos] e até ao sexto grau na
colateral [pessoas que pensam que não têm qualquer relação de parentesco entre si
poderão encontrar um progenitor comum nos confins do tempo…].”
Afinidade
1) Noção: A afinidade encontra-se prevista no artigo 1584º CC que diz: “Afinidade é o
vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro”, sendo a sua causa o
casamento.
-» Exemplo: A e B casam-se. Os parentes de A são afins de B e os parentes de B são
afins de A. Não existe, todavia, qualquer relação de afinidade entre os parentes de A e
os parentes de B, uma vez que “afinidade não gera afinidade”!
2) Linhas e cômputo dos graus: O artigo 1585º CC vem dizer que: “A afinidade
determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco […].” Isto
significa que:
1. Poder-se-ão distinguir duas modalidades de afinidade:
- Afinidade na linha recta: A linha diz-se recta, quando a relação de parentesco
subjacente à relação de afinidade é na linha recta.
-» Exemplo: Sogros e nora, enteados e padrasto, etc.
- Afinidade na linha colateral: A linha diz-se colateral, quando a relação de parentesco
subjacente à relação de afinidade é na linha colateral.
-» Exemplo: Cunhados, etc.
2. O grau de afinidade deve ser calculado da seguinte forma:
- Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco,
excluindo o progenitor.
-» Exemplo: A e B casam-se. A é filho de C e D. C, D e B são afins na linha recta no
1º grau.
- Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos
e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.
-» Exemplo: A e B casam-se. A tem um irmão E. E e B são afins na linha colateral
no 2º grau.
3) Término da afinidade: Diz ainda o artigo 1585º CC que “a afinidade […] não cessa
pela dissolução do casamento por morte”. Isto significa que:
- A afinidade não cessa pela dissolução do casamento por morte.
- A afinidade cessa pela dissolução do casamento por divórcio.

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Antes de 2008, fosse qual fosse a forma de dissolução do casamento, mantinham-se
as relações de afinidade. Esta solução foi amplamente criticada, tendo em conta a
experiência da vida.
-» Exemplo: A e B divorciam-se. Apesar de o casamento se ter dissolvido por
divórcio, as relações de afinidade mantinham-se. Ou seja, B continuava a ser nora
dos pais de A e A continuava a ser genro dos pais de B. Sem embargo, quando as
pessoas se divorciam, normalmente pretendem cortar os laços que tinham não só
com o respetivo ex-cônjuge mas também com os seus parentes…
4) Efeitos: São poucos os efeitos que o Direito associa às relações de afinidade.
Destaca-se, no entanto, o artigo 1602º, al. d) CC que diz: “São […] dirimentes,
obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, a afinidade na linha
recta”.
-» Exemplo: A e B divorciam-se. A quer casar com a ex-sogra S. Neste caso, uma
vez que a afinidade cessa pela dissolução do casamento por divórcio, A poderá casar
com S.
-» Exemplo: A e B são casados; B morre. Neste caso, uma vez que a afinidade não
cessa pela dissolução do casamento por morte, A não poderá casar com S.
Adoção
1) Noção: A adoção encontra-se prevista no artigo 1586º CC que diz: “Adoção é o
vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do
sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e
seguintes.”
A adoção, ao contrário daquilo que acontecia antigamente, é feita no interesse do
adotado (tem como objetivo proporcionar-lhe um meio familiar que não tem), e não
no interesse do adotante (não tem como objetivo assegurar a perpetuação da sua
família nem a transmissão do seu nome e do seu património).

2) Modalidades: Antes de 2015 a adoção podia revestir duas modalidades distintas:


- Adoção plena: A adoção dizia-se plena quando o adotado se tornava plenamente filho
dos adotantes, cortando todos os laços com a sua família biológica.
- Adoção restrita: A adoção dizia-se restrita quando o adotado não se tornava
plenamente filho dos adotantes, mantendo os laços com a sua família biológica.
Com a entrada em vigor da Lei n. 143/2015, de 8 de Setembro, passou a existir uma
única adoção, moldada com base na adoção plena. No entanto, continuam a existir duas
modalidades de adoção:
- Adoção singular: A adoção é singular quando é feita por uma só pessoa.
- Adoção conjunta: A adoção é conjunta quando é feita por um casal. Ou seja, a adoção
pode ser feita por duas pessoas casadas (seja de sexo diferente, seja do mesmo sexo
(com a entrada em vigor da Lei n. 2/2016, de 29 de Fevereiro)) ou em união de facto.
1.1.3 Conclusões
Daquilo que foi exposto, poder-se-á tecer três observações conclusivas:
1) Questão da taxatividade no artigo 1576º CC: Tem-se colocado a questão de saber
se o artigo 1576º CC consagra ou não uma lista taxativa de fontes de relações jurídicas
familiares. Relativamente a esta questão, tem-se entendido que, para além do
casamento, do parentesco, da afinidade e da adoção, poderão existir outras fontes de
relações jurídicas familiares, como é o exemplo da união de facto.

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2) Noções jurídica e sociológica de família: Em sentido jurídico, a família é composta
por todas as pessoas entre as quais se estabelecem relações de casamento, de parentesco,
de afinidade e de adoção (cônjuges, parentes, afins, adotantes e adotados). Distingue-se,
deste modo, da família em sentido sociológico que é apenas composta pela célula
familiar (cônjuges e filhos menores).
3) Família enquanto pessoa jurídica: A família não pode ser considerada uma pessoa
jurídica, uma vez que é desprovida de personalidade jurídica (suscetibilidade para se
ser, em abstrato, titular de relações jurídicas); têm-na, no entanto, os membros que a
compõem. Não quer isto, todavia, dizer que a lei não reconheça interesses da família
(1671º, n. 2 CC (“bem da família”), 1673º CC (“unidade da vida familiar”), 1677º-C,
n. 1 CC (“interesses morais da família”)) que se distinguem dos interesses dos
membros que a compõem. Simplesmente, esses interesses são prosseguidos, não por
uma pessoa jurídica a quem se dá o nome de “família”, mas pelas pessoas singulares
que compõem a família em sentido jurídico.
1.2 Princípios constitucionais do Direito da Família ou “Constituição da
Família”
Os artigos 36º CRP, 67º CRP, 68º CRP e 69º CRP consagram os princípios
constitucionais do Direito da Família.
→ O artigo 36º CRP está inserido nos direitos, liberdades e garantias, sendo diretamente
aplicáveis e vinculando as entidades públicas e privadas, nos termos do artigo 18º CRP.
→ Os artigos 67º, 68º e 69º CRP estão inseridos nos direitos e deveres económicos,
sociais e culturais, não tendo a mesma força jurídica dos direitos, liberdades e garantias
e constituindo normas programáticas.
1.2.1 36º, n. 1 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 1 CRP: “Todos têm o direito de constituir família e
de contrair casamento em condições de plena igualdade.” São dois os direitos
enunciados neste artigo:
- Direito de contrair casamento: Este direito não pode ser interpretado em termos
literais, uma vez que tal levaria a considerar inconstitucionais quaisquer normas que
estabelecessem impedimentos à celebração do casamento (ex. proibição de os menores
de 16 anos contraírem casamento (1601º, al. a) CC)). São duas as questões que este
artigo suscita:
1) Coloca-se a questão de saber se o artigo 36º, n. 1 CRP é uma norma de garantia
institucional do casamento.
→ Entende-se que a resposta deve ser afirmativa, uma vez que se o legislador
constituinte consagrou o direito fundamental de contrair casamento foi porque quis
garantir que essa instituição efetivamente exista, não podendo ser eliminada pelo
legislador ordinário.
2) Coloca-se a questão de saber quais as características que este casamento garantido
pela Constituição deveria apresentar?
→ No que diz respeito a esta questão, a doutrina ofereceu cinco características que o
casamento garantido pela Constituição deveria apresentar, sendo que algumas delas
foram ou serão ultrapassadas em virtude do decurso do tempo. São elas:
- Contratualidade: O casamento é um contrato livremente celebrado.
- Monogamia: O casamento é um contrato celebrado apenas entre duas pessoas.
- Exogamia: O casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas que não estejam
geneticamente relacionadas uma com a outra.

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- Heterossexualidade: O casamento foi durante algum tempo um contrato que só
poderia ser celebrado entre duas pessoas de sexo diferente. Com a entrada em vigor da
Lei n. 9/2010, de 31 de Maio, deixou de o ser, permitindo-se o casamento (civil) entre
pessoas do mesmo sexo.
- Perpetuidade tendencial: O casamento é um contrato de caráter tendencialmente
perpétuo, não podendo ser dissolvido por vontade não-fundada em qualquer causa de
um dos cônjuges. A tendência que se verifica atualmente é, contudo, a da paulatina
desnecessidade da existência de qualquer causa para se dissolver o casamento.
- Direito de constituir família: Tem existido alguma controvérsia relativamente à
autonomia deste direito em relação ao direito de contrair casamento:
- Castro Mendes entende que “contrair casamento é constituir família”.
→ Não deve ser esta a interpretação a acolher, uma vez que o legislador constituinte
pretendeu distinguir o direito de contrair casamento do direito a constituir família, não
devendo ser aquele entendido como a causa e este como o efeito.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira entendem que o facto de o legislador constituinte
distinguir o direito de contrair casamento e o direito de constituir família seria uma
forma de reconhecer, ao lado da família baseada no casamento, a família baseada na
união de facto.
→ Não deve ser esta a interpretação a acolher, uma vez que, para além da família
baseada no casamento e da família baseada na união de facto, existe ainda, por exemplo,
a família adotiva.
→ Tendo em conta que nenhuma das anteriores interpretações deve ser acolhida, dever-
se-á entender que o direito de constituir família é um direito a procriar e a estabelecer as
correspondentes relações de paternidade e de maternidade.
1.2.2 36º, n. 2 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 2 CRP: “A lei regula os requisitos e os efeitos do
casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da
forma de celebração.” Por outras palavras, o artigo 36º, n. 2 CRP aparenta reservar à
lei civil a competência para regular tudo acerca do casamento, seja ele celebrado civil
ou religiosamente. São duas as questões que este artigo suscita:
- Equiparação do casamento civil ao casamento católico: De acordo com o artigo
1625º CC, em aparente inconstitucionalidade, “o conhecimento das causas respeitantes
à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato [ratificado pelo padre]
e não consumado [sexualmente] é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas
competentes [à luz do Direito Canónico].”
No entanto, crê-se que não se está perante um verdadeiro caso de inconstitucionalidade
entre o artigo 1625º CC e o artigo 36º, n. 2 CRP, essencialmente por três razões:
1) O artigo 1625º CC resulta de uma “convenção internacional”, mais precisamente uma
concordata, que foi celebrada em 1940 entre o Estado Português e a Santa Sé. Acontece
que a Constituição, que entrou em vigor em 1976, não coloca as convenções
internacionais numa posição hierarquicamente superior às normas constitucionais (8º, n.
2 CRP). Por isso, se existisse verdadeiramente um caso de inconstitucionalidade entre o
artigo 1625º CC e o artigo 36º, n. 2 CRP, aquele artigo deveria ter sido revogado, o que
não aconteceu.
2) A reforma do Código Civil de 1977 não procedeu à revogação do artigo em questão.
3) Em 2004, com a celebração da nova concordata entre o Estado Português e a Santa
Sé, o Estado Português deixou de estar vinculado a reservar aos tribunais e repartições
eclesiásticas a competência para conhecer das causas respeitantes à nulidade dos
casamentos católicos, não se suscitando quaisquer dúvidas que o conhecimento das
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causas respeitantes à dispensa do casamento rato e não consumado deva permanecer na
competência dos tribunais e repartições eclesiásticas. Desta forma, Portugal passou a
poder livremente modificar o artigo 1625º CC no sentido de atribuir também aos
tribunais judiciais a competência para conhecer das causas respeitantes à nulidade dos
casamentos católicos, sem receio de violar os seus compromissos internacionais. No
entanto, o Estado Português ainda não o modificou e se ainda não o modificou é porque
não o quer modificar.
- Admissibilidade do divórcio: O artigo 36º, n. 2 CRP admite a dissolução, quer do
casamento civil, quer do casamento católico, por divórcio.
1.2.3 36º, n. 3 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 3 CRP: “Os cônjuges têm iguais direitos e deveres
quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.” Deste
artigo resulta o princípio da igualdade dos cônjuges. Antes da entrada em vigor da
Constituição de 1976, um dos cônjuges, normalmente o homem, surgia numa posição de
superioridade em relação ao outro, normalmente a mulher.
1.2.4 36º n. 4 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 4 CRP: “Os filhos nascidos fora do casamento não
podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação e a lei ou as
repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à
filiação.” Deste artigo resulta o princípio da não-discriminação dos filhos nascidos
fora do casamento em relação aos filhos nascidos dentro do casamento que pode ser
entendido em dois sentidos diferentes:
- Em sentido material, é proibido que os filhos nascidos fora do casamento sejam, por
esse motivo, objeto de qualquer discriminação. Sendo assim, os filhos nascidos fora do
casamento têm o mesmo estatuto jurídico que os filhos nascidos dentro do casamento.
Tal não se verificava antes da entrada em vigor da Constituição de 1976 onde se dava
melhores direitos sucessórios aos filhos dentro do casamento.
- Em sentido formal, é proibida a utilização de designações discriminatórias por parte da
lei e das repartições oficiais (ex. filho “ilegítimo”, filho “bastardo” ou filho “natural”).
1.2.5 36º, n. 5 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 5 CRP: “Os pais têm o direito e o dever de educação e
manutenção dos filhos.” Deste artigo resulta o poder-dever de educação e de
manutenção dos filhos que tem duas faces distintas:
- Em primeiro lugar, trata-se de um poder-dever dos pais em relação aos filhos,
competindo-lhes, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao
seu sustento, dirigir a sua educação […]” (1878º, n. 1 CC).
- Em segundo lugar, trata-se de um poder-dever dos pais em relação ao Estado,
competindo-lhe “cooperar com os pais na educação dos filhos” (67º, n. 1, al. c) CRP).
1.2.6 36º, n. 6 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 6 CRP: “Os filhos não podem ser separados dos pais,
salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e
sempre mediante decisão judicial.” Deste artigo resulta o princípio da
inseparabilidade dos filhos em relação aos pais. Contudo, os filhos podem ser
separados dos pais se se verificar um duplo-requisito:
- Quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com os filhos.
- Sempre mediante decisão judicial.

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1.2.7 36º, n. 7 CRP
De acordo com o artigo 36º, n. 7 CRP: “A adoção é regulada e protegida nos termos
da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação.” Por um
lado, o presente artigo visa garantir a proteção da adoção como instituição, não
podendo ser eliminada pelo legislador ordinário, e, por outro lado, atribui à lei civil o
dever de estabelecer formas céleres para a tramitação da adoção.
1.2.8 67º, 68º e 69º CRP
Apesar de o artigo 36º CRP ser um artigo fundamental, consagrando os princípios
constitucionais de Direito da Família, os artigos 67º, 68º e 69º CRP oferecem
igualmente importantes disposições relativas à matéria familiar:
→ O artigo 67º CRP enumera algumas das tarefas que o Estado deverá desenvolver
com vista à proteção da família enquanto elemento fundamental da sociedade,
concedendo-lhe um direito à proteção da sociedade e do Estado e tornando-a objeto de
uma garantia institucional.
→ O artigo 68º CRP enumera algumas das tarefas que o Estado deverá desenvolver
com vista à proteção da paternidade e da maternidade enquanto valores sociais
eminentes, concedendo aos pais e às mães um direito à proteção da sociedade e do
Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos.
→ O artigo 69º CRP enumera algumas das tarefas que o Estado deverá desenvolver
com vista à proteção da infância, concedendo às crianças um direito à proteção da
sociedade e do Estado.

2. União de facto
2.1 Noção de união de facto
De acordo com o artigo 1º, n. 2 da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio, a união de facto é a
situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições
análogas às dos cônjuges há mais de 2 anos.
→ Mais precisamente, a união de facto consiste na situação jurídica em que duas
pessoas, independentemente do sexo, vivem em comunhão de leito [relação com
componente sexual], de mesa [partilha de recursos e despesas] e de habitação [viver na
mesma casa] como se fossem casadas, embora não o sejam, em condições de unidade
ou exclusividade [ideia de monogamia] há mais de 2 anos.
Esta referência temporal não é um requisito de existência da união de facto mas
antes um requisito da sua eficácia. Sendo assim, a união de facto só produz os
efeitos jurídicos que a lei estabelece depois de decorridos dois anos.

União de facto enquanto fonte de relações jurídicas familiares


Como já foi referido anteriormente, apesar de a união de facto não constar da lista de
fontes das relações jurídicas familiares consagrada pelo artigo 1576º CC, dever-se-á
entender que não vigora um princípio de taxatividade, sendo a união de facto regulada
pelo Direito como uma fonte de relações jurídicas familiares.
História legislativa da união de facto
A união de facto foi pela primeira vez regulada na Lei n. 135/99, de 28 de Agosto.
Contudo, dois anos depois, entraria em vigor a Lei n. 7/2001, de 11 de Maio que veio
reconhecer a união de facto entre pessoas do mesmo sexo. Esta lei, apesar de ter sofrido
algumas alterações introduzidas pela Lei n. 23/2010, de 30 de Agosto, continua a ser
aquela que regula a união de facto. No entanto, apesar de ser a Lei n. 7/2001, de 11 de
Maio que consagra o regime fundamental da união de facto, existem alguns aspetos que
são regulados por outros diplomas legais, mais precisamente pelo Código Civil.

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2.2 A união de facto e a Constituição
Como já foi analisado, alguns autores, nomeadamente Gomes Canotilho e Vital
Moreira, entendem que o facto de o legislador constituinte distinguir o direito de
contrair casamento do direito de constituir família seria uma forma de reconhecer, ao
lado da família baseada no casamento, a família baseada na união de facto. Porém, viu-
se que não deve ser esta a interpretação a acolher e que se deveria entender que aquilo
que o legislador constituinte intencionava era consagrar um direito a procriar e a
estabelecer as correspondentes relações de paternidade e de maternidade.
Pelo exposto, conclui-se que a união de facto não é direta nem explicitamente
reconhecida pela Constituição. No entanto, entende-se que a união de facto é indireta e
implicitamente reconhecida pelo artigo 26º, n. 1 CRP que diz respeito ao direito ao
desenvolvimento da personalidade; a ideia que está na base do reconhecimento da união
de facto está na consideração de que cada um tem a sua personalidade e é livre de
expressá-la tal como ela é. Sendo assim, se alguém quiser viver com outra pessoa em
condições análogas às dos cônjuges, sem com ela contrair casamento, deve poder fazê-
lo. No entanto, não existe qualquer equiparação da união de facto ao casamento porque,
embora apresentem semelhanças, também têm as suas diferenças e, por isso, merecem
tratamentos diferentes.
2.3 Constituição da união de facto
Sendo a união de facto uma situação jurídica a que a lei atribui determinados efeitos
jurídicos, ela constitui-se quando duas pessoas decidem juntar-se para viver em
comunhão de leito, de mesa e de habitação, em condições de unidade ou exclusividade.
É a partir desse momento que se contam os dois anos que devem decorrer para que a
união de facto produza os efeitos jurídicos que a lei estabelece (3º da Lei n. 7/2001, de
11 de Maio).

Nota:
É importante não esquecer que o decurso de mais de dois anos não é um requisito de
existência mas antes um requisito de eficácia da união de facto.

2.4 Prova da união de facto


A questão de saber como se prova a união de facto e a data em que ela começou reveste-
se de grande interesse. Antes da introdução de algumas alterações pela Lei n. 23/2010,
de 30 de Agosto, entendia-se que se podia recorrer a qualquer meio de prova para
provar a união de facto. Um desses meios consistia na emissão de um atestado por parte
da Junta de Freguesia que certificasse que duas pessoas viviam ou tinham vivido em
união de facto, meio este que era admitido pelo artigo 34º, n. 1 do Decreto n. 135/99,
de 22 de Abril. Com as alterações introduzidas pela Lei n. 23/2010, de 30 de Agosto, a
Lei n. 7/2001, de 11 de Maio passou a regular a prova da união de facto no artigo 2º-A:
1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica,
a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela Junta de Freguesia
competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros
da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais
de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal.
2.5 Condições de eficácia da união de facto
Para que a união de facto produza os efeitos jurídicos que a lei estabelece, é necessário
que se preencham certas condições:

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1) Com a entrada em vigor da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio, admitiu-se a união de
facto entre pessoas do mesmo sexo, equiparando-a à união de facto entre pessoas de
sexo diferente. Sendo assim, o requisito de heterossexualidade já não vale no Direito
vigente.
2) A união de facto só produz efeitos decorridos mais de dois anos.
3) Não deve existir qualquer dos impedimentos à eficácia da união de facto que se
encontram consagrados no artigo 2º da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio:
a) Idade inferior a 18 anos à data do reconhecimento da união de facto;
b) Demência notória, mesmo com intervalos lúcidos e situação de acompanhamento
de maior, se assim se estabelecer na sentença que a haja decretado, salvo se posteriores
ao início da união;
c) Casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e
bens;
d) Parentesco na linha recta ou no 2º grau da linha colateral ou afinidade na linha
recta;
e) Condenação anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio
doloso ainda que não consumado contra o cônjuge do outro.
→ Estes impedimentos correspondem aos impedimentos dirimentes que valem para o
casamento (1601º e 1602º CC), ainda que haja diferenças:
-» Diferença real: A pessoa separada de pessoas e bens não pode contrair casamento
com outra pessoa antes da dissolução do casamento anterior (1601º, al. c) CC). No
entanto, a lei permite-lhe viver em união de facto com outra pessoa (2º, al. c) da Lei).
-» Diferença aparente: Uma pessoa pode casar a partir dos 16 anos (1601º, al. a)
CC). No que diz respeito à união de facto, a lei parece atribuir-lhe efeitos apenas
quando os membros da união de facto tiverem 18 anos à data do reconhecimento da
união de facto. No entanto, uma vez que a união de facto só produz efeitos decorridos
dois anos a contar do momento em que os membros da união de facto se juntam, se duas
pessoas de 16 anos se juntarem e viverem em união de facto, basta que elas esperem
dois anos para que tenham 18 anos e, por conseguinte, para que a união de facto
produza os efeitos que a lei estabelece (2º, al. a) da Lei).
2.6 Efeitos pessoais e patrimoniais
Verificadas aquelas condições, a união de facto pode produzir os efeitos que a lei
estabelece. Porém, que efeitos são esses?
2.6.1 Produção de efeitos durante a existência da união de facto
Durante a existência da união de facto, são dois os tipos de efeitos que se produzem:
- Efeitos pessoais: Uma vez que não existe qualquer equiparação da união de facto ao
casamento, os membros da união de facto não estão reciprocamente vinculados pelos
deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência que resultam do
1672º CC. Porém, existem efeitos pessoais relativos ao casamento que a lei igualmente
estabelece para a união de facto:
1) É reconhecido a todas as pessoas que vivam em união de facto o direito de adoção
em condições análogas às previstas para os cônjuges no artigo 1979º CC (7º da Lei n.
7/2001, de 11 de Maio).
2) Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores
e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das
responsabilidades parentais as mesmas regras que valem para os cônjuges nos artigos
1901º a 1904º CC (1911º, n. 1 CC).
- Efeitos patrimoniais: De acordo com o artigo 1698º CC, os esposos podem fixar
livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento. O mesmo não

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vale para a união de facto, sendo os membros da união de facto, em princípio, estranhos
um ao outro, não lhes sendo aplicáveis as normas que disciplinam a produção de efeitos
patrimoniais do casamento, mas antes as normas gerais das obrigações. Contudo,
colocam-se algumas questões:
1) Poderão as pessoas que vivem ou que irão viver em união de facto fixar, num
“contrato de coabitação”, aspetos patrimoniais da sua relação?
→ A resposta deve ser afirmativa. Tratando-se de duas pessoas autónomas, poderão
celebrar entre elas um contrato nos termos do qual ambas regulam vários aspetos da sua
vida patrimonial, desde que este contrato não exceda os limites da autonomia privada.
2) Poderão ser os membros da união de facto solidariamente responsáveis por certas
dívidas contraídas por qualquer um deles?
→ O artigo 1691º, n. 1, al. b) CC diz que são da responsabilidade de ambos os
cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração
do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar. Tem-se entendido
que este artigo é suscetível de ser analogicamente aplicado aos membros da união de
facto, uma vez que também estes têm encargos da vida familiar.
3) Terá a pessoa que vive em união de facto direito a uma pensão de alimentos do
ex-cônjuge?
→ Antes de 2010, se a pessoa divorciada contraísse novo casamento, cessava o direito a
alimentos. Sendo assim, muitas pessoas, para garantir esse direito, passavam a viver em
união de facto com outra sem se casar. Contudo, com as alterações introduzidas pela Lei
n. 23/2010, de 30 de Agosto, passou o artigo 2019º CC a dizer que cessa o direito a
alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar
indigno do benefício pelo seu comportamento moral.
4) Terá a pessoa que vive em união de facto direito a uma pensão de sobrevivência
por morte do cônjuge?
→ O que vale relativamente à pensão de alimentos, vale também para a pensão de
sobrevivência. Sendo assim, a pessoa sobreviva não tem direito a receber uma pensão
de sobrevivência por morte do ex-cônjuge se contrair novo casamento ou iniciar união
de facto.
2.6.2 Produção de efeitos resultante da dissolução da união de facto
A união de facto pode dissolver-se através de duas vias:
- Por rutura: A união de facto dissolve-se por rutura quando um dos membros da união
de facto ou os dois decidem pôr fim à relação que têm.
- Por morte: A união de facto dissolve-se por morte quando um dos membros da união
de facto falece.
Dissolução da união de facto por rutura
No que diz respeito à dissolução da união de facto por rutura, coloca-se a questão de
saber o destino da casa de morada da família. Há que fazer uma distinção:
- Se os membros da união de facto viviam em casa própria, o artigo 4º da Lei n.
7/2001, de 11 de Maio manda aplicar o artigo 1793º CC. Sendo assim, qualquer um
dos membros da união de facto pode, no caso de não ser possível chegar a um acordo
entre os dois, pedir ao tribunal que lhe dê de arrendamento a casa de morada da família,
quer esta seja comum quer própria do outro, tomando o tribunal em consideração as
necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
- Se os membros da união de facto viviam em casa tomada de arrendamento, o artigo
4º da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio manda aplicar o artigo 1105 CC. Sendo assim, os
membros da união de facto podem optar pela transmissão (no caso de um deles ser
arrendatário) ou pela concentração do arrendamento (no caso de os dois serem

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arrendatários) a favor de um deles. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo
em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.
Dissolução da união de facto por morte
No que diz respeito à dissolução da união de facto por morte, coloca-se a questão de
saber que direitos tem o membro sobrevivo da união de facto.
Direito a alimentos: Enquanto que o cônjuge sobrevivo encontra-se ao lado dos
descendentes na 1ª classe de sucessíveis (2133º n. 1, al. a) CC), o membro sobrevivo da
união de facto não é herdeiro. Tendo isto em conta, o artigo 2020º, n. 1 CC diz que o
membro sobrevivo da união de facto tem o direito de exigir alimentos da herança do
falecido, ou seja, aos herdeiros.
Direito real de habitação: Diz o artigo 5º da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio que, em
caso de morte do membro da união de facto proprietário da casa de morada da família e
do respetivo recheio, o membro sobrevivo pode permanecer na casa, pelo prazo de
cinco anos, como titular de um direito real de habitação e de um direito de uso do
recheio. Contudo, no caso de a união de facto ter começado há mais de cinco anos antes
da morte, o direito real de habitação e o direito de uso do recheio são conferidos por
tempo igual ao da duração da união. Excecionalmente ainda, e por motivos de
equidade, o tribunal pode prorrogar os prazos previstos nos números anteriores
considerando, designadamente, cuidados dispensados pelo membro sobrevivo à pessoa
do falecido ou a familiares deste, e a especial carência em que o membro sobrevivo se
encontre, por qualquer causa.
Direito de arrendamento: Diz o artigo 5º, n. 7 da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio que,
esgotado o prazo em que beneficiou do direito de habitação, o membro sobrevivo tem o
direito de permanecer no imóvel na qualidade de arrendatário, nas condições gerais do
mercado, e tem direito a permanecer no local até à celebração do respetivo contrato,
salvo se os proprietários satisfizerem os requisitos legalmente estabelecidos para a
denúncia do contrato de arrendamento para habitação, pelos senhorios, com as devidas
adaptações.
Direito de preferência: Diz o artigo 5º, n. 9 da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio que o
membro sobrevivo tem direito de preferência em caso de alienação do imóvel, durante o
tempo em que o habitar a qualquer título.
Direito de transmissão do direito de arrendamento para habitação: Diz o artigo 5º,
n. 10 da Lei n. 7/2001, de 11 de Maio, remetendo para o artigo 1106º, n. 1, al. b) CC
que o arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe
sobreviva pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano.
Direito de indemnização: No caso de lesão de que proveio a morte de um dos
membros da união de facto, o membro sobrevivo poderá, em casos específicos, exigir ao
autor da lesão uma indemnização pelos danos patrimoniais causados (495º, n. 3 CC).
Quanto aos danos não-patrimoniais causados, diz o artigo 496º, n. 3 CC que se a vítima
vivia em união de facto, o direito de indemnização por danos não-patrimoniais cabe em
conjunto à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. Esta proteção
que é conferida pela lei ao membro sobrevivo da união de facto resulta das alterações
introduzidas pela Lei n. 23/2010, de 30 de Agosto.
Direito à pensão de sobrevivência: Antes de 2010, no caso de o membro falecido da
união de facto ser beneficiário do regime geral da Segurança Social, para que o membro
sobrevivo pudesse ter direito à pensão de sobrevivência, tinham que estar reunidas duas
condições:

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1. O membro sobrevivo da união de facto só tinha direito a receber a pensão se
tivesse necessidade de alimentos.
2. O membro sobrevivo da união de facto tinha de dirigir um pedido judicial à
Segurança Social.
Com as alterações introduzidas pela Lei n. 23/2010, de 30 de Agosto, o membro
sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos no artigo 3º, al. e), f) e g) da
Lei n. 7/2001, de 11 de Maio, independentemente da necessidade de alimentos e sendo
desnecessário dirigir um pedido judicial à Segurança Social (6º da Lei n. 7/2001, de 11
de Maio). Sendo assim, a entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando
entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode
solicitar meios de prova complementares onde se ateste que à data da morte os membros
da união de facto tinham domicílio fiscal comum há mais de dois anos.

3. Direito Matrimonial
3.1 Noção de casamento
O casamento encontra-se previsto no artigo 1577º CC que diz: “Casamento é o contrato
celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena
comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.” Ou seja:
1) O casamento é um contrato, um negócio jurídico bilateral tendente à produção de
determinados efeitos que as partes pretendem que sejam tutelados pelo Direito.
2) Do casamento estabelece-se uma relação entre duas pessoas entre si. Relativamente
às pessoas, cabe fazer a seguinte distinção:
-» Nubentes: Os nubentes são aqueles que estão para casar.
-» Cônjuges: Os cônjuges são aqueles que casaram.
3) Através da celebração do casamento, os nubentes pretendem constituir família,
vivendo plenamente em comum.
3.2 Características gerais do casamento
Em termos gerais, o casamento pode ser analisado sob duas perspetivas:
- Casamento enquanto ato
- Casamento enquanto estado
3.2.1 Casamento enquanto ato
1) Casamento enquanto ato pelo qual se interessam o Estado e as Igrejas
O casamento é um ato pelo qual sempre se interessaram o Estado e as Igrejas. Por um
lado, a Igreja Católica desde sempre pretendeu que lhe coubesse exclusivamente a
regulação do casamento, enquanto casamento católico. Por outro lado, com a
instauração da República Portuguesa no início do século XX, o Estado Português
chamou a si a regulação exclusiva do casamento, enquanto casamento civil. Hoje em
dia, com a positivação constitucional dos princípios da inconfessionalidade do Estado
(ou seja, o Estado laico não tem religião, estando todas as religiões em pé de igualdade)
e da liberdade de religião (ou seja, as pessoas não podem ser discriminadas pelo facto de
professarem uma determinada religião) (41º CRP), passou a ser necessária a existência,
ao lado de um casamento católico regulado pela Igreja Católica, de um casamento civil
regulado pelo Estado. Existem vários sistemas matrimoniais que articulam esta dupla-
existência necessária, sendo os mais importantes:
- Sistema de casamento civil obrigatório: Segundo este sistema, se as pessoas que
professam uma determinada confissão religiosa quiserem casar e quiserem que esse seu
casamento seja reconhecido pelo Estado, ou seja, tenha efeitos civis, têm que casar
civilmente. Isto não significa, contudo, que o Estado impeça ou proíba que as pessoas
casem segundo as normas da sua confissão religiosa; significa sim que ele não atribuirá

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ao casamento religioso quaisquer efeitos civis.
- Sistema de casamento civil facultativo: Segundo este sistema, se as pessoas que
professam uma determinada confissão religiosa quiserem casar e quiserem que esse seu
casamento seja reconhecido pelo Estado, ou seja, tenha efeitos civis, podem optar pelo
casamento civil ou pelo casamento religioso.
→ Existem duas modalidades do sistema de casamento civil facultativo:
- Primeira modalidade: Para que o casamento seja reconhecido pelo Estado, este
permite que as pessoas que professam uma determinada confissão religiosa possam
optar pelo casamento civil ou pelo casamento religioso, constituindo ambos um único
instituto que é regulado pelo Direito Civil.
- Segunda modalidade: Para que o casamento seja reconhecido pelo Estado, este
permite que as pessoas que professam uma determinada confissão religiosa possam
optar pelo casamento civil ou pelo casamento religioso. Contudo, trata-se de dois
institutos diferentes, sendo que o casamento civil é regulado pelo Direito Civil e o
casamento religioso é regulado, não apenas pelo Direito Civil, mas também pelo Direito
Canónico (ex. 1625º CC).
É esta segunda modalidade do sistema de casamento civil facultativo à qual
Portugal pertence (1587º, n. 2 CC).
Evolução do casamento no Direito Português:
1. Código de Seabra: O Código de Seabra consagrava o casamento civil facultativo na
sua segunda modalidade.
2. Primeira República: Com o Decreto n. 1, de 25 de Dezembro de 1910, baseado num
anticlericalismo radical personificado sobretudo em Afonso Costa, a Primeira República
consagrou o sistema de casamento civil obrigatório.
3. Estado Novo: Com a celebração da Concordata de 1940 entre o Estado Português e a
Santa Sé e com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, o Estado Novo voltou a
consagrar o sistema de casamento civil facultativo na sua segunda modalidade, embora
apresentando aspetos diferentes do sistema que o Código de Seabra consagrara.
→ Nos últimos anos do Estado Novo, e principalmente depois da sua queda, surgiu um
movimento cívico que suscitou críticas ao princípio canónico da indissolubilidade por
divórcio dos casamentos católicos, insistindo numa revisão da Concordata de 1940.
4. Protocolo Adicional à Concordata: Em 1975 foi assinado o Protocolo Adicional à
Concordata que alterou algumas disposições da Concordata de 1940. Foi assim que o
Estado Português, apesar de ter mantido alguns aspetos sob a regulação pela lei
canónica, pôde passar a admitir a dissolução por divórcio dos casamentos católicos.
5. Terceira República: Atualmente, Portugal consagra o sistema de casamento civil
facultativo na sua segunda modalidade. Sendo assim, o casamento civil e o casamento
católico são dois institutos diferentes, sendo que o casamento civil é regulado pelo
Direito Civil e o casamento católico é regulado, não apenas pelo Direito Civil, mas
também pelo Direito Canónico.
Há, no entanto, que fazer referência a dois acontecimentos fundamentais:
1. Lei n. 16/2001, de 22 de Junho: Até 2001, os únicos casamentos religiosos
reconhecidos pelo Estado Português eram os casamentos católicos. No entanto, apesar
de a religião católica ser professada pela maioria dos residentes em Portugal, existem
pessoas que professam outra confissão religiosa. Tendo em contra os princípios da
inconfessionalidade do Estado e da liberdade de religião, entrou em vigor a Lei n.
16/2001, de 22 de Junho, nos termos da qual o Estado Português passou a reconhecer
efeitos civis aos “casamentos celebrados por forma religiosa”.

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→ Primeiro, a religião dos nubentes tem que ser considerada pelo Ministro da Justiça
como “radicada em Portugal”, o que significa que, tendo em conta a sua história e o
número de crentes, ela tenha que existir em Portugal há pelo menos 30 anos com
presença social organizada ou, no caso de não existir em Portugal, no estrangeiro há
mais de 60 anos.
→ Segundo, os casamentos celebrados por forma religiosa são casamentos civis
celebrados de acordo com os rituais de celebração de uma religião radicada em
Portugal. Isto significa que tais casamentos, à parte dos rituais de celebração, são
regulados única e exclusivamente pela lei civil.
2. Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé de 2004: Em 2004, o
Estado Português e a Santa Sé celebraram uma nova concordata que introduziu algumas
alterações:
→ O Estado Português deixou de estar vinculado a reservar aos tribunais e repartições
eclesiásticas a competência para conhecer das causas respeitantes à nulidade dos
casamentos católicos, não se suscitando quaisquer dúvidas que o conhecimento das
causas respeitantes à dispensa do casamento rato e não consumado deva permanecer na
competência dos tribunais e repartições eclesiásticas. Desta forma, Portugal passou a
poder livremente modificar o artigo 1625º CC no sentido de permitir também aos
tribunais judiciais a competência para conhecer das causas respeitantes à nulidade dos
casamentos católicos, sem receio de violar os seus compromissos internacionais. No
entanto, o Estado Português ainda não o modificou e se ainda não o modificou é porque
não o quer modificar.
→ As decisões proferidas pelos tribunais e repartições eclesiásticas relativamente à
nulidade dos casamentos católicos e à dispensa do casamento rato e não consumado
deixaram de ser recebidas no Direito Português de forma automática.
Conclusões:
1) Para os católicos, existe em Portugal um sistema de casamento civil facultativo
na sua segunda modalidade.
2) Para os que professam uma confissão religiosa radicada em Portugal, existe em
Portugal um sistema de casamento civil facultativo na sua primeira modalidade.
3) Para os que professam uma confissão religiosa não-radicada em Portugal, existe
em Portugal um sistema de casamento civil obrigatório.
2) Casamento enquanto negócio jurídico
O casamento é um negócio jurídico enquanto facto jurídico voluntário lícito ou ato
jurídico cujo núcleo essencial é integrado por duas declarações de vontade tendentes à
produção de determinados efeitos que as partes pretendem que sejam tutelados pelo
ordenamento jurídico. Baseando-se na vontade dos nubentes, estes exercem através da
celebração do casamento, enquanto negócio jurídico, a sua autonomia privada:
- No que diz respeito aos efeitos pessoais, é escassa a margem de autonomia concedida
aos nubentes.
- No que diz respeito aos efeitos patrimoniais, é ampla a margem de autonomia
concedida aos nubentes.
3) Casamento enquanto contrato
De acordo com o artigo 1577º CC, o casamento é o contrato celebrado entre duas
pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos
termos das disposições do Código Civil.

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A questão da inconstitucionalidade do caráter heterossexual do casamento:
- Regime anterior: O casamento foi durante algum tempo um contrato que só poderia
ser celebrado entre duas pessoas de sexo diferente. Com a introdução da expressão
“orientação sexual” no artigo 13º, n. 2 CRP, alguns autores vieram suscitar algumas
questões quanto à constitucionalidade da característica da heterossexualidade do
casamento, invocando que estaria a violar o princípio da igualdade.
→ O Tribunal Constitucional entendeu que não se estaria perante qualquer violação do
princípio da igualdade, argumentando que o legislador ordinário consagrou o direito
fundamental de contrair casamento (36º, n. 1 CRP) com o objetivo de garantir que essa
instituição efetivamente exista. No entanto, em que termos é que o casamento deve
existir, cabe ao legislador ordinário decidir. Neste caso, como o casamento tinha como
objetivo a procriação (1577º CC), não haveria qualquer inconstitucionalidade.
- Regime atual: Com a entrada em vigor da Lei n. 9/2010, de 31 de Maio, o casamento
civil deixou de ser um contrato que só poderia ser celebrado entre duas pessoas de sexo
diferente, permitindo-se agora o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. A este
propósito, alguns autores vieram suscitar algumas questões quanto à constitucionalidade
desta alteração.
→ O Tribunal Constitucional entendeu que não haveria qualquer inconstitucionalidade,
uma vez que o casamento deixou de ter como objetivo a procriação para passar a ter
como objetivo assegurar uma plena comunhão de vida aos cônjuges.
4) Casamento enquanto contrato pessoal
O casamento é um contrato pessoal, o que implica que:
- Para além de produzir efeitos patrimoniais que se destinam a constituir, modificar ou
extinguir relações de caráter patrimonial, também produz efeitos pessoais que se
destinam a alterar o estado das pessoas.
- Em princípio o casamento só pode ser celebrado pessoalmente, embora possa ser
celebrado por procuração (1620º CC).
5) Casamento enquanto contrato solene
O casamento é o contrato mais solene dos contratos, uma vez que envolve uma
cerimónia.
3.2.2 Casamento enquanto estado
1) Unidade ou exclusividade: O casamento é um contrato celebrado apenas entre duas
pessoas.
2) Perpetuidade tendencial: O casamento foi, durante algum tempo, um contrato que
só se dissolvia quando um dos cônjuges falecesse. Sem embargo, ainda que a
característica da perpetuidade faça sentido no que diz respeito ao casamento católico,
ter-se-á que falar de uma perpetuidade tendencial no que toca ao casamento civil por
duas razões:
- Enquanto que os contraentes podem apor uma condição (cláusula acessória típica
nos termos da qual as partes subordinam a eficácia de um negócio jurídico à verificação
de um acontecimento futuro e incerto) e um termo (cláusula acessória típica nos termos
da qual as partes subordinam a eficácia de um negócio jurídico à verificação de um
acontecimento futuro e certo) à generalidade dos contratos patrimoniais, o mesmo não
se verifica quanto ao casamento civil (1618º CC).
- Enquanto que um dos contraentes pode, através de uma simples declaração, fazer
cessar os efeitos jurídicos de um contrato patrimonial, não sendo necessário, em muitos
casos, invocar para o efeito qualquer fundamento, o mesmo não se verifica quanto ao
casamento civil (1781º CC).

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3.3 Casamento católico
Tendo em conta o sistema de casamento civil facultativo na sua segunda modalidade,
alguns aspetos do casamento católico são regulados pelo Direito Civil e outros pelo
Direito Canónico:
1. Requisitos de fundo: Os requisitos de fundo distinguem-se entre:
- Requisitos de fundo relativos ao consentimento: Quanto aos requisitos relativos ao
consentimento aplica-se exclusivamente o Direito Canónico (1625º CC).
- Requisitos de fundo relativos à capacidade: Quanto aos requisitos relativos à
capacidade, aplicam-se simultaneamente o Direito Canónico e o Direito Civil (1596º
CC).
→ Problema: Imagine-se que A casa catolicamente com B, é capaz à luz da lei
canónica mas não é capaz à luz da lei civil. Neste caso, verificada no processo
preliminar de casamento a incapacidade matrimonial de A, o casamento não pode ser
celebrado pelo pároco. Imagine-se, todavia, que o pároco celebra o casamento entre A e
B, apesar de A ser incapaz à luz da lei civil. Neste caso, o conhecimento destas questões
compete exclusivamente aos tribunais eclesiásticos. Contudo, os tribunais eclesiásticos
não podem invalidar o casamento, uma vez que eles limitam-se a aplicar a lei canónica.
Perante este problema, a lei civil estabeleceu a seguinte solução: Sendo este casamento
católico formalmente válido, uma vez que não pode ser invalidado nem pelos tribunais
eclesiásticos, nem pelos tribunais judiciais, ter-se-á que recusar o seu registo na
conservatória do registo civil, pelo que não produzirá quaisquer efeitos civis.
2. Requisitos de forma: Os requisitos de forma distinguem-se entre:
- Requisitos de forma preliminares: Quanto às formalidades preliminares aplica-se o
Direito Canónico e o Direito Civil (1597º e ss. CC).
- Requisitos de forma do casamento católico propriamente dito: Quanto à celebração do
casamento católico aplica-se exclusivamente o Direito Canónico.
- Requisitos de forma posteriores: Quanto ao registo do casamento católico aplica-se o
Direito Canónico (assento paroquial) e o Direito Civil (registo civil).
3. Efeitos: Quanto aos efeitos aplica-se exclusivamente o Direito Civil (1588º CC).
4. Dissolução do casamento católico: Quanto à dissolução por morte ou por divórcio
do casamento católico aplica-se o Direito Civil. Contudo, relativamente à dispensa de
casamento rato e não-consumado, aplica-se o Direito Canónico (1625º CC).
A questão da inconstitucionalidade do casamento católico:
Com a entrada em vigor da Constituição de 1976, colocaram-se algumas questões
quanto à constitucionalidade do casamento católico. A favor desta tese invocaram-se o
princípio da inconfessionalidade do Estado, o princípio da liberdade religiosa e o
princípio da igualdade:
- Princípio da inconfessionalidade do Estado: De acordo com este princípio, ao
permitir que certos aspetos do casamento católico sejam regulados pelo Direito
Canónico, o Estado Português não estaria a ser um Estado laico.
→ Poder-se-á admitir que o casamento católico tenha um estatuto diferente
relativamente aos casamentos por forma religiosa. Contudo, tal não significa que o
Estado Português seja um Estado confessional.
- Princípio da liberdade religiosa: De acordo com este princípio, ao reconhecer apenas
certos casamentos religiosos, o Estado Português estaria a comprometer a liberdade das
religiões não radicadas em Portugal.
→ O princípio da liberdade religiosa exige que, por um lado, qualquer pessoa que
professe uma confissão religiosa possa celebrar casamento de acordo com os rituais de

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celebração da sua religião e, por outro lado, qualquer pessoa que não professe qualquer
confissão religiosa não deva ser obrigada a celebrar casamento religioso.
- Princípio da igualdade: De acordo com este princípio, o Estado Português
estabeleceria um tratamento desigual entre religiões radicadas e religiões não-radicadas
em Portugal e, dentro das religiões radicadas, entre a religião católica e as outras
religiões.
→ Existindo diferenças entre as religiões no que diz respeito ao grau de organização e
de relevância social em Portugal, o Estado Português não deve tratar por igual aquilo
que é diferente.

Conclusão:
Apesar das questões suscitadas por alguns constitucionalistas quanto à
inconstitucionalidade do casamento católico, de acordo com o artigo 36º, n. 2 CRP,
a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou
divórcio, independentemente da forma de celebração. Entende-se que deste artigo
resulta um reconhecimento constitucional implícito do casamento católico.

3.4 Casamento civil


3.4.1 Casamento civil enquanto ato
1. Requisitos de fundo: Os requisitos de fundo podem ser agrupados em dois grupos:
- Requisitos de fundo relativos ao consentimento: Para que o casamento civil seja
válido, é necessário que estejam preenchidos os requisitos de fundo relativos ao
consentimento.
O consentimento deve ser:
- Pessoal: De acordo com o artigo 1619º CC, a vontade de contrair casamento é
estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes, devendo ser manifestada no
ato da celebração do casamento (1617º CC). Contudo, o artigo 1620º CC admite o
casamento por procuração, o qual constitui uma exceção ao caráter pessoal do
consentimento. Esta procuração, contudo, encontra alguns limites:
1. Só um dos nubentes pode fazer-se representar por procurador (1620º, n. 1 CC).
2. A procuração deve conter poderes especiais para o ato [ou seja, tem que ser uma
procuração específica para casar], a designação expressa do outro nubente [ou seja, o
procurador não pode casar o seu representado com outra pessoa que não seja por este
designada] e a indicação da modalidade do casamento [civil, católico] (1620º, n. 2 CC).
→ Problema: A doutrina tem discutido se o procurador é um verdadeiro representante
(emite uma declaração de vontade própria no lugar e em nome do representado) ou um
simples núncio (transmite a declaração de vontade previamente formulada pelo
representado). Imagine-se que o procurador descobre algo do nubente do seu
representado e, partindo do pressuposto que este o desconhece, pensa que, se
conhecesse, não celebraria o casamento. Neste caso, entende-se que o procurador pode e
deve recusar a celebração deste casamento, tratando-se, por conseguinte, de um
verdadeiro representante.
- Puro e simples: De acordo com o artigo 1618º CC, a vontade de contrair casamento
importa aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, não podendo os nubentes
modificá-los nem submeter o casamento a condição (cláusula acessória típica nos
termos da qual as partes subordinam a eficácia de um negócio jurídico à verificação de
um acontecimento futuro e incerto), a termo (cláusula acessória típica nos termos da
qual as partes subordinam a eficácia de um negócio jurídico à verificação de um
acontecimento futuro e certo) ou à preexistência de algum facto.

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- Perfeito: Sendo o casamento um negócio jurídico bilateral, para que se considere
perfeito é necessário que as declarações de vontade emitidas pelos nubentes se unam
num consenso e não deve existir qualquer divergência entre a vontade e a declaração.
De acordo com o artigo 1634º CC, a lei presume que existe um consenso entre as
declarações de vontade emitidas pelos nubentes e que não existe qualquer divergência
entre as respetivas vontades e declarações. Contudo, se se verificar uma das
divergências entre a vontade e a declaração previstas no artigo 1635º CC, o casamento é
anulável.
→ Simulação: A simulação traduz-se numa divergência intencional entre a vontade
e a declaração que resulta de um conluio entre declarante e declaratário e tem como
objetivo enganar terceiros.
-» Exemplo: A e B acordam casar, não para constituir família mediante uma
plena comunhão de vida, mas para que B possa adquirir a nacionalidade portuguesa.
→ Erro na declaração: O erro-obstáculo traduz-se numa divergência não-
intencional entre a vontade e a declaração que resulta de um engano ou lapso.
-» Exemplo: A quer casar com B mas, por engano, diz que quer casar com C.

- Livre: Por último, o consentimento deve ser livre no sentido de que não deve existir
qualquer vício da vontade (erro-vício, coação moral e estado de necessidade). De acordo
com o artigo 1634º CC, a lei presume que não existe qualquer vício da vontade.
Contudo, se se verificar um desses vícios da vontade, o casamento é anulável (1631º, al.
b) CC).
→ Erro-vício: O erro-vício traduz-se numa incorreta ou inexata representação da
realidade. O erro-vício só releva no casamento se se tratar de um erro sobre as
qualidades da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e essencial [se o cônjuge
soubesse do erro-vício jamais teria casado | essencialidade é aferida em termos
subjetivos (pelo cônjuge) e objetivos (pelo cônjuge mediano)] (1636º CC).
-» Exemplo: A acha que está a casar com B, solteira, quando, na realidade, ela é
casada.
→ Coação moral: A coação moral traduz-se no receio de um mal que resulta de
uma ameaça ilícita, feita com o objetivo de extorquir a declaração negocial. A
coação moral só releva no casamento se o mal com que o nubente é ilicitamente
ameaçado seja grave e se o receio da sua consumação seja justificado (1638º, n. 1
CC).
-» Exemplo: A aponta uma arma à cabeça de B e diz que a mata se não casar
com ele.
→ Estado de necessidade: O estado de necessidade traduz-se na situação em que o
sujeito celebra um negócio jurídico por força da necessidade de remover um perigo
existente, verificando-se que a sua contraparte explora essa situação e consegue a
partir dela obter benefícios excessivos ou injustificados. O estado de necessidade só
releva no casamento se alguém extorquir ao nubente a declaração da vontade
mediante a promessa de o libertar de um mal fortuito ou casado por outrem (1638º,
n. 2 CC).
→ Dolo: O dolo também releva no casamento, mas releva como erro e não como
dolo.

19
- Requisitos de fundo relativos à capacidade: Para que o casamento seja válido, é
necessário que estejam preenchidos os requisitos de fundo relativos à capacidade. No
que diz respeito à capacidade, o Regime do Casamento (RC) apresenta algumas
diferenças em relação ao Regime Geral do Negócio Jurídico (RGNJ):
1) Quanto ao número das incapacidades: O RC contém incapacidades que o RGNJ
não contém e este contém incapacidades que aquele não contém.
-» Exemplo: O RC estabelece a incapacidade de casar com uma pessoa casada
(1601º, al. c) CC). Tal incapacidade não existe no RGNJ.
-» Exemplo: O RGNJ estabelece que a incapacidade dos menores termina quando
eles atingem a maioridade (129º CC). Contudo, o RC confere a menores, reunidas
certas condições, a possibilidade de casar (1601º, al. a) CC).
2) Quanto à qualificação das incapacidades: O RC apresenta especificidades que não
se verificam no RGNJ:
- De acordo com o RC, é anulável o casamento celebrado por menor de 16 anos. No
entanto, uma vez que o RC tem vários regimes de anulabilidade, aplica-se a este caso
um regime de anulabilidade mais severo do que aquele que vigora no RGNJ.
- De acordo com o RC, a capacidade dos nubentes para contrair matrimónio é
comprovada por meio do processo preliminar de casamento (1597º CC). Tal não existe
relativamente à generalidade dos negócios jurídicos.
De acordo com o artigo 1600º CC, têm capacidade para contrair casamento todos
aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na
lei. Os impedimentos matrimoniais podem ser agrupados em dois grupos:
1) Impedimentos dirimentes: Os impedimentos dirimentes impedem a celebração do
casamento mas, no caso de este vier a ser celebrado, dirimem, anulando-os (1631º, al.
a) CC). Dentro dos impedimentos dirimentes, poder-se-á distinguir:
1. Impedimentos dirimentes absolutos: Os impedimentos dirimentes absolutos
referem-se à pessoa do nubente. De acordo com o artigo 1601º CC, são impedimentos
dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra:
a) A idade inferior a dezasseis anos (incapacidade nupcial)
b) A demência notória [anomalia mental ou psíquica], mesmo durante os intervalos
lúcidos, e a decisão de acompanhamento, quando a sentença respetiva assim o
determine
c) O casamento anterior não dissolvido [bigamia], católico ou civil, ainda que o
respetivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil. Duas notas:
1. Dissolução: O casamento anterior tem que ter sido dissolvido por morte ou por
divórcio ou declarado nulo ou anulado.
2. Declaração de morte presumida: De acordo com o artigo 115º CC, a declaração de
morte presumida não dissolve o casamento, podendo o cônjuge do ausente casado
civilmente, todavia, contrair novo casamento (116º CC).
- Se o ausente regressar, considera-se o casamento anteriormente celebrado
dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida.
- Se o ausente não regressar, considera-se o casamento anteriormente celebrado
dissolvido por morte.
2. Impedimentos dirimentes relativos: Os impedimentos dirimentes relativos
referem-se à relação entre os nubentes. De acordo com o artigo 1602º CC, são também
dirimentes, obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, os
impedimentos seguintes:
a) O parentesco na linha recta
c) O parentesco no segundo grau da linha colateral
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d) A afinidade na linha recta
b) A relação anterior de responsabilidades parentais (ou seja, o cônjuge ou unido de
facto de pai ou mãe que assumiu responsabilidades parentais em relação ao filho desse
pai ou mãe está impedido de casar com esse filho)
e) A condenação anterior de um dos nubentes, como autor ou cúmplice, por homicídio
doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro
2) Impedimentos (simplesmente) impedientes: Os impedimentos (simplesmente)
impedientes impedem a celebração do casamento mas não o dirimem no caso de este
vier a ser celebrado. De acordo com o artigo 1604º CC, são impedimentos
(simplesmente)
impedientes, além de outros designados em leis especiais:
a) A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor,
quando não suprida pelo conservador do registo civil (→ 1649º CC)
c) O parentesco no terceiro grau da linha colateral (→ 1650º CC)
d) O vínculo de tutela, acompanhamento de maior ou administração legal de bens (→
1650º CC)
f) A pronúncia do nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que não consumado,
contra o cônjuge do outro, enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão
passada em julgado
O Código Civil estabelece ainda a distinção entre:
- Impedimentos dispensáveis: Os impedimentos dispensáveis admitem que o
conservador do registo civil, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, autorize
a celebração do casamento, independentemente de existir algum impedimento
matrimonial. São suscetíveis de dispensa os impedimentos impedientes previstos nas
alíneas c) e d) do artigo 1604º CC (1609º CC).
- Impedimentos não-dispensáveis: Os impedimentos não-dispensáveis não admitem
que o conservador do registo civil, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto,
autorize a celebração do casamento, independentemente de existir qualquer
impedimento matrimonial.
2. Requisitos de forma: O casamento é o contrato mais solene dos contratos, uma vez
que envolve uma cerimónia. No caso do casamento civil, esta cerimónia é modelada à
imagem da cerimónia do casamento católico e tem como objetivo, por um lado,
consciencializar os nubentes da gravidade/importância que o casamento enquanto ato
tem para as suas vidas e, por outro lado, facilitar a sua prova. Os requisitos de forma
podem ser agrupados em dois grupos:
- Requisitos de forma do casamento comum:
- Requisitos de forma preliminares: De acordo com o artigo 1610º CC, a
celebração do casamento é precedida de um processo destinado à verificação da
inexistência de impedimentos. Referem-se os passos a seguir no âmbito desse processo:
1) Os nubentes têm que declarar numa conservatória do registo civil que pretendem
casar (catolicamente ou civilmente) e requerer a instauração do processo preliminar de
casamento.
2) O conservador do registo civil verifica a (in)existência de impedimentos
matrimoniais à celebração do casamento.
3) No caso de não se verificar quaisquer impedimentos matrimoniais à celebração do
casamento, o conservador do registo civil profere um despacho, no qual autoriza os
nubentes a celebrar casamento (1613º CC). Autorizada a celebração do casamento, este
deve celebrar-se dentro dos seis meses seguintes (1614º CC).

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Nota:
Se os nubentes na declaração inicial tiverem manifestado a intenção de celebrar
casamento católico ou casamento civil sob forma religiosa, o conservador do registo
civil remete um certificado no qual se declara que os nubentes podem contrair
casamento ao pároco ou ao ministro de culto (1598º, n. 1 CC).
- Requisitos de forma do casamento civil propriamente dito: A celebração do
casamento civil é pública e está sujeita à forma fixada no Código Civil e no Código do
Registo Civil (1615º, al. a) e ss. CC).
- Requisitos de forma posteriores: À celebração do casamento segue-se o registo
do casamento civil (1651º CC e ss. CC).

Notas sobre o registo civil:


1) Princípios gerais do registo civil:
- O casamento é um ato que está obrigatoriamente sujeito a registo.
- O registo civil é a única prova legalmente admitida do casamento.
- O registo civil faz prova plena de todos os factos nele contidos, só podendo ser
ilidida mediante prova em contrário feita em ação judicial.
2) Modalidades do registo civil:
- O registo do casamento é lavrado por meio de assento ou de averbamento (ex.
casamento católico celebrado entre pessoas já casadas civilmente), podendo os
assentos, por sua vez, ser lavrados por inscrição (ex. casamento civil não-urgente)
ou por transcrição (ex. casamento católico).
3) Efeitos do registo civil:
- No que diz respeito aos casamentos civis, o registo civil é a única prova
legalmente admitida.
- No que diz respeito aos casamentos católicos, o registo civil é condição sem a qual
o casamento não é reconhecido pelo Estado e, por conseguinte, produz efeitos civis.
4) Retroatividade:
De acordo com o artigo 1670º CC, efetuado o registo, e ainda que venha a perder-
se, os efeitos civis do casamento produzem-se desde a data da sua celebração (n. 1).
Ou seja, os efeitos do casamento não se produzem só ex nunc, desde a data do
registo, mas ex tunc, desde a data da celebração do ato. Ficam, porém, ressalvados
os direitos de terceiro que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza
pessoal dos cônjuges e dos filhos, a não ser que, tratando-se de registo por
transcrição, esta tenha sido feita dentro dos sete dias subsequentes à celebração (n.
2). Nesta última hipótese, o registo tem efeitos retroativos mesmo em relação a
terceiros.
-» Exemplo: Imagine-se que, no espaço de tempo entre a data da celebração do
casamento entre A e B e a data do respetivo registo, B morre. Pergunta-se se A, que
casou com B, será herdeiro. Ora, de acordo com o artigo 1670º CC, apesar da
retroatividade dos efeitos do registo, ficam ressalvados os direitos de terceiro (ex.
outros herdeiros) que sejam compatíveis com os direitos e deveres de natureza
pessoal (ex. direitos e deveres de natureza patrimonial) dos cônjuges e dos filhos.
No entanto, esta ressalva não se aplica se, tratando-se de registo por transcrição, esta
tenha sido feita dentro dos sete dias subsequentes à celebração. Neste caso, o registo
tem efeitos retroativos mesmo em relação a terceiros.
- Requisitos de forma dos casamentos especiais:
- Casamentos urgentes: Quando haja fundado receio de morte próxima de algum
dos nubentes, ou iminência de parto, é permitida a celebração do casamento

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independentemente do respetivo processo preliminar e sem a intervenção do funcionário
do registo civil (1622º, n. 1 CC). Os casamentos celebrados nestas circunstâncias
denominam-se urgentes, não tendo que respeitar os requisitos de forma que são exigidos
para os casamentos civis não-urgentes. Do casamento urgente é redigida uma ata, nas
condições previstas na lei do registo civil (1622º, n. 2 CC).
-» Se houver processo preliminar de casamento, o conservador do registo civil profere
um despacho.
-» Se não houver processo preliminar de casamento, o conservador do registo civil
organiza oficiosamente o processo preliminar de casamento (1623º, n. 2 CC).
Lavrada a ata, o conservador do registo civil decide se o casamento deve ser
homologado (1623º, n. 1 CC), não o podendo ser se se verificarem as situações
previstas no artigo 1624º CC. De acordo com o artigo 1628º, al. b) CC, o casamento
urgente não-homologado é juridicamente inexistente. A lei impõe ainda que os
casamentos urgentes se consideram sempre contraídos no regime da separação de bens
(1720º, n. 1, al. a) CC).
- Casamentos civis sob forma religiosa: A Lei n. 16/2001, de 22 de Junho veio
reconhecer efeitos civis aos casamentos celebrados por forma religiosa que são
casamentos civis celebrados de acordo com os rituais de celebração de uma religião
radicada em Portugal.
3. Invalidade do casamento: De acordo com o artigo 1627º CC, é válido o casamento
civil relativamente ao qual não se verifique alguma das causas de inexistência jurídica
ou de anulabilidade, especificadas na lei. No entanto, o casamento poder ser inválido. A
este propósito, existem duas diferenças entre o Regime do Casamento (RC) e o Regime
Geral do Negócio Jurídico (RGNJ):
- Enquanto que o RGNJ não faz referência à inexistência, no RC a inexistência
encontra-se expressamente prevista.
- Enquanto que o RGNJ distingue a nulidade da anulabilidade, no RC não se estabelece
esta distinção, apenas existindo a anulabilidade. Apenas os casamentos católicos podem
ser declarados nulos.
→ Inexistência:
1. Casos de inexistência: Os casos de inexistência encontram-se previstos nas alíneas
do artigo 1628º CC.
2. Regime da inexistência: De acordo com o artigo 1630 º, n. 1 CC, o casamento
juridicamente inexistente não produz qualquer efeito jurídico e nem sequer é havido
como putativo. A inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa (1), a todo o
tempo (2), independentemente de declaração judicial (3) (1630º, n. 2 CC).
→ Anulabilidade:
1. Casos de anulabilidade: Os casos de anulabilidade encontram-se previstos nas
alíneas do artigo 1631º CC.
2. Regimes da anulabilidade: Existem três regimes da anulabilidade:
- Anulabilidade estabelecida no interesse dos cônjuges, dos seus familiares e também
no interesse público (1639º CC [legitimidade] e 1643º CC [prazos])
- Anulabilidade estabelecida no interesse público (1642º CC [legitimidade] e 1646º
CC [prazos])
- Anulabilidade estabelecida no interesse de um dos cônjuges (1640º CC + 1641º
CC [legitimidade] e 1644º CC + 1645º CC [prazos])
3. Efeitos da anulabilidade: No RGNJ, tanto a declaração de nulidade como a anulação
têm efeitos retroativos (289º CC). Porém, no RC, o casamento declarado nulo ou
anulado pode ainda produzir efeitos prospetivos. É o que acontece com os casamentos

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putativos:
Pressupostos do casamento putativo: A produção de efeitos putativos depende de três
pressupostos:
1) É necessário que se trate de um casamento existente.
2) É necessário que o casamento tenha sido declarado nulo ou anulado (1632º CC).
3) É necessário que ambos os cônjuges ou pelo menos um deles tenha estado de boa-fé
no momento da celebração do casamento (1648º CC).
Efeitos do casamento putativo:
1) O casamento civil anulado, quando contraído de boa-fé por ambos os cônjuges,
produz os seus efeitos em relação a estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da
respetiva sentença (1647º, n. 1 CC).
2) Se apenas um dos cônjuges o tiver contraído de boa-fé, só esse cônjuge pode arrogar-
se os benefícios do estado matrimonial e opô-los a terceiros, desde que, relativamente a
estes, se trate de mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges (1647º, n. 2 CC).
3) O casamento civil anulado, quando contraído de má-fé por ambos os cônjuges,
produz ainda alguns efeitos putativos em relação aos filhos (ex. presunção da
paternidade do marido da mãe).
3.4.2 Casamento civil enquanto estado
Estudar o casamento enquanto estado é estudar os efeitos do casamento. Quando uma
pessoa casa, tanto a condição da sua pessoa como a situação dos seus bens passa a ser
outra. Por isso, há que estudar os efeitos pessoais e os efeitos patrimoniais do
casamento:
→ Efeitos pessoais:
1) Princípios fundamentais: O artigo 1671º CC prevê dois princípios fundamentais
por que se rege a matéria dos efeitos pessoais do casamento:
-» Princípio da igualdade dos cônjuges (1671º, n. 1 CC): O princípio da igualdade
dos cônjuges encontra-se previsto, em termos gerais, no artigo 1671º, n. 1 CC [O
casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges], e, em termos
especiais, no artigo 36º, n. 3 CRP [Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à
capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos].
-» Princípio da direção conjunta da família (1671º, n. 2 CC): O princípio da direção
conjunta da família é um corolário do princípio da igualdade dos cônjuges, uma vez que
se os cônjuges são iguais, a direção da família deve pertencer aos dois. No entanto, há
que tecer algumas considerações:
1. O princípio da direção conjunta da família é um princípio imperativo, não
podendo os cônjuges acordar num contrato que a direção da família fique a pertencer a
um deles.
2. Os cônjuges devem acordar sobre a orientação da vida em comum tendo em conta
o bem da família e os interesses de um e outro. Ou seja, o acordo deve apenas versar
sobre a orientação da vida em comum. Sendo assim, fica de fora do acordo a vida
pessoal de cada um dos cônjuges. A este propósito, é de referir o disposto no artigo
1677º-D CC, segundo o qual cada um dos cônjuges pode exercer qualquer profissão ou
atividade sem o consentimento do outro.
3. Coloca-se a questão de saber se, no caso de os cônjuges estarem em desacordo
sobre a orientação da vida em comum, o juiz pode intervir. Em princípio, o Direito
Português entende que a resposta deve ser negativa, devendo o desacordo ser resolvido
dentro da família pelos próprios cônjuges. Todavia, existem três casos onde a
intervenção judicial é admitida de forma a resolver o desacordo entre os cônjuges:
-» Fixação ou alteração da residência da família (1673º, n. 3 CC)

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-» Nome próprio ou apelidos dos filhos (1875º, n. 2 CC)
-» Exercício das responsabilidades parentais (1901º, n. 2 CC)
2) Deveres pessoais dos cônjuges: No que diz respeito aos deveres dos cônjuges, o
artigo 1672º CC diz que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de
respeito (1), fidelidade (2), coabitação (3), cooperação (4) e assistência (5). Antes de
serem analisados cada um destes deveres, há que tecer algumas considerações:
1. Coloca-se a questão de saber se a enumeração dos deveres neste artigo é taxativa.
À partida, parece que a resposta deva ser negativa. Contudo, parece difícil encontrar
outros deveres que estejam fora desta lista e que poderiam estar nela incluídos. Apesar
de alguns autores falarem de um dever de sinceridade, não se entende por que razão não
deve este dever estar implicitamente incluído no amplíssimo dever de respeito.
2. Os deveres previstos neste artigo são imperativos, no sentido de os cônjuges não
poderem excluí-los convencionalmente. Contudo, a lei permite que eles os cumpram de
uma forma muito maleável, de acordo com a personalidade de cada um.
3. A violação dos deveres previstos neste artigo não é causa de divórcio nem tem
hoje qualquer consequência.
- Dever de respeito: O dever de respeito é um dever residual, uma vez que só são
violações do dever de respeito os atos ou comportamentos que não sejam violações dos
outros deveres mencionados no artigo 1672º CC. O dever de respeito é ao mesmo tempo
negativo e positivo:
- É negativo porque é um dever de non facere, impondo aos cônjuges que se
abstenham de praticar atos ou adotar comportamentos que firam o respeito que devem
ter um pelo outro.
- É positivo porque é um dever de facere, impondo aos cônjuges que demonstrem
um mínimo de interesse pela família que constituíram.
- Dever de fidelidade: –
- Dever de coabitação: Coabitar não significa habitar conjuntamente, mas antes viver
em comunhão de leito [relação com componente sexual], de mesa [partilha de recursos e
despesas] e de habitação [viver na mesma casa]. Quanto à comunhão de habitação, cabe
mencionar o artigo 1673º CC que faz referência à residência da família:
-» n. 1: Os cônjuges devem escolher de comum acordo a residência da família,
atendendo, nomeadamente, às exigências da sua vida profissional e aos interesses dos
filhos e procurando salvaguardar a unidade da vida familiar.
-» n. 2: Salvo motivos ponderosos em contrário, os cônjuges devem adotar a
residência da família.
-» n. 3: Na falta de acordo sobre a fixação ou alteração da residência da família,
decidirá o tribunal a requerimento de qualquer dos cônjuges.
- Dever de cooperação: De acordo com o artigo 1674º CC, o dever de cooperação
importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em
conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram.
- Dever de assistência: De acordo com o artigo 1675º CC, o dever de assistência
compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida
familiar.
- Obrigação de prestar alimentos:
1. A obrigação de prestar alimentos só tem autonomia em relação à obrigação de
contribuir para os encargos da vida familiar quando os cônjuges vivem separados de
pessoas e bens. Se os cônjuges vivem juntos, a obrigação de prestar alimentos integra-se
na obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar.
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2. O regime da obrigação de alimentos no caso de separação de facto dos
cônjuges encontra-se previsto no artigo 1675º, n. 2 e 3 CC que, por lapso, não foi
adaptado pela Lei n. 61/2008, de 31 de Outubro. Por isso, estas alíneas devem-se
considerar ultrapassadas, estando ambos os cônjuges obrigados a prestar alimentos,
desde que um deles careça de alimentos e o outro tenha capacidade para os prestar.
3. Sempre houve algumas dúvidas quanto à fixação do montante da prestação de
alimentos.
- Segundo uma orientação restritiva, o montante da prestação de alimentos deveria
corresponder ao estritamente necessário para garantir a sobrevivência do alimentado.
- Segundo uma orientação mais ampla, o montante da prestação de alimentos deveria
corresponder àquilo que garantisse a manutenção do padrão de vida ao qual o
alimentado se habituou durante a vigência do casamento.
→ No entanto, dever-se-á adotar uma posição intermédia, de acordo com a qual o
montante da prestação de alimentos deve corresponder àquilo que garanta que o
alimentado tenha o suficiente para levar uma vida decente, razoável.
- Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar:
1. De acordo com o artigo 1676º, n. 1 CC, o dever de contribuir para os encargos da
vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada
um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afetação dos seus recursos àqueles
encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos.
-» Exemplo: Imagine-se que os cônjuges acordaram que o marido exerceria atividade
profissional e a mulher teria a seu cargo o governo doméstico, bem como a criação e
educação dos filhos. Neste caso, o marido contribui para os encargos da vida familiar
através do seu salário, enquanto a mulher contribui com o trabalho despendido no lar.
2. De acordo com o artigo 1676º, n. 2 CC, se a contribuição de um dos cônjuges para os
encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número
anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor
da vida em comum, designadamente à sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais
importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação.
-» Exemplo: Imagine-se que, naquele caso, a mulher não acabou os seus estudos para
se dedicar exclusivamente ao governo doméstico e à criação e educação dos seus filhos.
A certa altura, o marido e a mulher divorciam-se. Neste caso, a mulher, por ter
renunciado de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em
comum, tem direito a uma compensação do seu ex-marido.
3) Nome: Os efeitos do casamento quanto aos apelidos dos cônjuges estão regulados
nos artigos 1677º e ss. CC:
→ 1677º CC: Cada um dos cônjuges conserva os seus próprios apelidos, mas pode
acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de dois. Esta faculdade não pode ser
exercida por aquele que conserve apelidos do cônjuge de anterior casamento.
-» Exemplo: Imagine-se que Maria Alves casa com João Monteiro. Primeiro, ambos
podem manter os seus próprios apelidos. Segundo, Maria pode acrescentar ao seu nome
o apelido Monteiro (Maria Alves Monteiro). Terceiro, João pode acrescentar ao seu
nome o apelido Alves (João Monteiro Alves). Quarto, Maria e João podem adotar uma
espécie de “nome da família” (Maria e João Alves Monteiro ou Maria e João Monteiro
Alves). Quinto, Maria e João podem acrescentar aos seus nomes os apelidos de cada um
(Maria Alves Monteiro e João Monteiro Alves).
→ 1677º-A CC: O cônjuge que tenha acrescentado ao seu nome apelidos do outro
conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração do novo casamento,
mesmo depois das segundas núpcias.

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→ 1677º-B, n. 1 CC: Decretada a separação de pessoas e bens, cada um dos cônjuges
conserva os apelidos do outro que tenha adotado; no caso de divórcio, pode conservá-
los se o ex-cônjuge der o seu consentimento ou o tribunal o autorizar, tendo em atenção
os motivos invocados.
→ 1677º-C CC: Falecido um dos cônjuges ou decretada a separação de pessoas e bens
ou o divórcio, o cônjuge que conserve apelidos do outro pode ser privado pelo tribunal
do direito de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais do outro
cônjuge ou da sua família. Têm legitimidade para o pedido de privação do uso do nome,
no caso de separação de pessoas e bens ou divórcio, o outro cônjuge ou ex-cônjuge, e,
no caso de viuvez, os descendentes, ascendentes e irmãos do cônjuge falecido.
→ Efeitos patrimoniais: –
3.5 Modificação da relação matrimonial (separação de pessoas e bens)
Dentre as formas de modificação da relação matrimonial, ir-se-á analisar a separação de
pessoas e bens.
3.5.1 Noção da separação de pessoas e bens e sua natureza
Na separação de pessoas e bens, que se encontra regulada nos artigos 1794º a 1795º-D
CC, apesar de os cônjuges continuarem casados, ficam separados de pessoas (cada um
vai para o seu lado) e de bens (os bens são partilhados).
Nota histórica:
→ Inicialmente, a separação de pessoas e bens tinha uma natureza nos casamentos que
podiam ser dissolvidos por divórcio (casamentos civis) e outra nos casamentos que não
podiam ser dissolvidos por divórcio (casamentos católicos):
- Nos casamentos civis, a separação de pessoas e bens era uma de duas soluções para
quando o casamento entrasse em crise, sendo considerada como uma antecâmara do
divórcio.
- Nos casamentos católicos, a separação de pessoas e bens era a única solução para
quando o casamento entrasse em crise.
→ Atualmente, uma vez que tanto o casamento civil como o casamento católico podem
ser dissolvidos por divórcio, a separação de pessoas e bens é considerada como uma
antecâmara do divórcio.
3.5.2 Modalidades, causas e processo
A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades:
- Separação de pessoas e bens sem consentimento de um dos cônjuges: Esta
modalidade implica um litígio e funda-se numa determinada causa.
- Separação de pessoas e bens por mútuo consentimento: Esta modalidade não
implica um litígio e não é necessário que se funde numa determinada causa.
Quanto às causas e quanto ao processo, rege o artigo 1794º CC, de acordo com o qual é
aplicável à separação judicial de pessoas e bens, com as necessárias adaptações, o
disposto quanto ao divórcio.
3.5.3 Efeitos
A separação de pessoas e bens afeta os cônjuges quanto às pessoas, e por isso produz
efeitos pessoais, e quanto aos bens, e por isso produz efeitos patrimoniais:
- Efeitos pessoais: Por um lado, de acordo com o artigo 1795º-A, primeira parte CC,
a separação de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres
de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos. Ou seja, uma vez que a
separação de pessoas e bens não dissolve o casamento, alguns deveres pessoais dos
cônjuges ainda se mantêm (ex. dever de fidelidade, dever de assistência (mais

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precisamente a obrigação de prestar alimentos)), ainda que outros cessem (ex. dever de
coabitação, dever de assistência (mais precisamente a obrigação de contribuir para os
encargos da vida familiar)). Por outro lado, de acordo com o artigo 1677º-B, n. 1 CC,
cada um dos cônjuges conserva os apelidos do outro que tenha adotado.
- Efeitos patrimoniais: De acordo com o artigo 1795º-A, segunda parte CC, a
separação de pessoas e bens produz os efeitos que produziria a dissolução do
casamento. Sendo assim, a separação de pessoas e bens faz perder ao cônjuge sobrevivo
os seus direitos sucessórios em relação à herança do cônjuge falecido.
3.5.4 Reconciliação e conversão em divórcio
De acordo com o artigo 1795º-B CC, a separação judicial de pessoas e bens termina
pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento:
1) Reconciliação: De acordo com o artigo 1795º-C CC, os cônjuges podem a todo o
tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres
conjugais.
2) Conversão em divórcio: De acordo com o artigo 1795º-D CC, decorrido um ano
sobre o trânsito em julgado da sentença que tiver decretado a separação de pessoas e
bens sem consentimento do outro cônjuge ou por mútuo consentimento, sem que os
cônjuges se tenham reconciliado, qualquer deles pode requerer que a separação seja
convertida em divórcio. No entanto, se a conversão for requerida por ambos os
cônjuges, não é necessário o decurso daquele prazo.
3.6 Extinção da relação matrimonial
Existem duas formas de extinção da relação matrimonial:
- Extinção por invalidação: Na invalidação, a relação matrimonial extingue-se em
consequência de um vício originário do ato, tendo eficácia retroativa (o cônjuge deixa
de o ser para voltar a ser solteiro).
- Extinção por dissolução: Na dissolução, a relação matrimonial extingue-se em
consequência de um ato superveniente, tendo eficácia prospetiva (o cônjuge deixa de o
ser para se tornar viúvo ou divorciado).
Por sua vez, a extinção por dissolução pode ter duas causas:
- Dissolução por morte: Com a morte de algum dos cônjuges ou de ambos, dissolve-se
o casamento e extingue-se a relação matrimonial. No que se refere à morte presumida,
de acordo com o artigo 115º CC, a declaração de morte presumida não dissolve o
casamento, podendo o cônjuge do ausente casado civilmente, todavia, contrair novo
casamento (116º CC).
- Se o ausente regressar, considera-se o casamento anteriormente celebrado
dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida.
- Se o ausente não regressar, considera-se o casamento anteriormente celebrado
dissolvido por morte.
- Dissolução por divórcio: Com a dissolução do casamento decretada pelo tribunal ou
pelo conservador do registo civil, a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois,
dissolve-se o casamento e extingue-se a relação matrimonial.
3.6.1 Dissolução por divórcio
1) A “questão do divórcio”
Inicialmente, colocava-se a questão de saber se deveria admitir-se o divórcio. Hoje
considera-se que esta questão está ultrapassada, sendo o divórcio consensual. No
entanto, suscitaram-se outras questões relativas ao divórcio que ainda se colocam:
- Primeiro, coloca-se a questão de saber se devem existir causas do divórcio.
- Segundo, coloca-se a questão de saber quais os efeitos do divórcio.

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2) Modalidades do divórcio
O divórcio pode revestir duas modalidades: divórcio por mútuo consentimento e
divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (1773º, n. 1 CC).
2.1) Divórcio por mútuo consentimento (“divórcio a bem”): O divórcio por mútuo
consentimento é pedido por ambos os cônjuges, de comum acordo e sem indicação da
causa por que é pedido.
1. Pressupostos a que obedeceu o divórcio por mútuo consentimento que já não existem:
Inicialmente, mesmo que ambos os cônjuges estivessem de acordo quanto ao divórcio,
era necessário que estivessem preenchidos certos requisitos:
- Requisito temporal: O divórcio por mútuo consentimento só podia pedido se os
cônjuges fossem casados há mais de 3 anos. Entendia-se que assim o fosse para
defender os cônjuges contra a sua precipitação e irreflexão.
- Requisito material: O divórcio por mútuo consentimento só podia ser decretado se
os cônjuges estivessem de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, a
prestação de alimentos e o destino da casa de morada de família.
→ Hoje em dia, estes dois requisitos já não existem, podendo o divórcio por mútuo
consentimento ser pedido a todo o tempo e não sendo necessário que haja um acordo
entre os cônjuges relativamente a todas aquelas matérias mencionadas anteriormente.
2. Regime do divórcio por mútuo consentimento: O divórcio por mútuo consentimento
pode ser tanto um divórcio administrativo como um divórcio judicial:
- Divórcio administrativo: O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a
todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos
cônjuges, acompanhado pelos “acordos complementares” (1775º, n. 1 CC)
relativamente ao exercício das responsabilidades parentais (al. b)), à prestação de
alimentos (al. c)) e ao destino da casa de morada de família (al. d)). Nos termos do
artigo 1774º CC, antes do início do processo de divórcio, o conservador do registo civil
deve informar os cônjuges sobre a existência e os objetivos dos serviços de mediação
familiar (visam mediar/facilitar o diálogo entre os cônjuges). Recebido o requerimento,
o conservador do registo civil convoca os cônjuges para uma reunião em que verifica o
preenchimento dos pressupostos legais e aprecia os “acordos complementares” relativos
à prestação de alimentos e ao destino da casa de morada de família (1776º, n. 1 CC). O
acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais é, contudo, apreciado pelo
Ministério Público (1776º-A, n. 1 CC).
1) Se o conservador do registo civil entender que os “acordos complementares”
acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, homologa tais
acordos e decreta o divórcio através de um despacho que, de acordo com o artigo 1776º,
n. 3 CC, produz os mesmos efeitos de uma sentença judicial.
2) Se o conservador do registo civil entender que os “acordos complementares” não
acautelam suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, pode convidar os
cônjuges a alterá-los (1776º, n. 1 CC).
2.1) Se os “acordos complementares” passarem a acautelar suficientemente os
interesses dos cônjuges e dos filhos, homologa tais acordos e decreta o divórcio através
de um despacho que, de acordo com o artigo 1776º, n. 3 CC, produz os mesmos efeitos
de uma sentença judicial.
2.2) Se os “acordos complementares”, ainda assim, não acautelarem
suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos, não homologa tais acordos e
remete o processo para o tribunal competente (1778º CC).
→ O mesmo se aplica, mutatis mutandis, à apreciação do “acordo complementar”

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relativo ao exercício das responsabilidades parentais pelo Ministério Público (1776º-A
CC).
- Divórcio judicial: O divórcio por mútuo consentimento corre nos tribunais judiciais
verificadas três situações específicas:
1. Quando, após os cônjuges terem sido convidados a alterar os “acordos
complementares”, o conservador do registo civil não os homologa por não acautelarem
suficientemente os interesses dos cônjuges e dos filhos.
2. Quando, os cônjuges estão de acordo quanto ao divórcio, mas não estão de acordo
quanto a nenhum dos “acordos complementares” (1773º, n. 2, segunda parte CC e
1778º-A, n. 1 CC).
3. Quando, no processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, por
iniciativa própria ou do juiz, ambos os cônjuges acordarem em divorciar-se por mútuo
consentimento (1779º, n. 2 CC).
Nos termos do artigo 1778º-A, n. 1 CC, o requerimento de divórcio por mútuo
consentimento é apresentado no tribunal se os cônjuges não o acompanharem de algum
dos “acordos complementares” previstos no artigo 1775º, n. 1 CC.
1) Recebido o requerimento, o juiz deve informar os cônjuges sobre a existência e os
objetivos dos serviços de mediação familiar (1774º CC). Depois, o juiz aprecia os
acordos que os cônjuges tiverem apresentado, convidando-os a alterá-los se esses
acordos não acautelarem os interesses de algum deles ou dos filhos (1778º-A, n. 2 CC).
2) O juiz fixa as consequências do divórcio nas questões referidas no n. 1 do artigo
1775º sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo (1778º-A, n. 3 CC). Na
determinação das consequências do divórcio, o juiz deve sempre não só promover mas
também tomar em conta o acordo dos cônjuges (1778º-A, n. 6 CC).
3) O divórcio é decretado através de sentença judicial (1778º-A, n. 5 CC).
2.2) Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (“divórcio a mal”): O divórcio
sem consentimento de um dos cônjuges é pedido por um dos cônjuges contra o outro e
com fundamento em determinada causa.
1. Conceções de divórcio: O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode ser
concebido como sanção, como remédio ou como simples constatação da rutura do
casamento:
- Divórcio-sanção: Inicialmente, o divórcio era concebido como uma sanção destinada
ao cônjuge culpado. Porém, poder-se-ão dirigir-lhe algumas críticas: Por um lado, se a
lei quisesse castigar o cônjuge culpado, não se entende por que razão o deveria fazer
através do divórcio se dispunha de tantos outros meios para o efeito. Por outro lado, o
cônjuge culpado pode ser aquele que mais deseja o divórcio.
- Divórcio-remédio: Posteriormente, o divórcio foi concebido como um remédio
concedido ao cônjuge inocente para se libertar de um casamento que se tornara
intolerável.
- Divórcio-constatação da rutura do casamento: Atualmente, no Direito Português, o
divórcio é concebido como uma simples constatação da rutura do casamento.
2. Classificações das causas do divórcio: O divórcio sem consentimento de um dos
cônjuges é pedido com fundamento em determinada causa. As causas do divórcio estão
elencadas no artigo 1781º CC:
a) A separação de facto por um ano consecutivo (→ 1782º CC)
b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano
e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum
c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano

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d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a
rutura definitiva do casamento.
→ Alínea a): Por um lado, de acordo com o artigo 1782º CC, entende-se que há
separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo 1781º CC, quando não existe
comunhão de vida entre os cônjuges (1) e há da parte de ambos, ou de um deles, o
propósito de não a restabelecer (2). Por outro lado, a separação de facto dos cônjuges
deve durar em princípio há um ano consecutivo.
→ Alínea b): Primeiro, é necessário que haja uma alteração das faculdades mentais.
Segundo, essa alteração das faculdades mentais deve ser grave e durar há mais de um
ano. Terceiro, é necessário que a gravidade da alteração das faculdades mentais
comprometa a possibilidade de vida em comum. De acordo com o artigo 1792º, n. 2
CC, o cônjuge que pediu o divórcio com este fundamento deve reparar os danos não
patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
→ Alínea c): O cônjuge do ausente (ausência: não-presença acompanhada da ausência
de notícias), decorrido um ano a partir da data das últimas notícias, pode pedir o
divórcio.
→ Alínea d): A alínea d) consagra uma cláusula geral dentro da qual cabem quaisquer
outros factos para além daqueles previstos pela lei que demonstram uma rutura
irremediável do casamento e/ou que a vida em comum se tornou impossível. Sendo
assim, caberiam dentro desta dita cláusula tanto factos muito graves (ex. violência
doméstica, abuso de álcool) como factos menos graves (ex. desinteresse total na vida da
família). Tudo depende da apreciação do juiz.
3) Efeitos do divórcio
Segundo o artigo 1788º CC, o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os
mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei.
1. Data em que se produzem os efeitos do divórcio: Em princípio, os efeitos do divórcio
produzem-se a partir do trânsito em julgado da sentença (1789º, n. 1, primeira parte
CC). Contudo, pode acontecer que o divórcio seja decretado pelo conservador do
registo civil através de um despacho que, de acordo com o artigo 1776º, n. 3 CC,
produz os mesmos efeitos de uma sentença judicial. Nesses casos, os efeitos do divórcio
produzem-se a partir do momento em que o despacho do conservador do registo civil se
torna definitivo. Contudo, existem algumas exceções:
- Nos termos do artigo 1789º, n. 1, segunda parte CC, os efeitos do divórcio
retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os
cônjuges. Contudo, pode acontecer que o divórcio seja requerido sem ser necessário
recorrer aos tribunais. Nesses casos, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data do
requerimento instaurado quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
- Nos termos do artigo 1789º, n. 2 CC, se a separação de facto entre os cônjuges estiver
provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos [patrimoniais] do
divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado.
2. Efeitos do divórcio:
- Partilha: De acordo com o artigo 1688º CC, as relações pessoais e patrimoniais entre
os cônjuges cessam pela dissolução do casamento e pode proceder-se à partilha do
casal, ou seja, os ex-cônjuges recebem os seus bens próprios e a sua meação no
património comum (1689º, n. 1 CC). Porém, nos termos do artigo 1790º CC, em caso
de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.

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- Destino da casa de morada da família: No caso de os ex-cônjuges terem residido em
casa própria, aplica-se o artigo 1793º CC, de acordo com o qual, qualquer um deles
pode, no caso de não ser possível chegar a um acordo entre os dois, pedir ao tribunal
que lhe dê de arrendamento a casa de morada da família, quer esta seja comum quer
própria do outro, tomando o tribunal em consideração as necessidades de cada um dos
cônjuges e o interesse dos filhos do casal. No caso de os ex-cônjuges terem residido em
casa tomada de arrendamento, aplica-se o artigo 1105º CC, de acordo com o qual os
ex-cônjuges podem optar pela transmissão (no caso de um deles ser arrendatário) ou
pela concentração do arrendamento (no caso de os dois serem arrendatários) a favor de
um deles. Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de
cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.
- Termo das ilegitimidades conjugais: As ilegitimidades conjugais cessam.
- Perda de direitos sucessórios: O cônjuge não é chamado à herança se à data da morte
do autor da sucessão se encontrar divorciado. É o que consagra o artigo 2133º, n. 3 CC.
- Perda de benefícios: De acordo com o artigo 1791º CC, cada cônjuge perde todos os
benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do
casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior
quer posterior à celebração do casamento. Este artigo não é aplicável aos donativos
conformes aos usos sociais, uma vez que estes, segundo o artigo 940º, n. 2 CC, não se
confundem com as doações.
- Obrigação de alimentos:
1) Generalidades: De acordo com o artigo 2016º, n. 1 CC, cada cônjuge deve prover à
sua subsistência, depois do divórcio. Sendo assim, a obrigação de alimentos tende a ser
uma exceção.
2) Quem tem direito a alimentos?: Nos termos do artigo 2016º, n. 2 CC, qualquer dos
cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio. Contudo, só
tem direito a alimentos o ex-cônjuge que, não por culpa sua, careça de alimentos e na
medida em que o outro tenha capacidade para os prestar. No entanto, segundo o artigo
2016º, n. 3 CC, o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de
equidade.
-» Exemplo: Imagine-se que A, rico, casou com B, pobre. Durante a vigência do
casamento, B, depois de se embriagar, agredia A. Acontece que A e B acabam por
divorciar-se. Tendo em conta aquilo que foi exposto, B teria direito a alimentos, uma
vez que deles necessita, e A, em princípio, teria capacidade para os prestar. Contudo,
“por razões manifestas de equidade”, esse direito pode ser-lhe negado.
3) Montante da prestação de alimentos: Sempre houve algumas dúvidas quanto à
fixação do montante da prestação de alimentos:
- Segundo uma orientação restritiva, o montante da prestação de alimentos deveria
corresponder ao estritamente necessário para garantir a sobrevivência do alimentado
(2003º, n. 1 CC).
- Segundo uma orientação mais ampla, o montante da prestação de alimentos deveria
corresponder àquilo que garantisse a manutenção do padrão de vida ao qual o
alimentado se habituou durante a vigência do casamento (2016º-A, n. 3 CC).
→ No entanto, dever-se-á adotar uma posição intermédia, de acordo com a qual o
montante da prestação de alimentos deve corresponder àquilo que garanta que o
alimentado tenha o suficiente para levar uma vida decente, razoável.
4) Critérios para a fixação do montante dos alimentos: Os critérios para a fixação do
montante dos alimentos constam no artigo 2016º-A, n. 1 CC: a duração do casamento, a
colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as
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suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de
dedicar à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo
casamento ou união de facto e todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades
do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta.
5) Modo de prestar os alimentos: De acordo com o artigo 2005º, n. 1 CC, os alimentos
devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou
disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de
exceção. Porém, alguns autores têm defendido a possibilidade de os alimentos serem
fixados numa prestação pecuniária única por forma a cortar de uma vez as relações entre
os dois ex-cônjuges. Apesar de ser admissível à luz da lei, esta solução suscita alguns
problemas.
6) Indisponibilidade e impenhorabilidade do direito a alimentos: Nos termos do artigo
2008º CC, o direito a alimentos não pode ser renunciado ou cedido (indisponibilidade)
nem é penhorável (impenhorabilidade).
7) Cessação da obrigação de alimentos: Além das causas gerais de cessação da
obrigação de alimentos, previstas no artigo 2013º CC, existem causas específicas de
cessação da obrigação de alimentos, constantes no artigo 2019º CC.
- Obrigação de indemnizar: Nos termos do artigo 1792º, n. 2 CC, o cônjuge que pediu
o divórcio com o fundamento em alteração das faculdades mentais do outro cônjuge,
quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de
vida em comum, deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela
dissolução do casamento. Já o cônjuge que sofreu os danos não patrimoniais causados
pela dissolução do casamento, tem o direito de pedir a reparação dos danos causados
pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns
(1792º, n. 1 CC). Relativamente a esta disposição coloca-se a questão de saber quais os
danos que podem ser reparados através da sua aplicação:
- Apenas os danos não-patrimoniais que resultaram da violação de direitos que os
cônjuges sempre tiveram, independentemente do casamento?
-» Exemplo: A agrediu B durante a vigência do casamento. Este dano resultante
da violação de um direito de personalidade que B sempre teve, independentemente do
casamento, cabe dentro da disposição anterior, sendo indemnizável nos termos da
responsabilidade civil extracontratual.
- Apenas os danos não-patrimoniais que resultaram da violação de direitos que os
cônjuges adquiriram por força do casamento?
-» Exemplo: A traiu B, entrando em depressão. Este dano resultante da violação
de um direito à fidelidade que B só adquiriu por força do casamento, cabe dentro da
disposição anterior, sendo indemnizável nos termos da responsabilidade civil contratual.
→ A posição adotada neste Curso é oferecida por Guilherme de Oliveira que diz que
apenas podem ser reparados através da aplicação do artigo 1792º, n. 1 CC, os danos
não-patrimoniais que resultam da violação de direitos que os cônjuges sempre tiveram,
independentemente do casamento, uma vez que:
1. Tendo sido suprimida a relevância da culpa em matéria de divórcio, não existe
nenhum cônjuge “inocente” ou “menos culpado” que se possa considerar lesado e,
portanto, titular de um direito de indemnização pela violação de deveres conjugais.
2. O pedido de indemnização deve ser apresentado nos tribunais comuns e apreciado
nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual quando o casamento já foi
dissolvido num tribunal de Família.

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4. Direito da Filiação
4.1 Introdução
1) Princípios fundamentais do Direito da Filiação: Para além dos princípios
constitucionais do Direito da Família anteriormente analisados (36º, n. 1 CRP, 36º, n. 4
CRP, 36º, n. 7 CRP, 67º CRP, 68º CRP, 69º CRP), há que fazer referência a mais
alguns princípios fundamentais do Direito da Filiação:
- Direito à identidade pessoal: O direito à identidade pessoal consiste no direito ao
conhecimento da identidade dos progenitores (26º CRP).
- Princípio da taxatividade dos meios de estabelecimento da filiação: O princípio da
taxatividade dos meios de estabelecimento da filiação significa que a filiação só se pode
estabelecer através dos meios previstos na lei.
- Princípio da verdade biológica: O princípio da verdade biológica pretende que a mãe
e o pai jurídicos sejam a mãe e o pai biológicos, ou seja, que a verdade jurídica
corresponda à verdade biológica.
- Princípio da primazia do interesse do filho: O princípio da primazia do interesse do
filho vale sobretudo em matéria de efeitos da filiação, onde existe a ideia de que o
interesse mais importante a ter em conta é o interesse da criança.
2) Momento da conceção: De acordo com o artigo 1798º CC, o momento da conceção
do filho é fixado, para os efeitos legais, dentro dos primeiros cento e vinte dias dos
trezentos que precederam o seu nascimento, salvas as exceções.
-» Exemplo: Se A nasceu no dia 1 de Janeiro de 2020, o período legal da sua
conceção vai do dia 7 de Março até ao dia 5 de Julho de 2019.
A fixação do momento da conceção é acompanhado pelo princípio da indivisibilidade,
de acordo com o qual todos os dias que integram o período legal de conceção são
equivalentes como dias da conceção.
-» Exemplo: Imagine-se que o marido da mãe morreu 299 dias antes do nascimento
do filho. Neste caso, uma vez que o filho foi concebido dentro do prazo legal de
conceção, poder-se-á presumir que o marido da mãe é pai da criança.
4.2 Estabelecimento da filiação
4.2.1 Estabelecimento da maternidade
Formas de estabelecimento da maternidade:
Existem três formas de estabelecimento da maternidade:
1) Menção da maternidade: A pessoa (normalmente os pais, mas também podem ser
os familiares próximos que assistiram ao parto, o diretor da unidade de saúde, etc.) que
fizer a declaração de nascimento deve identificar a identidade da mãe, sendo esta
identificação suficiente para que o conservador do registo civil faça menção do nome da
mãe no assento de nascimento (1803º CC). Contudo, nem sempre as coisas são assim:
- 1804º CC: No caso de declaração de nascimento ocorrido há menos de um ano, a
maternidade indicada considera-se estabelecida. Lavrado o registo, deve o conteúdo do
assento ser comunicado à mãe do registado sempre que possível, mediante notificação
pessoal, salvo se a declaração tiver sido feita por ela ou pelo marido.
- 1805º CC: No caso de declaração de nascimento ocorrido há um ano ou mais, a
maternidade indicada considera-se estabelecida se a mãe for o declarante, estiver
presente no ato ou nele se achar representada por procurador com poderes especiais.
Fora destes casos, a pessoa indicada como mãe será notificada pessoalmente para, no
prazo de quinze dias, vir declarar se confirma a maternidade, sob a cominação de o filho
ser havido como seu; o facto da notificação e a confirmação são averbados ao registo do
nascimento.

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→ Se a maternidade estabelecida através desta primeira forma, pode a todo o tempo ser
impugnada em juízo pela pessoa declarada como mãe, pelo registado, por quem tiver
interesse moral ou patrimonial na procedência da ação ou pelo Ministério Público
(1807º CC).
2) Declaração de maternidade: No caso de ter sido feito o registo de nascimento, mas
este for omisso quanto à identidade da mãe, a mãe pode declarar-se como mãe, salvo se
se tratar de filho nascido ou concebido na constância do matrimónio e existir
perfilhação por pessoa diferente do marido (1806º, n. 1 CC). Nestes casos, a mãe pode,
recorrendo a tribunal, declarar a sua maternidade e resolver a questão da paternidade.
-» Exemplo: A, mãe, casada com B, tem um filho que foi concebido na constância do
seu matrimónio, mas que foi perfilhado por C.
Relativamente a esta questão, cabe fazer dois esclarecimentos:
1. Relativamente à perfilhação, têm capacidade para assumir a qualidade de pai os
homens com mais de 16 anos (1850º CC). Relativamente à declaração de maternidade,
entende-se que têm capacidade para assumir a qualidade de mãe as mulheres que
tenham “capacidade natural suficiente para entender o nascimento”.
2. Relativamente à perfilhação, a lei exige que esta revista uma das quatro formas
previstas no artigo 1853º CC. Relativamente à declaração de maternidade, embora que a
lei nada diga, deve entender-se que vale o mesmo que vale para a perfilhação.
→ Se a maternidade estabelecida através desta segunda forma, pode a todo o tempo ser
impugnada em juízo pela pessoa declarada como mãe, pelo registado, por quem tiver
interesse moral ou patrimonial na procedência da ação ou pelo Ministério Público
(1807º CC).
3) Reconhecimento judicial da maternidade: Nos termos do artigo 1808º CC, sempre
que a maternidade não esteja mencionada no registo do nascimento deve o conservador
do registo civil remeter ao tribunal certidão integral do registo e cópia do auto de
declarações, se as houver, a fim de se averiguar oficiosamente a maternidade. O tribunal
deve proceder às diligências necessárias para identificar a mãe. Esta averiguação pode
ter dois resultados:
1. Ou não se chega a nenhum resultado.
2. Ou o tribunal fica convencido sobre a identidade da pretensa mãe. Neste caso, o
tribunal deve ouvir a pretensa mãe em declarações.
→ Estabelecimento da maternidade por declaração da maternidade: Se a
pretensa mãe confirmar a maternidade será lavrado termo em juízo.
→ Estabelecimento da maternidade por reconhecimento judicial da
maternidade: Se a pretensa mãe não confirmar a maternidade, mas o tribunal continuar
convencido que ela é de facto a mãe, ordenará a remessa do processo ao Ministério
Público a fim de a ação de investigação da maternidade ser proposta e a mãe possa ser
eventualmente reconhecida judicialmente como mãe (1814º e ss. CC).
1. Legitimidade ativa:
De acordo com o artigo 1814º CC, a legitimidade ativa típica para intentar as ações de
investigação da maternidade podem ser ajuizadas pelo filho. Contudo, nos termos do
artigo 1822º, n. 2 CC, podem as ações de investigação da maternidade ainda ser
propostas pelo marido da pretensa mãe durante a menoridade do filho por forma a que
fique igualmente estabelecida, em sequência da ação, a paternidade.
-» Exemplo: A, mãe, casada com B, tem um filho que foi concebido na constância do
seu matrimónio, mas que foi perfilhado por C. Neste caso, uma vez que existe um
registo de nascimento do filho, mas este é omisso quanto à identidade da mãe, A não
pode declarar-se mãe. Sendo assim, pode o filho ajuizar uma ação de investigação da
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maternidade quando se tornar maior de idade. Durante a menoridade, B tem
legitimidade para ajuizar a dita ação, por forma a que fique igualmente estabelecida, em
sequência da ação, a paternidade.
Nestes casos, pode também a mãe ajuizar a dita ação (1824º, n. 1 CC), ficando, ao
mesmo tempo, resolvida a questão da paternidade. Por fim, segundo o artigo 1808º, n. 4
CC, tem ainda legitimidade ativa o Ministério Público quando a pretensa mãe não
confirme a maternidade depois de realizada a averiguação oficiosa da maternidade.
2. Prova da maternidade:
De acordo com o artigo 1816º, n. 1 CC, o filho deve provar que nasceu da pretensa
mãe. Ou seja, o filho deve provar o parto e a identidade da parturiente:
- A prova do parto é relativamente fácil, uma vez que a maior parte dos partos ocorre
nos hospitais, sendo testemunhado por técnicos e por familiares próximos.
- A prova da identidade da parturiente é mais difícil, uma vez que nem sempre é
possível garantir que o filho que nasceu daquele parto seja filho daquela mãe.
Devido a estas dificuldades, a lei estabelece duas presunções das quais o tribunal pode
socorrer-se no âmbito da ação de investigação da maternidade para formar uma
convicção séria sobre a maternidade (1816º, n. 2 CC):
1. A maternidade presume-se quando o filho houver sido reputado [tenha sido
designado como filho pela pretensa mãe] e tratado como tal [tenha sido sustentado pela
pretensa mãe] pela pretensa mãe e reputado como filho também pelo público [as
pessoas do seu círculo estavam convictos de que a criança era filho da pretensa mãe].
→ Se o filho puder demonstrar que viveu na posse de estado de filho (quando
preenchidos aqueles três elementos), fica dispensado de provar a maternidade.
2. A maternidade presume-se quando exista carta ou outro escrito (ex. diário) no qual
a pretensa mãe declare inequivocamente a sua maternidade.
→ Se o filho exibir um escrito no qual a pretensa mãe declare a sua maternidade, fica
dispensado de provar a maternidade.
Nos termos do artigo 1816º, n. 3 CC, a presunção considera-se ilidida quando existam
dúvidas sérias sobre a maternidade, não tendo força probatória plena.
3. Prazos para o ajuizamento da ação de investigação da maternidade:
Existem vários prazos para o ajuizamento da ação de investigação da maternidade:
Nos termos do artigo 1817º, n. 1 CC, a ação de investigação da maternidade só pode ser
proposta…:
- … durante a menoridade do investigante, tendo de se fazer representar em juízo.
- … nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (ou seja até aos 28 anos).
A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos
seguintes factos (1817º, n. 3 CC):
- Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante.
- Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no
artigo 1817º, n. 1 CC, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação,
designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.
- Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido
conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem
a investigação.
-» Exemplo: A nunca soube a identidade da sua mãe. Foi crescendo, fez 28 anos e
não propôs uma ação de investigação da maternidade porque não tinha na sua posse
quaisquer pistas acerca da identidade da sua mãe. Aos 50 anos, chegou-lhe ao
conhecimento um diário no qual uma mulher diz que é sua mãe. Nestes casos, a lei
permite a reabertura do prazo para o ajuizamento da ação.
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Breve análise histórica acerca dos prazos para o ajuizamento da ação:
Na versão inicial do artigo 1817º, n. 1 CC, o prazo que o filho dispunha para propor
uma ação de investigação da maternidade era de 2 anos após a maioridade (ou seja,
até aos 20 anos). Tal disposição gerou uma grande controvérsia sobre a sua
constitucionalidade face ao direito à identidade pessoal. Em 2006, o Tribunal
Constitucional proferiu o acórdão n. 23/2006, com força obrigatória geral,
considerando inconstitucional aquele prazo. Como este prazo foi declarado
inconstitucional, durante algum tempo não houve qualquer prazo para o ajuizamento
de ações de investigação da maternidade e da paternidade, até que a lacuna foi
suprida pela Lei n. 14/2009, de 1 de Abril que fixou o atual prazo de 10 anos
posteriores à maioridade ou emancipação.
Costumam ser apontadas três razões para a existência de prazos:
- A primeira razão tem na sua base a ideia de que a investigada mãe ou o
investigado pai não podem ficar toda a vida com o receio que contra eles seja
proposta uma ação de investigação. No entanto, se existe esse receio, poder-se-á
entender que aquele homem ou aquela mulher sejam, de facto, pais do investigante.
- A segunda razão tem na sua base a ideia de que a investigada mãe ou o investigado
pai têm as suas vidas privadas e familiares, não podendo ser confrontados a
qualquer momento com a possibilidade de ser proposta uma ação de investigação.
- A terceira razão tem na sua base uma ideia de defesa do direito à identidade
pessoal da investigada mãe ou do investigado pai.

4.2.2 Estabelecimento da paternidade


Existem três formas de estabelecimento da paternidade:
1) Presunção de paternidade: De acordo com o artigo 1826º CC, presume-se que o
filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai o marido da
mãe. Esta presunção coincide com a expressão latina pater is est quem nuptias
demonstrant, de acordo com a qual o pai é aquele que as núpcias demonstram.
Poder-se-ão tecer as seguintes considerações a respeito da presunção de paternidade:
1. São várias as situações em que a presunção da paternidade funciona:
- Funciona a presunção de paternidade, quando o filho nasce na constância do
matrimónio mas foi concebido antes da celebração do casamento.
- Funciona a presunção de paternidade, quando o filho foi concebido na constância do
matrimónio mas nasceu depois da dissolução do casamento.
- Funciona a presunção de paternidade, quando o filho foi concebido e nasceu na
constância do matrimónio.
-» Para além destas situações, admite-se que a presunção de paternidade funcione
quando o filho não nasceu nem foi concebido na constância do matrimónio, mas foi
celebrado casamento entre a mãe e o presumido pai.
-» Exemplo: A ficou grávida antes da celebração do casamento com B. Contudo, B
vem a morrer, sendo que a criança nasce depois da dissolução do casamento por morte.
Neste caso, o filho foi concebido antes da celebração do casamento e nasceu depois da
dissolução do casamento. Isto significa que, à partida, a presunção de paternidade não
funcionaria. No entanto, como foi celebrado um casamento, entende-se que não há
razões para que a presunção de paternidade não funcione nestes casos.
2. No plano do ius constituto, a presunção de paternidade só funciona em relação a
casados, não funcionando por via analógica em relação a unidos de facto. No entanto,
no plano do ius constituendo, tal solução poderá vir a ser admissível.

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3. Tratando-se de uma presunção de paternidade, ela pode ser ilidida mediante prova em
contrário.
4. Pode acontecer que, apesar de o filho ter nascido ou ter sido concebido na constância
do matrimónio, a presunção de paternidade não chegue a funcionar:
- 1828º CC: Relativamente ao filho nascido dentro dos 180 dias posteriores à
celebração do casamento (ou seja, foi concebido antes da celebração do casamento), não
funciona a presunção de paternidade se a mãe ou o marido declararem no ato do registo
do nascimento que o marido não é o pai.
- 1829º CC: Não funciona a presunção de paternidade se o nascimento do filho
ocorrer passados 300 dias depois de finda a coabitação dos cônjuges, nomeadamente
nas seguintes situações:
a) Tratando-se de divórcio ou de separação de pessoas e bens por mútuo
consentimento
b) Tratando-se de divórcio ou de separação de pessoas sem consentimento de um dos
cônjuges na data da citação do réu para a ação ou na data que a sentença fixar como a da
cessação da coabitação
c) Na data em que deixou de haver notícias do marido, conforme decisão proferida
em ação de nomeação de curador provisório, justificação de ausência ou declaração de
morte presumida.
- 1832º CC: A mulher casada pode fazer a declaração do nascimento com a
indicação de que o filho não é do marido.
Uma coisa é a presunção de paternidade não funcionar (1828º, 1829º e 1832º CC).
Outra coisa é a presunção de paternidade funcionar, mas ser ilidida mediante prova
em contrário, feita no âmbito de uma ação de impugnação da paternidade
presumida (1838º e ss. CC).
→ Legitimidade ativa: De acordo com o artigo 1839º CC, a paternidade do filho
pode ser impugnada pelo marido da mãe, por esta, pelo filho ou pelo Ministério
Público (1839º, n. 1 CC), a requerimento de quem se declarar pai do filho, se for
reconhecida pelo tribunal a viabilidade do pedido (1841º, n. 1 CC).
→ Prova: Como se trata de uma ação de impugnação da paternidade presumida, se
fossem de seguir as regras gerais, ter-se-ia que provar o facto contrário (marido da
mãe não é o pai) do facto presumido (o marido da mãe é pai). No entanto, a lei não
exige tanto, devendo o autor provar na ação que, de acordo com as circunstâncias, a
paternidade do marido da mãe é manifestamente improvável (1839º, n. 1 CC). Esta
prova não é necessária quando a mãe ou o marido impugnam a paternidade do filho
nascido dentro dos 180 dias posteriores à celebração do casamento (1840º, n. 1
CC).
→ Prazos: A ação de impugnação de paternidade pode ser intentada dentro dos
prazos previstos no artigo 1842º CC.

2) Perfilhação: A perfilhação, que se encontra regulada nos artigos 1849º e ss. CC, é o
ato através do qual determinado sujeito declara a paternidade.
- Características principais: O ato de perfilhação tem como principais características:
1. Unilateralidade: O ato de perfilhação é composto apenas por uma declaração
manifestada pelo perfilhante. Todavia, a lei prevê a possibilidade de o perfilhado
recusar a perfilhação, nos termos do artigo 1857º, n. 1 CC.
2. Pessoalidade: O ato de perfilhação é um ato que, em regra, não pode ser feito por
representação. Todavia, a lei prevê a possibilidade de a perfilhação ser feita por
intermédio de procurador com poderes especiais, nos termos do artigo 1849º CC.

38
3. Liberdade: O ato de perfilhação é um ato que resulta de uma manifestação de
vontade livre (não pode ser feita sob coação moral) e esclarecida (não pode ser feita em
erro). Relativamente a esta questão, coloca-se a questão de saber se alguém tem a
liberdade de perfilhar ou tem um dever de perfilhar. De acordo com Francisco Pereira
Coelho, enquanto alguém tiver o direito de ajuizar uma ação de investigação da
paternidade contra determinado sujeito que o venha a reconhecer como pai, esse sujeito
tem um dever jurídico de perfilhar. A partir do momento em que deixa de ser possível
ajuizar a dita ação, esse sujeito deixa de ter um dever jurídico de perfilhar.
- Forma: A perfilhação pode fazer-se por declaração prestada perante o funcionário do
registo civil, por testamento, por escritura pública ou por termo lavrado em juízo (1853º
CC).
- Capacidade: Têm capacidade para perfilhar os indivíduos com mais de 16 anos, se
não forem maiores acompanhados com restrições ao exercício de direitos pessoais nem
forem afetados por perturbação mental notória no momento da perfilhação (1850º, n. 1
CC).
- Tempo de perfilhação: A perfilhação pode ser feita a todo o tempo, antes ou depois
do nascimento do filho ou depois da morte deste (1854º CC).
- Perfilhação de nascituro: A perfilhação de nascituro só é válida se for posterior à
conceção e o perfilhante identificar a mãe (1855º CC).
- Perfilhação de filho falecido: A perfilhação posterior à morte do filho só produz
efeitos em favor dos seus descendentes (1856º CC).
- Impugnação da perfilhação: Existem três formas para impugnar a perfilhação:
1859º CC: A perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável em juízo
mesmo depois da morte do perfilhado. A ação pode ser intentada, a todo o tempo, pelo
perfilhante, pelo perfilhado, ainda que haja consentido na perfilhação, por qualquer
outra pessoa que tenha interesse moral ou patrimonial na sua procedência ou pelo
Ministério Público. A mãe ou o filho, quando autores, só terão de provar que o
perfilhante não é o pai se este demonstrar ser verosímil que coabitou com a mãe do
perfilhado no período da conceção.
1860º CC: A perfilhação é anulável judicialmente a requerimento do perfilhante
quando viciada por erro sobre circunstâncias que tenham contribuído decisivamente
para o convencimento da paternidade ou coação moral.
1861º CC: A perfilhação é anulável por incapacidade do perfilhante a
requerimento deste ou de seus pais, tutor ou acompanhante, se assim resultar de
medidas de acompanhamento judicialmente decretadas.
- Irrevogabilidade da perfilhação: A perfilhação é irrevogável e, quando feita em
testamento, não é prejudicada pela revogação deste (1858º CC).
3) Reconhecimento judicial da paternidade: Nos termos do artigo 1864º CC, sempre
que seja lavrado registo de nascimento de menor apenas com a maternidade
estabelecida, deve o funcionário remeter ao tribunal certidão integral do registo, a fim
de se averiguar oficiosamente a identidade do pai. O tribunal deve proceder às
diligências necessárias para identificar o pai. Esta averiguação pode ter dois resultados:
1. Ou não se chega a nenhum resultado.
2. Ou o tribunal fica convencido sobre a identidade da pretensa mãe. Neste caso, o
tribunal deve ouvir o pretenso pai em declarações.
→ Estabelecimento da paternidade por perfilhação: Se o pretenso pai confirmar a
paternidade será lavrado termo em juízo.
→ Estabelecimento da paternidade por reconhecimento judicial da
paternidade: Se o pretenso pai não confirmar a paternidade, mas o tribunal continuar
convencido que ele é de facto o pai, ordenará a remessa do processo ao Ministério

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Público a fim de a ação de investigação da paternidade ser proposta e o pai possa ser
eventualmente reconhecido judicialmente como pai (1865º e ss. CC).
1. Legitimidade ativa:
De acordo com o artigo 1869º CC, a paternidade pode ser reconhecida em ação de
investigação da paternidade pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for
pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra. Para além do filho, tem ainda
legitimidade ativa o Ministério Público quando o pretenso pai não confirme a
paternidade depois de realizada a averiguação oficiosa da paternidade.
2. Prova da paternidade:
O filho deve provar que existe um vínculo biológico entre ele e o investigado. Existem
dois meios de prova dos quais o filho pode lançar mão para provar a existência desse
vínculo biológico:
- Prova direta: O filho poderá provar a paternidade através da realização de um teste de
ADN.

1) Coloca-se a questão de saber se o investigado poderá recusar-se a fornecer


material genético seu, impedindo, deste modo, a realização do teste de ADN.
→ Se o investigado recusar-se a fornecer material genético seu, incorre numa multa
por se tratar de um comportamento ilícito/uma recusa de cooperação com o tribunal.
2. Coloca-se a questão de saber se o investigado poderá ser coagido a fornecer
material genético seu.
→ De acordo com o princípio processual de incoercibilidade, que decorre do artigo
417º, n. 3 CPC, parece que o investigado não pode ser coagido a fornecer material
genético seu.
Não fornecendo material genético seu e pagando uma multa pelo comportamento
ilícito, o investigado torna impossível a prova da paternidade ao investigante. Nestas
hipóteses, de acordo com o artigo 344º, n. 2 CC, o ónus da prova inverte-se, ficando
presumida a paternidade e tendo o investigado que ilidir essa presunção.

- Prova indireta: O filho poderá provar cumulativamente dois factos de cuja


verificação resulta a prova da paternidade:
1. O filho deve provar que o investigado tenha tido relações sexuais com a sua mãe
durante o período legal de conceção.
2. O filho deve provar que a sua mãe não tenha tido relações sexuais com outros
homens durante o período legal de conceção.
No caso de não ser possível provar a paternidade através da prova indireta, a lei
estabelece no artigo 1871º CC várias presunções que visam auxiliar o investigante:
n. 1: A paternidade presume-se:
a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e
reputado como filho também pelo público
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare
inequivocamente a sua paternidade
c) Quando, durante o período legal da conceção, tenha existido comunhão
duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato
duradouro entre a mãe e o pretenso pai
d) Quando o pretenso pai tenha seduzido a mãe, no período legal da conceção, se
esta era virgem e menor no momento em que foi seduzida, ou se o consentimento
dela foi obtido por meio de promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de
autoridade

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e) Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o
período legal de conceção
n. 2: A presunção considera-se ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a
paternidade do investigado.
3. Prazos para o ajuizamento da ação de investigação da paternidade:
Existem vários prazos para o ajuizamento da ação de investigação da paternidade,
aplicando a este respeito, mutatis mutandis, o artigo 1817º, n. 1 CC, nos termos do qual
a ação de investigação da paternidade só pode ser proposta…:
- … durante a menoridade do investigante, tendo de se fazer representar em juízo.
- … nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (ou seja até aos 28 anos).
A ação pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos
seguintes factos (1817º, n. 3 CC):
- Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a paternidade do investigante.
- Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no
artigo 1817º, n. 1 CC, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação,
designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai.
- Em caso de inexistência de paternidade determinada, quando o investigante tenha tido
conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem
a investigação.
-» Exemplo: A nunca soube a identidade do seu pai. Foi crescendo, fez 28 anos e não
propôs uma ação de investigação da paternidade porque não tinha na sua posse
quaisquer pistas acerca da identidade do seu pai. Aos 50 anos, chegou-lhe ao
conhecimento um diário no qual um homem diz que é seu pai. Nestes casos, a lei
permite a reabertura do prazo para o ajuizamento da ação.
4.3 Efeitos da filiação
4.3.1 Princípios gerais
1) De acordo com o artigo 1874º CC (deveres de pais e filhos) pais e filhos devem-se
mutuamente respeito, auxílio e assistência. Trata-se de deveres recíprocos entre pais e
filhos que assumem uma direção própria [dirigem-se sobretudo dos pais para com os
filhos], uma intensidade própria [devido à vulnerabilidade dos filhos] e um conteúdo
próprio [conteúdo das responsabilidades parentais] durante a menoridade dos filhos.
2) De acordo com o artigo 1875º CC (nome do filho), o filho usará apelidos do pai e da
mãe ou só de um deles. A escolha do nome próprio e dos apelidos do filho menor
pertence aos pais; na falta de acordo, decidirá o juiz, de harmonia com o interesse do
filho. Se a maternidade ou paternidade forem estabelecidas posteriormente ao registo do
nascimento, os apelidos do filho poderão ser alterados.
3) De acordo com o artigo 1876º CC (atribuição dos apelidos do marido da mãe),
quando a paternidade se não encontre estabelecida, poderão ser atribuídos ao filho
menor apelidos do marido da mãe se esta e o marido declararem, perante o funcionário
do registo civil, ser essa a sua vontade. Nos dois anos posteriores à maioridade ou à
emancipação o filho pode requerer que sejam eliminados do seu nome os apelidos do
marido da mãe.
4.3.2 Responsabilidades parentais
1) Terminologia: As responsabilidades parentais são poderes-deveres que devem ser
exercidos pelos pais no interesse do seu(s) filho(s). A expressão “responsabilidades
parentais” é uma expressão relativamente nova, tendo sido utilizada a expressão “poder

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paternal” até à Reforma de 2008. Embora a expressão não seja a mesma, o seu conteúdo
manteve-se inalterado.
2) Duração das responsabilidades parentais: De acordo com o artigo 1877º CC, os
filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação.
No entanto, a lei permite que certas responsabilidades parentais possam…:
- …durar para além da maioridade/emancipação: De acordo com o artigo 1880º
CC, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver
completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de sustento e de
assunção das despesas relativas à segurança, saúde e educação dos filhos na medida em
que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento (1) e pelo tempo normalmente
requerido para que aquela formação se complete (2).
- … cessar antes da maioridade/emancipação: De acordo com o artigo 1879º CC,
de acordo com o qual os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de
assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os
filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros
rendimentos, aqueles encargos.
3) Modo como são exercidas as responsabilidades parentais: A relação que existe
entre pais e filhos é uma relação entre desiguais, uma vez que…:
- … as responsabilidades parentais são exercidas no interesse dos filhos (1878º, n. 1
CC).
- … os pais surgem numa posição hierarquicamente superior à posição dos filhos,
devendo os filhos obediência aos pais (1878º, n. 2, primeira parte CC). No entanto, os
pais, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em conta a sua opinião nos
assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria
vida (1871º, n. 2, segunda parte CC). Isto significa que, à medida que os filhos vão
amadurecendo, a relação entre pais e filhos vai desvanecendo e, por isso, o exercício das
responsabilidades parentais.
4) Finalidades das responsabilidades parentais: São duas as finalidades das
responsabilidades parentais cujo peso vai variando ao longo do tempo:
1. Finalidade de proteção do filho: Durante a menoridade do filho, esta finalidade
tem uma maior importância do que aquela finalidade.
2. Finalidade de promoção do desenvolvimento do filho: À medida que o filho vai
crescendo, esta finalidade vai paulatinamente adquirindo maior importância em
detrimento daquela finalidade.
5) Conteúdo das responsabilidades parentais: De acordo com o artigo 1878º CC,
compete aos pais, no interesse dos filhos…:
- Responsabilidades parentais de caráter pessoal: …velar pela segurança e saúde destes,
prover ao seu sustento, dirigir a sua educação (1885º e 1886º CC)…
- Responsabilidades parentais de caráter patrimonial: …, representá-los (1), ainda que
nascituros, e administrar os seus bens (2).
1) Quanto às responsabilidades representativas, uma vez que os menores são
incapazes de exercício de direitos, podem ser representados pelos seus pais. De acordo
com o artigo 1881º, n. 1 CC, o poder de representação compreende o exercício de todos
os direitos e o cumprimento de todas as obrigações do filho, excetuados os atos
puramente pessoais, aqueles que o menor tem o direito de praticar pessoal e livremente
(127º CC) e os atos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais (1888º
CC). No entanto, de acordo com o artigo 1889º CC, como representantes do filho não
podem os pais, sem autorização do tribunal, praticar determinados atos.
2) Quanto às responsabilidades administrativas, são de salientar três pontos:
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- De acordo com o artigo 1896º CC, os pais podem utilizar os rendimentos dos
bens do filho para satisfazerem as despesas com o sustento, segurança, saúde e
educação deste, bem como, dentro dos justos limites, com outras necessidades da vida
familiar.
- De acordo com o artigo 1897º CC, os pais devem administrar os bens dos filhos
com o mesmo cuidado com que administram os seus.
- De acordo com o artigo 1898º e 1899º CC, os pais não são obrigados a prestar
caução como administradores dos bens do filho nem a prestar contas.
6) Articulação do exercício das responsabilidades parentais: O exercício das
responsabilidades parentais compete aos pais em condições de igualdade. A este
propósito, coloca-se a questão de saber como se articula o exercício das
responsabilidades parentais pelos pais. Para esse efeito, ter-se-á que distinguir entre:
- Quando os pais estão casados ou em união de facto, vigoram os artigos 1901º e
1902º CC: Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais
pertence a ambos os pais. Os pais exercem as responsabilidades parentais de comum
acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode
recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação. No entanto, se um dos pais praticar um
ato que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de
acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos
os progenitores (1) ou se trate de ato de particular importância (2).
- Quando os pais estão divorciados: Relativamente a esta questão, existem três
problemas fundamentais:
1. Quem deve pagar as despesas relacionadas com o filho? Entende-se que
ambos devem pagar as despesas relacionadas com o filho, de acordo com as respetivas
possibilidades. As partes podem chegar a um acordo de regulação das responsabilidades
parentais, no qual fixam quem é que deve pagar o quê. Quando tal não seja possível,
deverá o tribunal chegar a uma conclusão relativamente a esta questão.
2. Com quem passa o filho a residir? Até 2020, entendia-se que o filho deveria
ficar a residir com um dos progenitores, sendo o outro progenitor titular de um direito
de visita do filho (1906º, n. 5 CC). No entanto, a Lei n. 65/2020, de 4 de Novembro
acrescentou o número 6 ao referido artigo, de acordo com o qual, quando corresponder
ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o
tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores.
3. Quem toma as decisões relativas ao filho menor? Poder-se-á distinguir três
categorias de atos:
→ Atos de particular importância para a vida do filho: As responsabilidades
parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são
exercidas em comum por ambos os progenitores (1906º, n. 1 CC). Se não for possível
chegar a um acordo, qualquer um deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a
conciliação (1901º, n. 2 CC). No entanto, a lei dispensa que haja esse acordo comum
nos casos de urgência manifesta (1), em que qualquer dos progenitores pode agir
sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível e nos casos em que o
exercício comum das responsabilidades parentais relativas a estas questões for julgado
contrário aos interesses deste (2), devendo o tribunal, através de decisão fundamentada,
determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores
(1906º, n. 2 CC). Para este efeito, considera-se que o exercício em comum das
responsabilidades parentais pode ser julgado contrário aos interesses do filho nos casos
previstos no artigo 1906º-A CC.

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São dois os critérios que permitem averiguar se determinado ato tem ou não
“particular importância para a vida do filho”:
- É necessário que o ato em causa ponha em causa direitos fundamentais do filho.
- É necessário que o ato em causa tenha um impacto efetivo na vida do filho.
-» Exemplo: intervenção cirúrgica que envolve riscos, emigração, etc.
→ Atos da vida corrente do filho: O exercício das responsabilidades parentais
relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele se encontra
(1906º, n. 3, primeira parte CC).
→ Orientações educativas mais relevantes: O progenitor com quem o filho se
encontra temporariamente, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as
orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com
quem o filho reside habitualmente (ex. a que horas se deve deitar, a que horas deve
comer, quantas horas são reservadas ao estudo e à brincadeira, etc.).
Outras situações:
1. Separação de pessoas e bens: Aos cônjuges separados de facto são aplicáveis as
disposições dos artigos 1905º e 1906º CC [disposições relativas ao divórcio] (1909º
CC).
2. União de facto: Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a
ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-
se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901º a 1904º
[disposições relativas ao divórcio] (1911º, n. 1 CC). No caso de cessação da
convivência entre os progenitores, são aplicáveis as disposições dos artigos 1905º a
1908º [disposições relativas ao divórcio], bem como o disposto no n. 2 do artigo
1909º, sempre que os progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício
das responsabilidades parentais (1911º, n. 2 CC).
3. Quando a filiação se encontre estabelecida relativamente a ambos os progenitores
e estes não vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-se ao exercício das
responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1904º a 1908º [disposições
relativas ao divórcio] (1912º, n. 1 CC). No âmbito do exercício em comum das
responsabilidades parentais, aplicam-se as disposições dos artigos 1901º e 1903º,
sendo igualmente aplicável o disposto no n. 2 do artigo 1909º, sempre que os
progenitores pretendam regular por mútuo acordo o exercício das responsabilidades
parentais (1912º, n. 2 CC).

7) Inibição e limitações ao exercício das responsabilidades parentais: A lei prevê


ainda algumas disposições relativamente à inibição (1) e a limitações ao exercício das
responsabilidades parentais (2):
1. Os progenitores, ou apenas um deles, podem ser inibidos do exercício das
responsabilidades parentais, sendo de distinguir:
- Inibição por direito/automática (1913º CC e 1914ºCC)
- Inibição judicial (1915º CC e 1916º CC)
→ De acordo com o artigo 1917º CC, a inibição do exercício das responsabilidades
parentais em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho.
2. Os progenitores, ou apenas um deles, podem ser limitados ao exercício das
responsabilidades parentais, sendo de distinguir:
- Limitações de caráter pessoal (1918º CC e 1919º CC)
- Limitações de caráter patrimonial (1920º CC)

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