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Casos Práticos Direito da Família

Caso 1:

Pronuncie-se sobre a validade dos seguintes casamentos:

a) Casamento do padrasto (viúvo ou divorciado) com a viúva


do seu enteado;
b) Casamento do sogro com a viúva de um dos seus filhos;
c) Casamento do genro com a madrasta da sua antiga mulher.

Resolução:

a)

A questão suscitada neste caso prático prende-se com a matéria da


capacidade matrimonial e com o conceito das relações familiares.
O artigo 1577º do CC define o casamento como o contrato
celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família
mediante uma plena comunhão de vida, as quais ficam, desde
logo, vinculadas pelos direitos e deveres decorrentes da lei.
A capacidade matrimonial consiste na virtualidade de ser parte no
contrato de casamento. Existe, portanto, capacidade matrimonial
sempre que não se verifique qualquer impedimento legal à
celebração do casamento.
São relações familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a
adoção, nos termos do artigo 1576º do CC.
A relação matrimonial é aquela que liga os cônjuges entre si em
consequência do casamento. O parentesco é a relação que liga
entre si pessoas do mesmo sangue, quer porque descendem umas
das outras- parentesco em linha reta- quer porque descendem de
um progenitor comum- parentesco na linha colateral ou
transversal. A afinidade é a relação que liga um dos cônjuges aos
parentes do outro e resulta do parentesco e do casamento. Por fim,
a adoção é a relação que, à semelhança da filiação biológica, mas
independentemente de laços de sangue, se estabelece entre
adotante e adotado ou entre um deles e os parentes do outro.
De entre as relações familiares a que supra se aludiu, a lei
determina que constituem impedimentos matrimoniais o
parentesco, quer na linha, quer no segundo grau da linha colateral
(artigo 1602º, alínea a e b), a afinidade na linha reta (artigo 1602º,
alínea c) e o parentesco no terceiro grau da linha colateral (artigo
1604º do CC, alínea c).

Conclusão: Entre o padrasto e a viúva do enteado não existe


qualquer relação familiar, logo, não se verifica a existência de
qualquer impedimento matrimonial. Deste modo, não se
verificando qualquer relação matrimonial entre o padrasto e a
viúva do enteado, o casamento celebrado entre ambos é
perfeitamente válido.

b)
Entre o sogro e a viúva do filho existe um vínculo de afinidade.
Nos termos do artigo 1584º do CC, a afinidade é o vínculo que
liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro. O vínculo entre
sogro e nora resulta do casamento desta (nora-D) com o filho
daquele (C).
De acordo com o disposto no artigo 1585º do CC, a afinidade não
cessa com a dissolução do casamento por morte, mantendo-se, por
isso o vínculo familiar entre B e D.
Por esta razão, verifica-se um impedimento dirimente relativo que
obsta à celebração do casamento entre ambos.
Os impedimentos dirimentes são factos que obstam á celebração
do casamento e que afetam a sua validade sempre que, não
obstante a existência do impedimento, o casamento venha a
realizar-se. Os impedimentos dirimentes dividem-se ainda em
absolutos e relativos. Os primeiros impedem o casamento da
pessoa a que respeitam com qualquer outra, constituindo assim,
uma verdadeira incapacidade matrimonial. Por sua vez, os
impedimentos dirimentes relativos obstam à celebração do
casamento entre a pessoa a que respeitam e determinadas outras
pessoas, em função do relacionamento com elas, constituindo
ilegitimidades conjugais.
No caso vertente verifica-se um impedimento dirimente relativo
da afinidade na linha reta, previsto na alínea c do artigo 1602º do
CC. Esta alínea abrange as relações entre nora e sogro, genro e
sogra, padrasto e enteada, madrasta e enteado, residindo os
fundamentos desta proibição em razões de natureza ética e social.

Caso o impedimento seja detetado no decurso do processo


preliminar de casamento, o conservador não deve autorizar a
celebração do casamento.
Contudo, se porventura, não obstante a existência do
impedimento, o casamento vier a ser celebrado, o mesmo é
anulável nos termos do artigo 1631º, alínea a) do CC.
Esta causa de anulabilidade, para ser invocada, tem que ter sido
reconhecida por decisão judicial transitada em julgado proferida
em ação especialmente intentada para esse efeito, nos termos do
disposto no artigo 1632º do CC.
Têm legitimidade para intentar a ação de anulação do casamento,
as pessoas referidas no artigo 1639º do CC, nº1, ou seja, os
cônjuges, ou qualquer parente deles na linha reta ou até ao quarto
grau da linha colateral, bem como os herdeiros e adotantes dos
cônjuges, e o Ministério Público.
Tendo em conta o impedimento que concretamente se verifica, a
ação de anulação terá que ser intentada no prazo previsto no
artigo 1643º do CC, nº1, alínea c) do mesmo diploma legal, isto é,
no prazo de seis meses após a dissolução do casamento, só
podendo o Ministério Público propor a ação até à dissolução do
casamento, conforme o disposto no nº2 do citado artigo.

c)

Resolução:

Neste caso, não existe entre os nubentes nenhuma relação


familiar. Esta relação que se estabelece entre um dos cônjuges e
os afins do outro não constitui relação de afinidade, uma vez que
a afinidade não gera afinidade. Assim sendo, não existe qualquer
impedimento que obste à celebração deste casamento.
Caso 2:

António contraiu casamento civil em abril de 2005 com Berta,


viúva de seu irmão Carlos.
Em abril de 2010 Berta faleceu.
No funeral de Berta António conheceu Diana, de 17 anos de
idade. Tendo caído de amores um pelo outro, acabam por casar
civilmente passados 3 meses.
Existiam impedimentos matrimoniais aos casamentos de António
e Berta e de António e Diana?
Em caso afirmativo, indique quais, classificando-os e enumere as
suas consequências.

O casamento constitui uma fonte das relações familiares, podendo


definir-se, no caso do casamento civil, como o contrato celebrado
entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma
plena comunhão de vida.
O caso em análise trata-se de uma questão relacionada com a
capacidade matrimonial.
A capacidade matrimonial consiste na suscetibilidade de ser parte
no contrato de casamento e existe sempre que não se verifique
qualquer impedimento matrimonial. Entre os impedimentos
matrimoniais consagrados na lei, alguns procedem da existência
de determinadas relações familiares entre os nubentes,
designadamente, relações de parentesco e afinidade.
Conforme resulta do disposto no artigo 1584º do CC, a afinidade
é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.
Por sua vez, o artigo 1585º do CC dispõe que a afinidade se
determina pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco
e não cessa pela dissolução do casamento pela morte.
Há que invocar os artigos 1579º a 1581º do CC. O artigo 1579º do
CC refere que o parentesco se determina pelas gerações que
vinculam os parentes um ao outro, formando cada geração um
grau e a série dos graus a linha de parentesco. Quanto à linha de
parentesco, diz-se reta quando um dos parentes descende do
outro, e colateral quando nenhum parente descende do outro, mas
ambos procedem de um progenitor comum. A linha reta pode ser
descendente ou ascendente- artigo 1580º do CC. Segundo o artigo
1581º do CC do mesmo diploma, na linha reta existem tantos
graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco,
excluindo o progenitor, enquanto na linha colateral os graus se
contam pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo
pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.
Assim sendo, por aplicação das supracitadas normas, verifica-se
que António e Berta são afins no segundo grau da linha colateral.
Ao obrigo do disposto no artigo 1602º do CC, só a afinidade na
linha reta constitui impedimento matrimonial, pelo que não existe
qualquer impedimento à celebração do casamento entre Berta e
António.

No que respeita ao casamento entre António e Diana, verifica-se a


existência de dois impedimentos impedientes.
Os impedimentos impedientes, apesar de constituírem factos que
obstam à celebração do casamento, diferem dos impedimentos
dirimentes uma vez que, se o casamento se realizar, a sua validade
não fica afetada, apenas podendo implicar que os cônjuges sofram
determinadas sanções.
Um dos impedimentos que se verifica no caso concreto resulta do
facto de Diana, há data da celebração do casamento, ter apenas 17
anos de idade.
O artigo 1601º do CC atribui capacidade matrimonial aos
menores de 16 anos de idade. Contudo, para que o casamento seja
validamente celebrado, exige-se, no caso dos menores que tenham
mais de 16 anos e menos de 18, o consentimento ou a autorização
dos pais, do tutor ou do representante legal, ou o suprimento desse
consentimento, nos termos do disposto nos artigos 1612º do CC e
150º do Código do Registo Predial. É ao Conservador do Registo
Civil que compete suprir a falta de autorização dos pais ou do
tutor do menor, se razões ponderosas justificarem a celebração do
casamento e o menor tiver suficiente maturidade física e psíquica.
Uma vez celebrado o casamento de menor com mais de 16 anos
sem o consentimento dos pais ou o respetivo suprimento, tal
casamento não é anulável, aplicando-se apenas a sanção prevista
no artigo 1649º do CC. O menor continua a ser considerado
menor quanto à administração dos bens que leve para o casal ou
que posteriormente lhe advenham por título gratuito, até à
maioridade.

Quanto ao segundo impedimento dirimente verificado, resultava


do facto de António ter celebrado novo casamento sem respeitar o
prazo inter-nupcial exigido por lei e previsto no artigo 1605º, nº1
do CC, o qual se fundamentava em razões de ordem moral e
social.
António teria que aguardar 180 dias a contar da dissolução, por
morte, do seu casamento com Berta. Este artigo hoje encontra-se
revogado.
Neste caso, tendo o casamento sido celebrado, pese embora o
mesmo se mantenha válido, aplicava-se aos cônjuges uma sanção
prevista no artigo 1650º do CC. António perderia todos os bens
que, porventura, tivesse recebido de Berta, por doação ou
testamento. Esse mesmo artigo, alínea a) também se encontra
revogado.

Caso 3:

Ana, de 16 anos de idade, e Carlos, de 28, contraíram casamento


civil em 1 de setembro de 2007, sem convenção antenupcial.
Antes da celebração do casamento Carlos vem a ser perfilhado
por Manuel, pai de Ana.
Com este casamento Ana pretendeu somente emancipar-se,
libertando-se, assim, das responsabilidades parentais. Carlos, por
sua vez, viu nele uma boa oportunidade de singrar na vida, tendo
em conta a fortuna e o prestígio social detidos pela família de
Ana.
Apesar de ambos terem conhecimento das respetivas intenções,
sempre fizeram vida em comum e tiveram um filho em 2009.
Contudo, Ana arrependeu-se de ter casado tão nova e pretende
agora pôr fim ao casamento.
Quid Iuris?

Resolução:

No caso vertente estamos perante um casamento celebrado com o


impedimento dirimente relativo previsto no artigo 1602º, alínea b)
do CC, ou seja, o parentesco no segundo grau da linha colateral.

Pese embora tal vínculo de parentesco não tenha sido detetado


durante o processo preliminar de casamento nos termos do artigo
1857º, nº3 do CC, o mesmo constitui fundamento para a anulação
do casamento, conforme resulta do disposto nos artigos 1631º,
alínea a) e 1632º do CC, devendo ser invocado em ação
especialmente intentada para o efeito.
Teriam legitimidade para intentar a ação de anulação do
casamento, ou prosseguir nela, as pessoas referidas no artigo
1639º do CC, nº1, ou seja, os cônjuges, ou qualquer parente deles
na linha reta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como
os herdeiros e adotantes dos cônjuges, e o Ministério Público ou
ainda, nos termos do n2º do mesmo normativo, o tutor do mesmo.
Os prazos para a propositura da ação de anulação encontram-se
previstos no artigo 1643º, nº1, alínea c) do mesmo diploma legal,
podendo aquela ser intentada até seis meses depois da dissolução
do casamento, mas só podendo o Ministério Público propor a ação
até à respetiva dissolução, conforme o disposto no nº2 do mesmo
artigo.
Caso o casamento tivesse sido celebrado sem autorização dos pais
de Ana e sem o suprimento dessa autorização, haveria ainda um
impedimento impediente, nos termos do artigo 1604º, alínea a) e
1612º, ambos do CC, e 149º do Código do Registo Predial.
Neste caso o impedimento, embora vedando a realização do
casamento, não constitui causa de anulação do mesmo, apenas
ficando os cônjuges sujeitos à sanção prevista no artigo 1649º do
CC, ou seja, Ana continuaria a ser considerada menor quanto à
administração dos bens que levasse para o casal ou que
posteriormente lhe adviessem por título gratuito até á menoridade.

Coloca-se ainda em causa uma questão de consentimento


conjugal. Conforme o disposto do artigo 1628º, alínea c) do CC,
em caso de falta de declaração de vontade de um ou de ambos os
nubentes, ou do procurador de um deles, o casamento é
juridicamente inexistente.
O consentimento deve revestir determinadas características. Deve
ser atual e pessoal, o que significa que a vontade dos nubentes só
é relevante se for manifestada no próprio ato da celebração do
casamento, e deve, em princípio, ser prestada pessoalmente,
apenas se admitindo, a título excecional, que a vontade para
contrair casamento seja manifestada por meio de procuração por
um dos nubentes.
O consentimento para casamento tem de ser também puro e
simples, o que equivale a dizer que a vontade dos nubentes só
releva se for prestada sem limitações, não podendo estar
dependente de termo, condição ou qualquer outro facto,
entendendo-se que a vontade de contrair casamento implica a
aceitação de todos os seus efeitos legais, ressalva feita apenas às
estipulações que sejam permitidas em convenção antenupcial.
O artigo 1634º do CC refere que a declaração de vontade, no ato
de celebração do casamento, constitui presunção não só de que os
nubentes quiseram contrair matrimónio, mas de que a sua vontade
não está viciada por erro ou coação. Significa isto que se exige
que a declaração de vontade dos nubentes corresponda à sua
vontade rela e vontade declarada, e ainda que a manifestação de
vontade não se encontre viciada.
Na presente hipótese poderá suscitar-se a eventual existência de
uma situação de divergência entre a vontade e a declaração. Ana
só casou com o objetivo de se emancipar, libertando-se, assim,
das responsabilidades parentais, e que Carlos viu no casamento
uma boa oportunidade de singrar na vida, devido à fortuna e
prestígio social da família de Ana.
Coloca-se, assim, a possibilidade de ter havido simulação.
Considera-se que existe simulação quando os nubentes declaram
querer casar um com o outro, não para efetivamente adquirirem o
estado de casados e estabelecerem entre ambos uma plena
comunhão de vida, adquirindo também os direitos e deveres daí
decorrentes, mas tendo em vista outros fins.
Contudo, resulta do enunciado que, embora determinados por
outros motivos, Ana e Carlos fizeram vida em comum e tiveram
um filho em 2009, o que significa que prosseguiram o fim que é a
essência do casamento- comunhão de vida- e quiseram os
respetivos efeitos, razão pela qual não haveria fundamento para a
anulação do casamento com base em simulação- conforme artigos
1635º, alínea d), 1640º, nº1 e 1644º, todos do CC.

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