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Maria Paixão-2 - dfm

Direito da Familia (Universidade de Coimbra)

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Maria Paixão Direito da Família e dos Menores – 2016/17


Introdução
Capítulo I – Noções fundamentais
1. Noção jurídica de família; as relações familiares
A noção jurídica de família encontra-se implicitamente fixada no art. 1576º CC, o qual considera como fontes das
relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção. Uma reparação deve ser feita a este
preceito: se o casamento e adoção, como atos jurídicos, se podem dizer fontes das relações familiares, já a afinidade
e o parentesco são, em si mesmos, relações familiares (pois não dependem de qualquer ato jurídico para se
constituírem). As relações referidas podem ser definidas como:
 Relação matrimonial: relação que em consequência do casamento liga os cônjuges entre si. Esta relação,
afetando profundamente o estado dos cônjuges, repercute-se imediatamente nas relações obrigacionais e
reais de que aqueles sejam titulares.
 Relações de parentesco: relações que se estabelecem entre pessoas que têm o mesmo sangue, porque
descendem umas das outras ou porque provêm de progenitor comum. As mais importantes relações de
parentesco são aquelas que se estabelecem entre pais e filhos – as relações de filiação.
 Relações de afinidade: relações que se assumem como efeito da relação matrimonial, pois ligam um dos
cônjuges aos parentes do outro.
 Relações de adoção: relações que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de
sangue, se estabelecem entre adotante e adotado, ou entre um deles e os parentes do outro.
Com base no que foi dito, poderá entender-se como noção jurídica de família, em senti lato: o conjunto de pessoas
ligadas entre si por laços matrimoniais, adotivos, de parentesco e de afinidade. Alguns autores, entende que a família
jurídica não abrange somente as relações referidas no art. 1576º CC entendem dever acrescentar-se a esta noção as
relações emergentes da união de facto, do apadrinhamento civil ou a paternidade não biológica consentida no quadro
da procriação medicamente assistida.
! Uma nota importante a fazer a respeito do que foi dito é a de que a família, em sentido jurídico, constitui um grupo
de pessoas, mas não é ela própria uma pessoa jurídica. Não quer isto dizer que a lei não reconheça o grupo familiar
como portador de interesses próprios. Simplesmente, o “interesse” ou o “bem” da família é prosseguido através das
próprias pessoas singulares que integram o grupo familiar.
É ainda de sublinhar que a esta noção jurídica de família não tem de corresponder necessariamente uma qualquer
realidade social. Aliás, sociologicamente, a família é quase sempre, nos tempos de hoje, a “pequena família”, composta
pelos cônjuges e pelos filhos menores, e, eventualmente, pelos pais dos cônjuges.
2. Relações parafamiliares
Ao lados das relações familiares expressamente consagradas no art. 1576º CC, podem identificar-se outras que, não
merecendo essa qualificação (pelo menos aos olhos do legislador), são conexas com as relações de família, estando
até equiparadas a elas para determinados efeitos, ou são condição de que depende a produção dos efeitos que a lei
confere às relações familiares. Estas relações “paralelas” são comummente designadas de “relações parafamiliares”.
3. O Direito da Família e as suas divisões
Podemos definir o direito da família como “o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações de família (a
relação matrimonial e as relações de parentesco, afinidade e adoção), as relações parafamiliares e ainda as que, não
sendo em si mesmas familiares ou parafamiliares, todavia se constituem e desenvolvem na sua dependência”.
É costume distinguir o direito da família em três grandes ramos:
Direito matrimonial Direito da filiação Direito da tutela
Estudo da constituição, modificação e Estudo das relações de filiação e, por Estudo da constituição e
extinção da relação matrimonial vezes, da matéria da adoção funcionamento da organização tutelar
4. Fontes do Direito da Família
No que respeita o Código Civil, onde se encontram vertidas as normas fundamentais sobre o direito da família, todo o
Livro IV respeita, exatamente, à regulamentação das relações familiares e parafamiliares (e ainda outras relações com
elas conexas). De outras fontes do direito da família destacam-se como mais importantes:
 A Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (18 de maio de 2014);
 O Regulamento nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro;
 O Código do Registo Civil;
 O DL nº 314/78, de 27 de outubro, relativo à Organização Tutelar de Menores;
 O Código Penal (arts. 247º a 250º - “crimes contra a família”).

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Ao direito da família interessam ainda algumas disposições do Código de Processo Civil

Capítulo II – Relações familiares distintas da relação matrimonial


1. Parentesco
1.1 Noção e limite
O parentesco traduz-se, como se compreende, na consanguinidade: são parentes as pessoas que descendem umas
das outras ou que procedem de progenitor comum (art. 1578º/1 CC). Diz-se no primeiro caso (pessoas que descendem
umas das outras) que o parentesco é em linha reta, e no segundo (pessoas que procedem de progenitor comum) que
o parentesco é em linha transversal ou colateral – art. 1580º/1 CC.
Deverá, desde já, atentar no limite que o art. 1582º CC coloca à relevância jurídica do parentesco: em regra, os efeitos
do parentesco só se produzem até ao 6º grau da linha colateral, ainda que se produzam sempre e em qualquer grau
na linha reta.
1.2 Contagem
Uma vez que as relações de parentesco são, na realidade, muito numerosas, recorre-se à contagem do parentesco
para definir e ordenar uma hierarquia entre elas. O parentesco conta-se por linhas e graus: “cada geração forma um
grau, e a série de graus constitui a linha de parentesco” (art. 1579º CC). De um modo esquemático:
 Linha: conjunto de graus de parentesco, podendo assumir-se como:
a) Reta: relações entre pessoas que descendem umas das outras;
b) Colateral: relações entre pessoas que procedem de progenitor comum;
a) Descendente: linha considerada partindo do ascendente para o que dele procede;
b) Ascendente: linha considerada no sentido daquele que procede de outrem para o seu progenitor;
a) Paterna: relações que derivam, para o filho, da família do pai;
b) Materna: relações que derivam, para o filho, da família da mãe.
 Grau: conjunto de relações correspondentes a uma geração da família.
A contagem do grau de parentesco faz-se segundo as regras do art. 1581º CC: na linha reta há tantos graus
quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor; na linha colateral os graus
contam-se subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, sem contar com o progenitor comum.
A
B C
D E F
B + C = 2º grau da linha colateral (irmão)
A + B ou A + C = 1º grau da linha reta (pai e filho(s))
A + D ou A + E ou A + F = 2º grau da linha reta (avô e neto(s))
B + F ou C + D ou C + E = 3º grau da linha colateral (tio e sobrinho (s))
D + F ou E + F = 4º grau da linha colateral (primos direitos)
1.3 Efeitos
Os efeitos do parentesco variam consoante a relação de parentesco que se considere, sendo a sua relevância maior
ou menor consoante sejam relações mais apertadas ou mais frouxas. O efeito principal do parentesco é o sucessório
(arts. 2133º/1 e 2157º CC). Outro importante efeito é a obrigação de alimentos, imposta pela lei a determinados
parentes (arts. 2009º, 2010º/1 CC). Noutro prisma, por morte do arrendatário, e na falta de cônjuge ou pessoa com
quem aquele vivesse em união de factos há mais de 1 ano, o direito de arrendamento para habitação transmite-se aos
seus parentes que com ele residiam há mais de 1 ano em economia comum (art. 1106º CC). Da qualidade de parente
pode ainda derivar a obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de família (arts. 1931º/1 e 1952º/1 CC).
Refira-se ainda que o art. 1639º CC confere legitimidade para intentar a ação de anulação do casamento fundada em
impedimento dirimente a qualquer dos parentes em linha reta ou até ao 4º grau da linha colateral. Também a ação
de anulação do casamento por falta ou vício da vontade pode ser prosseguida por qualquer parente do cônjuge (arts.
1640º/2 e 1641º CC).
No que respeita concretamente as relações de filiação, sobressaem as responsabilidade parentais (arts. 1877º e ss.
CC) como efeitos específicos.
Por último, refira-se ainda que os efeitos do parentesco poderão traduzir-se ainda em limitações ou restrições à
capacidade jurídico: impedimentos dirimentes (art. 1602º/ a) e b) CC); impedimentos impedientes (art. 1604º/c) CC);
impossibilidades de averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade (arts. 1809º/a) e 1866º/a) CC); etc.

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2. Afinidade
2.1 Noção; fonte e duração
A afinidade é o vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro (art. 1584º CC). Importante é sublinhar que
afinidade não gera afinidade (ex.: o padrasto não é afim da mulher do enteado).
Como se compreende, a fonte das relações de afinidade é o casamento. Portanto, a afinidade só começa com a
celebração do casamento, não operando retroativamente. Porém, nos termos do art. 1585º CC, a afinidade não cessa
pela dissolução do casamento por morte”, o que significa que não subsistirá no caso de a dissolução se dar mediante
divórcio.
2.2 Contagem
A contagem das relações de afinidade contam-se de igual forma à contagem do parentesco: o cônjuge assume, em
relação aos familiares do outro, a posição deste último (na minha linha e grau) – ex.: o cônjuge será afim em 2º grau
do irmão do outro cônjuge (portanto, do seu cunhado).
2.3 Efeitos
Os efeitos da afinidade são menos extensos que os do parentesco. Desde logo, os afins não têm direitos sucessórios e
a obrigação de alimentos só é imposta a madrastas ou padrastos relativamente a enteados menores. Poderão suceder
no direito de arrendamento em caso de falecimento do arrendatário. Nos termos dos arts. 1931º/1 e 1952º/1 CC,
poderá recair sobre os afins a obrigação de exercer tutela ou integrar o conselho de família. Quanto aos efeitos que
se traduzem em restrições à capacidade, são os mais relevantes: impedimento dirimente (art. 1602º/c) CC);
impossibilidade de averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade (arts. 1809º/a) e 1866º/a) CC).
3. Adoção
3.1 Noção e espírito do instituto
A adoção é vínculo que, à semelhança da filiação natural mais independentemente dos laços de sangue, se estabelece
legalmente entre duas pessoas nos termos dos arts. 1973º e ss. (art. 1586º CC). No fundo, a adoção é como que um
“parentesco legal”, criando à semelhança do “parentesco natural” que é a filiação.
3.2 Modalidades
Atualmente, a adoção pode ser:
 Conjunta: feita por um casal (duas pessoa casadas ou que vivam em união de facto);
 Singular: feita por uma só pessoa (independentemente de ser ou não casada).
NOTA: a distinção entre adoção plena e restrita deixou de relevar uma vez que esta última modalidade foi eliminada.

Capítulo III – Relações parafamiliares


1. Relações entre esposados
Os esposados são pessoas que estão para casar. Ora, entre eles não se estabelece qualquer relação de família, ainda
que a lei tome em conta a relação existente para diversos efeitos. Desde logo, os arts. 1591º a 1595º CC regulam o
contrato-promessa de casamento. Também as doações do esposados feitas em vista do casamento têm disciplina
própria (arts. 1753º a 1760º CC). A par destes outros efeitos legais poderiam ser apontados.
2. Relação entre ex-cônjuges
O divórcio extingue a relação matrimonial, mas a relação entre ex-cônjuges continua a ter relevância jurídica,
nomeadamente em matéria de apelidos adotados na constância do casamento, de obrigação de alimentos ou de
pensão de sobrevivência por morte do ex-cônjuge.
3. Vida em economia comum
A relação de vida em economia comum foi institucionalizada pela Lei nº 6/2001, de 11 de maio. Entende-se que vivem
em economia comum as pessoas cuja relação preencha os seguintes pressupostos – art. 2º/1:
1. Vivem em comunhão de mesa e habitação;
2. A comunhão dura há mais de 2 anos;
3. Tenham estabelecido uma vivência de entreajuda ou partilha de recursos.
Pode tratar-se de familiares ou de estranhos, de pessoas do mesmo sexo ou de pessoas de sexo diferente, ou de duas
ou mais pessoas. Não haverá vida em economia comum nos casos elencados no art. 3º do diploma.
A vida em economia comum é distinta da união de facto, embora a coabitação em união de facto não impeça a
aplicação dos preceitos da lei que regula a vida em economia comum (art. 1º/3). De facto, quem vive em união de
facto vive em economia comum, ainda que o inverso não seja necessariamente verdade. Isto porque a união de facto
exige, além da comunhão de mesa e habitação, a comunhão de leito.

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Os direitos conferidos às pessoas que vivem em economia comum são mais fracos do que os conferidos às pessoas
que vivem em união de facto, e constam do art. 4º/1 da lei em apreço. Numa comparação sintética:
Vida em economia comum União de facto
 Não há direito a proteção social, às prestações por morte  Aquele que viva em união de facto tem aqueles três
nos termos do Código do Trabalho nem à pensão de direitos referidos (arts. 3º/e), f) e g) da Lei nº 7/2001, de
preço de sangue; 11 de maio);
 Não se aplicam os arts. 1105º e 1793º CC respeitantes à  Há proteção da casa de morada comum nos termos dos
proteção da casa de morada comum; arts. 1105º e 1793º CC (art. 4º Lei nº 7/2001);
 Em caso de morte do proprietário da casa, nem sempre  O art. 5º da Lei nº 7/2001 estabelece um regime de
há direito de habitação nem de uso do recheio, ou de proteção da casa de morada comum em caso de morte
preferência na venda, aplicável àqueles que com ele de um dos elementos da união de facto, no qual são
vivam em economia comum; conferidos aqueles direitos;
 O sobrevivo ocupa um lugar inferior na hierarquia  Quanto à questão do arrendamento por morte, a pessoa
relativa à transmissão do arrendamento por morte (art. que vive em união de facto é equiparada ao cônjuge (art.
1106º/1 CC). 1106º/1 CC).
Outros efeitos da vida em encomia em comum são:
 Regime jurídico de férias, feriados e faltas aplicável por efeito de contrato de trabalho equiparado ao dos
cônjuges (arts. 241º/7 e 251º/2 CT);
 Regime de IRS nas mesmas condições dos sujeitos passivos casados (arts. 14º, 59º e 69º CIRS);
 Salvo verificação das circunstâncias previstas no art. 5º/2 e 3, as pessoas com quem o proprietário da casa viva
em economia comum podem gozar de direito real de habitação e de direito de preferência em caso de
falecimento deste último;
 Sucessão no direito de arrendamento, nos termos do art. 1106º/1 CC.
NOTA: diversas disposições legais anteriores ao diploma analisado utilizavam já a expressão “vida em comum” ou “vida
em economia comum” ou ainda “comunhão de mesa e habitação”. Consequentemente, é de referir que a nova lei em
nada vem alterar essas disposições, designadamente não sendo exigível que a comunhão se verifique há 2 anos.
4. Relação entre tutor e tutelado
O tutor pode ser da família do tutelado, mas também pode não o ser (art. 1931º CC). Ainda assim, a relação
estabelecida entre os dois deve considerar-se como relação parafamiliar, tanto mais que o tutor tem, em princípio, os
mesmos direitos e obrigações que os pais (art. 1935º/1 CC).
5. Pessoa a cargo de outra
O facto de uma pessoa estar ao cuidado ou a cargo de outra tem importantes efeitos no âmbito do direito da família.
É, por exemplo, requisito da adoção que o adotado tenha estado ao cuidado do adotante durante certo período de
tempo (art. 1974º/2 CC). Noutro prisma, os pais ou avós a cargo do contribuinte à data da sua morte têm direito a
pensão de sobrevivência ou a subsídio por morte.

Capítulo IV – Aspetos sociológicos


1. Da “grande família” à “pequena família”
A noção jurídica de família enunciada [vide supra: cap. I, 1.] não corresponde a uma realidade sociológica. Nas modernas
sociedades industriais, a família sociológica é, as mais das vezes, a “pequena família” (ou “família nuclear”): os
cônjuges e os filhos menores, e, eventualmente, os pais dos cônjuges, tias(os), etc. A “pequena família” apresenta-se
também, muitas vezes, como uma família incompleta (ex.: a mãe solteira e o filho).
2. Funções da família
A evolução da família mostra-nos que esta tempo perdido algumas das suas funções tradicionais, designadamente a
função política (sujeição dos membros da família ao paterfamilias), a função económica (família como unidade de
produção), as funções educativa, de assistência e de segurança – as quais também tendem progressivamente a ser
assumidas pela própria sociedade – e a função patrimonial (a família como suporte de um património de que se
pretenda assegurar a conservação e transmissão).
A desfuncionalização da família reforçou a sua intimidade, permitindo a revelação das funções essenciais e irredutíveis
do grupo familiar: mútua gratificação afetiva entre os cônjuges; transmissão cultural relativa aos filhos.
3. Do casamento “instituição” ao casamento “relação pura”

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1. Casamento aliança: até ao séc. XIX, as uniões oficiais eram determinadas pelo grupo a que pertenciam os noivos
e a vida matrimonial decorria no quadro desse grupo, respeitando os seus valores e as suas exigências, com um
destino pré-definido, com relevância fundamentalmente económica e reprodutiva.
2. Casamento por amor: o séc. XIX impôs a generalização, em toda a Europa, do modelo de família “nuclear”,
formado a partir de uma nova cultura do casamento, que passou a ser assunto dos parceiros. Ainda assim, a
relação matrimonial continuava submetida a um código de valores comuns (o qual determinada um estatuto
desigual para homens e mulheres). O conteúdo do casamento apresentava-se “dado” pelas normas de conduta
generalizadas e uniformes.
3. Casamento relação pura: no início dos anos 70 inicia-se a democratização da família, permitindo a libertação da
mulher do estatuto desigual para o qual tinha sido confinada até aí. Temos finalmente dois parceiros conjugais
com papéis nivelados entre si, procurando na comunhão conjugal a maior realização pessoal e satisfação
possível. Esta procura pela realização pessoal traduz-se, mais recentemente, num movimento individualista –
cada um exige da união conjugal mais do que alguma vez se pretendeu, porque as exigências a nível pessoal são
também cada vez mais elevadas. A união matrimonial perde o seu caráter de instituição, regulada pelas
exigências externas: perdem terreno as regras impostas pelo Estado e pela Igreja. Assiste-se, neste contexto, à
criação de sistemas internamente referenciais, originando a família auto-poiética. Em suma, o casal é cada vez
mais o seu próprio legislador.
4. Consequências nos sistemas jurídicos
A ideia de igualdade entre os dois parceiros, aliada à privatização do amor e ao enfraquecimento das referências
externas, têm produzido a diminuição do conteúdo imperativo do casamento, designadamente dos “efeitos pessoais
do casamento”. A ideia de que o amor é assunto exclusivo dos amantes supõe que os sistemas jurídicos eliminem
progressivamente os conteúdos que hoje não servem a todos indiscutivelmente. Todo este panorama é adensado pelo
facto de, num mundo globalizado, aumentam os casamentos biculturais.
Como é evidente, não se passa automaticamente de um estado das coisas para o outro, pelo que a liberalização a que
se assiste é progressiva. Nomeadamente, ainda não está plenamente adquirida a ideia de que os dois cônjuges podem
manter entre si uma vida negocial como se fossem sujeitos jurídicos sem qualquer ligação.
Tudo o que foi dito atrás concorre ainda para uma regulamentação do divórcio que se assume cada vez mais como
minimalista. Fala-se de uma “era do divórcio sem culpa”. Há uma clara tendência para a fixação de formas céleres de
divórcio, o que se repercute na sua desformalização. Ainda que o divórcio seja cada vez mais fácil e frequente, nem
por isso o número de casamentos diminui. Dir-se-ia mesmo: “o casamento perdeu estabilidade mas não perdeu
atração”. Proporciona-se, deste modo, a emergência das “famílias recombinadas”.

Capítulo V – Princípios constitucionais do Direito da Família


1. Direito à celebração do casamento
O direito à celebração de casamento encontra-se expressamente enunciado no art. 36º/1 in fine CRP. Como é
evidente, este não é um direito absoluto, sendo legítimo ao legislador ordinário fixar alguns impedimentos ao
casamento, desde que justificados por interesses públicos fundamentais. Logicamente, não seriam admissíveis
restrições ao matrimónio fundadas na raça, religião, nacionalidade, profissão, etc.
Poderia perguntar-se, a este respeito, se o art. 36º/1 CRP concede apenas um direito fundamental ou se, ao invés, é
também uma norma de garantia institucional. Entende-se que a instituição casamento está constitucionalmente
garantida – não faria sentido que a Constituição concedesse o direito ao casamento mas permitisse ao legislador
ordinário suprimir a instituição ou desfigurar o seu núcleo essencial.
2. Direito de constituir família
O art. 36º/1 primeira parte CRP consagra o direito de constituir família. Porém, a obscuridade da letra da lei permite
que dela se façam diversas interpretações:
a) Castro Mendes: o direito de constituir família e o direito de contrair casamento seriam um só direito, sendo
este último segmento a causa do primeiro;
b) Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira: a redação do preceito denota a intenção do legislador constitucional
em distinguir a “família” do “casamento”, pois ao lado da família conjugal há ainda a família natural/biológica,
a família adotiva e, para alguns, a família fundada na união de facto;
c) Gomes Canotilho e Vital Moreira: o direito de constituir família, consagrado pela Lei Fundamental no mesmo
preceito que o direito de celebração do casamento, visa acautelar as relações familiares surgidas da união de

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facto. Não há uma redução do conceito de família à união conjugal. No fundo, a concessão do direito de
constituir família viria abarcar aquelas relações familiares que, por não derivarem do matrimónio, não
integram o direito de celebrar casamento, designadamente as uniões familiares de facto.
Quanto a esta última interpretação, dois reparados deverão fazer-se, sob o ponto de vista de P. Coelho e G. De Oliveira:
(1) não é forçoso que o legislador constitucional quis qualificar a união de facto como relação de família; (2) além da
família conjugal e da hipotética família emergente da união de facto, há ainda a família natural e a família adotiva, que
aqueles autores não parecem individualizar no preceito constitucional.
Ainda que estes autores mantenham a opinião de que o preceito integra o direito à procriação e ao estabelecimento
das correspondentes relações de maternidade e paternidade, reconhecem também, atualmente, que o preceito
reproduz os arts. 16º/1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o 9º da Carta dos Direitos Fundamentais da
UE, abrangendo, por isso, as outras formas de constituição da família reconhecidas pela legislação nacional além do
casamento: falamos, evidentemente, da união de facto.
3. Princípio da competência da lei civil para regular os requisitos e efeitos do casamento e da sua
dissolução, independentemente da forma de celebração
O princípio que agora nos ocupa encontra-se regulado no art. 36º/2 CRP e procura, fundamentalmente, subtrair ao
direito canónico a regulamentação das matérias aí previstas. Quanto aos efeitos do casamento, o princípio não levanta
quaisquer dificuldades: os efeitos do casamento, civil ou católico, são regulados pela lei civil. A questão já não é tão
linear no que diz respeito aos requisitos do casamento católico.
O art. 1625º CC dispõe que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do
casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas. Este preceito, que se alinha
com o preceituado no art. XXI da Concordata de 1940, significaria que os requisitos de cuja falta resulta a nulidade do
casamento católico só poderão ser apreciados pelos tribunais eclesiásticos. Nestes termos, a questão que se suscitou
acesa controvérsia é a seguinte: será o art. 1625º CC, segundo o qual apenas os tribunais eclesiásticos podem conhecer
as nulidades do casamento católico, conforme com o art. 36º/2 CRP, ao abrigo do qual deve ser a lei civil a regular os
requisitos do casamento (inclusivamente os requisitos que conduzem à nulidade do matrimónio)? Embora em face da
Concordata anterior se pudesse propugnar pela necessidade de um interpretação restritiva do art. 36º/2 CRP, a fim
de o tornar conforme com a Concordata, cuja disposição deveria prevalecer à luz de um elemento histórico (o nosso
legislador optou, sucessivamente, por manter o preceito legal intocável, após diversas revisões do CC), atualmente a
questão deve ser reapreciada em face da Concordata de 2004.
A Concordata de 2004 não contém qualquer disposição com conteúdo semelhante ao conteúdo do art. XXV da
Concordata de 1940. No entanto, a nível interno, o art. 1625º CC não foi revogado, nem sequer alterado. Parece ser
de perfilhar a posição que considera a omissão de regulação da matéria na nova Concordata como um sinal evidente
de que Portugal deixou de estar vinculado à reserva de competência dos tribunais eclesiásticos em matéria de nulidade
do casamento católico. Portanto, entende-se que Portugal poderia livremente modificar o preceito contido no art.
1625º CC, sem correr o risco de violar compromissos internacionais. Ainda assim, é de referir que a alteração do art.
1625º CC só poderia ter lugar no sentido de permitir a proposição de ações de anulação de casamentos católicos em
tribunais eclesiásticos e também em tribunais civis; a modificação não poderia operar no sentido de atribuir
competência exclusiva aos tribunais civis, pois o art. 16º/1 da nova Concordata permite que as decisões dos tribunais
eclesiásticos relativas à nulidade do casamento produzam efeitos civis.
! Em suma, entende-se que a nova Concordata deixou nas mãos do legislador optar por alterar, ou não, o art. 1625º
CC. Enquanto o legislador ordinário não optar por alterar este preceito, a Concordata de 2004 não produzirá qualquer
alteração, nesta matéria, em relação ao regime anterior. Quanto à eventual inconstitucionalidade do art. 1625º CC,
entende-se que, face à evolução registada, deverá concluir-se pela necessidade de se efetuar uma interpretação
restritiva do preceito constitucional. Isto porque o elemento histórico (traduzido na vontade do legislador em manter
o preceito) deverá prevalecer sobre o elemento literal.
4. Princípio da admissibilidade do divórcio para quaisquer casamentos
O art. 36º/2 in fine CRP não deixa dúvidas quanto à inconstitucionalidade de qualquer norma que viesse impedir o
divórcio quanto a casamentos civis ou católicos. A Lei Fundamental impõe apenas a consagração legal do divórcio,
deixando ao legislador ordinário uma ampla margem de liberdade para a conformação do seu regime. A este respeito
já foram suscitadas diversas questões de inconstitucionalidade de alguns aspetos do regime do divórcio, havendo
inclusivamente pronúncias do TC acerca de algumas dessas questões.
5. Princípio da igualdade dos cônjuges

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O nº 3 do art. 36º CRP consagra o princípio da igualdade dos cônjuges, o qual se assume como corolário do princípio
geral da igualdade, consagrado no art. 13º CRP.
A consagração constitucional do princípio da igualdade dos cônjuges veio ferir de inconstitucionalidade todos os
preceitos legais que colocavam a mulher casada em situação de desfavor/subordinação/dependência face ao marido,
normas essas revogadas ou alteradas com a Reforma de 1977.
No âmbito do direito da filiação, este princípio significa que as responsabilidade parentais devem ser exercidas por
ambos os cônjuges, em idênticas condições (arts. 1901º/1, 1911º e 1912º CC). Uma outra consequência deste princípio
no âmbito da filiação é a de que a ação de impugnação da paternidade pode ser proposta pela própria mãe (art.
1839º/1 CC), e não apenas pelo seu marido.
6. Princípio da atribuição aos pais do poder-dever de educação dos filhos
O princípio de atribuição aos pais do poder de educação dos filhos (art. 36º/5 CRP) apresenta duas faces distintas:
É um poder em relação aos filhos É um poder em relação ao Estado
A educação dos filhos é dirigida pelos pais, embora O Estado não pode programar a educação segundo
com respeito pela sua personalidade (arts. 1878º/1, diretrizes filosóficas, ideológicas, religiosas, políticas etc.
1874º/1 e 1878º/2 CC) (art. 43º/2 CRP)
7. Princípio da inseparabilidade dos filhos dos seus progenitores
Nos termos do art. 36º/5 CRP, os filhos não podem ser separados dos pais salvo quando estes não cumpram os seus
deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. Sempre que se verifique o condicionalismo
previsto no art. 1915º/1 CC ou a hipótese fixada no art. 1918º CC, o tribunal pode decidir separar os filhos dos
progenitores, confiando, eventualmente, o menor a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação/assistência.
8. Princípio da não discriminação entre filhos nascidos do casamento e fora do casamento
O princípio da não discriminação entre filhos nascidos dentro e fora do casamento encontra-se fixado no art. 36º/4
CRP e compreende duas dimensões (individualizáveis no confronto da 1ª com a 2ª parte do preceito):
Dimensão formal Dimensão material
Não é permitido o uso de designações discriminatórias que se Não é permitida qualquer diferença entre os regimes
limitem a mencionar o facto de o nascimento se dar fora do aplicáveis aos filhos nascidos do e fora do casamento que
casamento(ex.: filho ilegítimo, bastardo, etc.). seja desfavorável a estes últimos e injustificada.
Duas notas há que ressalvar a respeito destas duas dimensões do princípio:
 Apesar de o registo civil não mencionar se o nascimento se deu ou não na constância do casamento, a verdade
é que a lei manda constar do registo o estado civil dos pais (art. 102º/1/e) CRC);
 A lei consagra, verdadeiramente, algumas diferenças de regime que radicam na circunstância de o filho ser
nascido do ou fora do casamento: enquanto que algumas dessas diferenças são favoráveis aos filhos nascidos
fora do casamento (o que as legitima), outras são-lhes desfavoráveis, pelo que só são admissíveis porque
devidamente justificadas (a diferença de regime deriva das diferentes condições do nascimento).
Este preceito constitucional, aplicando-se imediatamente, veio revogar a legislação anterior que propugnava regimes
discriminatórios.
9. Princípio da proteção da adoção
O art. 36º/7 CRP tornou a adoção objeto de uma garantia institucional, sendo a sua existência e estrutura fundamental
protegidas pela Constituição. Consequentemente, na sua regulação, o legislador não pode suprimi-la nem tão-pouco
descaraterizá-la.
A segunda parte daquele preceito impõe à lei o estabelecimento de formas céleres de tramitação da adoção. Este
princípio significa, por um lado, a proibição do retrocesso nesta matéria e, por outro, a obrigação do legislador
abreviar, tanto quanto possível, os prazos do processo de adoção.
10. Princípio da proteção da família
O princípio da proteção da família, prescrito no art. 67º CRP, é um direito económico, social e cultural (DESC) que
concede à família – seja ela assente no casamento ou na união de facto ou ainda uma família natural ou adotiva – um
direito à proteção da sociedade e do Estado, tornando-se objeto de garantia institucional. Não estando incluído no
catálogo dos DLG, este princípio não goza da aplicabilidade direta conferida pelo art. 18º CRP. Consequente, esta é
uma norma predominantemente programática.
11. Princípio da proteção da paternidade e da maternidade
O art. 68º CRO considera a paternidade e a maternidade “valores sociais eminentes”, conferindo aos pais e às mães
um direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua ação em relação aos filhos.

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12. Princípio da proteção da infância
O art. 69º CRP atribui às crianças um direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento
integral. No seu nº 2 concede especial proteção às crianças contra o exercício abusivo da autoridade na família.

Capítulo VI – Direito não civil da família


1. Observações prévias
As relações de família não assumem relevância apenas no direito da família, mas também noutros ramos do direito
civil (em especial, o direito sucessório) e mesmo em ramos de direito não civil
2. Direito penal
Os “crimes contra a família” encontram-se regulados na Secção I do Capítulo 1 do Título IV da Parte Especial do Código
Penal. O âmbito das condutas criminalmente punidas circunscreve-se a um mínimo de condutas que, ao porem em
causa determinados bens jurídico-penais, desencadeiam intoleráveis danos sociais. São crimes contra a família, ao
abrigo do CP:
 A bigamia (art. 247º);
 A falsificação de estado civil (art. 248º);
 A subtração de menor (art. 249º);
 A violação da obrigação de alimentos (art. 250º);
 A violência doméstica (art. 152º).
Quanto a outros crimes previstos ao longo do CP, verifica-se a possibilidade de, em certos casos, a pena aplicável ser
agravada ou atenuada em função da relação familiar que liga a vítima e o autor.
3. Direito fiscal
Ao abrigo do art. 67º/2/f) CRP, os impostos e os benefícios fiscais devem ser regulados em harmonia com os encargos
familiares. Mais concretamente, o art. 104º/1 CRP impõe que o imposto sobre o rendimento pessoal tenha em
consideração as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. Em face desta preceito alguns autores (T.
Ribeiro) entendem que a Constituição vem exigir um sistema de tributação conjunta, enquanto que outros julgam ser
possível compatibilizar aquela norma constitucional com um sistema de tributação em separado (C. Nabais).
Após a última reforma do CIRS, a opção pela tributação conjunta ou em separado é da responsabilidade dos próprios
contribuintes, sendo que a tributação em separado é a solução supletiva (aplicável no silêncio daqueles). Para efeitos
tributários, o agregado familiar é composto pelos cônjuges não separados de pessoas e bens, ou pelos unidos de facto,
e os respetivos dependentes; ou cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges e respetivos dependentes; ou ainda pelo pai,
mão ou adotante solteiros e respetivos dependentes a seu cargo. A família releva ainda no sentido de serem deduzidas
à coleta as designadas “despesas gerais familiares”.
4. Direito do trabalho
O princípio constitucional de proteção da maternidade e paternidade repercute-se na concessão de direitos especiais
aos pais e mães trabalhadores. Às mães são ainda concedidos direitos especiais de proteção relativos ao ciclo biológico
da maternidade (impostos pelo art. 59º/2/c) CRP).
A parentalidade é, inclusivamente, objeto da Subsecção IV da Secção II do Capítulo I do Título II do Livro I do Código
do Trabalho. Tais normas são igualmente aplicáveis aos trabalhadores com vínculo de emprego público.
Considerando a família como elemento essencial da sociedade, a Lei Fundamental incumbe o Estado, entre outros
aspetos, de promover a conciliação da atividade profissional coma vida familiar (art. 67º/2/b) CRP). Desta exigência
derivam também alguns direitos regulados no CT.
5. Direito de segurança social
As relações familiares têm ainda considerável relevância nas várias situações em que o sistema e subsistemas de
segurança social concedem prestações pecuniárias ou de outra ordem (subsídios e abonos) aos respetivos
beneficiários ou seus familiares. Assume também especial importância a proteção por morte dos beneficiários
abrangidos pelos regime geral da segurança social assegurada aos membros do agregado familiar do falecido –
subsídio por morte e pensão de sobrevivência. Por fim, cabe ainda chamar a atenção para os apoios concedidos no
âmbito do acolhimento familiar de crianças e jovens e de idosos ou adultos com deficiência.

Capítulo VII – Carateres do direito da família


1. Predomínio de normas imperativas

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O direito da família é caraterizado por um acentuado predomínio de normas imperativas, ou seja, normas insuscetíveis
de derrogação por vontade dos particulares. Esta é uma importante caraterística que aparta o direito da família do
direito das obrigações, no âmbito do qual a maioria das normas reveste caráter supletivo.
De facto, pode dizer-se, grosso modo, que apenas as relações familiares patrimoniais são regidas por normas de
caráter dispositivo, sendo que ainda aqui se encontram algumas normas imperativas.
Esta caraterística do direito da família foi exagerada por alguns autores, para quem o direito da família nem
pertenceria ao direito privado, mas antes ao direito público, ou então constituiria um ramo autónomo distinto do
direito privado e do direito público. Porém, é ainda uma evidência entre nós que o direito da família, regulando as
relações familiares e parafamiliares, é um ramo do direito privado, pois nele não intervêm como sujeitos, nem o
Estado, nem quaisquer entidades públicas. As intervenções que se verificam de órgãos do Estado (MP, conservatórias,
tribunais, etc.) nada mudam a este respeito, já que estes assumem um papel de supremacia, e não de parte da relação.
2. Institucionalismo
Para a conceção institucionalista do direito, a lei é uma forma de revelação do direito, o qual vive nas instituições e
ordens concretas. A família é, com efeito, uma destas instituições, um organismo natural que preexiste ao direito
escrito e ao próprio Estado. Consequentemente, o direito da família é um direito institucional uma vez que o legislador
se limita, em certa medida, a reconhecer um “direito” que vive e se realiza na instituição familiar. Daí o uso
generalizado de conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
Embora esta seja uma caraterística expressiva do direito familiar, não deve ser exagerada. Nas normas de direito da
família verifica-se, por vezes, um momento técnico e racional, servindo aquelas como instrumento de o legislador
modificar a ordenação institucional da família. Efetivamente, por vezes, o direito adianta-se aos costumes sociais, com
o intuito de atuar pedagogicamente sobre eles (ex.: casamento civil entre pessoas do mesmo sexo).
3. Coexistência do direito estadual e do direito canónico na disciplina da relação matrimonial
Esta é uma caraterística específica do direito matrimonial português. O legislador português como que renuncia à sua
soberania, devolvendo para o direito canónico, em determinadas matérias da relação matrimonial, maxime a questão
da nulidade do casamento católico.
4. Permeabilidade do direito da família às transformações sociais
O direito da família é um ramo do direito bastante permeável às modificações das estruturas políticas, sociais,
económicas, etc. Muitas das soluções consagradas na lei dependem do condicionalismo sócio-económico e das opções
de cada Estado em matéria política e religiosa. Esta caraterística é ainda mais evidente se comparado o direito da
família ao direito das obrigações, o qual se mostra praticamente insensível às modificações da sociedade.
Daqui se tem partido para afirmar o caráter nacional do direito da família. Esta ideia, embora exata, não deve ser
demasiado exaltada, já que, face às evoluções que se verificam na sociedade global, o direito comparado mostra que
os direitos dos vários Estados são cada vez mais próximos entre si, sobretudo no que respeita os princípios vigentes.
5. Ligação a outras ciências humanas
O direito da família encontra-se estreitamente ligado a outras ciências humanas, tais como: a biologia, a psicologia, a
pedagogia, a sociologia, etc.

Capítulo VIII – Carateres dos direitos familiares


1. Observações prévias
Os direitos familiares distinguem-se, devido a caraterísticas próprias, dos demais direitos privados, nomeadamente
dos direitos obrigacionais. Esta autonomia verifica-se, fundamentalmente, no que diz respeito aos direitos familiares
pessoais, e já não aos direitos familiares patrimoniais, os quais são originária e estruturalmente obrigacionais ou reais.
Os direitos familiares patrimoniais continuam a ser obrigações e direitos reais; simplesmente, o seu regime difere do
regime geral, com o intuito de acautelar a circunstância de os seus sujeitos estarem ligados por relações de família.
2. Os direitos familiares pessoais como poderes funcionais
Os direitos familiares não são direitos subjetivos propriamente ditos, mas sim poderes-deveres ou poderes funcionais.
Poder-dever Direito subjetivo
Poder jurídico sobre outrem que deve ser obrigatoriamente Poder de exigir de outrem um certo comportamento ou de
exercido no interesse da pessoa sobre que incide e sempre produzir, inelutavelmente, na esfera jurídica de outrem, certas
dentro dos limites da sua função. consequências jurídicas.
A doutrina tradicional, não reconhecendo esta destrinça, justifica o conceito global de direito subjetivo com base em
duas ordens de ideias:

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 O direito subjetivo, ainda que concedido tendo em vista certos interesses, não coincide ou corresponde
necessariamente a esse interesse, pois os interesses a tutelar podem ser protegidos por outros meios;
 O direito subjetivo nunca tem de ser exercido, necessariamente, em vista do interesse para que foi concedido,
nem na estrita medida desse interesse.
A esta doutrina, tradicional, podem fazer-se dois reparos:
 Muitos direitos subjetivos só podem ser definidos, de um ponto de vista estrutural, de acordo com a sua
função – são direitos que não podem ser exercidos como o titular queira, pois este é obrigado a exercê-los de
uma determinada forma, tendo em vista a realização do interesse tutelado (ex.: responsabilidade parentais).
 Os próprios direitos subjetivos em sentido estrito são, em certa medida, funcionalizados, por intermédio do
instituto do abuso do direito (art. 334º CC): haverá abuso do direito sempre que o exercício de um direito
exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico desse direito.
Conclui-se, portanto, pela existência de direitos cujo exercício é livre – os direitos subjetivos – e outros cujo exercício
deve operar dentro dos limites da sua função – os poderes funcionais ou poderes-deveres. Os direitos familiares
cabem, manifestamente, nesta última categoria: os seus titulares (ex.: pais/mães) devem exercê-los em conformidade
com a sua função, a qual se traduz em particulares deveres morais que assistem àquele titular em relação à pessoa
contra quem se dirigem (ex.: filhos).
3. Fragilidade da garantia
Uma outra caraterística dos direitos familiares, apontada pela doutrina tradicional, é a de que estes têm uma garantia
mais frágil do que a dos direitos de crédito, pois não existe uma sanção organizada para o incumprimento dos deveres
respetivos. Se, por um lado, as regras da responsabilidade civil não seriam aplicáveis neste âmbito, por outro, é
também verdade que o direito da família não prescreve qualquer sanção específica para esta violação.
O art. 1792º CC prescreve, efetivamente, que poderá ter lugar o recurso às regras da responsabilidade civil, mas apenas
dentro dos termos gerais em que é admitida. Portanto, esse recurso não opera quando à, por ex., violação de um
dever conjugal, mas sim se eventualmente se verificar a violação de um correspondente direito de personalidade.
Aliás, com a eliminação do divórcio culposo (que se fundava na culpa do cônjuge pela violação de deveres conjugais),
os deveres conjugais foram deixados sem garantia.
4. Caráter duradouro: os “estados de família”
As relações familiares são sempre duradouras, a tal ponto que geram verdadeiros estados da pessoa (ex.: estado de
casado, estado de filho, estado de adotado, etc.). Porque assim é, existe nas relações familiares uma grande
necessidade de certeza e segurança, o que justifica, por exemplo, o registo civil obrigatório de muitas das relações e
negócios jurídicos familiares e a circunstância dos negócios familiares serem inaprazáveis e incondicionáveis.
5. Caráter relativo
Os direitos familiares são direitos relativos (vinculam apenas as partes), ainda que os respetivos estados possam
assumir um caráter absoluto (têm eficácia erga omnes, devendo ser respeitados por todos), como demonstram os
arts. 495º/3 e 496º/2 CC. Estes dois preceitos assumem-se, portanto, como excecionais.
6. Tipicidade dos direitos familiares
A lei prescreve um numerus clausus de direitos e negócios familiares, o que significa que só podem ser instituídas
relações familiares ou celebrados negócios familiares que sejam expressamente previstos na lei.

Direito matrimonial
Capítulo I – Constituição da relação matrimonial: o casamento como ato
1. Questões prévias. A questão da unidade do instituto matrimonial
Podendo o casamento ser católico ou civil (art. 1587º/1 CC), importa, desde logo, esclarecer o sentido desta dualidade
e as suas repercussões no instituto matrimonial. Tratar-se-ão de duas formas de celebração do casamento ou de
institutos diferentes?
Antes da Constituição de 1976 não havia dúvidas de que o casamento civil e o casamento católico eram institutos
diferentes. Porém, em face do atual art. 36º/2 CRP poderia colocar-se a questão de saber se o art. 1625º CC, que
atribui aos tribunais eclesiásticos a competência para aferir da nulidade dos casamentos católicos, não estaria ferido
de inconstitucionalidade. Como referimos [vide supra: Introdução, Cap. V, 3.], este não é o entendimento que a doutrina
e a jurisprudência têm seguido. Assim sendo, as causa da nulidade do casamento são reguladas por normas diferentes,
constante esteja em causa um casamento católico ou um casamento civil.

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Divisão I – Conceito e carateres gerais do casamento
Secção I – Conceito de casamento
1. Noção geral de casamento
Poucas legislações definem o casamento e, em regra, a doutrina não censura essa omissão. Realmente, todos temos
ideia do que é o casamento, mas não se torna fácil resumir os seus carateres essenciais. Mais ainda: um conceito que
abarcasse todas as formas de matrimónio seria destituído de interesse e excessivamente formal, pois este é um
conceito mutável no espaço e no tempo. Não havendo um conceito universal de casamento, até há pouco tempo
parecia ser possível formular uma noção comum aos sistemas jurídicos do nosso espaço cultural: o casamento seria
uma acordo entre um homem e uma mulher feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de
uma plena comunhão de vida entre eles. Atualmente, esta noção deve ser reformulada, substituindo-se a referência a
“um homem e uma mulher” pela referência somente a “duas pessoas”, no sentido de abarcar os casamentos entre
pessoas do mesmo sexo, hoje admitidos na maioria dos sistemas jurídicos a que nos reportamos. Considerando o
casamento como estado, àquela noção deverá acrescentar-se que a comunhão de vida pressuposta deve ser exclusiva
e não livremente dissolúvel.
1.1 Conceito de casamento civil
No direito português, o art. 1577º CC define o casamento civil como “o contrato celebrado entre duas pessoas que
pretendem constituir família mediante plena comunhão de vida”. O que se deverá entender como “plena comunhão
de vida” não o esclarece explicitamente a lei, mas a noção correspondente pode inferir-se de outras disposições legais:
trata-se de uma comunhão em que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade,
coabitação, cooperação e assistência (art. 1672º CC), devendo essa comunhão ser exclusiva (art. 1601º/c) CC) e não
livremente dissolúvel (art. 1773º CC). Importa notar que a procriação, sendo um fim normal ou natural do casamento,
não é, todavia, um fim absolutamente essencial do casamento civil. Nestes termos, o casamento civil não depende da
consumação, ao invés do que se verifica quanto ao casamento católico, no âmbito do qual pode ter lugar a dispensa
do casamento rato e não consumado.
1.2 Conceito de casamento católico
O casamento católico, por sua vez, encontra-se definido, no direito canónico, como “ato da vontade pelo qual o
homem e a mulher, por pacto irrevogável, se entregam e recebem mutuamente a fim de constituírem matrimónio”.
Como decorre desta noção, o matrimónio é, para a Igreja católica, para além de um ato, também um sacramento.
O “bem dos cônjuges” e a “procriação e educação da prole” são atualmente considerados, lado a lado, como fins do
casamento católico. Assim sendo, a consumação continua a ter no casamento católico um relevo que não possui no
casamento civil: só após a consumação é que o casamento católico passa a gozar de indissolubilidade.

Secção II – Carateres gerais do casamento


Subsecção I – Carateres do casamento como ato
1. O casamento, contrato e sacramento. Causas da secularização do casamento
O casamento é um ato por que se interessam profundamente o Estado e as Igrejas. A ligação do casamento com a
religião é muito antiga, e assume especial relevância para a Igreja católica que o considera como um dos sacramentos.
Foi com base no argumento de que estava em causa um sacramento (pelo que o respetivo contrato seria, também
ele, parte de uma ordem sobrenatural), que a Igreja católica reivindicou durante séculos a disciplina do ato
matrimonial. Tendo início com a Reforma Protestante, assistiu-se a um movimento no sentido da criação de um direito
matrimonial estadual. Foi em França que o casamento civil foi primeiramente reconhecido, donde depois irradiou para
outras nações. Posteriormente, o seu reconhecimento veio mesmo a impôr-se, ao abrigo do princípio da liberdade
religiosa e da inconfessionalidade do Estado.
2. Os sistemas matrimoniais
Os termos e os casos em que se deve admitir o casamento civil são suscetíveis de ser enquadrados em alguns sistemas
distintos. A classificação mais corrente distingue:
1. Sistema de casamento religioso obrigatório: a forma religiosa do casamento é a única permitida no contexto
deste sistema, independentemente da religião e da nacionalidade dos nubentes.
2. Sistema de casamento civil obrigatório: o Estado não admite outra forma de casamento se não o casamento
civil, celebrado segundo as suas leis e regulado por elas. Nestes termos o direito matrimonial do Estado é
obrigatório para todos os cidadãos, independentemente da religião que professem. Claro que, admitida que
seja a liberdade religiosa, o Estado dará inteira liberdade aos nubentes para casarem segundo as normas da

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sua confissão religiosa, mas não atribui à respetiva celebração quaisquer efeitos jurídicos. Consequentemente,
o casamento juridicamente válido é somente o casamento civil, o que não impede que, paralelamente, os
nubentes celebrem também um casamento religioso. Se, por um lado, este sistema tem a vantagem de sujeitar
todos os nacionais ao mesmo direito matrimonial, por outro, apresenta a desvantagem de forçar à dupla
celebração do casamento os nubentes que confessem uma determinada religião.
3. Sistema de casamento civil facultativo: os nubentes podem escolher livremente entre o casamento civil e o
casamento católico (ou celebrado segundo os ritos de uma outra religião), atribuindo o Estado efeitos civis ao
casamento em qualquer caso.
Este sistema abrange, porém, duas sub-modalidades:
a) O casamento civil e o casamento católico são vistos como duas formas diversas de celebração do
matrimónio: o Estado confere iguais efeitos e sujeita ao mesmo regime os casamento católico e ao
casamento civil. O casamento continua, assim, a ser um instituto único, regido por uma só lei, salvo
quando à forma da sua celebração. Este sistema evita a dupla celebração do matrimónio e conserva
ainda a vantagem de sujeitar todos os nacionais ao mesmo direito matrimonial.
b) O casamento civil e o casamento católico são considerados dois institutos distintos: o Estado, ao admitir
como válido e eficaz o casamento católico, admite-o como tal, portanto, como se encontra regulado
pelo direito canónico. O Estado não reconhece apenas a forma de celebração religiosa, mas também
as correspondentes legislação e jurisdição. Aqui, evitando-se também a dupla celebração do
matrimónio, perde-se, contudo, a unidade do direito matrimonial.
4. Sistema de casamento civil subsidiário: o casamento católico é o único que o Estado reconhece, sendo o
casamento civil admitido unicamente a título subsidiário (ou seja, para os casos em que é admitido pelo direito
canónico). No fundo, todas as pessoas obrigadas ao casamento católico em face da Igreja terão de celebrar o
matrimónio catolicamente – o casamento católico é obrigatório sempre que pelo menos um dos nubentes
tiver sido batizado ou recebido na Igreja católica, só sendo legítimo o casamento civil para aqueles que não
tenha recebido batismo ou que tenham saído da Igreja católica por ato formal. Este sistema tem a vantagem
de fazer coincidir as uniões legítimas para o Estado com as uniões legítimas para a Igreja; porém, é evidente a
violação do princípio da liberdade religiosa que este modelo representa.
3. Evolução no direito português
3.1 Código Civil de 1867
O sistema do CC de 1867 era confuso e contraditório: se alguns preceitos pareciam consagrar o sistema do casamento
civil subsidiário, a ratio do sistema parecia apontar no sentido do sistema do casamento civil facultativo. Apesar
daquelas normas contraditórias, entende-se que, verdadeiramente, a intenção do legislador era a consagração da
segunda modalidade do casamento civil facultativo: o Estado reconhecia o casamento civil e o casamento católico,
seno que, no que respeita este último, eram acolhidas a legislação e jurisdição eclesiásticas. Assim sendo, acolhiam-
se, internamente, dois institutos diferentes, regidos por ordens jurídicas também diferentes. Os inconvenientes que
derivam deste sistema foram atenuados pelo Código, que procurou aproximar alguns aspetos dos sistemas
(designadamente, em matéria de impedimentos e de registo civil obrigatório).
Com o Decreto nº 1, de 25 de Dezembro de 1910, este panorama foi radicalmente alterado. De facto, a 1ª República,
caraterizada por ideais fortemente laicizantes, veio instituir o sistema do casamento civil obrigatório. Todos os
portugueses deveriam celebrar o casamento segundo a lei civil, pois o matrimónio passou a ser considerado um
contrato puramente civil. Para assegurar a efetividade do sistema, veio ainda impôr-se a precedência obrigatória do
casamento civil cobre qualquer casamento religioso, evitando-se assim que os nubentes celebrassem o casamento
católico e posteriormente se mantivessem em situação de concubinato à luz da lei civil.
O sistema só se modificou com a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, assinada em 1940. Através
da legislação concordamentária veio admitir-se, de novo, o sistema do casamento civil facultativo na sua segunda
modalidade. Porém, o sistema agora instituído diferia, em alguns aspetos, daquele que vigorou antes de 1910. Com
efeito, a Concordata representou cedências de ambas as partes.
3.2 Código Civil de 1966
O novo Código Civil, de 1966, manteve a legislação concordatária praticamente inalterada. Não obstante o caráter
compromissório da Concordata de 1940, uma das suas mais significativas soluções – a indissolubilidade do casamento
católico por divórcio – tornou-se objeto de contestação generalizada, sobretudo após 1974. Neste contexto, procedeu-
se, em 1975, à revisão da Concordata, com a assinatura do Protocolo Adicional. O dever de não dissolverem o

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casamento católico através do divórcio passa a ser um mero dever de consciência, perante a Igreja, que assiste aos
cônjuges, e não uma imposição legal. Note-se, no entanto, que todos os demais artigos da Concordata se mantiveram
em vigor após a assinatura do Protocolo Adicional. Consequentemente, continua a vigorar a segunda modalidade do
sistema de casamento civil facultativo, ainda que se tenha dado um importante passo no sentido da primeira
modalidade desse sistema (pois o divórcio passa a ser regulado por uma única lei – a lei civil).
3.3 A constituição de 1976
A Constituição de 1976 veio atribuir à lei civil a competência para regular os requisitos e efeitos do casamento e da
sua dissolução, independentemente da forma de celebração (art. 36º/2 CRP). Como foi já referido, não houve intenção
de decorrer o art. 1625º CC, pelo que se continua a entender que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade
do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservada aos tribunais eclesiásticos.
A Lei da Liberdade Religioso, de 2001, veio também introduzir algumas alterações no sistema. Desde logo, refira-se
que as suas disposições não são aplicáveis à Igreja católica (continuando a reconhecer-se os efeitos da Concordata e
correspondente legislação). Com a publicação desta lei, passaram a ser admitidos casamentos civis celebrados sob a
forma religiosa, perante ministro do culto confessado pelos nubentes (desde que a comunidade religiosa em causa se
encontre radicada no país). Estes casamentos não constituem um novo instituto, mas tão-só uma nova forma de
celebração do matrimónio. De facto, a sua regulamentação faz-se à luz da lei civil.
Em 2004 foi celebrada com a Santa Sé nova Concordata, a qual deixou de vincular o Estado português ao
reconhecimento da competência exclusiva dos tribunais eclesiásticos para o reconhecimento das causas de nulidade
do casamento católico. Isto sem prejuízo de esse continuar a ser o regime consagrado pelo legislador.
4. Caraterização do sistema atual
O sistema matrimonial do nosso direito carateriza-se pelas seguintes notas:
Para os católicos: Para os que pertençam a outras Para os que pertencem a outras
igrejas radicadas no país: igrejas não radicadas no país:
Sistema de casamento civil facultativo Sistema de casamento civil facultativo Sistema de casamento civil facultativo
na 2ª modalidade na 2ª modalidade na 1ª modalidade
 O casamento religioso (católico)  O casamento religioso é apenas  A lei portuguesa não dá valor
assume-se como instituto diferente outra forma de celebração do jurídico à respetiva cerimónia
do casamento civil (são casamento (e não um instituto religiosa (o casamento é celebrado
disciplinados por normas diversas) distinto do casamento civil) nos termos da lei civil)
Como é evidente, os cidadãos portugueses que não perfilhem qualquer religião celebram casamento civil, sendo
aplicáveis a esses matrimónios única e exclusivamente as disposições da lei civil.
Este sistema que acabámos de expor requer, porém, alguns reparos. Em primeiro lugar, os católicos podem, e sempre
puderam, optar indiferentemente pelo casamento civil ou pelo casamento católico. É exatamente por isto que o
sistema entre nós acolhido não corresponde ao sistema do casamento civil subsidiário, mesmo para os católicos. De
facto, o art. 1587º CC não deixa dúvidas a este respeito: o casamento civil não é, nem nunca foi, subsidiário do
casamento católico. Em segundo lugar, quanto a saber se o casamento católico é admitido entre nós como outra forma
de celebração do casamento ou como um instituto diferente, somos da opinião de que o art. 1625º CC é conforme
com a Constituição (de acordo com os argumentos que já foram expostos [vide supra: Cap. V, 3.]), pelo que entendemos
que o direito português consagra ainda hoje a 2ª modalidade do sistema de casamento civil facultativo: é ao direito
canónico que compete julgar a invalidade do casamento católico e serão os tribunais eclesiásticos os competentes
para julgar essa mesma questão.
Opinião diferente da que perfilhamos é a de Gomes Canotilho e Vital Moreira. Estes autores entendem que o
casamento canónico instituído pela Concordata com a Santa Sé, na medida em que não seja de todo incompatível com
a Constituição, apenas pode existir como forma diferente de celebração do casamento, e não como instituto diverso.
Portanto, a 2ª modalidade do sistema de casamento civil facultativo seria inconstitucional (e até mesmo, porventura,
a 1ª modalidade). A favor desta tese invocam-se, frequentemente, os seguintes argumentos:
 Princípio da separação da Igrejas do Estado (art. 41º/4 e 288º/c) CRP).
Estes princípio não deverá, quanto a nós, ser entendido de uma forma tão radical. De facto, na generalidade
das legislações estrangeiras o princípio da inconfessionalidade do Estado não traduz necessariamente a
inconstitucionalidade da admissão do casamento católico.
 Princípio da liberdade religiosa (art. 41º/1 a 3 CRP).
Este princípio exige, no nosso entendimento, que o Estado assegure que qualquer pessoa que professe um
credo religioso possa celebrar casamento segundo os ritos da sua religião e que, noutro prisma, aquelas que

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não professam qualquer religião não sejam obrigados a celebrar casamento religioso. Portanto, não parece
exigível o reconhecimento de todas as cerimónias religiosas como formas de celebração do casamento. Todos
os cidadãos são livres de celebrar matrimónio segundo os ritos da sua religião, ainda que, para efeitos legais,
o casamento católico se assuma como instituto diferente e os demais casamentos celebrados segundo as
específicas cerimónias das demais confissões radicadas em Portugal se assumam apenas como formas
diferentes de celebração do casamento civil.
 Princípio da igualdade (art. 13º/1 e 2 CRP) – não admite discriminação em função da religião.
Após a publicação da Lei da Liberdade Religiosa, também não parece que o sistema consagrado viole, de algum
modo, o princípio da igualdade. Desde logo, não se deve perfilhar um entendimento maximalista da igualdade:
de certo que todas as religiões devem ser tratadas de igual forma quanto à possibilidade de culto de qualquer
uma delas; mas a verdade é que nem todas elas têm o mesmo grau de organização e relevância social.
Efetivamente, o princípio da igualdade não obriga o Estado a tratar igual o que é diferente. Esta foi a orientação
seguida naquela lei, a qual reconhece efeitos civis aos casamentos celebrados por forma religiosa perante
ministro de qualquer culto radicado no país. Portanto, todos os casamento religiosos da Igrejas radicadas no
país (seja a Igreja Católica ou outras) são reconhecidos civilmente, embora o casamento católico seja regulado
pelo próprio direito canónico, devido à sua maior preponderância social.
Em terceiro lugar, o sistema português procurou contornar alguns inconvenientes do sistema do casamento civil
facultativo. Há aqui que salientar 3 alterações introduzidas:
1. O art. 1596º CC exige capacidade civil para a celebração do casamento católico, aplicando-se a este todo o
sistema de impedimentos do casamento civil. E, para dar valor prático ao princípio, a lei proíbe o pároco de
celebrar casamento católico sem que lhe seja passado certificado, passado pelo conservador do registo civil,
a declarar que os nubentes podem contrair casamento (arts. 1598º/1 CC e 146º e 151º CRegCivil). Isto sem
prejuízo de, aos casamentos católicos, serem aplicáveis, além dos impedimentos civis, o sistema de
impedimentos regulado pelo direito canónico.
2. O Código do Registo Civil impõe ao pároco a obrigação de enviar à conservatória do registo civil competente
o duplicado do assento paroquial, a fim de ser transcrito no livro de casamentos. A transcrição do duplicado
do assento paroquial nos livros do registo civil é agora condição legal de eficácia civil do casamento, não se
permitindo a invocação do casamento enquanto o respetivo assento não for lavrado.
3. Com o Decreto-lei nº 261/75, tanto o casamento civil como o casamento católico passaram a poder ser
dissolvidos por divórcio, nos tribunais civis, com os mesmos fundamentos e nos mesmos termos.
Uma última nota quanto aos “reparos” que temos vindo a fazer é a de que, embora estes três aspetos referidos
procurem aproximar o casamento civil e o casamento católico, a verdade é que o casamento católico continua a ser
diferente do casamento civil, sendo inclusivamente regido por outras normas. Assim, interessa saber por que normas
se rege o casamento católico em cada um dos seus aspetos:
 Promessa de casamento – direito civil (arts. 1591º e ss. CC);
 Requisitos de fundo: há uma distinção a fazer:
 Questão do consentimento – direito canónico (por reenvio do art. 1625º CC);
 Questão da capacidade (ou seja, dos impedimentos) – direito civil e direito canónico (art. 1596º CC).
 Forma do casamento: podemos distinguir:
 Formalidades preliminares – direito civil e direito canónico;
 Celebração – direito canónico;
 Registo – direito civil e direito canónico (arts. 167º e 172º CRC).
 Nulidade do casamento – direito canónico (art. 1625º CC);
 Efeitos do casamento putativo (declarado pelo direito canónico) – direito civil (arts. 1647º e 1648º CC);
 Efeitos (pessoais e patrimoniais) do casamento – direito civil (art. 1588º CC);
 Dissolução do casamento – direito civil (dissolução por morte ou divórcio) e direito canónico (dispensa do
casamento rato e não consumado).
5. Outros carateres do casamento como ato
5.1 O casamento como negócio jurídico
O negócio jurídico é o instrumento por excelência da autonomia da vontade privada. Ora, o casamento é um dos
negócios familiares e decerto o mais importante de todos eles. É certo que é muito limitada a margem de autonomia
concedida às partes neste domínio: os efeitos pessoais do casamento decorrem diretamente da lei. Contudo, os

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nubentes dispõem, desde logo, da liberdade de casarem ou não, bem como da liberdade de escolher a contraparte e
de optar pelo casamento civil ou religioso. E, além disso, embora não possam alterar o conteúdo dos deveres conjugais
previstos na lei, podem decidir livremente sobre o modo de cumprimento de alguns deles (como deriva dos arts.
1671º/2, 1673º/1 1676º CC).
5.2 O casamento como contrato
Tanto o casamento católico como o casamento civil são contratos. De facto, no direito português o conceito de
contrato não é de aplicação restrita aos negócios patrimoniais, sendo que a qualificação do casamento como contrato
deriva diretamente do art. 1577º CC. A contratualidade do casamento tem sido todavia contestada: as doutrinas anti-
contratualistas qualificam o casamento como acordo, como instituição ou como ato administrativo. Esta última
doutrina merece algum desenvolvimento, podendo apontar-se diversas conceções no seu interior:
a) A declaração do funcionário do registo civil seria o verdadeiro elemento constitutivo do casamento, sendo o
consentimento das partes um simples pressuposto dessa declaração. Consequentemente, o casamento seria
um puro ato do poder estadual.
Apontar a declaração do conservador como núcleo essencial do casamento é inverter a ordem das coisas, pois
verifica-se um forte empenho da lei em que o consentimento das partes seja livre (o que, indiciando a sua
preponderância, demonstra que este consentimento não é um mero pressuposto).
b) O casamento seria um negócio plurilateral, integrado por três partes (os cônjuges e o conservador do registo
civil que celebra o casamento).
Ainda assim, também não deve entender-se que as declarações dos nubentes estão no mesmo plano que a
declaração do funcionário, pois esta última nem sequer é uma declaração de vontade.
c) O casamento seria um complexo de atos: um conjunto integrado por um negócio bilateral (entre os nubentes)
e por um ato do poder estadual (a declaração do conservador).
Esta conceção quebra a unidade do instituto e faz do casamento uma figura híbrida, em parte pertencente ao
direito privado, e em parte pertencente ao direito público. Além de que a declaração do conservador é apenas
a forma do ato de direito privado que verdadeiramente aqui está em causa. No fundo, esta hipótese não se
distingue da escritura pública exigida para o contrato de compra e venda, na qual intervém o notário. E, de
facto, ninguém entende ser o notário parte do negócio.
5.3 O casamento e a diversidade de sexo
Até há pouco tempo, a heterossexualidade era outra caraterística indiscutível do casamento, tanto civil como católico.
Uma vez que o fim do matrimónio era, à altura, estabelecer a plena comunhão de vida, a qual incluía a procriação, se
os cônjuges fossem do mesmo sexo, o casamento seria inexistente. Com a Lei nº 7/2001, de 11 de maio, a união de
facto entre pessoas do mesmo sexo foi equiparada à união de facto entre pessoas de sexo diferente. Porém, a revisão
constitucional de 2004, acrescentando às circunstâncias referidas no art. 13º/2 CRP a “orientação sexual”, levantou
ponderosas dúvidas sobre a inconstitucionalidade da assunção da heterossexualidade como condição de validade, e
mesmo de existência, do casamento. No pólo oposto, alguns autores vieram defender que, em face da consagração
do matrimónio como objeto de garantia institucional no art. 36º CRP, não seria possível admitir o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, pois estar-se-ia a descaraterizar o núcleo essencial deste instituto, o qual é composto pelas
notas da heterossexualidade, monogamia, proibição do incesto e contratualidade. Independentemente da posição
perfilhada, a verdade é que a Lei nº 9/2010, de 31 de maio veio admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
5.4 O casamento como negócio pessoal
Os negócios familiares são dos mais típicos e caraterísticos negócios pessoais. Dizem-se negócios pessoais aqueles que
não se destinam a constituir, modificar ou extinguir relações de caráter patrimonial, mas a influir no estado das
pessoas. Como negócio pessoal, o casamento ostenta as conhecidas caraterísticas dos negócios pessoais em geral,
designadamente a imperatividade de muitas das normas que o regem e a inadmissibilidade da representação.
5.5 O casamento como negócio solene
O casamento é um negócio solene na medida em que a vontade dos contraentes não pode manifestar-se de qualquer
modo, mas só através de determinada forma determinada na lei. O casamento, dentro de todos os negócios solenes
fixados na lei, tem a particularidade de ter de ser celebrado mediante uma cerimónia específica (e não apenas através
de um documento escrito). Pretende-se, deste modo, acentuar o alcance e a significação do ato matrimonial.

Subsecção II – Carateres dos casamento como estado


1. Unidade

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A unidade do casamento como estado traduz-se na circunstância de uma pessoa não poder estar casada com duas
pessoas ao mesmo tempo – nem a poliandria nem a poligamia são admitidas. Esta caraterística ressalta do art.
1601º/c) CC, que inclui o “casamento anterior não dissolvido” no elenco dos impedimentos dirimentes absolutos do
casamento. Ademais, o art. 247º CP consagra a bigamia como crime.
2. Vocação de perpetuidade (?)
Uma segunda caraterística do casamento como estado que costumava ser apontada pela doutrina tradicional é a
perpetuidade do casamento. Até à Lei do Divórcio, de 1910, o casamento era mesmo perpétuo (só dissolúvel por
morte). Porém, após o acolhimento da figura do divórcio, o casamento passou a ser apenas presuntivamente
perpétuo. Em face da evolução registada quanto aos traços deste instituto e da legislação atual, pergunta-se: fará
sentido falar em vocação de perpetuidade do casamento? Em relação ao casamento católico a resposta é
indubitavelmente afirmativa. No entanto, quanto ao casamento civil talvez seja mais adequado falar em
“dissolubilidade condicionada”.

Divisão II – Promessa de casamento


1. O regime da processa de casamento: descrição geral e justificação
Nos termos do art. 1591º CC, o contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas
se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta
de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no art. 1594º CC, mesmo quando resultantes de
cláusula penal. Como é evidente, este regime, especialmente estabelecido para a promessa de casamento, assume-se
como exceção ao regime geral dos contratos-promessa (arts. 410º e ss. CC). De facto, não vale aqui o art. 830º CC, nos
termos dos quais se admite, em geral, a execução específica das obrigações derivadas de contratos-promessa. Como
acontece quanto a outras obrigações pessoais, natureza da obrigação assumida pelas partes obsta a essa aplicação.
Mas, a verdadeira especialidade do regime da promessa de casamento reside na circunstância de o dever de
indemnização que decorre do seu incumprimento apresentar um extensão diminuída em face do regime geral (só é
admitida a indemnização dos danos previstos no art. 1594º CC). Esta solução legal explica-se facilmente: se o montante
indemnizatório a pagar pelo incumprimento da promessa de casamento fosse muito elevado, o consentimento para
o matrimónio seria menos livre – poderia haver quem preferisse casar a ter que pagar uma quantia avultada pela
rutura da promessa (optando por, eventualmente, se divorciar num momento posterior). Se, como já referido, a lei
demonstra especial empenho em assegurar a liberdade do consentimento dos nubentes, então a solução do art. 1591º
CC é perfeitamente percetível.
2. Natureza jurídica: a promessa como negócio jurídico
A conceção de que os efeitos previstos nos arts. 1591º a 1595º CC são efeitos da promessa como verdadeiro negócio
jurídico válido é a que melhor se adapta aos novos dados legais. Assim explica-se a aplicação à promessa de casamento
das regras gerais dos negócios jurídicos, ainda que essa aplicação suscite algumas dificuldades. Em conformidade com
esta conceção, a responsabilidade em que incorra o nubente que se retrate ou que dê motivo à retratação do outro
não deverá ter-se como responsabilidade extracontratual ou pré-contratual, mas como responsabilidade contratual
(embora circunscrita aos limites fixados no art. 1594º CC).
3. Efeitos
Da promessa de casamento resultarão, em princípio, os mesmos efeitos que derivam de qualquer outra promessa de
contratar: duas obrigações de celebração de um negócio jurídico futuro – o casamento. A garantia destas obrigações
é, porém, mais frágil do que a garantia conferida às obrigações nascidas de outros contratos-promessa. O efeito mais
saliente do regime especificamente aplicável à promessa de casamento é a obrigação de indemnizar em caso de rutura
da promessa, sendo que essa obrigação indemnizatória não é fixada nos termos gerais.
No que diz respeito aos sujeitos da obrigação de indemnizar, o art. 1594º/1 CC determina:
 Quem pode pedir a indemnização: o esposado inocente (= aquele que viu a promessa rompida pelo outro ou
que se retraiu por culpa do outro), os pais deste ou terceiros que tenham agido em nome dos pais;
 A quem pode ser pedida a indemnização: ao nubente culpado (= aquele que rompeu a promessa sem justo
motivo ou que, por culpa sua, deu lugar a que o outro se retratasse).
Como é possível constatar, a lei conexionada à noção de nubente “culpa” a rutura da promessa sem justo motivo.
Porém, a lei não define o que seja esse “justo motivo”. De facto, estamos perante um conceito indeterminado, cujo
preenchimento cabe à jurisprudência. De um modo geral, pode dizer-se que há “justo motivo” quando, segundo as
conceções que dominam a esfera social dos nubentes, a continuação do noivado e a celebração do casamento não

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podem razoavelmente ser exigidas a um ou a ambos os esposados. Como é evidente, tais causas terão de ser
anteriores à retratação, mas podem ser anteriores (desde que não conhecidas pelo nubente que se retratou) ou
posteriores à promessa de casamento. A prova do justo motivo pertencerá ao réu (aquele que deve a indemnização).
A obrigação de indemnizar suscita ainda alguns problemas no que respeita ao seu objeto. Um primeiro ponto do
regime legal que importa apontar é que a indemnização apenas abrange os prejuízos resultantes das despesas feitas
e das obrigações contraídas na previsão do casamento (art. 1594º/1 CC). Consequentemente, ficam de fora os lucros
cessantes, os restantes danos emergentes e os danos não patrimoniais. Nos termos do art. 1594º/3 CC, a indemnização
é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, devendo atender-se no seu cálculo à medida das despesas e
obrigações que se mostrem razoáveis tendo em conta a condição dos contraentes e às vantagens que aquelas
despesas e obrigações, independentemente do casamento, ainda podem proporcionar.
Como é evidente, se um dos esposados, além de romper a promessa de casamento, praticar um outro ato constitutivo
de responsabilidade civil extracontratual, poderá ter lugar a indemnização correspondente a esta responsabilidade.
Isto, sublinhe-se, se houver prática de um outro ato (ex.: injúria, difamação, ofensa à autodeterminação sexual, etc.),
pois a rutura da promessa, em si mesma, só fundamenta a indemnização devida nos termos do art. 1594º CC.
Um outro efeito da rutura da promessa de casamento, nos termos dos arts. 1592 e 1593º CC, é a obrigação de restituir
os donativos feitos em virtude da promessa e na expetativa do casamento. O art. 1592º CC impõe a obrigação de
restituir em termos amplos: tanto em caso de incapacidade como em caso de retratação, o esposado culpado e o
esposado inocente devem restituir todos os donativos recebidos, do outro esposado e de terceiro. Também aqui a
obrigação de restituição que impende sobre o esposado inocente se justifica com base no objetivo de assegurar que
o consentimento ao casamento é livre: o esposado que tivesse feito valiosos donativos ao outro poderia não se
retratar, e acabar por casar, só para não perder os donativos. Esta obrigação de restituição abrange ainda, como dispõe
o art. 1592º/2 CC, as cartas e retratos pessoais do outro esposado. O art. 1593º CC estabelece um regime especial
para o caso do casamento não se celebrar em razão da morte de algum dos promitentes. Neste caso, o esposado
sobrevivo tem uma opção: pode exigir aos herdeiros do outro esposado os donativos que tenha feito, restituindo os
que recebeu; ou pode conservar os donativos que recebeu, perdendo o direito de exigir os donativos realizados.
Especificamente quanto às cartas e retratos pessoais, o esposado sobrevivo poderá reter o que tenha recebido e exigir
a restituição do que tenha dado. A restituição dos donativos deve operar nos termos previstos para a anulabilidade e
nulidade (art. 1592º CC, o qual remete para o art. 289º CC). Refira-se, por fim, que as ações destinadas a obter a
restituição dos donativos e a indemnização do art. 1594º CC caducam no prazo de 1 ano.

Divisão III – Casamento civil


Secção I – Requisitos de fundo
Subsecção I – Consentimento
1. Necessidade de consentimento e como deve ser prestado
Como é evidente, o casamento, como negócio jurídico e como contrato, exige o consentimento dos nubentes. Sem
vontade de casar e sem que esta vontade tenha sido manifestada, nos termos da lei, não há casamento válido. Em
matéria de casamento, a tendência da doutrina é para valorizar o princípio da vontade, em detrimento das ideias de
responsabilidade e confiança.
As questões respeitantes ao consentimento encontram-se reguladas nos arts. 1617º e ss. CC. Como é sabido, o
casamento é um contrato solene, mas também verbal, pelo que é a lei que fixa as palavras que deverão ser proferidas
pelos nubentes na cerimónia de celebração.
2. Carateres que deve revestir o consentimento
O consentimento matrimonial deve possuidor certas propriedades ou caraterísticas:
! O consentimento deve ser pessoal1, puro e simples2, perfeito3 e livre4.
3. Caráter pessoal do consentimento
O consentimento deve ser expresso pelos próprios nubentes, pessoalmente, no ato da celebração do casamento (art.
1619º CC).
3.1 Casamento por procuração
A lei admite, porém, o chamado casamento por procuração. Os arts. 1620º CC e 43º e 44º CRC impõe determinadas
exigências à sua celebração:
a) A procuração deve ser outorgada por documento assinado pelo representado, com reconhecimento
presencial da assinatura;

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b) Só um dos nubente se poderá fazer representar por procurador;
c) A procuração deve conferir poderes especiais para o ato, individualizar o outro nubente e indicar a modalidade
do casamento.
Nos termos do art. 1628º/d) CC, o casamento por procuração será inexistente sempre que celebrado depois de terem
cessado os efeitos da procuração, quando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ou
quando a procuração não confira poderes especiais para o ato ou não contenha a designação do outro contraente.
Assim, a falta de indicação da modalidade de casamento não determina a nulidade da procuração e a inexistência do
casamento. Nos termos do art. 1621º/1 CC, cessam todos os efeitos da procuração com a sua revogação ou com a
morte ou interdição ou inabilitação por anomalia psíquica do procurador ou do constituinte. A revogação da
procuração pode ter lugar a todo o tempo, mas, caso não seja levada ao conhecimento do procurador antes da
celebração do casamento, o constituinte é responsável pelos prejuízos causados.
A respeito do casamento por procuração, a doutrina questiona-se se o procurador deve ser visto como verdadeiro
representante ou como simples núncio. As duas figuras não se confundem:
Representante Núncio
Emite uma declaração de vontade (em maior ou menor Limita-se a transmitir exatamente a declaração de vontade
medida própria), ainda que em nome do representado do contraente que representa
Em face do art. 1620º/2 CC dúvidas não restam de que a procuração que confere poderes ao procurador é bastante
detalhada, fixando, além da identificação do outro nubente e da indicação da modalidade de casamento, a vontade
inequívoca do constituinte de contrair o matrimónio. Portanto, o procurador não tem aqui qualquer liberdade de
decisão pessoal (por ex. para decidir se o casamento será ou não conveniente ou vantajoso), pelo que parece, quanto
a este ponto, aproximar-se mais da figura do núncio. Ainda quanto a esta temática importa saber se o procurador não
poderá recusar-se legitimamente a celebrar o casamento quando saiba de qualquer circunstância superveniente ou
em todo o caso ignorada do constituinte, a qual considera que se fosse conhecida do constituinte provavelmente seria
um obstáculo à vontade de este se casar. A solução depende dos termos do acordo entre o procurador e o constituinte.
Não havendo acordo, cremos que o procurador pode e deve recusar a conclusão do matrimónio nesta hipótese. Assim
sendo, o procurador deverá qualificar-se ainda como representante, e não como simples núncio.
4. Caráter puro e simples do consentimento
O caráter puro e simples do consentimento traduz-se na circunstância de o casamento ser um negócio inaprazável e
incondicionável. Com efeito, o art. 1618º/2 CC determina que ao casamento não pode ser aposto nem um termo, nem
uma condição (nem pode aquele ser sujeito à preexistência de alguns facto). O fundamento desta solução legal assenta
fundamentalmente na dignidade da instituição matrimonial e na ideia de que o matrimónio é um negócio que afeta o
estado das pessoas. Esta hipótese é sobretudo uma hipótese académica (de difícil verificação na realidade), mas na
sua verificação, as cláusulas referidas ter-se-iam como não escritas, sendo o casamento válido mas sem essas cláusulas
específicas (art. 1618º/2 CC).
5. Perfeição do consentimento
5.1 A divergência entre a vontade e a declaração e as suas formas: princípios gerais
A perfeição do consentimento deve manifestar-se em duas dimensões:
 As declarações de vontade dos dois nubentes devem ser concordes uma com a outra;
 Em cada uma das declarações de vontade deve haver concordância entre a vontade e a declaração.
A concordância entre a vontade e a declaração, no caso do casamento, é presumida por lei, nos termos do art. 1634º
CC. Todavia, nem sempre assim acontece: por vezes, a vontade manifestada pode não corresponder à vontade efetiva
ou real do nubente. Neste âmbito, coloca-se a questão de saber se o declarante ficará vinculado, e em que termos, à
declaração que prestou. Estes casos encontram-se regulados nos art. 1635º CC, o qual enumera as quatro hipóteses
em que o casamento pode ser anulado por falta de vontade.
5.2 Casamento simulado
A simulação do casamento assume-se como meio para a aquisição de nacionalidade, para a obtenção de autorização
de residência, para contornar disposições legais, para adquirir uma situação vantajosa derivada do estado de casado,
etc. Isto contando que os cônjuges não fazem vida em comum, pois se assim o for, o casamento será válido,
independentemente dos motivos que o originaram. Mas, se essa comunhão de vida não se verificar, então o
casamento tem-se por simulado. Nos termos do art. 1635º/d) CC, o casamento simulado é anulável, podendo a sua
anulação ser pedida por qualquer um dos cônjuges ou por terceiros prejudicados (art. 1640º/1 CC), no prazo de 3 anos
a contar da data do casamento (ou de 6 meses a contar do conhecimento do casamento, se este era desconhecido do
requerente) (art. 1644º CC).

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Em aplicação do regime geral, os cônjuges (como simuladores) não poderão fazer prova testemunhal ou por
presunções (art. 394º/2 e 351º CC). Também nesta linha, a anulação do casamento simulado não poderá ser oposta a
terceiro que acreditara, de boa fé, na validade do casamento (art. 243º CC).
5.3 Erro na declaração
Quanto ao erro na declaração, podemos individualizar duas situações:
 Falta a vontade de ação (o nubente age inconscientemente) ou a vontade de declaração (o nubente tem
consciência da sua ação, mas não pretendia com ela emitir uma declaração negocial): o casamento é anulável
(art. 1635º/a) CC);
 Falta vontade negocial (o nubente tinha consciência da sua declaração e pretendia emitir uma declaração
negocial, mas o negócio celebrado não corresponde, em termos de conteúdo, ao negócio que queria celebrar):
o casamento é anulável se o erro impende sobre a identidade física do outro nubente (art. 1635º/b) CC).
Como é evidente, estas são hipóteses muito remotas, dificilmente verificáveis na realidade.
Em qualquer daquelas hipóteses, a anulação só pode ser requerida pelo cônjuge cuja vontade faltou (art. 1640º/2 CC),
dentro do prazo de 3 anos a contar da data do casamento ou do prazo de 6 meses a contar do conhecimento do
casamento (art. 1644º CC).
6. Liberdade do consentimento
6.1 Vícios do consentimento: princípios gerais
A liberdade do consentimento é também presumida pela lei no art. 1634º CC. Para que a vontade dos nubentes seja
verdadeiramente livre é preciso que:
 A vontade tenha sido esclarecida (formada com exato conhecimento das coisas);
 A vontade se tenha formado com liberdade exterior (sem pressão de violência ou ameaças).
Uma vontade não esclarecida tem origem no erro-vício, enquanto que uma vontade formada sem liberdade exterior
traduz uma hipótese de coação moral. São apenas estes dois vícios da vontade que relevam em matéria de casamento
(art. 1627º CC), não tendo qualquer significado o dolo ou o estado de necessidade.
NOTA: a irrelevância do dolo deve ser entendida em termos hábeis – claro que o dolo também releva no âmbito do
casamento, mas releva como erro (pois o dolo não é mais do que um erro provocado pela outra parte).
Mesmo o erro e a coação só são relevante, em matéria de casamento, nos termos e condições apertados dos arts.
1636º e ss. CC. Portanto, o regime geral aplicável as casos de erro-vício e coação moral é afastado, a favor do regime
especial aqui estabelecido (ainda que, como é evidente, os pressupostos gerais sejam sempre exigíveis).
6.2 Erro
Nos termos do art. 1636º CC, são pressupostos de relevância do erro, em matéria de casamento:
a) O erro deve recair sobre qualidades essenciais do outro nubente;
b) O erro tem de ser desculpável;
c) O erro deve ser essencial (sem ele o casamento não teria sido celebrado) – para tal exige-se a sua:
 Essencialidade subjetiva: o erro foi fulcral para a determinação da vontade do nubente de casar;
 Essencialidade objetiva: em face das circunstâncias do caso e à luz da consciência social dominante, é
legítimo/razoável que o erro tenha sido decisivo da vontade de contrair matrimónio.
A estes requisitos deverá acrescentar-se a propriedade do erro (o erro não pode recair sobre um requisito legal de
validade do negócio), nos termos gerais.
6.3 Coação
A coação moral define-se como o “receio ou temor ocasionado no declarante pela cominação de uma mal, dirigido à
sua própria pessoa, honra ou fazenda, ou de um terceiro”. Logicamente, só haverá coação se o mal houver sido
cominado com a intenção de extorquir o consentimento do declarante.
Num primeiro plano, há que referir as condições gerais de relevância da coação, as quais se aplicam inteiramente no
caso do casamento. Estas condições diferem consoante a coação seja exercida:
 Pelo outro contraente:
a) A coação deve ser essencial (sem ela o casamento não teria sido celebrado);
b) A ameaça tem de ter sido cominada com a intenção de extorquir a declaração negocial;
c) A cominação da ameaça é ilícita (ilegitimidade do meio ou ilegitimidade da prossecução de um certo
fim por aquele meio).
 Por terceiro: a estes 3 requisitos, acrescem os seguintes:
a) Gravidade do mal cominado;

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b) Justificado receio da consumação do mal.
Nos termos do art. 1638º/1 CC, na hipótese do casamento estar viciado por coação, aplicar-se-ão, indistintamente,
todos os requisitos acima mencionados, isto é, mesmo que a coação seja exercida pelo outro nubente, exige-se a
gravidade do mal e o receio justificado da sua consumação a par dos 3 requisitos gerais.
6.4 Anulabilidade por erro ou coação; seu regime
Quando o consentimento for prestado por erro ou coação, e verificando-se os respetivos pressupostos de relevância,
o casamento é anulável (art. 1631º/b) CC). A ação de anulação só pode ser intentada pelo cônjuge enganado ou coato,
dentro dos 6 meses subsequentes à cessação do vício (art. 1645º CC). A anulabilidade é sanável, nos termos gerais,
mediante confirmação (art. 288º CC).

Subsecção II – Capacidade
1. Conceito de impedimento matrimonial
Uma primeira nota a referir nesta matéria é a de que a natureza particular do casamento faz com que sejam diferentes
o número e a qualificação das incapacidades nupciais.
Incapacidades nupciais/matrimoniais Incapacidades (ilegitimidades) conjugais
Fatores, relativos ao próprio sujeito, que obstam à Efeitos que derivam do casamento e que influem sobre a
celebração do matrimónio relação dos cônjuges com o respetivo património
Quanto às incapacidades nupciais, que se reconduzem à questão da capacidade como requisito do casamento, a
natureza do casamento dá origem a exigências em dois sentidos diversos: por um lado, o casamento pressupõe a plena
comunhão de vida, a qual inclui a comunhão de leito (exigindo-se, portanto, uma capacidade natural de entender e
uma capacidade natural sexual); por outro lado, a lei promove e incentiva o casamento (o que se traduz no caráter
imperfeito de muitas normas que consagram incapacidade nupciais, designadamente as que se reportam aos
impedimentos impedientes). Portanto, vêm-se aqui solicitações em sentido diverso: de um lado, seria de exigir uma
maior número de incapacidades face aos demais negócios jurídicos, mas, de outro, parece ser benéfico a diminuição
do número de incapacidades no âmbito do casamento.
Uma segunda nota que importa apontar desde logo é a de que, quanto ao casamento, a lei impõe a averiguação prévia
da capacidade matrimonial. Procura-se, deste modo, evitar, a priori, a celebração de casamentos inválidos. É neste
contexto que surge o conceito de impedimentos matrimoniais: circunstâncias que, de qualquer modo, impedem a
celebração do casamento, sob pena de anulabilidade do ato ou de sanções de outra natureza. No fundo, os
impedimentos são as causas das incapacidades matrimoniais. Portanto, as incapacidades traduzem-se nos efeitos
produzidos pelos impedimentos ainda antes do casamento se celebrar (se há um impedimento, então o sujeito é
incapaz e, por isso, não pode celebrar o casamento); pois, após a celebração do casamento, as incapacidades irão já
determinar a anulabilidade do casamento (se havia uma impedimento, então o negócio é inválido).
2. Classificação dos impedimentos matrimoniais
Podemos enunciar três classificações distintas de impedimentos matrimoniais:
 Impedimentos dirimentes: o casamento é sempre anulável (art. 1631º/a) CC);
Impedimentos impedientes: o casamento é sancionado com uma sanção distinta da anulabilidade.
 Impedimentos absolutos: filiam-se numa qualidade da pessoa e impedem-na de casar seja com quem for;
Impedimentos relativos: fundam-se numa relação da pessoa com uma outra, proibindo apenas o casamento
com esta pessoa.
 Impedimentos dispensáveis: admitem dispensa (= ato pelo qual uma autoridade, atendendo às circunstâncias
do caso concreto, autoriza o casamento não obstante a existência de um impedimento);
Impedimentos indispensáveis: não admitem dispensa em caso algum (portanto, o conservador não pode fazer
um juízo casuístico, sendo todos os casamentos em que se verifiquem estes impedimentos inválidos).
NOTA: os arts. 1601º e 1602º CC consagram, respetivamente, os impedimentos dirimentes absolutos e os
impedimentos dirimentes relativos. Já os impedimentos impedientes, absolutos e relativos, constam do art. 1604º CC.
Por fim, no art. 1609º/1 CC são elencados os impedimentos dispensáveis.
3. Impedimentos dirimentes absolutos
3.1 Falta de idade nupcial
O casamento é anulável se algum dos nubentes ainda não tinha atingido, ao concluir o matrimónio, a idade nupcial –
art. 1601º/a) CC. A idade nupcial é a idade mínima imposta por lei para a celebração de matrimónio (16 anos), a qual
indicia suficiente maturidade física e psíquica.

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Nos termos dos arts. 1639º e 1643º CC, verificando-se este impedimento, os cônjuges ou qualquer parente deles na
linha reta ou até ao 4º grau da linha colateral, bem como herdeiros e adotantes dos cônjuges e mesmo o MP podem
propôr a ação de anulação dentro de um dos seguintes prazos:
 Ação proposta pelo menor: até 6 meses após atingir a maioridade;
 Ação proposta por uma das outras pessoas com legitimidade para tal: até 3 anos após a celebração do
casamento, mas nunca depois da maioridade do cônjuge que não tinha idade nupcial naquele momento.
Se, depois de atingir a maioridade, o menor confirmar perante o funcionário do registo civil e duas testemunhas o
casamento, este tem-se como convalidado (sanando-se a invalidade).
3.2 Demência
A demência notória e a interdição ou inabilitação por anomalia psíquica são impedimentos dirimentes – art. 1601º/b)
CC. Importa referir que o conceito de demência aqui subentendido não coincide com o conceito psiquiátrico: não está
em causa a doença mental específica, mas sim qualquer anomalia psíquica/mental, quer se projete no domínio da
inteligência, quer no da vontade, desde que impeça o indivíduo de reger convenientemente a sua pessoa e os seus
bens. Este impedimento visa tutelar o interesse público, com base em razões de ordem social e de saúde pública.
Nestes termos, convém analisar detalhadamente alguns traços do regime deste impedimento.
Em primeiro lugar, o impedimento que nos ocupa abrange tanto a demência de direito (reconhecida em sentença de
interdição ou de inabilitação) como a demência de facto. O impedimento por interdição ou inabilitação só existe desde
a data do trânsito em julgado da respetiva sentença. Porém, esta sentença deve fixar a data do começo da
incapacidade, pelo que o casamento que tenha sido celebrado após esta data pode ser anulado independentemente
de, no momento da sua celebração, já ter transitado em julgado a sentença. No caso da demência de facto, exige-se
a prova da demência e da data a partir da qual ela se manifestou. Como decorre das regras gerais, a demência só
releva se já existia à data da celebração do casamento. A lei exige, como referido, a notoriedade da demência. O
sentido a conferir a esta exigência não é o que decorre do art. 257º/2 CC, pois não se visa aqui, ao invés do que
acontece quanto à incapacidade acidental, proteger os interesses do declaratário (neste caso, do cônjuge). O que
verdadeiramente importa, no âmbito da incapacidade matrimonial, é que a demência seja certa, inequívoca.
Em segundo lugar, é de ressalvar que a demência constitui impedimento ao matrimónio mesmo durante eventuais
intervalos lúcidos.
Por último, a demência a que se reporta o art. 1601º/b) CC deverá ser permanente ou habitual, e não uma demência
acidental. De facto, se o nubente não tinha consciência do ato que praticava, o negócio é anulável por falta de vontade
(art. 1635º/a) CC).
As pessoas com legitimidade ativa para propôr a ação de anulação do casamento com fundamento em demência de
um dos cônjuges são as mesmas que referimos quanto ao impedimento de falta de idade nupcial (art. 1639º CC). No
que se refere aos prazos de propositura da ação, a lei distingue, também aqui, duas hipóteses (art. 1643º/1/a) CC):
 Ação proposta pelo próprio demente: até 6 meses após o levantamento da inabilitação ou interdição ou após
a cessação da demência;
 Ação proposta por uma das outras pessoas com legitimidade para tal: até 3 anos após o matrimónio, mas
nunca depois do levantamento da incapacidade ou da cessação da demência.
Por fim, também aqui se admite a convalidação do casamento, mediante confirmação e, no caso de demência notória,
de se fazer prova do estado de sanidade mental (art. 1633º/1/b) CC).
3.3 Vínculo matrimonial anterior não dissolvido
O vínculo matrimonial anterior não dissolvido, católico ou civil, constitui também um impedimento dirimente absoluto
– art. 1601º/c) CC. Pretende-se, deste modo, proibir a bigamia. Quem for casado não pode, pois, contrair novo
matrimónio sem que o anterior se ache dissolvido, declarado nulo ou anulado.
No que respeita a morte presumida, dispõe o art. 115º CC que esta não dissolve o casamento. Contudo, decorrido 1
ano sobre a data das últimas notícias poderá o cônjuge do ausente pedir o divórcio com fundamento na alínea c) do
art. 1781º CC. Mesmo que não o faça, tendo sido declarada a morte presumida, o cônjuge do ausente pode voltar a
casar, dissolvendo-se o primeiro pela celebração do segundo. Não regressando o ausente, o primeiro casamento
considera-se dissolvido por morte; caso o ausente regresse, o primeiro casamento considera-se dissolvido por divórcio
à data da declaração de morte presumida (art. 116º CC).
Como é evidente, se os mesmos cônjuges pretenderem casar outra vez, nada impede a celebração do novo
matrimónio, pois não está aqui em causa uma hipótese de bigamia (que o impedimento pretende evitar).

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Também quanto a este impedimento, têm legitimidade para propôr a ação de anulação as pessoas referidas no art.
1639º CC. A ação poderá ser proposta, ao abrigo do art. 1643º/1/c) CC, no prazo de 6 meses após a dissolução do
primeiro casamento.
4. Impedimentos dirimentes relativos
4.1 Parentesco e afinidade
No elenco dos impedimentos dirimentes relativos (art. 1602º CC), são mencionados:
 O parentesco na linha reta – al. a);
 O parentesco no 2º grau da linha colateral – c);
 A afinidade na linha reta – al. d).
São estes os únicos vínculos familiares que constituem impedimentos dirimentes. Refira-se, porém, que no
impedimento relativo ao parentesco se integram as relações derivadas da adoção (art. 1986º CC).
As razões que fundam este regime reconduzem-se, quanto ao parentesco, à proibição do incesto, e, quanto à afinidade
e adoção, a considerações de moral familiar, além do respeito devido às convenções sociais.
Note-se que, ao abrigo do art. 1603º CC, os impedimentos de parentesco e afinidade valem mesmo que a maternidade
ou paternidade não se encontre estabelecida (art. 1603º CC). O reconhecimento do parentesco para efeitos de
impedimento matrimonial não produz qualquer outro efeito, não valendo sequer como começa de prova em ação de
investigação da paternidade ou maternidade (art. 1603º/1 CC).
A ação de anulação do casamento celebrado entre parentes e afins em violação do disposto no art. 1602º/a), c) e d)
CC pode ser proposta (mais uma vez) pelas pessoas elencadas no art. 1639º CC, até 6 meses a contar da dissolução do
casamento (art. 1643º/1/c) CC).
4.2 A relação anterior de responsabilidades parentais
O cônjuge um pai ou mãe, ou unido de facto com estes, que, nos termos da lei nº 137/2015, de 7 de setembro, tenha
assumido responsabilidades parentais relativamente ao filho dessa mãe ou pai, fica impedido de casar com essa filho
– art. 1602º/b) CC. Como se compreende, não valem aqui quaisquer considerações acerca do incesto, mas antes
fundamentos de caráter social. A lei parece aqui valorizar o estatuto e o desempenho do titular das responsabilidades
parentais, colocando-o ao nível de um pai ou de uma mãe. A tutela e o apadrinhamento civil (que se consubstanciam
num vínculo semelhante) apenas fundamentam um impedimento impediente, e deixam mesmo de constituir qualquer
impedimento depois de extintas. Daí que se conclua que o legislador quis valorizar a posição assumida por aqueles
que assumem as responsabilidades parentais em condições similares às dos progenitores.
O casamento celebrado entre duas pessoas anteriormente ligadas por uma relação de responsabilidades parentais é
anulável (art. 1631º/a) CC), podendo a ação ser intentada pelas pessoas com legitimidade à luz do art. 1639º/1 CC, até
6 meses depois da dissolução do casamento (art. 1643º/1/c) CC).
4.3 Condenação por homicídio
Por fim, constitui ainda um impedimento dirimente relativo a “condenação anterior de um dos nubente, como autor
ou cúmplice, por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro” (art. 1602º/d) CC). Este
impedimento consiste numa sanção aplicável ao autor ou cúmplice de homicídio (na forma tentada ou na forma
consumada) que, aos olhos do legislador, parece ter sido cometido para permitir o casamento do agente com o
cônjuge da vítima. Isto sem prejuízo de a lei não exigir especificamente esta intenção, exigindo somente o caráter
doloso do crime.
Este impedimento só existe após o trânsito em julgado do acórdão condenatório. No entanto, de modo a acautelar
eventuais demoras, o art. 1604º/f) CC consagra um impedimento impediente de pronúncia por homicídio.
5. Impedimentos impedientes
5.1 Generalidades
Como referido, os impedimentos impedientes, apesar de impedirem o casamento, não tornam o casamento celebrado
em sua violação anulável. Não constituem, portanto, verdadeiras incapacidades, mas tão-só proibições legais.
5.2 Falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento de menores
Este impedimento refere-se, logicamente, aos menores de 18 anos mas maiores de 16, já que os menores de 16 anos
estão feridos de incapacidade de gozo (a idade núbil constitui um impedimento dirimente – art. 1601º/a) CC.
A Reforma de 1977 veio introduzir algumas alterações ao regime do consentimento para o casamento de menores no
sentido de valorizar a autorização dos pais ou do tutor, designadamente em dois aspetos mais importantes:
Passou a constituir impedimento a simples falta de O suprimento da autorização dos pais ou tutor está
autorização, e não apenas a oposição expressa. agora sujeita a exigências mais rigorosas.

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A autorização pode ser concedida pelos progenitores que exerçam as responsabilidades parentais ou pelo tutor:
 Antes da celebração do casamento: a autorização pode ser dada por qualquer uma das formas previstas no
art. 150º/1 Código do Registo Civil (CRC), em documento que deve identificar o outro nubente e indicar a
modalidade de casamento;
 No próprio ato de celebração do casamento: na cerimónia de celebração do matrimónio, o conservador deve
interpelar as pessoas que devem prestar o consentimento, aos quais poderão conceder a autorização exigida
nesse momento, pessoalmente ou através de procurador (arts. 150º/3, 155º/1/b) e 181º/d) CRC).
O menor pode pedir o suprimento da autorização que lhe seja negada pelos pais em processo que segue os termos
dos arts. 255º e ss. CRC:
1. Petição dirigida ao conservador do Registo Civil (art. 255º CRC);
2. Citação dos pais ou tutor para responderem no prazo de 8 dias (art. 256º/1 CRC);
3. Decisão do pedido pelo conservador:
a) Suprimento da autorização: o conservador entende que o menor tem suficiente maturidade física e
psíquica e que há razões ponderosas que justifiquem a celebração do casamento (art. 257º/1 CRC);
b) Não suprimento da autorização: o menor só poderá contrair casamento mediante autorização dos
pais ou do tutor.
4. Notificação da decisão aos interessados, sendo que da decisão do conservador cabe recurso para o juiz da
comarca (art. 257º/2 e 3 CRC).
Se o menor contrair casamento sem a autorização dos pais ou do tutor ou o respetivo suprimento, não fica plenamente
emancipado: continua a ser considerado menor quanto à administração dos bens que tenha levado para o casal ou
que lhe advenham a título gratuito atá à maioridade (arts. 132º, 133º e 1649º CC). Mas, do rendimento desses bens
serão arbitrados ao menos os alimentos necessários ao seu estado.
5.3 Prazo internupcial
O prazo internupcial consiste no período de tempo que tem de mediar entre um matrimónio dissolvido, anulado ou
declarado nulo e a celebração de novo matrimónio. Este período será de (art. 1605º/1 CC):
 180 dias – relativamente ao homem;
 300 dias – relativamente à mulher.
[Este prazo alargado justifica-se como meio de evitar a turbatio sanguinis, ou seja, como meio de eliminar
eventuais dúvidas sobre a paternidade de uma criança nascida após a celebração do 2º casamento, mas
eventualmente concebida ainda na constância do 1º casamento. Se um 2º casamento imediato fosse possível,
o filho nascido nos 300 dias subsequentes à dissolução do 1º casamento seria havido como filho do 1º e do 2º
marido – por um lado, tinha sido concebido na constância do 1º casamento, e, por outro, tinha nascido na
constância do 2º casamento (art. 1826º/1 CC). Simultaneamente, parece estar também inerente a este prazo
a função de evitar que a mulher volte a casar estando grávida do 1º marido, por escrúpulos de ordem moral.]
O prazo internupcial, além desta função específica respeitante à presunção de paternidade, cumpre uma função geral
de instituir um período de luto em respeito pelas convenções sociais.
Aqueles prazos assumem-se como regra geral nesta matéria, mas comportam 3 importantes exceções:
 A mulher pode contrair segundas núpcias decorridos 180 dias sobre a data da dissolução, declaração de
nulidade ou anulação do casamento anterior se fizer prova que não está grávida ou tiver tido um filho após
aquela data (art. 1605º/2 primeira parte CC);
 A mulher pode celebrar casamento decorridos 180 dias sobre a data em que transitou em julgado a sentença
de separação judicial de pessoas e bens quando os cônjuges estavam previamente separados e o casamento
se dissolveu por morte do marido, tendo igualmente que fazer prova de que não está grávida (art. 1605º/2 in
fine CC) – caso a morte do marido se dê antes do decurso dos 180 dias após a separação, há que fazer a
dedução: após a dissolução do casamento por morte, o prazo internupcial corresponderá ao nº de dias que
ainda faltam para os 180, contando-se os que já passaram desde a separação judicial (anterior à morte).
NOTA: embora a lei não se refira à hipótese de o casamento se dissolver por morte da mulher, havendo
anterior separação judicial de pessoas e bens, entende-se que também aqui se aplicará este regime de
dedução.
 Em determinados casos, o 2º casamento pode ser celebrado imediatamente, não se exigindo o decurso de
qualquer prazo internupcial. Nomeadamente, estão em causa as hipóteses em que:
 A coabitação já cessara entre os cônjuges antes da dissolução do casamento – art. 1605º/5 CC;

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 A sentença do divórcio fixou a data em que cessou a coabitação dos cônjuges e desde esse momento
já haviam decorrido os prazos do art. 1605º/1 CC – art. 1605º/4 primeira parte CC;
 Houve divórcio por conversão e os prazos do art. 1605º/1 CC já haviam decorrido desde a data em
que transitou em julgado a sentença de separação de pessoas e bens – art. 1605º/4 in fine CC.
No que respeita os prazos gerais, o prazo internupcial é contabilizado de formais diferentes consoante o modo de
extinção do 1º casamento (art. 1605º/3 CC):
 Dissolução por morte: o prazo conta-se a partir da data do óbito;
 Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: há que distinguir duas situações:
 A sentença fixou a data em cessou a coabitação: não há prazo internupcial se já decorreram, desde
essa data, os prazos gerais;
 A sentença não fixou a data em que cessou a coabitação: o prazo conta-se a partir do trânsito em
julgado da sentença de divórcio.
 Divórcio por mútuo consentimento: o prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença;
 Dissolução do casamento católico por dispensa do casamento rato e não consumado: o prazo conta-se a partir
do registo da decisão proferida pelas autoridades eclesiásticas;
 Declaração de nulidade do casamento católico: o prazo conta-se a partir da data do registo da decisão do
tribunal eclesiástico;
 Anulação do casamento civil: o prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença judicial.
Aquele que contrair casamento não observando o prazo internupcial perde todos os bens que tenha recebido por
doação ou testamento do seu primeiro cônjuge (art. 1650º/1 CC).
5.4 Parentesco no 3º grau da linha colateral
É também impedido o casamento entre tios e sobrinhas ou tias e sobrinhos. No entanto, além de meramente
impediente, este impedimento é ainda dispensável (art. 1609º/1/a) CC). A dispensa é competência exclusiva do
conservador do Registo Civil, ao qual deve ser dirigida petição na qual se exponham os motivos da pretensão. O
processo de dispensa encontra-se regulado nos arts. 253º e 254º CRC.
Se não houver dispensa e ainda assim o casamento for celebrado, o tio ou tia não poderá receber qualquer benefício
por doação ou testamento do seu consorte (art. 1650º/2 CC).
5.5 Tutela, curatela e administração legal de bens
O impedimento respeitante às relações de tutela, curatela ou administração legal de bens subsiste enquanto não tiver
decorrido 1 ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respetivas contas (arts. 1604º/d) e 1608º
CC). Este impedimento estende-se não só ao tutor, curador ou administrador, mas também aos seus parentes ou afins
em linha reta, irmãos, cunhados e sobrinhos. Como razões para este condicionalismo, podemos apontar:
 Evitar que o tutor, curador ou administrador se exima ao cumprimento da obrigação de prestar contas através
do casamento;
 Evitar que o consentimento do incapaz seja menos livre, dado o ascendente que o tutor, curador ou
administrador tem sobre ele.
No caso de as contas estarem aprovadas, este impedimento assume-se como dispensável (art. 1609º/1/b) CC).
A sanção legal para a violação do impedimento de tutela, curatela ou administração legal de bens é, também aqui, a
incapacidade do tutor, curador ou administrador e seus familiares de receber qualquer benefício por doação ou
testamento do consorte (art. 1650º/2 CC).
5.6 Vínculo de apadrinhamento civil
A figura do apadrinhamento civil foi instituída pela Lei nº 103/2009, de 11 de setembro. Nos termos do art. 22º/1
desta lei, esta relação constitui impedimento impediente ao casamento entre padrinhos e afilhados. Portanto, este
impedimento não é extensivo aos familiares deles. Este impedimento é também dispensável, sempre que se
apresentem motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento (art. 22º/2).
A desconsideração do impedimento e a celebração do casamento importam, para o padrinho ou madrinha, a
incapacidade para receber qualquer benefício por doação ou testamento do cônjuge/ex-afilhado (art. 22º/3).
5.6 Pronúncia por homicídio
Como referido [vide supra: Subsecção II, 4.3], este impedimento impediente visa garantia o efeito útil do impedimento
dirimente fixado no art. 1602º/d) CC, pelo que se verifica com a mera pronúncia do nubente pelo crime de homicídio.
Este impedimento subsistirá enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada em julgado (art.

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1604º/f) CC). Tendo em conta as alterações ocorridas ao nível do processo penal, deve equiparar-se ao despacho de
pronúncia, o despacho do juiz que confirme ou consolide a acusação.

Secção II – Formalidades do casamento


1. Generalidades
O casamento é um negócio formal ou solene. O formalismo negocial apresenta algumas vantagens:
 Defenda as partes contra a sua leviandade ou precipitação;
 Permite uma clara e completa expressão da vontade;
 Demarca a separação entre as simples negociações e os termos definitivos do negócio;
 Facilita a prova da declaração negocial (obviando-se aos inconvenientes da prova testemunhal).
Contudo, ao formalismo negocial são também apontáveis alguns inconvenientes:
× Embaraça a conclusão válida dos negócios jurídicos (pelas delongas e despesas que acarreta);
× Pode suscitar injustiças, por levar à invalidade de um negócio que as partes concluíram por acordo.
No que respeita ao casamento, a exigência de forma deriva do maior peso que o legislador conferiu, neste âmbito,
àquelas vantagens, em detrimento destes inconvenientes.
Porém, estas razões não explica a particular forma exigida para o casamento. De facto, a forma exigida não consiste,
como acontece com os demais negócios formais, num documento escrito, mas numa cerimónia específica. Este caráter
cerimonioso do casamento assenta em duas razões fundamentais:
 A cerimónia civil terá sido imitada da cerimónia religiosa;
 A cerimónia de celebração serve para vincar no ânimo dos nubentes a importância e seriedade do ato.
2. Processo preliminar de casamento
2.1 Incidentes do processo
O processo preliminar do casamento compreende as formalidades a cumprir antes da celebração do casamento.
Tais formalidades repercutem-se num encadeamento de atos:
1. Declaração da intenção de celebração casamento e requerimento da instauração do processo de casamento,
numa conservatória do registo civil (art. 135º CRC) – esta declaração deve conter elementos como a
modalidade de casamento que os nubentes pretendem celebrar, a existência ou não convenção antenupcial,
etc. e ser acompanhada dos documentos exigidos no art. 137º/1 CRC.;
NOTA: os nubentes podem cumular o pedido de instauração do processo de casamento e o pedido de dispensa
de impedimentos ou o pedido de autorização para casamento de menor ou o pedido de suprimento de
certidão de registo (art. 135º/5 CRC).
2. Consulta, imediata e oficiosa, da base de dados do registo civil, sendo integrados os documentos necessários
para provar os factos referidos nas alíneas a), b) e c) do art. 137º/4 CRC;
3. Verificação, pelo conservador, da identidade e capacidade matrimonial dos nubentes: o conservador pode
colher informações junto de autoridades, exigir prova testemunhal e documental complementar e convocar
os nubentes ou seus representantes (art. 143º CRC);
4. Elaboração do despacho a autorizar os nubentes a celebrar o casamento ou a mandar arquivar o processo (art.
144º/1 CRC); o despacho desfavorável é notificado aos nubentes, que dele podem recorrer nos 8 dias
seguintes (arts. 144º/4 e 292º CRC).
O processo preliminar termina com o despacho referido, mas podem verificar-se alguns incidentes no seu decurso:
 Intenção de celebrar casamento católico ou casamento civil sob a forma religiosa: o conservador deve passar,
no prazo de 1 dia, um certificado em que declare que os nubentes podem contrair casamento, o qual deve
remeter oficiosamente ao pároco competente ou ao ministro do culto indicado pelos nubentes (art. 146º CRC).
 Dispensa de impedimentos impedientes dispensáveis: os interessados devem expor os motivos que justificam
a pretensão para que, após a organização e instrução do processo, o conservador possa proferir a decisão
fundamentada sobre a concessão ou denegação da dispensa. A decisão é notificada aos interessados e dela
cabe recurso para o juiz da comarca (arts. 253º e 254º CRC).
 Denúncia de impedimentos: a existência de impedimentos pode ser declarada por qualquer pessoa até ao
momento da celebração do casamento, sendo a declaração obrigatória para o Ministério Públicos e para os
funcionários do registo civil logo que tenham conhecimento do impedimento (art. 1611º/1 e 2 CC). O
conservador deve inserir o impedimento no processo de casamento, cujo andamento é suspenso até que o

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impedimento cesse, seja dispensado ou seja julgado improcedente por decisão judicial (art. 1611º/3 CC). O
processo de impedimento do casamento encontra-se regulado nos arts. 245º a 252º CRC:
1. Declaração de impedimento;
2. Citação dos nubentes para, no prazo de 20 dias, impugnares o impedimento sob cominação de este
se ter por confessado;
3. Resultado final do processamento:
a) Procedência do impedimento (por falta de impugnação ou porque os nubente confessaram): o
processo de casamento é arquivado;
b) Impugnação pelos nubentes: o conservador deve remeter, no prazo de 2 dias, o processo para o
juiz da comarca o qual profere a sentença, se os documentos lhe permitirem fazê-lo, no prazo
de 2 dias após a conclusão do processo; se os documentos não lhe permitirem decidir, o juiz
baixa o processo à conservatória para produção de prova e inquirição de testemunhas. Da
sentença posteriormente proferida pelo juiz há recurso para a Relação.
2.2 Celebração do casamento
Se o despacho final for favorável, o casamento deverá celebrar-se dentro de 6 meses (art. 1614º CC). O processo pode
ser revalidado se o casamento não for celebrado nesse prazo, mediante a junção dos documentos que tenham
excedido o prazo de validade (desde que não tenha passado mais de 1 ano desde o despacho final).
O dia, hora e local da celebração do casamento são acordados entre os nubentes e o conservador. Na cerimónia, que
pode ser celebrada por qualquer conservador do registo civil, devem estar presentes duas testemunhas quando a
identidade de qualquer dos nubentes ou do procurador de um deles não possa ser verificada por uma das formas
previstas nas als. a), b) e c) do nº 3 do art. 154º CRC. À celebração segue-se o registo do casamento.
2.3 Registo do casamento
O registo do casamento é obrigatório, assumindo-se como único meio de prova do estado civil de casado. Na verdade,
o registo não contende com a existência ou com a validade ou eficácia do ato, mas sim com a sua prova: enquanto
não for registado, o casamento não pode ser invocado (art. 1669º/2 CC).
O registo do casamento pode ser lavrado por inscrição ou por transcrição, ou averbado ao assento do casamento civil
(caso os cônjuges já vinculados entre si por casamento civil anterior, celebrem casamento católico). No caso do
casamento civil único, o registo é lavrado por inscrição em suporte informático, realizado pelo funcionário logo após
a celebração do casamento.
A omissão do registo do casamento só pode ser suprida por decisão do conservador em processo de justificação
administrativa. Como qualquer outro registo, o registo do casamento poderá ser declarado inexistente ou nulo,
designadamente por falsidade, bem como pode ser cancelado.
O registo do casamento produz efeitos retroativos: a sua eficácia retroage à data da celebração do casamento (art.
1670º/1 CC). No entanto, o nº 2 do art. 1670º CC ressalva os direitos de terceiro, compatíveis com os direitos e deveres
de natureza pessoal dos cônjuges e dos filhos, que tenham sido adquiridos anteriormente ao registo.
3. Casamentos urgentes
Nos termos do art. 1622º/1 CC, o casamento pode celebrar-se independentemente de processo preliminar e sem
intervenção do funcionário do registo civil sempre que haja (1) fundado receio de morte próxima de algum dos
nubentes, ainda que derivada de circunstância externas, ou (2) iminência de parto.
Os casamentos celebrados nestas circunstâncias denominam-se “casamentos urgentes”.
O formalismo exigido para estes casamentos é muito simples, o que se compreende à luz das circunstâncias em que
têm lugar. Desde logo, as formalidades preliminares reduzem-se à proclamação oral ou escrita de que vai celebrar-se
o casamento, feita à porta da casa onde se encontrem os nubentes, pelo funcionário do registo civil ou, na sua falta,
por qualquer uma das pessoas presentes. Depois, quanto à celebração do casamento, exige-se apenas a declaração
expressa do consentimento de cada um dos nubentes, perante 4 testemunhas, 2 das quais não podem ser parentes
sucessíveis dos nubentes. Finalmente, também o registo dos casamentos urgentes reveste especialidades:
a) Deve redigir-se a ata do casamento por documento escrito, assinado por todos os intervenientes que possam
e saibam fazê-lo;
b) O conservador irá proferir, com base naquela ata, o despacho dentro do prazo de:
1. Se já há um processo preliminar de casamento organizado: 3 dias, a contar da data da ata ou da última
diligência do processo;

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2. Se não há ainda qualquer processo preliminar iniciado: o conservador organiza oficiosamente o
processo preliminar de casamento, o qual deve estar concluído no prazo de 30 dias a contar da ata.
c) Homologação do casamento pelo conservador, mediante fixação, no despacho final, de todos os elementos
que devam constar do assento – são causas justificativas da não homologação (art. 1624º CC):
 Não verificação dos requisitos legais para os casamentos urgentes;
 Inobservância das formalidades prescritas para a celebração de casamentos urgentes;
 Indício sério da falsidade desses requisitos ou formalidades;
 Existência de um impedimento dirimente;
 Transcrição prévia do casamento urgente por este ter sido considerado como católico pelas
autoridades eclesiásticas.
Na falta de homologação, o casamento urgente é considerado inexistente (art. 1628º/b) CC). O despacho de
recusa é notificado aos interessados, os quais podem recorrer dele no prazo de 8 dias a contar da notificação.
d) Em caso de homologação, o assento deve ser lavrado no prazo de 2 dias, mencionando a natureza urgente do
casamento mas não as circunstâncias especiais da celebração.
NOTA: os casamentos urgentes celebrados sem precedência de processo preliminar consideram-se sempre contraídos
no regime da separação (art. 1720º/1/a) CC).

Secção III – Invalidade do casamento. Casamento putativo


1. Generalidades. Inexistência, nulidade e anulabilidade
Ao nível do casamento, o legislador dois graus de invalidade do casamento civil:
 Anulabilidade  Inexistência
Com efeito, ao invés do que se verifica quanto aos negócios jurídicos em geral, não há casamentos nulos, mas só
anulável. Isto sem prejuízo de o casamento católico poder ser, efetivamente nulo – enquanto que o casamento civil é
anulável, o casamento católico é nulo; por isso os tribunais competentes em cada caso procedem à anulação dos
casamentos civis e, noutro prisma, à declaração de nulidade dos casamentos católicos. E a figura da inexistência,
objeto de contestação por uma parte da doutrina, é expressamente consagrada no Livro do Direito da Família
(enquanto que não o é na Parte Geral do CC).
Subsecção I – Inexistência do casamento
1. Como surgiu a doutrina da inexistência e razões que a justificam
A categoria dogmática da inexistência foi aceite, no âmbito do direito matrimonial, pelo Código Civil de 1966. Esse
acolhimento assenta fundamentalmente em duas razões:
 O regime da anulabilidade não se mostrava, à época, adequado aos casamentos portadores de vícios mais
graves (ex.: atualmente pode indicar-se a falta da declaração de vontade de um dos nubentes) – de facto, a
anulabilidade não pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 1632º CC) e só pode ser invocada por
certo círculo de pessoas e dentro de determinado prazo;
 Os casamentos anuláveis, por mais severo que seja o regime da anulabilidade, produzem ainda os efeitos
putativos previstos nos arts. 1647º e 1648º CC – não parece razoável atribuir tais efeitos a casamentos
gravemente viciados.
2. Casos de inexistência
Os casos de inexistência são os previstos no art. 1628º CC:
a) Casamentos celebrados por quem não tinha competência funcional para o ato;
b) Casamento urgente não homologado;
c) Casamento em que falte a declaração de vontade de um ou ambos os nubentes;
d) Casamento contraído por intermédio de procurador quando:
 Tenham cessado os efeitos da procuração;
 A procuração não tenha sido celebrada por quem nela figura como constituinte;
 A procuração seja nula por não conferir ao representante poderes especiais ou por não identificar o
outro nubente.
Não é, porém, inexistente, nem sequer anulável, o casamento celebrado por funcionário de facto (art. 1629º CC).
Aquele que “sem ter competência funcional para o ato, exercia publicamente as correspondentes funções”
Evidentemente, se a falta de competência era conhecida dos nubentes, o casamento será inexistente ainda que
celebrado por alguém que se assuma como funcionário de facto.

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3. Regime da inexistência
! O casamento inexistente não produz quaisquer efeitos, nem mesmo efeitos putativos, podendo a inexistência ser
invocada a todo o tempo e por qualquer interessado, independentemente de declaração judicial – art. 1630º CC.
Consequentemente, a inexistência pode ser reconhecida por ação intentada especificamente com esse fim (via
principal) ou pode ser declaração oficiosamente pelo tribunal no âmbito de outra ação (via incidental). Se, porém, o
casamento estiver registado e a inexistência não resultar do próprio contexto do registo, o registo do casamento não
será inexistente, podendo exigir-se a proposição de uma ação para ilidir a prova resultante do registo.
Subsecção II – Anulabilidade do casamento
1. Casos de anulabilidade
Os casos de anulabilidade são exclusivamente os enunciados no art. 1631º CC (por imposição do art. 1627º CC):
a) Casamento contraído com algum impedimento dirimente;
b) Casamento celebrado, por um ou ambos os nubentes, com falta de vontade (divergências entre a vontade e
a declaração) ou com a vontade viciada por erro ou coação (vícios da vontade);
c) Casamento celebrado sem a presença de testemunhas, quando exigida por lei.
2. Regime da anulabilidade
De um modo geral, pode dizer-se que a anulabilidade não opera ipso iure: não pode ser invocada para qualquer efeito
enquanto não for reconhecida por sentença em ação especialmente intentada para esse fim (art. 1632º CC). Essa ação
de anulação só pode ser intentada por determinadas pessoas (arts. 1639º a 1642º CC) e dentro dos prazos previstos
na lei (arts. 1643º a 1646º CC). É ainda de referir que a anulabilidade é sanável por confirmação (art. 1633º CC).
Ainda que este seja o panorama geral, a verdade é que não há um só regime da anulabilidade, mas sim vários regimes,
os quais podem ser agrupados em 3 grupos:
 Casos em que a lei prescreve a anulabilidade no interesse dos cônjuges e suas famílias e também no interesses
público: o círculo de pessoas com legitimidade ativa é mais amplo, incluindo até o Ministério Público. No seio
desta categoria, há uma sub-divisão que importa apontar:
 Casos em que o motivo da anulabilidade é temporário: a lei admite que a anulabilidade seja sanada e
fixa um curto prazo para a proposição da ação, ou não permite a proposição da ação após o motivo
da anulabilidade ter cessado – art. 1633º CC;
 Casos em que o motivo da anulabilidade é permanente: a lei não admite a sanação do vício e alarga o
prazo de impugnação – arts. 1639º e 1643º CC.
 Casos em que a anulabilidade é estatuída exclusivamente no interesse público: a ação de anulação só pode ser
proposta pelo Ministério Público – arts. 1642º e 1646º CC;
 Casos em que a anulabilidade é determinada no interesse particular de um dos cônjuges: só o cônjuge que a
lei visa proteger pode intentar a ação, dentro um prazo curto – arts. 1640º/2, 1641º, 1644º e 1645º CC
Subsecção III – Casamento putativo
1. Noção e razão de ser do instituto
Chama-se “casamento putativo” àquele casamento inválido que produziu efeitos até à data da sua anulação.
Em face do princípio da retroatividade da anulação (art. 289º CC), o casamento anulado não deveria produzir quaisquer
efeitos. Porém, esta solução suscitaria algumas injustiças, do ponto de vista substancial: não se aplicaria aos filhos
nascidos na constância do “casamento” a presunção de paternidade, as doações feitas pelos cônjuges e as convenções
antenupciais caducariam, nenhum dos cônjuges poderá invocar a nacionalidade ou maioridade obtida por meio do
casamento, etc. O instituto do casamento putativo visa, exatamente, obviar a estes inconvenientes.
2. Natureza jurídica
A questão da natureza jurídica do casamento putativo tem suscitado divergências na doutrina:
 Há quem fale numa ficção de validade do casamento;
 Há quem entenda que o art. 1647º CC constitui uma exceção à regra do art. 289º CC;
 Há quem considere o casamento putativo como uma instituição autónoma.
Esta última posição, defendida por Pires de Lima, assenta numa argumentação facilmente compreensível e adequada:
os efeitos putativos têm a sua fonte exclusiva, não num negócio jurídico, mas numa situação de facto, resultante da
errónea convicção da legalidade do vínculo. Portanto, os efeitos a produzir pelo casamento putativo são aqueles que
teria produzido o casamento se fosse válido. Se a lei atribui eficácia a uma materialidade, tornando-se produtora de
consequências jurídicas, é forçoso dar a esse instituto foros de inteira autonomia.

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3. Pressupostos
A produção de efeitos putativos depende de 3 pressupostos:
a) Existência do casamento: a sanção aplicável ao casamento tem de ser a anulabilidade (ou a nulidade, no caso
de casamento católico) e nunca a inexistência – art. 1630º/1 CC;
b) Declaração de anulabilidade prévia: a anulabilidade não opera ipso iure, pelo que o casamento só é inválido
quando a anulabilidade for reconhecida por sentença em ação intentada para esse fim – art. 1647º/1 e 3 CC;
c) Boa fé de ambos ou de um dos cônjuges: este requisito não é exigível quanto aos efeitos putativos produzidos
em relação aos filhos do casal – arts. 1648º e 1827º CC.
A lei presume a boa fé dos cônjuges (art. 1648º/3 CC), fixando uma noção de boa fé que, além de subjetiva, é
também objetiva e moral (art. 1648º/1 CC).
Ignorância desculpável do vício causador da nulidade ou anulabilidade, bem como a situação do cônjuge cujo
consentimento tenha sido extorquido por coação.
Ao abrigo do art. 1647º CC só podem ser reconhecidos efeitos putativos ao casamento contraído de boa fé, ou seja,
nas situações em que os cônjuges estavam de boa fé no momento da celebração do casamento.
4. Efeitos
4.1 Princípio geral
Mantêm-se até à data do trânsito em julgado da sentença de anulação do casamento civil ou até ao averbamento da
sentença do tribunal eclesiástico que declarou a nulidade de casamento católico os efeitos já produzidos, mas não se
produzem novos efeitos (art. 1647º/2 e 3 CC).
4.2 Efeitos em relação aos cônjuges
Neste âmbito, há que distinguir 3 situações:
 Ambos os cônjuges estavam de boa fé: o casamento produz todos os efeitos entre eles até à data da declaração
de nulidade ou da anulação (art. 1647º/1 CC);
 Apenas um dos cônjuges estava de boa fé: o casamento produz apenas os efeitos que forem favoráveis ao
cônjuge de boa fé (art. 1647º/2 CC);
 Ambos os cônjuges estavam de má fé: o casamento não tem efeitos putativos relativamente aos cônjuges.
4.3 Efeitos em relação aos filhos
Nos termos do art. 1827º CC a presunção de paternidade aplica-se independentemente de os cônjuges terem
contraído um casamento inválido de boa ou má fé.
4.4 Efeitos em relação a terceiros
O instituto do casamento putativo também visa proteger terceiros, embora esta proteção seja apenas lateral e reflexa.
Também aqui se distingues as três hipóteses acima mencionadas:
 Ambos os cônjuges estavam de boa fé: o casamento inválido produz todos os seus efeitos, mesmo em relação
a terceiros, até à data da declaração de nulidade ou da anulação (art. 1647º/1 CC);
 Apenas um dos cônjuges estava de boa fé: o art. 1647º/2 efetua, neste domínio, uma distinção:
 Relações entre os próprios cônjuges que afetam terceiros nos seus interesses: os respetivos efeitos
(reflexos) produzem-se ou não consoante sejam favoráveis ou desfavoráveis ao cônjuge de boa fé (ex.:
alienação de imóveis feita por um dos cônjuges sem o consentimento do outro);
 Relações diretamente estabelecidas entre cada um dos cônjuges e terceiros: o casamento não produz
quaisquer efeitos relativamente a estes negócios.
 Ambos os cônjuges estavam de má fé: o casamento não produz quaisquer feitos em relação a terceiros.

Capítulo II – Efeitos do casamento: o casamento como estado


Divisão I – Efeitos pessoais
Secção I – Generalidades
1. Observações prévias
Em geral, o casamento produz uma diversidade de efeitos que podem integrar-se em duas categorias distintas:
Efeitos pessoais Efeitos patrimoniais
Constituição da família, imposição de deveres conjugais Administração de bens do casal, poderes dos cônjuges
e influência sobre o nome e a nacionalidade sobre os bens e partilha do casal
2. Princípios fundamentais: igualdade dos cônjuges e direção conjunta da família
O art. 1671º CC enuncia os dois princípios fundamentais por que se rege a matéria dos efeitos pessoais do casamento.

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2.1 O princípio da igualdade dos cônjuges
Este é um princípio constitucional (art. 36º/3 CRP), o qual que consta ainda da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, constituindo uma aquisição irreversível da nossa
consciência moral. Foi com a Reforma de 1977 que este princípio foi introduzido na lei civil, sendo eliminadas todas as
disposições que refletiam o princípio da supremacia do marido. As únicas desigualdades que subsistem são,
naturalmente, as que se fundam na natureza “biológica” da mulher, designadamente no que respeita o ciclo biológico
da maternidade.
2.2 O princípio da direção conjunta da família
O princípio da direção conjunta da família é um corolário do princípio da igualdade dos cônjuges: se os cônjuges são
iguais, então a direção da família deve pertencer aos dois em condições de igualdade.
O preceito que consagra este princípio (art. 1671º/2 CC) reveste caráter imperativo, pelo que não pode ser afastado
por acordo entre os cônjuges.
A lei confere aos cônjuges o dever de acordar sobre a orientação da vida em comum, pelo que este princípio veicula
uma dever conjugal que acresce aos cinco referidos no art. 1672º CC. Ainda que o acordo não seja alcançado, exige-
se aos cônjuges que, pelo menos, se disponibilizem a procurar o acordo. O objeto deste acordo, como deriva da letra
da lei, é a orientação da vida em comum, pelo que o poder de executar a orientação acordada pode pertencer a
qualquer um dos cônjuges. Além disso, o acordo exigido pela lei não abrange, evidentemente, a vida pessoal e privada
de cada um – o casamento não limita, nem pode limitar, os direitos de personalidade de cada um dos cônjuges (salvo
o direito à liberdade sexual). Neste quadro se integra o art. 1677º-D CC, segundo o qual cada um dos cônjuges pode
exercer qualquer profissão ou atividade – seja ela económica, cívica, política, cultural, social, religiosa, desportiva, etc.
– sem o consentimento do outro.
Embora seja este o princípio, evidentemente que a liberdade pessoal dos cônjuges deve ser harmonizada com o dever
de acordar sobre a orientação da vida em comum e com os demais deveres conjugais. Exemplificando: o exercício de
uma profissão pouco decorosa ou de uma atividade perigosa ou assunção de compromissos que impliquem grande
disponibilidade de tempo, sem o acordo do outro cônjuge, podem configurar uma violação dos deveres de cooperação
e respeito e contribuir para a rutura da vida conjugal.
Questão muito controversa é a natureza jurídica dos acordos que os cônjuges celebrem no cumprimento do dever
imposto pelo art. 1671º/2 CC. São, fundamentalmente, duas as posições sufragadas pelos autores:
1. Os acordos sobre a orientação da vida em comum seriam negócios jurídicos, vinculando os cônjuges a cumprir
as obrigações acordadas;
2. Os acordos sobre a orientação da vida em comum assentariam num consenso continuado, não criando
qualquer vínculo jurídico entre os cônjuges.
Ainda que a divergência entre os autores seja acesa, estão questão não deve ser enfatizada. Desde logo, os acordos
entre os cônjuges não são suscetíveis de execução específica (dada a sua natureza estritamente pessoal). Depois, estes
acordos não se sujeitam ao princípio de que os contratos só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo
consentimento dos contraentes. Isto sem prejuízo de, em certas circunstâncias, a revogação unilateral do acordo
poder consubstanciar abuso do direito.
Uma pergunta de elevada importância nesta matéria é a seguinte: e se os cônjuges não conseguirem chegar a acordo
sobre a orientação da vida em comum? Em princípio, no nosso ordenamento jurídico, recusa-se a intervenção judicial.
No âmbito das relações pessoais entre cônjuges, apenas em 3 casos poderá ter lugar intervenção do tribunal:
1. Fixação ou alteração da casa de morada de família – art. 1673º/3 CC;
2. Fixação do nome próprio ou apelido dos filhos – art. 1875º/2 CC;
3. Questões de particular importância relativas ao exercício de responsabilidade parentais – art. 1901º/2 CC.
São casos em que é urgente e imperioso decidir. Nos demais casos, a decisão deve ser tomada no seio da família.

Secção II – Deveres dos cônjuges


1. Princípios gerais
Nos termos do art. 1672. CC, os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de:
 Dever de fidelidade;  Dever de cooperação;  Dever de coabitação.
 Dever de respeito;  Dever de assistência;
! Com a Lei nº 61/2008, de 31 de maio, a violação culposa de algum destes deveres deixou de constituir causa de
divórcio. Atualmente a violação destes deveres não vale por si mesma, diluindo-se na cláusula geral do art. 1871º/d)

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CC como manifestações da rutura do casamento. É a rutura da comunhão plena de vida (a qual pode ser provada com
base na violação daqueles deveres) que justifica o divórcio e não a violação concreta de um dever conjugal.
A questão de saber se o elenco do art. 1872º CC é ou não taxativo coloca-se, por vezes, na doutrina. Parece, de um
modo geral, não ser fácil indicar um dever conjugal que não se subsuma a um dos deveres conjugais expressamente
previstos na lei.
O art. 1672º CC é imperativo (arts. 1618º/2 e 1699º/1/b) CC), não sendo possível excluir convencionalmente nenhum
dos deveres aí elencados. Esta imperatividade não obsta a que os cônjuges possam acordar modos de cumprimento
dos deveres impostos por lei diversos – o conteúdo dos deveres conjugais depende, em certos casos, do modo como
os cônjuges conformam a sua relação.
2. Dever de respeito
O dever de respeito trata-se de um dever residual: na medida em que todos os demais deveres conjugais nele se
integram, apenas se reconduzem ao dever de respeito aquelas imposições que não se encontrem abrangidas pelos
demais deveres especificamente consagrados.
Dever de respeito
Dimensão negativa Dimensão positiva
 Dever de não ofender a integridade física e moral (ou Dever de respeitar a personalidade do outro cônjuge,
seja, a honra, consideração social, suscetibilidade demonstrando o mínimo interesse pela família e mantendo
pessoal...) do outro cônjuge; uma comunhão espiritual (não obstante, o Direito não impõe
 Dever de cada um dos cônjuges não se conduzir na vida o dever de cada um dos cônjuges amar o outro; impõe tão-só
de forma indigna e desonrosa (o que seria uma “injúria a verificação de um nível mínimo de estima pelo outro, um
indireta” ao outro cônjuge). mínimo de atenção).
3. Dever de fidelidade
O dever de fidelidade é um puro dever negativo: dever de não ter relações sexuais consumadas com outra pessoa que
não seja o cônjuge. Não se insere aqui, portanto, o chamado “débito conjugal” – dever de ter relações sexuais com o
cônjuge (este dever integra-se no dever de coabitação, sob a denominação de “comunhão de leito”).
Dever de fidelidade
Elemento objetivo Elemento subjetivo
Prática de relações sexuais consumadas com um terceiro Intenção ou consciência de violar o dever de fidelidade
Acrescente-se que não só as relações sexuais consumadas constituem violação do dever de fidelidade, pois também a
tentativa de adultério consubstancia tal violação. Mais ainda: constituem violações do dever de fidelidade a conduta
desregrada de um dos cônjuges nas suas relações com um terceiro ou até uma ligação sentimental extra-conjugal.
4. Dever de coabitação
No âmbito do direito matrimonial, a palavra “coabitação” tem um sentido próprio: significa viver em comunhão de (a)
leito, (b) mesa e (c) habitação.
4.1 Comunhão de leito
Neste aspeto, o casamento obriga os cônjuges ao chamado “débito conjugal”: dever de ter relações sexuais com o seu
cônjuge. A recusa de consumar o casamento ou de manter relações sexuais com o outro cônjuge constitui violação do
dever de coabitação, salvo se motivos atinentes à saúde do próprio ou do outro cônjuge o justificar. Conclui-se,
portanto, que o dever de coabitação implica uma limitação lícita à liberdade sexual.
4.2 Comunhão de mesa
A comunhão de mesa traduz-se, fundamentalmente, na vida em economia comum: ambos os cônjuges têm o dever
de contribuir para os encargos familiares.
4.3 Comunhão de habitação
A residência da família deve ser escolhida pelos cônjuges de comum acordo, atendendo às exigências da vida
profissional de cada um, ao interesse dos filhos e à salvaguarda da unidade da vida familiar (art. 1673º/1 CC).
A residência da família é o lugar do cumprimento do dever de coabitação: escolhida a morada da família, ambos os
cônjuges têm a obrigação de aí viver, salvo motivos ponderosos que não o permitam (art. 1673º/2 CC). São exemplo
paradigmático de motivos ponderosos que podem justificar o afastamento da residência da família as exigências
profissionais que impendem sobre o cônjuge em determinado momento.
O acordo sobre a residência da família não pode ser revogado unilateralmente por qualquer dos cônjuges, dada a
importância da matéria aqui em causa (art. 1673º/3 CC). Não havendo acordo entre os cônjuges relativamente à
fixação ou alteração da residência da família, a lei permite, a título excecional, que qualquer um dos cônjuges requeira
a intervenção judicial. O juiz, após a pronúncia dos dois cônjuges e da tentativa de conciliação, decidirá de acordo com

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os critérios elencados no nº 1 do art. 1673º CC. Nada na lei impede o juiz de fixar a residência da família num local mas
não obrigar um dos cônjuges a adotá-la, se tiver razões ponderosas para tal.
5. Dever de cooperação
O dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos, bem como o dever de
assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram (art. 1674º CC). Portanto, por
um lado os cônjuges devem ajudar-se mutuamente, na felicidade e na provação; por outro, ambos os cônjuges devem
assumir as responsabilidades inerentes à família, designadamente no que respeita aos filhos.
6. Dever de assistência
O dever de assistência compreende duas obrigações principais, que analisarem em separado de seguida.
6.1 Obrigação de prestação de alimentos
Esta primeira obrigação só tem autonomia quando os cônjuges vivem separados, de direito ou de facto. O art. 2016º
CC regula esta matéria no caso de separação judicial de pessoas e bens, sendo o art. 1675º CC a norma que disciplina
esta obrigação em caso de separação de facto. Refira-se que este art. 1675º CC encontra-se atualmente desatualizado
em face das alterações efetuados ao regime do divórcio, assentando ainda, indevidamente, na identificação do
cônjuge “culpado” (a alteração ao regime do divórcio visou, exatamente, eliminar a relevância da culpa no direito da
família português). A fixação do montante dos alimentos deverá sempre partir do critério geral enunciado no art.
2004º CC: equilíbrio entre as necessidades de quem pede e as possibilidades de quem presta. Porém, questiona-se
qual a medida daquelas “necessidades” a considerar: o credor de alimentos tem direito apenas ao estritamente
necessário para se sustentar, ou, ao invés, tem direito a manter o nível de vida anterior? Entre nós entende-se que a
medida a fixar se situará entre estes dois patamares: acima do limiar da sobrevivência, mas abaixo do padrão de vida
que o casal atingia.
6.2 Obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar
Como dispõe o art. 1676º CC, o dever de contribuição para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges
nos mesmo termos e pode ser cumprido por qualquer um deles por duas formas:
1. Afetação dos recursos obtidos (rendimentos ou proventos) aos encargos familiares;
2. Trabalho despendido na manutenção do lar e educação dos filhos.
Cada um dos cônjuges pode contribuir de qualquer uma destas formas, podendo inclusivamente participar por ambas
as formas referidas. O acordo sobre a repartição de funções ou tarefas é um dos mais importantes “acordos sobre a
orientação da vida em comum” que os cônjuges devem alcançar ao abrigo do art. 1671º/2 CC. O acordo firmado pode
ser revogado unilateralmente por qualquer um dos cônjuges, não permitindo a lei a intervenção judicial nesta matéria.
A solução inovadora consagrada no art. 1676º CC foi o meio utilizado pelo legislador para afirmar que o trabalho de
um dos cônjuges no governo da casa e educação dos filhos tem valor económico.
Nesta linha, a lei prevê a hipótese de um dos cônjuges contribuir para os encargos da vida familiar com mais ou menos
do que devia, disciplinando tais situações em separado.
Refira-se, contudo, uma primeira nota importante: estando os cônjuges casados em regime de comunhão de
adquiridos, as contribuições são feitas a partir dos bens comuns do casal, pelo que, tecnicamente falando, estarão
sempre os dois a contribuir. Assim sendo, a contribuição excessiva não diminui, em regra, o património do cônjuge
que a faz. Para as situações de excesso manifesto de contribuição a lei reconhece o direito a um crédito de
compensação. Haverá “excesso manifesto de contribuição” sempre que um cônjuge renunciou de forma superior ao
que é exigível à satisfação dos seus interesses, designadamente interesses profissionais, em favor da vida em comum
(art. 1676º/2 CC). Este cônjuge tem direito a um valor que o compense por esse prejuízo e lhe favoreça alguma
recuperação do padrão de vida que poderia ter tido. Este direito acresce ao direito normal à meação do património
comum em caso de divórcio, pois visa compensar o cônjuge prejudicado pelo excesso manifesto de contribuição. No
que respeita este domínio, a Lei nº 61/2008 eliminou a presunção de renúncia ao exercício do direito de crédito,
exigindo-se ao cônjuge apenas a prova dos factos constitutivos da sua pretensão.
Noutro prisma, e como referido, a lei refere-se ainda à hipótese de um dos cônjuges contribuir com menos do que
devia. Neste caso, dispõe o art. 1676º/4 CC que o outro cônjuge pode exigir ao faltoso o que for devido, podendo
inclusivamente requerer ao tribunal que lhe entregue diretamente a importância a que tem direito. Este mecanismo
goza de maior eficácia nas hipóteses em que o cônjuge faltoso trabalha por conta de outrem, recebendo por isso um
salário fixo (do qual pode ser descontado o montante exigível).

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Secção III – Nome e nacionalidade
1. Nome
A regra fundamental nesta matéria é a fixada no art. 1677º CC: cada um os cônjuges conserva os seus próprios apelidos
mas podes acrescentar-lhes apelidos do outro, até ao máximo de dois.
A faculdade de cada um dos cônjuges acrescentar aos seus apelidos do outro costuma ser exercida na ocasião do
casamento, mas a lei não impede que seja mais tarde, mediante requerimento dirigido ao funcionário da
conservatória. Se o exercício desta faculdade se der logo com a celebração do casamento, então a indicação dos
apelidos adotados deve constar do respetivo assento.
Portanto, o art. 1677º CC nem obriga à renúncia aos apelidos de solteiro, nem proíbe a adoção, por qualquer um dos
cônjuges, do apelido do outro cônjuge. Mais ainda: o cônjuge pode optar por simplesmente acrescentar o apelido do
outro ou por o intercalar no nome, entre os seus próprios apelidos, o apelido do outro cônjuge.
O cônjuge que tenha adotado apelidos do outro conserva-os em caso de viuvez e, se o declarar até à celebração de
novo casamento, mesmo após as segundas núpcias (art. 1677º-A CC). Se não prestar essa declaração, o viúvo(a) perde
o apelido do primeiro marido no momento em que contrai o segundo matrimónio, podendo apenas nesta hipótese
acrescentar apelidos do 2º cônjuge. No caso de separação judicial de pessoas e bens também se mantêm os apelidos
adotados, ainda que nada impeça os cônjuges de renunciar a tais apelidos nos termos gerais.
Regime diferente vale no caso de divórcio: em princípio, cada um dos cônjuges perde os apelidos do outro que tenha
adotado. Porém, poderá ter lugar a conservação dos apelidos quando (art. 1677º- B CC):
 O ex-cônjuge der o seu consentimento;
 O tribunal autorizar, com base nos motivos invocado.
O pedido de autorização de uso dos apelidos do ex-cônjuge pode ser deduzido no processo de divórcio, mas também
em processo próprio para o efeito, já depois do divórcio (art. 1677º-B/3 CC).
Advirta-se ainda que, falecido um dos cônjuges ou decretada a separação de pessoas e bens ou o divórcio, o cônjuge
que conserve apelidos dos outro pode ser privado de os usar quando esse uso lese gravemente os interesses morais
do outro cônjuge e da sua família (art. 1677º-C/1 e 2 CC).
2. Nacionalidade
O estrangeiro casado há mais 3 anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante
declaração feita na constância do casamento (art. 3º/1 da Lei da Nacionalidade). A declaração de nulidade ou anulação
do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o tenha contraído de boa fé. Por outro lado,
o português que case com nacional de outro Estado não perde por esse facto a nacionalidade portuguesa, salvo se
declarar que não quer ser português. As declarações referidas, de que depende a perda ou atribuição da
nacionalidade, devem ser registadas na Conservatória dos Registos Centrais e averbadas ao assento de nascimento do
interessado.

Capítulo III – Modificação da relação matrimonial


1. Simples separação judicial de bens e separação de pessoas e bens
Em termos gerais, a relação matrimonial tem tendência, não só para se manter, como para se manter a mesma.
Todavia, nem sempre se mantém a mesma. O matrimónio pode atravessar crises mais ou menos graves, que se
manifestam na separação dos cônjuges. Nestas circunstâncias, duas possibilidade são conferidas aos cônjuges:
Dissolver a relação matrimonial Modificar a relação matrimonial
Quebra definitiva do vínculo matrimonial [Divórcio] Relaxamento do vínculo matrimonial [Separação]
O estado de separação referido pode afetar só os efeitos patrimoniais, ou os efeitos pessoais e patrimoniais, consoante
se trate de simples separação judicial bens ou de separação de pessoas e bens.
NOTA: evidentemente, só nos referimos aqui à separação judicial; não obstante, poderá ainda verificar-se uma mera
separação de facto (não judicialmente decretada), a qual poderá, inclusivamente, ter efeitos jurídicos.
Divisão I – Simples separação judicial de bens
1. Noção e natureza
A simples separação judicial de bens carateriza-se por ser uma separação restrita aos bens, deixando imperturbados
os efeitos pessoais do casamento. Os cônjuges continuam, então, a ter os mesmos direitos e a estar vinculados aos
mesmos deveres; a relação matrimonial só se modifica quanto aos bens.

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Esta providência é concedida ao cônjuge que se achar em perigo de perder o que for seu pela má administração do
outro (art. 1767º CC). No fundo, este é um meio de defesa conferido ao cônjuge não administrador em face dos
poderes conferidos ao outro cônjuge.
No que respeita à natureza da simples separação de bens, cabe notar que a separação só pode ser decretada por ação
intentada por um dos cônjuges contra o outro (art. 1768º CC). Portanto, estamos um face de um expediente judicial.
Decorre ainda da lei o caráter litigioso deste instituto, na medida em que não poderá ter lugar uma separação judicial
e bens por mútuo consentimento.
2. Pressupostos
São três os pressupostos exigidos para que um cônjuge possa pedir contra o outro a separação judicial de bens:
1. “Perigo” de perda patrimonial: ainda que esta possa ser uma ação preventiva (não tem de se ter verificado já
a consumação da perda patrimonial), não basta um ou outro atos de má administração, exigindo-se uma
gestão sistematicamente mal conduzida;
2. Perda eventual recair sobre bens próprios do requerente ou bens comuns dos dois cônjuges: nesta sede há que
convocar o art. 1678º CC, no qual são elencados os bens comuns do casal (portanto, aqueles que também
justificam o recurso à separação judicial de bens, ao lado dos bens próprios);
3. Fundamento do receio de perda na má administração do outro cônjuge: a perda patrimonial que o requerente
receia não pode fundar-se numa qualquer causa aleatória, devendo, isso sim, resultar da má administração
do outro cônjuge – mas, afinal, o que se pode entender por “má administração”?
= Prática reiterada de atos que diminuam os bens próprios do outro cônjuge, ou os bens comuns, a qual se poderá
traduzir, inclusivamente, num endividamento excessivo que comprometa diretamente o património comum.
3. Processo
O processo que seguem as ações de simples separação judicial de bens é o comum, pois não está previsto qualquer
processo especial pata elas. Subsequentemente ao trânsito em julgado da sentença, terá lugar a partilha dos bens, tal
como se o casamento se tivesse dissolvido (art. 1170º/1 CC). Essa partilha terá lugar mediante o novo regime do
inventário, que decorre nos cartórios notariais (Lei nº 23/2013).
4. Efeitos
Em termos gerais, pode dizer-se que a simples separação de bens opera uma modificação no regime de bens do
casamento. Nos termos do art. 1770º CC, o regime matrimonial passa a ser o da separação: os bens do casal vão
integrar duas massa patrimoniais – bens próprios do marido e bens próprios da mulher. Portanto, terá lugar a partilha
dos bens comuns e a entrega, ao requerente, de todos os poderes de administração exclusiva dos seus bens.
Resta dizer que os efeitos referidos são irrevogáveis (art. 1771º CC).
Divisão II – Separação de pessoas e bens
1. Noção e natureza. Modalidades
Na separação de pessoas e bens, a separação não afeta simplesmente os bens mas as próprias pessoas dos cônjuges.
Deste modo, está aqui em causa uma modificação muito mais profunda da relação matrimonial do que o verificado
quanto à simples separação de bens. Ainda assim, é de sublinhar que, por muito que o vínculo matrimonial se afrouxe,
os cônjuges continuam casados.
Atualmente, atenta a circunstância de todos os casamentos, civis ou católicos, poderem dissolver-se por divórcio, a
separação de pessoas e bens reveste natureza de antecâmara do divórcio: esta separação assume-se como prelúdio
do divórcio, sendo, inclusive, olhada pelo legislador como um mal em si mesma, e um mal em comparação com o
divórcio, já que se traduz numa situação de incerteza e de precariedade. Consequentemente, admite-se a conversão
da separação judicial de pessoas e bens em divórcio, a requerimento de ambos os cônjuges ou de apenas um deles.
A separação de pessoas e bens pode revestir duas modalidades:
 Separação de pessoas e bens sem consentimento de um dos cônjuges: há um litígio entre os cônjuges, sendo
a separação pedida por um cônjuge contra o outro com base numa determinada causa;
 Separação de pessoas e bens por mútuo consentimento: não há qualquer litígio, sendo a separação requerida
por ambos os cônjuges, sem necessidade de invocação de uma causa justificativa.
Judicial Administrativa
Decretada por um tribunal Decretada pela conservatória do registo civil
Exceção – verificada em 2 casos: Regra nesta matéria:
 Resulta da obtenção de um acordo no âmbito do Em princípio, havendo acordo entre os cônjuges quanto
processo judicial de separação litigiosa; à separação e quanto às matérias elencadas no art.

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 Os cônjuges não conseguiram formar os dos acordos 1775º/1 CC, a sua decretação será competência da
exigidos pelo art. 1775º/1 CC conservatória do registo civil
2. A separação de pessoas e bens e o divórcio
A separação e o divórcio são dois remédios de que podem lançar mão os cônjuges em face de uma crise da relação
matrimonial. São admitidos, lado a lado, tanto para casamentos civis como para casamentos católicos.
Dos dados positivados na lei decorre que o legislador entende ser preferível o divórcio à separação, designadamente
por julgar inconveniente a espécie de “celibato forçado” que a separação resulta (como veremos, os cônjuges
separados continuam casados, o que implica que se mantenha o dever de fidelidade). Nestes termos, quando um dos
cônjuges prefere o divórcio e o outro a separação, vem à luz o interesse social de que a crise conjugal se resolva pela
via do divórcio: a lei permite a qualquer um dos cônjuges requerer a conversão da separação em divórcio.
3. Separação por mútuo consentimento
Aplica-se, nesta matéria, o regime respeitante aos requisitos e ao processo do divórcio por mútuo consentimento,
judicial ou administrativo (art. 1794º CC).
4. Separação sem consentimento de um dos cônjuges
As causas de separação sem consentimento de um dos cônjuges são as mesmas do divórcio sem consentimento (art.
1794º CC » art. 1781º CC). De igual modo, o processo de separação sem consentimento de um dos cônjuges é o mesmo
do divórcio sem consentimento: o processo especial regulado nos arts. 931º e 932º CPC.
O art. 1795º CC confere ao réu a possibilidade de, no âmbito da ação de divórcio, pedir a separação judicial de pessoas
e bens em reconvenção, e vice-versa.
5. Efeitos da separação
O afrouxamento do vínculo que nos cabe agora caraterizar deverá manter-se de determinados limites: por um lado,
pretende-se que o vínculo se relaxe o suficiente para que possa ficar resolvida a crise conjugal; por outro, há que não
esquecer que a separação não é ainda divórcio, pelo que não poderá verificar-se uma situação de rutura prática do
vínculo matrimonial.
Importa distinguir as duas esferas em que se fazem sentir os efeitos da separação:
 Modificações introduzidas pela separação de pessoas e bens nos efeitos pessoais do casamento:
(a) Deveres conjugais que cessam: (b) Deveres conjugais que se mantêm:
 Dever de coabitação;  Dever de fidelidade conjugal;
 Vertente positiva do dever de respeito;  Vertente negativa do dever de respeito;
 Dever de cooperação;
 Dever de assistência –> alimentos.
 Modificações introduzidas pela separação de pessoas e bens quanto aos efeitos patrimoniais do casamento:
nos termos do art. 1795º-A CC, a separação produz, quanto aos bens, os mesmos efeitos que produziria a
dissolução do casamento:
 Perda de direitos sucessórios (art. 2133º/3 CC);
 Partilha dos bens, não podendo cada cônjuge receber mais do que receberia se o casamento tivesse
sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos (art. 1790º CC);
 Perda de todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou de terceiro em virtude do
estado de casado (art. 1791º CC).
Refira-se ainda que o cônjuge que tenha pedido a separação com fundamento na alteração das faculdades mentais do
outro cônjuge (art. 1781º/b) CC), deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro (arts. 1792 e 1794º CC).
6. Reconciliação dos cônjuges separados de pessoas e bens
O termo da separação judicial de pessoas e bens pode ter lugar mediante duas vias distintas:
Divórcio Reconciliação
Nos termos do art. 1795º-C CC, os cônjuges podem a todo o tempo reestabelecer a vida em comum e o exercício pleno
dos direitos e deveres conjugais. O processo mediante o qual deve operar a reconciliação está regulado nos arts. 12º
e 13º do Decreto-lei nº 272/2011, de 13 de outubro. A reconciliação pode ser requerida a todos o tempo e deve ter
lugar mediante acordo homologado pelo conservador do registo civil.
! Questão que pertinentemente se pode colocar é a de saber qual o regime de bens que fica a vigorar entre os cônjuges
após a reconciliação. Parece ser de entender que a reconciliação repõe em vigor o regime de bens que vigorava antes
da separação, conforme o princípio enunciado no nº 1 do art. 1795º-C CC.
7. Conversão da separação em divórcio

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A conversão da separação em divórcio pode operar – art. 1795ºD/1 e 2 CC:
 A pedido de um dos cônjuges: no prazo de 1 ano após o trânsito em julgado da sentença ou da decisão do
conservador que decretou a separação;
 A pedido de ambos os cônjuges: a todo o tempo.
Todo o sistema da conversão assenta em duas ideias fundamentais:
Promoção da reconciliação VS Preferência pela divórcio
Tempo de experiência de 1 ano, durante o qual se Falhada a esperança na reconciliação, permite-se a
presume que a reconciliação ainda é possível transição para uma solução menos indefinida
Quanto ao processo pelo qual decorre a conversão, importa distinguir duas hipóteses:
 Separação sem consentimento de um dos cônjuges: a conversão atua por apenso ao processo de separação:
 Conversão requerida por ambos os cônjuges: é logo proferida a sentença;
 Conversão requerida por um dos cônjuges: o outro cônjuge é notificado para deduzir oposição dentro
do prazo de 15 dias (a oposição só pode fundamentar-se em reconciliação).
 Separação por mútuo consentimento: a lei diferencia duas situações:
 Separação havia sido decretada por tribunal: segue os termos acima expostos – art. 913º CPC;
 Separação havia sido decidida pela conservatória: aplica-se o procedimento tendente à formação de
acordo, nos termos dos art. 7º a 11º do Decreto-Lei nº 272/2001 (art. 5º/e)).
O efeito da conversão é o de fazer cessar todas as consequências do casamento que ainda se mantinham durante a
separação. Designadamente, cessam os deveres de fidelidade, cooperação e respeito e ambos os cônjuges podem
contrair novo matrimónio.
Refira-se que, no entender de Guilherme de Oliveira e F. Pereira Coelho, os cônjuges poderão livremente recorrer a
uma ação autónoma de divórcio, designadamente por a conversão da separação em divórcio ainda lhes ser vedada
por não ter decorrido o prazo de 1 ano exigido.

Capítulo IV – Extinção da relação matrimonial


Divisão I – Princípios gerais
1. Extinção por dissolução e extinção por invalidação
Extinção da relação matrimonial
Dissolução do casamento Invalidação do casamento
(1) Por morte (2) Por divórcio (3) Dispensa (1) Anulação (2) Nulidade
NOTA: a dispensa referida diz respeito à figura da “dispensa do casamento rato e não consumado”, admitida na
Concordata da Santa Sé em relação aos casamentos católicos.
2. A morte como causa de dissolução da relação matrimonial
A morte de um ou ambos os cônjuges determina a dissolução do vínculo matrimonial.
No que diz respeito à morte presumida, não há, de facto, dissolução do casamento, mas o cônjuge do ausente pode
contrair novo casamento. Em tal caso, o primeiro casamento tem-se como dissolvido por divórcio, na hipótese do
ausente regressar (arts.115º e 116º CC).
Refira-se que, em regra, com a dissolução por morte cessam todos os efeitos do casamento (pessoais e patrimoniais).
Não obstante, está não é uma regra absoluta. Podem apontar-se alguns desvios:
 O cônjuge sobrevivo continua a poder usar os apelidos do outro que tenha adotado (art. 1677º-A CC);
 O cônjuge sobrevivo adquire, por morte do outro, alguns direitos que lhe são atribuídos por lei:
 Direito de exigir partilha se for herdeiro ou meeiro dos bens do casal (art. 2101º/1 CC);
 Direito à legítima ou a parte dela como herdeiro legitimário (arts. 2157º a 2161º CC);
 Direito a integrar a 1ª ou 2ª classe de sucessíveis como herdeiro legítimo (art. 233º CC);
 Direito de suceder no arrendamento para habitação, se residir no locado (art. 1106º/1/a) CC);
 Direito a alimentos da herança (art. 2018º CC); (...)

Divisão II – Divórcio
Secção I – Princípios gerais
1. Noção de divórcio
O divórcio consiste na rutura, definitiva e completa, da relação matrimonial. Em termos técnico-jurídicos:

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“Entende-se por divórcio a dissolução do vínculo matrimonial decretada pelo tribunal ou pelo conservador do
registo civil, a requerimento de um dos cônjuges ou dos dois, nos termos autorizados na lei”.
2. Modalidades de divórcio
O divórcio pode revestir, atualmente, duas modalidades – art. 1773º CC (redação dada pela Lei nº 61/2008):
Divórcio por mútuo consentimento Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
 Pedido por ambos os cônjuges, de comum acordo;  Pedido por um cônjuge contra o outro;
 Sem indicação da causa porque é pedido;  Depende de uma causa prevista na lei – art. 1781º
 Pode revestir duas modalidades:  Decorre, sempre, no tribunal competente.
1. Divórcio por mútuo consentimento judicial;
2. Divórcio por mútuo consentimento administrativo.
O divórcio por mútuo consentimento decorrerá nos tribunais apenas em duas hipóteses:
a) Os cônjuges não alcançaram algum dos acordos exigidos no art. 1775º CC;
b) Os cônjuges chegaram a acordo no seio de um processo de divórcio sem consentimento.
3. Caraterísticas do direito ao divórcio
O direito ao divórcio reveste as seguintes notas caraterizadoras:
 Direito potestativo (extintivo): trata-se de um direito de produzir determinado efeito jurídico (extinção de uma
relação) na esfera jurídica de outrem, ainda que o seu exercício exija a intervenção de uma autoridade pública;
 Direito pessoal: trata-se de um direito que influi no estado das pessoas – são manifestações desta caraterística:
 Intransmissibilidade: o direito ao divórcio não é suscetível de ser transmitido por ato inter vivos nem
por ato mortis causa;
 Inadmissibilidade de representação voluntária: em princípio, não é admissível o exercício do direito
ao divórcio ser exercido por representante voluntário do cônjuge (salvo quando este se encontre
ausente do país ou se encontre interdito – arts. 931º e 995º CPC e art. 1785º/1 CC).
 Direito irrenunciável: trata-se de um direito ao qual o seu titular não pode renunciar; a lei pretendeu, deste
modo, defender os cônjuges contra a sua precipitação. O direito ao divórcio é insuscetível de renúncia quer
antecipada(1) quer superveniente(2), de renúncia quer genérica(a) quer específica(b) e ainda de renúncia que
total(i) quer parcial(ii). Importa apontar aqui uma distinção:
Renúncia Desistência
O sujeito abdica de um direito de que é O sujeito reconhece que pretendia exercer um
efetivamente titular direito que não tem

Secção II – Divórcio por mútuo consentimento


1. Noção e espírito do instituto
O divórcio por mútuo consentimento é um divórcio pedido pelos dois cônjuges, de comum acordo, cuja causa não tem
de ser revelada. Portanto, a lei permite que os cônjuges mantenham secreta a causa da rutura.
2. Pressupostos
Antes de 2008, exigiam-se três ordens de pressupostos para o divórcio por mútuo consentimento:
a) Maturidade: exigia-se uma idade mínima;
b) Convicção: impunha-se uma duração mínima para o casamento;
c) Responsabilidade: os cônjuges só poderiam pedir divórcio por mútuo consentimento se alcançassem os três
acordos exigidos na lei.
De acordo com as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, o acordo dos cônjuges no sentido da dissolução do
casamento é o único pressuposto exigido para o divórcio. A celebração dos acordos complementares deixou de ser
um verdadeiro pressuposto do divórcio por mútuo consentimento na medida em que, atualmente, a falta de acordo
não conduz ao indeferimento do pedido de divórcio, mas antes à transição do processo para o tribunal – arts. 1778º.
3. Processo
3.1 Divórcio administrativo
O processo de divórcio por mútuo consentimento só é judicial nos casos em que os cônjuges não apresentam algum
dos acordos a que se refere o art. 1775º/1 CC. Nos demais casos, estamos em face de um processo administrativo, a
decorrer na conservatória do registo civil, na qual é submetido o requerimento assinado por ambos os cônjuges. Se
não for caso de indeferimento liminar, o processo pode seguir de duas formas (arts. 1775º a 1778º-A CC):

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1. O casal não tem filhos menores ou, havendo filhos menores, o exercício das responsabilidades parentais já
estava judicialmente regulado: o conservador convoca os cônjuges para uma conferência e informa-los da
existência de serviços de mediação;
a. Um ou ambos os cônjuges desistem do pedido: o conservador consigna a ata da desistência;
b. Os cônjuges mantêm o propósito de se divorciar: deve verificar-se se estão preenchidos os
pressupostos legais para o divórcio e apreciar os acordos complementares:
i. Os acordos complementares são logo homologados;
ii. Os acordos carecem de alteração e os (1) cônjuges não os alteram ou (2) alteram mas aqueles
continuam a não acautelar os interesses de um dos cônjuges: o processo é remetido para tribunal;
iii. Os acordos carecem de alteração e os cônjuges procedem a essa alteração em termos satisfatórios:
o conservador homologa os acordos e decreta o divórcio.
2. O casal tem filhos menores e o exercício das responsabilidades parentais ainda não está judicialmente
regulado: o conservador, antes de marcar data para a conferência, envia o processo de divórcio ao Ministério
Público para que este se pronuncie (dentro de 30 dias) sobre o acordo dos cônjuges respeitante às
responsabilidades parentais (art. 1776º-A/1 CC). O Ministério Público pronuncia-se:
a. No sentido do acordo não acautelar os interesses dos menores: o processo baixa à conservatória, que
notifica os cônjuges para procederem às alterações necessárias; o acordo volta ao Ministério Público
para que ele se pronuncie sobre o novo acordo (art. 1776º-A/2 CC);
b. No sentido de o acordo acautelar os interesses dos menores: o conservador marca a data da
conferência para informar os cônjuges da existência dos serviços de mediação; posteriormente,
verificando-se os demais pressupostos e a razoabilidade dos outros acordos complementares, o
conservador decreta o divórcio (art. 1776º-A/3 CC).
Se os cônjuges não alterarem o acordo nos termos indicados pelo Ministério Público, o processo é remetido
para o tribunal (art. 1776º-A/4 CC).
Refira-se que sempre que o conservador remete o processo para o tribunal competente o divórcio não deixa de ser
baseado no mútuo consentimento dos cônjuges. Observar-se-ão, nestas hipóteses, os arts. 1778º e 1778º-A. CC.
3.2 Divórcio judicial
O divórcio por mútuo consentimento reveste caráter judicial em duas hipóteses:
 Quando em processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, estes acordam no sentido de se
divorciarem por mútuo consentimento;
 Quando no processo de divórcio por mútuo consentimento, a decorrer na conservatória, os cônjuges não
firmam os acordos exigidos (art. 1778º CC);
 Quando no processo de divórcio por mútuo consentimento o conservador ou o Ministério Público entendem
que os acordos firmados não acautelam os interesses de um dos cônjuges ou do(s) filho(s) menor(es).
Neste contexto impõe-se o princípio da adequação: os acordos que já tenham sido estabelecidos anteriormente não
devem ser desconsiderados pelo juiz (art. 547º CPC). Portanto, haverá aqui que diferenciar duas hipóteses:
a) Os cônjuges ainda não tinham estabelecido quaisquer acordos: o juiz promove os acordos e aprecia-os;
b) Os cônjuges já tinham firmados anteriormente algum ou alguns dos acordos: o juiz deverá apreciar os acordos
já celebrados (art. 1778º-A/2 e 6 CC).
Após apreciação, o juiz pode requerer a alteração dos acordos. Subsequentemente, poderão verificar-se 2 situações:
1. Os cônjuges alteram satisfatoriamente os acordos: o juiz homologa os acordos e decreta o divórcio;
2. Os cônjuges não alteram os acordos ou não o fazem de forma razoável: o juiz decide, ele próprio, as questões
em causa, como se de divórcio sem consentimento se tratasse (art. 1778º-A/3 CC).
4. Acordo sobre o divórcio e acordos complementares
Os cônjuges que pretendam divorciar-se por mútuo consentimento devem estar de acordo, não só quanto ao divórcio,
mas também sobre algumas das mais importantes sequelas do divórcio:
Entre estes acordos e o acordo
 Prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça; sobre o divórcio há uma “coligação
 Exercício das responsabilidades parentais relativamente aos filhos menores; negocial”, a qual se traduz na sua
 Destino da casa de morada de família. mútua dependência.
Atualmente, a relação de dependência referida não é tão rigorosa como foi outrora. Com efeito, a falta de algum
daqueles acordos, ou da sua homologação, apenas determina que o processo de divórcio passe a decorrer em tribunal.
Portanto, o acordo dobre o divórcio não caducam na falta dos demais acordos complementares.

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Secção III – Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
Subsecção I – Princípios gerais
1. Noção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é pedido por um dos cônjuges contra o outro, com fundamento
em determinada causa (a qual constar do elenco legal).
2. Conceções do divórcio sem consentimento
O divórcio sem consentimento de um dos cônjuges pode conceber-se como:
 Divórcio-sanção: o divórcio pressupõe um ato culposo de algum dos cônjuges e quer ser a sanção contra esse
ato – estariam em causa fundamentos meramente subjetivos;
Críticas a apontar a este sistema:
× A utilização do divórcio como sanção é incompreensível, na medida em que ele também é sempre
um mal para o cônjuge “inocente”;
× Pretendendo a lei castigar o cônjuge “culpado”, não se entende o porquê do recurso a esta figura,
uma vez que tantas outras sanções eram suscetíveis de mobilização;
× Poderia estar-se, inversamente, a dar um “prémio” ao cônjuge “culpado”, que efetivamente
pretendia divorciar-se.
 Divórcio-remédio: o divórcio pressupõe apenas uma situação de crise do matrimónio, um estado de vida
conjugal intolerável, propondo-se a remediar essa situação – estariam em causa tanto fundamentos
subjetivos, como fundamentos objetivos.
 Divórcio-constatação da rutura do casamento: o divórcio procura libertar o cônjuge “inocente” de uma
situação de crise em que a vida matrimonial se tornou intolerável, ainda que não se requeira que tal crise
seja imputável ao outro cônjuge a título de culpa – estariam em causa fundamentos objetivos, os quais se
limitariam a demonstrar uma situação de rutura.
Perante este quadro pode dizer-se que o direito português, após 2008, consagra este último sistema: o fundamento
do divórcio é, sempre, a rutura do casamento, objetivamente considerada.
3. Noção de causa de divórcio e seu valor
Exigência fundante do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges é a invocação de um causa. Noutros termos,
qualquer um dos cônjuges só pode pedir divórcio contra o outro se provar a existência de uma causa.
Assim sendo, são causas de divórcio: “as circunstâncias verificadas as quais a lei, em derrogação àquele princípio,
permite a um ou a ambos os cônjuges pedir o divórcio”.
Evidentemente, as causas de divórcio são situações em que, segundo juízos de valor legais, existe um estado de
intolerabilidade ou impossibilidade da vida conjugal. A definição dessas situações pode operar de duas formas:
Sistemas de tipicidade Sistemas de cláusula geral
São causas de divórcio apenas aquelas situações São causas de divórcio as situações subsumíveis ao conceito
taxativamente descritas na lei indeterminado fixado na lei
Depois das alterações introduzidas em 2008, o nosso sistema consagra uma cláusula geral, na alínea d) de 1781º CC:
“Quaisquer outros factos que (...) mostrem a rutura definitiva do casamento”
3.1 Causa do divórcio e causa de pedir na ação de divórcio
A causa de pedir na ação de divórcio é o facto concreto que se invoca; ao invés, a causa do divórcio é o fundamento
fixado em termos abstratos na lei.
3.2 Classificações das causas do divórcio
 Causas determinadas e causas indeterminadas: no primeiro caso, o facto é individualizado e especificado com
precisão na lei, no segundo caso o facto reconduz-se a uma cláusula geral.
 Causas absolutas/perentórias e causas relativas/facultativas: as causas absolutas não permitem apreciação
judicial (ao juiz não é permitido apreciar a gravidade dos factos, a intolerabilidade da vida conjugal), já as
causas relativas implicam que o juiz avalie se a vida em comum se tornou, de facto, intolerável.
 Causas subjetivas e causas objetivas: a primeira categoria compreende situações em que a crise conjugal
provém de um ato culposo de um dos cônjuges, e a segunda categoria situações em que a rutura do
matrimónio decorre de um facto fortuito.
 Causas unilaterais e causas bilaterais: as causas unilaterais caraterizam-se pela circunstância de apenas um
dos cônjuges as poder invocar, e as causas bilaterais pelo facto de ambos os cônjuges o poderem fazer.

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Subsecção II – Causas do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges
1. Separação de facto
A separação de facto (à semelhança do que acontece com a conversão da separação judicial em divórcio) é a primeira
das causas de divórcio objetivas, sendo integrada por dois elementos (arts. 1781º/a) e 1782º CC):
Elemento objetivo Elemento subjetivo
Falta de vida em comum (deixa de se verificar Propósito de não reestabelecer a comunhão de vida
comunhão de mesa, leito e habitação) matrimonial
A estes dois elementos da separação de facto, acresce um requisito imposto pela lei: o decurso do prazo de 1 ano.
Frequentemente, é difícil datar, na prática, o momento em que se iniciou a separação. Todavia, o prazo de 1 ano é
indubitavelmente um requisito imposto pela lei, de cujo cumprimento depende a decretação do divórcio. Refira-se
que o lapso temporal exigido parece ser aplicável tanto ao elemento objetivo como ao elemento subjetivo; tanto a
falta de vida em comum como o propósito de não retomar essa vivência conjunta deverão verificar-se- há, pelo menos,
1 ano. Neste contexto há que ter em conta que o prazo a que nos referimos deve ser contabilizado de forma
consecutiva, não se admitindo interrupções após as quais a contagem continua. Se há uma tentativa de reconciliação
que sai gorada, resultando em nova separação, o prazo de 1 ano começa a correr de novo.
2. Alteração das faculdades mentais
A alteração das faculdades mentais de um dos cônjuges é a segunda causa de divórcio elencada no art. 1781º CC (al.
b)). Esta permissão legal, de um dos cônjuges pedir o divórcio com base neste fundamento, poderia parecer, prima
facie, cruel. De factos, os cônjuges devem-se socorro e auxílio mútuos (art. 1674º CC). A verdade, porém, é que uma
alteração das faculdades mentais grave poderá destruir a plena comunhão de vida que é a essência do casamento (art.
1577º CC), porquanto essa é uma comunhão intelectual e afetiva, além de física. O legislador entende não ser razoável
impor ao outro cônjuge o sacrifício que representa a continuação de uma vida em comum nesses moldes.
Quanto aos pressupostos de que depende o recurso a este fundamento do divórcio, a lei dispõe:
a) Alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, qualquer que seja a causa dessa alteração;
b) Gravidade da alteração verificada;
c) Duração da alteração das faculdades mentais superior a 1 ano;
d) Comprometimento da possibilidade de vida em comum (no momento atual e no futuro).
3. Ausência sem motivos
Nos termos da alínea c) do art. 1781º CC, o cônjuge do ausente poderá pedir o divórcio com fundamento na própria
ausência, desde que haja decorrido 1 ano após as últimas notícias. Assim sendo, se o cônjuge que não tem notícias do
outro há mais de um ano pretender contrair novo matrimónio poderá recorrer a este expediente, obviando ao prazo
de 10 anos exigido por lei para a declaração de morte presumida.
4. Qualquer outro facto que mostre a rutura do casamento
A alínea d) do art. 1781º CC configura a cláusula geral em matéria de divórcio sem consentimento; cabem ali todas as
demais causas, não especificadas na lei, que possam fundamentar a rutura definitiva do vínculo matrimonial.
! O recurso a esta cláusula não deve permitir a relevância de factos banais e esporádicos como causas de divórcio;
deverão estar em causa factos objetivos ostensivos o suficiente para convencer o tribunal de que os laços matrimoniais
se romperam efetiva e definitivamente. Nesta sede, há que mobilizar os conceitos de “impossibilidade da vida em
comum” e de “gravidade”. Isto sem prejuízo de se admitir a invocação de factos menos graves mas que, devido à sua
prática reiterada ou continuada, tornam a vida em comum inexigível ou inexistente (por ex.: desinteresse total na vida
familiar, sendo o outro cônjuge e filhos votados à negligência).
Sublinhe-se que esta disposição deve ser aplicada tendo em consideração o contexto intra-sistemático em que se
encontra: as demais alíneas do art. 1781º CC consubstanciam causas absolutas – verificando-se os pressupostos legais,
o juiz tem de decretar o divórcio –, devendo, por isso, servir de parâmetros para o juízo casuístico a que se presta a
cláusula geral consagrada na al. d). De forma simplista, não deverá admitir-se, por exemplo, que o tribunal aplique a
alínea d) de forma mais condescendente do que aplica a alínea a). Isto porque entre nós não é admitido o divórcio a-
pedido de um dos cônjuges, sendo exigível uma efetiva rutura do matrimónio.

Subsecção IV – Processo
1. Desenho geral do processo

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O processo especial de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges encontra-se regulado nos arts. 931º e 932º
CPC. No início desse processo o tribunal deverá, sempre, informar os cônjuges sobre a existência dos serviços de
mediação familiar (art. 1774º CC).
O processo referido decorrerá nos seguintes termos:
1. Apresentação da petição inicial;
2. Designação do dia para uma tentativa de conciliação, sendo o réu e o autor citados para nela comparecerem;
3. Tentativa de conciliação ou, não sendo essa possível, de obtenção do acordo dos cônjuges para o divórcio por
mútuo consentimento – daqui podem decorrer duas situações:
a) Acordo para o divórcio por mútuo consentimento: seguem-se os termos próprios do respetivo
processo (art. 931º/a) CPC), devendo o juiz advertir os cônjuges para a necessidade de apresentação
dos projetos de acordo referidos no art. 1775º/2 CC;
b) Falta de acordo para o divórcio por mútuo consentimento: o juiz deverá procurar que os cônjuges
celebrem os acordos complementares, seguindo-se os passos seguintes:
4. Citação do réu para contestar no prazo de 30 dias;
5. Tramitação normal do processo comum.
2. Conteúdo da sentença
A sentença que julga procedente o pedido em ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges não se limita
muitas vezes a decretar o divórcio. Na sentença poderão ainda ficar reguladas matérias como:
 Destino da casa de morada de família, própria ou tomada de arrendamento – arts. 1793º e 1105º/2 CC;
 Direito a alimentos – art. 2016º CC;
 Conservação de apelidos adotados em virtude do casamento – art. 1677º-B CC; (...)

Secção IV – Efeitos
1. Princípios gerais
A sentença decreta o divórcio assume natureza constitutiva, na medida em que faz cessar os efeitos da relação
matrimonial. Por isso mesmo, tal sentença produzirá meros efeitos ex nunc: do momento do trânsito em julgado da
sentença em diante os ex-cônjuges passam a ser “estranhos” um ao outro, extinguindo-se, prospetivamente, os
deveres pessoais que os ligavam, bem como os efeitos patrimoniais que decorriam do estado de casados. Neste
contexto, os divorciados poderão contrair novo matrimónio, inclusivamente um com o outro.
O art. 1788º CC estabelece o princípio geral nesta matéria, determinando que o divórcio:
“dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte”
Isto sem prejuízo das inúmeras exceções consagradas na lei quanto a esta matéria, as quais determinam que o regime
aplicável ao divórcio nem sempre é coincidente com o regime de dissolução do casamento por morte.
2. Data em que se produzem os efeitos do divórcio
! Os efeitos do divórcio produzem-se, em regra, a partir do trânsito em julgado da sentença (art. 1789º/1 CC), salvas
as exceções enunciadas na segunda parte deste preceito e no nº 2 da norma:
 Quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retroagem à data da propositura da
ação (então, estão excluídas as relações pessoais entre os cônjuges, e as relações patrimoniais com terceiros);
 Quanto aos efeitos patrimoniais do divórcio, a retroatividade pode estender-se à data em que cessou a
coabitação, havendo prova que essa cessão se deu antes da propositura da ação.
3. Termo da comunhão. Partilha
Com o divórcio cessam as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688º CC), podendo proceder-se à partilha dos
bens do casal. A partilha faz-se extrajudicialmente, nos termos da lei nº 63/2013. A partilha poderá também fazer-se
no próprio processo de divórcio ou separação de pessoas e bens por mútuo consentimento.
A partilha faz-se de acordo com o regime de bens estipulado, recebendo cada um dos cônjuges os bens próprios e a
sua meação no património comum (art. 1689º CC). Isto sem prejuízo do limite fixado no art. 1790º CC.
“(...) nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o
regime da comunhão de adquiridos”
Refira-se que este preceito não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos.
De facto, a lei não impõe que na partilha cada cônjuge seja encabeçado nos bens que lhe pertenceriam se tivesse
vigorado o regime da comunhão de adquiridos. Não importam os bens, mas tão-só o seu valor, de modo que o cônjuge
não receba mais do que receberia se houvesse sido convencionado o regime de comunhão de adquiridos. Uma vez

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que todos os bens (que os cônjuges levaram para o casamento ou que adquiriram depois) fazem parte da comunhão
(pois é essa a principal implicação do regime da comunhão geral), e parcela dessa massa que cabe a cada um dos
cônjuges não pode ser superior à que lhes caberia segundo o regime de comunhão de adquiridos, independentemente
de quais os bens que são atribuídos a cada um.
4. Destino da casa de morada de família
Esta questão será decidida em moldes diferentes consoante o tipo de divórcio em causa:
1. Divórcio por mútuo consentimento: o destino da casa de morada de família é um dos acordos complementares
que deve ser firmado pelos cônjuges (art. 1775º/1/d) CC);
2. Divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: o destino da casa de morada de família será fixado pelo
tribunal, consoante as circunstâncias do caso (arts. 1793º e 1105º CC):
1. Casa de morada de família é bem comum dos cônjuges(a) ou bem próprio de um deles(b): o tribunal pode
dar a casa de arrendamento a qualquer um dos cônjuges (mesmo que a casa seja bem próprio exclusivo
do outro cônjuge) – a lei parece dar prevalência ao interessa da família (art. 67º CRP), em detrimento
do direito de propriedade (art. 62º CRP). A decisão a tomar pelo juiz deve tomar em consideração,
designadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal (art.
1793º/1 CC). Ao tribunal caberá ainda definir as condições do contrato de arrendamento (mormente,
a duração do contrato e o montante da renda). O valor da renda a ser determinado pelo tribunal deve
atender, não só aos valores do mercado, como também à situação patrimonial dos cônjuges. O
pagamento da renda pode decorrer de duas formas, consoante o caso:
 Casa de morada de família é propriedade exclusiva do outro cônjuge: o cônjuge arrendatário
deverá pagar-lhe o valor fixado pelo tribunal a título de renda;
 Casa de morada de família é compropriedade dos dois cônjuges: o cônjuge arrendatário
deverá pagar ao outro cônjuge metade do valor fixado pelo tribunal a título de renda.
Refira-se, ainda, que o arrendamento a que nos reportamos pode ser resolvido pelo tribunal, a
requerimento do senhorio, quando as circunstâncias supervenientes o justifiquem (art. 1793º/2 CC).
2. Casa de morada de família é tomada de arrendamento: nestas hipóteses, há que distinguir as
circunstâncias que podem estar em causa (art. 1105º/1 CC):
 Arrendamento feito pelos 2 cônjuges: o arrendamento deverá concentrar-se em apenas um
deles, ficando esse cônjuge como único arrendatário;
 Arrendamento feito por 1 dos cônjuges: o cônjuge arrendatário pode permanecer como tal,
ou pode haver transmissão do direito de arrendamento para o outro cônjuge.
A decisão a tomar pelo tribunal deve assentar numa premissa simples: o direito de arrendamento
deve ser atribuído ao ex-cônjuge que mais precise. O escopo da lei parece ser, de facto, a proteção do
ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar. Neste
contexto, há ainda que ter em conta a qual dos cônjuges ficam confiados os filhos. Portanto, o tribunal
deverá convocar a situação patrimonial dos cônjuges e os interesses dos filhos como critérios de
decisão. A estes fatores acrescem outros, como a idade dos cônjuges, o seu estado de saúde, o local
de trabalho, a eventual disposição de outra habitação, etc. Quando, segundo estes critérios, as
necessidades dos cônjuges forem iguais, haverá que considerar outros fatores secundários
(arrendamento anterior; qual dos cônjuges é o arrendatário; etc.).
NOTA: a lei não faz depender a decisão judicial ou o acordo dos cônjuges de aprovação ou
consentimento do senhorio. Pura e simplesmente, o senhorio tem o direito a ser notificado da decisão
que resultar do processo de divórcio, mas não pode influir nela de forma alguma (art. 1105º/3 CC).
Quanto ao procedimento de fixação do destino da casa de morada da família, haverá que distinguir duas situações:
Se o pedido não se cumular com outro, nem constituir Se o pedido se cumular com outro, ou constituir
incidente ou dependência de ação pendente incidente ou dependência de ação pendente
 Em princípio, estão em causa as hipóteses de divórcio  Em princípio, estão em causa as hipóteses de divórcio sem
por mútuo consentimento consentimento de um dos cônjuges (art. 990º/4 CPC)
“Procedimento tendente à formação de acordo das Processo de jurisdição voluntária fixado nos arts. 986º a
partes” – arts. 7º a 10º DL nº272/2001 988º e 990º CPC
5. Termo das ilegitimidades conjugais

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As ilegitimidades conjugais cessam com o trânsito em julgado da sentença de divórcio. Se o regime de bens era de
comunhão, cada um dos cônjuges passará a dispor da respetiva meação do património comum, através da partilha
dos bens.
6. Perda de direitos sucessórios
Os direitos sucessórios do cônjuge, na sucessão legal (legítima e legitimária), também cessam com o divórcio (art.
2133º/3 CC). Regime idêntico vale na sucessão testamentária, pois a instituição de herdeiro e o legado caducam se o
chamado à sucessão era ex-cônjuge do testador (art. 2317º/d) CC).
7. Perda de benefícios
À luz do art. 1791º CC, cada um dos cônjuges perde todos os benefícios recebidos ou a receber do outro cônjuge ou
de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer tenham sido estipulados antes
quer depois do casamento. Está aqui subjacente a ideia de que o casamento não deve ser um meio de adquirir
património. Nesta linha, o autor da liberalidade pode determinar que o benefício reverta para os filhos do casamento
(art. 1791º/2 CC). Estão aqui abrangidas: as doações entre esposados; as doações feitas por terceiros; as doações entre
cônjuges; as doações feitas a ambos os cônjuges por um familiar; as deixas testamentárias com que um cônjuge tenha
beneficiado o outro cônjuge. Entende-se não serem aqui integráveis os “donativos conformes aos usos sociais”, a que
se refere o art. 940º/2 CC, nos quais não existe intenção liberal.
8. Obrigação de alimentos
8.1 Generalidades
A obrigação de alimentos é um prolongamento do dever de assistência conjugal. A função que se espera da obrigação
de alimentos entre ex-cônjuges pode tornar-se cada vez mais melindrosa, em face do aumento do número de divórcios
e da tendência para as núpcias sucessivas, já que esses fatores determinam a cada vez menor proeminência da ideia
de solidariedade pós conjugal. Daí que a lei venha estabelecer o princípio de que cada cônjuge deve prover à sua
subsistência (art. 2016º/1 CC).
8.2 Quem tem direito a alimentos
Os cônjuges têm, desde logo, o direito de convencionar acerca da prestação de uma pensão de alimentos (art. 2014º
CC). Sucede que nem sempre os ex-cônjuges conseguem pôr-se de acordo acerca deste assunto. Para resolução de
situações como esta existe uma norma especial, respeitante aos alimentos entre ex-cônjuges – art. 2016º CC. Nos
termos deste preceito, qualquer um dos cônjuges pode pedir alimentos (nº2), devendo o tribunal atribui-los sempre
que entenda haver, de facto, necessidade; o tribunal poderá, contudo, negar o direito a alimentos por razões
manifestas de equidade (nº3).
8.3 Modo de estabelecer a obrigação de alimentos
Impõe-se agora saber qual o alcance do auxílio que se presta em sede alimentos. Ora, a questão da medida dos
alimentos suscita, ainda, acesa controvérsia, podendo apontar-se conceções mais ou menos restritivas:
 A medida dos alimentos entre ex-cônjuges, em consonância com as regras gerais em matéria de alimentos
(art. 2003º/1 CC), deve limitar-se ao que for indispensável ao sustento, vestuário e habitação, bem como à
saúde e deslocações, do ex-cônjuge necessitado de alimentos.
 A medida dos alimentos deveria permitir ao ex-cônjuge alimentado manter o nível de vida a que se habituou
durante a vigência do casamento.
 A medida dos alimentos deverá permitir colocar o ex-cônjuge necessitado numa situação razoável, acima do
limiar de sobrevivência, mas, porventura, abaixo do padrão de vida que o casal atingira.
Conceção que parece mais justa
A adoção desta última posição permite, por um lado, conciliar um ideal de solidariedade conjugal com a ideia de
responsabilização individual pelo sustento próprio; por outro lado, permite ainda que o casamento não seja erigido à
condição de “seguro” contra as diminuições de fortuna advindas do divórcio. É esse, aliás, o atual conteúdo do art.
2016º-A/3 CC.
8.4 Critérios para a fixação do montante
São duas as circunstâncias essenciais a ponderar pelo tribunal, em concreto, para a determinação dos alimentos:
Possibilidades do obrigado Necessidades do alimentado
Isto, claro, tendo em consideração o escopo que subjaz à obrigação de alimentos: constituir uma pensão que permita
ao necessitado atingir um nível de vida mínimo considerado decente.
A estes dois critérios fulcrais, acrescem os demais critérios enunciados na primeira parte do art. 2016º-A/1 CC.

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Refira-se que, no que diz respeito à avaliação das necessidades do alimentado, há que considerar a possibilidade de
ele prover à sua subsistência. A conjugação dos arts. 2004º/2, 2016º-A/1 e 2016º/1 CC parece apontar no sentido de
que o ex-cônjuge tem a obrigação de procurar angariar proventos com o seu trabalho.
8.5 Modo de prestar os alimentos
Os alimentos são fixados em prestações pecuniárias mensais (art. 2005º/1 CC), ainda que as partes possam
convencionar um outro modo de prestação. Um outro modo de prestação seria, porventura, o pagamento em capital
de uma só vez. A ideia que subjaz a este pagamento em capital “una tantum” é a de procurar cortar de vez as relações
económicas entre os divorciados, poupando-os à revisão periódica do montante e aos desentendimentos suscitados
pelo não cumprimento. Pretende-se, de modo expressivo, operar um clean break. Porém, como é evidente, este
sistema apenas poderá ter lugar num número limitado de casos, em que o cônjuge obrigado aos alimentos tem
disponibilidade económica para fazer um pagamento global e único em capital.
8.6 Alteração dos alimentos fixados
O art. 2012º CC determina expressamente a alterabilidade dos alimentos fixados. Tratando-se de uma dívida de valor,
os alimentos devem, desde logo, poder ser alterados apenas com base na alteração do valor da moeda, embora
sempre dentro dos limites básicos que são as necessidades do credor e as possibilidades do devedor. Além desta
situação, também outras circunstâncias supervenientes podem exigir a alteração do montante dos alimentos.
8.7 Indisponibilidade e impenhorabilidade do direito
Nos termos do art. 2008º/1 CC, o crédito de alimentos não pode ser:
 Cedido (nem pelo lado passivo, nem pelo lado ativo da relação)
 Objeto de renúncia (ainda que nada impeça o credor de não exigir o cumprimento da obrigação);
 Compensado com um outro crédito que o devedor de alimentos tenha sobre o necessitado;
 Penhorado (até ao montante da pensão social do regime não contributivo (art. 738º/4 CPC).
Todas estes aspeto decorrem, essencialmente, da natureza pessoal do direito a alimentos, porquanto ele está
intimamente ligado às necessidades pessoais do alimentado.
8.8 Garantia do cumprimento da obrigação
As garantias do cumprimento da obrigação de alimentos reguladas na lei são as seguintes:
 Hipoteca legal ou judicial (arts. 705º/d) e 710º CPC).
 Arresto dos bens do devedor (art. 619º CPC).
 Processo de execução especial por alimentos (arts.933º e ss. CPC).
 Crime por violação da obrigação de alimentos (art. 250º CP).
8.9 Cessação da obrigação de alimentar
Os motivos de cessação da obrigação de alimentar constam, em termos gerais, do art. 2013º CC e, em termos
especificados quando à obrigação de alimentos decorrente de divórcio, do art. 2019º CC:
 Morte do credor ou do devedor;
 Ausência de necessidade do credor ou falta de possibilidade do devedor;
 Celebração de novo casamento pelo credor;
 Início de uma união de facto pelo credor;
 Comportamento moral do credor que o torne indigno do benefício.
Deverá convocar-se, nesta sede, um critério objetivo de razoabilidade: o comportamento do credor tona-o indigno do
direito a alimentos quando seja de tal modo reprovável que se torne “inexigível” a continuação do encargo.
8.10 Preferências entre credores
O novo art. 2016º-A/2 CC vem consagrar a regra de que, na hipótese de haver um conflito prático entre a viabilidade
de cumprir duas obrigações de alimentos, prevalecerá a obrigação de alimentos em relação aos filhos, em detrimento
da obrigação de alimentos que diga respeito ao ex-cônjuge.
9. A obrigação de indemnizar
Uma vez que o regime atual assente num princípio de rutura objetiva do casamento, não fazia sentido manter as
normas relativas à obrigação de indemnizar que recaía sobre o cônjuge “culpado”. Nesta linha, o atual art. 1792º CC
prevê apenas a possibilidade de responsabilidade civil de qualquer um dos cônjuges, nos termos gerais. O que é o
mesmo que dizer: não há qualquer tipo de indemnização que seja devida em virtude do divórcio; o que pode haver é
uma indemnização, ao abrigo da responsabilidade civil extracontratual, pela eventual violação de deveres de
personalidade do ex-cônjuge. Não há, em suma, qualquer responsabilização pela violação de deveres conjugais; o que
se pode verificar é a responsabilização pela violação de outros direitos absolutos tutelados pela ordem jurídica.

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10. Efeitos em relação aos filhos
!!Uma importante sequela do divórcio é o exercício das responsabilidades parentais. O exercício das responsabilidades
parentais pode, de facto, estar já regulado antes do divórcio ter sido requerido, designadamente em virtude de uma
separação de facto (art. 1909º CC) ou do facto de os progenitores terem vivo em união de facto antes do casamento
(art. 1911º CC). Porém, quando o exercício do poder paternal ainda não esteja judicialmente regulado, os cônjuges
que pretendam divorciar-se terão de firmar um acordo respeitante a esta matéria (art. 1775º/1/b) CC). Na falta de
acordo, designadamente em caso de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, o juiz decidirá, nos termos do
art. 1906º CC e dos arts. 38º e 40º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
10.1 Exercício conjunto das responsabilidades parentais
O regime aplicável nesta matéria sofreu uma franca evolução desde a publicação do original Código Civil de 1966:
1. Regime introduzido pelo CC 1966: prevalência total da autoridade paterna, mesmo que o filho passasse a residir
só com a mãe.
2. Reforma de 1977: exercício exclusivo do poder paternal pelo progenitor a quem o filho fosse confiado;
3. Alteração introduzida em 1995: apesar de a regra continuar a consistir no exercício exclusivo do poder paternal,
introduz-se a possibilidade de os progenitores acordarem o exercício comum do poder paternal.
4. Reforma 2008: permite, lado a lado, o exercício exclusivo e o exercício conjunto das responsabilidades
parentais, consoante se trate de atos da vida corrente ou de atos de particular importância, respetivamente.
O regime do exercício conjunto das responsabilidades parentais era criticado por um quadrante da doutrina com base
nas dificuldades práticas que poderiam ser suscitadas ao exigir-se o acordo dos dois progenitores em relação a todos
os assuntos da vida do menor. Por isso mesmo, o legislador veio, em 2008, esclarecer que o exercício conjunto das
responsabilidades parentais apenas é imposto quanto às “questões de particular importância”.
Exercício das responsabilidades parentais
“Atos de particular importância” “Atos da vida corrente”
Exercício conjunto: exige-se o acordo entre os dois Exercício exclusivo: o progenitor com quem o filho (ou aquele
progenitores (os quais devem cooperar, já que se trata de com quem ele se encontra temporariamente) vive decide
assuntos importantes da vida do menor) – art. 1906º/1 sem necessidade de consentimento do outro – art. 1906º/3
Refira-se que se, efetivamente, o progenitor com quem o menor passa apenas algum tempo pode, como referido,
decidir sobre os assuntos da sua vida corrente durante esse período, a verdade é que, ainda assim, deverão ser
respeitadas as “orientações educativas mais relevantes” a que o filho se habituou, e que foram definidas pelo outro
progenitor (com quem o menor reside habitualmente).
Este é o regime-regra prescrito na lei. Contudo, o tribunal poderá afastá-lo (conferindo o exercício exclusivo das
responsabilidades parentais em relação a todos os atos da vida do menor a apenas um progenitor), sempre que
considere existirem razões bastantes para tal (art. 1906º/2 CC). Poderá perguntar-se se também os progenitores
poderão acordar um outro regime, diverso da regra estabelecida na lei. A resposta parece-nos ter de ser negativa: o
regime do art. 1906º CC não é um regime supletivo, mas antes um regime imperativo, cujo escopo principal é a
proteção dos interesses dos filhos.
Um outro aspeto a considerar diz respeito à “guarda” do menor. A Lei nº 61/2008 não introduziu, quanto a esta
matéria, especificidades de relevo. Ao tribunal incumbe ponderar o acordo a que eventualmente cheguem os
progenitores e os interesses dos filhos, considerando ainda, após 2008, a disponibilidade manifestada por cada um
dos ex-cônjuges para promover relações habituais do filho com o outro progenitor – art. 1906º/5 CC. Refira-se que
podemos distinguir, neste contexto, duas hipóteses:
 Residência habitual e residência temporária: o tribunal estabelece o progenitor com o qual o filho reside
habitualmente (fixando a sua morada como residência habitual), sendo a sua residência temporária a morada
do outro progenitor que exerce os seus direitos de visita [Ex.: o filho vive habitualmente com a mãe, passando os
fins-de-semana de 2 em 2 semanas com o pai].
 Residência alternada: o tribunal determina que o filho reside de forma habitual com os dois progenitores,
residindo alternadamente com um e com o outro de acordo com períodos de tempo previamente fixados [Ex.:
o filho vive 1 semana em casa da mãe e 1 semana em casa do pai, e assim sucessivamente].
10.2 “Questões de particular importância” e “atos da vida corrente”
Os conceitos de “questões de particular importância” e “atos da vida corrente” são conceitos indeterminados e vagos,
cabendo à doutrina e jurisprudência o seu preenchimento in casu. Um ponto que reúne consenso é o de que as
“questões de particular importância” não ocorrerão com frequência, constituindo situações raras de relevo excecional.

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Será, por exemplo, o caso de um dos progenitores pretender emigrar, ou de a criança ter de ser submetida a uma
intervenção médico-cirúrgica, etc.
10.3 Delegação de responsabilidades parentais no caso de famílias recombinadas
Fala-se em “famílias recombinadas” quando um dos progenitores, divorciado, celebra novo casamento ou inicia união
de facto com outrem. Nestas hipóteses, impõe-se perguntar qual o papel dos companheiros dos progenitores na
educação da criança. Ora, sucede que o nosso ordenamento jurídico ainda não contém uma concreta regulação desta
matéria: o exercício de algumas prerrogativas do poder paterna pelos companheiros e cônjuges dos progenitores
ainda não é, entre nós, objeto de uma regime jurídico específico. Não obstante, o nº 4 do art. 1906º CC prescreve que
o progenitor pode delegar o exercício de responsabilidades parentais relativas a atos da vida corrente.
10. 4 Reforço da tutela penal do incumprimento
Sendo conveniente fomentar uma cultura de responsabilização, a reforma de 2008 aditou a alínea c) ao nº1 do art.
249º CP, nos termos da qual o progenitor que incumpra a decisão judicial respeitante ao exercício das
responsabilidades parentais será responsabilizado penalmente. Também a mora ou incumprimento da obrigação de
prestar alimentos ao filho constitui infração passível de reação penal.

Outras relações familiares


Capítulo I – União de facto
1. Noção
A união de facto é a relação cuja qualificação como relação familiar tem sido mais convertida. Esta figura é atualmente
regulada na Lei nº 7/2001, de 11 de maio, a qual prescreve no seu art. 1º:
“A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições
análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”
Nestes termos, também aqui, à semelhança do que foi referido quanto ao casamento, há uma comunhão de mesa,
leito e habitação. Em termos tais que, apesar de as pessoas não estarem ligadas por um vínculo formal, é criada uma
aparência externa de casamento.
2. Formas e motivações
A união de facto assume-se, por vezes, como uma situação transitória, uma fase pré-matrimonial: as pessoas
pretendem casar mas, de momento, estão impossibilitadas de o fazer. Outras vezes, pelo contrário, a união de facto
é querida como definitiva: os membros da união de facto, deliberadamente, não querem casar. Contudo, nem sempre
a situação concreta se presta a uma definição assim tão precisa; em determinados casos as pessoas, apesar de não
verem um casamento no futuro próximo, também não descartam completamente essa ideia. Nestas situações, a união
de facto poderá vir eventualmente a tornar-se definitiva, mas também poderá converter-se em matrimónio.
3. A união de facto e a Constituição
Um primeiro ponto a fixar nesta matéria é de que a Lei Fundamental não fala em “união de facto”, nem dispõe
diretamente sobre ela. Isto apesar de alguns autores (Gomes Canotilho e Vital Moreira) desvelarem na 1ª parte do nº
do art. 36º CRP a menção a esta figura.
Sem prejuízo do que foi dito, é certo que a possibilidade de constituir uma união de facto é uma manifestação do
direito ao desenvolvimento da personalidade, previsto no art. 26º/1 CRP. Certo é, porém, que esta integração da união
de facto no direito ao desenvolvimento da personalidade não implica que o legislador esteja obrigado a dar à união
de facto efeitos idênticos aos que dá ao casamento. Nem se diga, porventura, que o diferente tratamento da união de
facto e do casamento viola o princípio da igualdade (art. 13º CRP), pois a diferenciação aqui em causa justifica-se na
medida em que estamos em face de situações materialmente diferentes. Parece ser de propugnar, até, que uma lei
que estabelecesse esta equiparação, entre o casamento e a união de facto, seria inconstitucional por descaraterizar o
matrimónio, o qual constitui uma garantia institucional (art. 36º/1 2ª parte CRP), bem como por violar o “direito de
não casar”, como dimensão negativa do “direito de contrair casamento”.
Em suma, a Lei Fundamento impõe, fundamentalmente, duas balizas ao legislador ordinário aquando da consagração
da disciplina união de facto (dentro das quais este poderá conformar o regime legal como entender):
A união de facto não pode ser penalizada ou sancionada A união de facto não pode ser equiparada ao casamento
4. A união de facto, relação de família?
O problema que colocamos neste ponto não se refere, obviamente, às relações entre os filhos que nasçam da união
de facto e os seus progenitores. Tais relações são, como é lógico, relações familiares (de filiação). O problema que
verdadeiramente se impõe é o de saber se a união de facto, como relação estabelecida entre duas pessoas, é ou não

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uma relação de família. As posições sobre a questão são diversas e assentes em fundamentos vários, podendo dizer-
se, de um modo geral, que ainda não há consenso sobre a matéria:
a) A união de facto não é uma relação de família: em abono desta conceção é mobilizado o art. 1576º CC, o qual
elenca as fontes das relações familiares, não incluindo a união de facto. Portanto, neste conceito restrito e
técnico de “família”, a união de facto não teria lugar. Mesmos os autores que propugnam esta conceção
reconhecem que, em determinadas matérias específicas, o próprio legislador refere-se a uma conceito
alargado de “agregado familiar”, no qual já deverá integrar-se a união de facto (ex.: direito da segurança social;
direito da locação; etc.).
b) A união de facto é uma relação de família: como fundamento desta posição poderá convocar-se o art. 9º da
carta dos direitos fundamentais da união europeia (o qual fala em “direito a constituir família” e não em
“direito a contrair matrimónio”); além de que a Lei nº 7/2001, que regula a união de facto, fala em “casa de
morada de família” e aproxima o regime das prestações a que tem direito o membro sobrevivo da união de
facto ao regime dessas mesmas prestações a que tem direito o cônjuge sobrevivo. Além do direito constituído,
poderá ainda referir-se a tendência atual para a perda do valor do Estado e da Igreja como instâncias
legitimadoras da comunhão de vida, a qual tende a ser menos institucional. Por último, também o número
crescente de uniões de facto parece vir legitimar esta resposta afirmativa à questão.
5. A institucionalização da união de facto
Em Portugal, a institucionalização da união de facto deu-se com a Lei nº 135/99, de 28 de agosto, a qual veio a ser
revogada pela Lei nº 7/2001, de 11 de maio, por sua vez alterada pela Lei nº 23/2010, de 30 de agosto.
É de sublinhar que a intervenção legislativa de 1999 não representou uma rutura com o direito anterior. O que se
verificou foi, isso sim, que o legislador decidiu constituir um sumário das medidas de proteção que já vinham sendo
estabelecidas em legislação avulsa anterior. Ainda assim, algumas das disposições introduzidas assumiram, de facto,
caráter inovador. Designadamente, veio admitir-se a adoção conjunta de menores por duas pessoas unidas de facto.
A Lei nº 7/2001, que continua a regular a matéria apesar das alterações introduzidas pela Lei nº 23/2010, não só não
equipara a união de facto ao casamento, como apenas introduz uma regulação moderada dos seus efeitos. Esta
moderação foi, efetivamente, uma opção do legislador, o qual entendeu que a união de facto deveria continuar a ser,
ao menos tendencialmente, não jurídica. O legislador terá entendido que, se os membros da união de facto optam
por não casar, então provavelmente também não quererão uma extensão regulação jurídica da sua vida comum. Isto
sem prejuízo de se vir a assistir a um aumento da regulação, no sentido de conferir maior proteção àqueles que acabam
por ficar numa situação de necessidade.
6. Constituição da relação
A união de facto constitui-se quando os seus membros passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação. Uma
vez que não se exige, entre nós, o registo civil ou administrativo da união de facto, coloca-se a questão de saber como
realizar a prova do seu início, para efeitos de aplicação do art. 3º da Lei nº 7/2001. A prova da união de facto é, assim,
normalmente testemunhal. Porém, é de admitir a prova documental, designadamente através dos “atestados de
residência, vida e situação económica dos cidadãos” que devem ser passados pelas juntas de freguesia. A verdade,
porém, é que tal documento não faz prova plena.
7. Conteúdo da relação: efeitos pessoais e patrimoniais
7.1 Princípios gerais
Os efeitos que decorrem da união de facto encontram-se fixados, fundamentalmente, no art. 3º da Lei nº7/2001, ainda
que o enunciado aí fixado não revista caráter taxativo (art. 3º/2). De qualquer das formas, a união de facto só tem os
efeitos que a lei lhe atribuir (nessa disposições ou em outras normas avulsas).
7.2 Condições de eficácia
Os efeitos da união de facto só se produzem se preenchidos os requisitos exigidos pela lei:
a) Duração superior a 2 anos: a união de facto deve durar há mais de 2 anos para que lhe sejam reconhecidos
efeitos jurídicos, pelo que é imperativo determinar a data em que teve início;
b) Inexistência de impedimento dirimente ao casamento: o art. 2º da Lei nº 7/2001 reproduz, nas suas várias
alíneas, o disposto nos arts. 1601 e 1602º CC. Estão aqui em causa interesses públicos que importa
salvaguardar, já que os membros da união de facto vivem “como se fossem casados”.
NOTA: atualmente já não constitui um requisito legal a heterossexualidade da união. Nos termos do art. 3º/3 da Lei
nº 7/2001, não é exigida a diversidade de sexos dos membros da união de facto.

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Quanto ao requisito da inexistência de um impedimento dirimente ao casamento, o legislador veio, em 2010, resolver
algumas dúvidas que eram suscitadas pela redação original da Lei nº 7/2001:
 A verificação de um impedimento dirimente apenas implica a não produção dos efeitos favoráveis da união
de facto, pelo que serão admissíveis efeitos desfavoráveis (ex.: presunção de paternidade) ou efeitos
respeitantes aos interesses legítimos de terceiros.
 Corrigiu-se o elenco de impedimentos admitidos, de modo a obviar á verificação de soluções injustas.
7.3 Efeitos pessoais
 Os membros da união de facto podem adotar nos termos previstos para os cônjuges (art. 7º);
 O estrangeiro que viva em união de facto com nacional português há mais de 3 anos pode adquirir a
nacionalidade portuguesa mediante declaração e vontade (art. 3º/3 Lei da Nacionalidade);
 Os membros da união de facto podem constituir uma família para efeitos de “acolhimento familiar”;
 A pessoas que vivem em união de facto, sendo de sexos diferentes, podem recorrer a técnicas de procriação
medicamente assistida;
 As pessoas que vivam em união de facto e trabalhem na mesma empresa têm direito a gozar férias no mesmo
período (como acontece com os cônjuges) (art. 3º/c) Lei nº 7/2001 e art. 241º/7 CT);
 A paternidade presume-se quando tenha havido comunhão duradoura de vida entre a mãe e o pretenso pai
no período legal de conceção (art. 1871º/1/c) CC);
 Dado que os membros da união de facto convivem maritalmente, o exercício das responsabilidades parentais
em relação a um filho nascido da união de facto segue as normas prescritas para o matrimónio (art. 1911º CC).
7.4 Efeitos patrimoniais
No âmbito da união de facto, não há “regimes de bens”, nem têm aplicação as regras que disciplinam os demais efeitos
patrimoniais do casamento. As relações patrimoniais firmadas entre os membros da união de facto ficam, em
princípio, sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais. Sendo este o princípio geral, há que introduzir,
todavia, alguns afeiçoamentos.
Desde logo, os membros da união de facto vivem em economia comum, pelo que poderá questionar-se se não lhes
será possível regular, em instrumento notarial, os aspetos patrimoniais da relação. Reportamo-nos aos designados
“contratos de coabitação”. De um modo geral, parecem não haver razões para ferir de nulidade tais contratos, ainda
que a questão deva sempre ser analisada caso a caso. Certo é que tais contratos não podem dispor sobre os efeitos
pessoais da união de facto, na medida em que isso significaria a violação de disposições legais imperativas.
Por se aplicarem aqui as regras gerais das relações obrigacionais e reais, importa atentar no art. 953º CC. Nos termos
do art. 2196º CC, para o qual remete aquele preceito, as doações efetuadas a favor da pessoa com quem o cônjuge
cometeu adultério são nulas. Assim sendo, se houver sido estabelecida uma união de facto em que um dos membros
ainda é casado com outra pessoa (ainda que separado), as doações realizadas pelo membro da união de facto casada
com outrem a favor da outra pessoa são nulas.
Uma vez que os membros da união de facto vivem como se fossem casados, entende-se ser justificada a extensão do
regime consagrado no art. 1691º/b) CC a estas situações. De facto, há uma aparência de vida matrimonial, a qual pode
criar a confiança, por parte de terceiro, nesse estado. Daí que se entenda que também os sujeitos que constituem uma
união de facto devam responder solidariamente pelas dividas contraídas por qualquer deles para ocorrer aos encargos
normais da vida em comum.
Na hipótese de um dos membros da união de facto ter direito a alimentos do seu ex-cônjuge, a união de facto faz
cessar a obrigação de alimentos, à semelhança com o que acontece com a celebração de novo casamento (art. 2019º
CC). Poderia dizer-se, contra esta solução legal, que não há verdadeira analogia entre um novo casamento e uma união
de facto, na medida em que esta última não faz nascer uma nova obrigação a alimentos. Todavia, a verdade é que a
união de facto, embora não institua um concreto dever assistência, pressupõe a partilha de recursos para a vida em
comum (pois os membros da união de facto devem viver em economia comum). Além de que, não pareceria razoável
continuar a exigir alimentos ao ex-cônjuge quando foi já constituída uma nova situação familiar.
Um outro importante efeito patrimonial da união de facto consiste na aplicação do regime do IRS nas mesmas
condições que são conferidas aos casados e não separados de pessoas e bens (art. 3º/d) Lei nº 7/2001).
Por último, a pessoa que viva em união de facto com o beneficiário titular pode inscrever-se na ADSE como beneficiário
familiar (art. 7º/1 do Decreto-Lei nº 118/83).
8. Extinção da relação
8.1 Princípios gerais

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A união de facto pode extinguir-se através de uma das seguintes formas:
 Rutura da relação: por mútuo consentimento(a) ou por iniciativa de um dos membros(b);
 Morte de um dos membros (ou de ambos);
 Casamento de um dos membros da união de facto com uma pessoa terceira.
Extinta a relação, há que proceder à liquidação e partilha do património do casal. Não valendo aqui os art. 1688º e
1689º CC, as regras a aplicar são, em primeira linha, as que tenham sido acordadas num eventual “contrato de
coabitação” ou então, na sua falta, as disposições comuns em matéria de relações reais e obrigacionais. Neste
contexto, os princípios do enriquecimento sem causa são frequentemente mobilizados pela jurisprudência, desde que
se faça prova da existência de um património comum.
8.2 Rutura. Destino da casa de morada de família
Os membros da união de facto, por não assumirem qualquer compromisso, podem romper a relação quando
quiserem, livremente e sem formalidades. Consequentemente, não há lugar a qualquer tipo de indemnização pela
rutura, já que o interesse na manutenção da relação não está juridicamente protegido.
Neste contexto, assume especial relevo a questão de saber qual o destino da casa de morada de família. Haverá que
distinguir duas possibilidades:
1. Casa própria (compropriedade dos dois sujeitos ou propriedade exclusiva de um deles): aplicar-se-á o art. 1793º
CC (art. 4º Lei nº 7/2001) – a casa pode ser dada de arrendamento a qualquer um dos membros da união de
facto (mesmo na hipótese de ser propriedade exclusiva do outro);
2. Casa tomada de arrendamento: aplicar-se-á o art. 1105º CC (art. 4º Lei nº 7/2001) – o direito de arrendamento
pode manter-se, concentrar-se ou transferir-se.
Importa sublinhar que, nos termos do art. 8º/2 Lei nº 7/2001, a dissolução da união de facto deverá ser declarada
judicialmente para que seja possível fazerem-se valer os direitos dela dependentes. Nestes termos, o pedido de
constituição de direito de arrendamento (art. 1793º CC) ou de transmissão/concentração de direito de arrendamento
(art. 1105º/1 CC) deverá cumular-se com o pedido de declaração judicial da dissolução da união de facto.
8.3 Morte
a) Direito a alimentos:
O membro sobrevivo da união de facto tem direito a exigir alimentos da herança do falecido (art. 2020º CC). Tem-se
entendido que a medida dos alimentos é fixada de acordo com as disposições gerais dos arts. 2003º e 2004º CC. Note-
se que o direito a alimentos a que nos referimos deverá ser exercido nos 2 anos seguintes à data da morte do autor
da sucessão.
b) Direito real de habitação da casa de morada da família:
Durante o período de 5 anos, o membro sobrevivo da união de facto tem direito a habitar a casa de morada da família
que era propriedade do outro (art. 3º/a) e 5º/1 Lei nº 7/2001). Este direito não pode, nos termos atuais da lei, ser
afastado em virtude de sobreviverem descendentes do membro falecido. Também não poderá ser afastado por
disposição testamentária do falecido.
Refira-se que a redação da nova lei dá relevo à circunstância de a união de facto ter sido duradoura. De facto, tendo a
união de facto duração superior a 5 anos os direitos de habitação do imóvel e o direito de uso do recheio são conferidos
pelo tempo que a união de facto durou (art. 5º/2). Nos termos do art. 5º/4, os direitos de habitação e uso poderão ser
proporrados, a título excecional, por motivos de equidade.
A nova redação da lei introduziu ainda uma nova especificidade: se os membros da união de facto eram
comproprietários do imóvel, o sobrevivo tem o direito de uso exclusivo da coisa comum durante os prazos fixados nos
termos acima expostos (art. 5º/3 Lei nº 7/2001).
Refira-se ainda que o nº 5 do art. 5º que temos vindo a analisar prescreve a caducidade dos direitos de uso e habitação
pelo facto de o membro sobrevivo não usar a habitação durante 1 ano.
c) Direito de arrendamento:
Findo o período em que o membro sobrevivo tem direito de habitação, a lei confere-lhe o direito de arrendamento,
nos termos gerais do mercado. O tribunal poderá intervir na fixação das condições contratuais, designadamente na
fixação da renda (art. 5º/7 e 9 Lei nº 7/2001).
d) Direito de preferência:
De acordo com o art. 9º da Lei nº 7/2001, o membro sobrevivo da união de facto tem direito de preferência pela venda
da casa durante o prazo de 5 anos (ou outro prazo em que o sobrevivo tenha direito a permanecer na casa).
e) Direito ao arrendamento para habitação:

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A pessoa que vivia com o arrendatário em união de facto tem direito, em caso de morte deste último, a suceder no
direito ao arrendamento para habitação (art. 1106º CC).
f) Direito a indemnização por morte:
No caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o sobrevivo poderá exigir ao autor
da lesão uma indemnização dos prejuízos sofridos? Tratando-se de danos patrimoniais, podemos propugnar uma
resposta afirmativa com base na extensão do regime previsto no nº 3 do art. 495º CC, caso o falecido prestasse
alimentos ao sobrevivo. Quanto aos danos não patrimoniais, o art. 496º/3 CC inclui expressamente o membro
sobrevivo da união de facto entre os titulares da indemnização.
g) Direito ao subsídio por morte e à pensão de sobrevivência:
Tanto no caso do falecido ser funcionário da Administração Pública ou da Administração Regional ou Local, como no
caso de ser beneficiário do regime geral da segurança social, o membro sobrevivo da união de facto tem direito a um
subsídio por morte, bem como a pensão de sobrevivência, quando tenham lugar (art. 6º Lei nº 7/2001). A versão de
2010 da Lei nº 7/2001 veio introduzir algumas alterações nesta matéria, designadamente dispensando o membro
sobrevivo do ónus de provar a necessidade de alimentos. Portanto, aquele poderá dirigir-se imediatamente contra a
instituição competente para a atribuição de pensões. Nesta linha, também o art. 2010º/1 CC permite que o membro
sobrevivo reclame imediatamente os alimentos da herança do falecido.
h) Outros direitos:
A Lei nº 7/2001 confere ainda ao membro sobrevivo da união de facto o direito às prestações por morte resultante de
acidente de trabalho ou doença profissional, às pensões de preço de sangue e a faltar justificadamente ao trabalho
por 5 dias consecutivos por falecimento do outro membro da união de facto.

Capítulo II – Apadrinhamento civil


1. Noção e finalidades
O apadrinhamento civil foi instituído no direito português pela Lei nº 103/2009, de 11 de setembro. Este instituto tem
como escopo constituir uma alternativa à institucionalização através de uma forma de acolhimento duradoura. Assim
sendo, tem em vista possibilitar às crianças e jovens cujos pais, por alguma razão, não estejam em condições de exercer
de modo adequado as responsabilidades parentais, a integração num ambiente familiar, de forma permanente, que
estabeleça laços afetivos e permita o seu bem-estar e desenvolvimento. Isto sem prejuízo de o apadrinhamento civil
não procurar constituir uma relação equiparável à relação de parentalidade.
O apadrinhamento civil constitui-se (art. 2º in fine Lei nº 103/2009):
 Por acordo entre todos os interessados (homologado pelo tribunal);
 Por sentença judicial (na falta de acordo).
Os padrinhos exercem as responsabilidades parentais (art. 7º), embora se reconheçam alguns direitos aos
progenitores (art. 8º). Os padrinhos consideram-se ascendentes em 1º grau do afilhado para efeitos da obrigação de
alimentos (art. 21º). O afilhado integra ainda o agregado familiar do padrinho para vários efeitos (art. 23º). O vínculo
de apadrinhamento civil é permanente, ressalvados os casos excecionais de revogação (art. 25º). Por fim, refira-se que
o vínculo em apreço está sujeito a registo (art. 28º).

Capítulo III – Filiação baseada no consentimento, no contexto da reprodução medicamente assistida


Ao abrigo da Lei nº 32/2006, de 26 de julho, podem nascer vínculos de filiação que não têm substrato biológico e que,
por isso, não são reconduzíveis ao conceito de parentesco. Estão aqui em causa vínculos que assentam no
consentimento prestado para a utilização das técnicas de procriação assistida. Neste contexto, a lei considera como
vínculo de filiação e paternidade, para todos os efeitos, o vínculo assim estabelecido, o que significa que há aqui uma
derradeira relação familiar.

Direito da filiação
Capítulo I – Princípios fundamentais do estabelecimento da filiação
1. Princípios constitucionais
Os princípios constitucionais de direito da família já foram expostos anteriormente [vide supra: Introdução, Cap. V]. De
entre os princípios que foram referidos, relevam no domínio específico do direito da filiação os seguintes:
 Direito de constituir família: todos têm o direito de ver reconhecidos os vínculos de parentesco;

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 Princípio da não discriminação entre filhos nascidos do casamento e fora do casamento: a leis ordinária não
pode dificultar o estabelecimento da filiação fora do casamento;
 Princípio de proteção da adoção: a adoção é também uma forma de estabelecimento da filiação;
 Princípio de proteção da família: a realização pessoal dos membros da família impõe a constituição de vínculos
de parentesco (importa aqui, por ex., a regulação da procriação medicamente assistida);
 Princípio da proteção da maternidade e paternidade: os pais são insubstituíveis, pelo que têm legitimidade
para promover, em nome dos filhos, as diligências necessárias ao estabelecimento da filiação
 Princípio da proteção da infância: a lei deve assegurar o desenvolvimento integral das crianças.
Neste domínio, importa, porventura, referir outros princípios constitucionais que, embora não se ocupem diretamente
das relações familiares, podem ter uma incidência importante na discussão de alguns temas do direito da filiação:
 Direito à identidade pessoal (art. 26º CRP): este direito constitucional comporta duas vertentes essenciais:
 Direito a ter um nome;
 Direito à historicidade pessoal.
 Direito ao desenvolvimento da personalidade (art. 26º CRP): a todos os indivíduos é reconhecida autonomia e
autodeterminação individuais, conferindo-se especial proteção às crianças e jovens (arts. 69º e 70º CRP).
2. Princípios de ordem pública do direito da filiação
2.1 Princípio da verdade biológica
O princípio da verdade biológica exprime a ideia de que o sistema de “estabelecimento da filiação” deve ter como
escopo uma tradução jurídica fiel dos vínculos biológicos. No fundo, pretende-se que a mãe e o pai juridicamente
reconhecidos sejam realmente os progenitores (biológicos) do filho. Como salvaguarda deste princípio, a lei prevê
instrumentos jurídicos de correção, a aplicar aos casos em que a aplicação das normas respeitantes ao
estabelecimento da filiação conduziram a um resultado falso. Permite-se, portanto, a impugnação da paternidade e
maternidade estabelecidas.
O nosso sistema jurídico reconhece tal importância a este princípio que faz prevalecer em face de outros interesses,
como o interesse concreto do filho, a paz das famílias, a estabilidade sócio-afetiva, entre outros.
2.2 Princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação
O princípio da taxatividade dos meios para o estabelecimento da filiação significa que os vínculos de filiação se
estabelecem apenas através dos modos previstos imperativamente na lei, não sendo admissíveis quaisquer acordos
privados. Em termos simplistas, o que se quer afirmar é que não vale aqui o princípio da autonomia privada.

Capítulo II – Estabelecimento da maternidade


1. Generalidades
São concebíveis, no contexto do nosso espaço cultural, 2 modelos de regime para o estabelecimento da maternidade:
A maternidade é decorrência simples do puro facto A maternidade depende de um ato jurídico autónomo
biológico que é o parto de reconhecimento do filho
 A maternidade impõe-se à mãe, na medida em que ela  Abre-se a possibilidade de, por não praticar esse ato, a
não pode deixar de assumir esse estatuto jurídico progenitora rejeitar o estatuto de mãe
Motivações que estão na base deste sistema: Motivações que estão na base deste sistema:
 Respeito incondicional pelo direito do filho ao  Evitar que as mulheres grávidas interrompam a gravidez
estabelecimento dos vínculos de filiação; para não terem de assumir o estatuto de mãe;
 Auto-responsabilização social e familiar;  Ideia de que não é vantajoso para o filho ter uma mãe
 Submissão total do direito ao laços de sangue. “forçada” , que será ausente e desinteressada.
O direito português consagra o primeiro modelo referido, um modelo “biologista”: entre nós, a maternidade resulta
do facto do nascimento, tanto para os filhos das mulheres casadas como das mulheres solteiras (art. 1796º/1 CC).
Em virtude de ser este o sistema adotado entre nós, suscitam-se avultadas dificuldades no que diz respeito à
denominada “maternidade de substituição”: a gestação é levada a termo por uma mulher “hospedeira”, que se oferece
para posteriormente entregar a criança à mulher que pretende o filho mas que, por alguma razão não é capaz de
desenvolver uma gestação. No nosso país, atualmente, não é admissível um “contrato de gestação” válido, por meio
do qual alguém se obriga a entregar uma criança por si gerada a outrem. Entende-se que um contrato com este
conteúdo será contrário à ordem pública (art. 280º/2 CC), bem como ao princípio da taxatividade dos meios de
estabelecer a filiação. Para este entendimento concorre ainda o disposto no art. 1982º/3 CC, nos termos do qual a
mulher que queira entregar o filho para adoção só o pode fazer 6 semanas após o parto.
Secção I – Estabelecimento por indicação ou por declaração no registo civil

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1. Estabelecimento da maternidade por indicação
Refira-se, desde logo, que todos os atos que conduzam ao “reconhecimento administrativo” da maternidade estão
vedados se constar do registo civil um registo de maternidade contraditório – o primeiro registo goza de prevalência
sobre os registos subsequentes (art. 124º/1 CRC).
O estabelecimento da maternidade rege-se pelos arts. 1803º e ss. CC. Os casos normais são aqueles em que a
maternidade é estabelecida por ocasião da feitura do registo de nascimento: a pessoa que fizer a declaração de
nascimento deve identificar a mãe, sendo essa identificação suficiente para que o conservador faça menção do nome
da mãe no assento de nascimento (art. 1803º CC). Não obstante, convém referir as duas possibilidades referidas pela
lei quanto ao estabelecimento da maternidade por mera indicação:
1. O nascimento ocorreu há menos de 1 ano: a maternidade considera-se estabelecida pela simples indicação,
devendo a mãe ser notificada (se não tiver sido ela ou o marido a fazer a declaração) – art. 1804º CC;
2. O nascimento ocorreu há mais de 1 ano: a anormalidade da situação pode implicar algumas cautelas:
a) A mãe é a declarante, estava presente no ato de declaração ou é representada por procurador com
poderes especiais: a maternidade considera-se estabelecida – art. 1805º/1 CC;
b) A mão não é a declarante, nem estava presente no ato de declaração: notifica-se a pretensa mãe para
que ela tenha a oportunidade de se opor (ainda que o silêncio valha como concordância); caso a
mulher indicada como mulher negar a maternidade ou não poder ter sido notificada, não chega a
estabelecer-se a maternidade – art. 1805º/2 e 3 CC.
2. Estabelecimento da maternidade por declaração
Em determinadas situações excecionais, a maternidade pode ser estabelecida num momento posterior ao registo do
nascimento. O meio técnico para desencadear o estabelecimento da maternidade nestas situações é a “declaração de
maternidade” feita pela própria mãe – art. 1806º/1 CC – ou a “identificação” da mãe feita por outra pessoa – art.
1806º/2 CC. Também aqui o legislador entendeu ser preponderante distinguir as hipóteses:
1. Maternidade declarada pela mãe: passa a constar do registo de nascimento a menção à mãe;
2. Maternidade indicada por terceiro: também aqui importa o período decorrido deste o nascimento:
a) O nascimento ocorreu há menos de 1 ano: passa a constar o registo de nascimento a menção à mãe;
b) O nascimento ocorreu há mais de 1 ano: aplicar-se-á o regime dos nºs 2 e 3 do art. 1805º CC.
3. Capacidade para indicar ou declarar a maternidade
A lei não dispõe sobre a capacidade para fazer a indicação ou declaração de maternidade. Poderia pensar-se que, no
silêncio da lei, seria de exigir a capacidade negocial comum. Porém, parece excessivo exigir-se capacidade jurídica
plena neste contexto. Com efeito, para assumir a qualidade de pai, através de perfilhação, basta a capacidade de um
maior de 16 anos que não seja interdito por anomalia psíquica ou demente notório (art. 1850º CC).
Consequentemente, carece de justificação qualquer exigência maior no que respeita à capacidade para fazer a
indicação ou declaração de maternidade. Aliás, parece até defensável exigir menor capacidade para indicar ou declarar
a maternidade do que aquela que é exigida para perfilhar: é mais simples fazer um juízo sobre a autoria do parto e
identificação da mãe do que formas a consciência da paternidade biológica (que é bem mais obscura e incerta). Assim,
entende-se que para indicar ou declarar a maternidade basta a capacidade natural suficiente para entender o
nascimento e identificar a mãe.
Uma crítica que é passível de ser apontada à lei consiste na excessiva facilidade com que, em situações normais, se
estabelece a maternidade. Avulta, talvez, a falta de controlo sobre a veracidade das declarações prestadas,
designadamente quando são prestadas por terceiro. Essa falta de controlo permitirá até a falsa indicação da
maternidade, já que qualquer terceiro o poderá fazer. Evidentemente, exigir-se a comprovação científica do vínculo
biológico entre mãe e filho em todos os casos seria desproporcionado, já que implicaria avultados recursos humanos
e financeiros. Uma versão moderada deste controlo prévio é o feito pelas conservatórias que exigem a exibição de um
documento comprovativo de que a mulher apresentada como mãe teve, realmente, um parto, documento esse
passado pela unidade de saúde onde se deu o parto. Evidentemente, esta solução não permite obviar a todas as
situações de falsificação (por ex.: quando o parto não se dá numa unidade de saúde, ou quando há troca de crianças
na unidade de saúde). Também a lei impõe um obstáculo ao estabelecimento da maternidade que visa obviar a
algumas das situações acima descritas: está vedada a inscrição tardia do nome da mãe, quer através de declaração da
própria quer através de declaração de terceiro, quando o registo já realizado é omisso quanto à maternidade mas
contém a menção à paternidade, sendo a mulher que se pretender declarar como mãe casada com um homem
diferente daquele que figura no registo como perfilhante (art. 1806º/1 in fine CC). Nestas hipóteses, haverá que

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recorrer à via judicial (art. 1824º CC). Esta solução compreende-se uma vez que ao estabelecer-se a maternidade, teria
de se estabelecer automaticamente a paternidade em relação ao marido da mãe (presunção de paternidade – art.
1826º/1 CC), gerando-se um conflito de paternidades.
4. Impugnação da maternidade registada
A veracidade do estabelecimento da maternidade está sujeita a um controlo posterior, através da ação de impugnação
da maternidade – art. 1807º CC.
4.1 Imprescritibilidade
O facto de o direito de impugnar a maternidade não caducar demonstra claramente a prevalência do interesse na
coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica sobre o interesse de estabilidade das situações jurídicas
familiares adquiridas,
4.2 Legitimidade ativa
Têm legitimidade ativa para a proposição da ação de impugnação da maternidade (art. 1807º CC):
 Pessoa declarada como mãe: mesmo na hipótese de ser sido ela a declarar falsamente a maternidade);
 Registado (filho);
 Ministério Público: está aqui patente o interesse do Estado no estabelecimento da filiação biológica;
 Demais pessoas com interesse moral ou patrimonial na procedência da ação: estes sujeitos deverão fazer
prova das circunstâncias de que se infere o seu interesse moral ou patrimonial.
Apesar de a lei omitir a possibilidade de a verdadeira mãe biológica vir impugnar o estabelecimento da maternidade
em relação a outra mulher, é difícil de acreditar que em tais circunstâncias o juiz indefira o pedido da pretensa mãe.
4.3 Legitimidade passiva
A lei não define quem tem legitimidade passiva para esta ação, o que recomendaria, prima facie, a aplicação da regra
geral do art. 26º CPC: seria demandada a pessoa declarada como mãe, bem como o filho, enquanto titulares da relação
material controvertida. Contudo, esta solução deixaria de fora o pai. A entender-se que os vínculos de filiação são
sempre trilaterais, talvez seja justificada a mobilização do art. 1846º/1 CC, relativo à ação de impugnação da
paternidade, o qual manda “demandar a mãe, o filho e o presumido pai”.
5. Averiguação oficiosa
A averiguação oficiosa é um procedimento comum ao estabelecimento da maternidade e da paternidade, estando
regulado nos arts. 1808º a 1813º CC, quanto à maternidade, e nos arts. 1864º e 1865º CC, quanto à paternidade. Este
regime será exposto no enquadramento da matéria do estabelecimento da paternidade.

Secção II – Reconhecimento judicial


1. A ação comum de investigação da maternidade
No caso raro de não ter havido estabelecimento administrativo da maternidade, é possível promover uma ação judicial
destinada a obter uma sentença que declare a maternidade. Nesta matéria importa, desde logo, referir os
pressupostos impostos na lei para que seja possível o recurso a esta ação:
1. Pressuposto negativo – art. 1815º CC: havendo prévio registo de maternidade, a ação idónea é a ação de
impugnação da maternidade, e não a ação de investigação;
2. Pressuposto positivo – art. 1814º CC: não havendo registo prévio, o estabelecimento da maternidade tem de
resultar de ação especialmente intentada pelo filho para esse efeito (portanto, a investigação da maternidade
não poderá ser suscitada como incidente processual no âmbito de uma outra ação).
1.1 Legitimidade ativa
Nos termos já acima desvelados, a ação que nos ocupa pode ser intentada:
 Pelo filho, em nome próprio (se já dispuser de capacidade judiciária para tal) – art. 1814º CC;
 Pelo Ministério Público, em representação do filho (que não tenha capacidade judiciária) – art. 1808º/4 CC.
1.2 Legitimidade passiva, prossecução e transmissão da ação e prazo
Os três pontos referidos – a (1) legitimidade ativa, a (2) prossecução e transmissão da ação e o (3) prazo de proposição
da ação – serão expostos à frente, a respeito da ação de investigação da paternidade, já que o art. 1873º CC manda
aplicar os arts. 1817º, 1818º e 1819º CC a esta última ação.
1.3 Prova da maternidade
A doutrina comum afirma que a prova da maternidade resulta da prova do parto e da identidade do filho: o autor tem
de provar que a pretensa mãe teve um parto e que o pretenso filho é o indivíduo que nasceu desse parto. Como se
compreende, a prova do parto é relativamente fácil, na medida em que é um ato habitualmente testemunhado por

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técnicos ou vizinhos. Já a prova da identidade é mais difícil, porque nem sempre é possível testemunhar o crescimento
do pretenso filho de tal modo que se possa garantir que o adolescente ou adulto de hoje é o indivíduo que nasceu no
parto que está provado. O tribunal poderá, então, socorrer-se de presunções ou indícios que o ajudem a formar uma
convicção séria acerca da identidade do filho. É seguramente possível demonstrar o vínculo biológico através de
exames científicos que, independentemente da prova do parto e de demais tentativas de fazer prova da identidade
do filho, podem convencer facilmente o tribunal acerca da presença ou ausência do vínculo de maternidade. De facto,
hoje não há qualquer razão para considerar a prova do parto e da identidade do filho como necessária, se for possível
provar a maternidade diretamente, por meio de testes científicos.
O art. 1806º/2 CC, com o intuito de facilitar a prova aqui exigida, estabelece duas presunções:
a) O autor presume-se filho se demonstrar que viveu em estado de filho, sendo reputado como tal pelo público;
b) O autor presume-se filho se apresentar um escrito no qual a pretensa mãe declare a maternidade.
Qualquer destas presunções pode ser ilidida pela ré, através da demonstração de factos que suscitem “dúvidas sérias”
acerca do vínculo de maternidade (art. 1816º/3 CC).
2. Ação especial de investigação da maternidade
Os arts. 1822º e ss. CC regulam a ação (especial) de investigação nas hipóteses em que a pretensa mãe é casada. Estas
normas consagram algumas especificidades em face do regime geral apresentado.
2.1 Legitimidade ativa
Nos termos dos arts. 1822º/2, 1824º/1 e 1810º CC, têm legitimidade ativa para intentar esta ação especial:
 O marido da pretensa mãe (durante a menoridade do filho);
 A pretensa mãe;
 Ministério Público.
O eventual interesse do marido da pretensa mãe em intentar esta ação poderá consistir na pretensão daquele em
fazer valer a presunção de paternidade a seu favor (art. 1823º/2 CC) ou, ao invés, em ilidir a presunção de paternidade
que sobre si recai (art. 1823º/1 CC). A lei manifesta aqui a preocupação em trazer a juízo todos os interessados no
esclarecimento global dos vínculos de filiação materna e paterna, criando-se assim as condições para o
estabelecimento da paternidade verdadeira, além da fixação da maternidade.
Ao atribuir legitimidade ativa também à pretensa mãe, o legislador pretendeu evitar que esta pudesse, com a simples
declaração de maternidade junto do funcionário do Registo Civil, fazer operar imediatamente a presunção de
paternidade marital (art. 1826º/1 CC), suscitando um conflito de paternidades – esta situação é, aliás, como já foi
referido, proibida pela parte final do art. 1806º/1 CC. Em tais circunstâncias, suscitam-se suspeitas sobre a verdade
dos facto, pelo que se entende ser necessário o recurso a uma ação judicial que envolva todos os envolvidos, de modo
a resolver o conflito de paternidade entre o marido e o perfilhante.
2.2 Legitimidade passiva
No que respeita à legitimidade passiva, deve ser demanda a pretensa mãe, bem como o marido da investigada (art.
1822º/1 CC), o que possibilitará o estabelecimento da paternidade em relação a este último ou, sendo caso disso, a
impugnação da paternidade presumida (art. 1823º CC). Nestes termos, evita-se que o marido da pretensa mãe tenha
de propor uma subsequente ação autónoma para impugnar a paternidade que lhe foi atribuída por efeito automático
da presunção do art. 1826º/1 CC aquando do estabelecimento da maternidade.
Pode acrescer ainda que o filho tenha sido perfilhado por pessoa diversa do marido da mãe. De facto, sendo omisso o
registo quanto à maternidade, não opera a presunção de paternidade (art. 1826º CC), pelo que era possível um
terceiro, que não o marido da investigada, declarar-se como pai. Em tais circunstâncias, a posterior ação de
investigação da maternidade deverá ainda ser dirigida contra o perfilhante, na medida em que o eventual
estabelecimento da maternidade que daí advier irá influir sobre a paternidade também.
Antunes Varela critica esta solução legal por impor a demanda do marido da mãe com base nos seguintes argumentos:
× O marido será levado a impugnar a paternidade em casos em que ele espontaneamente não o faria;
× Fazendo concorrer o perfilhante e o marido na descoberta da paternidade verdadeira, a lei parece dar
preferência à paternidade do marido, em caso de dúvida (art. 1823º/2 CC).
Pereira Coelho contrapõe estas críticas, apontando os seguintes motivos justificadores da opção legislativa:
 A Reforma de 1977 foi no sentido de valorizar o princípio da verdade biológica em detrimento da paz interna
da família e da estabilidade das relações familiares;
 Apenas raramente não será possível estabelecer decisivamente a paternidade biológica, designadamente
tendo em consta os meios científicos disponíveis;

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2.3 Impugnação da paternidade do marido
A primeira nota a apontar é a de que a esta impugnação, permitida pelo art. 1823º CC, são aplicáveis as regras previstas
para a autónoma ação de impugnação da paternidade (arts. 1838º e ss. CC). No fundo, é como se o pedido de
impugnação da paternidade fosse enxertado na ação de investigação da maternidade, mas sem que as suas regras
fundamentais se modifiquem.
Ora, poderá perguntar-se, pertinentemente, qual o sentido da palavra “sempre” no contexto do art. 1823º/1 CC. Não
parece ser razoável entender-se que a impugnação pode ser admitida em qualquer caso. Também não é claro que
aquele advérbio pretenda admitir a impugnação a todo o tempo. Isto porque, nos termos do art. 1842º/1/b) CC
(aplicável porquanto se aplicam todas as disposições relativas à ação de impugnação da paternidade – arts. 1838º e
ss. CC), o direito de impugnar a paternidade conferido à mãe caduca após 2 anos decorridos sobre o nascimento. O
advérbio “sempre” não autoriza a mãe a impugnar a todo o tempo, pois a lei consagra um limite próprio ao direito
desta. Apesar de tudo o que foi dito, entende-se que a inclusão do vocábulo a que nos referimos na letra da norma
tem um sentido útil: explicita que a impugnação da paternidade pode ser admitida em qualquer estado da causa.
Portanto, até ao momento em que é lavrada a sentença, é possível a impugnação da presunção de paternidade.
Quanto à legitimidade ativa para impugnar a paternidade do marido, impõe-se, porventura, uma adaptação das regras
gerais. Entende-se que não basta a legitimidade geral consagrado no art. 1841º CC (nos termos do qual, qualquer
terceiro pode vir declarar-se pai, cabendo ao Ministério Público, em tais casos, propor a ação adequada à impugnação
da paternidade marital). Ora, entende-se que a posição do perfilhante, no contexto de uma ação de investigação da
maternidade, deva ser mais forte do que aquela que é atribuída a um terceiro numa ação de impugnação da
paternidade quando estão determinados tanto o pai como a mãe. Parece não injusto e inadequado vir-se colocar o
pedido de impugnação da paternidade no contexto específico a que nos reportamos na dependência do Ministério
Público. O perfilhante tem um interesse sério, pois havia já sido estabelecida a paternidade em relação à sua pessoa
e essa paternidade é agora ameaçada como resultado do funcionamento de uma presunção legal. Consequentemente,
ele não é um mero “terceiro”, mas sim um indivíduo concretamente envolvido.
3. Conflitos de maternidade
Não é de esperar que se verifiquem conflitos de maternidade, não só pelo caráter ostensivo do parto, mas também
porque a maternidade resulta do facto do nascimento. Os conflitos que eventualmente possam vir a surgir
reconduzem-se a três hipóteses:
 Alguém declara o nascimento e indica a maternidade e, posteriormente, uma outra mulher pretende fazer
uma declaração de maternidade em seu favor em relação ao mesmo filho;
 Após o estabelecimento normal da maternidade, o filho pretende intentar uma ação de investigação da
maternidade contra uma mulher diferente da que consta como sua mãe;
 Estando em curso uma ação de investigação contra uma mulher, uma outra pretende fazer declaração de
maternidade em seu favor.
O art. 1815º CC impede qualquer ação de investigação da maternidade em contradição com um registo anterior.
Depois, parece ser de aplicar analogicamente a estas situações o disposto nos arts. 1848º/2 e 1863º CC.

Capítulo III – Estabelecimento da paternidade


1. Generalidades
O regime do estabelecimento da paternidade pode considerar-se, ao invés do estabelecimento da maternidade, dual:
Filho concebido/nascido na constância do matrimónio Filho concebido/nascido fora do matrimónio
Presunção de paternidade – arts. 1826º a 1846º CC (1) Perfilhação ou (2) decisão judicial em ação de
[pater is est quem nuptias demonstrant] investigação – arts. 1847º a 1873º CC
Sublinhe-se que esta distinção não significa, de modo algum, a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento,
a qual é expressamente proibida pela Lei Fundamental. A distinção invocada pela lei traduz a diferença entre as
situações de facto, e o próprio princípio da igualdade impõe um tratamento igual para o que é igual, e um tratamento
diferente para o que é diferente, ainda que na justa medida da diferença. Nos termos da lei, os efeitos da paternidade
são iguais nas duas situações, é apenas o modo de estabelecimento da paternidade que difere.
NOTA: apesar de este ser o regime-regra, a verdade é que há um caso em que a paternidade tem de estabelecer-se
por reconhecimento apesar da mãe ser casada -> caso o filho nasça mais de 300 dias depois do trânsito em julgado da
sentença que declarou a separação judicial dos pais, sem que tenha havido reconciliação, cessa a presunção de
paternidade (art. 1829º CC).

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Secção I – Presunção da paternidade do marido da mãe
Subsecção I – O pai é o marido da mãe
1. Generalidades
Nos termos do art. 1826º/1 CC: “presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio da mãe
tem como pai o marido”.
Esta presunção, tradicional do âmbito do direito da filiação, assenta na probabilidade forte de o marido da mãe ser o
autor da fecundação, de acordo com as regras da normalidade e experiência.
2. Âmbito de aplicação da presunção
A presunção de paternidade expedida funciona relativamente:
1. Ao filho concebido antes do casamento e nascido durante o matrimónio;
2. Ao filho nascido e concebido durante o matrimónio;
3. Ao filho concebido durante o matrimónio e nascido após a sua dissolução.
Embora a segundo hipótese seja a mais frequente, a verdade é que as outras duas situações também se verificam com
alguma frequência na prática. Importa, então, determinar o exatos termos em que funciona a presunção nesses casos:
Hipótese 1. Casamento Hipótese 3.

180 dias 300 dias

Como demonstrado graficamente, a presunção de paternidade cessa nos seguintes termos:


1. Relativamente ao filho nascido dentro dos 180 dias posteriores à celebração do casamento, se a mãe ou o
marido declararem no ato de registo que o marido não é o pai (art. 1828º CC).
 Isto significa que, se o filho nascer após 180 dias a contar da data da celebração do casamento,
mesmo que tenha sido concebido antes do casamento, a presunção de paternidade tem aplicação.
3. Relativamente ao filho nascido passados 300 dias da cessação da coabitação dos (ex-)cônjuges, sendo que o
momento da cessão da habitação é identificado de acordo com o nº 2 do art. 1829º CC.
 Consequentemente, a presunção continuará a aplicar-se se o filho, concebido na constância do
matrimónio, nascer dentro dos 300 dias subsequentes à cessação da coabitação.
NOTA: ao filho que não seja concebido nem nasça durante o casamento, ainda que entre um e outro momento e mãe
tenha sido casada, não se aplicará a presunção de paternidade.
A presunção de paternidade também não se aplica aos filhos nascidos por inseminação da mulher, depois da morte
do marido, com sémen deste, pois tanto a conceção como o nascimento operam após a dissolução do casamento por
morte. No entanto, a presunção de paternidade já se aplicará nas hipóteses de implantação post mortem de um
embrião produzido antes do falecimento do marido.
A Lei nº 7/2001 não estendeu a presunção de paternidade àquele que viva em união de facto com a mãe, pelo que a
paternidade se estabelecerá, em tais casos, mediante perfilhação, reconhecimento judicial ou averiguação oficiosa.
2. Fundamento e natureza da presunção
A presunção legal que nos ocupa, como todas as demais presunções legais, assenta num juízo de probabilidade: o
legislador resolve um facto desconhecido (saber quem é o pai) a partir de circunstâncias conhecidas (os nascimentos
de mão casada), recorrendo aos princípios de normalidade patentes.
No específico contexto que nos ocupa, esta presunção permite evitar a apreciação da paternidade caso a caso, já que
ela não pressupõe um concreto litígio – porque esta é uma presunção legal, e não uma presunção judicial, a sua
operância não tem lugar apenas nos casos em que a questão é levantada num processo.
Como é evidente, esta é uma presunção ilidível. Admite-se, de facto, uma zona de erro possível, a qual abrange as
situações (menos prováveis) em que o marido da mãe não é o pai. Nesses casos, admite-se a correção do erro,
mediante prova em contrário.
3. Menção obrigatória da paternidade
A paternidade do marido da mãe é a paternidade verdadeira, para todos os efeitos, enquanto não for provado o
contrário. Daí que, mesmo antes de constar do registo, já os serviços do registo estão obrigados a fazer a respetiva
menção, pelo que se devem negar a aceitar a declaração de que o pai é incógnito, ou aceitar uma perfilhação
incompatível (art. 1835º/1 CC 1ª parte). As exceções que libertam o funcionário do Registo do dever de inscrever no
assento de nascimento a paternidade do marido têm de estar previstas na lei. Concretamente, a parte final do nº 1 do
art. 1835º CC refere duas exceções: as hipóteses reguladas nos arts. 1828º e 1832º CC. Em tais casos, o funcionário do

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Registo deixa de estar obrigado a fazer menção ao marido da mãe como pai. Além destas hipóteses, outras há
reguladas na lei. Faltando o conhecimento de que a mãe é casada, a lei comete ao funcionário do registo a obrigação
de proceder, oficiosamente, à menção da paternidade do marido, logo que o casamento da mãe ingresse no registo
(art. 1835º/2 CC). Nos demais casos em que a menção da paternidade do marido não seja efetuada por lapso, tanto o
Ministério Público, como o funcionário do Registo, como ainda qualquer outro interessado, podem requerer que se
mencione a paternidade do marido (art. 1836º CC).
4. Casos de cessação da presunção
Os arts. 1828º, 1829º e 1832º CC ocupam-se dos casos em que a lei não impõe a presunção de paternidade do marido
da mãe, embora a conceção ou o nascimento do filho se tenham verificado durante a constância do matrimónio:
 A conceção deu-se antes do casamento e o nascimento antes de decorridos os primeiros 180 dias do
casamento: a presunção pode ser afastada por declaração da mãe ou do marido (art. 1828º CC); em tais casos,
fica, logicamente, aberto o caminho para o reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade de um
terceiro, ou até do próprio marido, no caso de ele estar em desacordo com a mãe.
 O nascimento deu-se já haviam passado 300 dias após a cessação da coabitação, em decorrência de divórcio
ou de separação (art. 1829º/1 CC): a lei distingue duas hipóteses quanto ao momento em se entende ter
cessado a coabitação nestas hipóteses (de divórcio ou separação) – art. 1829º/2/a) e b) CC:
Por mútuo consentimento Sem consentimento de um dos cônjuges
A coabitação considera-se terminada na data da A coabitação considera-se terminada na data da
(primeira) conferência citação do réu
[NOTA: a referência à “primeira” conferência é um lapso do legislador, já que após a Reforma de 1977 há apenas uma
conferência (e não duas, como no regime anterior à Reforma).]
 O nascimento deu-se 300 dias após as últimas notícias do marido ausente (art. 1829º/1/c) CC): esta
possibilidade pressupõe que esteja em curso:
 Processo de normação de curador provisório (arts. 89º e ss. CC);
 Processo de justificação de ausência (arts. 99º e ss. CC);
 Processo de declaração de morte presumida (arts. 114º e ss. CC).
 A mãe, na declaração de nascimento, menciona não ser o marido o pai do filho: esta situação verifica-se,
frequentemente, quando cônjuges se encontram separados de facto (art. 1832º CC).
Quanto à questão da identificação do momento de cessação da coabitação, a lei permite que o momento relevante
seja fixado pelo juiz, na sentença, quando esse facto se reporta a uma data anterior à citação do réu (art. 1829º/2/b)
in fine CC). Pode acontecer que a presunção de paternidade do marido seja mencionada no assento de nascimento e,
posteriormente, uma vez proposta uma ação de divórcio ou separação, a sentença venha a fixar o termo da coabitação
conjugal numa época anterior à conceção do filho. Em face dos novos dados, a menção da paternidade deve ser
retificada, com base no art. 1836º/2 CC. Pode dizer-se que a necessidade de alterar o registo é suscitada por uma
“nova verdade legal”, oposta àquela a que o registo atendera no momento em que foi lavrado.
5. Renascimento da presunção de paternidade
A lei prevê meios de reestabelecer a presunção de paternidade, reconhecendo que, apesar dos motivos que fundam
o seu afastamento, o marido da mãe sempre poderá, ainda assim, ser o pai. O chamado “renascimento da presunção”
não se destina, então, a provar que o marido é o pai; o que se pretende é, isso sim, demonstrar que, apesar das
circunstâncias, há suporte bastante para o funcionamento normal da presunção de paternidade.
Segundo o art. 1831º CC, a legitimidade para intentar a ação de renascimento da presunção cabe a qualquer dos
cônjuges ou ao filho. Quanto ao lado passivo da ação, o legislador não definiu uma regra. Parece ser de aplicar
analogicamente o art. 1846º CC: devem ser chamados a responder a mãe, o filho e o marido da mãe, quando não
figurem como autores.
No que diz respeito aos facto considerados pela lei como relevantes para fazer renascer a presunção de paternidade,
refere-se a comprovação de que (1) existiram relações entre os cônjuges, (2) no período legal de conceção, que (3)
tornem verosímil a paternidade do marido. Do que foi dito a doutrina tem vindo a retirar duas importantes conclusões:
 Só relevam as relações íntimas entre os cônjuges que se tenham traduzido em encontros sexuais (pois o que
se pretende resolver é a questão da procriação);
 Bastam as relações sexuais, não sendo necessária uma verdadeira reconciliação dos cônjuges (porquanto a
procriação não depende da reconciliação).

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A verosimilhança da paternidade é o elemento cuja prova se pode tornar mais difícil. Os próprios termos da lei excluem
que baste a simples possibilidade de o marido ser o pai. Parece ser necessária a convicção relativamente segura acerca
do provável estabelecimento de um nexo causal entre as relações sexuais demonstradas e a paternidade. Nos termos
da lei, além da prova das relações e da verosimilhança da paternidade, impõe-se ainda a demonstração de que aquelas
relações ocorreram no período legal de conceção.
De acordo com a parte final do nº1 do art. 1831º CC, o renascimento da presunção pode também basear-se na
demonstração de que o filho beneficiou, na ocasião do nascimento, da posse de estado relativamente a ambos os
cônjuges. Evidentemente, esta posse de estado deverá prolongar-se durante um lapso de tempo suficiente para a
consolidação dos seus elementos constitutivos: reputação e tratamento pelos pais e reputação pelo público.
Na medida em que o réu se propuser discutir e negar a paternidade do marido na ação de renascimento da presunção,
importa perguntar se o decurso dos prazos de caducidade normais, que valem para a impugnação da paternidade,
constituem obstáculo. O melhor entendimento a retirar do enquadramento legal é o de que o interessado em negar
a paternidade do marido deve poder fazê-lo qualquer que seja o momento em que for chamado a defender-se numa
ação de renascimento da presunção (pois antes desse momento, não havendo sido estabelecida a paternidade, não
tinha interesses em impugná-la); se não o fizer nesse momento, começará a correr o prazo geral de caducidade
estabelecido no art. 1842º/1 CC, mas só a partir do estabelecimento da paternidade (já que antes desse momento,
não há paternidade que seja passível de impugnação).
Um outro aspeto digno de consideração é a posição do eventual perfilhante. De facto, a circunstância de ter cessado
a presunção de paternidade do marido dá ensejo para o filho ser reconhecido por um terceiro. Sendo proposta uma
ação de renascimento da presunção, surge um conflito potencial de paternidades. Em tais casos, a lei manda citar o
perfilhante no contexto da ação de renascimento (art. 1831º/3 CC). O papel que se pretende assumido pelo perfilhante
demandado é alvo de controvérsia:
a) O perfilhante seria chamado só para oferecer prova que contrariasse a posse de estado de filho de ambos ou
a verosimilhança da paternidade;
b) O perfilhante teria faculdade, não só de contestar os factos alegados pelo autor, mas também de alegar e
provar novos factos de que resultasse que o marido da mãe não é o pai – o insucesso da tentativa e
procedência da ação de renascimento da presunção levariam à retificação do registo em favor da paternidade
presumida [posição adotada pelo Curso].
c) O perfilhante seria demandado como sujeito de um “conflito de paternidades”, cabendo ao tribunal e às partes
determinar a paternidade biologicamente verdadeira – em princípio, manter-se-ia o registo já realizado, salvo
se a veracidade desse registo fosse excluída (repondo-se, assim, a presunção).
Pode estranhar-se não ter sido definido um prazo para se intentar a ação de “renascimento da presunção de
paternidade”. Esta é uma, de facto, uma falha a apontar ao legislador – por uma razão de coerência do sistema, deveria
ter sido previsto um prazo para a proposição desta ação.

Subsecção II – A ação de impugnação da paternidade


! Assente-se, desde já, o seguinte: a ação de impugnação da paternidade supõe que a presunção da paternidade do
marido, constando o nome do marido da mãe como pai, no registo de nascimento do filho.
Intervenção judicial quanto ao estabelecimento da paternidade
Houve estabelecimento administrativo Não houve estabelecimento administrativo da paternidade [o registo de
da paternidade nascimento é omisso quanto ao nome do pai]
Ação de impugnação da paternidade Reconhecimento judicial Averiguação oficiosa
1. Filhos concebidos dentro do casamento
1.1 Legitimidade ativa
Nos termos do art. 1839º/1 CC, têm legitimidade ativa para a proposição da ação de impugnação da paternidade (1)
o marido da mãe, (2) a mãe, (3) o próprio filho e (4) o Ministério Público, em representação daquele que se declarar
pai natural (art. 1841º CC). .
1.2 Prossecução e transmissão da ação
Pode dar-se o caso de um sujeito legitimado para intentar a ação morrer sem a ter intentado, ou morrer durante o
curso da ação. Para tais casos, a lei estabelece quem poderá tomar o lugar dele (art. 1844º CC):
 Morte do presumido pai: a legitimidade transmite-se ao cônjuge que não seja a mãe do filho e a todos os
descendentes que sejam igualmente descendentes da mulher;

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 Morte da mãe: a legitimidade transmite-se aos parentes em linha reta (descendentes e ascendentes);
 Morte do filho: a legitimidade transmite-se ao cônjuge do filho e seus descendentes.
O nº 2 do art. 1844º CC estabelece novos prazos de caducidade para estas hipóteses: 90 dias a contar desde o
momento da morte dos titulares do direito de impugnação judicial.
O legislador equiparou a morte do titular do direito de agir à sua ausência justificada (art. 1845º CC): verificando-se a
ausência justificada (art. 99º CC) do titular daquele direito, aplicar-se-á o regime exposto para o caso de morte. No
entanto, o prazo aplicável nestas hipóteses é de 180 dias.
1.3 Legitimidade passiva
Nos termos do art. 1846º CC, devem ser demandados a mãe, o filho e o presumido pai, sempre que não sejam os
autores. O filho demandado que seja menor não emancipado será representado por um curador especial (art.
1846º/3).
1.4 Objeto do processo
Segundo o art. 1839º/2 CC, o autor da ação de impugnação da paternidade deverá fazer prova de que “a paternidade
do marido da mão é manifestamente improvável”. Esta norma parece prosseguir dois objetivos:
1. Não se exige uma certeza absoluta (exige que a paternidade seja “improvável”, pelo que não se impõe a prova
de que a paternidade é “impossível");
2. Exige-se que a improbabilidade seja, in casu, manifesta, forte, evidente.
1.5 Prazos para a propositura da ação
Os prazos para a impugnação da ação constam do art. 1842º CC:
 Ação intentada pelo marido: 3 anos a contar desde o momento em que são conhecidas as circunstâncias que
permitiriam, ao homem médio, deduzir a sua não paternidade;
 Ação intentada pela mãe: 3 anos a contar do nascimento do filho;
 Ação intentada pelo filho: 10 anos após a maioridade/emancipação, ou, caso se prove que ele só teve
posteriormente conhecimento das circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe,
então o prazo é de 3 anos a partir desse momento.
O art. 1842º CC não se refere ao Ministério Público, nas hipóteses em que ele impugna a ação a requerimento do
presumido pai. Não obstante, haverá que mobilizar o art. 1841º CC, nos termos do qual o requerimento a remeter
pelo presumido pai ao Ministério Público deve ser submetido no prazo de 60 dias a contar da data em que a
paternidade do marido da mãe consta do registo (nº 2). Evidentemente, a referida menção ao marido da mãe no
registo do nascimento do filho verificar-se-á no momento em que é estabelecida a maternidade, por decorrência da
presunção de paternidade.
1.6 O caso especial da impugnação antecipada
A Reforma de 1977 introduziu no nosso sistema a chamada “impugnação antecipada”: não estando ainda estabelecida
a maternidade (o que implica que ainda não tenha sido desencadeado o efeito da presunção de paternidade), o marido
da mãe pode formular o pedido de impugnação da sua paternidade (art. 1843º CC).
1.7 O caso especial da inseminação com dador
O art. 1839º/3 CC prevê a hipótese de ter havido um acordo entre os cônjuges no sentido de a mulher recorrer à
procriação medicamente assistida com esperma de um dador. Nestas circunstâncias, não é admitido aos cônjuges a
impugnação da paternidade. Esta solução surge como meio de salvaguardar a firmeza e seriedade do acordo firmado
entre os cônjuges, de modo a não sujeitar o filho a alterações familiares penosas. Esta restrição não vale, porém,
relativamente ao filho, que mantém o direito de impugnar nos termos gerais.
2. Filhos concebidos antes do casamento
O art. 1840º CC refere-se especificamente à impugnação da paternidade do filho nascido antes do casamento. Nos
termos do nº 1 desse preceito, o marido da mãe (ou a mãe) cujo filho nasceu dentro dos 180 dias seguintes à data do
matrimónio pode destruir a atribuição legal da paternidade mediante simples prova das datas do casamento e do
nascimento. No fundo, não se exige a prova da manifesta improbabilidade da paternidade, bastando que o marido da
mãe, ou a própria, venha demonstrar que apesar do nascimento se ter dado já durante o casamento, a conceção teve
lugar anteriormente. Esta simplicidade justifica-se na medida em que a atribuição da paternidade ao marido da mãe
não reveste, nestas hipóteses, uma probabilidade tão forte como nos casos em que a própria conceção se deu já
durante o casamento. A presunção de paternidade encontra-se, nestes casos, enfraquecida.

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Sublinhe-se, contudo, que esta impugnação tem que operar judicialmente. Com efeito, havendo um registo de
nascimento, do qual consta a maternidade e paternidade (por aplicação da presunção legal), a destruição da referência
à identidade do marido da mãe como pai
só pode ter lugar através de um meio judicial especificamente criado para esse efeito; não é, então, possível destruir
a presunção mediante simples declaração emitida perante o funcionário do Registo Civil.
Nos termos da parte final do nº 1 do art. 1840º CC, há situações cuja verificação preclude o direito de impugnação:
 Conhecimento anterior da gravidez;
 Consentimento prestado, pelo marido da mãe, em relação à inscrição do filho como seu no ato de registo;
 Reconhecimento da paternidade.
Como se compreende, a verificação de qualquer destes factos altera radicalmente a força da atribuição legal da
paternidade: a presunção passa a assumir, ao invés do que verificava na situação acima exposta, uma força bem maior.
De facto, nestas hipóteses, as regras da experiência e normalidade induzem a crer que o marido da mãe está convicto
da sua responsabilidade pela conceção, ainda que anterior ao casamento. Como é lógico, estes factos perdem o seu
valor quando forem invalidados por vícios da vontade, nos termos prescritos no nº 2 do art. 1840º CC. Noutro prisma,
a verificação de quaisquer daqueles factos não preclude a possibilidade de impugnação da paternidade nos termos
gerais do art. 1839º CC.

Secção II – Reconhecimento voluntário por perfilhação


1. O ato de perfilhação
1.1 Conceito e carateres da perfilhação
O reconhecimento jurídico da paternidade fora do casamento (portanto, nas hipóteses em que não opera a presunção
de paternidade) faz-se, normalmente, através do ato de perfilhação.
= Ato jurídico através do qual um indivíduo se apresenta como progenitor de um filho que ainda não tem
paternidade estabelecida.
As princípios caraterísticas do ato de perfilhação são as seguintes:
 Ato jurídico unilateral não-recetício: a mera atividade do perfilhante é suficiente para a perfeição e validade
do ato, não sendo sequer exigível que a perfilhação seja levada ao conhecimento do perfilhado para que os
seus efeitos se produzam [Excecionalmente, a eficácia da perfilhação pode depender do assentimento do perfilhado
no caso de este ser maior de idade ou emancipado. Isto sem prejuízo de o ato de perfilhação ser plenamente válido com
a mera declaração de vontade do perfilhante; o que está em causa é a eficácia do ato e não a sua validade como ato
unilateral – art. 1857º CC.].
 Ato pessoal: o caráter pessoal do ato de perfilhação compreende duas dimensões (art. 1849º CC):
 Não se destina a constituir, modificar ou  O ato deve ser praticado pelo próprio
extinguir relações de natureza patrimonial progenitor, e não por outra pessoa no seu lugar
(salvo representação voluntária)
 Ato livre: a perfilhação deve ser praticada por quem tiver uma vontade esclarecida e com liberdade exterior –
portanto, implica a não verificação de uma divergência entre a vontade e a declaração e a inexistência de
vícios da vontade (art. 1849º CC).
Neste contexto pergunta-se: será o perfilhante livre de perfilhar ou recairá sobre ele um dever jurídico de
perfilhar quando saiba ser o responsável pela conceção?
A favor da existência de um verdadeiro dever de perfilhar, podem apontar-se os seguintes argumentos:
1. O filho tem direito à identidade e integridade pessoais (arts. 25º e 26º CRP), o que implica um direito
à constituição do estado de filho de alguém;
2. O sistema estabelece a obrigação de averiguar oficiosamente a paternidade que reste incógnita no
assento de nascimento, o que significa que a descoberta da paternidade constitui um interesse público
de relevo (o que é confirmado pelo princípio da verdade biológica);
3. Entende-se não ser admissível a consagração deste tipo de diferenças entre o regime de
estabelecimento da paternidade e de estabelecimento da maternidade.
 Ato puro e simples: o ato de perfilhação não pode comportar cláusulas que limitem ou modifiquem os efeitos
que a lei lhe atribui (ex.: condição ou termo) – art. 1852º CC.
 Ato irrevogável: após ter sido praticado, o ato de perfilhação não pode ser revogado (art. 1858º CC), de modo
a assegurar a certeza jurídica indispensável em matéria de estados pessoais.

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1.2 Capacidade para perfilhar
Ao abrigo do art. 1850º CC, para perfilhar basta a consciência das relações sexuais fecundantes e a convicção da
paternidade. Portanto, o perfilhante não precisa de ter mais do que a capacidade natural para entender e querer o
ato de perfilhação. Daí que não possa perfilhar quem for interdito por anomalia psíquica ou demente notório. A fixação
de uma idade mínima a partir da qual se presume a maturidade suficiente para a prática do ato – 16 anos – envolve
algum arbítrio da parte do legislador. De facto, não há uma idade a partir da qual se possa afirmar que todas as pessoas
têm o entendimento e maturidade exigidos; a idade indicada na lei decorre das regras da experiência, não sendo
portanto condição suficiente.
O nº 2 do art. 1850º CC dispensa certas autorizações que a lei exige para a prática de atos comuns do tráfego jurídico
ou para a elaboração de atos especiais (casamento de menores).
1.3 Forma da perfilhação
A perfilhação pode ser feita sob várias formas (art. 1853º CC):
 Declaração prestada perante o funcionário do Registo Civil;
 Testamento; A inobservância de uma destas formas
 Escritura pública; implica a nulidade do ato de perfilhação.
 Termo lavrado em juízo.
Sendo o ato de perfilhação nulo, por vício de forma, o perfilhante sempre poderá renovar o ato segundo uma das
formas prescritas. Na hipótese de estar impedido de o fazer, será útil que a perfilhação nula valha como simples escrito
do pai para efeito de investigação.
A perfilhação perante o funcionário do registo civil é a forma mais comum, tendo lugar, as mais das vezes, no próprio
momento em que é lavrado o registo de nascimento. Também a perfilhação feita por testamento é, de certa forma,
frequente, uma vez que o perfilhante assegura desta forma que a sua identidade se mantenha secreta até ao momento
da sua morte. No que diz respeito à escritura pública, vale aqui qualquer escritura que possa ser aproveitada para
fazer um reconhecimento voluntário (por ex.: doação aos filhos). Por fim, a perfilhação através de termo lavrado em
juízo corresponde àquelas hipóteses em que o progenitor confirma a paternidade no curso de uma averiguação
oficiosa (art. 1865º/2 e 3 CC).
1.4 Tempo da perfilhação
Sendo a perfilhação o modo normal, pacífico, de estabelecer a paternidade fora do casamento, a lei permite que ela
seja feita a todo o tempo, mesmo que o filho ainda não tenha nascido ou já tenha morrido (art. 1854º CC).
1.5 Perfilhação de nascituro
A perfilhação do nascituro justifica-se pelo desejo de assegurar o reconhecimento da paternidade contra o risco da
morte do pai durante a gravidez ou o risco de o progenitor se desinteressar do filho. Porém, a perfilhação nestes
termos deverá assentar num juízo sério, pelo que a lei impõe alguns requisitos à sua admissibilidade:
a) O reconhecimento só pode ter lugar após a conceção;
b) O perfilhante deve identificar a mãe, pois não é possível a identificação do filho que se pretende perfilhar.
O controlo destes requisitos, nomeadamente do primeiro, terá lugar aquando do registo do nascimento: neste
momento o conservador já tem conhecimento da data do nascimento, pelo que poderá avaliar, tendo em conta os
prazos prescritos na lei (mormente, o prazo do art. 1800º/1 CC), se a perfilhação se deu já após o momento previsível
da conceção. Com base nos dados de que dispõe, o conservador decidirá:
Estão respeitadas as exigências legais A perfilhação parece ter sido anterior à conceção
A situação é comunicada ao Ministério Público, para:
A perfilhação é considerada válida e eficaz  Ser promovida a invalidação do ato de perfilhação;
 Ser intentada a ação judicial tendente à averiguação da verdade.
1.6 Perfilhação de filho maior
O art. 1857º CC exige o assentimento do filho maior, ou dos descendentes maiores ou emancipados do filho pré-
defunto, para a eficácia da perfilhação. Nestes termos, como foi já referido, a perfilhação do filho maior é sempre
válida, sendo o assentimento apenas uma condição de eficácia.
Em face das razões que justificam este regime, não tem qualquer sentido facultar ao perfilhante um direito de impor
o estabelecimento da paternidade, por via judicial, no caso de o filho rejeitar a perfilhação. De facto, o interesse do
filho maior parece prevalecer, neste contexto, sobre um eventual juízo de verdade biológica.
A lei do Registo Civil não determina, em princípio, qualquer prazo de caducidade para o filho dar o seu assentimento
(art. 131º/1 CRC). No entanto, se algum interessado demonstrar interesse em definir rapidamente a situação, poderá

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estimular a decisão do perfilhado, através de notificação judicial que imporá ao filho uma resposta no sentido do
assentimento ou rejeição da perfilhação no prazo de 30 dias, sob pena de o silêncio valer como aceitação.
A lei admite que o filho maior ou os descendentes maiores de filho pré-defunto dêem assentimento através de
representante legal, no caso de serem interditos.
Pode pôr-se a questão de saber o que acontece se o filho maior morrer sem ter assentido ou rejeitado a perfilhação.
Entende-se que se impõe nesta matéria uma distinção:
 O filho pré-morto deixou descendentes: na hipótese de os descendentes serem maiores ou emancipados, o
direito de assentir ou rejeitar transmite-se a eles;
 O filho pré-morto não deixou descendentes: a perfilhação torna-se eficaz no momento da morte do perfilhado,
como se tivesse sido feita após a sua morte.
Quanto à forma de prestar o assentimento, o legislador admitiu uma forma menos solene do que a exigida para o ato
de perfilhação: documento autêntico ou autenticado (art. 1857º/1/b) CC).
1.7 Perfilhação de filho pré-morto
A perfilhação é admitida mesmo depois da morte do filho (art. 1856º CC). Esta possibilidade pode parecer estranha,
na medida em que, por um lado, o filho não terá qualquer benefício com o estabelecimento da paternidade e, por
outro, o filho vai adquirir um estado jurídico já depois de se ter extinguido a sua personalidade jurídica (art. 68º/1 CC).
A nossa lei consagra esta hipótese com base na ideia de que o reconhecimento se limita a exprimir juridicamente uma
realidade biológica indelével que ocorreu, mas teve o cuidado de impedir que o perfilhante retire vantagens
(patrimoniais) desta situação. Portanto, a perfilhação só é válida e eficaz em relação aos descendentes do perfilhado,
não sendo o perfilhante herdeiro do filho falecido.
2. Anulação da perfilhação
2.1 Por incapacidade
A perfilhação feita por um incapaz é um ato praticado por quem não tem condições para formar um juízo ponderado
sobre a autoria da filiação. Nestas condições, o ato jurídico do perfilhante não merece confiança. Consequentemente,
a perfilhação feita nestes ternos é anulável (art. 1861º/1 CC), dentro do prazo de 1 ano a contar desde um dos
momentos enunciados no art. 1861º/2 CC.
2.2 Por erro ou coação moral
A perfilhação também pode ser anulada por erro ao coação moral. Aplicam-se aqui as regras dos vícios da vontade,
ainda que lhes sejam introduzidas algumas alterações:
 O dolo não tem relevância específica, apenas relevando como erro;
 O erro releva enquanto elemento de afetação do processo de formação do juízo de paternidade (art. 1860º/2
CC), mas já não nos casos em que versou sobre fatores incidentais que não eram suscetíveis de abalar a
convicção de paternidade manifestada;
 A coação moral releva mesmo que presumivelmente o vínculo manifestado corresponda ao vínculo biológico
real (art. 1860º/1 CC a contrario), já que a lei não exige requisitos adicionais aos requisitos gerais do art. 255º.
O nº 3 do art. 1860º CC prescreve o prazo de arguição da anulabilidade decorrente de erro ou coação: 1 ano.

Secção III – Impugnação da perfilhação


Segundo o art. 1859º/1 CC: “a perfilhação que não corresponda à verdade é impugnável”.
1. Legitimidade ativa
A lei dá legitimidade ativa, genericamente, a quem tiver um interesse moral ou patrimonial; em específico, a
legitimidade ativa é concedida (1) ao perfilhante, (2) ao perfilhado e (3) ao Ministério Público. A amplitude da
legitimidade ativa compreende-se com base na existência de um interesse público na reposição da verdade biológica
que a perfilhação falsa perturbou.
Quanto à legitimidade conferida ao perfilhante, poderá suceder que este tinha já consciência da falsidade da sua
declaração no momento da perfilhação. Não obstante, a lei não estabelece restrições à sua legitimidade ativa, mesmo
na hipótese de perfilhação conscientemente falsa. Esta situação poderá conduzir, contudo, à produção de danos
avultados para o filho. Neste contexto, pode pensar-se em vários modos para fundamentar a obrigação de reparar tais
danos, designadamente através da mobilização dos seguintes institutos:
 Reparação do dano da privação de alimentos, já que quando com ato de perfilhação o perfilhante assumiu a
obrigação de prestar alimentos ao filho (art. 2014º CC);

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 Indemnização devida em decorrência de a lei permitir, nestes casos, uma situação de abuso do direito,
designadamente de venire contra factum proprium (art. 334º CC);
 Indemnização devida em virtude da ilicitude da perfilhação, nos termos gerais da responsabilidade civil
extracontratual (art. 483º CC).
No que diz respeito ao perfilhado, a lei sublinha que a legitimidade ativa para impugnar a perfilhação é-lhe reconhecida
mesmo nas hipóteses em que haja assentido a perfilhação.
Por último, relativamente à legitimidade ativa do Ministério Público poderá pertinentemente questionar se o interesse
público da verdade biológica se deverá impor aos interesses particulares da família. Com base nesta argumentação,
alguns autores criticam a opção legislativa de conferir legitimidade ativa ao Ministério Público.
2. Legitimidade passiva
A ação de impugnação da paternidade deve ser intentada contra o perfilhante e o perfilhado, quando algum deles não
seja autor. Ainda que a lei não disponha nesse sentido, parece ser de ponderar a possibilidade de também a mãe dever
ser demandada, na medida em que também ela poderá ter interesse forte em contradizer a impugnação. Além de que
também aqui, à semelhança do que acontece no domínio da ação de impugnação da paternidade do marido, a mãe
pode pretender defender a sua honra e reputação. Daí que talvez não seja despiciendo mobilizar o nº 1 do art. 1846º
CC nesta sede, com as devidas adaptações.
3. Objeto do processo
O propósito do autor é o de demonstrar que o perfilhante não é o progenitor do indivíduo perfilhado. Nestes termos,
o fundamento do pedido é a desconformidade entre a verdade jurídica e a verdade biológica. Refira-se que o nº 3 do
art. 1859º CC liberta a mãe e o perfilhado, quando um deles seja o autor, de fazer prova da não-paternidade, salvo
quando o perfilhante venha demonstrar ter havido coabitação no período da conceção. Assim sendo, nestas hipóteses
bastará a impugnação para que a perfilhação se tenha por eliminada.
4. Imprescritibilidade
A ação de impugnação pode ser intentada a todo o tempo (art. 1859º/1 CC). A imprescritibilidade que subjaz a esta
ação evidencia o interesse público na verdade biológica que está aqui em causa.

Secção IV – Averiguação oficiosa


1. Noção e procedimento
! Na hipótese do registo de nascimento ser lavrado sem identificação do pai, o funcionário do registo civil deve remeter
a certidão e demais elementos que haja reunido ao tribunal, a fim de se averiguar oficiosamente a identidade do pai,
– art. 1864º CC. [Este processo é aplicável ao estabelecimento maternidade – vide supra: Direito da Filiação, Cap. II, Secção I, 5.]
O curador iniciará as averiguações que considerar necessárias, desenvolvendo-se o processo de formas distintas
consoante as circunstâncias que se venham a verificar:
1. O curador não obtém qualquer informação útil » o processo é arquivado e o assento de nascimento continua
incompleto (apenas com o estabelecimento da maternidade);
2. O curador consegue obter um nove de um eventual pai » o indivíduo designado será convocado e confrontado
com a possibilidade de ser o progenitor verdadeiro:
a) O pretenso progenitor propõe-se a assumir o estado correspondente » é feita a perfilhação, através
de termo lavrado em juízo (art. 1853º/d) CC) – art. 1865º/3 CC;
b) O pretenso progenitor rejeita a perfilhação » procede-se à realização de provas científicas:
 Resultado negativo: o processo é encerrado em relação àquele indivíduo em específico;
 Resultado positivo: (i) o indivíduo poderá assumir a perfilhação ou (ii) poderá persistir na
rejeição do estado de pai, devendo o curador ponderar a possibilidade de proposição de uma
ação de investigação da paternidade – art. 1865º/4 e 5 CC.
No fundo, a averiguação oficiosa da paternidade não é um modo autónomo de estabelecimento da paternidade, mas
sim um procedimento instrumental, que poderá conduzir: à manutenção do registo de nascimento incompleto; à
perfilhação; ou à proposição de ação de investigação da paternidade.
2. Caraterísticas especiais da intervenção oficiosa
 As declarações que os possíveis progenitores prestam durante a “fase administrativa” não servem para
estabelecer a filiação (arts. 1811º e 1868º CC);
 O processo de averiguação é secreto e deve ser conduzido de forma a evitar a ofensa ao pudor e à dignidade
das pessoas envolvidas (arts. 1812º e 1868º CC);

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 A ação proposta pelo curador na sequência da averiguação não faz caso julgado, quando improcede (arts.
1873º e 1813º CC) – pretende-se, deste modo, não prejudicar o direito de proposição da ação de investigação
da paternidade de que é titular o filho;
 A ação de investigação da paternidade que o curador intentar tem como autor o Ministério Público.
3. Casos em que a averiguação oficiosa não é admitida
O art. 1866º CC enuncia algumas hipóteses em que a investigação oficiosa da maternidade não é admitida:
 Filhos incestuosos;
 Após o decurso do prazo de 2 anos sob o nascimento.

Secção V – A ação de investigação da paternidade


1. Legitimidade ativa
A legitimidade para intentar a ação cabe ao filho, como resulta expressamente do art. 1869º CC. O filho será
representado pela mãe, quando a maternidade está reconhecida (arts. 1869º e 1910º CC). A lei cuidou ainda a hipótese
de a mãe ser, ela mesma, menor (art. 1870º CC): evitando-se o concurso de representantes, admite-se que a mãe
menor represente o filho. Porém, será nomeado um curador especial que a representará no exercício do direito de
ação. Se, ao invés, a maternidade ainda não houver sido estabelecida, a ação de investigação terá como escopo o
estabelecimento tanto da paternidade como da maternidade (art. 1869º CC), tendo o Ministério Público o dever de
assumir a representação do autor menor.
Prevê-se ainda na lei a possibilidade de coligação ativa de vários filhos contra o mesmo pretenso progenitor, desde
que todos os autores sejam filhos da mesma mãe (art. 1872º CC).
2. Prossecução e tramitação da ação
O art. 1818º CC, aplicável por remissão do art. 1873º CC, prevê a eventualidade de o filho morrer sem ter proposto a
ação de investigação, ou de morrer na pendência da causa. Em tais circunstâncias, poderá ser substituído pelos
descendentes e pelo cônjuge.
3. Legitimidade passiva
A legitimidade passiva cabe, como é evidente, ao pretenso progenitor. Quanto o autor supõe que o progenitor é certo
indivíduo mas admite a possibilidade fundada de, afinal, o pai ser outro, pode formular pedido principal contra o
primeiro e um pedido subsidiário contra o segundo. No caso de o suposto pai ter morrido, a ação deve ser dirigida
contra familiares próximos – o cônjuge sobrevivo, descendentes reconhecidos, ascendentes ou irmãos. No caso de
nenhum destes familiares existir, a ação deverá dirigir-se contra um curador especialmente nomeado para se opor à
pretensão do investigante. Refira-se ainda que o nº 2 do art. 1819º CC estabelece o ónus, para o autor, de chamar à
ação as pessoas que serão prejudicadas com a procedência da investigação, sob pena de não lhes poder opor o seu
direito. Essas pessoas são os herdeiros e legatários do progenitor. Esses demandados vêm apenas defender direito
patrimoniais que lhes assistem, e não desempenhar um outro qualquer papel de relevo. Se algum destes sujeitos não
for demandado, a consequência é a inoponibilidade da sentença, com prevalência dos direitos patrimoniais adquiridos
(e não a absolvição da instância por ilegitimidade – a paternidade é, de qualquer das formas, estabelecida).
4. O objeto do processo
O pedido que o autor faz ao tribunal é que declare a paternidade jurídica do réu. Para que a ação seja procedente, o
autor poderá convencer o tribunal de que o réu é progenitor do filho cujo pai é incógnito através de duas vias:
Prova do vínculo biológico Convocação de uma presunção de paternidade
4.1 Prova do vínculo biológico
Após uma longa evolução no que diz respeito à prova do vínculo biológico entre o pretenso progenitor e o filho,
entende-se atualmente que o autor deverá (a) fazer prova da coabitação entre a mãe e o réu, durante o período legal
da conceção e/ou (b) fazer prova laboratorial de que esta coabitação levou à gravidez de que nasceu o filho. Este modo
de entender as coisas tem sido designado de “prova direta” da paternidade biológica. Não obstante, entende-se que
a prova da coabitação pode ser dispensável, na medida em que é tecnicamente possível fazer um pedido baseado
exclusivamente no facto de o filho ser descendente biológico imediato do réu. No fundo, parece ser apenas necessário
dar como provado um facto único: o réu é ascendente biológico do filho. Evidentemente, esta prova tornar-se-á difícil
se faltar algum dos exames científicos necessários, ficando comprometida a realização da prova pericial, por falta de
cooperação de algum dos intervenientes. Daí que seja avisado continuar, ainda assim, a fazer-se prova da coabitação
durante o período legal de conceção.
4.2 Presunção de paternidade

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Algumas situações, enunciadas na lei (art. 1871º/1 CC), desencadeiam uma presunção legal da paternidade do réu.
Estão aqui em causa factos expressivos de uma probabilidade forte da existência de um vínculo biológico. Esta é uma
presunção iuris tantum, admitindo-se, portanto, prova em contrário, a realizar pelo réu.
Os factos a que nos referimos são:
a) Posse de estado: hipótese em que o filho foi reputado e tratado como filho pelo réu e foi reputado como filho
pelo público;
b) Escrito do pai: qualquer documento (sem dignidade para constituir ato de perfilhação – art. 1853º CC) em que
o suposto pai afirme a paternidade (ex.: diário íntimo; assento paroquial do batismo; etc.);
c) Convivência entre a mãe e o réu durante o período legal de conceção – podem estar em causa duas hipóteses:
i. Os dois conviventes viveram em condições análogas às dos cônjuges;
ii. Os dois conviventes mantiveram uma relação de concubinato duradouro.
d) Sedução da mãe pelo réu, no período legal de conceção, dando-se por provado que aquela não teve relações
sexuais com qualquer outro homem;
e) Relações sexuais entre o pretenso pai e a mãe durante o período legal de conceção;
4.3 A defesa do réu
Nos termos gerais, as presunções legais podem ser ilididas “mediante prova em contrário” (art. 350º/2 CC). No caso
particular da investigação de paternidade, o legislador desviou-se desta regra geral e admitiu que o réu possa ilidir a
presunção legal de paternidade com alegações de que resultem dúvidas sérias acerca da paternidade; não se exige,
então, a prova definitiva de que o réu não é o pai (art. 1871º/2 CC). Neste contexto, poderá perguntar-se: quando é
que estamos perante uma “dúvida séria”? Entende-se que o estabelecimento da paternidade só deve ter lugar quando
o tribunal conclua ser altamente provável que o réu seja pai; suscitar-se-ão “dúvidas sérias” sempre que não seja
possível atingir esse alto grau de verosimilhança.
5. Efeitos da sentença
Convencido da existência de um vínculo biológico entre o réu e o filho, o tribunal declara a relação de paternidade
jurídica entre os dois. Das decisões proferidas cabe sempre recurso, na medida em que esta é uma ação sobre o estado
das pessoas (art. 312º CPC). Também devido a esse fator, o recurso que venha a ter lugar tem caráter suspensivo.
Transitada em julgado a decisão, será extraída certidão destinada ao Registo Civil, para que se averbe a paternidade
no registo de nascimento do filho (art. 78º CRC). A sentença produzirá efeitos de caso julgado, nos termos gerais, não
sendo possível a contestação do vínculo estabelecido, seja por quem for.
6. Prazo para a propositura da ação
6.1 Início do prazo
Em princípio, a contagem do prazo iniciar-se-á no momento do nascimento do filho. Porém, não parecem existir
obstáculos a que a investigação possa ser intentada logo após a gestação. Aliás, o estabelecimento judicial da
paternidade, ainda durante a gestação, não seria mais do que a face jurisdicional da perfilhação de nascituros (art.
1855º CC) – a mãe representaria o nascituro, no exercício dos poderes de representação voluntário que lhe competem.
6.2 Limite do prazo
Aplica-se, nesta matéria, o art. 1817º CC, por remissão do art. 1873º CC. Nos termos deste preceito:
 Regra: a ação só pode ser proposta durante a menoridade do filho, sendo este representado pela mãe ou pelo
Ministério Público, e durante os 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, atuando agora o filho
em nome próprio;
 Casos em que há um obstáculo à ação: no caso de a ação não ser autorizada por já constar do registo de
nascimento uma paternidade diferente daquela que se pretende estabelecer, a ação pode ser intentada no
prazo de 3 anos a contar da retificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório;
 Exceções: a ação pode ser intentada no prazo de 3 anos a contar de qualquer um dos seguintes factos:
 Impugnação da maternidade, com sucesso, por um terceiro;
 Conhecimento, após o decurso do prazo regra, de factos/circunstâncias que justifiquem a investigação.

Secção VI – Conflitos de paternidade


A vida real é mais complexa do que as situações-tipo que o legislador imagina quando faz as normas. Concebem-se,
neste contexto, várias hipóteses de conflito entre paternidades. Esses conflitos resultam do funcionamento de mais
do que um modo de estabelecer o vínculo de filiação, pelo que a sua resolução consistirá em dar preferência a um dos
modos conflituantes. A nossa lei contém algumas normas a este respeito:

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 Art. 1834º CC: o conflito entre duas presunções de paternidade (por bigamia ou por casamento sucessivo em
desrespeito pelo prazo internupcial) é resolvido mediante atribuição de prevalência à presunção respeitante
ao 2º marido;
 Art. 1848º/1 CC: estabelecida a paternidade por qualquer um dos modos tipificados na lei, essa paternidade
prevalece sobre qualquer tentativa de criar um estado incompatível, enquanto o registo daquela primeira não
for impugnado com êxito;
 Art. 1863º CC: prevalece a filiação estabelecida em virtude de investigação procedente, com prejuízo da
filiação estabelecida antes da decisão da causa mas já durante a sua pendência [no fundo, se durante a
pendência de uma ação de investigação da paternidade intentada pelo filho contra um indivíduo (A) um outro
sujeito (B) vier perfilhar, prevalecerá a paternidade do primeiro (A) sempre que a ação proceder];
 Art. 1823º/2 CC: havendo uma perfilhação e posteriormente o desencadeamento da presunção de
paternidade (porque a mãe se casou com outrem), esta última prevalece salvo quando for impugnada.

Capítulo IV – A adoção
1. Princípios gerais
Uma inovação muito importante no Código de 1966 foi o reconhecimento da adoção como fonte de relações jurídicas
familiares. A noção de adoção consta do art. 1586º CC:
“Vínculo que, à semelhança da filiação natural mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece
legalmente entre duas pessoas nos termos dos arts. 1973 e ss. CC”
A adoção veio readquirir a sua vitalidade no nosso século, após um longo período de desfavor e esquecimento. Este
novo interesse suscitado corresponde, de resto, a uma modificação radical no espírito do instituto. Tradicionalmente,
esta figura fica-se na pessoa do adotante, servindo como meio de realização do seu interesse de assegurar a
perpetuação da família e a transmissão do nome e do património. Nos tempos que correm, a adoção já não se
reconduz a essa função, sendo, ao invés, encarada como instrumento ao serviço dos interesses dos menores
desprovidos de meio familiar (normal). Este novo espírito do instituto subjaz ao regime estabelecido nos arts. 1973º e
ss. CC. O regime evidencia um claro enfoque no interesse da criança, ainda que esse interesse seja visto à luz do
interesse geral.
2. Evolução legislativa
 Desde o CC 1966 até à Reforma de 1977: o Código Civil, aquando da sua publicação, institui duas modalidades
de adoção – adoção restrita e adoção plena. A adoção plena era muito rara na prática na medida em que a
constituição do vínculo era sujeito, em termos legais, a condições muito rigorosas.
 Reforma de 1977: a reforma operada nesta matéria traduziu-se na flexibilização das condições de que
dependia a adoção, designadamente instituindo a diminuição da idade mínima dos adotantes e da duração do
casamento, bem como a desconsideração do facto de haver ou não filhos do casal. Permitiu-se também a
adoção plena a qualquer pessoa, mesmo não casada, assim como a adoção de crianças judicialmente
declaradas “abandonadas”.
 Revisão de 1993: o Decreto-Lei nº 185/93, de 22 de maio criou o instituto da “confiança do menor com vista
a futura adoção”, do qual passou a depender a constituição da relação adotiva. Estão em causa situações em
que o menor é entregue ao(s) futuro(s) adotante(s), pelo tribunal ou pelo organismo de segurança social
competente, a título “provisório” – há como que a instituição de um “período experimental”.
 Revisão de 1999: a Lei nº 135/99, de 28 de agosto veio permitir às pessoas que vivam em união de facto a
adoção conjunta de menores, nos termos previstos para os cônjuges.
 Revisão 2003: a Lei nº 31/2003, de 22 de agosto veio conceder prevalência quase absoluta ao interesse da
família adotiva, em face do interesse dos pais biológicos.
 Revisão de 2015: a Lei nº 143/2015, de 8 de setembro veio instituir duas importantes alterações:
 Permite-se a adoção por casais do mesmo sexo;
 Elimina-se a figura da ação restrita, subsistindo apenas uma modalidade de adoção (a adoção plena).
3. Requisitos gerais
Em termos genéricos, a adoção depende da verificação dos seguintes pressupostos (arts. 1974º e 1975º CC):
a) Representar vantagens reais para o adotando;
b) Assentar em motivos legítimos;
c) Não envolver um sacrifício injusto para os outros filhos do adotante;

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d) Ser previsível que entre o adotante e o adotado se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação;
e) Convivência entre o adotante e o adotado durante um período suficiente para se concluir pela conveniência
da constituição do vínculo;
f) Inexistência de anterior adoção em relação ao adotado.
4. Capacidade
4.1 Quem pode adotar
A matéria da capacidade para adotar encontra-se regulamentada no art. 1979º CC, o qual estabelece diversas
exigências em derrogação do regime geral da capacidade negocial:
 Limites mínimos de idade:
 Se os adotantes forem casados à mais de 4 anos, basta que ambos tenham mais de 25 anos;
 Se a adoção for singular, o adotante deverá ter mais de 30 anos, ou então mais de 25, se o adotado
for filho do seu cônjuge.
 Limites máximos de idade:
 O adotante não poderá ter mais de 60 anos, salvo se o adotado for filho do seu cônjuge;
 Se o adotante tiver mais de 50 anos, a diferença de idades entre adotante a adotado não pode ser
superior a 50 anos (salvo em casos excecionais, quando motivos ponderosos o justifiquem).
Refira-se que a nossa ordem jurídica admite a:
 Adoção singular: feita apenas por uma pessoa, casada ou não casada;
 Adoção conjunta: feita por casais heterossexuais casados ou por casais homossexuais unidos de facto.
4.2 Quem pode ser adotado
A lei dispõe que podem ser adotados (1) os filhos do cônjuge do adotante e (2) as crianças que hajam sido confiadas
ao cuidado do adotante pelos serviços competentes (art. 1980º/1 CC). Também aqui se colocam restrições
respeitantes à idade: em princípio, só podem ser adotadas as crianças com idade inferior a 15 anos (art. 1980º/2 CC).
O nº 3 do art. 1980º CC ressalva a possibilidade de o adotado ter idade superior a 15 anos, mas inferior a 18, quando
tenha sido entregue ao cuidado do(s) adotante(s) ainda antes de perfazer os 15 anos.

Capítulo VII – Efeitos da filiação


1. Considerações gerais
O art. 1874º CC dispõe, em termos genéricos, acerca dos deveres que vinculam reciprocamente pais e filhos: dever de
respeito, dever de auxílio e dever de assistência. Neste último deve integra-se a obrigação de prestar a alimentos, a
qual vincula os ascendentes e os descendentes, dependendo da situação e da fase da vida do filho.
2. Responsabilidades parentais
Os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação (art. 1877º CC).
Traduzem-se no poder-dever que é atribuído pela lei aos progenitores (1) de velar pela segurança e saúde dos filhos,
(2) de prover ao seu sustento, (3) de dirigir a sua educação, (4) de representá-los e (5) de administrar os seus bens.
! O nº 2 do art. 1878º CC prescreve ainda que, apesar de os filhos deverem obediência aos pais, a sua opinião deve ter
sida em conta nos assuntos familiares importantes, e deve ser-lhes reconhecida autonomia na organização da própria
vida, de acordo com a maturidade que demonstrem.
O dever de assistência que recai sobre os pais em relação aos filhos mantém-se até ao momento em que os filhos
estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, os encargos com a sua
própria segurança, saúde, sustento e educação (art. 1879º CC). Esta obrigação manter-se-á inclusivamente após a
maioridade ou emancipação quando o filho não houver ainda completado a sua formação profissional (art. 1880º CC).
Noutro prisma, o poder de representação a que foi feita referência acima compreende o exercício de todos os direitos
e o cumprimento de todas as obrigações do filho menor (art. 1881º CC). Não cabem, todavia, no domínio próprio da
representação parental:
 Os atos puramente pessoais;
 Os atos que o menor tem direito a praticar pessoal e livremente;
 Os atos respeitantes a bens cuja administração não pertença aos pais.
O art. 1882º CC impõe a irrenunciabilidade das responsabilidades parentais, pelo que os progenitores não podem
furtar-se ao seu exercício.

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O disposto no art. 1883º CC – o pai ou a mãe não pode introduzir no lar conjugal o filho concebido na constância do
matrimónio que não seja filho do seu cônjuge, sem o assentimento deste – tem suscitado, na doutrina, sérias dúvidas
acerca da sua conformidade com a Lei Fundamental. Os autores entendem estar aqui em causa uma discriminação
dos filhos nascidos fora do casamento, em clara violação do art. 36º/4 CRP.
2.1 Responsabilidades parentais em relação à pessoa do filho
 Promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos (art. 1885º CC);
 Decidir a educação religiosa dos filhos até aos seus 16 anos (art. 1886º CC a contrario sensu);
 Manter o filho na casa de morada de família ou noutra que lhe destinaram (art. 1887º CC);
 Fomentar o convívio do filho com os irmãos e avós (art. 1887º-A CC).
2.2 Responsabilidades parentais em relação aos bens do filho
Quanto aos poderes de administração respeitantes aos bens do filho, a lei introduz algumas limitações à arbitrariedade
e liberdade de atuação dos pais:
 Os pais não têm poderes de administração em relação aos atos enunciados no art. 1888º CC;
 Os atos elencados no art. 1889º CC dependem de autorização do tribunal para serem validamente realizados;
 Os pais não podem recusar herança ou legado que haja sido deixada/o ao filho, bem como também não podem
recusar quaisquer outras liberalidades (art. 1890º CC);
 Os pais não podem tomar de arrendamento ou adquirir bens ou direitos do filho que se encontrem sujeitos
às responsabilidades parentais, ressalvados os casos previstos no art. 1892º/1 in fine CC;
Os atos praticados em violação de qualquer destas limitações podem ser anulados (art. 1893º CC) ou confirmados pelo
tribunal (art. 1894º CC).
Quanto ao exercício dos poderes de administração, a lei impõe que os pais atuem com o mesmo cuidado com que
administram os bens próprios (art. 1897º CC). Quer isto dizer que a eventual culpa pela criação de prejuízos deve ser
averiguada em concreto, em termos próximos da gestão de negócios, e não em abstrato.
No momento em que o filho atinja a maioridade ou seja emancipado, os bens são entregues ao filho na medida em
que cessa aí a administração (art. 1900º CC).
3. Exercício das responsabilidades parentais
3.1 Na constância do matrimónio
Na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os cônjuges, devendo ser
exercidas de comum acordo (art. 1901º/1 e 2CC). A lei ordinária vem, deste modo, assegurar a igualdade dos cônjuges,
imposta pela Lei Fundamental (art. 36º/3 CRP). Havendo discórdia entre os progenitores, é possível o recurso ao
tribunal, o qual procurará, em primeira linha, a conciliação.
Se um dos pais atuar no exercício das responsabilidades parentais, presume-se que há acordo do outro; só assim não
será na hipótese de estar em causa um ato para o qual a lei exija expressamente o consentimento dos dois
progenitores ou um ato de particular importância.
Na hipótese de a filiação estar apenas estabelecida em relação a um dos progenitores, o tribunal poderá também
atribuir responsabilidade parentais ao cônjuge ou unidade de facto desse progenitor (art. 1904º-A CC).
A Lei nº 61/2008 veio equiparar, no que diz respeito ao exercício das responsabilidades parentais, a união de facto ao
casamento: estando a filiação estabelecida em relação aos dois progenitores e vivem eles em união de facto, aplicar-
se-ão todas as disposições respeitantes às responsabilidades parentais na constância do matrimónio (art. 1911º CC).
3.2 Em caso de divórcio ou separação judicial de pessoas e bens
No que diz respeito ao exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio remete-se para o que foi dito
acima – vide supra: Direito Matrimonial, Secção IV, 10.

Direito da proteção dos idosos


1. A Constituição e a proteção dos idosos
Nos termos já expostos, o art. 67º da Lei Fundamental consagra o direito à proteção da família. Nos termos deste
preceito constitucional, a família é um elemento fundamental da sociedade, constituindo, como instituto que é, uma
garantia institucional. A parte final do nº 1 do art. 67º CRP sublinha a incumbência do Estado de assegurar as condições
necessárias à realização pessoal dos membros da família.
Um outro direito económico, social e cultural consagrado na Lei Fundamental diz respeito, especificamente, à
realização pessoal dos idosos – art. 72º CRP. De acordo com esta norma, as pessoas idosas têm direito à segurança
económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que respeitam a sua autonomia pessoal.

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2. Dever de cuidado
Importa, neste ponto, atentar nas pessoas sobre as quais recai um dever de cuidado em relação aos idosos:
 Cônjuge: os deveres conjugais mantêm-se durante toda a vida do casal, pelo que, mesmo na terceira idade,
subsistem deveres de socorro e auxílio mútuo, de coabitação, de cooperação, de assistência, etc.
 Filhos: a lei aponta ainda no sentido de também os filhos estarem instituídos num dever de auxílio e assistência
em relação aos pais idosos, independentemente de haver ou não coabitação (art. 1874º CC);
 Afins (?): poderia questionar-se se também os afins (mormente, os genros e noras) teriam um dever de
cuidado em relação aos respetivos sogros – não se desvela, na nossa ordem jurídica, qualquer norma da qual
seja possível extrair um dever legal com tal conteúdo.
Porém, poderá estar aqui em causa um dever convencional/contratual
“Doação com modo”
Doação onerada com um encargo, cujo incumprimento habilita o doador (ou seus herdeiros) a exigir o
cumprimento ou a resolver a doação (arts. 963º, 965º, 966º CC).
3. Dever de alimentos
O dever de alimentos vincula, de acordo com o disposto no art. 2009º CC, os ascendentes e os irmãos do necessitado.
Estas obrigações de alimentos (que vinculam os filhos e os irmãos) verificam-se, as mais das vezes, em relação a idosos.
Neste domínio importa fazer uma ressalva em relação ao regime geral dos alimentos: em princípio, os alimentos são
prestados sob a forma de prestações pecuniárias mensais; porém, poderão também ser prestados em espécie, na casa
e companhia do obrigado (art. 2005º CC). Esta é, de facto, uma hipótese muito frequente no caso de o credor dos
alimentos ser um idoso, passando este a habitar com o filho/irmão obrigado à prestação. Uma outra especificidade a
atentar consta do art. 2011º CC: caso o alimento haja disposto de bens por doação a pessoas que não são legalmente
obrigadas à prestação de alimentos, a obrigação alimentar passa a recair sobre esses donatários, segundo a proporção
dos valores doados. A obrigação de alimentos que haja sido fixada nos termos expostos cessará aquando da ocorrência
de um dos fatores enunciados no art. 2013º CC.
4. Deveres de tutor
Segundo o disposto no art. 143º CC, a tutela incumbe, em certos casos, aos filhos maiores (nº1/d)). Embora a figura
da tutela não tenha sido pensada especificamente para o caso dos idosos, a verdade é que o art. 145º CC impõe ao
tutor o dever de cuidar da saúde do incapaz. Como se compreende, esta imposição legal pode estender-se à situação
dos idosos que se mostrem incapazes de cuidar da sua saúde sozinhos.

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Descarregado por Joana Correia (joana_filipa_correia@hotmail.com)

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