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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

Transcrições de Contencioso Administrativo e Tributário

Turma A

REGENTE

VASCO PEREIRA DA SILVA

2022/2023

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Aula de dia 26 de setembro Ana Catarina Silva & Catarina
Vieira

O contencioso administrativo teve uma infância difícil, sendo que as infâncias difíceis
são fonte de trauma para uma vida inteira.
Isto acontece com as instituições e acontece com as pessoas.
Assim, vamos fazer uma tentativa de psicanálise cultural do contencioso administrativo,
que corresponde também à sua transformação em processo administrativo. Começou
por ser uma mescla de direito administrativo e direito processual, até se transformar
num processo igual aos outros, numa disciplina tipicamente processual.
Há dois grandes traumas na infância do contencioso administrativo.

1º trauma 
❊ O primeiro trauma tem a ver com a natureza dos tribunais. Aquilo que a
Revolução Francesa procurou fazer e era um dos seus pilares fundamentais era
instaurar a separação de poderes e a tutela dos direitos individuais.
❊ No que respeita a separação de poderes, mais concretamente naquilo que diz
respeito à relação entre administração e justiça, aquilo que ela (Revolução
Francesa) fez foi precisamente o contrário. Aquilo que os revolucionários
franceses fizeram logo em 1789 foi proibir os tribunais de controlar a
administração. “É preciso evitar que os tribunais perturbem a administração,
porque a administração está agora em boas mãos, sendo que não precisa de
controlo”.
❊ Isto conduz à promiscuidade entre administração e justiça, isto significa o
contrário daquilo que era a sua constituição (princípio da separação de poderes).
No que respeita à relação entre administração e justiça o que foi criado foi o
inverso da separação de poderes.
❊ Isto corresponde psicanaliticamente àquilo a que o Dr. Freud chamava de
“declaração de cobertura”: um relato romanceado que não corresponde à
realidade e só depois de análise é que se sabe verdadeiramente aquilo que se
passou inconscientemente. Há uma verdade declarada e uma verdade escondida.

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❊ Aquilo que os revolucionários franceses declararam foi o princípio da separação
de poderes e o que eles fizeram no quadro de relacionamento entre
administração e justiça foi a promiscuidade entre ambas.
❊ Isto vai levar à criação de um juiz privativo, os liberais ao mesmo tempo
instauravam um novo contencioso administrativo, neste contencioso a
administração julgava-se a si mesma, sendo criada uma realidade que afirmava
uma coisa e fazia outra.

2º Trauma
❊ Este trauma começa a afirmar-se com o Acórdão Blanco de 1873 e que é um
trauma que vai marcar a infância difícil do contencioso administrativo. Este
trauma é o de criar um contencioso especial, mas também criar regras especiais
para proteger a administração. 
❊ Em 1873 tinha havido um acidente fatal com uma criança (Agnés Blanco) de 5
anos, de um lado tínhamos pessoas provadas e do outro lado a administração
pública. O que tinha acontecido foi o atropelamento de uma criança (Agnés
Blanco) por um vagão de uma empresa pública. A criança ficou com lesões
graves para o resto da vida, assim os pais desta criança dirigiram-se ao tribunal
de Bordéus a pedir uma indemnização. Este último começa por dizer que não é
❊ competente por estar em causa a administração pública e apenas ser competente
para a resolução de conflitos entre particulares e que, portanto, não pode decidir,
mas acrescenta que também não pode decidir porque não há nenhuma norma
aplicável à situação. O Código Civil francês era aplicável apenas nas relações
entre iguais, a administração pública não é igual a um particular, assim não se
aplicam as normas da responsabilidade civil.
❊ Os pais da criança não se conformam e dirigem-se à justiça administrativa, que
era o Presidente da Câmara. Este responde exatamente o mesmo que o tribunal,
quer não era competente, o que estava em causa não era um ato administrativo
era uma realidade infeliz de um acidente. 
❊ Em resultado deste conflito negativo de jurisdições foi chamado a intervir o
Tribunal de Conflitos para resolver este litígio de jurisdição. Este disse que a

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competência é da administração, mas que não havia um direito aplicável, sendo
necessário criar um direito (normas especiais) para proteger a administração.
❊ Esta sentença não é apenas um episódio triste, mas uma sentença triste. Uma vez
que o que ela vai afirmar é outro trauma profundo do Direito Administrativo, o
direito que funciona para proteger a administração e atribuir um estatuto de
privilégio à administração. quando o que se deveria ter sido dito era que o
princípio da separação de poderes obriga os tribunais a controlarem a
administração e que esta quando, decorrente da sua atuação, agir em
desconformidade deve ser acarretar a responsabilidade.

De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva o que devia ter sido dito era que, ao
abrigo da separação de poderes, os tribunais podem julgar a administração (no que
respeita ao 1º trauma) e que a administração quando comete prejuízos na sua atuação
deve responder (no que respeita ao 2º trauma).
Esta realidade não morreu, principalmente em Portugal.
Em primeiro lugar quanto ao problema dos tribunais, só em 1976 com a Constituição da
República Portuguesa, na primeira versão numa forma facultativa e só com a revisão de
1989 se tornou definitiva, o poder judicial passou a incluir também os tribunais
administrativos.
Apenas em 2004 o juiz administrativo, que já tinha o estatuto de juiz e já se integrava no
poder judicial, vai ganhar poder para dar ordens e condenar a administração no domínio
dos atos administrativos e regulamentos. 
Isto demonstra como o trauma da promiscuidade entre administração e justiça chega ao
século XXI e, portanto, o juiz mesmo quando passou a estar integrado no poder judicial,
não detinha ainda todos os poderes.
E se pensarmos, no caso de Agnés Blanco, a ideia de um Direito Administrativo como
um direito excecional para a administração que consagra privilégios é uma ideia que
marca o século XIX como marca o século XX. Este direito excecional é um ato
definitivo porque é a última palavra da administração, executório porque pode ser
aplicado imediatamente como regra, isto é um disparate total, porque a administração
não goza de poderes executórios (exceto quando a lei estabelece) e não um ato da

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administração prestadora não pode ser imposto ao beneficiário, de acordo com o
Professor Vasco Pereira da Silva.
Nos casos de responsabilidade civil, o 2º trauma mantém-se nos dias de hoje, embora
ligeiramente atenuado. Hoje no domínio da responsabilidade civil decorrente dos
acidentes de viação há casos de uma realidade esquizofrénica porque não se sabe qual o
tribunal competente para apreciar a matéria. 
E ainda hoje nos casos mais graves de responsabilidade civil e para evitar problemas e
acelerar o tempo de resposta, o governo cria um tribunal arbitral ad hoc que resolve os
problemas de indemnização.
Mas não devia ser assim, sendo que estes traumas já deveriam estar superados.

Estes traumas vão marcar a evolução do contencioso administrativo.


Voltando ao Primeiro trauma: este trauma marcou a evolução do contencioso
administrativo.

1º Período  Pecado Original (século XVIII a finais do século XIX)  chamado


também por período Administrador-Juiz
❊ Este é o período da confusão entre a administração e justiça, o período em que se
confunde a atividade de administrar e a atividade de julgar, fazendo o contrário
do princípio da separação de poderes. 
❊ Em Portugal, a libertação da justiça administrativa ocorreu de forma tardia, face
aos outros países da Europa.
❊ Está associado à instauração do Estado Liberal, que é um paradoxo. Neste tempo
não é incompatível com o liberalismo praticado no século XVIII, ao contrário do
liberalismo praticado nos dias de hoje.
❊ O Estado Liberal tem uma costela autoritária, chamada na Alemanha de
“administração agressiva” (que punha em causa os direitos dos particulares).
❊ Este período vem designado como o período do administrador-juiz, para mostrar
que existe uma confusão entre administração e justiça.
❊ Este período, adotando uma lógica francesa de evolução do contencioso
administrativo, divide-se em três sub-fases:

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● 1º sub-fase  1789 a 1799
▪ Neste período a confusão entre administração e justiça é brutal. É
o próprio órgão administrativo ou o seu superior hierárquico,
aquele que tomou uma decisão administrativa, que se julga a si
próprio. Isto revela uma total indistinção, é a total promiscuidade
entre a administração e a justiça. 
● 2º sub-fase  1799 a 1872
▪ Até que em 1799 surge o Conselho de Estado (órgão criado por
Napoleão), nas palavras de seu criador era representado como um
“órgão meio administrativo, meio judicial”. Esta realidade
corresponde a um órgão da administração pública que tem uma
função consultiva, mas também lhe é atribuída uma função de
julgador (passando a decidir os litígios que envolvem a
administração pública). Isto implicou uma ligeira autonomização
da justiça. A administração deixa de decidir passando a ser
consultada, também a propósito das suas ações.
▪ Trata-se ainda de uma justiça reservada, porque a última palavra
cabe sempre à administração pública. Esta denominação foi
proposta pelo Professor Marcello Caetano. 
● 3º sub-fase  1872 a 1899
▪ A partir de 1872 há uma transformação porque, nos últimos anos
do Conselho de Estado via as suas decisões tradicionalmente
homologadas pelo Chefe de Estado, pode considerar-se que este
último delega no Conselho de Estado o poder de decisão. 
▪ Passou-se a utilizar a expressão “Justiça Delegada”. 
▪ Significa que o Conselho de Estado ganhou poderes de decisão,
apesar de também ser um órgão administrativo, por conta disto,
muitos autores consideram que foi em 1872 que nasceu a Justiça
Administrativa (Freitas do Amaral e Marcello Caetano), no
entanto segundo o Professor Vasco Pereira da Silva esta conceção
não está correta. Primeiro, porque o Conselho de Estado é

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também um órgão administrativo e muitas vezes com pessoas que
desempenham funções conflituantes. Em segundo lugar, porque a
expressão justiça delegada demonstra que a realidade continua a
ser administrativa com a figura do juiz-doméstico. 
▪ Até 1889 o Ministro é Juiz e o Juiz é Ministro. Este modelo tem
uma importância muito importante em países como Portugal. O
juiz é que decide todas as questões administrativas antes destas
chegarem a tribunal, isto porque o Ministro é a primeira
instância. E em seguida recorre-se da decisão para o Conselho de
Estado. 
▪ Isto viola o princípio da separação de poderes, o princípio da
tutela dos direitos dos particulares, viola a competência dos
tribunais administrativos entre outros princípios que são violados.
de acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva é
inconstitucional.

❊ Portugal
● Portugal vai copiar o modelo francês, mas apenas mais tarde.
● A lei que proíbe a administração de controlar os tribunais é a célebre lei
de Mouzinho da Silveira de 1834. 
● Este sistema, Ministro-Juiz, só desapareceu em 1889 com a revisão
Constitucional. 
● O Estado liberal, tinha uma costela autoritária, apesar de também estar
associado ao Liberalismo Europeu. Apesar desta realidade ser chocante,
ela estava de acordo com a lógica liberal e democrática que existia na
época. 

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Aula de dia 28 de setembro Ana Rita Morais & Catarina
Neto

O primeiro período de evolução do CAT foi o mais traumático, pois correspondeu à fase
do administrador-juiz, à fase do pecado original da justiça administrativa.
Este pecado foi a sua ligação intensa à Administração, porque nesta fase havia uma
confusão entre o administrador e o juiz, não havendo separação entre Administração e
Justiça. Este é o trauma mais profundo que está na origem do contencioso
administrativo.

Este primeiro trauma vai ter consequências não apenas no contencioso administrativo,
mas também na afirmação do Direito Administrativo do Poder, em que existe uma
Administração que pode fazer o que entende e que atua através de atos que são a
manifestação desse poder.

A mudança dá-se na transição do séc. XIX para o séc. XX, em simultâneo com o
surgimento do modelo do Estado Social. Nessa fase, as questões sociais e económicas e
os problemas decorrentes da industrialização, levam a que o Estado chame a si novas
tarefas, assumindo-se como o instrumento corretor da mão invisível e como um
complemento para a pressão dos privados. Surge como alternativa à realidade
capitalista.
Esta fase do Estado Social, que na Europa corresponde ao Estado Social de Direito, vai
ter consequências, do ponto de vista constitucional, visto que a Constituição muda
porque surgem novos direitos e um novo modelo de atuação do Estado, que passa por
prestações e por fazer da Administração a função principal do Estado.
Enquanto que no Estado Liberal do séc. XIX, a função mais importante era a função
legislativa, agora no Estado Social a função mais importante e através da qual se
realizam novas funções estaduais é a função Administrativa. Inclusivamente, há um
autor alemão que diz que o Estado Social é um Estado de Administração.

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Isto caracteriza a transformação do modelo que implicou que a Administração se
transformasse não apenas em agressiva (garantindo a segurança interna e externa), mas
também em Administração prestadora de serviços públicos, onde o Estado passa a atuar
para satisfazer as necessidades dos particulares, passando a ter tarefa constante e
duradoura de satisfação das necessidades coletivas.
Portanto, o Estado cresce razoavelmente, mas temos também transformações no quadro
da justiça administrativa. Estas transformações resultam de intervenções legislativas que
surgiram no séc. XIX, primeiro nas Comunidades do Sul da Alemanha, onde há uma
jurisdicionalização do contencioso administrativo, e também de outras intervenções
legislativas que ocorrem em 1906/1907, em Itália e Espanha, que também passam por
esta jurisdicionalização do contencioso administrativo.

Depois passamos para um segundo momento da história do contencioso administrativo,


em que aqueles órgãos semi-administrativos e semi-jurisdicionais adquirem um estatuto
jurídico. Embora esta transformação aconteça em Espanha, Alemanha e Itália
relativamente cedo, noutros países a realidade é tardia.
Se olharmos para a lógica francesa, uma lógica continuada, vemos um Acórdão que
acabou com o sistema ministro-juiz, onde o particular primeiro obtinha a última decisão
do ministro, que era a primeira instância do contencioso administrativo, e só depois se
recorria para o Conselho de Estado, analisando-se apenas as questões de direito.
Este não era um verdadeiro tribunal, pois não apreciava o facto, apenas apreciava o
conhecimento do direito, estando limitado nos seus poderes.
A partir daqui as coisas foram se transformando em França, foram surgindo
transformações legislativas, acompanhadas de transformações constitucionais, que
fazem com que a secção jurisdicional do Conselho de Estado se transforme num
Tribunal Autónomo, como é hoje.

A melhor explicação para esta transformação é aquela que dá Costa Correia, que diz que
é um milagre – o milagre da Administração toda poderosa que aceitou ter limites e que

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podia ser controlada pelo Tribunal. Esta é uma explicação fraca porque ela parte do
mesmo pressuposto tradicional de que o Estado é dono do Direito.
Ora, o Estado é sujeito do Direito, pois intervém na produção jurídica, mas não é dono
do Direito. Não o sendo, esta ideia de um Estado que aceita autolimitar-se não
corresponde à realidade e não faz sentido.

A transformação foi-se dando aos poucos, também por vontade e resultado da atuação
do Conselho de Estado (self made court). Esta natureza explica como é que ele se
transformou de um quase-tribunal para um tribunal propriamente dito.

Primeiro, separou as tarefas consultivas das tarefas jurisdicionais, deixando de ser as


mesmas pessoas a fazer o mesmo, o que abriu caminho para que do lado jurisdicional
surgissem juízes, e não órgãos da Administração.
Depois, houve a proibição de passar de um lado para outro, estava muito bem definido
quem era juiz e quem era administrador. Isto conduz à separação entre Administração e
Justiça, que é depois reconhecida pelo Conselho Constitucional (uma realidade
francesa).

Hoje em dia, temos uma lógica em que os tribunais se vão construindo, havendo 2
órgãos totalmente autónomos:
1. Conselho de Estado: em Paris, atrás do Prado e do antigo palácio do Luís XIV,
há o Conselho de Estado. Este edifício funciona como metáfora do que acabou
por acontecer, pois ao entrarmos no edifício existem 2 portas que nos levam, de
um lado, à secção administrativa e, de outro lado, à secção contenciosa. Ou seja,
temos em lados opostos a Administração e o Juiz, o estatuto do funcionário
administrativo e do outro lado juízes autónomos e independentes que integram o
poder jurisdicional, não existindo comunicação entre eles.
2. Tribunal Constitucional: é outro órgão jurisdicional, portanto, o mesmo
edifício tem 2 tribunais, não sendo possível transitar de um lado para o outro.
Hoje em dia, há uma integral separação entre administrar e julgar. Há uma
especialização da justiça administrativa, que é justificada pelas especificidades

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do Direito Administrativo. Estas especificidades são tantas, que não é possível a
um juiz que resolve casos de Direito da Família, por exemplo, ocupar-se deste
tipo de questões, caso contrário voltamos a uma lógica de desaparecimento do
Direito Administrativo.

No quadro francês, há uma jurisdição autónoma. Foi uma sentença do TC francês que
veio declarar que a secção jurisdicional é do tribunal, não é do órgão administrativo.
O mais curioso é que o fundamento que o TC alega para esta especialização no tribunal,
é a lei que tinha proibido os juízes do poder jurisdicional de controlar a Administração.
Assim, encontra-se fundamento para a especialização da justiça administrativa.
Isto implica que haja uma formação específica para os juízes administrativos (em
Portugal, é duvidoso, apesar de haver cursos ad hoc).

Esta mudança de estatuto, em França, foi acontecendo, não havendo nenhum momento
específico. Embora possamos referir um momento importante, em 1910, que é o marco
da execução das sentenças – a ideia de que para ser tribunal tem de existir um
mecanismo de execução das sentenças.

Em Portugal, só depois da Constituição de 1976 é que, em 1977, alguém se lembrou de


dizer que se é sentença, alguém tem de cumprir a sentença.
Em França, as transformações políticas e jurídicas, e as transformações quer do Direito
Comum, quer do Direito Constitucional, foram sucedendo ao longo do tempo, dando-se,
assim, o milagre da transformação do “quase-tribunal” num tribunal propriamente dito.

Isto tudo mudou a natureza dos tribunais administrativos. Em Portugal, isto aconteceu
ainda mais a partir de 1933, visto que o legislador adotou a lógica francesa do
administrador-juiz. Não havia dúvidas de que, no quadro da Constituição de 1933, como
dizia o Sr. Prof. Marcello Caetano, os tribunais administrativos eram órgãos da
Administração no exercício de uma função jurisdicional.
Isto notava-se em vários aspetos. Em primeiro lugar, a Administração está integrada na
justiça administrativa do Estado, na Presidência do Conselho de Ministros – era a sua lei

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que tinha o estatuto dos tribunais administrativos. Portanto, a justiça administrativa
dependia do CM ou do Ministro a quem fosse delegado.
Depois, quem era o responsável pela gestão da carreira? O PM ou o Secretário de
Estado a quem fosse atribuída as funções.

Em Portugal, é preciso esperar por 1977 para que surja um sistema jurisdicionalizado do
Direito Administrativo, um sistema de execução das sentenças. O Sr. Prof. Freitas do
Amaral veio dizer que, embora o sistema declarativo funcionasse com alguma
autonomia, depois dos tribunais decidirem, a última palavra continuava a caber à
Administração. O processo contencioso continuava e depois da sentença voltava-se ao
processo gracioso para saber se a Administração cumpria ou não a decisão do tribunal e
se ela não cumprisse, não haveria nada a fazer.

Enquanto não houver um sistema de execução das sentenças, não há contencioso


administrativo nem justiça administrativa, porque a última palavra continua a caber à
Administração – o Sr. Prof. Freitas do Amaral dizia que isto era não apenas algo que se
assimilava ao sistema da justiça delegada, mas era algo que correspondia ao modelo da
justiça reservada porque última palavra, em termos de execução, continuava a caber à
Administração Pública.
Em Portugal, só a Constituição de 1977 é que pela primeira vez integrou tribunais
administrativos no poder judicial, mesmo assim sem optar por eles, e estabeleceu o
direito de acesso à justiça, embora esse fosse um direito ao recurso. É preciso esperar
pela revisão constitucional de 1989. Era preciso tomar decisões, e estávamos à espera
das mesmas desde 1989, numa situação gravíssima de inconstitucionalidade material,
por divergência entre a realidade e a realidade constitucional, que era a realidade de
1933. Até 2004, os tribunais funcionavam, embora com pequenas alterações, mas não
podia continuar assim, por isso é que a revisão constitucional de 1989 foi tão
importante.
Esta foi uma transformação importante, falamos da jurisdicionalização (do batismo) do
Contencioso Administrativo e da Justiça Administrativa, que se transformou numa
realidade jurídica. Só que o Estado Social trouxe um incomensurável aumento da

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atividade administrativa e o Contencioso Administrativo em tudo mais manteve-se
idêntico, sendo o contencioso do poder, do ato administrativo e do regulamento.
Contudo, a pouco e pouco foram surgindo mecanismos contenciosos para a contratação
pública, a responsabilidade civil e outras formas de atuação administrativa. Desta forma,
o contencioso foi-se transformando, apesar de continuar marcado pelos traumas
originais.
Exemplo: o controlador aéreo que está no aeroporto a mandar aterrar e descolar
aviões, está a praticar atos administrativos que não são definitivos nem
executórios, desde logo porque dependem de outras circunstâncias como a pista,
a meteorologia, etc.
Com este exemplo, percebemos que um ato da Administração prestadora não pode ser
definitivo nem executório, pois não faz qualquer sentido. No entanto, isto vai continuar
a ser repetido até 2004, pois só aí vai desaparecer a noção de ato definitivo executório.
A Administração atua através da lei e cumpre a lei, quando não o faz, é julgada. Os
tribunais executam as suas decisões e isto introduz a realidade típica do Estado de
Direito. Porém, nesta altura, passou a haver outro problema: como a Administração
cresceu para fora do domínio da Administração prestadora e como a procura do juiz-
administrativo era muito grande, aquela realidade do Contencioso Administrativo
limitado no seu âmbito e limitado nos poderes do juiz deixou de funcionar e foi preciso
repensar a Administração e o Contencioso Administrativo. Foi preciso transformar toda
esta realidade que estava subjacente no período do Estado Social.
Contudo, é curioso que este período do Estado Social também trouxe uma alteração
muito profunda, que aproximou o sistema britânico do sistema francês.
Já tínhamos visto as mudanças do sistema francês: passou a ter tribunais, alargou o
âmbito da legalidade, afastou conceções mais autoritárias, etc. No fundo, o Contencioso
Administrativo, apesar de tudo, teve mudanças no quadro desta transformação.
Por outro lado, no séc. XIX, em Inglaterra, ficou tudo na mesma: não há um órgão
administrativo, não há Direito Administrativo, não há poderes especiais para a
Administração. A mudança deu-se em Inglaterra no início do século XX.

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Primeiro, surgiu o Direito Administrativo, surgiram normas criadas para o exercício da
função administrativa e surgiu o estatuto britânico que estabelece leis para a
Administração.
Depois, a Administração cresceu e os britânicos viram que em França funcionava
melhor faltando poderes de execução de decisões e tribunais autónomos. Então, criaram
os Administrative Tribunals (órgãos da Administração, distintos dos courts) que tinham
poderes de julgamento em primeira instância. Isto significou a criação de uma
promiscuidade ao nível do Contencioso Administrativo, que não tinha existido na fase
do sistema original do Estado Liberal, numa altura em que surgiam todos aqueles
traumas em França, sendo que em Inglaterra isso só surgiu com o Estado Social e com a
transformação da realidade que estava subjacente ao funcionamento da Administração.
A partir dos anos 60, surgiu mesmo um court, um Tribunal Administrativo que
começou por se chamar tribunal do Rei (nos anos 50) e depois Tribunal da Rainha e,
hoje em dia, chama-se Tribunal Administrativo, que só julga litígios administrativos.

Tradicionalmente, colocava-se isto em termos de jurisdições autónomas (isto acontecia


em França, Itália, Espanha, Portugal, etc.). Nestes sistemas, da base até ao topo, todos
os tribunais são especializados. Já no Reino Unido, só o primeiro tribunal é que é
especializado.
Por exemplo, nos EUA ou no Brasil, há contencioso administrativo? O que fazem os
juízes federados é resolução de litígios administrativos – é no topo da pirâmide que se
especializam os tribunais.

Assim, de acordo com o Sr. Prof. Regente Vasco Pereira da Silva, o problema hoje já
não é um problema de saber se há ou não uma jurisdição administrativa e uma
jurisdição comum, mas sim qual é o nível de especialização que o juiz deve ter. Isto é
importante e é a razão de sucesso da justiça administrativa, pois permite o controlo da
decisão administrativa. Portanto, a especialização é algo que em todos os temas se
configura como uma transformação benéfica para o sistema.

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A partir de 1920, começa a ser afirmado o princípio de que a última palavra cabe
sempre a um court, a um juiz. Falamos de uma espécie de tribunais arbitrais que se
inserem no modo de organização da Administração, mas não são constituídos juízes, são
profissionais administrativos e representantes dos afetados por aquela decisão.
Se o particular não se conforma com a decisão, a última palavra cabe sempre a um
court, a um juiz. Por isso, é um tribunal que hoje vai decidir todas as questões. Também
aqui temos, no princípio, uma espécie de cópia a posteriori do que tinha acontecido no
sistema francês, e temos também a defesa da jurisdicionalização do Contencioso
Administrativo.
A crise decorrente das transformações da Administração Pública, da passagem de uma
Administração agressiva a uma Administração prestadora, obrigou a que Administração
entrasse em crise nos anos 60.
Esta crise tem a ver com o facto de a Administração ser cada vez maior e tratar de tudo
aquilo que diz respeito à vida dos cidadãos, desde o nascimento até à morte.
Esta crise veio introduzir a necessidade de preocupações ecológicas, novas realidades
sociais, a limitação do Estado, a ideia da Administração infraestrutural, entre muitas
outras transformações que não podiam deixar de ter consequências em termos de
Contencioso Administrativo.
Surge uma nova fase de tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, que procura
superar os traumas principais desta infância difícil, sendo que os tribunais estão no
quadro constitucional.
Há 2 momentos nesta última fase que ainda estamos a viver da justiça administrativa:
1. Momento de constitucionalização: nos anos 70 todas as constituições
introduzem um modelo de justiça administrativa diferente, que assenta na tutela
plena e efetiva dos direitos dos particulares. Ou seja, o particular tem direitos e
estes direitos devem ser julgados num tribunal, que existe para satisfazer os seus
direitos. O juiz tem todos os poderes necessários para tutelar de forma integral
os direitos dos particulares, portanto, o juiz tem o poder de condenar a
Administração, de dar ordens, enfim, tem o poder de fazer tudo o que não podia
fazer no modelo contencioso tradicional

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2. Europeização: sucedeu primeiro na Alemanha, que tinha tido um eclipse do
Estado de Direito com o nazismo e agora que essa realidade desaparecia, os
alemães queriam reconstruir o país. Pretendia-se que a Administração deixasse
de ser um instrumento totalitário e estabeleceu-se que os particulares têm
direitos, que os juízes existem para a tutela plena e efetiva desses mesmos
direitos.

Até há uma história que demonstra esta realidade: aconteceu em Berlim, que estava
dividida em 2 potências de modelos distintos, a Inglaterra e os EUA. A mistura destes
modelos deu origem a um sistema de Contencioso Administrativo, que mantendo os
tribunais administrativos como os franceses, era um modelo de controlo integral da
Administração. Isto surgiu no fim da Guerra, mas depois aconteceu também, com todas
as revisões constitucionais dos anos 60 e 70.
No nosso caso, a CRP de 1976 crismou o Contencioso Administrativo português e
trouxe a ideia de que o Contencioso Administrativo para ser verdadeiramente
jurisdicional precisa de estar plenamente jurisdicionalizado e o juiz precisa de apoio
constitucional. Para a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, o juiz tem de
ter todos os poderes e tem de ter esses poderes em todos os processos, seja no processo
declarativo, cautelar ou executivo.

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Aula de dia 3 de outubro Bárbara Félix & Maria Eduarda Ferreira

Estivemos na aula passada a analisar e evolução do Contencioso Administrativo. E


vamos terminar essa parte da matéria e ainda faremos uma pequena referência à
evolução constitucional do Contencioso Administrativo.
Relativamente à análise histórica e da Psicanálise do Contencioso Administrativo,
chegámos depois do período do Pecado Original e depois do seu Batismo com o Estado
social, chegámos à realidade atual que vai significar uma tutela plena e efetiva do
Contencioso Administrativo. Se quiserem, para continuar a metáfora que tenho
utilizado: o Crisma ou a Confirmação do Contencioso Administrativo. E isto vai estar
associado também com o novo Estado, o Estado pós-social e vai dar origem a dois
momentos:
O primeiro momento de Constitucionalização do Processo Administrativo, que
corresponde à Lei Fundamental da Alemanha, a seguir à Guerra e depois às
Constituições e aos Tribunais Constitucionais dos anos 70 e do início dos anos 80.
E depois temos os anos 80 e 90 até aos nossos dias que é a Europeização do
Processo Administrativo.
Vamo-nos concentrar nesta última fase, a fase da tutela plena e efetiva que significa
efetivamente uma mudança de paradigma relativamente àquilo que tinha sido até aí o

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Contencioso Administrativo. E uma tal mudança de paradigma que é extremamente
importante que tem consequências enormes em todos os parâmetros.
Em todos os outros países europeus verifica-se essa transformação do Contencioso. E
ela assume também uma dimensão psicanalítica, porque a transformação vai surgir
através da “externalização enquanto elemento de relevância”. E essa externalização
poderia passar por uma transposição a escrito dos traumas do Contencioso
Administrativo e a explicação adequada para esses traumas.
Ora, aquilo que vai acontecer com as Constituições e com os Tribunais Constitucionais
é que efetivamente vão pôr por escrito, pôr na Constituição e levar ao Direito
Constitucional o novo modelo de Justiça Administrativa. E, portanto, este aspeto da
externalização releva através do poder administrativo.
É o resultado de um conjunto de transformações que começaram logo na Alemanha do
pós-guerra, que tinha vivido o período do Nazismo; que estava submetida, em Berlim, a
uma ocupação militar; e a tentativa de construir um modelo mais perfeito que os outros
e conjugasse as características do modelo britânico com as características do modelo
francês. E, portanto, que tivesse o Tribunal especializado enquanto tribunal que estava
particularmente em condições de julgar porque conhecia a Administração e conhecia o
Direito Administrativo, tornando-se numa realidade cada vez mais importante e maior.
E, portanto, era especializado e ao mesmo tempo era livre. Portanto era um juiz igual
aos outros juízes e um juiz que existia para a tutela plena e efetiva para os direitos dos
particulares. E por isso o artigo-chave da Constituição alemã é o artigo 19º/4, que se
consagra precisamente este princípio da tutela plena e efetiva dos direitos dos
particulares, e que se diz que os Tribunais Administrativos têm como tarefa de tutelar,
deixando de ter uma função objetiva, como tinha sido até aí, ou seja, o juiz que julgava
a legalidade independentemente de quem tinha praticado o facto, e independentemente
do particular visado. O juiz era apenas alguém que fazia um exame ao ato
administrativo. Era esta a lógica tradicional do Contencioso Administrativo.
E agora este Contencioso Administrativo transformava-se num Contencioso em que
havia partes, em que havia igualdade de partes, em que a relação jurídica substantiva
entre o particular e Administração dava origem a uma relação livre trazida pelas partes.
E as duas realidades estavam relacionadas, porque a satisfação dos direitos dos

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particulares significa que dos direitos dos particulares, portanto há uma dimensão,
quando falamos em direito dos setores públicos, que só se ouve falar a partir desta
altura. O particular agora tem direitos, tem direitos a atuações administrativas conforme
a lei e, portanto, a satisfação do direito do particular significa a realização do direito por
parte da Administração. É uma realidade onde as duas dimensões se interligam.
E por isso, agora o Contencioso vai ser subjetivo, vai atender à tutela dos direitos das
partes, dos direitos dos particulares – vai ter uma natureza e dimensão subjetiva.
E em Portugal, em vigor, apesar da Reforma de 1985 ter introduzido alterações
importantes da estrutura do Contencioso Administrativo – a autoridade era um resquício
dos traumas da infância do Contencioso Administrativo. Portanto há aqui uma mudança
radical da justiça administrativa que é seguida em primeiro lugar na Alemanha. É por
isso que a Alemanha tem os mais perfeitos códigos – a ideia de a cada direito
correspondia uma ação, os juízes têm que ter todos os meios para tutelar os direitos dos
particulares em todas as situações. O juiz tem que ter sempre poderes para atuar, e
através da atuação, no quadro do Contencioso subjetivo, destinado à tutela dos direitos
dos particulares, o juiz deve realizar esses direitos de forma plena e eficaz. E isto é a
grande transformação. Significa não apenas que o juiz é um juiz, como já era no início
do séc. XX, mas para além disso que se retira todas as consequências do facto de ser
juiz, ou seja, não é apenas a repetição do que já fizeram - é tirar as consequências dando
poderes ao juiz de condenação, de dar ordens à Administração mesmo quando está em
causa o exercício do poder administrativo. É a plenitude do poder judicial.
E tal como na Lei Fundamental de Bona, as outras Constituições, nos anos 70, através
de revisões constitucionais e intervenção dos tribunais constitucionais vão introduzir
esta dimensão jurisdicional formal subjetiva. E isso acontece em todos os países.
Em Portugal, com a Constituição de 1976, pela primeira vez, institucionalizou o
Contencioso Administrativo como algo que se integra do poder judicial. Fala do direito
fundamental de acesso à justiça administrativa, mas ainda diz que é um direito ao
recurso sob atos administrativos. Assim a Constituição de 1976 é uma Constituição
compromissória, entre o velho e o novo, mas as revisões constitucionais introduzem um
novo modelo de justiça administrativa.

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Portanto há uma realidade em transformação, o mesmo se observa em Espanha, na
Constituição de 78, Itália com a revisão constitucional de 78 ou 73.
O mesmo se diga em todos os países onde este fenómeno se verificou ou houve a
influência do Tribunal Constitucional.
Em França, foi o Tribunal Constitucional que, em 1980, diz que a secção jurisdicional
do Conselho de Estado é um verdadeiro Tribunal, que se integra no poder jurisdicional e
alguns anos depois o mesmo Tribunal Constitucional afirma, no elenco dos direitos
fundamentais, o direito ao acesso à justiça administrativa para a tutela dos direitos dos
particulares, ou seja, a dupla dimensão judicial e administrativa estabelecido na CRP.
E as Constituições começaram a ser levadas a sério. Ninguém as levava a sério. Esta
realidade muda com o Estado social, sobretudo nos anos 60 e 70. Há um autor que diz
que: “não há apenas esta dependência, há uma dupla dependência entre o Direito
Constitucional e o Direito Administrativo, porque o Direito Constitucional também vai
depender do Direito Administrativo”. A efetividade da Constituição depende do direito
administrativo, o modo como a Constituição é aplicada pelos órgãos administrativos, e a
forma como é efetivada.
E com a obra e graça dos Tribunais tradicionais, o Direito constitucional começa e
determina o funcionamento da Administração e o funcionamento da justiça
administrativa. Daí a relevância desta constitucionalização nos anos 70 e 80.
Mas nos anos 80 começa a firmar-se uma outra realidade que já vem detrás, mas que
agora assume uma dimensão nova: a dimensão da União Europeia e a transformação da
mesma de uma simples coligação de Estados numa união económica e monetária que
tem uma Ordem Jurídica própria.
A União Europeia não é como as outras Ordens jurídicas – a EU tem um direito próprio
que simultaneamente se aplica e que tem primazia sobre os direitos do Estados
membros. E, portanto, esta realidade vai introduzir uma nova dimensão no Direito
Administrativo: a União Europeia existe para fazer política pública, para realizar à
escala europeia alterações e esta realidade dá origem a um Ordenamento Jurídico
próprio, que por um lado provém das Constituições, mas por outro lado integra do
direito dos Estados-membros. Portanto há aqui uma realidade nova e sui generis que não

20
é um estado único federado, mas é algo muito mais que isso, tendo uma dimensão
interna.
A ideia de Constituição europeia existe também no quadro das instituições europeias:
não é uma Constituição, com valor superior aos outros, mas há princípios e valores de
ordem constitucional que estabelecem duas regras: as regras de organização de poder; e
as regras de proteção de direitos. Ora, desde a Revolução Francesa que sabemos que as
duas condições para a existência de Constituição é a divisão de poderes e a garantia dos
direitos. Portanto, há uma Constituição material.
A reação do BREXIT é uma reação contra o enunciado. Ou seja, os britânicos disseram
que não queriam que a sua Constituição se submetesse a esta Constituição analisada.
Portanto, há aqui uma reação que é também de natureza constitucional.
E esta realidade constitucional europeia, este novo direito europeu vai assumir
numerosas regras e constituições que tem a ver com o direito e processo administrativo.
Em primeiro lugar, quanto aos contratos públicos, verificou-se uma realidade nova,
acabou-se com a esquizofrenia que distinguia dos contratos de direito privado dos
contratos administrativos. Hoje todos os contratos são públicos, regulados, submetidos
ao Tribunal Administrativo. Ou seja, a esquizofrenia contrato administrativo/privado
desapareceu. A União europeia entendia que para haver uma união económica, uma
união que fosse além do simples mercado único, era preciso que, do ponto de vista da
contratação, todos os cidadãos europeus pudessem candidatar-se a qualquer emprego na
União Europeia – os portugueses pudessem concorrer na Alemanha, alemães pudessem
concorrer para a Polónia, os polacos pudessem concorrer na Irlanda. A lógica europeia
da mobilidade de pessoas, de capitais de bens e serviços obrigava a regras comuns em
termos de contratações.
Assim, a União Europeia, em primeiro lugar, foi procurar o conceito novo que fosse
comum a todos os países. Porque nos países anglo-saxónicos ninguém sabia o que era o
contrato administrativo. Mesmo na Alemanha não havia contratos administrativos – só
havia contratos administrativos em Portugal, Espanha, França e Itália.
Portanto a União Europeia acabou com a esquizofrenia – só há contratos públicos e são
todos contratos públicos. E há determinadas matérias que independentemente de quem

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atua os contratos são públicos. Porque como no Reino Unido, na Irlanda, na Holanda,
não há atos formalmente administrativos.
Portanto a união europeia para estabelecer um regime comum a todos os estados-
membros, criou um mecanismo processual no âmbito dos contratos públicos. A ideia de
que é possível averiguar não apenas o conteúdo dos contratos, mas também o que os
antecede.
A união europeia até estabeleceu um princípio que, na posição da regência, ainda não
está completamente adquirido em Portugal, pelo que estamos a violar um dever jurídico.
E esta situação piorou com a “reforminha” de 2019 que pôs termo ao princípio do
standstill (“está quieto e calado ou levas no focinho”). Significa que depois de celebrado
o contrato é necessário esperar para que as partes percebam se é mesmo aquilo que elas
querem. Esperar meia dúzia de dias para saber se os outros estão de acordo e se aquilo
corresponde ao que estava estabelecido na realidade pré-contratual.
É essencial que exista este momento pré-contratual no contencioso contratual. Porque
para anular contrato, depois, é preciso indemnizar. Situação que ocorre frequentemente
em Portugal. Ou seja, com isto visa-se evitar que o contencioso contratual seja um
contencioso de responsabilidade civil.
A cláusula standstill é, assim, uma clausula fundamental do contencioso contratual.
Mas Portugal criou precisamente o que a união europeia não queria. A união europeia
quer um período em que ninguém faça nada (período de reflexão).
A reforma de 2004, estabeleceu que os atos praticados por particulares estão sujeitos ao
contencioso administrativo. Os particulares podem exercer a função administrativa.
Noutros países, as concessões fazem das particulares entidades ao exercício da função
administrativa e há possibilidade dos particulares, em determinadas atividades,
colaborarem no exercício de funções administrativas, como, por exemplo, os
bastonários ou as federações desportivas (que são associações de pessoas, mas que
exercem poderes administrativos).
Nos países anglo-saxónicos, nem sequer existia distinção entre pessoas coletivas
publicas ou privadas. A Irlanda, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia, todos os países do
Leste têm o sistema anglo-saxónico, portanto são uma realidade no quadro europeu que
levou a que os quadros- mentais se transformassem.

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Por outro lado, a união europeia veio demostrar que os sistemas processuais
administrativos não funcionavam porque não existia tutela cautelar. Em Portugal, existia
uma suspensão da eficácia dos atos administrativos que nunca tinha funcionado (“É
mais fácil encontrar um tigre na serra da Malcata do que uma sentença que suspenda a
eficácia de um ato administrativo”). Não havia tutela cautelar (em geral)!
Nos anos 80, descobriu-se que em Inglaterra não havia tutela cautelar em relação aos
atos da rainha, por razões tradicionais. E a união europeia convidou o reino unido a
estabelecer a tutela cautelar.
A grande reforma do contencioso administrativo que vai dar origem á reforma
2002/2004, deu-se em todos os países, determinada pelas exigências da união europeia
de estabelecimento da tutela cautelar.
A partir de 98, começaram a surgir tentativas de reforma do contencioso administrativo,
primeiro na Alemanha e na Itália. Reforma destinada a alcançar a tutela plena e efetiva
dos direitos dos particulares e a introduzir a tutela cautelar, realidade que até aí quase
não existia, exceto na Alemanha em a regra até é oposta (se um particular vai a um
tribunal para impugnar uma decisão, há um efeito suspensivo automático e depois tem
de ser a administração a convencer o tribunal a executar aquele ato- Melhor solução, na
posição do professor regente.)
Em Portugal, a tutela cautelar continua a ser uma realidade estranha á justiça
administrativa. No âmbito da tutela cautelar, a administração pode dizer que quer
executar e vale a palavra da administração. Quem decide não é o juiz. Depois de um
particular ter impugnado e pedido a suspensão de eficácia, a administração através de
uma decisão fundamentada pode na mesma executar. Isto não faz sentido porque num
processo judicial quem tem de ter a última palavra é o juiz. Mas mesmo assim as coisas
melhoraram muito, e por causa da união europeia.
No quadro da integração horizontal, os países procuraram esquemas não de
uniformização, mas sim de compatibilidade de regras (provocado pelo mercado
comum). Esta compatibilização das regras introduziu múltiplas transformações.
Atualmente, estamos ainda a viver neste período da europeização. A manifestação da
dimensão europeia é essencial.

23
Como já foi dito, o direito administrativo é direito constitucional concretizado. Existe
uma dupla dependência entre o direito administrativo e o direito constitucional. O
direito constitucional estabelece as grandes orientações da justiça administrativa, mas o
direito constitucional precisa do direto administrativo para o concretizar. Isto tem a ver
com a própria eficácia da constituição.
O professor regente, procurou aplicar esta regra no direito europeu. O direito europeu é
algo do qual o direito administrativo depende (está dependente das grandes opções de
politicas publicas europeias que se misturam com a realidade portuguesa, por um lado, e
por outro têm primazia sobre ela) mas por outro lado o direito da união europeia
depende do direito administrativo dos estados-membros porque a união europeia não
tem administração própria (tem uma “administraçãozinha”) logo quem aplica o direito
europeu são as administrações dos estados-membros, tal como são também os tribunais
nacionais. O direito europeu não tem efetividade se não for aplicado pela administração
dos países europeus e pelos tribunais dos países europeus. Logo se é verdade que o
direito português depende do europeu, não é menos verdade que o direito europeu
depende do português--» lógica da dupla dependência/reciprocidade no quadro desta
realidade sui generis que cria uma realidade jurídica que é mais importante do que
qualquer realidade política ou económica. O que faz com que qualquer país que se junte
á união europeia tenha de receber tudo aquilo em que não participou.
Isto tem consequências boas no processo administrativo porque aperfeiçoou o controlo
administrativo e introduziu a tutela cautelar (é necessário existir um contencioso
cautelar para prevenir as situações que depois vão ser discutidas no contencioso
declarativo).
Para terminar a parte introdutória, falta fazer uma breve referência a Portugal.
A Constituição de 76, estabeleceu a jurisdicionalização do contencioso. Apontou para
um novo modelo de justiça administrativa ao estabelecer o direito de acesso aos
tribunais.
Mas esta constituição é compromissória: consagrava todos os direitos e liberdades
fundamentais, por um lado, mas, por outro lado, estabelecia o princípio da apropriação
coletiva dos meios de produção e a construção de uma sociedade socialista. Permitia o
liberalismo económico, mas apontava par um modelo da sociedade sem classes.

24
Estabelecia uma sociedade democrática, mas tinha um órgão que era o conselho da
revolução. Foi a prática constitucional e as sucessivas revisões que foram alterando este
compromisso inicial.
O Professor Jorge Miranda fala de uma evolução porque acha que não houve nenhuma
rutura. Já o Professor Vasco entende que houve uma verdadeira rutura, ainda que na
continuidade. Em 82, desapareceu o conselho da revolução. Em 89, deu-se a rutura com
a estrutura económica de natureza coletivista. Não foi uma simples revisão, mas sim
uma rotura!
O mesmo aconteceu no contencioso administrativo: judicialização e tutela de direitos.
Mas a judicialização não era absoluta. Dizia-se que podia haver tribunais
administrativos e se houvesse, estes estavam integrados no poder judicial, mas isso não
fazia com que eles efetivamente funcionassem. Determinava o direto de acesso, mas era
apenas um direito de aceso ao recurso contencioso/direto de anulação- meio processual
limitado que não atribuía poderes ao juiz e não tutelava os direitos dos particulares.
Era a dimensão do contencioso administrativo do passado e a nova dimensão do
contencioso administrativo.
Em 77, há um diploma que fez aquilo que os seus autores chamaram (e bem, na posição
do Professor Vasco) o mínimo constitucional. Era uma operação de urgência sem a qual
não existe contencioso. Foi a execução das sentenças. A partir de 77, passou a haver a
execução das sentenças dos tribunais administrativos. Até 77 não existia. O juiz decidia
e a administração decidia se queria ou não executar. Era uma “gracinha” da
administração. Ainda que de forma indireta, aquilo que a revisão de 77 fez foi consagrar
aquilo que o Prof. Freitas do Amaral defendia na sua tese de doutoramento.
Foi isto que fez funcionar a penhora dos bens da administração (aqueles que não
pertencem ao património publico) para a execução das sentenças, o que é fantástico. É a
forma mais eficaz de obter a execução das sentenças. Por exemplo, se a frota de
automóveis do ministro ficar toda penhorada é muito mais eficaz do que a ameaça de
tribunal, pelo que a penhora é uma coisa imediata e fantástica! Foi isso que transformou
de forma radical a lógica do processo administrativo, ainda que tenha continuado em
vigor a lei orgânica e o regulamento dos tribunais administrativos.

25
Em 82, a Constituição veio dizer que eram os atos administrativos, independentemente
da sua forma. É uma expressão que na altura não fazia muito sentido. Significa
largamente a noção de ato administrativo em sentido material – são todas as
manifestações do Direito Administrativo. E, portanto, alargou o âmbito do Contencioso.
Mas acrescentou contratos acessórios e defesa dos direitos dos particulares. E, portanto,
introduziu aqui uma alteração subjetiva do Contencioso Administrativo.
Na reforma de 85, que foi a única reforma até 2004, surgiu, em primeiro lugar, uma
ação para defesa de direitos como mecanismo auxiliar e não tinha um âmbito de
aplicação definido, mas que implicava largamente do processo a tutela dos direitos dos
particulares.
Permitiu que em 85 começasse a haver uma aproximação das partes. As partes possuíam
exatamente as mesmas possibilidades de atuar em juízo. Era uma reforma que mudou
alguma coisa, mas que não teve eficácia nenhuma, por causa da técnica legislativa do
legislador.
O legislador em vez de fazer um novo diploma de Contencioso Administrativo, não.
Resolveu fazer normas avulsas. Mantém em vigor o Código Administrativo, o
Regulamento do Supremo, todas as normas do passado, mais aquelas normas avulsas do
futuro.
O que aconteceu é que ninguém sabia o que é que estava em vigor, ninguém sabia o que
é que as reformas tinham alterado, havia incertezas e contradições permanentes, fazendo
do Contencioso Administrativo aquilo que o Professor Sérvulo Correia diz: uma “manta
de retalhos”. Era preciso consultar 5 diplomas para saber qual era a norma da
legitimidade do particular. Portanto era preciso recorrer a várias normas – era a lógica
do elefante a saltar de nenúfar em nenúfar.

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Aula dia 10 de outubro Daniela Francisco & Leonor Negalha M. Belo
Falámos na aula passada da constitucionalização e da europeização do Direito do
Contencioso Administrativo como momento de mudança, momento de uma nova fase
no quadro da realidade constitucional e da realidade legislativa do Contencioso
Administrativo.

Efetivamente começámos a falar e é isso que vamos falar hoje para acabarmos esse
nosso capítulo introdutório sobre a evolução portuguesa à luz da Constituição, uma
evolução difícil, complicada, que teve avanços e recuos, e à luz da europeização, uma
vez que a grande reforma do Contencioso Administrativo – 2002/2004 – é uma reforma

27
determinada simultaneamente pela revisão constitucional de 1997 e pela Europa e as
transformações introduzidas pela realidade europeia. Portanto, esta dupla dimensão da
europeização e da constitucionalização também se dá em Portugal, como todos os
outros países europeus.

Vimos que a Constituição de 1976 tinha estabelecido aquilo que eram os pilares de uma
nova realidade do Contencioso Administrativo, porque apontava para a
jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo, embora dissesse “caso
exista”, portanto não criava um Contencioso Administrativo no poder judicial, admitia
apenas que ele podia existir.
Na altura o legislador constituinte não se quis comprometer e esperou pela evolução
para ver qual seria o resultado. Estabelecia um direito fundamental de acesso ao
Contencioso, portanto introduzia uma lógica subjetiva no Contencioso Administrativo,
mas ao mesmo tempo que acontecia isso, o legislador conservava o velho Contencioso
Administrativo, porque o direito fundamental que estava em causa era o direito
fundamental ao recurso de anulação, um meio processual limitado em termos de âmbito
de aplicação, limitado em termos do poder do Juiz.

O Juiz apenas podia anular as atuações administrativas sem lhes poder dar ordens, sem
poder condenar. O recurso de anulação falava sobre atos definitivos e executórios, ou
seja, a noção mais autoritária de ato administrativo, a noção correspondente ao tempo
do Estado de Polícia. Era definitivo porque era a última vontade da Administração, era
executório porque era suscetível de execução coativa contra a vontade dos particulares
quando na altura a maior parte dos atos da Administração eram de natureza prestadora,
eram de natureza multilateral e, portanto, não eram definitivos, eram uma atuação no
quadro de procedimentos complexos e quando na altura, perante um ato prestador, não
há nada que executar.

O particular quer que o ato se execute não há que executar contra a vontade deste e,
portanto, é impossível executar um ato de natureza prestadora. Os únicos atos que são
executáveis são os de polícia e esses são executáveis quando a lei expressamente o

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preveja porque a evolução do Estado de Direito introduziu uma limitação ao princípio
da igualdade que acabou quer com o famigerado privilégio da execução prévia quer
com a existência de poderes de execução à vontade da Administração. Portanto, as
transformações produzidas em 76 alteraram precisamente a natureza, não o modo de
funcionamento da Justiça Administrativa. Natureza porque passou a ser jurisdicional,
não o modo de atuação porque continua a ter a ver com a lógica do sistema do
administrador juiz com a lógica do recurso hierárquico que se jurisdicionalizou.

Efetivamente no primeiro período constitucional de 76 a 82, a única coisa que aconteceu


foi o mínimo. Foi a lógica da emergência, como dizia o Doutor Rui Machete. Criou-se
uma lei – Decreto-Lei 256-A/77 – que previa a possibilidade de executar as sentenças
contra a Administração porque a Administração até aí não estava obrigada a cumprir as
sentenças dos Tribunais Administrativos. Cumpria ou não? Era uma gracinha da
Administração. E, portanto, essa disposição foi importante, mas tudo o mais se continua
a aplicar do passado: a Lei Orgânica do Supremo, o Regulamento do Supremo Tribunal
Administrativo, o Código Administrativo… continuava em vigor toda a legislação que
vinha da época anterior.

Em 82 o legislador disse “vamos alterar um bocadinho” e, portanto, o tal compromisso


constitucional mudou. O compromisso entre o velho e o novo agora vai ter um
bocadinho mais de novo, porque se mantém rigorosamente as mesmas previsões,
acrescenta-lhes qualquer coisa. O direito ao recurso de anulação passa a ser não apenas
contratos definitivos e executórios, mas contratos independentemente da sua forma, uma
expressão que se mantém até hoje, significa alargar o conteúdo material dos atos
levados a juízo, significa que qualquer ato, mesmo que não tenha forma de ato, mas que
materialmente seja um ato administrativo está submetido ao Contencioso. Isto alargou o
universo do Contencioso Administrativo, e acrescentou ao recurso, o direito de recurso,
a ideia que o direito de acesso à justiça tinha uma dimensão subjetiva porque existia
para tutelar direitos particulares. Na altura discutiu-se devia ser criado um novo meio, se
devia ser o recurso a tornar-se subjetivo ou se era preciso misturar as duas coisas. O
legislador decidiu misturar as duas coisas.

29
Na reforma de 85, que foi a primeira reforma feita no quadro democrático, o legislador
manteve o recurso de anulação, modificando-o um pouco, dando-lhe uma lógica de
partes, embora mantivesse os nomes: a Administração continuava a chamar-se
“Autoridade Recorrida”, mas passou a ter os mesmos poderes que o particular e o
particular que a Administração e, portanto, passou a haver uma lógica de partes no
âmbito do Contencioso Administrativo.
Ao lado deste recurso de anulação surgiu uma ação para a tutela de direitos e interesses
legalmente protegidos. Portanto o contencioso abriu-se com esta ação, que era uma ação
inominada, estabelecida através de uma cláusula geral que podia servir para tudo. Só
que esta reforma de 85, se alterou algumas coisas e algumas coisas importantes, na
prática não teve significado algum. Não teve significado algum por causa da técnica
legislativa usada pelo legislador ordinário. O legislador ordinário em vez de fazer uma
nova lei de processo, um código de processo, em vez de fazer uma nova lei de
organização da Justiça Administrativa, o legislador em 85 resolveu apenas, diríamos
nós, colocar remendos, substituir algumas normas sem elaborar um novo diploma, sem
elaborar uma lei de processo, sem elaborar uma lei de organização da Justiça
Administrativa ou juntar as duas coisas num único texto legislativo. Portanto, esta
realidade gerou imensos problemas, desde logo porque continuaram em vigor as normas
da Constituição de 33 que eram incompatíveis com o modelo constitucional. Já eram em
76, eram mais agora, em 85. E continuaram em vigor a Lei Orgânica, o Código do
Procedimento Administrativo, o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo.
Continuou tudo em vigor.

Depois haviam umas buchas metidas no sistema que alteravam algumas regras.
Resultado: ninguém sabia o que estava em vigor ou não, ninguém sabia o que o
legislador tinha querido alterar ou não. Gerou-se a confusão no quadro da Justiça
Administrativa. Portanto agravou-se ainda mais o distanciamento entre os particulares e
a Administração porque os particulares não sabiam o que é que haviam de fazer, os
juristas também não se interessaram muito e o Contencioso Administrativo ficou
limitado aos “happy few”, a uma minoria de pessoas no quadro da realidade

30
constitucional. Esta revisão de 85 acabou por não funcionar, foi uma reforma falhada.
Foi a primeira reforma, mas foi uma reforma falhada.
O Professor Sérvulo Correia diz, e bem, que ela constituiu uma manta de retalhos. O
Contencioso Administrativo transformou-se numa manta de retalhos. Para resolver um
problema da legitimidade das partes, que é um problema fácil de resolver, ou que
deveria ser um problema fácil de resolver com uma norma a invocar, no caso de
particular como parte era preciso invocar cinco. Esta, mais esta, mais esta… e
interpretá-las todas e todas diziam coisas diferentes, sendo preciso coordená-las. Isto
tornava-se uma difícil. A situação era terrível.

Em 89 vai mudar. Vai desaparecer a dimensão objetiva do Contencioso Administrativo


da lógica constitucional. Tudo o que era o velho Contencioso Administrativo
desaparece, embora num sistema ainda misto, ainda transitório, a preparar aquilo que
haveria de acontecer depois em 97.

O que é que agora aparece? Em primeiro lugar, no quadro do poder judicial, a jurisdição
administrativa transforma-se numa escolha constitucional. A Constituição regula a
jurisdição administrativa ao lado da jurisdição comum e diz, como diz hoje, que há uma
jurisdição dos Tribunais Judiciais que tem no topo o Supremo Tribunal de Justiça e há
uma jurisdição dos Tribunais Administrativos que tem no topo o Supremo Tribunal
Administrativo, portanto, passa a ser uma escolha constitucional.

Por outro lado, a Constituição altera radicalmente o direito fundamental de acesso à


Justiça Administrativa e estabelece-se um sistema que aponta para uma tutela plena e
efetiva dos direitos dos particulares porque mantém um número do art.º 268 dedicado ao
recurso de anulação e cria um novo, uma nova norma constitucional para todos os
outros meios processuais e, portanto, continua a referir-se a “meios processuais”, mas
agora regula-os a todos de forma completa e eficaz. O que se diz agora é que há um
direito de acesso à Justiça para impugnar atos administrativos e, portanto, abandona-se a
referência ao recurso, é um direito à impugnação, tem a ver com os poderes do Juiz, e

31
que este direito à impugnação se realiza através da impugnação de atos lesivos de
direitos particulares.

A dimensão subjetiva a entrar no objeto do processo. O objeto do processo são os


direitos dos particulares, tal como se dizia a propósito da Justiça Administrativa e
Fiscal, o que está em causa são relações jurídicas administrativas em que há poderes e
deveres parte a parte, há direitos e há poderes e há relações jurídicas subjetivas que
existem no plano administrativo e passam a ser discutidas no plano processual, num
processo subjetivo, num processo determinado por partes.

Esta expressão é a minha preferida: “o ato lesivo”. É o que justifica a minha tese de
doutoramento – “Em Busca do Ato Administrativo Perdido” – e é algo que mostra uma
subjetivação da Justiça Administrativa, ao mesmo tempo que uma subjetivação do
Direito Administrativo.

Agora, para a Constituição, particular e Administração são iguais, são sujeitos jurídicos
que têm poderes e deveres diferentes nas relações jurídicas substantivas, mas que
processualmente são partes, são partes que têm também posições diferenciadas, mas
determinadas por lei. O particular tem direitos, a Administração tem poderes, é a mesma
coisa. Um poder administrativo é igual a um direito potestativo. Nós aqui chamamos-lhe
“poder”, como se fosse uma coisa diferentíssima, então os clássicos, os tradicionais, os
da geração anterior à minha utilizavam a expressão “poder”, “poder administrativo”
incansavelmente. “Poder” é expressão que existe também no Direito Privado. O direito
potestativo é um poder. Um poder de agir unilateralmente face a outro. Não há nenhuma
diferença entre o Direito Administrativo e o Direito Privado a esse nível. O que há é que
no Direito Administrativo há sobretudo poderes. Isto é mais fácil de entender em
espanhol e italiano porque a expressão é única – “potestada” e “potesta” respetivamente
– tanto significa um direito potestativo do Direito Privado como um poder da
Administração.

32
O particular e Administração são iguais. São iguais e estabelecem relações jurídicas e o
processo tem de ter como conteúdo essas relações jurídicas. O que está em juízo é o ato
lesivo, não é o ato sem mais, é o ato que lesa direitos particulares, é a relação jurídica
em que o ato corresponde a um poder administrativo, a um direito potestativo, afetou o
direito dos particulares. São os direitos dos particulares que estão a ser objeto do
processo. Portanto isto é uma modificação radical. Devo dizer que bastava só isso para
que esta revisão constitucional de 89 marcasse uma diferença em relação ao que existia
até aí. Mas, para além disto, também se estabelecia uma tutela plena e efetiva em
relação a todos os outros meios processuais. Por exemplo, se estivesse em causa outras
formas de atuação e outros meios processuais dizia-se que também havia tutela plena e
efetiva. Ora bem, esta reforma era importante e era fundamental. Ela visava mudar a
natureza e o modo de atuar da Justiça Administrativa. Só que também ela não foi para a
frente e aí não consigo perceber porquê.

Eu estive envolvido na chamada Comissão Freitas do Amaral. O Professor convidou-me


e eu tive muito gosto. Aliás, sempre tive muito respeito pelo meu mestre, o Professor
Freitas do Amaral, mesmo que tenha passado a vida a discutir com ele. Fazia parte da
nossa relação. Até me lembro, no último encontro que tivemos, já não o via há muito
tempo, ele puxa-me para um canto, dá-me o braço e diz-me “Vasco!… Que saudades
que tenho de discutir consigo. Vamos discutir mais um bocadinho”. Ficou satisfeito, foi
pouco tempo antes de morrer. Enfim, foi realmente uma coisa muito afetuosa e muito
simpática. Mas efetivamente a minha relação com ele foi sempre essa. Respeitávamo-
nos muito, pensávamos de forma diferente e gostávamos de discutir um com o outro.
Enfim, o discutir é também uma forma de aprender, uma forma de progredir e aquilo
ajudava-me. Pelo menos a mim ajudou-me muito.

Esta realidade significava – enfim, voltando ao Contencioso, não sei já porque é que fui
para o Professor Freitas do Amaral, mas não interessa – da Justiça Administrativa
obrigava… Ah! Já sei porquê. É que eu estive integrado na Comissão Freitas do Amaral
que nos anos 88 e 89 elaborou a reforma do Procedimento e elaborou um projeto de
Contencioso Administrativo que era minimalista, que era muito mau, passei o tempo a

33
dizer “não, isto não vale a pena”, mas apesar de tudo, muda um bocadinho. E mudava
um bocadinho. Mas o legislador meteu na gaveta, achou que era demasiado ousado.
Avançou com o procedimento, menos mal, passou a haver uma Lei de Procedimento do
Código de Procedimento desde 90, mas a Lei de Processo ficou pelo caminho. Não teria
sido uma grande alteração, mas seria um início. Como isto não avançou, o que
aconteceu de 89 a 97? Nada! Ficou tudo na mesma.

O Tribunal Constitucional, apesar de ser manifestamente evidente que o ato definitivo e


executório tinha passado à história e que não podia mais ser um mecanismo aferidor da
legitimidade processual, ou, se quiserem, mais do que isso, dos requisitos processuais,
porque o que estava aqui em causa é o requisito processual do ato, do ato lesivo. O
Tribunal Constitucional resolveu dizer umas coisas que não fazem sentido nenhum: “
Ah! Realmente isto parece pôr em causa o ato definitivo e executório, se calhar esse ato
realmente já acabou”, “Ah! Mas pelo menos o recurso hierárquico necessário tem de
continuar a existir porque se a lei previr a sua existência ele deve manter-se”. Mas
manter-se porquê? Manter-se como? Qual a razoabilidade, se agora qualquer ato lesivo,
qualquer ato que fosse suscetível de afetar os direitos particulares, era suscetível de
impugnação contenciosa. E, portanto, o Tribunal Constitucional continuava a dizer que
“o particular não é prejudicado”. O que é que isto obriga? Obriga que o particular vá
primeiro ao órgão de topo da Administração antes de poder ir a Tribunal. O problema
não era este, estava visto ao contrário. O problema não era quando o particular ia e
depois podia ir a Tribunal.

O problema era que se ele não fosse ao superior hierárquico, se não recorresse
previamente ao superior hierárquico no prazo de 30 dias ficava sem o direito de ir ao
Tribunal. A inconstitucionalidade estava ali. Não era por ele ir ao Tribunal e não haver
problema nenhum. Pois claro. Nós em princípio se as calças servirem no corpo, não
precisam de nada. Podem ter um cinto e, portanto, aí já se aumenta a prevenção, as
calcas em princípio não caem, mas se se puser cinto e suspensório não caem de certeza,
mas para quê cinto e suspensórios? Portanto, o argumento do Tribunal Constitucional é:
antes de recorrer é preciso usar cintos e suspensório e só depois de fazer isto, de pôr os

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cintos e suspensórios, é que o particular pode ir a juízo. O problema é que se estes
cintos e suspensórios não forem resolvidos num prazo de 30 dias, o particular não pode
ir a juízo.

Isto é pôr em causa o direito fundamental de direito à Justiça. Era o que eu dizia no “Em
Busca do Ato Administrativo Perdido” e que agora tenho de repetir porque ainda há aí
uns lunáticos que acham que o Código do Procedimento Administrativo de 2015
consagrou o recurso hierárquico necessário – não consagrou, afastou. Tem lá uma
expressão e uma regulação que é do passado. Resolveram meter ali em homenagem ao
passado. Algo que não pode violar a Constituição, porque violaria o princípio da
separação de poderes, violaria o princípio do acesso à Justiça, violaria o princípio da
desconcentração.

Tudo isto foi discutido noutros países da Europa nos anos 60, foi ultrapassado em todos
e Portugal é o único país do mundo em que, supostamente o legislador do procedimento
– não o do contencioso – ainda mantém o recurso hierárquico. Já nem a França, a velha
França, a mãe do Contencioso Administrativo, através do Tribunal Constitucional,
declarou a inconstitucionalidade dos recursos hierárquicos necessários porque realmente
eles eram o resquício do sistema do Administrador Juiz que não fazem qualquer sentido
nos dias de hoje, mas o Tribunal Constitucional preferiu não dizer nada. E, portanto, as
coisas materialmente mantiveram-se na mesma e não houve nenhuma reforma.

Isto fazia com que os administrativistas estivessem um pouco aborrecidos com esta
situação, zangados, porque é uma realidade essencial do Estado de Direito. A
Constituição estava a ser violada numa matéria essencial, numa matéria do Estado de
Direito: a tutela dos direitos particulares. Como houve várias tentativas de reforma todas
falhadas, eu participei nalgumas, noutras já não me lembro, noutras não participei
mesmo. O meu compadre João Copas é que tem uma estante no escritório onde tem
todos os projetos de código que foram para o caixote do lixo. São imensos, dá para
encher uma estante. Enfim, é uma má memória da realidade portuguesa, mas é a
memória da inação.

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Em 97 estávamos todos fartos! 97 foi uma altura fantástica para fazer avançar as coisas,
porque havia um processo constitucional em curso.
Houve um jantar aqui na faculdade, sentámo-nos todos à mesma mesa,
constitucionalistas e administrativistas, estavam na faculdade os responsáveis políticos
da gestão do processo de revisão constitucional. Pelo partido socialista, que estava na
altura no poder, o professor Vital Moreira, pelo PSD o professor Marcelo Rebelo de
Sousa (líder do principal partido da oposição), do CDS estava o professor Freitas do
Amaral e do partido Comunista, também havia um representante (Vítor qualquer coisa,
um excelente administrativista que lecionava na Autónoma e que também fez parte do
acordo).
Sentámo-nos os não políticos também e fomos metendo coisas numa revisão
constitucional, que obrigasse o legislador a fazer alguma coisa, porque não era possível!

Era insustentável, aquele divórcio entre o texto constitucional e a realidade


constitucional! Era preciso alterar as coisas! Havia que mudar! Lembro-me
perfeitamente! Foi um jantar aqui na faculdade (já não me lembro o que se
comemorava) e sentámo-nos a mesa cada um começou a dizer coisas e o professor
Marcelo Rebelo de Sousa fez de secretário, pegou num guardanapo e começou a
escrever, a secretariar a reunião.
O artigo 268º/4 começou a crescer, cada um meteu lá aquilo que considerava mais
importante. Cada um de nós, enfim, já não me lembro exatamente quem disse o quê,
porque estivemos naquela lógica de brainstorming, e cada um procurou meter ao
máximo tudo no artigo 268º/4.
Em primeiro lugar realizou uma mudança copernicana na realidade portuguesa. É que
agora o centro do artigo já não são os meios jurisdicionais, agora são os direitos dos
particulares.

Agora o artigo 268º/4 começava pela tutela plena efetiva dos direitos dos particulares. E
para assegurar a tutela diz-se que os tribunais asseguram, nomeadamente, a
impugnação, a condenação, a declaração de direitos, o processo executivo, o processo

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declarativo, o processo cautelar, da forma mais completa possível. Portanto, ironizando,
este artigo 268º/4 ficou mais que prefeito. Os alemães tinham o prefeito, este é o mais
que prefeito. Parecia não faltar nada. Parecia… Porque já estávamos todos muito
satisfeitos com o resultado, até que o prof. Barbosa de Melo se volta para todos e diz: -
Epah! Estamo-nos a esquecer dos regulamentos! Então os regulamentos não ficam? - É
claro que era um esquecimento ninguém se tinha lembrado dos regulamentos, exceto
ele. E então ainda fizemos uma tentativa de incluir no n.º 4, porque a ideia era fazer só
um número, uma vez que a dualidade que existia antes não tinha dado bons resultados.

Então, vamos ver se metemos num só número todas as coisas e fizemos algumas
tentativas de incluir os regulamentos no n.º 4, só que não cabia. Não encaixava! Era
muito difícil! O português ficava cada vez pior e não encaixavam de todo! Por outro
lado, havia outro problema que era o guardanapo do prof. Rebelo de Sousa já não
permitia escrever mais nada. Estava todo cheio de setinhas e rabiscos, escrito de um
lado e do outro. Já não permitia alargar mais o 268º, isto explica porque nasceu o n.º 5.
Nós queríamos todos fazer só um artigo, mas como um não foi possível, tivemos que
fazer o n.º 5 para os regulamentos e, portanto, estabelece uma tutela jurídica subjetiva
para os regulamentos. E ficámos satisfeitos!
Agora tinha de ser! Tínhamos de avançar com a reforma do contencioso administrativo!
Mas não foi logo e não foi imediato. Os órgãos do poder político continuavam a resistir
e como continuavam a resistir recorreu-se a um outro mecanismo, que foi, pode-se
dizer, uma grande manifestação da justiça administrativa, com juízes, advogados,
professores, e vamos dizer que é preciso mudar.

O professor Freitas do Amaral era de Guimarães e achámos que Guimarães é um sítio


emblemático, então fizemos o manifesto de Guimarães sobre a justiça administrativa, o
manifesto surgiu na reunião, na reunião juntou-nos a todos, começamos a discutir coisas
e de repente houve alguém que disse: – E se fizéssemos um manifesto? - isto surgiu há
hora do jantar e a reunião acabava no dia seguinte, e os dois insones foram o Prof. João
Caupers e eu, assim que cozinhamos o manifesto de Guimarães. É uma coisa salutar, se

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quiserem ler, até porque algumas das coisas ainda não estão realizadas, portanto, é
importante que leiam o manifesto que é um documento radical sobre estas coisas.
Depois o prof. Freitas do Amaral, fez a sua apresentação pública comunicando a
Portugal e ao mundo que tínhamos de transformar a justiça administrativa. E este ato de
2002 do novo milénio permitiu que logo a seguir surgisse alguma coisa.
O Governo nomeou uma comissão de justiça administrativa encarregada de promover o
processo, e quem estava à frente dessa comissão era um assistente da faculdade de
direito, na altura, hoje, o professor João Tiago Silveira, que foi o responsável pela
dinamização do processo. O professor João Tiago Silveira, na altura, reuniu-se com toda
a gente e depois perguntou: – E se eu nomeasse um professor para me ajudar? O que é
que dizem? - Escolheu-se o mais novo para realizar a tarefa mais chata, foi o Prof.
Mário Aroso de Almeida.
O prof. Mário Aroso de Almeida juntamente com o prof. João Tiago Silveira foram os
dois grandes responsáveis pela reforma. Ela surgiu depois em 2002 e deu origem a esta
reforma que temos hoje que começou em 2002, mas em 2002 não foi logo executada,
portanto só entrou em vigor em 2004. E em 2004 eu já estava assustado a ver se aquilo
efetivamente avançava ou não.

Na altura o que é que estava a suceder e o que é que ficou pelo caminho? Na altura o
governo lançou à discussão três projetos, que foram muito discutidos, o primeiro tinha
um texto inicial que que vinha de uma comissão de juízes que era muito conservador,
que mantinha praticamente tudo, só mudava os nomes. E nós discutimos aquilo e aquilo
foi tudo para o caixote do lixo.

Aquilo que serviu de lançamento da reforma foram dois diplomas, um estatuto, aquilo
que depois viria a ser o código de processo, que o governo pôs à discussão para
reformar a justiça administrativa, mas nós administrativistas achámos que era pouco e,
já que o governo estava a querer fazer coisas, até fez uma discussão política, uma
promoção de uma discussão jurídica, levou a que nós propuséssemos que houvesse a
regulação simultânea da responsabilidade civil, que também é uma questão importante,
que vem desde Blanco e que continuava por resolver.

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A ordem dos advogados adotou um texto jurídico, tendo criado uma comissão que era
presidida pelo professor Rui Medeiros, e esse texto acresceu e passou a estar em
votação na assembleia juntamente com os outros dois do governo, e, portanto, o
governo assumiu no quadro da tal reforma legislativa esses três diplomas.

O que é que aconteceu? Porque é que essa transformação não foi até ao fim? Em
primeiro lugar não foi até ao fim, porque se repararem os dois textos jurídicos principais
um chama-se estatuto dos tribunais administrativos e fiscais e o outro chama-se, apenas,
código do processo dos tribunais administrativos, caiu a aplicação aos fiscais, ninguém
sabe porquê. Tiveram medo de estar a ir longe demais. Acharam que quem tem a tutela,
entre aspas, sobre as questões fiscais é o ministério das finanças, o resto passa pelo
ministério da justiça, o melhor e não avançar.
Então temos uma jurisdição única e temos dois códigos, porquê? Ninguém sabe! Deve
ser a lógica de um país dois sistemas, qualquer coisa assim, politicamente pode fazer
algum sentido.

Sendo o direito fiscal uma coisa totalmente autónoma, ninguém quer invadir a dimensão
do direito fiscal, não havia nenhuma razão para que o código de processo não tive as
mesmas regras, porque as relações jurídicas fiscais, são relações jurídicas
administrativas especiais, com regras próprias, mas administrativas. Há uns lunáticos
que dizem que o direito fiscal é direito privado, não sei como é que eles são capazes de
dizer isso, mas, enfim, há gente para tudo!
Esta situação criou algo que ainda hoje não esta resolvida, porque no contencioso fiscal
ainda existem os traumas da infância difícil, porque o código que está em vigor é um
código de procedimento e processo tributários, junta administração e justiça, e põe
funcionários administrativos a fazerem as funções de juiz e juízes a fazer funções de
funcionários. Assenta na promiscuidade entre administração e justiça! Realmente há ali
uma realidade que vem do passado e que não faz qualquer sentido.

Se é verdade que depois, em 2015 e sobretudo 2019, nas reforminhas da reforma de


2004 , houve uma maior aproximação entre a norma processual administrativa e a

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norma processual fiscal, a norma processual fiscal continua a ter os mesmos problemas
e tem inconstitucionalidade nomeadamente no processo de execução, em que continua a
haver a lógica de que quem manda é o funcionário das finanças em vez de ser o juiz, e,
portanto, inicia-se uma execução fiscal sem haver o recurso ao tribunal, pode haver a
posteriori, estamos num estado de direito, mas o sistema é inconstitucional.
Depois a responsabilidade civil também caiu, era muito estar a fazer a responsabilidade
civil logo naquela altura. Surgiu mais tarde, em 2007, com atual diploma que regula a
responsabilidade civil.

Passámos a ter dois diplomas um chama-se estatuto dos tribunais administrativos e


fiscais e o código do processo dos tribunais administrativos, esses dois diplomas
resolvem os principais problemas da justiça administrativa em face da realidade
constitucional, não resolvem todos bem, poderiam, na minha perspetiva, adotar soluções
diferentes, mas, apesar de tudo, e, também com nuances, o código do processo bem, a
lei dos tribunais administrativos e fiscais mal ou, se quiserem, medíocre, porque, enfim,
mudou muito pouco, foi um bocadinho melhorada em 2019, mas continua a ter a mesma
lógica compromissória e, portanto, os dois diplomas são desiguais, um é bom e o outro
é mauzinho/medíocre.

O ministro da justiça, o senhor que é o atual primeiro-ministro, Dr. António Costa, que
lançou esta iniciativa da reforma, numa das sessões finais documentadas da reforma,
resolveu dizer, até de uma forma aborrecida, há aí um professor, o prof. Vasco Pereira
da Silva que diz que o código merecia quinze valores e que a lei orgânica, apenas
deveria ter nove, para ir à oral, porque era muito fraquinha. Eu devo dizer que nunca
tinha dito, em público, não gosto de classificar assim, classifico os meus alunos, mas
não tenho hábito de classificar coisas. Quem tem esse hábito é o outro colega que agora
é Presidente da República e que, naquelas homilias dominicais, dava notas aos políticos
e às atuações políticas, e, portanto, eu nunca disse isso, disse sempre bom ou medíocre.
Mas como o ministro da justiça dizia que eu tinha dito, e como isso correspondia à
verdade, era exatamente isso que eu pensava, passei a dizer, e, portanto, quando eu
estava presente, sim senhor, tem toda a razão, esta lei de processo é medíocre, não

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merece mais do que nove e este código é um bonzinho, é bom, digamos que um bom
grande! Um quinze! Pode ser um Quinze!
A razão porque fiz isto é uma razão também cinéfila, espero que tenham visto, se não
viram devem ver aquele filme fantástico, que os americanos dizem que foi a descoberta
do estado de direito, que é O Homem que matou Liberty Valance, é um western, é um
filme policial em que há três grandes interpretes, um que é mau como as cobras, que é o
Liberty Valance, o bandido pior de todo o oeste, que no final é liquidado e consegue-se
construir o Estado de Direito, depois há o homem do futuro, o candidato ao senado, o
advogado, aquele que não sabe disparar uma arma, mas é aquele a quem vai ser
atribuída a morte de Liberty Valance, porquê? Porque ele foi o único que teve coragem
de lhe fazer frente e dizer: – Vamos a um duelo! - Quem salvou a honra do convento foi
o terceiro, o John Wayne, aquele que perdeu a namora e perdeu o cavalo, enfim, termina
o filme sozinho, a caminhar, naquelas paisagens magnificas do John Ford.

A história é a seguinte, efetivamente, o senador teve a coragem de desafiar o bandido


para um duelo, como nunca pegou numa arma, enfim, toda a gente previa que ele iria
morrer, se não estivesse lá o John Wayne, e o tivesse matado pelas costas, poderia tê-lo
matado pela frente, porque esse disparava tão bem como Liberty Valance, mas aquilo
que constituiu o Estado de Direito foi esta situação. Dá-se o caso que quando morre o
bom, ou seja, quando morre o John Wayne, ainda é vivo o senador da capital, toda a
gente fica muito admirada, naquela cidadezinha, e vai a imprensa entrevistá-lo e ele
conta a verdade:
- Não fui eu que matei, foi ele! Eu devo-lhe isso para toda a vida! Fui eu que institui a
ordem aqui, a ordem jurídica de Estado de Direito, mas o responsável foi ele, foi ele
quem matou o Liberty Valance.
E na altura a jornalista grava tudo e no final diz:
- Senador, se me permite, eu não vou publicar nada disto.
- Mas porquê?
- Porque criou-se uma lenda. E quando a lenda é maior do que o homem, imprima-se a
lenda, não o homem!

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E, portanto, neste caso criou-se uma lenda, eu não tinha dito nem quinze, nem nove,
mas se alguém dizia que eu tinha dito e se isso correspondia à verdade então imprima-se
a lenda! Print the legend, not the man! É como termina o filme do John Ford, de uma
forma fantástica! Têm de ver este filme!

Ora bem, isto para dizer que os dois diplomas que correspondem à reforma do
contencioso administrativo, um o código de processo estabelece um conjunto de meios
processuais que estão regulados de uma forma que permite a tutela plena efetiva dos
direitos particulares, que permita realizar o modelo constitucional, e, portanto, são uma
boa solução, para alguns problemas, outras normas poderiam ter sido adaptadas,
veremos isso no quadro da constituição. Por outro lado, temos um estatuto que é um
disparate! Melhorou um bocadinho em 2019, mas continua na mesma! O estatuto, a
meu ver, tem uma situação esquizofrénica, que é um tribunal esquizofrénico, que é o
supremo tribunal administrativo, porque qualquer supremo tribunal em qualquer país do
mundo o que é que faz? É um tribunal de recurso, apenas discute a lei, não julga factos.
O que é que faz o STA? Tem uma secção de contencioso administrativo, para tribunal
de primeira instância, depois têm o plenário e o pleno, que esses sim são verdadeiros
supremos. Isto não existe em mais pais no mundo, mas nós mantemos isto! Para quê?
Porque os atos do ministro, do primeiro-ministro, do presidente não podem ser tratados
por qualquer juizinho de primeira instância! Há uma diferença protocolar que faz com
que essas atuações sejam julgadas no STA. Não há regras diferentes (mal seria), mas há
esta realidade protocolar.

Portanto, temos um tribunal esquizofrénico, que é um tribunal de primeira instância e é


tribunal supremo. É um tribunal com uma pirâmide invertida, tem de ter mais juízes no
STA do que nos outros, porque há muito trabalho a fazer. Se calhar quando se fala na
reforma a primeira coisa a fazer é reformar o supremo! Porque assim tudo começa a
funcionar mais facilmente! Se os atos dos ministros passarem para os tribunais de
primeira instância já se resolvem grande parte dos problemas do contencioso
administrativo.

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Por outro lado, também esta dualidade fiscal e administrativa se mantinha, porque até os
nomes dos tribunais, tendo a mesma jurisdição eram os mesmos e, portanto, para além
de ter ficado por fazer a unificação do contencioso tributário, mantém-se esta lógica
esquizofrénica de dois sistemas processuais que não funcionam. Para além desta
reforma de 2004 houve duas reforminhas, e chamo “inhas”, porque são coisas menores,
embora a de 2015 tenha sido um passo atrás, a de 2019 voltou à situação inicial, mas na
realidade nenhuma alterou grande coisa.

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Aula dia 12 de outubro Inês Silva Lopes & Inês Filipa
Nunes
A matéria que vamos dar a seguir tem a ver com aquilo que é o novo processo
administrativo e os problemas que ele enfrenta.
Já vimos na aula passada que a reforma se traduziu em dois diplomas que mudaram a
estrutura e a natureza do processo administrativo que são: (i) o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (que tem as regras de organização da justiça administrativa,
nomeadamente, o modo como se organizam os tribunais e qual é a sua competência, ou
seja, tudo aquilo que tem a ver com a organização da justiça) e (ii) o Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (que contém todas as regras que correspondem
ao interno processual. Tudo aquilo que se passa no processo está regulado no Código de
Processo nos Tribunais Administrativos).
Esta opção de ter dois diplomas, não é necessária (se me tivessem perguntado a mim,
tinha feito apenas um, mas não tem nada de errado), e pode-se dizer que é uma tradição
da justiça administrativa portuguesa.
Só que a tradição, no passado, era determinada por várias razões. Era precisamente
porque o Tribunal Administrativo não era um verdadeiro tribunal que era preciso ter um
estatuto diferente dos outros tribunais. E, portanto, havia aqui este trauma da infância
difícil que, estando agora superado, permitiria ter um único diploma. Mas esse não é o
ponto.
O problema é o facto que, e este é efetivamente um problema da organização da justiça
administrativa, o Estatuto não resolveu aquele mal que o Senhor Ministro da Justiça,
agora Primeiro-Ministro, disse que eu tinha dito, de forma crítica, que o Estatuto valia
nota negativa, um novezinho apenas para ir a oral e o Código valia um quinze.
Efetivamente eu tinha dito que um era bom e o outro não prestava. Mas apesar de eu
nunca ter atribuído notas, as notas correspondiam aquilo que eu pensava, portanto passei
a dizer.
Esta realidade para mim é essencial e eu vou-vos explicar porquê.
Porque, por um lado, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos adota
posições que são compatíveis com a realidade constitucional numa comunidade
europeia, mesmo que existam problemas de concretização, em geral, é o Código que

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conta. Enquanto o Estatuto, mesmo tendo sido melhorado na reforminha de 2019, é um
conjunto de normas compromissórias, absolutas e ineficazes, sendo que grande parte
dos problemas da justiça administrativa que temos decorrem do modo de como está
organizada a justiça administrativa no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Não é só por causa disso, mas é também por causa disso.
Portanto, vamos hoje olhar para o Estatuto (sei que estão a fazê-lo nas aulas práticas e
agora terão um complemento mais crítico do que aquele que já tiveram) que mostra que
o Estatuto é um diploma que fica muito aquém daquilo que podia fazer. Mesmo sendo
certo, se é certo, que a reforminha de 2019 já melhorou ligeiramente alguma coisa.
Embora estando longe de ter resolvido a situação.
Uma questão terminológica, que já ouviram em aulas passadas, (caso contrário, estão-
me a ouvir falar): a reforma de 2002/2004, a reforminha de 2015 e a reforminha de
2019.
Porquê esta distinção? Porque quando falamos em reforma, estamos a pensar em
diplomas que mudaram tudo, tudo ficou diferente. Quando falamos nas reforminhas, de
2015 e de 2019, estamos a pensar em alterações de 20 artigos e, portanto, não é a
mesma coisa. Não é a mesma coisa fazer um código de raiz ou fazer alterações pontuais:
10, 15, 20 artigos, tendo sido essa a dimensão das reforminhas.
Depois, o problema da conotação da expressão. Em primeiro lugar, tem uma conotação
pejorativa? Tem. Essas reforminhas, sobretudo em 2015, não serviram para nada. Aliás,
criaram mais problemas do que aqueles que resolveram e, sobretudo em 2015, (que foi
uma reforma ideológica) a reforma serviu apenas para mudar nomes e para manter os
nomes do passado.
Por exemplo (e vamos ver isso no Artigo 4.º): tinha desaparecido, na sequência da
contratação pública, a referência à expressão de contrato administrativo porque a noção
de contrato administrativo, hoje, não faz sentido.
Os contratos administrativos a que o legislador se refere são apenas uma das várias
peças de contratos administrativos. Não são todos os contratos públicos. E, portanto, a
noção de contratos administrativos só esquizofrénica, deixou de fazer sentido.
O legislador de 2004 não falava em contrato administrativo. O legislador da reforminha
de 2015 achou “aí, vamos manter a expressão de contratos administrativos”, mas, apesar

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de ter mantido a expressão, a solução é a mesma. Diz “estas normas são aplicadas aos
contratos administrativos e a todos os contratos regulados no Código da Contratação
Pública “. Ou seja, todos e, portanto, era escusado. Em primeiro, é escusado dar esse
nome a certo tipo de contratos. Mais valia chamar Maria Albertina, Joaquim Manuel,
qualquer outro nome era melhor do que contratos administrativos, que é a expressão
aqui colocada e que corresponde à esquizofrenia do processo administrativo e do direito
administrativo. Mas, tendo sido escolhido esse nome, é preciso ver que a contratação
pública por vontade da União Europeia, deixou de ser esquizofrénica porque todos os
contratos de direito privado na administração são contratos públicos.
E, portanto, aquela diferença que fazia contratos administrativos, regras de direito
público, com o tribunal administrativo, já não existe. O legislador tem regras públicas,
todos elas são da competência dos tribunais administrativos. E, portanto, não era
necessário redigir essa norma. A norma que constava era bastante mais bonita.
Agora fala de contratos administrativos próprios, fica lá com aquela nota, mas a solução
continua a ser a mesma, continua a ser boa. Isso foi aquilo que o legislador fez, resolveu
corrigir uma coisas que não gostava e pronto, aqui e ali.
Mais à frente vamos estudar os pressupostos processuais do ato administrativo.
O que é que mudou com a Constituição? A ideia de ato lesivo, não é por um ato ser
mais apático que lesa os direitos dos particulares, é a relação entre particular e
administração que está no Artigo 212.º. 
Mas o legislador achou que se devia parar. Nos pressupostos processuais falar em ato
aplicável, ato que produz efeitos e na legitimidade falar em ato lesivo. Porquê? Porque
um dos membros da Comissão, o professor Sérvulo Correia entendia que o verdadeiro
pressuposto era o da legitimidade e por causa disso alterou o Estatuto que estava de
acordo com a Constituição.
É muito discutível porque não faz sentido dizer que um pressuposto relativo ao ato que
o lesa e que é um pressuposto do ato é a mesma coisa que um pressuposto da
legitimidade que é relativo às pessoas. E, portanto, dizer que o ato são pessoas é
confundir atos com partes.
Mas se, anteriormente, podíamos discutir isto, em termos científicos, a partir do
momento em que o legislador toma esta opção, torna-se necessário criticar o legislador

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também. E, portanto, o legislador não deve fazer política, nem política académica. Ele
realmente ficou muito aborrecido por ter sido criticado no âmbito da sua tese de
doutoramento, mas não deve aproveitar o facto de ser legislador para se vingar dos
inimigos da universidade. Com os inimigos deve discutir, como legislador deve
estabelecer o regime mais adequado, independentemente de posições pessoais. É isso
que o legislador deve fazer.
Eu também aprendi isso, por sua vez já tinha aprendido o professor Marcelo Caetano e
por sua vez tinha aprendido um dos primeiros legisladores portugueses do século XVIII
e do século XIV.
É verdade que ser presidente de uma Comissão dá uma sensação de “agora é que é
bom”, mas precisamente por isso é que é preciso ter a psicanálise de dizer “não, eu
agora vou é, de forma objetiva, e tendo em conta o que eu penso, estabelecer um regime
que seja a par para todos”. E, portanto, as conceções ideológicas, as minhas opiniões
pessoais, não têm de lá estar. Tem, sim, de estar aquilo que corresponde à melhor
coordenação e o resto é para a doutrina. Aliás, o legislador não tem de fazer definições.
As definições são erradas. O legislador deve regular e, a partir dessa regulação, quem
faz as definições é a doutrina e a jurisprudência.
Eu chamo-lhe reforminha? Sim. Por um lado, é real porque 20 artigos não é a mesma
coisa que 500. Depois, tenho uma crítica. Mas, deixem-me agora dizer o contrário,
também pode ter o seu lado ternurento. Reforminha é uma coisa fofinha. Tal como a
geringonça, que até os próprios da geringonça adotaram, é uma coisa fofinha. E,
portanto, chamar reforminha não tem nada de mal. É uma expressão ternurenta.
E, portanto, se por um lado pode ter esta designação de reforminha, a reforminha se
calhar era uma coisa que não deveria ter sido feita. Quem a fez acha que é uma lei
fantástica e tal. Mas, na realidade, criou mais problemas do que a versão anterior. Em
termos de formulação, eu não gosto de quase nada. Em termos de solução, de nada
gosto. O que se pretende do Código é algo diferente. Porque eu não espero ver, ou não
devia de esperar ver, e ninguém devia ver escrito num Código, num texto legislativo,
posições pessoais. E há esta tendência, no bom e no mau sentido. Já tive experiências
fantásticas, como a Lei Geral Tributária. Foi uma norma que nunca me aborreci do
texto, que nunca ameacei demitir-me desde a primeira reunião. A razão pela qual não

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me demiti é porque depois recebi o convitezinho do professor Sousa Franco “Vasco,
aguenta, é o secretário de Estado que me está a fazer a folha. És o único que me pode
ajudar, por favor”. E eu pronto. Mas no final, enfim, eu estava já pelos cabelos. Mas,
apesar de isso ter acontecido, que foi uma experiência que eu não gostei, o que é facto é
que a Lei Geral Tributária, pela primeira vez, em Portugal, manda aplicar o Código de
Procedimento Administrativo à relação jurídica tributária que é uma relação jurídica
administrativa e tem normas de fundamentação, das regras do procedimento, ou seja,
ainda bem que lá estive porque mudou alguma coisa. Nem que seja uma norma!
Mas isto para vos dizer que isto do “ah, agora vou fazer uma lei” é uma sensação boa,
agradável. Ainda por cima se as coisas correrem bem no âmbito da Comissão.
Éramos 5 pessoas: o João Martins Claro, o João Caupers, o João Raposo, eu e o
professor Freitas do Amaral. Fazíamos tudo. No princípio nem secretária tínhamos, pelo
que, queríamos fazer um questionário à Administração Pública e, portanto, fizemos uma
cadeia de montagem: um escrevia o envelope, o outro dobrava e o Professor Freitas do
Amaral lambia os selos e metia os selos. Mas foi fantástico e cinco pessoas mudam
muita coisa. E, realmente, eu percebo que isso cria vontade de “ah, agora é que eu me
vou vingar daquele malandro que disse que o que eu disse era uma desgraça, mas quem
tem razão sou eu”, mas não é assim que se faz uma lei. Uma lei não está na
universidade, não se está a defender de uma tese científica.
Bem, fica explicada a terminologia. A reforma é a reforma de 2002/2004; alterações
pontuais que decidem mudar 10 ou 30 artigos são reforminhas, ou seja, mini reformas
que não podem ter o mesmo peso do que as reformas.
Mas vejamos então o Estatuto. O Estatuto tem um conjunto de regras que são absurdas,
incoerentes e ineficazes. Começando pelo princípio, que tem a ver com a origem do
Estatuto e a transformação que aconteceu no Código de Processo. 
Já repararam que o Estatuto é dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, da
jurisdição administrativa; e o Código de Processo é dos tribunais administrativos.
Porquê? A explicação tem a ver com o facto dos deputados, no momento em que
apreciaram os diplomas apresentados pelo governo, terem tido medo de alterar as
finanças que não tinham participado no processo de elaboração do Código do Processo
Administrativo.

48
Isto gera um problema que até hoje não foi resolvido que é: por um lado, existirem dois
códigos, o que é um disparate quando estamos perante uma jurisdição única, dois
códigos (não vejo nenhuma razão, não ocorre nas outras legislações, portanto, porque é
que tem de ocorrer no processo administrativo?) e, sobretudo, por outro porque a
legislação do processo tributário, embora, tenha sido aproximada, depois da reforminha
de 2019, da reforma do processo administrativo continua a ser marcada pelos traumas
de infância.
Em primeiro lugar é no Código de Procedimento e Processo Tributário que está o
pecado original da confusão entre a administração e a justiça.
E esta confusão nota-se por algumas normas que são inconstitucionais.
Em primeiro lugar, observa-se o processo de execução. Isto pode trazer solenidade, mas
isto é inconstitucional.
Para além disso, há numerosas normas no código que misturam procedimento e
processo o que, portanto, continua a manter a orientação monista que, em Portugal,
também vigorou no Contencioso Administrativo. O código de processo continua a ter
esta ligação monista que desvaloriza o procedimento e que desvaloriza o processo. Não
são realidades autónomas, mas complementares. São realidades que se continuam, que
são a mesma realidade.

É verdade que a reforminha de 2019, entre as coisas boas que fez, aproximou os dois
processos. Há outras normas antes dela, mas, não deixa de ser verdade que
temos uma esquizofrenia do processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais
em que, por um lado, há um código de processo adequado à sua lógica nacional
e europeia; e, por outro temos um Código de Procedimento e Processo
Tributário que remota ao regime com algumas alterações. Portanto, é algo que,
mesmo tendo sido melhorado, ainda não foi atingido. Porquê? Não sei. Se
falarem com qualquer fiscalista, ele vai dizer que acha que devia ser aplicado no
processo, com auto dos tribunais administrativos, com ligeiras alterações. Coisa
que eu sempre defendi. Não faz sentido nenhum existirem dois códigos
diferentes para uma realidade que é substancialmente administrativa. Isso não
tem nada a ver com a autonomia do direito fiscal, com a autonomia científica,

49
com a autonomia pedagógica, com a autonomia legislativa, não é nada disso que
está em causa. Mas o direito fiscal só corresponde a relações administrativas
especiais.

O primeiro problema da organização do Estatuto dos Tribunais Administrativos e


Fiscais: separa de forma radical o que é administrativo e o que é fiscal.
Até 2019, até o nome dos tribunais de 1.ª instância e de 2.ª instância eram nomes
diferentes. Portanto, eram tribunais que faziam o mesmo, mas que, enfim, tinham um
nome diferente. É algo que corresponde, mais uma vez, à manifestação daquela
esquizofrenia que vem de trás e que marca o Contencioso Administrativo. E esta
realidade é, na minha perspetiva, uma realidade que não faz qualquer sentido.
Mas para além deste, há outro problema esquizofrénico grave no quadro do processo
administrativo: há uma diferença essencial entre o Supremo Tribunal de Justiça e o
Supremo Tribunal Administrativo.

O Supremo Tribunal de Justiça é, como todos os supremos, um tribunal de recurso, um


tribunal de revisão das sentenças dos tribunais que estão na 1.ª instância ou,
eventualmente, na 2.ª instância. E, como tribunal de recurso, o Supremo só aplica a lei,
não julga o Estado, julga apenas em matéria de direito. Isto é o que acontece no
Supremo Tribunal de Justiça e é o que acontece em qualquer Supremo Tribunal do
mundo, mesmo em qualquer Supremo Tribunal Administrativo do mundo. Acontece na
Alemanha, na Espanha, em França, mas não acontece em Portugal. Porque quer o
Supremo Tribunal Administrativo, quer o Tribunal Central Administrativo são tribunais
esquizofrénicos porque fazem duas funções contraditórias ao mesmo tempo. São
tribunais de 1.ª Instância. A 1.ª Secção do Contencioso Administrativo tem como tarefa
essencial, não única, mas essencial, dirimir através de ações, julgando o facto de direito
relativas a certos órgãos do Estado (os órgãos mais importantes do Estado. Quem? O
Governo), tudo isto é da competência da 1.ª Secção do STA. A Secção do STA que
também julga os casos de recursos que vai, quer do lado das auditorias, quer do lado dos
tribunais administrativos; ou seja, faz o dobro daquilo que devia fazer e faz duas coisas
contraditórias porque apenas resolve das questões de direito, comparar a lei e ver se a

50
sentença não tem disparates; e julgar em 1.ª instância é fazer tudo e é uma tarefa que
não devia caber aos tribunais.

Temos um sistema que é assim: na base, os Tribunais Administrativos de Círculo,


depois temos os Tribunais Centrais Administrativos e depois temos os Supremos
Tribunais Administrativos numa pirâmide invertida porque têm mais juízes no topo do
que na base, pelo que o sistema funciona como uma pirâmide invertida porque o STA
são três tribunais. Há a 1.ª Secção do Contencioso Administrativo, que é o tribunal de
1.ª instância, mais o tribunal de recurso de algumas decisões dos Tribunais
Administrativos de Círculo. Depois há o Pleno da Secção, que é de 2.ª instância, quer
em relação às decisões do Tribunal Administrativo de Círculo quer às do TCA. E depois
ainda há o Pleno da Secção que é o verdadeiro Supremo Tribunal onde se tomam as
decisões que cabem, em regra, aos tribunais superiores. E, portanto, é uma verdadeira
maratona, aquilo que se passa dentro dos Tribunais.  
É difícil de inventar um tema mais complicado. Um tema em que os juízes são
chamados a fazer duas tarefas contraditórias. Esta situação esquizofrénica cheira-me,
por si só, um problema.

Eu ando a brandar contra isto há 30 anos (a primeira vez que escrevi sobre isto), mas
continua no mesmo, vão-se introduzindo umas soluçõezinhas, assim umas soluções à
portuguesa, assim uma coisa parecida.
Quais são as vantagens de haver uma jurisdição especial? (Vantagens que são afastadas
por este esquema). Para além da maldade intrínseca do sistema, que é haver esta
esquizofrenia, esta esquizofrenia também não permite que aquilo que podia ser a lógica
normal num Contencioso Administrativo, que é um contencioso especializado, funcione
na sua máxima.

Vejamos, porque é que há especialização nos tribunais? Porque as questões colocadas


para o juiz administrativo resolver são questões muito especializadas, muito específicas
que exigem treino especial, conhecimento especial, formação própria, carreira autónoma

51
dos juízes, tribunais especializados no âmbito da organização administrativa. Sem isto,
não vale a pena ter tribunais especializados.
Ora bem, em relação a isto, temos uma solução compromissória.
Em primeiro lugar, ter formação dos juízes. Nem o Estatuto assume que a formação dos
juízes dos tribunais administrativos é específica. Devia haver no CEJ, que é uma
sociedade de juízes, uma formação para os juízes administrativos e fiscais tão completa
como aquela que fazem com os juízes dos tribunais judiciários. O que se pensa e o que
está organizado é: a formação dos juízes dos tribunais judiciários com o acréscimo
dessa formação com umas pinguinhas de direito administrativo e de direito processual
administrativo, com umas coisas muito limitadas, no quadro daquilo que se consegue
que é a formação do tribunal.
E não se assume que há uma formação específica para os tribunais administrativos que é
a verdadeira razão de ser, hoje, da especialização. O juiz tem uma tarefa de tal maneira
complicada que depois de resolver um caso (de família, de comercial, de sucessões),
não tem cabeça, não sabe direito administrativo, logo não está em condições de resolver
um problema especial do direito administrativo. E se não há formação ainda, não há
possibilidade de tirar todas as consequências da separação da jurisdição.
O que é que o legislador fez? Deu um jeitinho. Não criou uma formação específica, mas
sempre que há um concurso para juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais, faz
uma formação ad hoc. Mas porque é que não se regula, desde o início, com todas as
disciplinas essenciais para um juiz da jurisdição administrativa, com o direito do
consumo, com o direito económico, com direito do ambiente, com direito do urbanismo,
direito da medicina, direito da saúde, com tudo aquilo que hoje é direito administrativo?
Se olharem para o que se passa na França ou na Alemanha, vêm isto, que precisamente
depois desta especialização há uma lógica de formação, não só no início, como
continuada ao longo da vida, no quadro do direito administrativo. E, portanto, temos um
primeiro problema: a falta da verdadeira especialização da formação.

O segundo problema prende-se com a falta de uma cadeira autónoma para os juízes dos
tribunais administrativos. Porque, para além de se admitir, e isto é bom, a
personalidades do excecionalmente no domínio do direito administrativo ou tributário

52
possam concorrer aos tribunais administrativos, (é algo que eu nunca vou fazer, mas se
não gostasse de dar aulas, poderia pensar), que é o doutor de direito que concorre
diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal
Administrativo.
O facto de a cadeira estar aberta a profissionais do concurso interno, designadamente,
aqueles que tenham doutoramento, choca-me e é uma opção para a justiça
administrativa. Só que isto significou que no concurso de mérito entrem juízes de outros
tribunais.
E porque é que entram? Porque como no STA que é maior, há mais lugares de topo, há
mais juízes conselheiros porque há juízes conselheiros desde a Secção do Contencioso
Administrativo ao Contencioso Tributário, à autoridade e ao governo.
Um juiz que é desembargador e já está a caminho da reforma, a dois anos de se
reformar, não encontra lugar no Supremo Tribunal de Justiça, concorre ao Supremo
Tribunal Administrativo, fica colocado, o que é que ele sabe de direito administrativo?
Nada. Nunca na vida resolveu um único caso de direito administrativo.
O que é que ele vai estudar? Para dois anos, não vai estudar muito. Vai ver o código
sobre a autoridade tributária, ou seja, está a zero no quadro da formação específica.
Os melhores, como eu já vi, em termos estatísticos, são os que vêm do direito do
trabalho, não sei porquê.
E, portanto, temos um Supremo Tribunal Administrativo que até há pouco tempo era
composto por juízes do direito da família que nem tinham tido a formação suficiente em
direito administrativo.
A culpa não é deles, é do sistema. O sistema permite que os juízes dos tribunais
judiciais concorram, sem mais, aos tribunais administrativos. Isto não tem nada a ver
com as pessoas. Estas pensam bem, legitimamente, em ser promovidas, e terminar a sua
vida como juízes conselheiros, que é legítimo, mas a organização da justiça
administrativa não deveria permitir isto. E, portanto, é mais outro problema da justiça
administrativa.
Não significa isto que agora não tenhamos os melhores juízes nos Supremos Tribunais
de Justiça porque temos. Porque a primeira geração de juízes formada a partir de 2004,
a primeira formação ad hoc, foi uma formação excecional porque todos nós, professores

53
do direito administrativo, achávamos que tínhamos a missão patriótica de ir ajudar a
formação dos juízes. Eu dei a estes juízes, tinha acabado de entrar para o quadro,
processo administrativo, direito do ambiente e ainda dei as normas de direito
administrativo suplente. E, como eu, todos: o Professor Freitas do Amaral, o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor Vieira de Andrade, o Professor Vital Moreira.
Fomos todos, os auxiliares a formar estes juízes e, por isso, até agora, os juízes de 1.ª
instância e os juízes que já chegaram, e começam a chegar agora, ao Supremo Tribunal
Administrativo, estão todos muito bem formados, são excelentes juízes. Os que já lá
estão, depende. Alguns muito bons, outros não o são.
Mas há uma terceira dimensão da especialização: se a jurisdição administrativa é uma
jurisdição especializada, ela deve ter também tribunais especializados.
Porque é isso que acontece nos outros países e nos tribunais judiciais especializados em
razão da matéria. Na Alemanha, no processo administrativo, há tribunais ditos sociais, o
direito administrativo especial, há tribunais de direito administrativo do ambiente e de
direito administrativo do urbanismo, salvo as matérias essenciais que são tribunais
especializados na interna jurisdição administrativa, não implica nenhuma alteração,
implica apenas encaminhar o processo daquela matéria ao tribunal. E depois o recurso
faz-se nos termos normais.
Isto era a forma de aumentar a eficácia da justiça administrativa. O legislador quis
resolvê-lo em 2004, dando uma colher de chá que o que dizia nos Estatutos era “podem
haver tribunais administrativos”, mas eles só surgiram em 2020. Só em 2019 é que o
legislador, que devia ter criado logo esses tribunais, os criou. E mesmo assim, criou em
termos limitados: a contratação pública, o urbanismo e o ambiente. Não a ideia do
social, a intervenção da administração no âmbito da Segurança Social, e, portanto,
deixou claramente, o legislador, a continuação da sua tarefa.
O legislador previu, em 2019, quais deviam ser os aspetos destes tribunais, e até agora,
tanto quanto eu sei, criou um, em 2020. E, portanto, já estamos perante uma verdadeira
especialização, está criado.
Eu lembro-me perfeitamente quando isto foi anunciado. Estava cá o governo e os
senhores secretários de estado, “senhor professor, eu sei que nos vai criticar, mas eu já

54
tenho o diploma pronto” “ponha lá o diploma então” e conseguimos com que aquilo
avançasse.
Ora bem, por tudo isto, este Contencioso não funciona a juntar a todos os outros
problemas, como a falta de tribunais de 1.ª instância distribuídos por todo o país, e a
todos os outros problemas, a justiça administrativa não funciona. Agora isto tem que ver
com problemas de organização da justiça administrativa e isto que é a parte nativa do
Estatuto é compensado, no entanto, pela parte cumulativa que vai ficar para a próxima
aula.

Aula de 17 de outubro Bruna Cavaco & Sofia Padrão

Estávamos na aula passada a analisar porque é que os estatutos dos tribunais


administrativos e fiscais era um diploma fraquinho.
O estatuto é um conjunto de regras compromissórias que representam em parte o
passado da justiça administrativa porque não resolve problemas que decorrem da
especialização decorrente da jurisdição autónoma criada de acordo com a constituição
(Art. 212º CRP estabelece jurisdição administrativa).

Em rigor no quadro da jurisdição começamos por ter dois códigos - duas regras
diferentes em que haja razões para isso. Tratam relações administrativas especiais e
noutra gerais, mas não havia razões para distinções processuais, mesmo que pudesse
haver razões para distinguir materialmente direito administrativo e fiscal, mas não há
razão para distinções de normas processuais, que deviam ser unas.
A estrutura dos tribunais é estranha e absurda porque temos uma jurisdição com dois
tipos de tribunais esquizofrénicos.

Temos os tribunais de primeira instância, os tribunais centrais administrativos e depois


temos um supremo cheio de gente: porque o supremo não é apenas supremo, tal como o
tribunal centra administrativo não é apenas um tribunal de 2ª instância, é

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simultaneamente um tribunal de 1ª e de 2ª: é um tribunal esquizofrénico: porque fazer 2
coisas diferentes quando devia apenas verificar se os tribunais de 1ª instância tinham
aplicado corretamente a lei - significa perder mais tempo.

Temos este sistema da pirâmide invertida, porque há poucos tribunais de 1ª instância -


devia haver muitos mais tribunais de círculo, espalhados por todo o território nacional:
não são suficientes para resolver os problemas
Não devíamos ter o Tribunal Central Administrativo e o Supremo como tribunais
esquizofrénicos. Há uma interferência protocolar com o governo, com o presidente da
república.

As regras processuais são as mesmas só que se diz competente em 1ª instância.


Significa também que a primeira instância deste contencioso especial é a 1ª secção do
tribunal administrativo ou do tribunal tributário, que verdadeiramente funciona como
tribunal de 1ª instância. Temos uma situação em que depois há um plenário, um pleno
da secção e há um supremo ineficaz - era preciso mexer nisso e inverter a pirâmide - é
isso que se faz em todos os países europeus, mas que não se faz em Portugal.

As razões para a especialização são as seguintes:


1 -É preciso assegurar uma formação própria: o juiz administrativo tem que
ser um juiz especializado, se não, não precisa de haver juiz administrativo.
2 - Era preciso assegurar uma carreira própria para os juízes administrativos - para se
especializarem na carreira dos tribunais administrativos e fiscais, mas não há uma
institucionalização da formação.
3 - Era preciso de houvesse mais Tribunais especializados
Tribunais arbitrais são bons, mas quando se substituem à justiça administrativa, é mau.
Tribunais arbitrais são o complemento dos tribunais administrativos. No domínio dos
contratos significa que a justiça não está a funcionar.
Isto é mau e faz com que haja problemas na justiça administrativa - todas as críticas à
incapacidade de agir decorrem da má estruturação da justiça administrativa que tem
consequências.

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Mas nem tudo está mau - segundo dizem, a nota 9 dada aos estatutos vem do artigo 4º:
do n. º1 e podemos acrescentar que o nº 2 e o 3.
Podemos dizer que as vantagens do nº1 são limitadas pelo Nº4.
Comecemos pelo Nº1:
Problema base que estudámos na aula passada da justiça administrativa era o problema
do âmbito de aplicação, era apenas a justiça do ato administrativo. As ações contratuais
surgiram tardiamente de forma limita.
Ainda na reforma de 85 em Portugal o critério formal de acesso à justiça era o critério
do ato limitado e autoritário que tomado pelo governo em última análise, a última
palavra e que suscetível de execução coativa contra a vontade dos particulares. Claro
que isto nos anos 80 era uma ficção - Se isto fosse levado à letra significava que o CAT
não trabalhava. Neste artigo temos uma cumulação de todas as regras que existiam, as
regras autoritárias, atos administrativos.

Portanto, esta realidade fazia com que em Portugal se vivesse no domínio da ficção. Se
pegamos num manual dos anos 80 de Freitas do amaral, verão que continuam a ser
utilizados os critérios da definitividade da decisão. Só que as exceções são maiores que
a regra: "só são impugnáveis os atos praticados pelos órgãos de topo (...), mas sempre
que uma decisão de um órgão puser termo a uma realidade, então é uma exceção". As
exceções eram tantas que apagavam a regra. Eram tantas e maiores que a exceção
apagava a regra: era a ficção que marcava a lógica do contencioso administrativo.
Dizia-se "só são," mas depois acrescentava-se uma exceção que era maior que a regra.
Faz lembrar a piada da escola primária: qual é diferença entre o gato e o cão? um deles
mia exceto o cão.
É uma regra que não serve para nada - era a ficção que marcava a lógica do contencioso
administrativo.

O legislador, agora, no artigo 4º cumulou todas as regras: as autoritárias, as de tutela do


direito, tutela dos deveres.

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Na formulação de 85 estava lá tudo em bruto - tinham-se colecionado os critérios e
estavam lá todos.
Na versão de 2015, na reforma burocrática e ideológica, o legislador decidiu introduzir
limitações que não limitavam, mas criavam uma lei.
Tinha desaparecido no quadro da reforma de 2004 a referência a contratos
administrativos - a esquizofrenia dos contratos administrativos vs. contratos de direito
privado valia antes do código da contratação pública, era uma distinção que tinha
acabado. Se o CCT regula todos os contratos: tanto os privados como os públicos,
deixaram de ser relevante essa distinção. O código tinha acabado com ela, era uma
esquizofrenia do contencioso administrativo que desapareceu.
Hoje o legislador continua a chamar contratos administrativos a outros a quem devia
chamar Cleópatra, que era um nome muito mais adequado, mas esse nome não faz essa
realidade os únicos que são administrativos porque todos eles, e os outros também que
são regulados pelo direito administrativo e são da competência dos tribunais
administrativos. E, portanto, essa distinção devia ter acabado - desta alínea que fala da
contratação administrativa, a alínea e), ficou na mesma.

A lei acabou com a esquizofrenia: todos os contratos da função pública cabem ao


contencioso administrativo.
O legislador em 2015, numa tentativa de meio passo atrás, não muito efetiva, introduz
invenções ideológicas.
Mas o legislador continuou a ter em 2004 e em 2015 todos os critérios e mais alguns.
Basta olhar para esta norma do nº1 que vai da alínea a) à alínea o).
Os critérios do artigo são:
1 - O critério dos direitos é um critério amplo: todos os direitos que o particular tenha
no âmbito de uma relação administrativa são um critério para aceder à jurisdição
administrativa.
2 - Fiscalização da legalidade das normas, atos administrativos, atos pré contratuais,
contratos administrativos... Toda a contratação pública;

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Quanto à responsabilidade civil, legislador em vez de uma tem 3... surge a ideia que os
privados praticam atos administrativos e quando praticam são responsáveis pela sua
atuação.
O concecionário da ponte é empresa privada, mas que por exercer aquela tarefa, está a
exercer a função administrativa: A sua atuação é do âmbito do contencioso
administrativo.
As associações de bombeiros, as associações do futebol (que são à margem do direito...)
mas o desporto é uma dimensão pública, as associações promovem o desporto e depois
há umas empresas constituídas e que estão ligadas à associação para terem privilégios
públicos, mas que são comerciais para outros efeitos.
Tudo funciona como uma válvula de escape para o que não devia acontecer. Ainda se a
válvula de escape fosse como os filmes de hollywood, isso era pelo menos o sucedâneo
para não haver guerra. Agora temos a guerra e aqueles hooligans que passam
salvaguardados pela polícia para irem para o estádio - são cenas escabrosas que
supostamente são de utilidade pública: estão submetidos ao tribunal arbitral -cabem no
âmbito da jurisdição administrativa. Se alguma entidade desportiva recorrer ao tribunal
(há pouco aconteceu com um clube que foi expulso da 1ª divisão, apesar da FIFA dizer
que era uma coisa à parte, não obstante, há competência para o exercício da função
administrativa e apesar das tentativas de reclamar a ausência do controle jurisdicional,
cabe ao contencioso administrativo.

Mas este artigo que coleciona critérios não acaba aqui:


j) Relações jurídicas entre pessoas coletivas de direito público
A aliena k) de que o professor diz gostar muito: a prevenção, reparação e cessação e
violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de saúde pública,
habitação, educação, ambiente, ordenamento do território, urbanismo, qualidade de
vida, património cultural e bens do Estado, quando cometidas por entidades públicas:
Tudo ramos do direito administrativo especial em que tudo, da prevenção à cessação, às
violações contra bens protegidos cabe ao contencioso administrativo.
Diz-se que é a norma da justiça administrativa, que qualifica da forma mais ampla
possível o universo do controle administrativo.

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Depois temos a alínea l) que contempla as impugnações judiciais de decisões da
Administração Pública em que esteja em causa a aplicação de uma coima imposta pela
autoridade administrativa, no domínio do urbanismo.

O contencioso contraordenacional é Direito Administrativo- o âmbito da jurisdição


administrativa devia introduzir o contencioso administrativo. Contudo, aquando da
reforma de 2015, os tribunais administrativos eram mais ou menos inexistentes, estavam
ligados à Administração Pública e por isso não tinham poderes em concreto, portanto
não se quis atribuir à jurisdição administrativa o contencioso contraordenacional.
Só que, hoje em dia, havendo tribunais administrativos estruturados, e o contencioso
destinado às relações jurídicas administrativas e fiscais, esta matéria, na opinião do
Professor Regente, deveria toda ter transitado para o Direito Administrativo (mas
apenas se introduziu o urbanismo).

Em 2015, o legislador propunha uma solução intermédia – o contencioso relativo a estes


setores a que se refere a alínea k), seriam domínios pertencentes à jurisdição
administrativa.
Não era ainda assim considerada adequada era um compromisso aceitável que já
introduzia, o contencioso contraordenacional, no âmbito da justiça administrativa, mas
ainda a título de uma solução transitória para ver se depois funcionava.
O Governo, quando propôs o art. na Assembleia da República substituiu esta referência
ao contencioso contraordenacional pelo domínio do urbanismo e domínio das relações
tributarias. O que é certo e que começa a haver jurisprudencialmente um certo
alargamento e. o Professor Regente, é favorável a esse alargamento porque quando a
relação jurídica tem uma componente urbanística mesmo tendo essa componente, faz
sentido alargar o âmbito da jurisdição.

De seguida aparece, na alínea m), o contencioso eleitoral, e, na alínea n), a execução da


satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de atos administrativos
que não possam ser impostos coercivamente pela Administração.

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Relativamente à alínea o), que tem a sua essência nas “relações administrativas”; se o
legislador tiver deixado algo de fora, esta alínea resolve o problema enquadrando no
contencioso administrativo tudo o que corresponde ao Direito Administrativo.
Depois temos o número 2 do mesmo artigo, que vem dizer que pertence à jurisdição
administrativa tudo aquilo que corresponde à relação administrativa independentemente
da entidade pública.
Seguidamente, o número 3 que deve ser interpretado da seguinte forma:
a) são excluídos os atos praticados no exercício da função política, por exemplo, a
demissão do 1º ministro, a promulgação de um diploma não são atos que sejam
objeto do contencioso administrativo; de forma diferente, a nomeação dos
funcionários da administração, a nomeação dos diplomatas, são matérias
administrativas mesmo que a escolha esteja relacionada com razões políticas,
porque a função administrativa tem, por numerosas razões, um polo político e
não é por isso que deixa de ser administrativa, isto tem de ser interpretado de
forma restritiva;
b) decisões jurisdicionais de tribunais não integrados na jurisdição administrativa e
fiscal – a ideia inicialmente não foi do Professor Regente mas este mostrou-se a
favor dela nomeadamente nas teses de mestrado e doutoramento - pensa-se que a
responsabilidade civil pública deveria ser única, e portanto não deveria ser
apenas administrativa devendo ser também legislativa e jurisdicional;
teoricamente o Professor pensa que faz sentido mas na prática, a sua aplicação
não foi a melhor; mas o que o legislador quer dizer aqui é que, numa decisão
causadora de responsabilidade civil, o que não cabe ao contencioso
administrativo é analisar a decisão de um tribunal comercial, por exemplo, que
gere dano, a questão do dano é da competência do tribunal administrativo, a
questão da análise da sentença que gera o dano é da competência do tribunal
comercial e não do tribunal administrativo que por causa da responsabilidade
não vai invadir a competência das outras jurisdições.
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à
execução das respetivas decisões - são atos administrativos integrados no
exercício da função jurisdicional e, portanto, não são atos como os outros,

61
portanto não faz sentido ir para os tribunais administrativos impugnar uma
decisão criminal porque faz parte do ramo autónomo do processo penal.
O problema que temos é o número 4 onde se diz que relações que eram administrativas
oro força do número 3 deixam de ser por causa do 4, é a lógica do “dá por um lado, mas
tira por outro”. A primeira parte do artigo já estava referida no número 3 e não era
preciso repetir, o problema que se coloca está na segunda parte: “ações de regresso” que
têm a ver com a relação da responsabilidade civil, e se a responsabilidade civil
decorrente da função comercial cabe aos tribunais administrativos, as ações de regresso
também deveriam caber. Aliás não se percebe porque é que o legislador se preocupou
agora pela primeira vez com as ações de regresso, se até agora a administração era rica
e, portanto, se alguém fora da Administração Pública ganhou imenso dinheiro de forma
ilegítima, com dolo e tem de ser responsável, o Estado paga, tem responsabilidade
solidária e não exerce direito de regresso. Isto é manifestamente inadmissível porque
isto contribui para criar uma desproteção dos titulares dos órgãos administração.
Na alínea b) temos os litígios dos contratos de trabalho, isto é uma realidade que
Portugal criou por influência da Itália e em que transferimos para os tribunais judiciais
as questões de direito laboral administrativo.
Nas alíneas c) e d) referem-se atos administrativos praticados pelo Presidente do
Conselho Superior de Magistratura, pelo Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo; tratando-se de atos administrativos deviam ser matéria dos tribunais
administrativos, não haveria colisão com outros poderes do Estado.

62
Aula de 19 de outubro Ana Rita Morais & Catarina
Neto

Na aula passada apreciámos o Estatuto que, conforme explicado, é um conjunto de


normas que fica aquém da realização da CRP. Olhando para o conjunto do Estatuto e do
Código de Processo, podemos dizer que temos textos que estão de acordo com a CRP,
resolvendo-se o problema do mínimo constitucional.
Há o mínimo constitucional, há o ótimo constitucional e há uma situação de
concretização média, que é feita nos 2 diplomas em Portugal, mas sobretudo através do
Código, porque o Estatuto, mesmo tendo tido algumas alterações, continua aquém do
que devia de ser uma norma adequada à realidade constitucional.

Analisamos isto porquê? Devido à lógica esquizofrénica de organização da justiça


administrativa, da esquizofrenia na separação entre a parte administrativa e a parte
fiscal, em que o contencioso fiscal devia ser um contencioso especial dentro do
contencioso administrativo. E, além disso, porque há uma jurisdição de 2 Códigos, um
deles, o Código do Procedimento do Processo Tributário, nem sequer cumpriu os
objetivos constitucionais de administração de justiça, violando o princípio da separação
de poderes.

63
Há muitos problemas que vêm desta lógica que tem vindo a evoluir de forma favorável,
porque tem havido uma maior aproximação, mas ainda não se estabeleceu aquilo que
era a solução mais adequada, que era aplicar o mesmo Código a toda a jurisdição.

Também vimos os problemas que esta realidade significava em termos de inversão da


pirâmide, que resulta da esquizofrenia de tribunais administrativos terem uma dualidade
de funções, o que conduz à morosidade e ineficácia.
Os tribunais de segunda instância são também os tribunais de primeira instância, não se
limitando a verificar se a sentença produzida na primeira instância é correta. Além
disso, o Supremo são vários tribunais, e há mais juízes no topo do que na base – lógica
da pirâmide invertida. Isto também tem consequências negativas.

Por último, as vantagens do sistema autónomo, eram as vantagens de se conseguir a


especialização. Esta especialização ainda está longe de estar totalmente concretizada,
mas já existe em parte – só há formação para os juízes de tribunais judiciais, não existe
uma formação de forma permanente nos juízes administrativos.
Depois, a carreira também não é totalmente autónoma, sendo possível transitar de
tribunais administrativos para tribunais judiciais – assim, temos pessoas que toda a sua
carreira julgaram problemas de Direito da Família, por exemplo, que quando sobem ao
Supremo, ao fim de 50 anos, nunca terão a mesma qualidade, pois não estudaram
Direito Administrativo. Isto pode ter consequências. Apesar de hoje se poder dizer que
os novos juízes que hoje chegam ao Supremo são aqueles que têm a melhor formação
da justiça administrativa.

Por outro lado, quanto à especialização dentro do tribunal, também aqui se estão a dar
os primeiros passos, mas, em rigor, apenas está a funcionar uma fase instaladora do
Tribunal de matéria de contratação pública, e os outros tribunais não existem, o que
contribui para o não funcionamento do sistema. É por isto que o Professor não gosta do
Estatuto.

64
Já quando falamos do Código, a situação é muito diferente, porque este adota boas
soluções, adequadas a nível constitucional, mesmo que em muitos casos a técnica
legislativa não seja a melhor.
O problema agora é que deixou de haver uma separação entre o texto constitucional e a
realidade europeia e aquilo que é a realidade da justiça administrativa.

No período anterior, sobretudo de 1985 a 2004, havia um problema de realização do


Estado de Direito ao nível da justiça administrativa em Portugal. Esta questão foi
resolvida, apesar de estarmos muito longe do ótimo constitucional, mas há uma
concretização adequada da realidade constitucional no quadro da justiça administrativa,
onde é sempre possível fazer melhor, mas não há um problema de Estado de Direito,
como havia antigamente.

Vamos começar agora por analisar alguns artigos emblemáticos, que são aquilo a que
correspondem os nossos princípios, mostrando o que se quis colocar logo no início no
Código do Processo, para se mostrar que se queria fazer algo radicalmente novo ao
nível da justiça administrativa. De seguida, vamos olhar para os elementos do processo
(sujeitos e objeto) e para os pressupostos processuais.

Qual era a grande aposta que se colocava ao legislador de 2002/2004 e que não podia
deixar de se fazer? Assegurar aquilo que na Constituição aparece quando se estabelece o
princípio da tutela jurisdicional plena e efetiva. É este princípio que marca a
evolução constitucional e a evolução europeia da justiça administrativa, que introduz a
superação de alguns dos principais traumas da justiça administrativa e corresponde a um
modelo que começou a aparecer nos finais dos anos 70 e que se generalizou a partir do
ano 2000.

O legislador português no Código tinha, se olharmos para o direito comparado, 2


alternativas.
1. Alternativa germânica: os alemães adotaram um processo administrativo
similar ao processo civil, de acordo com a lógica de que a cada direito

65
corresponde uma ação. Portanto, se olharmos para o CPA alemão, encontramos
uma sucessão de ações que, à semelhança do processo civil, estão arrumadas em
função do pedido e em função dos efeitos da sentença – são ações de simples
apreciação, ações constitutivas ou ações de condenação. Aparecem estas 3
modalidades de ações, conhecidas no processo civil, desdobradas em
mecanismos processuais autónomos com regras próprias, além de normas
comuns, em termos de objeto de processo, pressupostos processuais e
generalidades de cada um. Esta era uma solução, que na opinião do Professor,
teria a vantagem de mostrar de forma clara e evidente que estávamos a mudar de
paradigma e que tínhamos um contencioso próximo do processo civil.
2. Orientação francesa ou latina: em rigor, corresponde a reformas não apenas na
França, mas também em Itália, Espanha e Portugal. Aqui a tendência foi a de
pegar no anterior modelo (recurso), que permitia a impugnação de atos
administrativos e regulamentos, e transformar num novo grande meio processual
administrativo, que funcionava como um guarda-chuva, pois permite todos os
pedidos e gera todo o tipo de sentenças. aceitando pedidos de simples
apreciação, pedidos constitutivos, pedidos de anulação e pedidos condenatórios.
Havia este grande meio processual e depois havia outro ao lado deste, não tão
importante, que serve para contratos, responsabilidade civil, etc.

Este modelo foi o que acabou por ser feito em Portugal, de uma forma muito evidente
na versão de 2005. O legislador português em 2004 criou 2 meios processuais aos quais
deu o nome de ação administrativa comum e ação administrativa especial.
Depois, com a reforminha de 2015, e na sequência de múltiplas críticas quanto ao
sistema, o legislador unificou os 2 meios processuais, passando a haver apenas uma
ação administrativa, mesmo que esta corresponda a várias ações.

Esta solução adotada cumpre as exigências constitucionais, porque existindo dois meios
processuais, um meio apenas, ou vários, há uma lógica similar à do processo civil de
não deixar nada de fora e permitir que cada direito encontre um meio processual
adequado. Isto encontra-se explanado no artigo 2º/2 CPTA – princípio da tutela

66
jurisdicional efetiva, a cada direito corresponde uma tutela adequada junto dos
tribunais administrativos.
Esta realidade é algo que aproxima o processo administrativo do processo civil e realiza
a tutela plena e efetiva, porque agora não existe nenhuma posição de vantagem nem
nenhum direito subjetivo que fique fora do processo.
Esta opção subjetivista é uma opção assumida, neste momento da reforma, como uma
maneira de conseguir uma tutela integral, porque quando falamos em direitos dos
cidadãos diante da Administração Pública, estes direitos correspondem a uma conduta
estabelecida na lei, que realiza o princípio da legalidade. Assim, o reverso da tutela
jurisdicional efetiva é uma realização total, completa e eficaz do princípio da legalidade.
A discussão que tem de ser vista nesta dupla dimensão: como os direitos dos cidadãos
correspondem a deveres da Administração, a existência de uma tutela da Administração
significa que esta também está a cumprir a legalidade.

Agora, aquilo que corresponde aos processos legislativos que decorrem da


constitucionalização e europeização, são processos legislativos marcados por uma
lógica subjetiva, onde o contencioso existe para uma tutela de direitos de forma
completa e adequada, o que significa que, do ponto de vista objetivo, está a ser
construído o Estado de Direito, porque isso significa que a Administração deixa de
poder cometer ilegalidades.
Portanto, a tutela subjetiva é em si mesma uma tutela efetiva. Assim, podem existir no
Código normas objetivas, mas a lógica constitucional dos artigos 212.º e 268.º/4 é uma
lógica subjetiva.
Em primeiro lugar, remete-se para as normas aplicáveis do artigo 1.º, mas o relevante é
o artigo 2º CPTA, onde o legislador vai desenvolver aquilo que, segundo ele, é o
princípio da tutela jurisdicional efetiva. E vem dizer que, para além do que está na CRP,
a tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter em prazo razoável e
mediante processo equitativo uma decisão. Infelizmente, isto não está realizado, o que
significa que também aqui existe muito a fazer para atingir o ótimo constitucional. Em
Portugal, infelizmente, devido à falta de recursos e ao modo como está organizada, a
justiça administrativa não está a cumprir o objetivo constitucional.

67
A referência a “processo equitativo” está aqui por causa da Europa, porque o Tribunal
de Justiça, nos anos 90, tinha criticado os tribunais de alguns países por permitirem que
houvesse essa transição de membros da secção jurisdicional para a secção
administrativa. Precisamente na tal lógica de autonomia de carreiras e de especialização,
o TJ condenou a Bélgica, França e Luxemburgo, por terem permitido a transição de
funcionários administrativos para juiz, o que violava a separação de poderes.
Portanto, temos aqui logo uma noção de uma tutela jurisdicional efetiva que completa a
dimensão constitucional, e que também é materialmente constitucional.

Depois, vai distinguir todos os aspetos no âmbito do funcionamento da justiça


administrativa – através de “uma decisão judicial que aprecie, com força de caso
julgado, cada pretensão regularmente deduzia em juízo”. Ou seja, há um processo
declarativo e nesse processo declarativo são garantidas 2 instâncias com a mesma lógica
de funcionamento.
Para que não houvesse dúvidas, a referência ao princípio das providências cautelares,
está aqui sobretudo por causa da Europa, que, nos últimos anos do século XX, tinha
condenado os Estados por não assegurarem a tutela eficaz do ponto de vista cautelar –
existem providências antecipatórias ou conservatórias, o que vai significar, nos termos
do artigo 112.º CPTA, a consagração do princípio de cláusula aberta, em matéria de
tutela.

Antes das providências cautelares, fala-se também da execução das decisões


administrativas, que é outro aspeto essencial da realização da justiça administrativa.

Portanto, o novo mundo constitucional aparece aqui desdobrado nestas considerações de


natureza organizativa no quadro da justiça administrativa. Além disso, o artigo 2.º
CPTA vai explicitar tudo aquilo que o juiz deve fazer, explicando que o juiz é outro
porque o contencioso é outro – se o que está em juízo é a relação material controvertida,
esta ação levada a juízo tem de ser analisada na sua totalidade. Portanto, os pedidos
feitos pelas partes podem ser de simples apreciação, constitutivos ou de condenação.

68
O legislador, em vez de criar categorias teóricas que esgotam a realidade, vai enumerar
todos os critérios possíveis e imaginários, fazendo longas listas sobre todas as hipóteses,
como aliás conseguimos perceber, pois neste artigo 2.º CPTA quase nada fica de fora,
está cá tudo. Ou seja, o legislador enumera todas as posições que considera essenciais;
como através do método da enumeração, não quer deixar nada de fora, acaba por se
repetir.

O legislador depois quando nos artigos 37.º e ss. CPTA fala de ação administrativa,
definindo o seu objeto, vai repetir todas estas alíneas e incluir mais algumas.
Esta coleção, que depois aparecia a propósito das diferentes ações, agora desapareceu,
mas existe ainda a propósito da ação de anulação, por exemplo.
O legislador quis mostrar que, de forma inequívoca, estávamos perante um novo
contencioso pleno e efetivo, pelo que a norma é paradigmática.

No quadro do processo civil, nós sabemos o que é qual é a natureza da ação e


identificamos logo qual é o pedido. Agora não, só há uma ação administrativa, que
admite a cumulação de vários pedidos (grande transformação relativamente ao objeto do
processo) e tudo isso pode ser decidido na primeira instância. Portanto, quer a ação
administrativa comum, quer a ação administrativa especial, no âmbito da reforma de
2004/2005, quer a ação administrativa de hoje, são corretas, são ações de guarda-chuva,
permitindo todos os pedidos que originam sentenças de natureza mista – combinam
diferentes efeitos em razão da natureza dos pedidos.

Uma referência à esquizofrenia de falar em ações comuns e ações especiais: aquilo que
o legislador fazia era dizer que havia uma ação comum, que era a mais importante, pois
cobria mais casos no processo administrativo, mas depois criava uma ação dita especial,
que dizia respeito a tudo o que se relacionava com atos e regulamentos; ora, isso
significava 99,9% do processo administrativo.
O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva diz que não fazia sentido distinguir as ações
comuns e ações especiais, porque estas já tinham cadastro: do ponto de vista histórico, a

69
ação especial era o recurso de anulação, relativa a atos e regulamentos. A partir do
momento em que isso desaparece, e as ações são guarda-chuva, onde tudo é possível
numa ação, não fazia sentido utilizar essa dupla terminologia. Por isso, o legislador
deveria ter utilizado outros nomes ou até combiná-los.

Isto não se percebe: aquilo a que o legislador chamou de ação comum era
verdadeiramente a ação especial, porque era aqui que se resolviam muitos processos,
segundo as regras que constavam do Código, porque na versão de 2004 apenas estava
regulada a ação especial. Caso apenas pudesse escolher entre estes dois nomes, então
pelo menos acertasse no seu nome, trocando-os.
Estas críticas fizeram mossa e, segundo o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
soube, a Comissão tomou em conta essas críticas e resolveu unificar.

Embora o Professor agradeça a consideração, ele lembra que as sub-ações da ação


comum e da ação especial também não estavam devidamente enquadradas, porque
aquilo que o legislador fazia, criando 2 ações, era em bom rigor, criar 4 ações no
domínio da ação comum e outras 4 ações no domínio da ação especial, porque o
legislador depois criava sub-ações, que tratava de forma autónoma. Para fazer isso, o
legislador juntava critérios processuais com critérios substantivos – o legislador apenas
se lembrou da primeira parte, mas não se lembrou da segunda. Porque, por um lado, o
legislador continua a estabelecer várias modalidades de ações (chamando de sub-ações
as que são verdadeiras e próprias ações), e continua a misturar critérios substantivos
com critérios processuais e por causa dessa mistura o legislador continua a não criar as
melhores ações. Alguns exemplos:
Artigos 50.º e ss. CPTA – ação de impugnação de atos administrativos. O que é
que aqui é processual? A impugnação é um critério processual, o legislador
devia ter legislado todas as ações de impugnação, mas o que fez foi regular as
ações de impugnação de atos administrativos, ou seja, temos aqui um critério
substantivo.
Artigos 66.º e ss. CPTA – a condenação é o critério processual, mas está
misturado com o critério substantivo que é o ato. Portanto, são duas ações

70
relativas ao ato em que o legislador começa por definir o objeto da instância e a
realidade material. Ou seja, regula outra vez de forma autónoma esta ação.
Artigo 72.º CPTA – temos outra realidade substantiva, impugnação e
condenação, e temos uma relação autónoma (objeto do processo, pressupostos e
técnica de decisão).

O legislador, pela técnica adotada, não criou verdadeiramente sub-ações, mas


verdadeiras ações, estabelecidas através de critérios casuais, de uma forma que não é
adequada. Criou o sistema em função do modo como se considera estas realidades. Isto
gerou problemas de compatibilização em ambas.
O que o legislador devia ter feito era: se adotasse apenas critérios processuais, fazia
regras processuais comuns a todas as ações, e aí tratava de todas as formas de atuação,
mas o critério era processual. Por outro lado, se usasse apenas o critério substantivo,
pensava apenas nas formas de atuação e regulava em função disso. Tendo em conta que
o legislador resolveu misturar tudo, temos uma confusão que conduz à repetição do
legislador do que já tinha dito anteriormente.

Aula 24/10/2022 Joana Fernandes Teixeira & Adriana Pereira


Duque

Na aula passada estávamos a ver normas do código de processo administrativo, no qual


estão consagrados no quadro da justiça administrativa, e vimos que nos primeiros
artigos há normas com peso emblemático e com uma lógica nova no entendimento da
justiça administrativa que assume aqui uma nova dimensão.

Artigo 2º CPTA, consagra o princípio da tutela judicial plena e efetiva, significa isto
que no quadro da ordem constitucional que há uma ação subdividida em quatro sub-

71
ações. Dr. José Coimbra vê outras formas para além destas quatro consagradas aqui no
código, refere 5 ou 6 - “sistema do shampoo 4 em 1”.
Mas o que é facto e já analisado na aula passada, com a reforma do 2015 o legislador
codificou os meios processuais, havia dois em 2004 (ação comum e judicial) agora só
há a ação administrativa. Essa ação administrativa formal permite todos os pedidos e
permite que haja todo o tipo de sentenças (sentenças de simples apreciação, sentenças
condenação e sentenças condenatórias), maior parte das sentenças têm um carácter
misto e ao mesmo tempo que assim é o legislador tendo aparentemente unificado os
meios processuais criou quatro ações que são verdadeiras ações autónomas.
São verdadeiramente ações autónomas, sendo que cada uma delas
- Impugnação de atos administrativos
- Condenação para a prática de ato devido
- Impugnação + emissão em matéria de regulamentos
- Ação em matéria de contratos

Quando estabeleceu estas 4 sub-ações o legislador confundiu critérios, deste


modo criou 4 verdadeiras ações uma vez que cada uma delas tem um regime
completo (objeto, âmbito de aplicação, pressupostos processuais, e regras de
funcionamento desse meio processual).
O legislador aparentemente só tem uma ação, mas na prática não.

Artigo 4º CPTA, permite a cumulação de pedidos cuja significa trazer para cada
processo administrativo a integralidade da relação jurídica administrativa. O critério do
objeto do CAT do ponto constitucional são as relações jurídico-administrativas. Estas
entram num processo em que todos os pedidos são possíveis e que todas as sentenças
são suscetíveis de surgir no processo (“lógica de ação guarda-chuva).
Artigo 4º/1 CPTA, estabelecem-se regras nas quais são permitidas cumulação de
pedidos no qual cabe praticamente tudo:
Alínea a) - o que está em causa são realidades que integram a mesma relação
jurídica material, critério da relação jurídica material trazida por eles.

72
Alínea b) - quando está em causa a apreciação dos mesmos factos ou apreciação
das mesmas normas isso também deve ser analisado de forma cumulativa e
todos os pedidos são cumulativos.

Artigo 4º/2 CPTA, exemplos dessa cumulação, tanto pedidos constitutivos como
pedidos de simples apreciação junto com pedidos de condenação da prática de ato
administrativo. Continua a nos aparecer esta lógica de condenação com qualquer de que
tudo é cumulável, o que significa que a noção de cumulação de pedidos que aqui está
não é a mesma que o CPC. Isto dá-se porque, tal como chamou à atenção o professor
Miguel Teixeira de Sousa, no artigo que escreveu sobre a reforma, a maior parte dos
casos que aqui estão são de cumulação aparente e não de cumulação real dado que está
em causa a mesma relação administrativa, ou, na logica administrativo do professor
enunciado “o mesmo valor jurídico da causa”.

Considera, o Regente que o professor Miguel Teixeira de Sousa tem razão apenas em
parte porque se pensarmos na lógica do processo administrativo o que aqui está não é
aparente, na verdade o que está em causa é real, mas isto não significa que não há caos
de cumulação real – mas esses acontecem exatamente nos termos do processo civil,
logo, não são relevantes para o processo administrativo. O que são relevantes são as
cumulações aparentes; porque o que tínhamos antes é que o processo administrativo
através dos meios processuais que existiam estava partido em fatias, fatias autónomas e
subsidiárias, portanto era preciso primeiro ir a tribunal e pedir a declaração do ato ferido
de nulidade, apenas depois de perdidos anos a discutir a validade do ato, só depois é que
se podia pensar em anular os atos contratos subsequentes, e apenas depois se podia
pensar em ação de responsabilidade, deste modo vemos que o processo estava
seccionado em secções autónomas e primeiro era preciso discutir a validade. Em que a
ação principal era a da legalidade ou ilegalidade do ato, se essa não fosse ganha não
surgiam as seguintes.

Hoje já não é assim, este mecanismo em fatias que impedia a justiça administrativa foi
revogado, a integralidade da relação jurídica administrativa pode ser levada ao tribunal

73
administrativo- todos os pedidos relativamente àquela relação jurídica sejam levados
naquele caso concreto. Percebesse porque o legislador vem falar no processo
administrativo de cumulação, cumulação aparente essa que era a grande mudança que a
reforma necessitava, é o que assegura a tutela plena efetiva do particular. Faz com que a
cumulação de pedidos conduza a sentenças com múltiplos conteúdos (conteúdos
constitutivos, conteúdos de condenação e conteúdos de simples apreciação na mesma
sentença) – não basta ao particular anular a decisão administrativa é preciso sempre
reintegrá-lo na situação que se encontrava antes da prática do ato administrativo.

Note-se que podemos dizer que antes da reforma era o “recurso hierárquico
jurisdicionalizado” dado que o juiz anulava o ato tal como o superior hierárquico o
poderia fazer.
É esta reforma que produz a verdadeira mudança no CAT, MTS na lógica do processo
civil não se tenha apercebido e entendeu o que já descrevemos, entendimento ao qual o
Regente respondeu que esta é a cumulação aparente se não fosse assim a realidade
administrativa estava dividida em fatias.

Artigo 3º CPTA, regra essencial porque vem redefinir o princípio da separação de


poderes.
Artigo 3º/1 CPTA, ainda que de uma forma clássica os tribunais devem se ocupar da
aplicação de normas e princípios jurídicos aos quais se vincula. A forma não é a forma
clássica do direito português, mas não é em si mesma muito arrojada. Esta forma evita a
expressão “recurso de mera legalidade”, expressão que estava na lei anteriormente,
neste caso o juiz conhecia apenas a letra da lei. Agora, o juiz conhece o direito e aplica
as leis (alteração que decorre da natureza do poder discricionário, dado que este deixou
de ser um poder livre, é um poder de escolha, mas escolha das melhores opções dentro
da lei, escolha balizada dentro do ordenamento jurídico, escolha conformada por todos
os princípios da ordem jurídica – esta realidade transformada não podia deixar de ter
consequências processuais). O que está aqui em causa é o princípio da juridicidade, a
ideia de vinculação da administração à lei e ao direito.

74
Esta norma é fundamental para explicar, a norma que é relativa as ações de condenação
na prática de atos devidos:

Artigo 71º CPTA, estabelece que o quadro da ação de condenação o particular pode
pedir ao juiz que esclareça a administração qual é o correto exercício do poder
discricionário, ou seja, o tribunal não se pode substituir à administração, mas pode
indicar o modo de exercício do poder discricionário. O legislador é cuidadoso diz que o
tribunal não pode determinar qual o conteúdo do ato praticado, mas o tribunal deve
explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do ato
administrativo; pode indicar as escolhas possíveis entre as possíveis, como tal, não é
uma escolha livre é uma escolha entre as opções que cabem na letra e no espírito da lei.
Por outro lado, avaliando as circunstâncias e aplicando as vinculações que
correspondem ao exercício do poder discricionário são ilegais algumas opções e por isso
determina que a elas não podem aplicar – sobre este assunto há um livro do professor
Regente publicado na revista “direito constitucional e direito administrativo sem
fronteiras” que versa sobre uma visão ampla das fontes de direito que não apenas
abrange todas as situações que temos no direito e vinculações de toda a ordem jurídica
por isso o princípio da legalidade tem uma vertente supraconstitucional (direito
constitucional, direito europeu, direito global) e infraconstitucional (regulamentos e
contratos), sobre o princípio da legalidade que é a versão hoje consagrada no CPA e
CPTA a legalidade não é a violação da concreta lei que regula a matéria, mas a
legalidade é a subordinação ao direito no seu conjunto. Neste sentido, o juiz pode nos
termos do artigo 73º CPTA o juiz pode elaborar sentenças no quadro do poder
discricionário numa lógica de separação de poderes.

Cada um dos núcleos presentes no artigo 3º CPTA, produz uma lógica nova renovada
do princípio da separação de poderes.
Artigo 3º/2 CPTA, em termos autónomos pega-se num mecanismo jurídicos que nasceu
na execução das sentenças em França e que o legislador português adotou “sanções
pecuniárias compulsórias”. Diz que para assegurar a fiabilidade da tutela, os tribunais
administrativos podem selecionar o praxo para o cumprimento de deveres que

75
imponham à administração aplicar quando se verifique sanções pecuniárias
compulsórias. Ou seja, os tribunais não dizem apenas qual o resultado, também dizem
em que momento esse resultado deve ser verificado – o tribunal interfere no poder
discricionário. A administração não tem discricionariedade quanto ao momento de
execução, tem de executar no momento em que o tribunal determina, isto é assim
porque as ações de condenação pela sua natureza são as mais rigorosas, prevê-se que
nestas logo que emite a sentença o juiz fixe a sanção pecuniária. Logo no processo
declarativo a administração determina prazos, montantes de multas eventuais por não
pagamento no momento correto e, assim, sucessivamente. É uma realidade relacionada
com o assegurar que as sentenças são condenatórias, efetivas e que se executam logo de
forma voluntária– isto obriga a reconsiderar a ideia da divisão de poderes e a ideia do
poder discricionário (dado que o juiz interfere).

Artigo 3º/3 CPTA, prevê a tutela cautelar, está neste artigo porque ela foi a razão
europeia da reforma. A tutela cautelar limita-se a salvaguardar as situações para que no
futuro, caso o autor tenha razão, a sentença tenha efeito útil. O juiz não está a olhar para
as normas para saber qual a melhor solução possível, está a pretender saber qual o valor
mais importante / mais afetado pela execução da decisão e, no quadro desse juízo,
decide proteger uma das posições, ou seja, está a fazer um juízo de mérito [e não de
legalidade].

Artigo 3/ 4º CPTA, é possível em processo executivo haver emissão de sentença que


produza efeitos administrativos: o tribunal não se substitui à escolha da administração,
mas se já condenou a administração atuar de certa maneira e a administração continua
sem atuar é possível ao tribunal emitir uma sentença que substitua a administração, a
sentença substitui no processo executivo um ato administrativo. Claro que tem limites.

Artigo 6º CPTA, princípio da igualdade – antes de 2004 não havia partes no processo
administrativo nem em sentido processual nem substantivo, a administração era uma
autoridade recorrida que ajudava o juiz a descobrir a legalidade e o particular ia ajudar a
descobrir a legalidade.

76
Aula 26/10/2022 Daniela Francisco & Inês Filipa
Nunes

Temos estado nas aulas passadas a tratar dos princípios gerais do Código de Processo.
Aqueles que estão nestas primeiras normas do Código e que mostram a diferença em
relação àquilo que havia no passado e, portanto, são, não apenas princípios gerais, mas

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também são normas emblemáticas daquilo que a reforma do Contencioso
Administrativo quis introduzir. Portanto, são normas importantes.
Na aula passada já tínhamos visto as questões relativas aos meios processuais, agora o
único meio processual é a ação administrativa que, no entanto, tem quatro sub-ações é o
sistema do quatro em um, como os champôs, mas esta ação é uma ação que permite
todos os pedidos e que permite todo o tipo de sentença. É uma ação “guarda-chuva”,
uma ação de amplo espectro e, portanto, vimos a questão dos pedidos, a questão da
cumulação do artigo 4.º, os poderes do Juiz no artigo 3.º e, se não me engano,
estávamos no artigo 6.º na igualdade das partes.
Então o que é que visa este artigo 6.º e qual a importância disto? Em primeiro lugar, ele
devia dizer apenas “partes”, “as partes no Contencioso Administrativo”, mas dizer
“igualdade de partes” tem um significado e tem um conteúdo em relação àquilo que era
o anterior Contencioso Administrativo, porque antigamente no Contencioso
Administrativo não havia partes.
Não havia partes nem em sentido processual, nem em sentido material. Não havia em
sentido material porque não se considerava que os particulares tivessem direitos perante
a Administração Pública. Otto Mayer diz que é inadmissível que um particular possa ter
um direito contra uma entidade que pode decidir da vida e da morte dos cidadãos e,
portanto, um direito contra todos, um direito contra a Administração Pública é
inadmissível em termos de construção político-jurídica. E esta ideia faz com que,
mesmo em Portugal, tenha havido uma grande relutância muito grande em falar em
direito subjetivos e estes aparecem muitas vezes ao lado outras figuras parecidas,
interesses legítimos, interesses difusos, não há razão nenhuma para fazer isso, como
veremos nesta e na próxima aula, mas é uma realidade que tem a ver com os traumas da
infância difícil.
E, portanto, do ponto de vista substantivo, do ponto de vista da ideia em sentido
material, não havia partes no Contencioso Administrativo, mas também não havia partes
em sentido processual, porque se considerava, em primeiro lugar, que a Administração
não era uma parte. A Administração era um auxiliar do Juiz, era, como dizia o Código
de 85, uma “Autoridade Recorrida”, uma “Autoridade Pública” que vinha da
Administração, que se confundia com a Justiça nos termos do pecado original e que

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estava ali para auxiliar o Juiz a descobrir a legalidade e o interesse publico. Portanto, a
Administração não era parte e os seus atos não estavam a ser julgados. O processo era
um processo aos atos para verificação da legalidade, não a quem os praticou e, portanto,
a Administração não estava a ser julgada e não era uma parte, era uma “Autoridade
recorrida”, era a expressão feliz da reforma de 1986. Vem de há dois séculos, mas é
uma realidade muito presente até aos nossos dias.
Por outro lado, o particular não era parte, porque o particular não podia ter direitos em
face da Administração e também não era parte em sentido processual. Como dizia
Maurice Hauriou, a posição do particular era igual à do Ministério Público. Estava ali
para auxiliar o Juiz e a Administração a tomar a melhor medida de satisfação das
necessidades e prossecução do interesse público no quadro da legalidade. Portanto não
havia partes. O particular não ia a Tribunal para tutelar um direito usado, o particular ia
a Tribunal apenas como um bom escuteiro fazendo a sua boa ação diária para ajudar a
que a justiça e a legalidade se realizassem. Era esta a lógica dominante do Contencioso
Administrativo, que era um Contencioso objetivo, de total dimensão objetiva virado
apenas para a legalidade em que não havia partes
Em 85, como eu vos disse, já começa a surgir alguma realidade que tem a ver com o
futuro processo de parte, mas esse processo de parte só se realiza integralmente com
reforma de 2002/2004. E, portanto, é natural que o legislador da reforma, para além de
dizer o que é que partes, dissesse que essas partes são iguais. Há igualdade de partes.
Porque há, do ponto de vista constitucional, uma posição de igualdade, de paridade
entre o particular e Administração que estabelecem relações jurídicas em posição de
paridade, porque se a Administração prossegue o interesse público, o particular tem por
si os direitos fundamentais que vinculam diretamente a Administração e portanto é uma
relação equilibrada do ponto de vista substantivo e é uma relação que do ponto de vista
processual é exatamente a mesma porque as partes intervêm nos mesmo termos em
todos os Processos Administrativos.
O objeto do processo, diferentemente do que se passava no passado, é constituído pelas
partes. O Processo Administrativo é também o processo basicamente de natureza
acusatória, como vamos ver nos artigos 95.º e seguintes. Há aqui uma nova realidade e,
portanto, é razoável que o legislador, que quer mostrar esta nova realidade, diga que

79
estamos perante a igualdade das partes. Esta norma é emblemática, gosto dela. Há quem
diga que tem o meu nariz, e é verdade, porque há aqui algumas coisas que têm a ver
com a discussão do passado e que usam os meus argumentos, mas independentemente
disso, isto corresponde à transformação que se deu no Processo Administrativo.
Precisamente porque esta norma, para além de falar na igualdade efetiva das partes do
processo, esta norma depois acrescenta que isto significa que seja possível no processo
aplicar culminações ou sanções processuais designadamente por litigância de má fez.
Isto é um corolário da igualdade de partes, mas isto não tem o mesmo valor da
igualdade das partes. Eu diria que isto não devia estar aqui, ou, ao estar aqui, deveria
estar pelo menos no número dois. Dizer “corolário da igualdade das partes é a
possibilidade de culminação de sanções e a litigância de má-fé”. Agora, porque é que
isto está aqui, porque é que eu digo que isto tem o meu nariz? É que quando discutimos
nos anos 80 e 90 se deviam haver ou não partes no Processo Administrativo, o grande
argumento, quanto ao qual eu discuti, que era o argumento de Marcello Caetano e que
depois foi retomado em parte por Freitas do Amaral e mesmo por Sérvulo Correia e Rui
Machete, o grande argumento era “não há partes porque no Processo Administrativo
nenhuma das partes tem de pagar as custas do processo, não há nenhuma sanção
correspondente ao pagamento de custas, até porque não há, de um ponto de vista
processual, valores para as diferentes ações e não pode haver litigância de má-fé”. Estes
dois argumentos eram sempre utilizados contra aqueles que, como eu, diziam que o
processo tem de ser de partes e tem de haver igualdade de partes.
Eu respondia precisamente o contrário, tal como veio a acontecer no quadro dessa
reforma, e por isso é que eu brinco dizendo que tem o meu nariz, porque por um lado
agora todos os processos têm um valor, é possível e resulta da lógica do processo que
quem perde a ação possa ser condenado no pagamento das custas e pode haver sanções
por litigância de má-fé. Isto decorre do facto de estarmos perante um processo de partes.
Não é tão essencial como a afirmação do princípio das partes e da igualdade destas, mas
pronto, também não vem mal ao mundo. O legislador nestas normas de vez em quando
excede-se um bocado, mas percebe-se. Ele está tão satisfeito por aquilo que conseguiu
realizar que aqui resolve introduzir não apenas a solução, mas introduzir os argumentos
que apontavam nesse sentido aquilo que era uma consequência da qualidade de partes.

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Antes eu dizia “não há, mas deve haver, isso é uma das coisas que falta para que haja
um processo integralmente de partes, ao lado de outras, e a discussão tinha a ver com
esta realidade. Depois há outro argumento que vem a seguir, já falaremos também, e
que é extremamente importante. Portanto, temos agora uma nova realidade processual
Depois temos o artigo 7.º que é o da “promoção de acesso à justiça” que também é um
artigo fundamental. Aqui se diz que o objetivo do processo é conseguir que haja uma
decisão sobre o mérito das partes. Uma decisão material. O que se pretende não é
apenas que o processo seja um conjunto de formalidade, como muitas vezes era o
Processo Administrativo, mas pretende-se que as partes que usam do Processo
Administrativo tenham uma justiça material adequada às suas situações. Isto não tem
giz nem coisa do género, mas eu vou métodos completamente audiovisuais, isto é, o
último grito, melhor do que a internet, melhor do que os powerpoints, porque é
totalmente virtual. Nem se quer fica cá nada, não é? Há uma figura que eu costumo usar
para explicar aos meus alunos a teoria da legalidade, falaremos disso mais tarde numa
das próximas aulas quando falarmos do pedido e da causa de pedir, que eu digo que a
ilegalidade do Direito Administrativo é uma espécie de um grande bolo, bolo de
aniversario com diferentes fatias. Cada fatia gera por si só a ilegalidade do ato. Uma
fatia é para as ilegalidades de natureza material, outra é para a incompetência, outra é
para vicio de forma, outra é para o Procedimento Administrativo.
Portanto há ilegalidades formais em sentido amplo correspondentes ao procedimento, à
competência e à forma e depois há invalidade materiais que têm a ver com as pretensões
dos particulares, os direitos dos particulares que estão a ser discutidos. Basta comer uma
fatia do bolo para morrer envenenado, mas cada fatia do bolo tem um veneno diferente.
A fatia da competência tem estricnina, a fatia material tem heroína, a outra tem mata-
ratos, enfim. O que significa que basta comer uma fatia para morrer, ou seja, basta haver
uma ilegalidade para o ato ser ilegal, mas pode-se morrer de maneira diferente
consoante haja várias fatias e normalmente há várias fatias envenenadas e, portanto, a
dose do sofrimento é maior. Estricnina com mata-ratos é pior do que só estricnina ou só
mata-ratos. O que é que acontecia antigamente? Havendo em regra alguma ilegalidade
procedimental ou alguma ilegalidade de competência, o Juiz não apreciava as
ilegalidades materiais, anulava apenas com fundamento na ilegalidade de ordem formal,

81
a Administração corrigia o ato e o particular tinha que ir outra vez a juízo para discutir
as relações materiais que tinham sido utilizadas por aquele ato. Isto agora acabou
também. Como veremos também mais tarde, o artigo 95, º vem dizer no quadro do
objeto do processo que o Juiz tem de considerar todos os pedidos feitos pelo particular e
tem que considerá-los a todos, não pode ficar pelo formal, pelo da competência, pelo da
forma em sentido restrito. Tem de analisar a competência, a forma, a ilegalidade
material. Tem de analisar até ao fim todas as ilegalidades. Porquê? Porque o particular
deve ser integralmente protegido com essa ida a Tribunal, com esse acesso ao Juiz e a
Administração não deve ter a possibilidade de corrigir a legalidade. Às vezes é muito
simples, por exemplo faltou uma notificação de um particular, a Administração notifica
e o ato continua imediatamente válido e a produzir efeito a menos que o particular o
impugne outra vez. Para evitar esta ilegalidade, é preciso dizer que o principio do acesso
à justiça não é apenas à justiça formal, uma justiça formalística que só se preocupa com
o cumprimento do procedimento e com o cumprimento das regras de competência de
formas, mas é preciso o respeito da legalidade material e daí o facto deste artigo art.
95.º vir a dizer de uma forma completa que o Juiz deve conhecer de tudo aquilo que foi
alegado pelas parte e deve conhecer de forma completa de tudo aquilo que foi alegado.
O Juiz não pode deixar de considerar todas as causas do processo. Portanto este artigo é
também um artigo emblemático. Porque aqui o que acontecia na maior parte dos casos
até esta reforma era que o Contencioso Administrativo era um contencioso de meras
formalidades. Não ia ao fundo da causa, não discutia as discussões materiais.
Depois surgiu-nos com a “reforminha” de 2015 este artigo 7.º a) que estabelece deveres
de gestão processual a cargo dos Juízes. É um artigo que resulta de uma reforma que é
comum também ao Processo Civil, aparece no Código de Processo Civil, aparece no
âmbito de todos os processos e atribui ao Juiz responsabilidades para que não haja
dilações, para que o processo corra da forma mais célere possível… É uma regra
importante não é uma regra privativa do Contencioso Administrativo e tanto assim que
ela não estava na reforma de 2004, mas acho que o legislador de 2015 fez bem em ter
introduzido esta cláusula em termos similares às do Processo Civil. Mas vejamos agora
uma outra norma, que estando correta e correspondendo a algo que é essencial
simultaneamente é um bocadinho exagerado, enfim, porque junta várias coisas. Ora

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bem, aquilo que aqui se consagra é o princípio da cooperação e boa-fé processual, o que
faz todo o sentido, porque se há partes e se as partes estão em posição de igualdade é
preciso que essas partes cooperem uma com a outra e com o Juiz e que haja boa-fé no
quadro das relações entre elas. Assim faz sentido num processo judicial a consagração
deste pedido. Isto também é, se quiserem, uma consequência, um corolário da lógica da
identidade de partes, mas o legislador não diz apenas assim, diz aqui algumas coisas que
os senhores à partida estranharão. Por exemplo, diz-se que a Administração Pública no
quadro da cooperação deve enviar o Procedimento Administrativo para o Juiz, para o
Tribunal. Isto é importante, mas não é tao importante como o resto. Isto é uma
consequência da cooperação. Porque é que aqui está isto? É que antes, quando não havia
partes, o processo estava, já em 85, para um futuro processo de partes, mas havia a tal
realidade compromissória, a tal dimensão compromissória da parte do legislador e uma
das grandes discussões, outra das coisas que eu tive de discutir com o professor
Marcello Caetano por intermédio do Professor Freitas do Amaral que assumiu esses
argumentos, era a questão de saber se no Processo Administrativo havia ou não um ónus
de impugnação por parte da Administração na resposta ao articulado apresentando pelos
particulares, mas também dos particulares no quadro de qualquer processo que esteja
em causa. Ou seja, o que se dizia era que como aquilo não era bem um processo de
partes, diferentemente do que se passa no Processo Civil, no Processo Penal e nos
outros processos, não havia ónus de impugnação e não havia ónus de contestação.
O argumento utilizado pelo Professor Marcello Caetano era dizer “não há ónus de
contestação nem de impugnação porque a lei de processo não consagrava a ideia de que
se os factos não fossem refutados eles tinham-se como provados. A ideia da
impugnação especificada do Processo Civil. Ou seja, no Processo Civil se alguém diz
alguma coisa e a outra parte não contraria, tem-se como provada essa realidade.
O que é que se dizia no Processo Administrativo? Confundia-se o ónus da impugnação
com o ónus da impugnação especificada. Dizia-se “como não há ónus de impugnação
especificada, não há o processo de partes”. Aquilo que a Administração deve fazer
como resposta que pode dar ao particular é enviar o procedimento para o Juiz e fazendo
isso ela não tem de responder porque não é obrigada, não há nenhum ónus, não há

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nenhuma vantagem em responder ao particular porque o princípio é o da livre convicção
do Juiz.
Ora bem, o que é que eu dizia no quadro desta discussão que depois o legislador
também me resolve dar aqui uma colher de chá? Eu dizia que essa discussão estava
trocada e assentava numa confusão entre ónus de impugnar e sanção de se terem como
comprovados os factos não contestados, o ónus de impugnação especificada que são
duas cosias diferentes. Uma coisa é o ónus de impugnar, qualquer parte tem e se não
usar esse ónus corre o risco de que o Tribunal veja a formação de uma vontade que é
contrária aquilo que pretende. Portanto quer a Administração quer a parte já antes da
reforma tinham este ónus de impugnação. Isto não se confundo com o ónus de
impugnação especificada, porque mesmo no Processo Civil, ónus de impugnação
especificada que é uma regra geral tem exceções designadamente quando estão em
causa pessoas coletivas, quando estão em causa incapazes, entidades cuja formação da
vontade possa ser difícil de determinar.
Ora, no Processo Administrativo o que está em causa são vontades publicas, são
entidades coletivas através de órgãos, o que está em causa caberia exatamente nos
mesmos termos do que a regra do Código do Processo Civil. Portanto eu dizia que isto
era uma confusão: confundir o ónus de impugnação com o ónus de impugnação
especificada e que no Processo Administrativo como no Processo Civil, se ninguém
refutasse os argumentos da outra parte, veria o Juiz entender que a parte provavelmente
teria razão, ainda que no quadro da livre convicção do Juiz.

Segunda questão: eu dizia é errado confundir o dever de remessa do procedimento para


o Tribunal com o ónus de impugnação, porque o dever de remessa daquilo que a
Administração tem a seu poder e que corresponde aos factos tal como ela apurou no
momento da decisão corresponde ao dever de cooperação com o Juiz.
E por isso, o legislador que quis consagrar o regime de partes, mete aqui, não só, os
deveres de cooperação, mas preenche estes deveres de cooperação, entre outras coisas,
com a necessidade de remeter para o processo do procedimento.

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Não vai mal ao mundo ter feito isto. Não era absolutamente necessário tê-lo feito, ou tê-
lo feito nos termos em que o fez. Agora, é compreensível que o tenha feito porque esse
foi o argumento decisivo dos anos 80 e dos anos 90.
E, portanto, quando o legislador em 2004 estava a fazer o novo processo, eu quis
chamar à atenção para esta realidade. Mas chamo também à atenção para o facto de que,
agora, o legislador também mudou a lógica das partes e do seu funcionamento no
quadro do processo porque se consultarem os artigos que aparecem no âmbito do
Código do Procedimento Administrativo relativos à marcha do processo, normas que
vêm imediatamente a seguir aos processos cautelar e que estabelecem regras gerais
acerca da marcha do processo, verão que o legislador chama contestação à resposta da
Administração ao particular. Já não chama simplesmente resposta como em 85. E agora
estabelece a marcha do processo, dizendo que há um articulado inicial que é a petição
apresentada ao juiz; depois há uma contestação da outra parte, há uma réplica e há uma
tréplica. Ou seja, há não apenas uma lógica de identidade, mas em que os nomes de
cada um dos articulados correspondem àquilo que é a teoria geral do processo.
Ao fazer isto, o legislador não precisava, embora precisasse de ter aqui a ideia da
cooperação, de estar a dizer tudo o que ela significava ou estar a meter tudo no mesmo
saco. Agora, compreende-se que o tenha feito, tal como o legislador que gosta muito de
repetir, também introduz aqui aquilo que já tinha dito no Artigo 6.º que é evitar a
dilação por parte dos sujeitos processuais e, portanto, o juiz pode sancionar as partes.
Tudo isto tem a ver com a colaboração, com a colaboração entre as partes e a
colaboração entre com juiz. Agora, tudo isto está aqui também pré-determinado pela
discussão que vinha do passado.
Muito bem, vem agora a questão das partes, e, portanto, no Artigo 8.º-A e ss., há um
conjunto de regras essências que tem a ver com os elementos do processo que são
aquelas realidades sem as quais não existe uma relação jurídica processual, são
realidades constitutivas e essenciais de um qualquer processo. Estudámo-las no
processo administrativo, no processo civil, no processo penal, no processo
constitucional, em qualquer realidade de natureza processual. E estes elementos do
processo correspondem a duas realidades essenciais: a primeira é a das partes do
processo – e, portanto, vamos estudar as partes no processo que é algo que decorre deste

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princípio da igualdade das partes (antes não era preciso estudar porque não havia, mas
agora é) – e a segunda é o objeto do processo – e, portanto, vamos estudar a posição dos
particulares e da administração nos processos multilaterais. 
E, portanto, a primeira coisa que vamos estudar é isso. Vamos ver as regras da
legitimidade que aparecem aqui no Artigo 9.º e no Artigo 10.º e depois vamos analisar
as questões do objeto do processo, as questões relativas ao pedido e à causa de pedir.
O pedido é aquele que o particular vai solicitar diretamente ao juiz, aquilo que ele vai
pedir diretamente ao juiz, como a anulação do ato, a anulação da administração, a
declaração de direito. E esta solicitação existe para a tutela do direito dos particulares.
E, portanto, quando falamos em pedido, estamos a pensar quer naquilo que é
imediatamente solicitado ao particular, quer no direito subjetivo que é tutelado por
aquilo que é pedido. E, aqui, quando falamos em direito subjetivo estamos a usar a
expressão em sentido amplo porque o direito subjetivo abrange quer o direito subjetivo
do particular, quer o poder da administração, equivalente ao poder potestativo. E,
portanto, os direitos das partes estão em causa no pedido, como pedido mediato.
Quem fazia esta distinção entre pedido mediato e pedido imediato era o Professor
Manuel de Andrade. Segundo este, o pedido imediato é aquele que se solicita
imediatamente ao juiz, enquanto o pedido mediato é os direitos que são tutelados
através deste pedido.
E depois há uma causa de pedir que é a razão de ser do processo, aquilo que leva o
particular a ir ao tribunal, aquilo que justifica a queixa por parte do particular. Neste
caso, a lesão do direito através da prática de uma ação ilegal. E, portanto, a causa de
pedido, no processo administrativo, tem a ver com esta realidade de apreciar a validade
de um comportamento administrativo que é lesivo.
É isto que vamos fazer, começando hoje, e fazendo nas próximas aulas. Enfim, uma ou
duas aulas para terminarmos esta parte da matéria e depois é que vamos analisar os
diversos meios e os pressupostos processuais.
Ora bem, o que é que está aqui em causa? O que é que mudou quer do ponto de vista do
particular, quer do ponto de vista da administração?
Em primeiro lugar, o particular passou a ser o sujeito processual, ou seja, passou a ser o
sujeito de direito que tem relações com a administração e relações que são paritárias,

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que são relações jurídicas, são determinadas pelo direito. E esta qualidade de ser sujeito
de direito é a qualidade que vem da dignidade da pessoa humana, dos direitos
fundamentais, da posição do particular em face da Administração, que provém da ordem
constitucional.
O particular não é um objeto do poder como era para Otto Mayer ou como era para o
Professor Marcelo Caetano. O particular é o sujeito de direito que estabelece relações
com a Administração.
Isto obriga a superar tabus: um deles é a noção de direito subjetivo porque o direito
administrativo sempre viveu mal com os direitos subjetivos. E ainda hoje há resquícios
dessa situação.
Como eu vos disse há pouco, Otto Mayer achava inadmissível a existência de direitos
subjetivos em frente à Administração Pública. O particular não pode ter direitos perante
uma entidade toda poderosa, o particular é um objetivo do poder soberano, diz
expressamente Otto Mayer.
E esta teoria negacionista, depois, é até levada às últimas consequências, até pelo
primeiro positivista. Kelvin Merkel tem relutância em reconhecer direitos subjetivos dos
particulares contra a Administração Pública.
É uma realidade que chega praticamente até aos nossos dias, mais que não seja por
influência do positivismo jurídico que é uma espécie de filho tardio do liberalismo
jurídico, e, portanto, vai transformar em teorias jurídicas realidades que vinham dos
tempos liberais e, consequentemente, tem os traumas de infância difícil destas mesmas
realidades.
Mas havia outra teoria negacionista que vinha da lógica processual francesa e que está
nas construções de LaFeerrie, de Bonarte e de todos os grandes autores do Contencioso
Administrativo.
O que é diziam esses autores? Diziam que o particular não tem qualquer direito perante
a administração, não está a ser julgado neste processo. Logo, a solução natural, destes
recursos perante o Conselho de Estado, seria a que o processo tivesse aberto a toda a
gente, se não há direito, devia haver uma espécie de ação popular.
Curiosamente, os juízes do Conselho de Estado sempre se opuseram, desde o século
XVIII, a que o processo administrativo fosse por ação popular. E, portanto, procuraram

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dizer “bem, não é o particular que é objeto do processo, o particular não é sujeito do
processo, mas temos que introduzir aqui algumas limitações à ação popular”.
Como é que essas limitações sugeriram, no quadro da lógica da evolução? Começou-se
por dizer que o particular não tem direito, mas tem de ter um interesse. E o interesse
começou por ser meramente processual, não era um interesse substantivo, não era um
interesse juridicamente protegido, era um simples interesse processual. É a lógica
LaFeerrier, a lógica do simples interesse processual na qual o particular é beneficiado,
se houver a anulação da sentença por parte do tribunal, mas ele não tem direito, ele não
é parte em sentido processual.
Isto era, apesar de tudo, insuficiente para fechar o Contencioso Administrativo porque a
lógica que estava subjacente à perspetiva autoritária do Contencioso Administrativo não
era de abrir, era de fechar. Portanto aí surgiu aquela que é a construção brilhante do
Maurice Hauriou que vigorou no direito português até 2004. Era a ideia que o interesse
podia ser jurídico, não tinha que ser apenas fático e tinha que ser qualificado: direto,
pessoal e legítimo. Era o que se dizia na lei do processo, era a regra em Portugal até à
reforma de 2002/2004.
Isto significava, que na prática, estava-se a construir o processo para direitos subjetivos
sem os admitir. Porque é que o interesse era direto, pessoal e legítimo? Era direto
porque afetava aquele cidadão que é processo, era pessoal porque era algo que estava na
sua esfera jurídica e era legítimo porque era protegido pela ordem jurídica. Ou seja, era
um direito subjetivo (digo eu).
E, portanto, como eu de resto escrevi na minha tese de mestrado, aquilo que lá estava
era deixar entrar pela janela aquilo em relação à qual se tinha fechado a porta. Fechava-
se a porta aos direitos. “Não, não pode entrar direito no Contencioso Administrativo”.
Mas depois dizia-se: o que é que é legitimidade que é o que define o acesso ao juiz? É o
interesse direto, pessoal e legítimo, ou seja, é o direito subjetivo que não se queria
admitir.
E, portanto, isto funcionava como sucedâneo da ideia do direito subjetivo e foi aqui que
a doutrina começou a perceber que não fazia sentido, não era adequado à lógica do
Estado de Direito negar a titularidade de direitos aos particulares e que o particular
devia ser começado a ser tratado como parte.

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Foi tardiamente, foi já na segunda metade do século XX que isto se sucedeu. Mas isto
vai pôr em causa esta estrutura clássica da justiça administrativa. E, portanto, isto são
ideias passadas.
Como é que hoje em dia, a teoria do direito substantivo, do direito administrativo, olha
para os direitos subjetivos? E faço aqui este ligeiro enxerto porque metade dos senhores
não foi meu aluno no segundo ano então não conhece a minha teoria do direito subjetivo
e é importante que conheça porque isto releva, aqui, para efeitos do processo.
Hoje há três formas, em Portugal, adequadas e conformes à Constituição, de acordo com
o poder do Estado de Direito para conceber as exposições substantivas dos particulares
em face da Administração.
Há a conceção clássica que pode ser binária (Marcelo Rebelo de Sousa) ou trinitária
(Freitas do Amaral, Sérvulo Correia, Rui Manchete).
A Teoria Binária consiste em distinguir direitos subjetivos e interesses legítimos. Já a
trinária distingue direitos subjetivos, interesses legítimos e interesses difusos.
Mas, considerar que estas três realidades são realidades substantivas, são formas de
proteger os particulares. Não são bem direitos subjetivos, mas são uma coisa parecida,
uma coisa em forma de assim. Há uns que são direitos, outros são assim assim: são
direitos de segunda, são direitos de terceira, realidades que não sabem o que são. Não há
nenhum problema em saber o que são, como já veremos a seguir. E, portanto, esta é a
primeira explicação que durante muito tempo, foi maioritária.
Depois surgiu a segunda, no quadro de discussão dos anos 80, e eu fui até o primeiro a
lançar, embora depois me tenha arrependido e tenha reconstruído a minha posição.
A primeira coisa que eu defendi, ainda durante a escola, no quinto ano no trabalho que
fiz para Contencioso Administrativo com o Professor Freitas do Amaral, que foi um
curso excecional, éramos cinco alunos a frequentar uma disciplina facultativa.
Eu aprendi Contencioso Administrativo como numa mais aprendi, nem no mestrado,
nem no doutoramento, foi um momento importante de perceber como é que as coisas
funcionavam e procurar desconstruí-las e reconstruí-las. Foi aí que começou o meu
espírito de reconstrução do processo.
E eu na altura dizia que esta história de direitos de primeira, segunda e terceira não fazia
sentido nenhum porque não há aqui nada de unitário que resolva estas coisas. E, na

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altura descobri aquilo que dizia García de Enterria.  García de Enterria foi um autor
importantíssimo para a geração portuguesa dos anos 80 e 90, embora quase ninguém o
reconheça. Ia-se a Espanha comprar caramelos e comprar García de Enterria que era
absolutamente essencial e dizia tudo o que era importante dizer. E o García de Enterria
unificava todos os direitos do Contencioso Administrativo e dizia: só há direitos
reativos. Todos são reativos, mas todos são direitos subjetivos.
Aquilo pareceu-me uma coisa interessante. Temos apenas um direito e trouxe esta
discussão para Portugal.
 Ainda hoje há quem siga esta posição, o Professor Rui Medeiros inspirado pelas ideias
da responsabilidade civil, o Professor Mário Aroso de Almeida no quadro da teoria
geral do processo e o Professor Pedro Machete.
O que é estava por trás desta ideia de direito reativo? Era dizer, no Direito
Administrativo, os particulares têm direitos e quando estes direitos são lesados podem ir
a tribunal e têm sempre direito de ir a tribunal.
O Artigo 268.º/4 garante o direito de ir a tribunal e este direito constitui-se no momento
da lesão e exerce-se no momento em que o particular vai a tribunal, ou seja, no
momento em que o particular utiliza o meio processual.
Isto era interessante, mas eu abandonei logo. Acreditei nisto durante seis meses ou um
ano. Logo a seguir no outro ano já tinha mudado, já fazia crítica disto.
Porque isto significava confundir duas coisas diferentes. Efetivamente, há direitos de
ação e estes até são direitos fundamentais, previstos no Artigo 268.º/4.  Mas esses
direitos de ação em juízo existem para a tutela dos direitos substantivos e, portanto, não
se confundem. O particular tem direitos que a lei estabelece quando diz que ele tem
direitos, quando fixa deveres, quando estabelece realidades que obrigam a
Administração a tomar uma determinada conduta ou a abster-se de uma determinada
conduta. E, portanto, os direitos de ação em juízo são uma espécie de direitos e os
direitos que permitem a tutela dos direitos substantivos, não são todos os direitos. Isto
introduz uma realidade que, vamos ver, tem consequências nefastas na interpretação das
normas de processo.
Porque o Professor Mário Aroso de Almeida, influenciado pela teoria do direito reativo,
tem uma visão especial, peculiar em relação à causa do pedido, que a seguir criticamos.

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Isto tem consequências que é confundir a relação processual com a relação substantiva.
E as duas são distintas, mesmo se a processual deva coincidir com a substantiva. Mas as
relações não se confundem, e não há necessidade as confundir. Mas isso também
veremos mais tarde.
A terceira posição é a doutrina que está generalizada na Alemanha da norma de
proteção, da ideia que só há direitos subjetivos no direito público. Mas esses direitos
subjetivos podem ter todas as manifestações e todas as formas que têm os direitos
subjetivos no plano do direito privado. E, portanto, que os direitos do Direito
Administrativo não são apenas direitos negativos, são tudo, são direito potestativos, são
todas as posições adotadas pelos particulares em face da Administração. Esta teoria da
norma de proteção diz que o que interessa é se a ordem jurídica está ou não a proteger o
direito do particular. Quanto a mim, é a melhor forma de explicar de uma forma unitária
todas as posições do particular em face da Administração Pública.
O particular, pensando naquela lógica da doutrina trinitária, tem sempre direitos, mas os
direitos podem ter um conteúdo diferente. E, se pensarmos bem, aquilo que os autores
trinitários diziam, ou procurando dar algum sentido útil àquilo que diziam, era que o que
estava em causa era apenas o modo de atribuição da norma pelo legislador. O legislador
pode atribuir um direito através de uma norma que diz que “o fulano tal tem direito”.
Por exemplo, os funcionários públicos com mais de quarenta anos de serviço e mais de
sessenta e cinco anos de idade têm direito à reforma. Pronto, é um direito subjetivo,
ninguém põe em causa.
Mas podem ganhar o direito através de uma norma de dever, se a Administração Pública
tem um dever de atuar. E, portanto, se o que está regulado é o poder da Administração,
e este poder da Administração, no quadro de uma relação jurídica, corresponde a um
direito do particular, logo é um direito subjetivo.
Não é isto que se passa no Direito Civil? É. Não é a mesma coisa o Código Civil dizer
que o comprador tem direito à entrega da coisa ou que o vendedor tem o direito de
entregar? O direito de entregar uma coisa do vendedor não é o direito do comprador
receber a coisa? Claro que é.
Porque é que isto é diferente no Direito Administrativo e no Direito Administrativo não
é um direito? Traumas da infância difícil. Obviamente que é um direito. Um direito que

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resulta de uma norma de dever. E esse direito tem um conteúdo que é o dever da outra
entidade. O conteúdo de dever corresponde exatamente ao conteúdo da vinculação vista
ao contrário porque estamos numa relação jurídica.
E depois os interesses difusos que alguns autores difusos acham que é uma coisa muito
bonita. O direito ao ambiente, para darmos o exemplo básico do direito difuso,
propagado pela Doutora Carla Amado Gomes como sendo uma coisa fantástica,
verdadeiramente nova. O que é que se diz? O direito ao ambiente corresponde a uma
tutela objetiva da legalidade. E como é objetiva, não pode ser apropriada e ninguém
pode ser dono do ambiente, logo não podem haver direitos subjetivos sobre o ambiente.
Errado, uma coisa é a tutela objetiva do ambiente, e ninguém poder ser titular do
ambiente; outra coisa é a existência de direitos, permissões normativas de
aproveitamento do ambiente em benefício do particular e isso constitui um direito.
Por exemplo: A praia. Ninguém pode ser proibido de entrar na praia, a praia é um bem
público, mas os banheiros têm direitos a explorar as sombras porque fizeram um
contrato com a capitania para explorar as sombras. As pessoas podem ir à praia, só não
podem utilizar as sombras, a menos que paguem ao banheiro – que depois tem outras
obrigações, designadamente de limpeza das praias e de garantia da segurança.
Mas o facto de o bem ser público, não significa que não haja direitos à sua utilização.
No fundo, esta teoria da norma de proteção, corresponde à lógica da teoria unitária do
direito subjetivo, não tem qualquer diferença o direito subjetivo no direito público e no
direito privado.
Quando o Professor Menezes Cordeiro diz que o direito subjetivo é a permissão
normativa de aproveitamento de um bem, esta permissão normativa é precisamente a
mesma coisa que se passa no direito administrativo. E, portanto, a ideia de que há
direitos de primeira, segunda e terceira é um disparate. Não corresponde à realidade
jurídica. 
O legislador, em Portugal, de resto fala sempre dos direitos e nos interesses legalmente
protegidos e nunca aparece o roque sem a amiga, são sempre os dois.
Aliás, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa diz que não há diferença jurídica entre
direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. É uma questão de amor à

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verdade. Mas aqui a verdade é uma batata. Porque não há verdade alguma por trás desta
teoria e, portanto, a forma adequada é falarmos em direitos subjetivos.

Aula 02/11/2022 Sofia Ribeiro, Catarina Pimentel e Maria Eduarda


Ferreira

Na última aula, tínhamos estado a falar sobre a noção de direito subjetivo


público, segundo a qual qualquer posição de vantagem atribuída a um individuo
corresponde a um direito. Podem ser atribuídos de forma diferente e com conteúdos
diferentes, mas são sempre direitos subjetivos. Têm natureza e dimensão diferente, mas
são sempre direitos subjetivos.
A doutrina tradicional, que distinguia entre direitos de primeira, direitos de segunda e
direitos de terceira (direitos legítimos, interesses legítimos e interesses difusos) não faz
sentido! Se há posição de vantagem e o particular pode exigir algo da administração tem
um direito subjetivo, em qualquer domínio do direito. Isto só não era assim no direito
administrativo devido aos traumas da infância difícil.
Mas esta distinção pode ter um sentido útil porque corresponde a formas diferentes de
atribuição de direitos subjetivos, mas a norma pode dizer apenas que há um dever da
administração atuar no âmbito de uma relação jurídico-administrativo, há um direito
atribuído por uma norma de dever, mas não deixa de ser um direito. Tanto faz dizer que
o comprador tem o direito á entrega da cosia como dizer que o vendedor tem o dever de
a entregar (corresponde a um direito por parte do comparador). Pelo que aquilo a que se
chamava “interesse legitimo” corresponde a um direito como os outros. A diferença, do
ponto de vista jurídico, é que o conteúdo do direito corresponde ao conteúdo do dever.
Se se diz que a administração deve fazer x, é x que corresponde ao direito do particular.
Se se diz que a administração deve abrir um procedimento, há um direito do particular a
que seja aberto um procedimento. Se se diz que o particular deve ser ouvido, há um
dever de audiência. Se se diz que a decisão vai ter este conteúdo, é esse conteúdo que
corresponde ao direito substantivo. Não há nenhuma diferença quanto á qualificação.

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O prof. Marcelo Rebelo de sousa, inteligentemente, fugia da questão dizendo que são
tratados da mesma maneira. Enquanto o prof. Freita do Amaral, mais tradicionalista e
ligado ao professor Marcelo Caetano, dizia que eram regras diferentes. Mas não é nada
disso porque a nossa lei fala apenas em direitos e interesses legalmente protegidos, não
em interesses legítimos. O que existe são direitos com conteúdos diferentes consoante
aquilo que é atribuído.
Pesando num concurso na faculdade para professor em que há quatro candidatos:
os candidatos submetem-se a provas e vão passando pelas várias fases. Depois a
administração seleciona os candidatos e a respetiva ordem.
O prof. Freitas do Amaral dizia que não há direito enquanto não se tomar posse e depois
quando tomar posse adquire todos os direitos provenientes de se tornar professor. Mas a
questão é que não se tratam apenas desses direitos, todos os direitos relacionados com o
procedimento do concurso já são direitos dos particulares. Não é apenas o ponto último
que é direito, são todos até lá que são relevantes. É esta mudança do modo de fazer as
coisas que marca a teoria do direito subjetivo.
E os interesses difusos são uma situação que é protegida objetivamente e que
permite ao particular beneficiar de um bem que é públicos (ex. saúde, ambiente). É um
verdadeiro direito porque o individuo se pode aproveitar do bem.
No fundo, isto vai dar á logica dos direitos subjetivos da teoria geral do direito
civil. O direito subjetivo é uma permissão normativa especifica de aproveitamento de
um bem. Tanto faz que essa permissão resulte de uma norma permissiva, de uma norma
que diga que a administração tem um dever ou que diga que há uma situação objetiva
que pode ser defendida individualmente.
A ideia de dizer que não são direitos não faz sentido! São todos direitos subjetivos no
direito administrativo tal como nas outras realidades.
Olhando para as leis, elas estabelecem a ideia da legitimidade processual
enquanto pressuposto processual que se destina a chamar ao processo os titulares de
posições ativas ou passivas no quadro da reação jurídico-processual.
Isto opõe-se a um processo que era integralmente objetivo (sem partes), onde o que o
juiz analisava era um ato administrativo independentemente de quem tivesse praticado.
E também aquele ato era tratado independentemente de afetar aquela pessoa. Os

94
particulares também não eram sujeitos de direito, eram uma espécie de ministérios
públicos que atuavam para defesa da legalidade e do interesse publico. Não ocupavam
uma posição no processo e, portanto, o que acontecia, no quadro da doutrina clássica,
era limitar a posição de parte á ideia processual de legitimidade.
O que se fez, depois, foi criar características para a legitimidade que criassem uma
situação que se assemelhasse a um direito. A substancialização do interesse como
condição da legitimidade, aliás, nasceu desta evolução do contencioso administrativo.
Como dizia a lei portuguesa em 85, a legitimidade resultava de um interesse,
inicialmente processual e depois substantivo. Era um interesse que tinha de ser direto,
pessoal e legitimo. Mas a única característica que era relevante, em termos processuais,
era o interesse “direto” que, aliás, é a única que se mantém hoje. Os particulares foram
diretamente afetados por aquela realidade- “direto”. Quanto ao “pessoal” e “legitimo”
resulta da titularidade dos direitos. É pessoal porque afeta a sua esfera jurídica (normal
pois estamos perante um direito subjetivo) e é legitimo porque é protegido pela lei.
A qualificação do interesse significava que o interesse se assumia como interesse
sucedâneo daquilo que se pretendia negar. Basicamente era fechar a porta á teoria geral
do direito subjetivo, mas deixar que ela entrasse pela janela. Definiu-se o interesse
processual de uma forma que correspondia a um direito.
Mas a mudança constitucional trouxe um novo paradigma comum a todos os
países que resulta da constitucionalização e da europeização. Agora diz-se que o
particular tem sempre direitos, está sempre protegido da administração e o contencioso
é subjetivo, ou seja, destina-se à tutela desses direitos (art.278º/4 CRP). E o objeto do
processo são as relações jurídico-administrativas. Esta mudança radical teve uma
consequência radical em termos de legitimidade.
O art.9º/1 e art.10º/1, correspondem a uma realidade que o professor regente
tinha reivindicado antes. Mas os outros números são muito criticados. Quanto ao nº1 do
art.9º, o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material
controvertida. É a totalidade de posições ativas e passivas que faz com que alguém que
alegue a titularidade do direito, seja um autor. É o critério, que agora, á semelhança do
processo civil, visa ligar a relação processual á relação substantiva, chamando á ação
aqueles que têm, no quadro da relação substantiva, uma relação jurídica. No art.10º/1, o

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processo é proposto contra a outra parte na relação material controvertida. Quem tem
um dever, um ónus ou outra realidade. Alguém que tenha interesses contrapostos aos do
autor. A definição remete para a relação substantiva e é a relação jurídica substantiva
que é o objeto do processo (art.212º/3 CRP). Este objeto do processo faz com que a
legitimidade se destine a chamar os titulares dessa relação. Agora, deixou de haver
diferenças entre o processo civil e o processo administrativo, e ainda bem. Agora a
lógica processual é a mesma. Está em causa um litígio e é necessário chamar ao litígio
os titulares de posições positivas ou negativas na relação jurídica. Portanto a
legitimidade é uma forma de ligação entre o processo e a realidade substantiva e
destina-se a chamar ao processo os titulares desta relação.
O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que se fosse legislador ficava
satisfeito com isto e não se preocupava com mais nada porque esta realidade de
considerar que são considerados autores e têm direitos, associada à noção ampla de
direitos, significa proteger todas as realidades possíveis e imaginárias. Na Alemanha só
existe uma norma como esta, porque esta norma protege tudo o que é protegido pelo
direito. Qualquer dever da administração, qualquer regra de atuação, dá direitos aos
particulares e esta é a realidade de um Estado de Direito Administrativo. E, portanto,
isso bastaria para tornar completo o contencioso administrativo porque a tutela dos
direitos subjetivos, entendida neste sentido amplo, corresponde à tutela completa da
legalidade administrativa. Na perspetiva do Professor Vasco Pereira da Silva, bastaria o
9.º/1 e 10.º/1 para resolver o problema da legitimidade.
O legislador resolveu, no entanto, invocando a tradição portuguesa que se tinha,
entretanto, formado, que poderia haver também, em segunda linha, a ideia de uma
atuação do Ministério Público ou do Autor Popular. Não colocava ao mesmo nível do
direito fundamental de acesso à justiça (que corresponde à logica constitucional/razão
de ser do contencioso) mas surge numa posição secundária e, ainda por cima,
assumindo uma posição de parte porque quer o Ministério Público quer o Autor
Popular, quando intervém e são autores no processo, são partes em sentido processual.
Não põe em causa a regra do n.º 1, mas admite que, quando tenha ficado alguma coisa
de fora, pode haver também legitimidade pública e legitimidade processual.

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A primeira coisa que é preciso dizer do ponto de vista do Direito Comparado é
que isto não existe em mais nenhum país europeu. Por duas razões: não há Ministério
Público porque quando o processo era totalmente objetivo ele não era preciso. Todos
eram Ministério Público, ou seja, todos estavam à procura da legalidade e do interesse
público do particular. Assim, não há no processo francês nem no alemão. Em Itália e
Espanha surgiu mais tarde. Mas não há uma nenhuma previsão do Ministério Público
atuar no quadro do processo administrativo.
A ação popular é negada em todos os ordenamentos jurídicos. O Direito Francês,
desde sempre, proibiu a ação popular; no Direito Alemão também não existe; em Itália e
Espanha, que são mais próximos de nós, não consagram estas duas realidades, quando
muito, consagram uma modalidade diferente.
O Professor Regente entende que o legislador tenha entendido, numa lógica de
fazer honra a uma tradição recente, que vem do século XX e do quadro do regime que
dá origem à reforma, manter a dimensão de uma realidade secundária de proteção da
legalidade e do interesse público. Mas isso implica que sejam designados vários
aspetos: em primeiro lugar, como esta defesa do interesse público, que aparece como
sendo aquilo que leva a parte a atuar; que resulte claramente da lei que haja a defesa da
legalidade e do interesse público.
O artigo 9.º/2, usa expressões que Professor Sérvulo Correia e o Professor
Regente, antes da reforma, usavam para alterar a lei da ação popular, que, no fundo,
confundia a ação popular. E a perspetiva dos professores entendia que a ação político-
subjetiva é a ação principal e a ação popular só pode existir quando esteja em causa a
legalidade administrativa e o argumento utilizado era, no quadro de uma interpretação
corretiva, que a lei falava em “independentemente de ter interesse processual na
demanda” e é esse interesse processual na demanda que é o problema do critério, não é
por ser independente porque se há interesse processual na demanda, ou seja, se há
alguma vantagem por parte de alguém naquele processo, já não pode ser autor popular,
e o Ministério Público não pode ter interesse direto na demanda. O critério diferenciador
tem de ser este: tem de se distinguir uma coisa da outra, sob pena de termos 2 ações que
servem para tudo. É necessário este critério diferenciador, até porque há regras
diferentes: por exemplo, neste momento, há a regra de que a ação popular é muito mais

97
barata, então o juiz procura algum interesse, para se aplicar a ação popular que sai mais
barata. Depois, esse interesse é secundário porque o contencioso administrativo tem
como objetivo a tutela de interesses. E, portanto, esta realidade, por qualquer assento
constitucional e como diz o Professor Sérvulo Correia, quando se fala da ação popular
em geral e se fala do governo de direito público, esta consagração constitucional é
comportante, se necessário, da atuação do particular que atua para a tutela dos
respetivos interesses.
Curiosamente fez-se o levantamento das ações populares e as ações públicas,
entre 1933 e 2004, num contencioso que era objetivo, quantas ações populares havia em
Portugal? Zero. Um contencioso objetivo que não tinha ação popular e o Ministério
Público também não usava isso. Isto mostra que a lógica objetiva (visto que o
contencioso é objetivo por natureza) não era nem do ponto de vista teórico nem do
ponto de vista da realidade uma circunstância que existisse verdadeiramente em
Portugal. De alguma maneira, ou a defesa da legalidade e do interesse público era uma
forma de prosseguir interesses dos particulares ou então ela não existia.
O Professor Vasco Pereira da Silva fala de uma ironia: depois da reforma de
2004, tivemos 3 ou 4 processos intentados pelo “António”, cidadão de Lisboa, sobre
obras do metro e do Marquês, mas era certo que não andava no metro e por isso não era
afetado por aquilo. Então o António, cidadão de Lisboa, deixou de intentar processos
quando foi nomeado vereador. Ou seja, houve 4 ou 5 processos na história do Direito
Administrativo. Isto mostra que, apesar de certa doutrina dizer que a norma tem aqui um
elemento objetivo e que este elemento é determinante para quantificar o contencioso,
para o Professor Vasco Pereira da Silva não o é, nem do ponto de vista prático nem do
ponto de vista teórico porque, em primeiro lugar, isto não era necessário; em segundo
lugar, estando cá e não tem nada a estar cá, tem de se ocupar o lugar de dimensão
subjetiva.
A haver esta defesa da legalidade e do interesse público como interesse
protegido pelo processo, os autores públicos e populares têm de ser partes, intentar a
ação e intervir no processo. Qual é a diferença em relação aos particulares? É que aqui
eles são parte, mas não tem direitos subjetivos, eles vão atuar para a defesa da
legalidade, mas isto não acrescenta nada ao n.º 1 apenas completa, em razão de uma

98
tradição portuguesa, o contencioso administrativo. E serve também para aqueles que
não gostam da ação subjetiva, e que discutem essa transformação, defenderem que não
desapareceram as normas objetivas do contencioso português e que há muitas normas
objetivas e essenciais. O Professor Regente entende que há, de facto, normas objetivas,
algumas delas com sentido outras mais ou menos, mas elas integram-se no contencioso
subjetivo e esta tutela autónoma da legalidade e do interesse público faz-se através
destas normas. E uma razão foi a questão do Direito Europeu, quando nos anos 90, o
TJUE e a Convenção dos Direitos do Homem, andou a condenar os países europeus
porque não asseguravam a tutela completa da legalidade e do interesse público, houve
um processo em Portugal, em que se proibiu a intervenção do Ministério Público, a
menos que fosse parte processual.
Isto porque antes da reforma de 2004, o Ministério Público intervinha em todos
os processos, estava sentado ao lado do juiz e não havia advogados das partes e, por
vezes até era o Ministério Público a determinar o sentido da decisão (não assinava
claro). Naquele momento da decisão, invocava o seu “direito a ir à casa de banho” e saia
da sala; direito fundamental de qualquer funcionário público. O Professor Regente dá o
exemplo de quando foi o primeiro secretário eleito do conselho científico, e invocava
este mesmo direito. Fazia a ata e incluía a passagem “afastei-me no momento da
decisão/ não estava na sala”, isto porque, participando na votação, podia ser responsável
pela decisão. E o Ministério Público fazia a mesma coisa, por isso é que os Tribunais
Europeus condenaram o Estado português em vários casos em que a intervenção do
Ministério Público ia mais além do que devia. E esse foi um dos objetivos e essas
condenações do Estado português fizeram com que o Ministério Público surgisse aqui
como uma parte e tem uma única intervenção no processo, se quiser, depois das
alegações das partes, em que pode fazer um parecer, mas o Ministério Público não tem
nenhuma intervenção em nenhuma das fases processuais.
Mas já agora, como jurista e racionando, o professor Vasco Pereira da Silva diria
que havendo uma intervenção em Portugal do MP que então também era saudável que
eles interviessem um bocadinho mais. E, se olharmos para os casos em que o MP
intervém como autor no Processo Administrativo, eles continuam ainda a ser muito
estritos.

99
Já agora, uma situação, um mecanismo em que o MP está claro. O MP não se
pode substituir, não é a lógica que existe no Brasil, em que o MP faz tudo, faz queixa, é
outra forma de objetivação do processo. Isto não cabe no nosso ordenamento: agora se o
MP está na ação pública, ele pode atuar para a defesa da legalidade, e sendo obrigatório
por exemplo, a elaboração de um plano diretor municipal de cada município, quando ele
não existe independentemente de se pôr em causa direitos dos particulares, porque a
defesa da legalidade do interesse público assim o dita, faz sentido que o MP aí
intervenha, a esse nível, ele intervir. Tirando estes casos, de ação de condenação pela
omissão de plano diretor municipal, o MP não intervém no processo
E, por situações em que há objetivamente violações dos direitos dos particulares,
mas há também situações gritantes do ponto de vista da legalidade do interesse público,
pode haver uma intervenção do particular com os seus fundamentos, pode haver lógica
punitiva, estão em causa montantes muito elevados, faz sentido também haver aí uma
intervenção publica. Lá está, desde que se mantenha esta logica de o MP ter uma
posição que não é a posição principal do processo, mas sim complementar da dos
particulares, e atua nestes domínios de defesa de valores e bens legalmente protegidos
(segurança publica, ambiente, urbanismo, qualidade de vida, património cultural)
admite-se também esta ação de defesa. E neste quadro, existindo tutela, pode
perfeitamente ser utilizada e não choca nada o professor Vasco Pereira da Silva, tendo
até o próprio professor já tendo aconselhado o uso da ação pública.
Agora temos uma boa solução, apesar de não ideal, é uma boa solução, o uso
desta expressão “independentemente do interesse” deve ser feito de forma coletiva,
como o professor Sérvulo Correia e o próprio professor Vasco Pereira da Silva já
entendem desde os anos 90, é haver (ou não) o interesse que a distingue uma da outra.
Menos bem estão as coisas no tempo do artigo 10º por causa de questões de
coerência, por causa também de uma boa intenção que não corresponde a uma logica
teoricamente correta. O que é que o legislador pensou: por um lado, estão em causa as
pessoas ou entidades com interesses particulares, a contraparte do ato de ação pública. E
o legislador olhou para o Processo Civil e verificou que quem era a parte em que estava
em causa uma entidade diferente era a pessoa coletiva. E, portanto, veio dizer que o
sujeito do processo é a pessoa coletiva pública. Este critério surge designadamente e em

100
parte na referência a entidades ou pessoas, que já possam ter uma leitura mais ampla,
mas depois surge no número 2 em que o critério que aparece determinado é a
titularidade da pessoa coletiva. Ora, o legislador teve aqui boas intenções, que, no
entanto, não são muitas. No Direito Administrativo pensem no Estado, e pensem num
ato praticado por um funcionário público da fazenda das Finanças da Madeira, que é um
ato imputável ao Estado. Não faz sentido que quem vai responder pela Tesouraria das
Finanças seja o Ministro das Finanças, ou a presidência do Conselho de Ministros. Isto
não é tornar a função subjetiva, ela só é subjetiva porque é o órgão que praticou e que
deve ser chamado. Aquilo que o legislador devia ter feito era tornar esse sujeito da
relação pública processual subjetiva, mas o órgão que atuou, porque este é que
estabelece uma relação, é o ato dele que vai ser avaliado pelo juiz. Isto por várias
razões: porque o Estado se complexificou e agora é uma coletividade das pessoas
coletivas autónomas; porque há órgãos que decidem, e são cada vez mais aqueles que
têm competência para atuar; porque há numerosos órgãos hoje em dia que não integram
a pessoa coletiva publica, todas as entidades das novas que nasceram no quadro da
regulação, não integram o Estado. Depois, porque os órgãos têm relações uns com os
outros, e quando atuam uns em relação aos outros, mesmo dentro da mesma pessoa
coletiva, há uma relação coletiva. Um subalterno contesta uma ordem do seu superior
hierárquico, ele tem direito de o fazer, se um instituto publico impugna uma decisão de
um ministro, isto é uma massada interorgânica porque o princípio da legalidade não se
aplica apenas para fora, mas também para dentro da administração. Não há, hoje em dia,
aquela impressão interna em que a administração faz o que quer: não há. Mas, a ideia de
que dentro da administração ela pode fazer o que quiser, não faz sentido, porque o
princípio da legalidade regula a atuação do órgão, de cada órgão, e, portanto, as relações
orgânicas são relações jurídicas administrativas, e cada vez mais o universo dos litígios
processuais é um universo passado no seio da administração.
O legislador teve boa vontade, mas apesar disto, e o professor diz uma coisa que
já disse várias vezes: o cão e o gato são iguais, ambos ladram exceto o gato e ambos
miam exceto o cão. Reparem no 10º 2) – o processo é intentado contra a pessoa
coletiva, com exceção.

101
Artigo 10.º - Legitimidade passiva

1 - Cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida
e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses
contrapostos aos do autor.
          2 - Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a
pessoa coletiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões
Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos
ministérios ou secretarias regionais, em que parte demandada é o ministério ou
ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis
os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos
ou observar os comportamentos pretendidos.

Ou seja, é a pessoa coletiva, mas como esta numa pessoa coletiva muito especial, não
acontece nada. Vejamos agora o número 4:

4 - O disposto nos n.ºs 2 e 3 não obsta a que se considere regularmente proposta a


ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão
pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional
que devem ser demandados.

Ele acaba por consagrar dizendo que é uma exceção à regra, mas não é realidade,
porque a regra está expressamente violada.
Depois, veja-se o número 6:
6 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes pessoas coletivas ou
Ministérios, devem ser demandados as pessoas coletivas ou os Ministérios contra quem
sejam dirigidas as pretensões formuladas.
Tudo isto são exceções. Apesar de ter dito, para ser simpático com o Processo Civil, que
o critério é da pessoa coletiva, na prática o que existe é o critério do órgão, porque esse
é o critério, porque a complexificação da Administração Pública conduziu a duas
realidades diferentes, do ponto de vista teórico.

102
Há uma que hoje defendida por alguns autores italianos, que dita entre órgão e pessoa
coletiva não há uma ideia de representação: o órgão é que manda, o órgão é que toma a
decisão. A doutrina italiana achou por bem acabar com essa distinção, a partir dos anos
80, introduzir o conceito de servicii: ideia de que há um serviço que assegura, e esse
serviço é que errou. Não interessa se é órgão, se é pessoa coletiva, a responsabilidade é
do serviço. O professor Vasco Pereira da Silva, neste ponto, concorda com as críticas, e,
portanto, não sabe se é a melhor solução.
Mas dizia já que o que está aqui em causa que o que se diz é o direito alemão é uma
noção artística, porque o que interessa é a capacidade de agir e de atuar, que é dos
órgãos.

103
Aula 07/11/2022 Beatriz Teixeira, Bárbara Félix e Juliana
Nascimento
Na aula passada, se não estou em erro, estávamos a terminar a questão dos
elementos do processo, em concreto a questão da legitimidade e hoje, para terminar essa
matéria dos elementos do processo, vamos falar do objeto do processo.
E também aqui, temos grandes formulações, no quadro da teoria do objeto do
processo. E temos desde logo, o início de uma discussão acerca desta matéria que é uma
questão que normalmente ocupa a doutrina processualista, mas que no caso do processo
administrativo, introduzia questões que nunca tinham sido discutidas. Portanto, a lógica
habitual do processo administrativo levava a que não fossem discutidas questões que
são importantes do ponto de vista da teoria do objeto do processo.
O que é que se dizia acerca do objeto do processo? Muito simplesmente que
estava em causa uma conceção objetivista, que a única coisa que indicava do objeto do
processo era o apuramento da legalidade de uma atuação administrativa e, portanto, a
única figura do objeto do processo que era discutida era o pedido de anulação das
decisões administrativas. Portanto, toda a discussão acabava por se reduzir à questão do
pedido e ainda por cima do quadro do pedido. Portanto, isto era algo que fugia a todas a
questões habituais, àquelas que o Senhores estudaram na teoria civil, no processo penal,
àquelas que habitualmente são discutidas quando se fala do objeto do processo. Que
questões são essas? Primeiro, distinguir rigorosamente o pedido e a causa de pedir. O
pedido como aquilo que se solicita ao juiz, aquilo que o articulado vai pedir ao juiz que
faça e pode ser uma anulação, como pode ser uma condenação, como poder ser uma
simples apreciação. Um pedido feito pelo particular ao juiz acerca daquela relação

104
jurídica processual em razão da lesão dos direitos da relação substantiva; e o pedido
costuma ser desdobrado, especialmente no processo civil, entre o chamado pedido
imediato, que é precisamente o que acabámos de referir e solicita diretamente ao juiz, e
o chamado pedido mediato, ou seja, aquilo para o qual esse pedido feito ao juiz é feito e
aqui entra os direitos subjetivos, é o direito subjetivo que está em causa que constitui o
objeto do processo e o objeto do processo no quadro do pedido. Por último, a causa de
pedir é a razão que leva o particular ao processo, que faz com que ele vá até ali.
Portanto, é o ato ou facto que condiciona a situação do particular e que faz com que ele
aceda ao processo que faz com que ele intente uma ação, e no contencioso
administrativo esta causa de pedir é a ilegalidade da atuação administrativa que pode
constituir uma ação que viole a lei, como pode consistir numa omissão igualmente
violadora da lei porque havia o dever legal de decidir. E, portanto, a causa de pedir é
esta razão que leva o particular a ir até ao juiz.
O que é que é preciso dizer em termos de especificidades do direito
administrativo? É que estando em causa que o objeto de causa, como se diz no art.
212.º, a violação jurídica administrativa, isto obriga a considerar de forma integrada,
talvez mais integrada ainda que no processo civil, o pedido e a causa de pedir, porque
ambos são - e para citar uma expressão famosa de um processualista: "ambas são duas
faces da mesma moeda" - duas faces da mesma moeda, precisamente porque no pedido
está o direito do particular e está aquilo que ele solicita ao juiz, para acautelar esse
direito e está o ato lesivo. E, portanto, as duas dimensões do pedido e da causa de pedir
estão intimamente em conexão.
Da minha perspetiva, eu acho que esta visão que faz mais sentido para o
processo administrativo também se aplica ao processo civil e eu acho que efetivamente
no quadro da teoria geral do processo faz sentido esta correlação entre o pedido e a
causa de pedir. Aquilo que se passa na teoria do processo, no quadro das discussões
processualistas que provavelmente já tomaram conhecimento na disciplina de Processo
Civil, é que há duas grandes orientações: há aqueles que dão prevalência ao pedido e ao
dar prevalência ao pedido introduzem uma noção considerada substancialista do
processo que parece defendida sobretudo por autores da escola de Coimbra e há quem
atribui uma maior importância à causa de pedir, introduz uma concessão chamada

105
processualista do processo que tem tradicionalmente os autores de Lisboa como os mais
defensores, desde o Professor Castro Mendes até aos nossos dias.
A discussão tem-se centrado no quadro da teoria processualista civil, como
provavelmente já sabem, embora pelas vossas caras ou não se recordam disso ou não
falaram disso. Presumo que tenham falado, porque ainda por cima é uma daquelas
coisas que a escola de Lisboa gosta de afirmar. Aquilo que se discute é se é maior o
domínio de uma ou de outra das dimensões. Eu diria que mais importante que isso e não
só para o processo administrativo, mas também para o processo civil é acentuada a
ligação entre as duas coisas. O que parece que está um pouco esquecido, desde a teoria
processualista dos anos 60 e dos anos 70. Mas o que me parece importante recuperar, e
por outro lado dizer que isto tem consequências no quadro do processo administrativo
como vamos a seguir verificar, no sentido de introduzir graduações quando se fala no
pedido e na causa de pedir. Mas vejamos mais diretamente cada uma dessas coisas, e
analisemos as duas dimensões, mas dando uma especial atenção à questão causa de
pedir, porque essa tem que ver diretamente com o processo administrativo. Há até quem
até pretenda que a teoria do ato administrativo é uma decorrência da causa de pedir.
Como veremos, não acho que seja adequado, mas vamos ver o que é que isso nos diz.
Quanto ao pedido, a lógica tradicional quando falado do contencioso
administrativo, quando se falava no objeto do processo, só se preocupava com o pedido
e na sua dimensão imediata e estava em causa o tabu de que o juiz administrativo não
podia fazer outra coisa senão anular as atuações administrativas da administração, não
poderia dar ordens, nem condenar atos administrativos e este tabu do processo
administrativo era defendido em nome da divisão de poderes e foi afirmado desde o
século XVIII até aos nossos dias como sendo o corolário do princípio da divisão de
poderes. E dizia-se que no quadro deste entendimento da divisão de poderes que o juiz
gozava de poderes de atuação à semelhança do superior hierárquico relativamente ao
subalterno, que inicialmente é o recurso hierárquico que se institucionalizou e que vai
dar origem ao processo administrativo e os poderes do juiz eram decalcados desta
realidade dizendo-se que condenar a administração ou dar ordens à administração
violaria o princípio da separação de poderes.
E desde os primórdios, este princípio da separação de poderes é afirmado a

106
propósito e a despropósito para limitar os poderes de atuação do juiz, até nos dias de
hoje sempre que há algum um caso mais duvidoso ou sempre que há alguma
transformação do contencioso administrativo que não é integralmente aceite logo se
houve falar na teoria da separação de poderes. Ela é chamada para coisas que nada têm
a ver porque o princípio da separação de poderes, como já vimos quando analisámos o
art. 3.º impede os tribunais de praticarem atos administrativo como impede a
administração de fazer julgamentos, mas não impede os tribunais de dar ordens à
administração quando ela viola deveres de atuação que resultam da lei, nem impede a
condenação da administração quando ela não faz o que está determinado pela lei. E,
portanto, extravasava-se a separação de poderes. Esta proibição de intervir em tudo o
que não seja atuação, era um tabu, era algo explicável pela infância difícil do processo
administrativo, da sua transformação a partir do recurso hierárquico, mas do ponto de
vista teórico não fazia qualquer sentido. Apesar de não fazer qualquer sentido, no
entanto, isto aparecia quando se discutia a reforma de 2002/2004, toda a gente, de vez
em quando puxava da pistola e dizia que existia violação do princípio da separação de
poderes. Quando em 2019, se discutia na altura alterações ao processo, de novo o
argumento da separação de poderes. E eu devo dizer que isto é uma realidade de tal
maneira deturpada pelos traumas da infância difícil que normalmente quando oiço falar
em divisão de poderes no processo administrativo sou eu que puxo da pistola e fico logo
à espera de ver o que é que vem do outro lado, porque normalmente vem um atentado
ao controlo do juiz administrativo que vai pôr em causa a justiça portuguesa.
E, por exemplo, neste momento em relação à tutela cautelar, um dos argumentos
sempre enunciados é o argumento da divisão de poderes e só não foi introduzido em
2015 e 2019 limitações à tutela cautelar porque a União Europeia não deixou, porque se
a União Europeia deixasse isso teria sucedido, porque dos juízes aos advogados há uma
ladainha invocando a separação de poderes. Uma ladainha sem sentido para limitar a
tutela cautelar, quando a tutela cautelar tem de ser monitorizada, mas é o instrumento
para permitir que a sentença produza o efeito. Porque se não houver esta tutela cautelar
põe-se em causa o resultado da sentença, que não havendo a tutela cautelar quando sair
a sentença já não há nada a fazer, a situação real resolveu o problema. E quando muito
há uma imobilização e, portanto, a dimensão essencial do processo que a tutela efetiva

107
dos direitos dos particulares desaparece se não houver essa tutela.
E, portanto, agora, é preciso ter em consideração, como já sabemos, aquilo que
se diz no Código de Processo, no art. 1.º, depois do art. e 4.º, que permite não apenas
todos os pedidos; todos os pedidos podem ser feitos relativamente a um ato
administrativo e todos têm uma dimensão que faz da ação administrativa o processo
guarda-chuva em que o particular pode pedir à administração tudo aquilo que tem a ver
com a tutela integral dos seus direitos, isto resulta do art. 2.º e do art. 4.º. O art. 2.º que
prevê todos os pedidos e o art. 4.º que prevê a correlação de todos os pedidos, e,
portanto, não há agora qualquer razão para limitar o pedido à anulação. A anulação é
apenas um dos muitos pedidos e normalmente a anulação nunca vem sozinha, e porquê?
Porque a maior parte dos atos são executados, e esta execução faz com o pedido da
anulação tenha de ser acompanhado do pedido da restauração da situação atual
hipotética em que o particular se encontraria se não tivesse havido a prática do ato.
E, portanto, há que reconstruir essa situação através dos pedidos (pedidos de
condenação da Administração, pedidos de omissão da Administração de continuar a
violar a lei ou pedidos de simples reconhecimento de direitos).
Portanto o 1º tabu do Contencioso Administrativo, que dizia respeito à anulação
da relação com o princípio da separação de poderes, não faz qualquer sentido. E mesmo
se diga da dimensão mediata do pedido que era esquecida, que é mais relevante no
Processo Civil, mas que é esquecida do Processo Administrativo. A única coisa com
que o legislador se preocupava era com a anulação.
Agora temos, em razão das opções constitucionais, um Contencioso
Administrativo subjetivo, destinado, nos termos do art.268º/4, à tutela plena e efetiva
dos direitos dos particulares. E o art.2º, art.4º e o art.37º, que trata da ação
administrativa, vem de novo introduzir esta lógica de, por um lado poderem existir
todos os pedidos e, por outro lado, poderem existir todos os pedidos quantos os direitos
necessitados de tutela, como se afirma no art.2º.
Portanto, agora o pedido tem que ser entendido na sua dupla dimensão: pedido
imediato e mediato; e isto faz entrar no processo o direito do particular e a possibilidade
do juiz, no quadro de um processo de plena jurisdição, de determinar aquilo que seja
adequado à tutela de direitos, sem estar limitado apenas à anulação.

108
Mas se é indiscutivelmente assim, nos dias de hoje, lembram-se quando falámos
do Contencioso Administrativo e de ter sido dito que as questões mais patológicas
tinham sido ultrapassadas, mas que isso não significava que o legislador, no Processo
Administrativo, aqui ou ali, não tivesse o lapso de uma realidade que sem ter nenhuma
importância, mas que remetesse para a realidade passada,
E assim é naquilo que se diz no art.50º/1, que não tem qualquer relevância,
contraria tudo o que está disposto nesta lei, mas que o legislador quando estava a
compilar as normas da reforma, fez um art. (“objeto e feitos da impugnação”), o art quer
abre a ação administrativa e diz que “a impugnação de um ato administrativo tem por
objeto a anulação ou declaração de nulidade desse ato”. Ou seja, vai a lógica tradicional
e a coisa que releva é o pedido e o pedido que aqui está é na sua dimensão objetiva. De
acordo com o Professor Regente não era necessário, pois o legislador tem que fazer a
psicanálise, pois nos art.1º, 2º, 4 º e em todos os outros arts., e inclusive neste art.50º/2 e
ss. diz aquilo que deve dizer, ou seja, que o pedido e a causa de pedir são importantes e
constam do objeto do processo, que o pedido é mediato e imediato. Mas aqui discai para
dizer o que era o tabu e realidade desde o séc. XVIII mesmo que hoje seja uma norma
declarativa, que não tem nenhuma eficácia nem nenhum efeito.

Mas, vejamos a causa de pedir.


A causa de pedir tem gerado numerosas discussões que se mantém ainda hoje,
designadamente numa interpretação da norma jurídica do art.50º e 51º e depois nos
arts.90º quando se fala dos efeitos das sentenças do Contencioso Administrativo;
designadamente o art.94º sobre o conteúdo da sentença; e o art.95º sobre objeto e
limites da decisão. Assim, apesar de ter havido um grande avanço no quadro da
construção do objeto do processo, ainda há uma discussão um pouco absurda e que só se
entende verdadeiramente à luz dos traumas da infância e da sua superação e não ter sido
ainda completamente alcançada.
O que está em causa na causa de pedir um ato/facto da Administração que, por
lesar um direito do particular, é objeto do processo. E, portanto, também aqui a ideia de
ligar o pedido e a causa de pedir. É uma atuação da Administração que lesa um direito
do particular. Assim, a causa de pedir está intensamente ligada ao pedido e não faz

109
sentido, no Processo Administrativo, separar uma da outra em razão da relação jurídica
administrativa. E o trauma que se coloca é o de saber o que é esta situação jurídica que é
objeto do processo e como deve ser configurada.
Em termos teóricos, mesmo afastado logo no início do Contencioso
Administrativo, o facto e se dizer que estava perante um Contencioso objetivo ou de
legalidade deveria ter conduzido a um processo determinado pelo princípio do
inquisitório, e um processo em que o juiz iria tão longe quanto fosse necessário para
apurar integralmente a legalidade do ato administrativo, ou seja, o juiz não estava
vinculado ao alegado pelas partes, sendo isso um pretexto para que o juiz conhecesse a
integralidade da ilegalidade que estava em causa naquele processo.
E, portanto, o objeto do processo deveria corresponder, não apenas todas causas
alegadas, mas a todas as que pudesse existir e não teriam sido alegadas, e as que
teoricamente se poderiam colocar acerca da legalidade daquele ato porque haveria, em
resultado daquele processo, uma sentença com força de caso julgado que iria determinar
se haveria ou não legalidade e iria por termo àquela discussão no futuro.
Portanto, do ponto de vista lógico, começou a surgir logo, a partir de 1789,
quando surgiu o Contencioso Administrativo em França, uma tensão entre aqueles
objetivistas que diziam que o juiz deve ir a procura de tudo e que o processo é
integralmente inquisitório, o juiz tem que ir à procura de todas as ilegalidade possíveis e
imaginárias do processo; e os que diziam que isso era impossível e se isso acontecesse,
os processos tornavam-se intermináveis e, para além disso, a consequência do efeito da
sentença com efeito de caso julgado significaria que o juiz não tinha tido oportunidade
de apreciar todas as coisas, e veria a formação de uma decisão administrativa que tinha
esse efeito como se tivesse verificado todas as coisas possíveis e imaginárias.
E esta 2ª teoria veio impor-se. Veio impor-se logo no início, embora fosse
aquela que correspondesse menos à realidade teórica. A razão para justificar as
restrições ao princípio do inquisitório, vai ser aquilo que se chamou, no quadro francês,
a teoria das hipóteses de erro. É uma teoria totalmente processual para explicar uma
realidade teórica do direito processual administrativo. Veio dizer que se o juiz tivesse
que fazer um juízo de todas as hipóteses possíveis e imaginárias, teria uma grande
probabilidade de erro, porque era difícil, em função dos factos legados a juízo, fazer

110
aquilo que corresponderia à procura de todas as ilegalidades possíveis e imaginárias e,
por isso, havia uma grande possibilidade de erro associado à eficácia de caso julgado,
que teria um efeito incomportável pelo processo. Ora, isto era contraditório; mas
mostrava que, apesar da construção do Contencioso Administrativo francês ser
afirmadamente objetivista, muitas das conclusões tiradas eram, pelo contrário, de
natureza subjetivista e que já havia nessa altura, esta ideia latente de que haveria já um
poder inquisitório, mas que se teria de prestar atenção ao princípio do preparatório e,
portanto, o juiz vai verificar o que as partes alegam e só depois poderá verificar mais
alguma coisa. Tudo isto mostra que a construção objetivista era falsa e que havia
manifestações também do subjetivismo, ou como o Professor Regente escreveu na sua
tese de mestrado, como por vezes os objetivistas portugueses eram mais subjetivistas do
que pareciam, e na prática podiam ter algumas manifestações de natureza jurídico-
objetiva. Mesmo que isso não fosse a realidade normal no quadro do sistema.
Ora bem, portanto, houve, no início, uma tentativa de não admitir o processo
integralmente inquisitório e de introduzir uma construção marcada por uma lógica de
natureza em que havia uma importância do processo de declaração. No entanto, a
doutrina procurava sempre fazer um compromisso: por um lado, era importante aquilo
que o particular declara; mas não se pretende que o juiz procure coisas que o particular
não alega. E, portanto, para compensar esta ideia de o processo não ter um âmbito
próprio inquisitório, procurou-se limitar os poderes do juiz, através da teoria dos vícios
do ato administrativo (ou, as vias para apreciar do Contencioso Administrativo).
O que desde o início o Tribunal Administrativo começou a dizer que, para
averiguar a ilegalidade do ato há vícios tipificados que o juiz e só ele pode perceber.
Numa lógica de evitar que o juiz conhecesse a integralidade da situação material
controvertida, que limitasse o conhecimento da realidade aquilo que constava dos vícios
do âmbito. Há quem diga que “é como se tivesse a espreitar da janela a legalidade do
ato como se tivesse que se contentar com o espreitar para a festa”. O juiz conhecia tudo
dentro dos vícios, mas não conhecia se não o seu vicio, daí a divergência entre a
corrente mais objetivista e a mais subjetivista.
Isso explica que ainda hoje em termos e traumas do passado, a Teoria do vicio
dos atos administrativos que não está consagrada na lei, ainda que a enumeração do

111
vicio desapareceu, e em que a lógica é da investigação do pedido e da causa de pedir (no
quadro das normas processuais), aquilo que as partes têm que ver diz-se nas disposições
sobre a marcha do processo é identificar o pedido e a causa de pedir, isso apenas está
em causa. Mas hoje em dia, os advogados quando intentam uma ação continuam a usar
os vícios do ato administrativo, o juiz continua a autorizar o uso da teoria do ato
administrativo para demostrar que há ali algo que corresponde a causa de pedir e a
causa de pedir vista através do vicio.
Levando deste modo, a algumas consequências que o Código visou afastar:
1-O contencioso se transformar em um contencioso de formalidades: A teoria do
vicio nasceu do contencioso administrativo, e no quadro francês há uma nomenclatura
que corresponde a uma fragilidade histórica. No quadro português, foi a lei que
introduziu essa teoria do vicio. Dizia-se que correspondeu a elementos essenciais do ato
administrativo, a causa de pedir do processo administrativo.
1- Incompetência: que é o primeiro poder que a administração tem e a primeira
situação;
2-A forma do ato: como o ato se apresenta, despacho administrativo, ou decreto
entre outras modalidades entre o despacho e o decreto;
3-Desvio de poder: correspondia ao vicio típico do poder discricionário ou vicio
em que a administração não prosseguia o fim legalmente estabelecido;
4-Violação da lei: desrespeito dos princípios e requisitos materiais da
administração.
Isto apareceu no âmbito da teoria do vicio do ato administrativo teorizada por
Marcelo Caetano, seguido por Freitas do Amaral, Sérvulo Correia e grande parte dos
autores dos nossos dias. Mas há aqui uma voz dissonante com a qual o professor Vasco
Perira da Silva concorda que é do professor André Gonçalves Pereira, que na sua tese de
doutoramento dizia em primeiro lugar que essa divisão dos vícios era absurda, ilógica e
surgiu por razões históricas, mas não tinha lógica alguma e era incompleta porque não
esgotava as modalidades e que por isso não podia responder nem as modalidades nem a
causa de pedir dos pedidos.
5-Usurpação de poder: vicio de tal maneira grave que violava a divisão de poder.

112
Esses eram os cinco vícios dos atos administrativos que em Portugal estavam
em várias leis: Estatuto dos tribunais administrativos fiscais, a lei do processo
administrativo e lei das autarquias locais dos anos 80. Hoje essa enumeração
desapareceu da ordem jurídica, esta enumeração sem sabermos ao certo o porquê, mas
continua a ser utilizada.
A tese do professor Marcelo Caetano vem nos dizer que este vicio corresponde a
um aspeto do ato administrativo, exemplo a usurpação do poder e a incompetência são
um aspeto do ato administrativo, que é a competência. Portanto, significava que a ideia
de fazer corresponder todas cada uma dessas modalidades a um elemento do ato aqui
não se verificavam.
Olhando para a violação do ato estava muito haver com as vinculações materiais
contidas na lei, esta realidade além de ilógica porque não tinha a ver com os elementos
essenciais do ato era incompleta porque ficavam coisas de fora.
Estava preocupado com o que chamavam “vicio da falta da falta” - são as
ilegalidades decorrentes do juízo do sujeito que pratica atos administrativos que levou a
situação e vícios intrínsecos e tanto podem existir no Direito Administrativo assim
como, no Direito Civil. Outra questão é que a forma é uma realidade exterior ao caso,
não tinha lógica porque não correspondia aos elementos do ato administrativo e como se
deixa fora algumas realidades.
O professor Vasco Pereira da Silva entende que a forma correta de entender as
ilegalidades é falar da incompetência de usurpação de poder, falar da forma, do
procedimento uma vez que a forma não abrange o procedimento. No fundo temos
ilegalidades formais, materiais, procedimentais e de competência é esta a dimensão
aberta do entendimento das ilegalidades.
Mas há uma outra consequência, é que como o juiz há várias causas de pedir que
lhe são colocadas, qualquer uma gera por si só a invalidade do ato, e o que o juiz fazia
era ter de decidir a questão da incompetência e da forma, anular o ato com base nisso e
não se pronunciava sobre nenhuma das outras coisas. Ao se pronunciar sobre uma das
outras cosias a administração depois refazia o ato corrigindo essa ilegalidade. E o
particular tinha que ir outra vez para discutir as causas da ilegalidade material que já
tinha invocado, mas que o juiz não tinha consultado por causa da lógica de ligar os

113
elementos da causa de pedir com efeito do caso julgado. Do ponto de vista da teoria
intermedia essa realidade era posta em causa.
As preocupações do legislador quando trata desta questão é que em lado nenhum
se faz menção aos vícios e a célere classificação dos vícios do ato administrativo. Desde
a revisão de 89 em que que o art.268º/4 fala de ilegalidade de um ato que viola o direito
do particular que se passou a ser inconstitucional essa enumeração da teoria dos vícios.
Porque ela deixou de ter sustento constitucional, pode existir tantas causas de pedir
quanto aquelas correspondam a lesão dos direitos dos particulares. E a causa de pedir
não esgota a realidade que será levada a cabo.
O legislador não fala em nenhuma das suas normas em vícios do ato
administrativo, mas o que vem dizer é que se deve determinar o pedido e a causa de
pedir como correspondente as novas realidades processuais desta dimensão, mas há uma
norma constante deste art.95º que vai além. Por na lógica de trazer a integralidade do
objeto do processo para o conhecimento do juiz vem se dizer neste artigo que o juiz
deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido a sua apreciação e não
pode ocupar-se se não das questões suscitadas, tudo o que o particular alega não pode
ficar pela ilegalidade procedimental, a incompetência só por si já põe em causa validade
do ato, mas tem de associar tudo aquilo que o particular alega.
O princípio não é inquisitório, mas acusatório no sentido de que se limita as
questões suscitadas. Há uma exceção na parte final do artigo. Há alguma dimensão
inquisitória, mas limitada- aquilo que neste código se determina como sendo obrigatório
e que constitui a exceção do art. 95º/1 é a questão da competência do tribunal, todo o
resto o juiz conhecerá integralmente no caso.
No n3 do mesmo artigo, há quem diga como é o caso do professor Vasco Pereira
da Silva entende que o que está consagrado é apenas numa lógica acusatória, isto por
conhecer apenas aquilo que é trazido pelas partes. O juiz que sabe direito pode
reinterpretar e reformular as questões trazidas pelas partes, mas os factos devem ser
trazidos a juízo. Mas há uma outra posição defendida pelo professor Mário Aroso de
Almeida que diz que o juiz pode ir a procura de fatos novos desde que eles caibam na
lesão do direito que o particular alega.

114
O professor Vasco Pereira da Silva entende que esta conceção viola o princípio
do juiz que por natureza é neutro e não vai a procura de factos novos tal como viola o
princípio do acusatório como princípio geral estabelecido no art.95º/1.

Aula de 9 de novembro Catarina A. Silva, Miguel Martins & Sofia


Ribeiro

Na última aula estávamos a terminar a questão da causa de pedir no Processo


Administrativo português e vimos que, embora a lógica da conceção objetivista
apontasse para um reconhecimento da invalidade em termos integrais, atribuindo ao Juiz
poderes inquisitórios de ir à procura de factos novos para o processo no sentido de
conseguir aferir, numa única sentença que poderia ter efeito de caso julgado, da
validade do ato, apesar de esta ser, do ponto de vista lógico, a solução tradicional, o que
é facto é que o funcionamento da Justiça, logo no início ainda do século XIX, levou a
que se defendesse a chamada teoria das hipóteses de erro, ou seja, a que se dissesse
que isso fazia com que o Juiz pudesse errar com muita frequência, não analisar a
integralidade da legalidade do ato e isso teria um efeito prejudicial para os particulares e
para a Administração que decorreria no caso julgado.

E, portanto, a Doutrina começou a introduzir técnicas subjetivistas, acusatórias


para justificar a não utilização da forma mais lógica de explicação do Processo e para
não alargar o conhecimento do Juiz.

E o compromisso em Portugal, como vimos na aula passada, foi o de considerar


que o Juiz analisava apenas, no quadro da causa de pedir, os vícios alegados pelos

115
particulares. E os vícios tinham uma componente subjetiva porque eram alegados pelos
particulares no quadro da dimensão do acusatório e estes vícios, dizia-se, tinham uma
relação com o ato administrativo, com a atuação administrativa que tivesse em causa
embora, estes vícios, por um lado, resultassem, como vimos, de uma conceção ilógica e
incompleta e, por um lado, não permitia apreciar a integralidade da relação jurídica e,
portanto, hoje em dia, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da Silva, há que
abandonar a teoria dos vícios e passar a substituí-la pelas ilegalidades, chamando-lhes
ou não vícios, que correspondem a uma lógica de entendimento da ilegalidade do ato
administrativo.

Usando a “velha fatia do bolo”, o bolo estava dividido em 5 tradicionais “fatias”:


a usurpação de poderes, a incompetência, o vício de forma, o desvio de poder e a
violação de lei.

Usurpação
Desvio
Violação
Vício
Incompetência
de
de
de
Forma
de
Poder
Poderes
Lei

A ilogicidade desta classificação resultava de, se pensarmos, de acordo com o


critério lógico que subjazia à distinção, cada vício correspondia ao aspeto do ato. Se
olharmos com atenção, os vícios usurpação de poderes e competência são 2 vícios que
correspondem ao mesmo aspeto do ato – a incompetência.

116
Por outro lado, a violação de lei e o desvio de poder também são 2 vícios e
correspondem a um aspeto do ato – o desrespeito da vinculação legal.
Quer se trate do poder discricionário, quer se trate do poder vinculado, e, portanto,
significa que o critério não está a ser aplicado logicamente.

E se olharmos para o último vício – vício de forma – é o único vício que


corresponde a dois aspetos do ato: à forma e ao procedimento, que não são a mesma
coisa. A forma é como o ato se manifesta – Despacho ou, numa forma mais solene, que
pode ir até Decreto.
Portanto, a forma é a manifestação exterior do ato. O procedimento é a forma como o
ato se realiza a todos os momentos, em todas as fases necessárias para que o ato se
realize.
Nos outros casos tínhamos 2 vícios para designar um único aspeto do ato, aqui temos
um único vício e designa 2 aspetos do ato. Por isso é que esta classificação é ilógica,
como dizia o Professor Gonçalves Coelho.

O Professor Gonçalves Coelho preocupava-se com a logicidade ao nível dos


vícios da vontade do ato administrativo, sendo que esses também preocupam o
Professor Vasco Pereira da Silva, mas preocupa mais o deixar de fora o vício do
procedimento, o que é não só ilógico como contrário ao Ordenamento jurídico
português que obriga a uma lei do procedimento. Considera o procedimento o momento
essencial da atividade administrativa.
Portanto, se quiserem logicamente, estas “fatias do bolo” deverão corresponder aos
aspetos efetivamente violados do ato administrativo: o vício de incompetência, o vício
de forma, o vício de procedimento e os vícios materiais (ilegalidades materiais).
O que significa que há ilegalidades de incompetência orgânicas, ilegalidades formais,
ilegalidades procedimentais e ilegalidades materiais.
É assim que no Direito Constitucional se classificam as coisas, e é assim que noutras
realidades, designadamente no direito civil, que se inúmera as ilegalidades.

117
Esta lista tradicional tem uma lógica incompleta, faltava os vícios de vontade e
faltava do procedimento, e não está desde os anos 80 em nenhuma das leis portuguesas,
nem em matéria de Contencioso Administrativo nem em matéria de Procedimento nem
em matéria de Direito Substantivo, contrariamente ao que acontecia até aos anos 80,
porque o Professor Marcello Caetano tinha sido o responsável por esta enumeração,
tinha-a incluído na LOSTA e no RSTA, e isso esteve em vigor até 85, porque a lei de
processo já não exigia essa identificação de vícios e, mais do que isso, pode-se dizer que
a lógica constitucional do artigo 268º/4 também não permite a utilização desta
enumeração dos vícios porque o que se diz é que o particular pode impugnar tal como
apresentar todos os pedidos relativamente ao ato administrativo com fundamento numa
ilegalidade que lesa os seus direitos.

Ilegalidade é o critério que aqui releva em termos de Processo Administrativo e,


se olharmos para o Código do Processo Administrativo, quando se regula as regras
processuais do contencioso, logo a seguir aos meios, que vamos começar a estudar
ainda hoje, temos o artigo 78º que estabelece os requisitos da petição inicial, o que diz
este artigo é que e necessário indicar o pedido e a causa de pedir, expor os factos
essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de
fundamento à ação – alínea f) do número 1.
Agora, a única coisa que o particular deve fazer para alegar a causa de pedir é
justificar os factos violadores da lei, usando logicamente a classificação que inúmera
esses factos em função de uma realidade aberta e que permite de forma lógica integrar a
invalidade do ato administrativo e identificar o pedido. Não há nenhuma razão para
introduzir o elenco de uma lista que é ilógica, incompleta e que deixou de estar em
vigor.

Então se isso é assim, porquê que ainda tantos advogados e os juízes


tradicionalmente continuam a utilizar a classificação tradicional do vício? Traumas da
infância. Não há nenhuma explicação de ordem lógica para que isso aconteça. Não há
sequer, do ponto de vista jurídico em Portugal, uma realidade que assente nessa visão
distorcida da causa de pedir.

118
E se olharmos com mais atenção as normas que estão nos artigos 92º e seguintes
e, em especial, o artigo 95º, regulam o objeto do processo, e que estabelecem regras
relativas a esse objeto do processo. Esta realidade está conseguida em termos
integralmente subjetivos no quadro de uma lógica que é quase integralmente acusatória,
e quase porque há exceções – um único caso – que põe em causa a regra geral.

E, portanto, o contencioso está concebido à imagem e semelhança do Processo


Civil. É um contencioso acusatório e não um contencioso inquisitório. E, portanto, isto é
uma alteração radical do Processo Administrativo e isto significa a adoção de uma
lógica subjetiva de organização do objeto do processo.

O que se diz no artigo 95º/1 é que a sentença deve decidir todas as questões que
as partes tenham remetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões
suscitadas.
O Juiz deve conhecer integralmente aquilo que foi alegado pelas partes, mas só pode
conhecer aquilo que foi alegado pelas partes – é o princípio do acusatório que esta
consagrado como regra do Processo Administrativo português.

Diz-se, entretanto, consagrando uma exceção que tem um alcance muito


reduzido que é “salvo quando a lei o permita ou imponha o conhecimento oficioso das
outras”.
Quando é que a lei nos termos deste código impõe este conhecimento oficioso?
É na determinação do pressuposto processual da competência do Tribunal. Mesmo que
os particulares não aleguem a questão da competência, a primeira tarefa do Tribunal é
verificar se é competente a jurisdição administrativa, se é competente aquele Tribunal
onde foi apresentado o processo. Isto não é nenhuma exceção ao princípio do
acusatório, isto é uma realidade integralmente acusatória.
Chegou a haver alguma discussão em Portugal acerca do número 3 do artigo
95.º, designadamente entre o Professor Vasco Pereira da Silva e o Professor Mário
Aroso de Almeida. O Professor Regente, entretanto, verificou que na última versão das

119
Lições do Professor Mário Aroso de Almeida, essa polémica deixou de ter importância
e ele já não a refere no livro. O Professor Regente admite que não sabe se o Professor
Mário Aroso de Almeida mudou de posição (provavelmente sim e não quer dizer) ou se
“aguçou” os termos dessa polémica. Essa polémica assentava na interpretação do
número 3 do artigo 95.º que, curiosamente, foi alterado na reforminha de 2015 e,
portanto, explica que agora esta fórmula mais adocicada procura evitar a polémica que
poderia ter existido à luz desta interpretação.
Qual era a polémica e como é que ela deve ser vista hoje? A polémica era entre
aqueles que diziam que o princípio do acusatório era a regra e aqueles que, como o
Professor Mário Aroso de Almeida, diziam que no n.º 3 estava consagrada uma
importante exceção à regra que, sem pôr em causa o princípio subjetivo com o qual se
relaciona a causa de direito, permitiria, em certos casos, carrear factos novos para o
processo. Isto é o que o Professor Regente não admite num processo de acusatório. E,
portanto, a questão era de saber se apesar de a construção ser basicamente acusatória,
como o Professor Mário Aroso de Almeida admitia, se em casos excecionais o juiz
poderia carrear factos novos para o processo. A argumentação do Professor Mário
Aroso de Almeida decorria da sua doutrina dos direitos reativos, que era uma
construção teórica que resultava do modo como ele concebia o direito reativo. Já vimos,
quando falamos dos direitos, que o Professor Mário Aroso de Almeida defende em
Portugal uma versão da teoria do direito reativo de García de Enterria que por um lado
unifica todos os direitos, mas valora apenas a sua dimensão reativa/dimensão
processual, como o Professor Mário Aroso de Almeida explica na sua tese de
doutoramento, onde o Professor Vasco Pereira da Silva teve oportunidade de discutir
com ele e criticar essa teoria porque pertencia ao júri. Aquilo que o Professor Mário
Aroso de Almeida diz é que o direito de reagir existe como forma de atuar contra uma
ilegalidade cometida pela administração. Este direito reativo corresponde a uma
pretensão de afastamento da ordem jurídica de uma atuação administrativa. É um
conjunto de realidade substantivas que correspondem a este direito reativo que
corresponde a uma pretensão de afastamento da ilegalidade. Esta formulação é, para o
Professor Vasco Pereira da Silva, muito criticável porque pretensão é uma forma de, na
Teoria Geral do Direito, indicar um direito subjetivo de natureza prestativa ou

120
prestacional e, portanto, falar em pretensão é correto, mas a pretensão não é ao
afastamento da ilegalidade, isso é a versão positiva da fórmula negativa, do Professor
Marcelo Caetano, do direito à legalidade como direito geral e abstrato.
Era isto que o Professor Mário Aroso de Almeida entendia, mas atualmente não
se tem a certeza se mudou de ideias ou não, porque o Professor Regente afirma ainda
não ter lido a nova versão que o Professou escreveu da sua tese de doutoramento (ou
seja, reescreveu a sua tese). A verdade é que na nova versão das lições a polémica
desapareceu. A ideia de que a pretensão é ao afastamento da ilegalidade é errada, na
opinião do Professor Regente, porque o direito reativo corresponde a um direito de
reagir contra violações de direito que resultam da violação de normas que consagram
deveres para a administração. E, portanto, só aqueles vícios/ilegalidades que forem
invocados pelos particulares é que podem ser objeto de processo. Se não for assim, as
partes e o juiz estariam a trazer factos novos para o processo e isso é a violação da
lógica constitucional do juiz porque este, por um lado, é imparcial e, por outro lado, é
neutro. O juiz fica à espera que as partes lhe tragam o objeto do processo e em relação a
esse objeto ele pode fazer muita coisa.

Como é que o Professor Vasco Pereira da Silva interpreta o artigo 95.º/3? Este
“identificar a existência de causas de invalidades diversas das que tenham sido
alegadas” significa, em primeiro lugar, que o juiz pode não adotar a teoria dos vícios
mesmo quando o particular usou essa enumeração na identificação das causas de pedir e
significa, em segundo lugar, que o juiz pode conhecer do direito e, se a parte qualificar
mal a situação jurídica, pode corrigir desde que isso resulte dos factos alegados pelas
partes. Se a parte não alegar o vício material e se ele não resultar dos factos alegados, o
juiz já não pode conhecer. E, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, como essa
é uma das ilegalidades que cabe na noção de pretensão ao afastamento da ilegalidade,
poderia alegar.

Esta discussão complicou-se porque houve um processualista civil que decidiu


participar na discussão: o Professor Miguel Teixeira de Sousa que vem dizer que se

121
compreende que no processo administrativo, diferentemente do processo civil, o juiz
pode carrear factos novos para o processo porque o Ministério Público também pode.
O Professor Regente afirma já ter tido uma discussão com o Professor Teixeira
de Sousa sobre este problema e entende que aquilo que o Ministério Público pode fazer
é o que um autor pode fazer porque é uma parte processual e as partes processuais
constituem o objeto do processo e, portanto, obviamente, o Ministério Público pode
carrear todos os factos que entender para o processo e pode conceber como entender o
pedido e a causa de pedir, mas pode apenas porque é parte. O juiz não pode porque não
é parte e não pode introduzir factos novos. O juiz é terceiro e neutro, não se envolve na
relação processual e quando se envolve há crime (exemplo do caso dos juízes do
Benfica) e isso significa que o juiz, e aqui o Professor Vasco Pereira da Silva concorda
com o Professor Mário Aroso de Almeida, tem mais poderes agora do que tinha antes,
mas os poderes que tem são os poderes de não usar a frecha dos vícios do ato
administrativo e verificar diretamente a ilegalidade da decisão administrativa que está
em causa e o poder de qualificar de forma diferente os vícios invocados pelo particular.
Assim, não pode nunca ir à procura de factos e se o fizer está a pôr em causa a sua
posição de juiz, está a violar as normas constitucionais e a norma do artigo 95.º.
Na perspetiva do Professor Regente, o que se diz é que “nos processos
impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que
tenham sido invocadas contra o ato impugnado” sendo esta a regra geral. E a diferença
desta reforma é que o juiz reconhece integralmente, conhece tudo o que for invocado
pelas partes. Não pode, como acontecia antes, tomar uma das “fatias do bolo
envenenado” e anular apenas com base nessa causa de pedir porque isso prejudicaria o
particular que tinha invocado causas, por exemplo, de incompetência, de procedimento
e causas materiais e o juiz apenas apreciasse a causa de incompetência, porque a seguir,
o órgão competente repetia o ato exatamente igual e o particular tinha de ir outra vez a
tribunal. O juiz tem de apreciar tudo e isso é o tal “conhecimento integral” do objeto do
processo que foi a grande transformação introduzida pela reforma de 2002/2004. O
artigo 95.º/3 diz “exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o
efeito” e é explicado nos restantes números quando é que isso acontece. E o artigo
95.º/3 ainda acrescenta “assim como deve identificar a existência de causas de

122
invalidade diversas das que tenham sido alegadas” e esta “identificação” é a que
corresponde a não ligar aos vícios e a poder interpretar de forma diferente, corrigindo
aquilo que o particular alegou, mas não pode corresponder a alterar o objeto do processo
porque isso não cabe na letra nem no espírito da lei. Logo a seguir, a letra e o espírito
dizem que quando isto acontecer, é preciso “ouvir as partes para alegações
complementares pelo prazo comum de 10 dias”, ou seja, é preciso haver princípio do
acusatório, “quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”. A própria
exceção, a admitir-se que ela existe, estaria duplamente condicionada pelo acusatório e
pelo contraditório. Assim, na perspetiva do Professor Regente, a exceção nem existe e
não faz sentido introduzir essa questão.
E como já foi dito, o Professor Mário Aroso de Almeida, na última versão das
lições “deixou cair a poeira” e diz aquilo que se acabou de ver, o que provavelmente
significa que mudou de decisão.
O que é que disse o Supremo Tribunal Administrativo acerca disso? É engraçado
que ele pronunciou-se… alguém suscitou a questão e o juiz pronunciou-se; o que é que
ele disse? “Um a um vão chatear a vossa avó”, mais ou menos isso. O que ele disse foi o
seguinte: “Ah, parece que ambos têm razão; tem razão o Professor Mário Aroso porque
realmente pode identificar os factos de forma diferente; tem razão o Professor Vasco
Pereira da Silva porque não pode carrear factos novos para o processo”, ou seja,
“arranjem-se, eu não quero saber disso, estejam à vontade” e isto poderia ter
consequências. Poderia ter consequências se, efetivamente, o juiz introduzisse factos
novos no processo e o tribunal preferiu não se pronunciar e o Professor Vasco Pereira
da Silva supõe que fez bem, porque, enfim, da perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, o Senhor Professor gostava mais que se tivesse pronunciado a seu favor, mas fez
bem no sentido de não ter adotado a versão inversa que não caberia nem na letra nem no
espírito desta reforma que adota uma lógica acusatória de entendimento do processo.
Ora bem, perguntaram ontem ao Professor Vasco Pereira da Silva uns colegas
nossos: “Ó Professor, então isso significa que isto é tudo integralmente subjetivista?”
Enfim, foi a conclusão do aluno. Pois, isto significa é que o Código tem normas que
estão pensadas e correspondem a uma lógica subjetivista embora possa também tutelar
diretamente a legalidade e interesse público através de partes como ator publico e ator

123
popular que defendem a legalidade e o interesse público, agora, o processo em si é,
integralmente, um processo subjetivista. Aliás, voltando atrás, já que isso é uma questão
importante, o Professor Vasco Pereira da Silva diria, como se diz no Direito Alemão
(como diz Krebs), que a questão de saber se é objetivista ou subjetivista deixou de fazer
sentido porque hoje em dia as reformas são subjetivistas; hoje em dia na sequência da
constitucionalização e europeização, em todos os países se consagra um contencioso
destinado à tutela dos direitos dos particulares que tem partes e as partes constituem o
objeto do processo. Agora, qual é a questão que hoje se coloca? A questão é a de saber
em que medida - diz Krebs - o sistema subjetivista pode também tutelar diretamente a
legalidade e o interesse público e, portanto, alguns sistemas, como é o caso do
português, têm também formas de, através de um processo de partes, sem pôr em causa
a realidade subjetivista, também proceder a uma tutela direta da legalidade e do
interesse público. Por causa de uma tradição, por causa da lógica clássica tradicional
que falava disso poderá haver mil razões para essa explicação; agora, o que é facto é
que a estrutura e organização do processo é claramente subjetiva. Poderá haver aqui ou
ali algumas normas, umas adequadas, outras criticáveis (e vamos ver agora nas
próximas aulas quando falarmos nas diferentes modalidades de ação administrativa
como algumas dessas normas aparentemente objetivistas introduzem perturbação e são
erradas, algumas, do ponto de vista da lógica do processo, vamos ver a seguir), agora o
que é facto é que a orientação, a lógica como de resto determina a Constituição é um
processo virado para a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares nas relações
jurídicas administrativas.
Bem, com isto passamos para a análise do meio processual “Ação
Administrativa” nas suas diferentes subações e, diria o Professor Vasco Pereira da Silva,
nas suas formas de ação escondidas, enfim, não assumidas conscientemente, embora
inconscientemente elas lá estejam. Portanto, vamos passar à análise das normas do
artigo 37.º e seguintes [do CPTA] que regulam a ação administrativa.
E a primeira coisa que o legislador faz no artigo 37.º é adotar, de novo, uma lógica
aberta exemplificativa dos pedidos que cabem à ação administrativa, desta forma
repetindo, embora com formulações diversas, aquilo que está no n. º2 e no n. º4. Em
rigor, não precisava de o fazer porque já o tinha feito (já o tinha feito no n. º2 e no n.

124
º4); já tinha dito que a ação administrativa é uma ação de amplo espectro, uma ação
guarda-chuva, na qual cabem todos os pedidos, que dá origem a todas as sentenças e
que a maior parte das sentenças, devido ao fenómeno da cumulação de pedidos, são de
natureza mista. Isso já estava dito no n. º2 e no n. º4. O legislador (como unificou duas
ações e antes havia uma norma parecida com esta do 37.º, mas com menos coisas para a
ação administrativa especial, e depois todas as outras cabiam na ação comum), agora
sentiu-se na obrigação de concentrar as duas aqui e repetir outra vez. Pronto, é a técnica
do repete; o homem tinha 3 amigos, o Repete Repete, o Repete Repete Repete... Isto
poderia causar algum problema se não se tratasse de enumerações por um lado amplas,
assentes numa cláusula geral e meramente exemplificativas, porque se não fosse não
fosse assim poder-se-ia dizer: “Ah! Há aqui uma formulação diferente!” Pois há, o
legislador resolveu fazer uma outra classificação e meter mais casos. Agora, em
primeiro lugar, há uma cláusula geral no n. º1, da tutela plena e efetiva dos direitos no
artigo 2.º e depois todas as cumulações do artigo 4.º. O artigo 37.º faz o mesmo: uma
cláusula geral no n.º1 e depois a ideia de que esta enumeração é exemplificativa e, só
por isso, não vai daqui nenhum mal ao mundo (porque se não fosse uma enumeração
exemplificativa, se não estivesse cá, entre outras coisas, o “designadamente” - a
expressão “designadamente” - e se não tivesse havido esta cláusula aberta na
formulação do pedido e da causa de pedir), pois aí não se perceberia porque é que havia
esta diferença, porque é que o legislador tinha legislado num sítio e tinha estabelecido
classificações diferentes e de formas diferentes.
Ora bem, o Professor Vasco Pereira da Silva creia já nos ter dito, de certeza, que
esta unificação introduzida na Reforminha de 2015 foi uma boa modificação. O
Professor Vasco Pereira da Silva tinha criticado, nas duas Lições de Contencioso
Administrativo, esta ideia esquizofrénica de distinguir por um lado ações ditas comuns e
ações ditas especiais num momento em que ambas eram de plena jurisdição e, portanto,
nenhuma era especial em relação à outra e, portanto, essas expressões deveriam não ter
sido utilizadas e que mesmo havendo intenção de distinguir que elas estavam ao
contrário - porque se chamava ação comum à especial e especial à comum – porque, no
quadro da versão de 2004, aquilo que cabia à ação dita especial era tudo o que
respeitava a atos e regulamentos (todos os pedidos relativos a atos e regulamentos),

125
ficando para a ação comum tudo aquilo que respeitava apenas a contratos e a outras
formas de atuação e esses contratos e outras formas de atuação desde que não
estivessem em simultâneo com atos administrativos e com regulamentos porque, se
estivessem, já cabiam na ação especial. E, portanto, isso significava que, em termos
qualitativos, o maior número de processos correspondia a ação administrativa dita
especial que passava a ser a comum e, por outro lado, porque a lógica de chamar
especial àquela ação onde cabia não só a maioria dos processos, mas aquela que
correspondia à própria necessidade de um contencioso administrativo (porque eram
processos tão especiais que correspondiam-lhes jurisdição administrativa), era um
disparate. Portanto, pelo menos, que não trocasse a mulher com o chapéu e não
chamasse mulher ao chapéu nem chapéu à mulher (deixasse de chamar) e acertasse no
nome da coisa.
O legislador unificou, dizem os passarinhos (“a little bird told me”), disseram os
colegas do Professor Vasco Pereira da Silva que tinha sido, em parte, por causa das
críticas do Professor Regente, mas o legislador ficou-se pela metade porque,
antigamente para além daquela dualidade, depois, a ação administrativa especial estava
dividida em várias efetivas ações e isso continua a acontecer porque, se olharmos para o
que aqui se regula nos termos das normas dos artigos 50.º e seguintes – “Impugnação de
Atos Administrativos” – chegaremos a várias conclusões:
Em primeiro lugar (e era uma crítica que o Professor Vasco Pereira da Silva já fazia à
versão passada), o legislador mistura critérios substantivos e critérios processuais;
mistura o critério dos efeitos da sentença e, portanto, fala em impugnação e condenação
e conhecimento de contratos (portanto, realidades que poderiam corresponder à lógica
dos efeitos das sentenças), com o critério substantivo de fazer corresponder essas
realidades processuais a atuações administrativas - ação de impugnação de atos,
condenação também de atos, portanto, juntar ação e condenação que são realidades
diferentes e separá-las, e separar também em função de atos e em função de
regulamentos - ou seja, o legislador juntou os critérios substantivos e processuais.
E, para além de ter juntado esses critérios, o que o legislador fez foi regular cada uma
dessas subações como se fossem ações verdadeiras e próprias (porque tem um conjunto
de regras gerais nos artigos 37.º e seguintes), e depois, a propósito de cada uma destas

126
modalidades de ação, o legislador estabelece regras também como esta. Há uma regra
inicial que fala do objeto e efeitos da impugnação, como a seguir há uma que fala do
objeto da condenação, de atos devidos (artigo 66.º), como a seguir há outra que fala do
objeto das decisões relativas a regulamentos no artigo 72.º e seguintes e como no 77.º-A
relativamente à execução do contrato; depois, regula os pressupostos processuais, não
apenas os aspetos diferentes, mas também aqueles que são iguais, portanto, não se
percebe porquê (se ele pusesse apenas o que era diferente, de específico daquela ação,
faria sentido, agora, estabelecer tudo não faz sentido); estabelece as regras dos
pressupostos processuais e estabelece regras relativas à marcha do processo - há
marchas de processo diferentes em cada uma destas subações que, no fundo, são
verdadeiras ações. Portanto, embora aparentemente ele tenha unificado a ação
administrativa, cumprindo aquilo que ele efetivamente tinha dito, ele não levou isto até
ao fim e, ao não ter levado isto até ao fim, ele estabeleceu um regime que,
verdadeiramente, conduz a várias ações - é uma espécie de sistema de shampoo 4 em 1
ou, se quisermos adotar algumas das terminologias do Dr. José Coimbra (e estamos à
espera da sua tese de doutoramento), é um 5 em 1 ou 6 em 1 porque ele [o Professor
José Duarte Coimbra] diz e, se calhar bem, que, para além destas que estão enumeradas,
há outras sub-repticiamente num quadro do processo administrativo.
Para terminar em trinta segundos, o Professor Vasco Pereira da Silva falou do
artigo 37.º e não quer deixar de fazer referência a uma norma que é correta, que é boa,
que, aliás, alarga a do artigo 4.º do Estatuto, mas que está escrita com os pés. A regra é a
do n. º3 do artigo 37.º e é uma regra para a qual é preciso ter fôlego, porque, contando
na versão do Código do Senhor Professor, com a letra que ali está (que é a letra normal),
isso corresponde a doze linhas - doze linhas sem um ponto final. É, verdadeiramente,
obra; enfim, isto vai muito além do Saramago porque, (estas linhas aqui), o Saramago
tem sentido poético e estas não têm. Estas correspondem a uma lógica de que é meio:
“mas o que é que este gajo quer dizer com isto?” Então, diz o seguinte: “quando, sem
fundamento em ato administrativo impugnável, particulares, nomeadamente
concessionários, violem vínculos jurídico-administrativos decorrentes de normas, atos
administrativos ou contratos, ou haja fundado receio de que os possam violar, sem que,
solicitadas a fazê-lo, as autoridades competentes tenham adotado as medidas adequadas,

127
qualquer pessoa ou entidade cujos direitos ou interesses sejam diretamente ofendidos
pode pedir ao tribunal que condene os mesmos a adotarem ou a absterem-se de certo
comportamento, por forma a assegurar o cumprimento dos vínculos em causa.”
Perceberam não foi? Bem, o que aqui está é correto e corresponde à ideia de que as
relações jurídicas multilaterais e os pedidos em relação tanto à Administração Pública
como aos particulares, também são objeto do processo. É algo que já resultava do artigo
4.º, mas que aqui se torna mais nítido e, portanto, em qualquer atuação, mesmo que
privada, em que haja necessidade de fiscalização e intervenção de uma entidade
pública... - por exemplo, as nossas rifas (para alguma viagem de finalistas) são
controladas por uma autoridade administrativa e o Professor Vasco Pereira da Silva
admite que tenhamos pedido autorização, mas, se não tivéssemos pedido autorização,
quem não recebeu a rifa poderia usar o Contencioso Administrativo porque a
possibilidade de intervenção de uma autoridade administrativa transformava a relação
em administrativa. Qual é o critério que aqui se indica? Transformava desde que alguém
se queixasse à autoridade competente e a autoridade competente não tivesse feito nada
e, portanto, a forma prática de alargar relações que de outra forma eram administrativas
e as incluir no Contencioso Administrativo é fazer intervir a autoridade administrativa
competente.

Aula de 14 de novembro Carolina Veiga Henriques, Ana Lúcia Gonçalves Loureiro e


Leonor Negalha M. Belo

Vamos começar a analisar a ação administrativa, ação guarda-chuva, ação de amplo


espectro, ação na qual são possíveis todos os pedidos, como vimos na aula passada, e,
portanto, uma ação que origina sentenças de diferentes espécies. Há sentenças de
simples apreciação, constitutivas ou de anulação e há sentenças de condenação na
sequência dos pedidos elaborados pelas partes. Enfim como há precisamente na vossa
simulação, há quatro pedidos que cabem no âmbito desta ação administrativa.
Agora já não há a distinção, que não fazia sentido, entre ação comum e ação especial,
agora há uma única ação administrativa, embora o legislador tenha regulado

128
especificamente 4 modalidades de ação como se fossem ações completas, com regras
acerca de todos os elementos da realidade processual.
Começamos por aquela que o legislador coloca a abrir a arrumação que faz desta
realidade que é a ação de impugnação de atos administrativos, constante dos artigos 50.º
e seguintes.
Como vimos na aula passada, esta ação de impugnação junta-se a uma ação de
condenação, que é uma realidade nova que nunca tinha existido no direito português e
que se considerava tradicionalmente violar a regra da separação de poderes, depois há
uma impugnação de normas de condenação a emissão de normas, aqui a impugnação já
existia desde, pelo menos, 1985, mas a condenação é uma realidade nova no direito
português. E depois há uma ação em matéria de contratos, em que intervém a
administração, contratos públicos, de acordo com a sua formulação ampla que são
objeto do contencioso administrativo.
E a primeira analise que é preciso fazer, porque é aquilo que salta aos nossos olhos, é
porque é que aquela modalidade de ação que supostamente era já conhecida, aquela que
correspondia à realidade habitual do contencioso administrativo português, é aquela que
é regulada num conjunto maior de normas, é aquela que merece um maior
desenvolvimento legislativo do que as outras modalidades de ações, que são novas.
Isto é estranho, porque se o legislador criar duas ações de condenação e se essas são
radicalmente novas, esperar-se-ia que ele tivesse uma maior preocupação em regulá-las
precisamente por isso do que aquilo que aconteceu. O legislador preocupou-se
sobretudo com a regulação da chamada ação de impugnação.
A explica para isto é de natureza psicanalítica, o legislador estava a manter um
mecanismo processual que tinha efeitos semelhantes ao tradicional, ao recurso direto,
mas ao mesmo tempo estava a tentar alterar, modificar substancialmente o recurso de
anulação. Porque o que está agora na ação de impugnação não é nada do que estava
antes no recurso de anulação. E para tornar evidente, para marcar esta rutura, o
legislador, talvez com algum exagero, mas com esta explicação que é razoável,
preocupou-se em regular até à exaustão a figura da ação de impugnação. É uma espécie
da lógica monárquica, “o Rei morreu, viva o Rei” e, portanto, o novo rei é diferente do
anterior e explicitam-se bem todas as características do rei anterior.

129
O que é que era o recurso de anulação? O recurso de anulação era um meio processual
para impugnar atos administrativos, um meio processual que tinha resultado da
transformação do recurso hierárquico em recurso contencioso e, portanto, era um meio
limitado em que não havia prova dos factos; era um meio como um recurso em que só
se analisava o direito; um meio objetivo em que não havia partes; em que o processo era
todo inquisitório, em que havia uma realidade que era marcada pela infância difícil.
Esta situação mudou. Mudou, desde logo, com a constituição de 1976 e as suas
sucessivas revisões, que separam a administração e a justiça. Isso significa que o
recurso não pode continuar a ser recurso, passa então a haver uma ação e esta é uma
marca desta realidade que tem consequências processuais.
Uma ação é a primeira apreciação jurisdicional de um litígio. A primeira coisa que o
juiz tem de fazer é apurar os factos e só depois é que julga o direito. Portanto, há uma
transformação que tem a ver com a natureza da ação, mas há também uma
transformação que tem a ver com a plenitude de poderes que o juiz passa a ter. Agora, o
juiz não tem apenas poderes de impugnação, nestas ações de impugnação passa a poder,
simultaneamente com o pedido de impugnação, apreciar pedidos de condenação e de
simples apreciação.
A passagem de um sistema em que o juiz estava limitado nos seus poderes a um modelo
de plena jurisdicionalização tem consequências no processo administrativo. Pode-se até
mesmo dizer que a maior parte das ações que adotam (e seguem) o modelo de
impugnação, são ações de natureza mista porque os pedidos não são apenas de anulação
e porque as sentenças não são apenas de anulação, são sentenças de carácter misto.
E isto acontece porquê? Porque agora o objeto do processo é a relação jurídica
administrativa e é sobre a integralidade da relação jurídica administrativa que o juiz se
pronuncia. Enquanto, anteriormente, se pronunciava apenas sobre a legalidade e isso
hoje dava origens a outros processos para tutelar a integralidade da posição jurídica do
particular.
É preciso dizer, no entanto, que já há algum tempo, desde a constituição de 1976 e da
reforma de 1985, que havia prenúncios que isto teria de ser assim e até no quadro de
discussão que antecedeu a reforma, eu escrevi um artigo em que, enfim, procurava à
semelhança da doutrina alemã, construir teses com temas centrais à volta dos quais eu

130
trabalharia, e eu enunciava duas teses sobre o recurso direto de anulação (de uma forma
bombástica):
1- O recurso direto de anulação não é um recurso;
2- O recurso de anulação não é de anulação.
Estas afirmações bombásticas visavam provar que a existência da constituição e da
reforma de 1985 obrigava à transformação do processo.
Qual era a razão de ser destas afirmações? Primeiro, o recurso não era um recurso; o
que estava em causa não era uma segunda apreciação, a administração e o juiz não eram
a mesma entidade, o processo não continuava da administração para o juiz, não passava
de gracioso a contencioso (como dizia o Professor Marcelo Caetano), havia um
procedimento e um processo. O processo estava a ser julgado pela primeira vez e devia
ser julgado em condições de completude. Portanto, isto significaria no futuro que era
preciso transformar, como aconteceu, a natureza jurídica daquele meio processual, que
não podia continuar a ser um recurso.
Em segundo lugar, o recurso de anulação não era de anulação; em termos rigorosos, não
era apenas de anulação. E isto porquê? Porque na maior parte dos casos quando o
particular impugna, a decisão administrativa já foi tomada e se a decisão administrativa
já foi tomada, então a satisfação dos interesses do particular não se conforma e não é
suficiente se for apenas de anulação. Porque a anulação é um efeito constitutivo de
afastar da ordem jurídica o ato ilegal.
Suponham, a demissão de um funcionário por violação dos seus deveres. O funcionário
foi demitido ilegalmente, a sentença anulou a demissão, mas o particular foi demitido há
dois anos e precisa não apenas de ser reintegrado no sítio onde estava do ponto de vista
jurídico-administrativo antes de ter a vida prática do ato ilegal e precisa de receber os
salários que não recebeu durante o período em que esteve ilegalmente afastado. E,
portanto, a sentença, se o ato já tiver sido executado, se quiser efetivamente resolver a
situação do particular, então ano pode ser apenas de anulação. Anulação é o efeito
jurídico, o efeito constitutivo, o ato ilegal desparece da ordem jurídica, mas não basta
desaparecer o ato, é preciso que a administração tome todas as atuações, todas as
providencias necessárias à realização da realidade substantiva e que adeque a realidade
à situação da correção, a expressão do Professor Freitas do Amaral parece-me feliz, era

131
a expressão que utilizava na tese de doutoramento, a reconstituição da situação atual
hipotética em que o particular se encontraria se não tivesse sido a prática do ato ilegal.
E se isto já era assim antes, havia várias tentativas para explicar, há até uma discussão
muito engraçada no direito francês nos anos setenta e oitenta que é a de saber se,
efetivamente, as sentenças tinham como conteúdo apenas a anulação. A doutrina
clássica e maioria dizia que sim, embora houvesse efeitos fora da sentença,
nomeadamente, o efeito de caso julgado, que se dizia que impedia a administração de
repetir o ato e o efeito de execução das sentenças, que obrigava a reconstituir a
sentença, mas como figura genérica. Portanto era algo colocado fora da sentença,
embora correspondesse aos efeitos da sentença. Estão a ver a contradição…
Dizia-se que a sentença é apenas de anulação, mas aquilo que se fazia corresponder à
sentença através de um processo de execução das sentenças, que era um processo
objetivo e não era daquela sentença era das sentenças em geral, era este dever de
reconstituição da situação atual e hipotética e, portanto, dizia um autor francês, com
bastante ironia que isto era colocar a gema fora do ovo. Dizer que, a sentença não era de
anulação equivalia a olhar para a sentença sem gema e colocar a gema fora do ovo,
colocar a gema na eficácia do caso julgado e nos poderes de execução entendidos em
termos abstratos e esta realidade francesa dos anos 70/80, correspondia ao modo como
em Portugal a doutrina colocava o caso.
O professor Freitas do Amaral, adotou esta perspetiva e dizia que há caso julgado da
execução das sentenças, que isso vai além do efeito anulatório, mas as sentenças são
apenas anulatórias e, portanto, havia uma mistificação em razão dos traumas da infância
difícil e colocava-se fora da sentença aquilo que deveria estar no conteúdo da sentença.
Se isto já era assim, já implicava esta mudança e que se poderia dizer que, a sentença
não é apenas de anulação e depois o movimento da doutrina italiana do Nigro e do
Cassese, tal como tentou o professor Vasco Pereira da Silva fazer em Portugal, foi o de
fazer corresponder o conteúdo da sentença aos seus efeitos porque não fazia sentido
dizer que, isto é o conteúdo da sentença, mas os efeitos são outros. O professor Vasco
Pereira da Silva defende que é preciso fazer corresponder o conteúdo da sentença aos
seus efeitos e, portanto, o juiz tem logo de condenar a administração, dar-lhe ordens,
tem logo que resolver toda a situação do particular.

132
O que é que o legislador no quadro desta reforma veio fazer?
Em primeiro lugar, ele vai reafirmar esta ideia de que o que está em causa é toda a
relação jurídica material e, portanto, o particular deve apresentar todos os pedidos, daí
toda a enumeração dos pedidos em termos amplificados. Já estava no artigo 2º CPTA e
no artigo 4ºCPTA, está agora de novo de forma diferente, mas com o mesmo conteúdo
no artigo 37ºCPTA. Portanto, todos os pedidos são possíveis e as sentenças têm em
princípio carácter unívoco. Podemos dar um passo, e saber quais são aquelas que são
meramente anulatórias, meramente constitutivas e aquelas que tem efeitos acoplados,
efeitos condenatórios e efeitos de simples apreciação. Tudo depende de o ato ter sido
executado ou não porque se o ato não foi executado, ou a administração não o quis
executar, podendo e o não quis executar, ou porque o juiz determinou a suspensão da
eficácia do ato administrativo e agora, com esta reforma pretendeu-se alargar as
possibilidades de suspensão da eficácia e fazer dessa tutela cautelar um meio adequado
de tutela da justiça administrativa, então o legislador dizia que, a partir da agora haverá
mais casos em que a sentença é meramente constitutiva ou de anulação, ou seja, os
interesses do particular ficam satisfeitos só com a sentença. A sentença constitutiva
corresponde a um simples efeito jurídico, que satisfaz o interesse do particular. É por
isso que as sentenças constitutivas não têm execução diz-se no processo civil.
Curiosamente, no processo administrativo dizia-se a sentença é só constitutiva, mas tem
execução. Era a prova provada de que as sentenças não eram apenas de anulação.
Agora em todos os casos em que não há execução do ato, ou porque a administração
voluntariamente não executa ou porque o tribunal determinou a não execução, podem
existir sentenças simplesmente constitutivas ou de anulação. Se a administração
praticou o ato, seja ele qual for, a demolição de uma casa, a demissão de um
funcionário, a não atribuição da bolsa de estudo, a não atribuição da licença de
construção, se há uma execução desta decisão e a administração em Portugal, como nos
outros países, goza de direitos potestativos, não goza de privilegio de execução prévia,
mas a administração em Portugal corresponde ou tem uma forma de atuação unilateral
que produz imediatamente efeitos na esfera de outra, portanto a execução e, porque em
Portugal, em determinados casos previstos na lei, a administração também pode usar de
força coativa para executar as suas decisões, embora de forma limitada, não tem nada a

133
ver com o tal privilégio de execução prévia. Isso significará que na maior parte dos
casos a decisão que vai a tribunal já foi executada.
O particular em vez de pedir apenas a anulação como fazia antes, e esperar pela decisão
da anulação para depois pedir a execução das sentenças, o particular pede logo quando,
intenta a ação os efeitos que corresponderiam a reconstituição da situação atual e
hipotética, os efeitos da condenação e da declaração de direitos que tem a ver com a
reposição da ordem tal como ela existia antes da prática do ato ilegal. O que está aqui é
algo que conduz a que na maior parte dos casos, as sentenças ditas de impugnação
sejam sentenças mistas com uma componente de condenação, uma componente de
declaração de direitos e uma componente constitutiva. Só nos casos em que a
administração não executou o ato ou o juiz impediu a administração de executar é que
haverá pedidos meramente constitutivos e sentenças meramente constitutivas.
É uma diferença brutal em relação ao que existia antes porque antes não se podia antes
de obter o efeito da anulação, não se podia ter os outros efeitos da sentença de
reconstituição da situação atual e hipotética porque eles eram colocados como a gema
fora do ovo, eles não eram considerados nos efeitos da sentença e, portanto, esta
mudança é uma mudança radical. O legislador que para além desta mudança, em termos
conceptuais e de organização, regulou de forma diferente todas estas realidades, como
nos pressupostos processuais que aparecem razoavelmente modificados.
O legislador mudou a ação de impugnação, chamou-lhe impugnação, podendo ter
chamado apenas de anulação. Falar em impugnação já tem uma ideia de efeitos
alargados, impugna não apenas anula, impugna. A impugnação também abrange a
declaração de nulidade que antes era um problema porque uma anulação é uma sentença
constitutiva, mas já uma declaração de nulidade é uma sentença de simples apreciação
porque o juiz limita-se a reconhecer algo que é a não possibilidade de produção de
efeitos daquele ato por ser nulo. Não é por vontade do juiz como nas sentenças
constitutivas que existem declarações de nulidade. As declarações de nulidade são ações
de simples apreciação. O legislador não só resolveu o problema das declarações de
nulidade, que a doutrina também ligava ao efeito da anulação e declaração de nulidade
só, como, por outro lado o legislador regulou estas realidades de forma radicalmente
diferente.

134
O legislador quando no artigo 50ºCPTA fala de efeitos de impugnação, dizer aquilo que
não deveria ter dito porque esta fórmula tem por objeto a anulação ou a declaração de
nulidade que corresponde aquela orientação clássica de considerar que o objeto do
processo é apenas o pedido e o pedido imediato, o legislador diz que não é assim.
Analisamos os artigos 92º CPTA e seguintes, em particular o artigo 95º CPTA, em que
o legislador estabelece um objeto do processo complexo determinado pelo pedido e pela
causa de pedir. Esta norma do artigo 50º, nos termos do nº1 é algo que é irrelevante.
Depois existe aqui uma realidade muito discutida no quadro da reforma, que era de
saber se o pedido de impugnação devia ou não ter efeito suspensivo obrigatório, à
semelhança do direito alemão tal como o professor Vasco Pereira da Silva defendeu no
quadro da discussão pública, a maioria dos colegas do professor considerou que não e
foi essa opção do legislador, mas o legislador diz que pode haver suspensão automática
quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa e, portanto isto
significa que adotou aquela solução meias tintas embora em princípio não favorável, à
ideia da suspensão imediata.
Para que é que servia a suspensão imediata?
A suspensão imediata servia para inverter uma lógica de um processo em que a tutela
cautelar não funcionava e não funcionava porque o particular tinha de ir a tribunal e o
juiz não reconhecia o interesse do particular e para que a tutela cautelar fizesse sentido,
ele dizia há que inverter esta lógica, há que adotar a lógica do sistema alemão porque no
sistema alemão é a administração que no mesmo prazo de 15 dias se dirige ao tribunal
para pedir a execução do ato e em função do pedido o juiz vai comparar ambos os
efeitos.
O que é que aconteceu em Portugal por causa desta função tradicional que se quis
manter? O que se fez foi o particular vai ter de pedir a suspensão, mas não é o juiz que
decide, é a administração. A administração que no prazo 15 dias diz se quer ou não
executar o ato de que há motivo de interesse público. Isto é um disparate total! É o
mesmo que o réu dizer num processo penal – Oh Sotôr Juiz não me mande para prisão
preventiva, que eu gosto muito da minha casinha! Eu gosto muito da minha casinha,
então eu decido que vou continuar cá fora! - E o Juiz não diz nada! Verifica, apenas, se
ele pode decidir isso ou não, ou seja, se está nas condições de decidir isso ou não. É o

135
que faz o juiz administrativo em Portugal. Só ao final do ano é que ele vai apreciar o
pedido de eficácia, portanto o pedido deixou de ser cautelar! É um disparate completo!
E, portanto, a melhor forma de tornar eficaz a suspensão era inverter a lógica, à
semelhança do direito alemão. Haveria o efeito suspensivo automático, a administração
depois pedia ao juiz para executar o ato, justificando as razões de interesse público, que
justificavam a imediata execução do ato.
O sistema que temos agora, por um lado, como não é carne nem peixe, em
relação a ações em que está apenas em causa o pagamento de uma quantia certa sem
natureza sancionatória e tenha sido prestado uma garantia, é algo que permite a
suspensão de eficácia. Isto aplica-se aos processos fiscais. É a única regra do código de
processo de aplicação ao contencioso fiscal, mas é a prova de que podia aplicar-se,
porque o fundamento do contencioso fiscal é esta norma do processo administrativo e,
portanto, isto é mais um argumento no sentido em que não há razão para esta dualidade
de códigos, esta dualidade de leis processuais, e, portanto, a lei processual
administrativa deveria valer para o contencioso fiscal.
Ora bem, este n.º 2 diz que está em causa o pagamento quer no âmbito do
contencioso administrativo, mas aplicável sobretudo ao tributário, e depois, também,
aqui no n.º 3 dá-se a ideia de que todos os pedidos estão ligados. O n.º 4 tem que ver
com a declaração de inexistência do ato e o que se deve fazer a seguir. São normas
pouco importantes, não precisavam de estar aqui com este título pomposo “objeto e
efeitos da impugnação”, mas não têm um sentido útil muito grande.
O primeiro pressuposto processual é um dos que eu gosto mais. Tem sido objeto
da minha investigação académica e sobre ele eu já escrevi alguns milhares de páginas.
Já tinha escrito sobre a impugnabilidade a propósito da tese de mestrado, depois na tese
de doutoramento, de novo a questão da impugnabilidade é uma questão essencial e este
mecanismo é típico do processo de impugnabilidade. Eu não diria apenas que é típico da
impugnação, porque esta ideia de impugnabilidade também aparece nas ações de
condenação.
É típico é de formas de atuação administrativa em que está em causa o ato, isto,
também, tem que ver com o critério utilizado pelo legislador. O legislador não
distinguiu os critérios substantivos dos critérios processuais e, por isso, esta ideia de

136
impugnabilidade aparece aqui na impugnação e, a seguir, na ação de condenação
manda-se aplicar essa realidade no quadro do procedimento.
Ora bem, esta regulação da impugnabilidade, enfim, por um lado é radicalmente
nova em relação ao que se dizia em face da reforma de 85, por outro lado, foi
modificada, e para mim mal, no quadro da reforminha de 2015, porque a forma de 2004
era mais ampla e mais adequada do que esta, mesmo se esta não chega a pôr em causa o
que estava estabelecido na primeira.
Qual era a questão que estava em causa na impugnabilidade? Em 85 dizia-se que
os atos administrativos eram impugnáveis quando fossem definitivos e executórios, e,
portanto, criava-se uma categoria de atos, o ato definitivo e executório como condição
da impugnabilidade. Isto era outro dos traumas da infância difícil e era algo que se ia
repetindo desde sempre.
O que é que significavam estas duas coisas definitivo e executório? Definitivo
significava que o ato era a última vontade da administração, era a manifestação última
do poder administrativo antes de se poder ir a tribunal. E esta manifestação única tinha
que ver com a lógica da transição entre procedimento e processo, tinha a ver com a
transformação do recurso hierárquico necessário, em recurso contencioso.
Dizia o Prof Freitas do Amaral, reinterpretando a construção do Prof. Marcelo
Caetano que havia uma tripla definitividade. A definitividade material (o ato era a
definição do direito), a horizontal (o ato era o termo do procedimento) e a vertical (o ato
era praticado pelo superior hierárquico), e, depois, o ato era executório (suscetível de
execução coativa contra a vontade dos particulares). Ora bem, com a transformação do
ato da administração agressiva no ato da administração prestadora do estado social e,
depois, com a criação de atos com eficácia em relação a terceiros, nenhuma destas
características é essencial, nem como característica do ato administrativo, muito menos
como condição de impugnabilidade. E fazer uma construção substantiva de ato
definitivo e executório, que é o ato impugnável e que é, como dizia o Prof. Marcelo
Caetano e o Prof. Freitas do Amaral, a manifestação mais perfeita do ato administrativo
é, nos nossos dias, um profundo disparate!
É um profundo disparate, porque, em primeiro lugar, os atos não gozam de
definitividade material, não definem o direito, quem define o direito é o juiz, a

137
administração usa o direito para satisfazer necessidades coletivas. Para a administração
o direito é um meio, não é um fim. A maior parte dos atos da administração nos dias de
hoje (administração prestadora e infraestrutural) não predefinem direito nenhum. O
controlador aéreo quando manda o avião levantar ou descolar não está a definir
nenhuma situação jurídica de ninguém, não tem sequer a mínima noção de que esteja a
tomar uma decisão de natureza jurídica, ele está a decidir em função das condições
atmosféricas e do tráfego do aeroporto. Este ato não define o direito. Quando a
administração atribui um subsídio, atribui um bem ou serviço, não está a definir o
direito de ninguém. Só haverá utilização do direito e a prática de atos com conteúdo
jurídico no domínio da administração polícia, fora desse domínio a administração não
define o direito. Quem define o direito é o juiz.
Em segundo lugar, o ato não é o termo do procedimento, pode ser ou não ser,
porque qualquer ato procedimental produz efeitos jurídicos e, ao produzir efeitos
jurídicos, pode ser um ato administrativo e pode ser impugnado, é o que nos diz o art.
51º do código do procedimento, ainda que não ponham termo ao procedimento, o ato
pode ser impugnado. Qualquer ato, em qualquer momento do procedimento, pode ser
impugnado e, portanto, a definitividade horizontal é, também, um disparate!
Em terceiro lugar, porque a maior parte dos atos administrativos não têm de
subir até ao topo, a regra não é a de que o governo decide sobre todas as coisas, não é
como era no século XVIII, a regra do recurso hierárquico necessário, agora qualquer
órgão administrativo com competência para decidir, decide de forma final sobre esta
matéria, o principio da desconcentração administrativa obriga a essa realidade, e,
portanto, a ideia da definitividade é uma ideia que tem de ir para o caixote do lixo! Não
é uma característica dos atos administrativos de todos os atos administrativos, muito
menos daqueles que são impugnáveis, não tem nada a ver com a ideia de
impugnabilidade, é um disparate!
O próprio Prof. Freitas do Amaral reza o requiem pelo ato definitivo e
executório dizendo - Uma noção tão bonita! Tão importante! Marcou tanto o direito
português! Que pena ter acabado! - Seis linhas, ato definitivo e executório, na nossa
ordem jurídica desapareceu! É algo que não corresponde à realidade dos nossos dias.
Era algo que eu já explicava na minha tese de doutoramento e de mestrado. A ideia de

138
ato definitivo não existe e executório muito menos, porque a administração não goza de
poderes de execução senão quando a lei expressamente o estabelece, e, portanto, não é
uma característica do ato, não é uma característica do poder administrativo, é algo que
existe nos atos da administração de polícia, sempre que a lei atribui esse poder.
E, portanto, esta realidade tinha feito que a norma do artigo 25º da LEPTA
tivesse caído em desuso, mas, do ponto de vista jurídico, esta ideia do ato do e
executório foi afastada pela revisão constitucional de 89 e foi substituída pela ideia do
ato lesivo. O ato que está em juízo é um ato administrativo que lesa os direitos dos
particulares. É a ideia do ato lesivo que fornece o critério da impugnabilidade, não é a
ideia do ato definitivo e executório. E da minha perspetiva a norma do art. 25° da
LEPTA, que estabelecia a regra do ato definitivo e executório, era inconstitucional por
violar o princípio do acesso ao direito e porque entendia se que, se o particular não
interpusesse o recurso hierárquico no prazo de 30 dias, não poderia impugnar
conscienciosamente, via precludido o direito de recurso, e isto era um disparate, que
punha em causa quer a tutela de direito plena quer a tutela efetiva, porque significava
reduzir o prazo de recurso, que já era longo, eram 2 meses, ficava 30 dias, que é o prazo
que se aplica hoje. O particular ainda mal se preconcebeu que foi vítima de um ato
administrativo que lesa dos seus direitos e já passou o prazo de impugnação! E,
portanto, afetava essa realidade, afetava a separação entre administração e justiça,
afetava o princípio da desconcentração, ou seja, era a vários títulos inconstitucional.
Não era possível continuar a defender isto depois da revisão constitucional de 89. E,
portanto, isto era uma velha luta que eu tinha, toda a gente dizia que havia exceções.
Agora finalmente o código do processo afastou definitivamente a ideia do ato definitivo
e executório e afastou todas as suas características no âmbito deste processo.

139
Aula de 16 de novembro Catarina A. Silva, Miguel Martins & Ana Lúcia Loureiro

Estávamos na aula passada a falar do pressuposto processual da


impugnabilidade do ato administrativo.
Já sabemos o que são pressupostos processuais – são as condições impostas pela
lei para que o tribunal possa conhecer do caso/processo que lhe está a ser apresentado –
e, portanto, é a primeira coisa que o tribunal verifica é se estão cumpridos os
pressupostos – competência, a legitimidade, neste caso a impugnabilidade do ato.
E é um pressuposto acerca do qual o Professor Vasco Pereira da Silva tem dito
em Portugal, que tratou na tese de mestrado e também na tese de doutoramento – “Em
busca do ato administrativo perdido” – é uma tentativa de construção de um novo ato

140
administrativo que acaba com a distinção entre ato impugnável e ato administrativo
normal, porque a lógica tradicional era dizer que o ato impugnável era o ato definitivo
executório e isto era caracterizado como uma modalidade específica de ato, o ato mais
importante.
Aquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva procurou provar era que nenhuma
dessas características pertencia ao ato administrativo, não era uma característica geral
dos atos administrativos, os atos não eram nem definitivos nem executórios e, por outro
lado, que o ato impugnável era igual ao ato administrativo, produzia efeitos no caso
concreto, só que estava numa situação que era suscetível de lesar os particulares e,
portanto, a lógica do processo devia ser, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, a considerar que qualquer ato administrativo, qualquer ato produtor de feitos
jurídicos numa situação individual, num caso concreto, se estivesse numa condição de
lesar o direito do particular, numa situação da vida, era um ato impugnável.
E, portanto, aquelas distinções clássicas do Professor Marcello Caetano, de
distinguir entre ato administrativo e ato impugnável, mas continua até no próprio
Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas também o Professor Sérvulo Correia, só
interessa os atos impugnáveis, os outros não são atos, são outra realidade. Esta
discussão é uma discussão que não faz sentido nem em termos da realidade de hoje nem
em termos do direito administrativo português porque hoje em dia uma noção ampla de
ato como aquela que encontramos no CPA – um ato produtor de efeitos jurídicos, numa
situação individual e num caso concreto, qualquer destes atos se se encontrar numa
situação suscetível de produzir uma lesão, qualquer destes atos é impugnável e portanto
não há nada que distinguir nem há de considerar aqui um conceito de natureza
substantiva.
E suponho que vimos que o legislador português, de alguma maneira, no art. 51º
afasta completamente estas ideias que estavam associadas ao ato administrativo.
A reforma de 85 estabelecia no art. 25º como pressuposto processual do recurso
de anulação o ato ser definitivo executório, e, portanto, era direito vigente, e, agora, o
art. 51º vai, sobretudo na versão originária, consagrar esta realidade do ponto de vista
legislativo. E, sobretudo na sua versão originária porque a “reforminha” de 2015, sem
ter alterado nada do regime jurídico, estava imbuída de espírito ideológico e, portanto,

141
achou que algumas coisas não cabiam nos seus quadros mentais, alguns dos membros
da comissão entenderam que havia ali algumas coisas que não cabiam nos quadros
mentais e introduziram pequenas limitações que não põem em causa a natureza ampla e
aberta do art. 51º, mas que era preferível que não estivessem cá.
É, de resto, por causa de algumas dessas limitações que muitas vezes o Professor
Vasco Pereira da Silva (que tem escrito num estudo que está na e-Pública sobre a
“reforminha” de 2015) refere que a “reforminha” de 2015, sem mudar nada, escreve as
coisas de outra maneira que são escusadas, mas que tinham por trás a ideia de limitar
sem limitar o que efetivamente estava em jogo.
Mas vamos primeiro à questão substantiva: os atos, todos os atos
administrativos, não possuem as características da definitividade e da executoriedade.
Não possuem as características da definitividade porque não são materialmente
definitivos – o ato administrativo usa a lei, o direito para satisfazer necessidades
coletivas, quem define o direito é o tribunal e, portanto, o tribunal tem como fim dizer o
direito, a Administração tem como fim satisfazer as necessidades.
Qualquer ato de natureza prestadora da Administração não define qualquer
direito, presta bens ou presta serviços.
O ato do controlador aéreo que está na Portela a mandar levantar voo ou mandar
aterrar aviões está a praticar atos administrativos, não está a definir nenhuma posição,
não tem a mínima noção de estar a praticar um ato com conteúdo jurídico, é, no entanto,
um ato administrativo que em razão das condições meteorológicas e da circulação na
pista, manda os aviões levantar ou manda os aviões aterrar.
Portanto, o ato administrativo de hoje não se caracteriza com a ideia de definição
do direito. Quando muito haverá um número restrito, muito restrito de atos de polícia
que ainda correspondem a esse modelo, mas a generalidade dos atos administrativos não
corresponde à definitividade material logo isso não pode ser uma característica do ato
administrativo, muito menos do ato impugnável.
Depois, os atos dos dias de hoje também não são horizontalmente definitivos
porque qualquer procedimento é complexo e qualquer ato praticado num procedimento
normalmente tem uma lógica múltipla e complexa produz efeitos jurídicos e se esses

142
efeitos jurídicos forem lesivos, qualquer ato num procedimento é suscetível de ser
impugnado
E, por último, a ideia de definitividade vertical, aquela que é a que resiste há
mais tempo em Portugal e que é aquela que já foi afastada em todos os países a começar
pela França em que o Conselho de Estado considerou que era inconstitucional.
A ideia que é a ideia do Ministro-juiz de que tem de ir tudo ao governo e depois
são os atos do Governo analisados em 2ª instância pelo Conselho de Estado. Isto é um
resquício dos tempos do Ministro-juiz, isto viola manifestamente todas as regras do
Direito Administrativo e, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da Silva, isto em
Portugal devia ter sido há muito declarado inconstitucional.
E, portanto, o ato não é definitivo, mas o ato também não é executório. E não é
executório por 3 razões.
Em primeiro lugar, porque a discussão dos atos também depende da lei, não é
um privilégio da Administração, famigerado do direito de execução prévia, não é nada
que possa existir se não houver uma lei. Lei que vale para a declaração, mas que vale
também para a execução.
Hoje, de resto, o CPA vem dizer na versão de 2015 que os poderes de execução
dependem da lei. Se não houver lei não há execução.
Era algo que o Professor Vasco Pereira da Silva defendia há muito tempo. O
Professor Freitas do Amaral, que fazia a anotação da versão da Comissão acerca
daquele artigo dizia que “esta é a minha posição, mas alerto para o facto que o Professor
Pereira da Silva me ter dito o contrário”.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, não faz sentido nenhum que o princípio
da legalidade não valha também para a execução. A execução só existe nos casos em
que a lei determina e nos termos em que a lei determinar.
E, por outro lado, em segundo lugar, a maior parte dos atos administrativos,
todos os atos da Administração prestadora, porque são favoráveis ao particular, não
podem ser impugnados contenciosamente contra a vontade do particular. Não faz
sentido, o particular quer receber a bolsa de estudos, foi ele que a pediu; o particular
quer a reforma, foi ele que pediu a reforma; o particular quer construir uma casa, foi ele

143
que construiu a casa. Não faz sentido dizer que este ato prestador favorável ao particular
é suscetível de execução coativa.
A execução coativa a haver é contra a Administração, que depois de ter
declarado o ato, de ter dito “fulano tal tem direito” depois não executa, e, portanto, a
execução não é contra o particular, é a favor do particular.
Por outro lado, e é o último argumento na nossa ordem jurídica, é que a lei pode
proibir a execução de determinados atos e isso está no CPA. O CPA proíbe a execução
de todos os atos que correspondem ao pagamento de uma quantia monetária. E,
portanto, todos esses a lei diz que não são suscetíveis de execução coativa, não são
executórios.
E isto vale quer para os atos da administração tributária.
Há pouco tempo houve um escândalo, que uns senhores do Norte da Direção
Geral de Contribuições e Impostos que acharam que a melhor forma de cobrar dívidas
era porem-se à porta do casamento, que as pessoas já tinham bebido uns copos e depois
pagavam as dívidas fiscais. Não só não resultou, não se sabe se havia alguém
suficientemente bêbado para querer pagar uma dívida que se recusou pagar toda a vida,
mas isto gerou uma reação jurídica de dizer “isso é ilegal e inconstitucional”, o
exercício desse poder não pode ser feito através da autotutela, de uma tutela executiva
logo isso tem de acabar.
Podem tentar convencer as pessoas, não as podem obrigar a pagar, tem de ser
um tribunal.
Tal como quando houve as manifestações contra a ponte, as pessoas não
pagavam uma multa, só receberam essa multa através de uma intervenção do tribunal e
foram chamadas a tribunal.
Tem de ser um processo de natureza judicial para a cobrança de uma dívida.

Posto isto, faz sentido dizer que o ato é executório? Não faz.
Até o Professor Freitas do Amaral, que continuando a defender as suas posições
até ao fim, e no final termina com um discurso fúnebre, 6 linhas na última edição do
Manual de Direito Administrativo, sobre o título “Ato definitivo executório”. E nessas 6

144
linhas o Professor caracteriza como um “conceito tão bonito e tão importante, que
serviu para tanta coisa, mas que infelizmente hoje em dia já não faz qualquer sentido”.
Hoje o ato definitivo e executório já não existe, desapareceu.
O Professor faz esse elogio fúnebre já antes, quando fez a última edição das
lições do Professor Marcello Caetano (anotando em letra miúda, para ver o que escreveu
o Professor Marcello Caetano e o que foi acrescentado pelo Professor Freitas do
Amaral), escreveu, depois de repetir o conceito do Professor Marcello Caetano, o ato
suscetível de execução coativa contra a vontade do particular, o Professor acrescentou
“no entanto, isto hoje não se verifica em todos os casos, isto hoje já não é a regra” e
acrescenta que “hoje em dia, talvez o único sentido possível para a ideia de
executoridade seja o sentido do Professor Rogério Soares, o sentido da eficácia” e,
portanto, o ato executório só fará algum sentido se for entendido como ato eficaz.
Ora bem, o legislador do código de processo, na sequência da constituição a
seguir à revisão constitucional de 1989, ter deitado para o caixote do lixo da história, a
ideia de ato definitivo e executório, que antes estava no artigo 268º, nº4, passou a
definir a impugnabilidade em função da ilegalidade e da lesão. Foi a grande
transformação.
A partir daí o professor Vasco Pereira da Silva passou a dizer, no livro “Em
busca do ato administrativo” que, a exigência desse requisito processual tornou-se
inconstitucional por violação da separação de poderes. A separação entre administração
e justiça não permite fazer depender o acesso ao juiz do uso de uma garantia
administrativa. Tornou-se inconstitucional por causa do princípio do acesso ao direito.
O direito fundamental de aceder a um tribunal que é posto em causa se não houver o
exercício prévio da garantia administrativa. Tornou-se inconstitucional por causa da
desconcentração administrativa que obriga a que decisão do subalterno seja
imediatamente impugnável.
De resto, olhando para o direito comparado, foi o princípio da desconcentração,
que quer no direito italiano, quer no direito francês, afastou por inconstitucionalidade
essa exigência.
Esta luta, que para o professor Vasco Pereira da Silva começou nos anos 80,
talvez não esteja integralmente resolvida. Se a generalidade da doutrina e da

145
jurisprudência, a começar pelo Tribunal Constitucional, foi dizendo que realmente as
noções de definitividade horizontal e material e a noção de executoriedade tinham sido
afastadas que, no entanto devesse ser mantida a função de definitividade vertical e as
sentenças do tribunal constitucional, as que existem dos anos 80 e dos anos 90, o
tribunal constitucional diz que não se pode dizer que haja uma violação do direito
fundamental de acesso ao direito porque o particular que usou a garantia administrativa,
que fez primeiro o recurso hierárquico e depois recorreu a tribunal, o particular não é
prejudicado e como não é prejudicado, então não há uma violação do direito.
O problema tal como o tribunal constitucional coloca está mal colocado. O
problema não é a situação daqueles que usam os dois meios. O problema é da situação
daqueles que não usaram a garantia do recurso hierárquico porque acharam que podiam
ir logo diretamente ao tribunal e têm esse direito de ir ao tribunal garantido a partir do
artigo 268º, nº4. Aqui é que está a inconstitucionalidade. Se usar cinto e suspensórios,
as calças não caem, mas basta que use cinto ou suspensórios para elas não caírem, não
tenho de usar as duas coisas. Não existe obrigação de usar as duas coisas, posso
escolher uma e até posso não usar. A ideia de que o particular tem de usar as duas
garantias é a ideia dos cintos e dos suspensórios. O particular tem de utilizar as duas
coisas. A garantia administrativa é inconstitucional por ser obrigatória, por ser
necessária. Todos os recursos hierárquicos ou todas as reclamações se tornaram
facultativos à luz da constituição de 1976. O professor defendia isto depois da revisão
de 1989, nos anos 80 e continua a defender esta ideia hoje.
O CPA na sua versão originária, dos anos 80, estabelecia a regra oposta, a regra
da obrigatoriedade do recurso hierárquico e em face da alteração constitucional e da
primeira versão do CPA em que isso desaparecia, este código em nenhuma das suas
normas fala da necessidade de um prévio recurso hierárquico. Onde é que teria de estar
esse pressuposto processual? Deveria estar no código de processo. Se isso fosse um
pressuposto processual, tinha de estar no CPTA. Isso desapareceu. Na perspetiva do
professor a exigência do recurso hierárquico não só era inconstitucional como era ilegal
e inútil. Era ilegal porque tinha sido afastada essa exigência e era inútil porque sendo
superior hierárquico ou o autor do ato aqueles que estavam envolvidos no poder
decisório, eles normalmente não decidiam de forma contrária e, portanto, em 99,9% dos

146
casos, o superior hierárquico confirma a decisão do subalterno. Na prática, ele confirma
sempre. Era inconstitucional, ilegal e inútil. Algo que o professor continua a defender
apesar das alterações que houve.
Apesar do professor defender esta teoria e haver muita gente a defender esta
tese, surgiu uma construção chamada de intermédia, que foi defendida pelo professor
Freitas do Amaral e pelo professor Mário Aroso de Almeida. O que era a posição
intermédia que acabou por ser dominante? Era a ideia de que, o recurso hierárquico
necessário deixava de ser necessário em todas as circunstâncias e desaparecia a regra
geral do código de procedimento, mas continuava a poder exigir-se o recurso
hierárquico necessário sempre que uma lei especial o consagrasse. Era a ideia da
exceção. Deixava de existir a regra, passava a existir apenas uma exceção. Segundo o
professor, este argumento não faz sentido.
Só é possível dizer que há uma exceção à regra enquanto existir a regra. Quando
a regra desaparece, desaparece também a exceção. Se a regra era a consagração de um
regime de obrigatoriedade, se essa obrigatoriedade deixa de fazer sentido, então a
exceção não pode existir porque a exceção não era exceção antes, só passa a exceção
depois. Se a norma afastou a regra, também tem de afastar as normas especiais que
afastam a exceção.
Da perspetiva do professor, não havia dúvidas quanto à ilegalidade em geral do
recurso hierárquico necessário.
O legislador de 2015, o tal legislador ideológico que fez a reforma do CPA e do
código de processo administrativo, achou, no entanto, que esta posição compromissória
fazia sentido. O que está no atual CPA, estabelece a regra da facultatividade do recurso
hierárquico que deixou de ser, em regra necessário, mas admite que ele continue a ser
necessário em situações especiais. Esta norma de direito procedimental é uma norma
que cria para casos limitados ou excecionais, se acreditarmos até na expressão do
professor João Tiago Silveira que esteve ligado também direta ou indiretamente às duas
reformas, esta excecionalidade mantém-se. Para o professor, não interessa saber se é
excecional ou não, se há excecionalidade e se essa excecionalidade viola a constituição,
para o professor continua a haver inconstitucionalidade.

147
No dia em que o professor foi convidado pela Ministra da Justiça para estar
numa sessão de apresentação do código de procedimento com os membros da comissão,
o professor manifestou tristeza pelo facto de o legislador do CPA que deveria ter
afastado esta garantia enquanto necessária, não enquanto facultativa, não o tenha feito e,
portanto, o professor voltou aos argumentos da inconstitucionalidade.
Seis meses depois o professor foi a uma sessão exatamente igual de apresentação
do código de processo e o professor ficou satisfeito porque no sítio em que devia estar
consagrado o recurso hierárquico necessário, que é no código de processo, não estava e
se não estava isso significa que houve revogação da ideia de necessidade que estava no
CPA. Passou também a ser ilegal a exigência do recurso hierárquico necessário.
O professor voltou a ter o argumento da ilegalidade a seu favor porque em numa
destas regras dos pressupostos existe qualquer referência à necessidade do recurso
hierárquico necessário como para além disso, do que resulta do artigo 51º, nº1 e de
todos os outros, também se olharmos para as regras dos prazos o legislador afasta
expressamente a necessidade do recurso hierárquico necessário. Olhando para a norma
do artigo 59º encontramos duas coisas que já estavam na versão originária e que o
professor já tinha utilizado como argumentos na versão originária e que se mantêm:
O primeiro é a tentativa de dar alguma utilidade ao pedido de recurso
hierárquico porque ele não tinha nenhuma utilidade. O particular não ganhava nada com
isso. Agora, diz-se no nº4 que o uso de meios de impugnação administrativa suspende o
prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo e, portanto, o particular que
optar por uma prévia impugnação administrativa ganha a suspensão da contagem do
prazo para a impugnação contenciosa. Ganha alguma coisa. Isto fazia com este recurso
facultativo passasse de inútil a útil. Mas reparem no que se diz o nº2, “a suspensão do
prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder a impugnação
contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como requerer a
adoção de providências cautelares”, ou seja, nem mesmo nos casos em que o particular
usou a garantia do recurso hierárquico tem de esperar pelo resultado, ele pode
imediatamente ir ao tribunal. O recurso é sempre facultativo e, portanto, a juntar ao
argumento da sucessão da lei no tempo, temos uma regulação do código de processo

148
que não só não faz qualquer referência ao recurso hierárquico como expressamente o
afasta neste artigo 59º e, portanto, tornou-se ilegal.
Quanto a ideia de utilidade tal como está concebido, é inútil porque não serve
para nada. O superior confirma sempre os atos do subalterno, é isso que diz a prática.
Ele podia ser útil à semelhança do Administrative Tribunal, como o professor sugeriu.
Se querem tornar uma garantia facultativa de alguma utilidade para evitar o acesso ao
juiz, é preciso que quem decida dessa garantia seja independente, não seja o superior
hierárquico nem o autor do ato porque esses já decidiram e vão manter a decisão. Se
houvesse a ideia de criar algo de novo, então esse novo deveria ser algo diferente em
que este recurso administrativo, que teria de ser sempre facultativo, teria um efeito útil
da apreciação por uma entidade administrativa independente, como o é o Administrative
Tribunal no Reino Unido.
Bem, começámos pelo último porque é aquele que ainda tem mais resistências e,
portanto, afastámos a definitividade vertical, mas o legislador também afastou, de forma
expressa, todas as outras manifestações de definitividade.
Começando pela definitividade material, que corresponde à ideia da definição
do direito ou, na teoria hoje dominante do Professor Sérvulo Correia, à ideia do ato
regulador porque é inovador (porque cria um efeito jurídico novo), e, portanto, só os
atos que criassem efeitos jurídicos novos é que podiam ser impugnados - os outros não.
Ora, o artigo 53.º prevê a impugnação de atos confirmativos e de execução. Estes atos
confirmam um ato anterior que, esse sim, é inovador, ou o ato que está a ser executado,
mas não são inovadores (não são definitivos em sentido material), e, em todos os outros
casos, deixa de fazer sentido a aplicação dessa regra porque a Administração não define
o direito - a Administração satisfaz necessidades coletivas. E a prova provada que o
legislador quis afastar esse pressuposto é o artigo 53.º, relativamente a atos
confirmativos e de execução em relação aos quais não há qualquer dúvida que não são
inovadores (que não definem qualquer direito); o direito foi definido pelo ato
confirmado ou pelo ato que está a ser executado, portanto, não definem o direito, não há
esse requisito - esse pressuposto - de impugnabilidade.
E quanto à definitividade horizontal, o artigo 51.º diz logo isso: “Ainda que
não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no

149
exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos externos numa
situação individual e concreta […]”. Esta é a definição geral, é a cláusula geral de
impugnabilidade e, logo aqui, não há referência à definitividade horizontal, que é a
primeira a ser afastada - qualquer ato (qualquer procedimento) pode ser impugnado em
que condições? Desde que seja lesivo, e há a ideia de que a única característica do ato é
a produção de efeitos jurídicos. Portanto, o legislador afastou definitivamente.
Mas o Professor Vasco Pereira da Silva falou-nos no “coice de mula” do
legislador em 2015. Porquê?
É que o legislador, sem ter alterado rigorosamente nada, pretendeu fingir que introduzia
limitações:
Uma das limitações (e essa é errada), é que o legislador deixou de fazer
referência, neste conceito do artigo 51.º, à ideia do ato lesivo – desaparece o ato lesivo –
enquanto que antes havia dois critérios: o critério do ato e o critério da lesão. Fazia
sentido a existência de dois critérios porque nós já sabemos que o direito de ação pode
ser exercido para a tutela de um direito ou para a defesa da legalidade e de interesse
público (artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2) e, portanto, se estivesse em causa a ilegalidade era o n.º
2, se estivesse em causa a lesão era o n.º1. E o conceito que é mais amplo não é o da
legalidade, é o da lesão porque, mesmo perante atos ineficazes (e, enfim, o Professor
Vasco Pereira da Silva já está a adiantar uma outra coisa, que veremos a seguir no artigo
54.º, que é a impugnação de um ato ineficaz, que afasta completamente a ideia da
executoriedade) é possível impugnar um ato que não produz qualquer efeito. Em que
termos? Desde que seja lesivo, ou seja, o critério amplo é o da lesão.
O que é que sucedeu aqui? Uma “birra de administrativista”. O Professor Sérvulo
Correia, membro da Comissão, era a única pessoa que dizia que o ato lesivo não é um
conceito ligado à impugnabilidade, [mas] é um conceito ligado à legitimidade. É uma
característica do autor ou do réu - não é uma característica do ato. O Professor Vasco
Pereira da Silva confessa que tem muitas dúvidas em perceber isto - aliás, [o Professor
Sérvulo Correia] é o único que diz isto – porque estamos a pensar num ato que lesa o
particular (o que lesa o particular é o ato). A qualidade do particular que vai recorrer é
ter sido lesado, mas uma coisa é o ato em si que lesa, outra coisa é a lesão que permite o
uso do Contencioso e, portanto, não há dúvida que isto é uma característica do ato (não

150
é, de forma alguma, uma característica da legitimidade). Mas, porque o Professor
Sérvulo Correia pertencia à Comissão de Reforma e, provavelmente, foi ele [o Professor
Sérvulo Correia] que redigiu estas normas, o artigo 55.º/n.º 1/a) é onde aparece a
referência ao ato lesado - é um artigo sobre legitimidade.
Ora bem, só que este desaparecimento não tem qualquer efeito útil porque, em primeiro
lugar, a Constituição estabelece a regra do ato lesivo; depois, o artigo 50.º fala na lesão
e fala no ato lesivo (o direito à reparação dos atos tem que ver com a lesão… isto está
aqui um pouco a latere, mas surge aqui a ideia de que a lesão está em causa), e a lesão é
necessária para distinguir as regras de legitimidade do 9.º/n.º 1 e do 9.º/n.º 2. E,
portanto, o legislador não afastou, nem poderia ter afastado, essa referência à lesão
porque não basta que o ato seja ilegal, é preciso que o ato lese um particular. [Por
exemplo], há uma ilegalidade a ocorrer em Freixo de Espada À Cinta: o particular não
pode impugnar porque não é parte legítima, mas também porque o ato não lhe afeta),
portanto há a dimensão da legitimidade, que é uma dimensão efetiva da lesão (que
determina o sujeito ativo), mas há a característica do ato que lesa e é em função dessa
dimensão que o particular vê negada ou pode ver negada a possibilidade de intervir.
E depois há, para além disso, outras manifestações. Por exemplo, temos esta norma do
artigo 51.º que é muito ampla (o Professor Vasco da Silva critica-a, mas é norma ampla,
e critica porque podia ainda ser um bocadinho mais ampla por ter lá o ato lesivo, mas
pronto, não o tem, mas é como se tivesse), mas o legislador, a seguir, dá uma
enumeração exemplificativa que é restrita; isto não vale nada, enfim, porque ele [o
legislador] diz “são, designadamente impugnáveis”, e não há dúvida que estes dois são
casos de atos impugnáveis, agora, ao reduzir apenas estes dois casos, e que têm caráter
restritivo, o legislador está a dar entender que são estes e que são apenas os com caráter
restritivo.
Quais são estas duas restrições?
a) “As decisões tomadas no âmbito de procedimentos administrativos sobre
questões que não possam ser de novo apreciadas em momento subsequente do
mesmo procedimento.”
Claro que sim, as questões deixam de poder ser apreciadas e esse ato procedimental
pode ser impugnado – é óbvio. O legislador não contraria a regra, mas deixa pairar a

151
ideia de que só neste caso e no outro é que isto vale. Não é - são “designadamente
impugnáveis” e, portanto vale a regra geral do 51.º/n.º 1.
O segundo caso:
b) “As decisões tomadas em relação a outros órgãos da mesma pessoa coletiva,
passíveis de comprometer as condições do exercício de competências legalmente
conferidas aos segundos […]”.
Pois, com certeza. Num procedimento complexo, em que participam vários órgãos, um
órgão deixou de participar, pois, é esse o momento adequado para impugnar aquela
decisão.
Ora bem, isto não alterou nada – manteve, reafirma o que está no 51.º/n.º 1 –
mas isto dá a entender que não é uma hipótese muito generalizada porque o legislador,
quando dá exemplos, quantos é que ele põe? Vinte, trinta, não é?
Outras normas abertas - a propósito dos pedidos, a propósito dos efeitos da sentença, o
legislador põe tudo (aquilo é ali a lógica do repete, do repete repete… está lá tudo);
aqui, só estão estes dois casos. O legislador está aqui, em termos psicanalíticos, a dizer:
“Bem estes é que são os casinhos, vejam lá se têm cuidado…” Não, os casos são os do
n.º1, esses é que definem o critério e, portanto, estas são regras.
Há, no entanto, uma única limitação, que o Professor Vasco Pereira da Silva não
gosta (mas que também não põe em causa a regra), e esta limitação tem a ver com o
seguinte: o legislador no n.º5 adota a regra que o Professor Vasco Pereira da Silva
considerava adequada que é a de dizer que o particular deve escolher, enquanto
estratégia processual, o momento mais adequado para atacar o ato administrativo, e esse
momento tanto pode ser o início do ato – o início do procedimento – como o meio,
como o fim. Portanto, há aqui uma escolha que o particular pode fazer.
O legislador diz isso no n.º 5 e para dizer isso é preciso duas coisas:
- É preciso que o particular que impugnou e que esperou pelo ato final não seja
prejudicado por causa disso e, portanto, diz-se, expressamente, que o particular pode
impugnar só o ato final e não é prejudicado por não ter impugnado os atos anteriores:
- Diz-se também que, [quanto ao] particular que impugna um ato inicial e um ato
intermédio, isso tem consequências nos atos futuros porque os outros atos não podem
ser praticados porque o ato foi afetado.

152
Mas o legislador diz aqui uma coisa que, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, introduz uma limitação ao conteúdo desta realidade, que é o estabelecimento de
um prazo - a ideia de que os atos iniciais ou os atos intermédios só podem ser
impugnados até ao fim do procedimento. Se o procedimento já foi terminado e já foi
praticado o ato final, o particular só pode impugnar o ato final. O Professor Vasco
Pereira da Silva não vê razão para isso; [o prazo] não põe em causa a norma, mas
também não há razão para isso - o particular deve escolher aquele momento que é
decisivo.
Suponhamos o simples exemplo: a abertura de um processo disciplinar. Em princípio, a
abertura de um processo disciplinar não é impugnável, mas suponhamos que está em
causa um procedimento disciplinar de natureza vindicativa na sequência de uma relação
complicada com aquele funcionário que tem um currículo invejável toda a sua vida e
diz-se “este senhor, que não tem dinheiro nenhum, que viveu à conta do erário
público… vamos abrir este procedimento disciplinar porque este senhor é suspeito de
corrupção.” Este é o momento que o [o particular] deixa abananado - não é o momento
posterior em que a Administração, eventualmente, decide que ele não tem razão. Aquilo
que o afeta é ter um procedimento disciplinar de corrupção - ele, que, durante quarenta
anos, trabalhou sem tirar um tostão, sem ter ajudas de custo, sem ter nenhum dos
benefícios inerentes à carreira (não tem dinheiro absolutamente nenhum) e apanha um
processo disciplinar por corrupção quando, ao lado, todos os outros estão a “meter a
mão na massa”… este ato é um ato inicial, à partida a abertura do procedimento não é
um ato impugnável, mas, neste caso, mediante as condições, ele deve ser impugnado
porque é um ato que afetou mais diretamente o particular. Portanto, o particular deve
escolher (deve ser uma escolha processual) qual é o momento do procedimento que o
afetou mais.
Depois, e só para terminarmos esta questão, aparece-nos aqui a questão da
irrelevância da forma do ato, que também corresponde ao que está na Constituição – o
ato, mesmo que esteja disfarçado de lei e outro regulamento, não deixa de ser ato
administrativo e pode ser impugnado.
Já vimos os atos confirmativos e o Professor Vasco Pereira da Silva tinha dito
que a executoriedade deixou de fazer sentido (já não corresponde ao Direito Português)

153
e, ao deixar de fazer sentido, o último resquício da executoriedade era, para o Professor
Freitas do Amaral (naquela anotação ao Manual do Professor Marcello Caetano), dizer
“bem, isso só pode ser entendido no sentido da eficácia ou ineficácia”. Ora bem, o
artigo 54.º diz, na sequência da alteração do ordenamento jurídico português, que a
impugnação do ato ineficaz é possível porque o ato ineficaz produzirá efeitos num outro
momento e é ilegal e, portanto, pode ser afastado. É afastado em que condições? Qual é
o pressuposto do ato? O ato ser lesivo – não basta aqui a ilegalidade, é em função da
lesão.

Aula de 21 de novembro Ana Catarina Silva, Catarina Vieira e Sofia


Padrão

154
Outras normas do CPTA relativas à ação de impugnação, sendo que é ele que tem uma
derrogação maior no quadro destas normas e as normas que respeitam a legitimidade.
Aquilo que o legislador vai fazer no artigo 55º do CPTA é enumerar de forma diferente
aquilo que já tinha estabelecido no artigo 9º. Ao fazer isto o legislador pode causar
equívocos, tal como o artigo 55º/2.
Nas diferentes alíneas do artigo 55º/1 aparece quem alegue ser titular de um interesse
direto e pessoal designadamente por ter sido lesado os seus direitos, ela está no nº1 por
outras palavras.
Depois aparece o Ministério Público que está no nº2.
Entidades públicas e privadas quanto aos direitos cujo interesse lhes incumbe defender,
isto corresponde à ação por defesa de diretos, quer no âmbito de entidades púbica quer
no âmbito de entidade privada e ao fazer referência a entidade pública já abrange o nº1.
Também órgãos administrativos relativamente aos atos praticados por outros órgãos da
mesma pessoa coletiva pública, relações interorgânicas, que são relações no quadro do
contencioso administrativo. Esta é a única norma que não encontramos outra igual.
Os presidentes de órgãos colegiais tem legitimidade em reação aos atos praticados pelos
seus inferiores. a norma do artigo 55º faz todo o sentido, uma vez que se o presidente do
órgão tem o dever de executar a norma, só pode fazê-lo se entender ser legais, sendo
que se não forem ilegais já não tem o dever de mandar executar.
Depois parece na alínea f) a referência à ação popular.
Tirando a alínea f) não há nada de novo em relação ao artigo 9º.
Mas o artigo 55º/2 causou alguma divergência porque qualquer eleitor no gozo dos seus
direitos civis e políticos pode permitido impugnar as decisões e deliberações adotadas
por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado,
assim como das entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam.
Esta norma está formulada de forma diferente, no entanto, esta formulação é exatamente
as mesma que estava no Código desde o início do século XX, redigida pelo professor
Marcelo Caetano. Esta norma foi acrescentada à última da hora, sendo que a sua
explicação é psicanalítica.
Depois parece uma última referência, que de acordo com o Professor Vasco Pereira da
Silva é de criticar, porque a sua razão de se não faz sentido. Diz que a intervenção do

155
interessado no procedimento em que tenha sido praticado o ato administrativo constitui
mera presunção de legitimidade para a sua impugnação. Esta ideia de que há uma mera
presunção de legitimidade não faz sentido, de acordo com o Professor. Porque não é
mera presunção, quem participou no procedimento tem um interesse em participar no
processo, tem legitimidade processual, não sendo necessário este artigo, o que está em
causa é a necessidade de aferir a legitimidade de forma diferente.
Depois há uma norma relativa à aceitação do ato. A primeira coisa que é preciso referir
é o facto de não se perceber o porquê de ela lá estar, sendo que o Professor Vasco
Pereira da Silva acha-a absurda. Este artigo (56º do CPTA) não é legitimidade. Não é
pelo facto de a ação ser executado que ele, o particular, fica sem o direito a intervir
judicialmente, isto não faz sentido no processo administrativo.
Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade
quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado. A aceitação tácita
deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de
impugnar.
Aceitar tacitamente é sentir a produção de efeitos na sua esfera jurídica, que ocorrem
automaticamente, logo não faz sentido ter que haver uma aceitação, de acordo com o
Professor Vasco Pereira da Silva.
Os efeitos produzem-se independentemente. Não faz sentido a aceitação expressa por
parte do particular. Nomeadamente no âmbito dos direitos fundamentais, tendo o prazo
de três meses para impugnar, pelo que se no decorrer deste prazo o particular nada fizer,
nada poderia ocorrer.
O princípio fiscal é o oposto: a regra do pagamento do imposto funciona da forma que o
particular paga os impostos e depois se quiser impugnar a decisão. Resulta da vontade
das partes, estas toma a decisão de querer impugnar, sem colocar em causa a
necessidade de pagar o imposto. Hoje em dia o próprio processo prevê a possibilidade
da falta de interesse no processo, designadamente nos processos no quaro da
impugnação.
No artigo 57º CPTA aparece uma norma, certa e bem formula que tem a ver com a
legitimidade e a figura do contrainteressado. O processo não é apenas unilateral, mas é

156
sobretudo uma pluralidade ou dualidade de interessados e contrainteressados. Esta
norma está correta, pacífica doutrinalmente.
Contrainteressado é o sujeito da relação jurídica processual, que esta em juízo para
defender o direito que o autor alega. Assim o particular defende a legalidade do ato
praticado pela administração. Intervém em todas fases do processo.
Temos depois uma norma muito saudável e que é de saudar por ter estabelecido as
situações de possibilidade de um prazo máximo de 1 ano nos casos de justo
impedimentos, que é a norma dos prazos para impugnação.
A norma dos prazos de impugnação (alargando o prazo geral para 3 meses e
estabelecendo um prazo máximo de 1 ano nos casos de justo impedimento) art. 58º/1 g)
CPTA. Isto significa que o verdadeiro prazo para o processo administrativo é de 1 ano,
apesar de depender da “aprovação” do juiz da justa causa, nos termos do direito
processual civil.
Isto significa que o verdadeiro caso não é o de três meses, mas sim o de 1 ano. Mesmo
dependendo de uma análise de juiz, mas tal como no processo civil estas causas são
quase sempre consideradas. Isto tem efeitos de superação de um tabu no universo
administrativo, devido ao contexto histórico da necessidade do carimbo dos correios
para contagem dos prazos no âmbito dos processos administrativos.
Esta norma também é importante porque tem de ser conjugada com o art. 38º CPTA,
que foi feita, na visão do Prof. Vasco Pereira da Silva, utilizando o esquema do partido
escolhido pelo professor, sobre a necessidade de saber se o prazo de 1 ano tinha uma
eficácia sanatória dos atos administrativos, ou seja, se para além de um ano, aquele ato
podia ou não continuar a ser.
Nos anos 70 havia uma disposição administrativa a dizer que qualquer funcionário
público que adira à greve, faltando ao serviço, teria uma sanção disciplinar. A maior
parte das pessoas nem se apercebiam que tinham tido essa sanção disciplinar. Mesmo
que estivessem doente e tivessem apresentado atestado médico, bastava não se terem
apresentado ao serviço para haver essa sanção. Os particulares afetados descobriam isso
anos depois quando iam pedir a reforma. E portanto, terem uma sanção disciplinar
contra a qual não reagiram não podia ter eficácia definitiva e tinha que ser impugnada.

157
O Professor teorizou na altura contra o efeito sancionatório e contra a lógica do caso
decidido. O caso decidido era algo defendido pelo Professor Marcello caetano, era uma
figura concebida como o caso julgado - dizia-se que ao fim do prazo máximo de um
ano, ninguém mais poderia impugnar o ato.
O ato nulo sana-se por decurso do prazo, mas esta sanação não faz sentido tal como não
faz sentido falar em caso decidido como forma própria de estabilidade dos atos
administrativos porque a administração não é o tribunal.
Para além disto, não é o decurso do prazo que torna um ato ilegal em ilegal. Mesmo que
não fosse impugnado, não se transformava ilegal.
No processo civil, em relação a uma sentença injusta que não pode ser impugnada, não
se pode dizer que se sana. Continua a ser ilegal, mas não pode ser impugnada por razões
de certeza e segurança, não é por questões de justiça.
O Professor defendeu então que mesmo quando um ato se tornava impugnável, poderia
continuar a ser impugnado ainda que não nos mesmos termos que antes. Na discussão
que foi tida com Vieira de Andrade, o professor entende que esta ideia de milagre pelo
decurso do prazo é um disparate e por isso argumenta que o legislador diz e bem no
artigo 38º CPTA, "os casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no
domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o
tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que
já não possa ser impugnado" - atenção não pode ir a T pedir a impugnação mas pode
dizer
Não pode reagir diretamente contra o ato, pode pedir a simples apreciação da declaração
de um direito.
O Professor diz ainda que a única coisa que o baralha no preceito é a expressão
"designadamente a responsabilidade civil", com a qual não concorda - designadamente é
um exemplo, e a responsabilidade civil era um bom exemplo porque quem não tivesse
impugnado o ato não podia pedir a ação de responsabilidade e hoje pode - hoje quem é
afetado pelo ato administrativo pode receber uma indemnização.
O legislador entre os pressupostos também autonomizou e bem o pressuposto do
interesse processual, que antes não tinha autonomia, nos séculos XVIII e XIX a
legitimidade era aferida por um interesse fático e não jurídico, não fazia sentido alegar

158
legitimidade/alegar o interesse porque este porque estava incluída na legitimidade. A
partir deste momento, o interesse em agir vai ganhar autonomia, o interesse direto é para
determinar a tutela de um direito.
Ter ou não interesse em agir é um interesse processual autónomo. Aplica-se a todas as
formas de processo. Ao ser isto assim, aquele pressuposto da aceitação caso pudesse
funcionar, ele corresponderia não a um pressuposto suis generis mas sim da falta de
interesse processual.
Passamos a outra modalidade, a que o legislador chama forma de processo:
Condenação à prática do ato devido: é uma inovação revolucionária no processo
administrativo.
O juiz no domínio do poder e dos atos e regulamentos não podia condenar nem dar
ordens - fazê-lo era violar o princípio da separação de poderes. Esta realidade vai ser
afastada no quadro do novo modelo da justiça administrativa: este artigo e esta ação têm
a maior amplitude possível como resulta deste artigo 66º. No contencioso francês tinha
surgido a ficção do ato tácito, que servia para reagir contra omissões da administração,
quando a administração não dizia nada, fingia-se que tinha praticado o ato
administrativo, o particular fingia que ia impugnar o ato, o juiz fingia também, depois
fingia-se que o ato era violado e depois na consequência destas ficções, que o particular
tinha direito a que a administração praticasse o ato. É tanta ficção vai além da própria
lógica do Fernando pessoa e do poeta fingidor. O fingimento era total que não
funcionava. O que vai surgir no direito alemão do pós-guerra é uma ação que permite
por um lado permite reagir, através dos atos tácitos de indeferimento: sempre que a
administração indeferir, o meio processual é a ação de condenação. Isto quer dizer que o
particular deve usar a ação de condenação.
O particular deve usar ação a ação de condenação mesmo quando o ato de
indeferimento trata de uma delegação parcial do pedido, o legislador vem dizer que o
particular deve usar na mesma uma ação de condenação. Isto é um extraordinário feito,
pelo legislador em 2004, que ultrapassa e supera o tabu da separação de poderes.

159
Aula dia 23 de novembro Adriana Duque & Bruna Cavaco

Tínhamos começado na aula passada a falar da ação de condenação depois de temos


acabado a matéria da ação de impugnação. Chama-se assim porque apesar de o
legislador ter unificado as diferentes formas de processo, estas funcionam como
verdadeiras e próprias ações. A ação de condenação é uma nova modalidade de ação, é
revolucionária em face do Contencioso Administrativo, porque agora admite-se
expressamente que contra um ato administrativo, contra a Administração seja possivel
deduzir pedido de condenação no domínio do seu poder. Antes, o princípio da separação
de poderes impedia a condenação da administração no domínio do poder, e este
princípio era afirmado, como princípio essencial do processo administrativo. Agora
verificamos que o princípio se transformou e que hoje é entendido apenas no sentido de
que o tribunal não pode substituir-se à Administração, não pode praticar atos
administrativos, tal como a Administração não pode emitir sentenças, mas não o impede
de condenar a Administração a fazer aquilo que ela devia ter feito, que é o
reconhecimento do direito do particular.
Em rigor, se pensarmos bem há aqui pelo menos dois direitos do particular: a obter uma
resposta (condenação em relação a um ato omitido); pode haver também um direito a
uma conduta favorável, com conteúdo favorável ao particular. Em rigor, o particular
pode alegar estes dois direitos distintos. O primeiro só quando estivermos perante uma
omissão; o segundo, querendo um ato que favoreça a sua pretensão jurídico-material. O
legislador, na perspetiva do Professor bem, tomou como exemplo o modelo alemão
adotando um modelo de condenação verdadeiramente ampliado. Tem a ver com: no
artigo 66.º se dizer que a ação de condenação se destina a obter o cumprimento do
direito que tem lugar perante um ato administrativo ilegalmente omitido (porque a
Administração tem o dever legal de responder) ou recusado (direito de ver satisfeito a
sua pretensão que foi ofendido pela recusa expressa de praticar um ato com conteúdo
favorável). O legislador diz que este segundo tem a ver com o cumprimento integral
daquilo que o particular pretende. Pode ser uma rejeição parcial da pretensão do
particular.

160
Por exemplo: o particular pede uma bolsa de 5 mil €, a Administração só atribui 2 mil €,
o pedido foi parcialmente cumprido, não houve cumprimento integral. O particular pode
usar a ação de condenação do pedido que foi parcialmente cumprido.
No direito alemão, como era também no direito português, até 2004, dizia-se que quer
num caso quer no outro, nos casos de recusa parcial ou total, o meio processual indicado
era sempre a ação de condenação. O legislador de 2015, introduziu aqui, no entanto,
mais uma limitação que o Professor não concorda porque põe em causa a natureza do
sistema: diz-se no nº 3 (quando estiver em causa um ato positivo em parte e negativo em
parte) que há uma opção entre ação de condenação e a ação de impugnação. O Professor
achava a solução de antes, de não haver nenhum, mais adequada.
Entre nós houve uma discussão com o Professor Mário Aroso Almeida, porque ele
entendia que em determinados casos, de relações jurídicas continuadas, que era possível
conceber que em vez de condenar, o particular podia pedir a anulação.
O Professor Regente não vê argumento para solução dessas, se há relação continuada o
mecanismo adequado deve ser a ação de condenação.
O legislador vem aqui abrir uma porta, o que causa ao Professor alguma estranheza. O
legislador mesmo que tenha tido na sua vida pessoal situações que não considera
agradáveis não deve aproveitar o facto de ser legislador para se “vingar”. Não acha bem
resolver problemas pela via legislativa. Para o Professor também nestes casos devia ser
usada sempre a ação de condenação, mas o nº3 permite que seja uma ou outra. Não é
necessário, não é adequado porque este é um mecanismo específico.
Mas há uma coisa que aparece aqui e essa o legislador não alterou, e é a solução
constante do direito alemão, que o Professor acha que é correta, mas vai ter
consequências que o legislador não ponderou, nomeadamente em sede de legitimidade.
Porque no nº2 do artigo 66.º diz que “Ainda que a prática do ato devido tenha sido
expressamente recusada, (haja um ato administrativo de conteúdo negativo,) o objeto do
processo é a pretensão do interessado (o direito) e não o ato de indeferimento”.
É uma ação imprópria, não se deve debruçar sobre um ato administrativo que não é
objeto da sentença; deve ter por objeto o direito do particular, condenando a
Administração que não tem em caso algum de se preocupar com o ato administrativo. É
destinado à tutela completa do direito dos particulares.

161
Direito a obter uma resposta tem apenas uma proteção instrumental. Este argumento o
Professor usou para criticar a primeira tentativa de caracterizar esta ação como sendo
uma ação de impugnação com uns “pozinhos a mais.”
O Professor considera que era uma visão à luz da lei anterior, que previa que tinha de
haver sempre impugnação; já não é necessária porque o ato administrativo desparece da
ordem jurídica a partir da condenação.
Se esta ação, diferentemente das outras tem apenas por objeto a determinação do direito
e a cominação da condenação da Administração significa que a legitimidade que aqui
devia existir devia ser meramente subjetiva. o Professor entende que quando o artigo
73.º prevê que ao lado da ação jurídico-subjetiva aparece também a ação pública e
popular esta ação não tem objeto e é fisicamente impossível, porque o objeto da ação é
sempre o direito. Isso significa que o legislador no artigo 72.º está a admitir uma ação
porque os defensores destas ações atuam no âmbito do interesse publico. É preciso fazer
uma interpretação corretiva; o objeto da ação não existe é física ou legalmente
impossível.
O artigo 67.º ocupa se dos pressupostos processuais desta, modalidade de ação
estabelecendo as características especificas desta ação que se não existirem devem
conduzir à absolvição da instância.
Quando no artigo 67.º o legislador os define, relativos à realidade que permite o uso
deste meio processual, em termos da lógica do artigo 66.º e nos termos de dar uma
satisfação a um direito material do particular. Diz-se em sentido amplo que pode ser
pedida quando tendo sido apresentado requerimento que tenha constituído o órgão no
dever de decidir, não tenha sido proferido decisão dentro do prazo, e tenha sido
praticado ato administrativo de indeferimento ou recusa de apreciação do requerimento
e quando tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não
satisfação integralmente a pretensão do particular.
Quando não estava lá o n.º 3, o que resultava da combinação do 66.º com 67.º era que a
forma adequada era o processo de condenação, mas agora temos essa alternativa. No
n.º1 são definidos de forma ampla os casos em que se pode considerar que a
Administração indeferiu o pedido do particular. As situações não são iguais porque
numa não há ato nas outras há uma recusa.

162
Depois diz-se no n.º 2, é um outro argumento para a ação jurídico subjetiva, aquilo que
releva é o direito do particular, não interessa saber se houve ou não ato administrativo e
se a competência foi corretamente exercida. Quando dirigida a órgão incompetente, e
este não remeter ao competente a inercia é imputada ao seguinte, continua a ser válida a
condenação da Administração.
É devido ao facto de isto não ter sido percebido bem, que surgiram equívocos na
doutrina portuguesa; destina-se ao direito do particular, o direito de obter decisão é
instrumental. A lógica do processo é mais ampla do que aquela que corresponderia a
uma lógica de ser uma ação de impugnação com mais particularidades.
O n.º 4 ainda vai mais longe porque admite se que mesmo nestes casos de uma
condenação para um ato administrativo devido em que o pressuposto é a apresentação
de requerimento, também quando n foi apresentado se admite a propositura da ação de
condenação.
O Professor acha que deve ser interpretado em sentido amplo “lei” senão não faz
sentido.
Isto mostra como o legislador toma uma opção por construir um esquema de proteção
dos direitos materiais do particular atribuídos pela lei (lei no sentido amplo,
Ordenamento Jurídico no seu conjunto) e, portanto, o que está aqui em causa é esta
tutela jurídico-material. O direito alemão afirmava de forma nítida; o português também
o faz, mas alguns desenvolvimentos doutrinários não partem dessa proposição que o
Professor considera criticáveis.
Dado que se destina à tutela de dto substantivo n faz sentido ação publica nem ação
popular.
Legitimidade: “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente
protegido”; O Ministério Público não faz sentido nenhum, porque é um defensor da
legalidade e interesse público, o MP nem sequer defende direitos fundamentais, os
interesses público especialmente relevantes também não valem.
Antes de estar consagrado, na “reforminha” de 2015, o Professor já defendia que o MP
não devia ter legitimidade, o objeto é impossível e deve haver absolvição.

163
Quando à alínea c) não há problema porque é uma relação substantiva, e estando um
órgão contra outro temos dois direitos substantivos em disputa e faz todo o sentido
terem legitimidade para propor a ação.
As outras alíneas são modalidades de forma objetiva, portanto não deviam ter
legitimidade para o Professor porque não têm direitos. A ação de condenação não é o
mecanismo processual adequado porque é destinado à defesa de direitos.
Relativamente aos prazos segue-se o modelo da ação de impugnação, artigo 69.º “Em
situações de inércia da Administração, o direito de ação caduca num prazo de um ano” -
como está em causa uma omissão o prazo é mais longo. Se não reagir, o legislador
entende que não tem direito. O Professor acha que parece caducidade, mas aqui é só de
propor a ação com este meio processual; o direito material não caduca, mas o particular
não está impedido de ir a tribunal pedir a título acidental o reconhecimento do seu
direito.
Os poderes de pronúncia do tribunal, o legislador atribui uma amplitude total aos
poderes, o juiz pode mesmo apreciar poderes vinculados, discricionários.
No n.º 1 diz-se “(…) o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão
administrativo competente anulando ou declarando nulo o eventual ato de
indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado”, sendo
relevante a pretensão material do particular, não se faz referência ao afastamento da
ilegalidade.
Diz-se que adotando um mecanismo que vem do direito alemão, “discricionariedade
reduzida a zero” do direito alemão, quando a lei está formulada para permitir o
exercício de poderes discricionários a par do exercício vinculado, mas só havendo uma
solução legalmente possivel, há uma discricionariedade reduzida a 0 e é como se
houvesse uma integral vinculação.
Mais importante é o n.º3 que permite o controlo do poder discricionário, MAA que
considerava que só a modalidade reduzida a 0 é que permitia o controlo; depois de 2015
admite que também aqui o juiz possa controlar o poder discricionário.
Artigo 71.º n.º3 CPTA - “ não é possivel determinar o seu conteúdo”(por ser
discricionário), mesmo nestes casos o juízes não se ficam por uma apreciação formal de:

164
“tem direito ao ato” mas deve apreciar todos os parâmetros dessa discricionariedade
definindo como a Administração deve atuar.

Aula de dia 28 de novembro de 2022 Beatriz Teixeira & Carolina Veiga Henriques
Impugnação de normas e condenação à impugnação de normas
Primeiro que tudo é preciso entender que há um ponto de convergência entre
impugnação de normas e de impugnação de actos administrativos.
No regime anterior, pré-reforma do processo dos Tribunais Administrativos,
existia a possibilidade de impugnação de normas através do recurso contencioso de
anulação. Depois da reforma de 2003/ 2004 previu-se a possibilidade de haver uma
situação em que havia uma accção administrativa especial destinada à impugnação das
actuações unilaterais da administração, correspondendo exactamente aos pedidos de
impugnação de actos administrativos e de impugnação de normas.
Na verdade, depois de 2015, houve uma alteação ao CPTA em que se acabou
com a distinção entre acção administrativa especial e acção administrativa comum.
Esta matéria encontra-se regulada nos artigos 72.º a 77.º do CPTA. Na verdade,
podemos dizer que aquilo que acaba por estar regulado é a possibilidade de impugnação
directa de normas administrativas lesivas com eficácia externa, temos de conjugar este
regime com o Código de Procedimento Administrativo.
O CPA veio, em 2015, fazer a distinção entre regulamentos administrativos com
eficácia interna e com eficácia externa e actos administrativos com ou sem eficácia
externa. Esta forma de impugnação decorre da CRP, nos termos do artigo 268.º/5, que
consagra expressamente a possibilidade de impugnação de normas administrativas com
eficácia externa.

165
Antes o CPTA tinha um regime que era uma confusão, hoje a lógica é diferente.
O CPTA agora visa a uniformização do regime de impugnação das normas
administrativas, ou seja, hoje todas e quaisquer normas administrativas,
independentemente da sua origem, sejam normas emanadas do Estado, sejam normas de
uma região autónoma, têm o mesmo regime de impugnação, que é o que está hoje
regulado nestes artigos 72.º e seguintes.
Ora bem, mas como se faz a impugnação das normas? Temos uma impugnação
directa das normas ou uma impugnação por via incidental ou por via de excepção.
Começando pela impugnação directa das normas, basicamente o requerente pode
formular um de dois pedidos: um pedido de declaração de ilegalidade com força
obrigatória e geral, ou um pedido com efeitos circunscritos ao caso concreto, o
particular invoca uma lesão e essa lesão leva a que haja uma desaplicação da norma ao
caso concreto.
Mas, para além de uma impugnação a título principal, ou seja, em que
fundamentalmente o pedido apresentado na acção é um pedido de impugnação da
norma, pode acontecer uma outra possibilidade que é uma impugnação a título
incidental. O que é que isto quer dizer? Uma impugnação a título incidental significa
que, embora não seja essa a pretensão principal que é deduzida em juízo, a verdade é
que quando também se requere a título de incidente, convoca-se um problema
relacionado com a ilegalidade das normas. Tal acontece quando, por exemplo, se
impugna um acto administrativo e, a título incidental, se invoca que o acto
administrativo se baseia numa norma inválida, logo, o particular acaba por deduzir uma
excepção de ilegalidade.
Naturalmente, o que é que nós temos nesta situação? Temos um juízo de
legalidade circunscrito aquele caso concreto porque se o tribunal afirmar que o
particular te razão, então temos a invalidade de um acto administrativo. Depois, o acto
administrativo ser inválido porque defraudou o conteúdo de uma norma é uma coisa, se
o ato administrativo é inválido porque a a norma é ela própria inválida é outra coisa.
Agora naturalmente o que interessa aqui é que na verdade, nesta situação em que há um
pedido deduzido a título de excepção, deixa de se aplicar ao caso concreto aquela
norma, mas isso não significa a sua eliminação do ordenamento jurídico. As normas

166
administrativas em questão continuam a vigorar, simplesmente não são aplicadas
naquele caso concreto.
Hoje esta possibilidade de um pedido de existência de um pedido de excepçao
em que se invoca a ilegalidade da norma é relativamente excepcional, por uma razão
muito simples: é que hoje, e face ao artigo 4.º do CPTA que consagra a livre
amovibilidade dos pedidos, é possível requerer logo a declaração de anulação do acto
administrativo e a sua desaplicação no caso concreto ou uma declaração de ilegalidade
com força obrigatória geral da norma. Isto significa que o que particular normalmente
faz, é a apresentação de uma acção em que cumula vários pedidos.
Dito isto vamos analisar o regime da impugnação das normas e a primeira coisa
que é preciso perceber é em que é que consiste a referência no âmbito do artigo 72.º a
“normas de direito administrativo” para efeito de normas emanadas ao abrigo de
disposições de direito administrativo. Nem sempre é fácil dizer, não há propriamente
um trailer a dizer o que é uma norma de direito administrativo, tem de ser o intérprete
verificar se isso assim acontece. Fundamentalmente, para que nós tenhamos uma norma
de direito administrativo temos de ter essencialmente normas emanadas por um órgão
de direito administrativo. Por exemplo, um regulamento de um condomínio é privado,
porque emana de entidades privadas e não se destina à prossecução de interesse público.
Quem pode aprovar estas normas de direito administrativo? Podem ser entidades
públicas, mas também podem ser entidades privadas, por exemplo, um concessionário
de serviço público que é uma entidade privada que exerce a função administrativa e que
pode emitir regulamentos susceptíveis de impugnação contenciosa nos tribunais
administrativos. Por exemplo, um regulamento de funcionamento de uma autoestrada.
Onde existe mais dúvidas é em tentar saber o que é um acto administrativo,
porque não há propriamente um consenso na doutrina. Assim, normalmente imputa-se
duas características fundamentais: a generalidade, ou seja, tem de se aplicar a um
número indeterminado de pessoas, e a abstração, ou seja, a aplicação a um número
indeterminado de casos.
Há um critério elaborado por um grande jurista que tem a ver com o conceito de
classe aberta e classe fechada. Sempre que tenhamos uma classe aberta temos uma
norma, quando temos uma classe fechada não temos uma norma. Por exemplo, se

167
tivermos uma ordem para dispersão de manifestantes, à partida é individual e concreto,
porque se destina àqueles manifestantes, naquele dia, naquele local em concreto. Ou,
por exemplo, se há uma ordem para incorporação no exército dos homens com idade
superiores a 18 anos, esta ordem pode ser um grupo de destinatários determináveis, mas
é duvidoso.
No fundo, um contencioso de normas é um contencioso que pressupõe que exista
um acto normativo caracterizado pela sua generalidade.
O conceito de lesividade é um conceito muito importante para efeitos de
impugnação de actos administrativos e também para efeitos de impugnação de normas.
Se olharmos para o artigo 73.º, ele acaba por ter uma referência directa ao conceito de
lesividade: o que seja directamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir a
sê-lo. Também na impugnação de actos administrativos é possível impugnar os actos
que gerem uma lesão nos seus destinatários, ou possam vir a gerar essa lesão no
destinatário.
Outro aspecto importante é que a impugnação apenas se verifica quanto a
normas com eficácia externa, fica excluída a impugnação de normas com eficácia
interna, às vezes é difícil distinguir normas com eficácia interna e externa. Nós podemos
ter na verdade alguns tipos de regulamentos internos que são susceptíveis de
regulamentação contenciosa. Por exemplo, os regulamentos de organização, que são os
regimentos dos órgãos colegiais, que disciplina a sua forma de atuação, reuniões, etc.
Outro exemplo, são os regulamentos de direcção; no âmbito da administração pública
há orientações que são dadas e, por exemplo, imaginem que há uma situação em que o
chefe da divisão académica emite uma instrução sobre o modo como os funcionários
devem utilizar as fotocopiadoras, tem como destinatário apenas os trabalhadores
daquele superior hierárquico. Fica, assim, excluída a possibilidade de impugnação de
normas com eficácia interna.
Quais são os vícios que podem ser imputados a um regulamento e que geram a
sua invalidade?
Há um conjunto de vícios que são iguais aos do acto administrativo, por
exemplo, a incompetência do autor da norma, absoluta ou relativa; um vício de forma.
Podemos ter vícios respeitantes ao conteúdo quando temos situações em que há

168
regulamentos que contemplam directamente leis, mas também pode haver situações em
que há regulamentos hierarquicamente inferiores a outros regulamentos e aí também há
um vício respeitante ao conteúdo do regulamento. O que têm em comum é que são
vícios respeitantes à validade do próprio regulamento.
Outra situação está expressamente prevista no artigo 72.º/2 parte final que é a
possibilidade de haver invalidade dos actos praticados no âmbito do processo de
impugnação: isto quer dizer que no final do procedimento nós temos uma norma, mas
ao longo de aprovação ou reprovação do regulamento vão ser praticados vários actos
administrativos. O que é que acontece? Se houver um fundamento de invalidade de
algum acto administrativo praticado durante o processo de impugnação do regulamento,
esse fundamento de invalidade vai necessariamente contaminar a validade do
regulamento. Se, por exemplo, houver uma lei que estabelece que no âmbito da
formação do regulamento tem de ser emitido um parecer por uma fonte externa e não
for emitido esse parecer, então há uma preterição de uma formalidade essencial que leva
a um vício de forma, o que vai necessariamente levar à invalidade da norma.
Nós podemos ter vícios próprios das normas, mas podemos também ter vícios
que, por exemplo, ao longo do seu procedimento de formação tivemos uma situação em
que o próprio acto praticado pelo procedimento é um acto inválido. E isso
evidentemente contamina ou inquina a validade da norma.
Bom, um outro aspeto para o qual queria chamar a vossa atenção tem que ver
com o disposto no art. 72.º/2 do CPTA, e este artigo obriga a repescar aqui alguns
conceitos de Justiça Constitucional ou de Direito Processual Constitucional que são
seguramente vossos conhecidos e que tem que ver com a competência do Tribunal
Constitucional para a fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade. Como
sabem o Tribunal Constitucional não aprecia apenas a inconstitucionalidade de normas,
mas também a ilegalidade com força obrigatória geral em determinadas situações,
sobretudo quando está em causa uma situação que exige que uma norma, que até pode
ser uma norma constante de uma lei que viola uma lei de valor reforçado, por exemplo.
Aí, no fundo, há uma situação de ilegalidade pois há uma desconformidade com uma lei
de valor reforçado. Ora bem, o que é que resulta do art. 72.º/2 CPTA? O que resulta
aqui expressamente é a impossibilidade de se invocar uma inconstitucionalidade direta

169
de uma norma regulamentar, inconstitucionalidade direta é no fundo apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
Depois pode haver igualmente excluído de acordo com o art. 72.º/2 do CPTA,
encontra-se aquela situação de nulidade de normas constantes de diploma regional,
com base, por exemplo, em violação do estatuto jurídico-administrativo de uma Região
Autónoma. Aqui o que temos é algo que se encontra, à partida excluído da competência
dos Tribunais Administrativos. Ora, os Tribunais Administrativos não são competentes
nesta matéria, quem é competente nesta matéria é penas o Tribunal Constitucional.
Bom passando agora verdadeiramente ao regime que é essencialmente o regime
que se prende com o disposto no art. 73.º e ss. e com, no fundo, a pretensão de que pode
ser deduzido no Tribunal Administrativo quando se pretende discutir a validade de
normas. O modelo que temos consagrado no CPTA é um modelo fundamentalmente
dicotómico, em que o legislador distinguiu consoante se trate de normas imediatamente
operativas e normas não imediatamente operativas. No regime das normas nos números
1 e 2 do art 73.º. e ss. e pelo contrário se tratar de normas não imediatamente terão de
atentar para o n.º 3 do art. 73.º. Bom, aqui no fundo coloca-se a questão de saber o que
são normas imediatamente operativas e normas imediatamente não operativas. Eu diria,
sem preocupação de exaustividade, diria alguns exemplos, quaisquer normas em que se
imponham restrições diretas a direitos dos particulares são normas que, na minha
opinião, são normas imediatamente operativas. Por exemplo, normas que estabelecem
restrições ao direito de propriedade, normas que estabelecem restrições a outros direitos
como, sei lá, o exercício da atividade económica, essas normas são normas
imediatamente operativas. Do mesmo modo que são normas imediatamente operativas
aquelas que fixam tarifas ou taxas, por exemplo, no âmbito do Regulamento de
Avaliação da Faculdade de Direito que vos é aplicável, uma norma que estabeleça, por
exemplo, uma taxa de inscrição num exame é uma norma imediatamente operativa, ela
não precisa de um ato externo para ser objeto de impugnação. Pode, no entanto,
acontecer que existam normas que não sejam imediatamente operativas e isso acontece
sobretudo naquelas situações em que há regulamentos cuja aplicação dependa de um
outro ato administrativo ou de outro regulamento. É o caso de normas emanadas de
regulamentos do Estado cuja aplicação concreta aos cidadãos depende da sua

170
concretização através de regulamento municipal e, nessa situação o que nós temos é que
esses regulamentos estaduais não são imediatamente operativos e acabam por ter uma
eficácia dependente de outros regulamentos. Nestas situações o regime aplicável há de
ser o regime do art. 73.º, n.º 2.
Bom, vamos agora ver a questão da legitimidade. A propósito da legitimidade o
CPTA tem uma disposição de caráter geral que consta do art. 9.º e depois tem
disposições respeitantes à legitimidade ativa e respeitantes a cada pretensão em concreto
que pode ser deduzida em juízo. Olhando aqui para o art. 73.º em termos de
legitimidade, o legislador consagrou isto em termos amplos, aqueles que são
diretamente titulares de um direitos subjetivos podem impugnar uma norma. Mas existe
igualmente, através da ação popular, a possibilidade de impugnar a norma, ou seja, o
titular de um interesse difuso ou para defesa de bens da administração, tem legitimidade
ativa para impugnar uma norma, assim como o Ministério Público tem legitimidade
ativa. Naturalmente, no caso dos particulares, nós temos o critério da legitimidade para
os particulares que é um critério que se afere tendo em conta a lesividade da norma; o
particular tem legitimidade ativa para requerer a anulabilidade com força obrigatória
geral sempre que já foi afetada a sua esfera jurídica ou também quando existe uma
ameaça séria na sua esfera jurídica. Portanto, a legitimidade dos particulares,
fundamentalmente, afere-se nestes termos. Se olharem para o art. 73.º, o artigo tem no
fundo aqui esta consagração em termos relativamente amplos e não é propriamente
muito diferente daquilo que já estudaram a nível da legitimidade ativa por impugnação
de atos administrativos.
Permitam-me também dizer, que quando se trata pedidos de declaração de
nulidade de força obrigatória geral, no âmbito da ação popular, tanto está prevista a ação
popular corretiva, basta ver quando se faz menção na alínea d) do art. 73.º às entidades,
nos termos do n.º 2 do art. 9.º, como também podemos ter uma situação que cabe na
chamada ação popular corretiva e tem que ver com a menção na alínea d) do art. 73.º/1,
das pessoas referidas no n.º 1 do art. 75.º. Isto é algo que ficou na legislação processual
por influência do CPA.
Ora bem, permitam-me dizer que este regime de declaração de ilegalidade com
força obrigatória geral de normas administrativas é um regime de grande medida

171
decalcado do regime com força obrigatória geral e encontram uma consagração disso
mesmo no n.º 4 do art. 73.º, quando se afirma que “O Ministério Público tem o dever de
pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha
conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua
ilegalidade, bem como de recorrer das decisões de primeira instância que declarem a
ilegalidade com força obrigatória geral.”. No fundo, o Ministério Público tem o dever de
suscitar até por uma questão de segurança e paz jurídica esta declaração de ilegalidade
com força obrigatória geral.
Ora bem, avançando agora no regime, coloca-se agora a questão de saber qual é
o prazo para intentar uma ação de impugnação de normas administrativas e aqui é
importante ter presente que o que na verdade acontece é que quando se trata do regime
da invalidade das normas administrativas, este regime da invalidade é
fundamentalmente um regime de nulidade não de anulabilidade e isso mesmo resulta da
previsão do art. 74.º/1 quando diz que se pode requerer a nulidade a “(…) a todo o
tempo.” Isso é tipicamente característico, como sabem, do regime da nulidade.
Acontece que o art. 74.º tem o n.º 2 e este número tem a ver com situação respeitante às
chamadas ilegalidades formais ou procedimentais. O legislador vem prever o regime de
impugnação. O que aqui se estabeleceu foi um prazo de 6 meses o que significa que
decorrido este prazo, caduca o direito de requerer a invalidade da norma, ou seja,
basicamente o que nos temos é uma situação em que o legislador considerou, se
quiserem assim, que há "vícios de primeira" e “vícios de segunda". Os vícios
respeitantes ao conteúdo, que podem ser suscitados a todo o tempo nos termos do art.
74.º/1, e os vícios de natureza formal ou procedimental, que apenas podem ser
suscitados num período mais curto, de 6 meses. Um única exceção respeitante aos
vícios de natureza formal ou procedimental tem que ver com os vícios em que está em
causa é garantir a participação na formação das normas, nomeadamente, ao nível da
chamada consulta pública.
Bom, outro aspeto importante a respeito do regime da impugnação de normas
tem a ver com a matéria que está regulada no art. 75.º e que se prende com o saber se o
juiz está limitado ou se, pelo contrário, o juiz tem mais poderes de cognição do que
aqueles que resultam do invocado pelo autor; basicamente, se tiverem sido imputados

172
vários vícios ao regulamento, se o juiz está limitado pelos vícios imputados pelo autor
ou se o juiz pode descobrir novos vícios. Aqui a resposta é, obviamente, uma resposta
afirmativa no sentido em que se tivermos presente que sobretudo na declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral há um forma de impugnação do ordenamento
jurídico de normas inválidas, faz todo o sentido que o juiz não esteja limitado ao dito
pelas partes. Basicamente o que nós temos aqui é uma situação em que o que existe é a
possibilidade de o Tribunal ir além daquilo que foram os fundamentos, mas quando se
diz ir além não significa que o Tribunal vá andar a descobrir novos fatos, é uma
investigação meramente normativa de existência de vícios da norma. A matéria de facto
acaba por ser definida pela forma como o autor apresenta a petição inicial.
Bom, questão bastante interessante é a que se prende com os efeitos da
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. No art. 76.º encontram-se muitas
parecenças com o regime da inconstitucionalidade com força obrigatória geral, com
aquela situação que está regulada no art. 282.º CRP. Na circunstância da declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral de uma norma ter eficácia retroativa, verificam-
se efeitos ex tunc que destroem o que está por trás e, portanto, essa medida vai ter
efeitos desde o momento em que foi aprovada. Mas à semelhança do que se passa da
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, também aqui o
legislador previu a possibilidade de se regular os efeitos. O que é que isto quer dizer?
Há determinadas situações que podem ser salvaguardas e que não são afetadas por uma
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. Desde logo, a retroatividade não
afeta os casos julgados, e reparem que o caso julgado tem muito a ver com a segurança
jurídica; não afeta também os atos administrativos que entretanto se tenham tornados
inimpugnáveis e, portanto, se houver um ato administrativo adotado em execução de
uma norma, naturalmente esse ato administrativo não pode ser posto em causa só
porque a norma foi declarada ilegal. Imaginem que, com base numa norma que é
posteriormente considerada ilegal é emitida uma licença administrativa - não se pode
pôr em causa essa licença administrativa.
Permitam-me dizer igualmente que há aqui uma ponderação nos termos do art.
76.º/2, o legislador refere se a situações correspondentes ao "trânsito em julgado da
sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de

173
excecional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem.", reparem no fundo isto
significa que o legislador manda o tribunal fazer uma apreciação de forma a que não
sejam postas em causa estas situações.
Outra possibilidade tem a ver com aqueles casos em que estão em causa
sobretudo normas correspondentes a sanções sancionatórias da Administração. Se
olharem para o n.º 3 do art. 76.º, diz assim: "(...) a aplicação do disposto no número
anterior não prejudica a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma na esfera
jurídica do autor.", ou seja, isto está pensado sobretudo para aquelas situações em que
há uma norma sancionatória mais favorável que evidentemente deve prevalecer por ser
mais recente e mais favorável. O art. 76.º consagra a regra da repristinação da norma
mais favoráel. A repristinação neste âmbito pode significar a represtinação de uma
norma revogada há 20 ou 30 anos, ou até há mais tempo. E essa norma pode encontrar-
se completamente desfasada daquilo que é a realidade atual. O legislador preferiu existir
regulação jurídica baseada numa norma datada do que não regular a situação.
Naquilo que diz respeito à possibilidade da condenação encontramos um
paralelismo com a inconstitucionalidade por omissão, assim como ser requerido ao
Tribunal Constitucional que verifique uma situação de inconstitucionalidade por
omissão de não adoção de normas legais por não concretização de normas
constitucionais, sobretudo quando se trata de normas legais de concretização de direitos
fundamentais de caráter social, tem aqui o legislador a possibilidade de o Tribunal
Constitucional verificar uma situação de ilegalidade por omissão. O que é uma situação
de ilegalidade por omissão? É uma situação em que não obstante existir a lei e esta
prever um dever de regulamentação, esse dever não é cumprido por parte da
administração. No regime do art. 77.º o TC pode mesmo condenar a omissão de normas,
mas não significa que a sentença do TC seja substitutiva das ações da Administração.
Mas o TC pode estabelecer um prazo para que a Administração estabeleça as normas e
se não cumprir esse prazo, seja por via direta do tribunal ou seja a requerimento de
autor, o Tribunal pode fixar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia que passe
em que não tenha sido emitida essa norma. Portanto, no fundo o que temos aqui é uma
situação de reação contra casos de ilegalidade por omissão. Casos em que há normas
legais que não estão cumpridas.

174
Lista Alunos que participaram nas Transcrições

• Catarina Vieira - 62863


• Ana Catarina Santos Silva - 63365
• Catarina Anjo da Silva- 63370
• Bárbara Félix - 63406
• Carolina Veiga Henriques- 62667
• Daniela Francisco - 63363
• Catarina Neto- 63072
• Ana Rita Morais- 62986
• Juliana Nascimento-61700
• Beatriz Teixeira - 63374
• Adriana Duque - 63082
• Bruna Cavaco - 63063
• Miguel Martins - 63108
• Catarina Pimentel - 62926
• Sofia Ribeiro- 62879
• Maria Eduarda Ferreira - 62858
• Sofia Padrão- 56775
• Ana Loureiro- 62912
• Joana Teixeira- 62960
• Inês Filipa Nunes - 63371
• Inês Silva Lopes - 62924
175
• Maria Leonor Negalha Mendes Belo - 56852

176

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