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DIREITO ADMINISTRATIVO I
REGÊNCIA DO PROF. VASCO PEREIRA DA SILVA
TB, 2021/22
Transcrições das Aulas Teóricas TB; 2021/2022
Prof. Vasco Pereira da Silva
INDÍCE
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Apresentação da disciplina
Desde que acordamos, até ao momento que adormecemos, sem dar por isso, estamos
envolvidos em 1001 relações administrativas e, isto, desde que nascemos e nos foi atribuído
um nome, e fomos registados, até que morremos, terminando uma relação com a
administração pública. Portanto, estamos, permanentemente, em relações
jurídico-administrativas.
Estas relações jurídicas, num Estado de Direito, são reguladas nos termos do Princípio
da Legalidade: a administração só atua porque a lei prevê essa competência por parte do
dever público, no quadro do exercício de determinada função. Essa atuação administrativa
está sujeita aos critérios que resultam da lei e, se há uma ilegalidade, há tribunais que servem
para tutelar os nossos direitos, no quadro das relações jurídicas administrativas.
Por isso, o Direito Administrativo é um mundo com o qual todos vivemos a todos os
momentos e a todas as horas e que merece ser estudado.
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situações em que o paciente diz uma coisa e faz outra), a qual ele identifica como
“Declaração de Cobertura”.
No contencioso administrativo, a Administração diz que está a construir a separação
de poderes. No entanto, o que estava efetivamente a fazer era instalar a confusão e a
promiscuidade entre a Administração e a justiça. Este trauma vai chegar quase até aos nossos
dias, porque o resultado desta atitude foi a criação de órgãos administrativos especiais,
responsáveis por fiscalizar a Administração- a introspeção administrativa.
Em Portugal, só com a constituição de 1976 é que, pela primeira vez, os tribunais
foram integrados no poder administrativo.
No quadro do regime da constituição de 1933 dizia, lapidarmente, o Prof. Marcello
Caetano, que os tribunais administrativos eram órgãos do poder administrativo, no exercício
da função jurisdicional. Efetivamente, no quadro da constituição de 1933, os tribunais
administrativos integraram-se na presidência do conselho de ministros, estavam sobre a
dependência direta do primeiro-ministro e as sentenças dos tribunais só eram executadas se
os tribunais assim quisessem.
Como provou o Prof. Freitas do Amaral na sua tese de doutoramento, não havia em
Portugal um sistema jurisdicionalizado de execução das sentenças dos tribunais
administrativos, o que fazia com que estes não fossem verdadeiros tribunais, porque um
tribunal tem de ter um processo de execução das sentenças e estas têm de ser cumpridas, não
podem ser deixadas à vontade do arguido. Qualquer tribunal precisa de meios de execução e
as suas sentenças têm de ser levadas a sério. E, no contencioso administrativo, passaram a ser,
a partir de 1977.
Contudo, se os juízes administrativos passaram a estar integrados no poder judicial,
eles não passaram a ser juízes iguais aos outros, porque até 2005 eles não tinham poderes de
condenação, nem de dar ordens à Administração. Portanto, tudo o que correspondesse ao
poder administrativo, atos administrativos e a regulamentos estava fora do alcance dos juízes
administrativos. Estes não podiam condenar, nem dar ordens à Administração, apenas podiam
anular as suas decisões. Só a partir de 2005 é que os juízes administrativos adquiriram todos
os poderes no quadro de um sistema virado para a tutela dos direitos particulares, permitindo
ao juiz a sua atuação, na medida do necessário, para a tutela desses direitos- artigos 268º/4 e
268º/5 CRP.
Portanto, esta é uma realidade que não é apenas do passado, mas que chega
praticamente até aos nossos dias e é, também, uma realidade que se passou com praticamente
todos os países, embora em Portugal o processo tenha sido mais lento e moroso. A mudança
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ato administrativo, mas sim um acidente fortuito, não cabendo na competência do tribunal
administrativo; acrescenta ainda que não há norma aplicável.
O que aconteceu de seguida, e que acontece em todos os países em que há dualidade
de jurisdições, é que nestes casos de conflitos entre jurisdições, quando os tribunais se
declaram incompetentes para resolver o conflito, é chamado o Tribunal de Conflitos, cuja
missão é apenas dizer quem tem razão – dizer qual o tribunal que deve decidir o caso. Por um
lado, este tribunal vem esclarecer a situação, tomando uma decisão que é contestável, mas
que tem lógica: diz que o competente para decidir todos estes casos deve ser o tribunal
administrativo e adota, para esta posição, a chamada ‘’teoria do serviço público’’ de Maurice
Hauriou (segundo a qual o serviço público é aquele que é promovido por uma entidade
integrada na Administração Pública e que tanto pode exercer funções de autoridade, como
funções comerciais, como funções industriais, etc).
Essa é a parte positiva, já que o juiz clarificou a situação, mas há outro aspeto
traumático nesta sentença: o juiz do tribunal de conflitos reafirma que não há nenhum direito
a regular aquela situação, pelo que é preciso criar um novo direito para proteger a
Administração. Ora, tal significa que o novo direito, o novo ramo de Direito Administrativo,
que vai nascer na sequência da sentença Blanco, é um Direito Administrativo que se justifica,
que nasce, para negar uma indemnização a uma criança de cinco anos, que ficou com lesões
para a vida inteira. O Direito Administrativo teve um nascimento traumático – começa da
pior maneira possível.
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encontramos algumas referências a esta ideia autoritária de ato administrativo, que era
descrito como um ato terrorista, tendo a Administração muitos privilégios.
Como é que um estado liberal, destinado a garantir a separação de poderes e a tutela
de direitos individuais, cria um sistema administrativo que é autoritário? Um sistema que,
portanto, pode muito bem ser utilizado, como foi em tempos históricos, quer por governos
autoritários nos séculos XVIII e XIX, quer por governos autoritários no século XX (o
fascismo italiano adotou a lógica deste sistema, os países autoritários e totalitários, também, e
Portugal também o fez, a certa altura).
Este trauma vai-se manifestar em diversas coisas que chegam aos nossos dias. Por
exemplo, os particulares no estado liberal e os particulares até aos anos 60 do séc. XX não
eram considerados sujeitos de direito, eram objetos do poder, não tinham direitos em face da
Administração. Falar em direitos subjetivos dos particulares em face da Administração
Pública era uma realidade impossível. Esta construção autoritária do Direito Administrativo é
mais um dos seus traumas.
Portanto, há aqui um direito autoritário que, de alguma maneira, se manifesta através
da sentença do caso Blanco, a qual determinou a necessidade de criar um direito especial para
a Administração – especial no sentido de especial proteção da Administração, no quadro da
realidade jurídico-administrativa.
Otto Mayer, na transição do séc. XIX para o séc. XX, definia o ato administrativo
como “o ato que define autoritariamente a situação do súbdito”. Na verdade, há leis atuais
que ainda usam expressões que já não têm sentido, mas que vêm do passado – ‘’o
administrado’’, no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, é um exemplo. O
particular era um súbdito, um objeto, e não um sujeito de direito. É por isso que o surgimento
dos Direitos Administrativos se começou a generalizar, na doutrina germânica, nos anos 50 e
60, mas só chegou verdadeiramente a Portugal nos anos 80, tal era a influência dos traumas
do passado. Em suma, particulares e Administração não eram vistos como juridicamente
iguais, com o mesmo estatuto.
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distinguia, dentro da função administrativa, os atos de gestão pública dos atos de gestão
privada.
Os atos de gestão pública correspondiam ao exercício do poder, e a gestão privada
correspondia às funções da Administração de pura execução. Hoje em dia não há distinção
entre os dois, a Administração deixou de ser um poder no sentido tradicional. Todos os
poderes da Administração resultam da lei, não se tratando de um poder pré-existente.
Estamos num Estado de Direito - logo, a Administração tem apenas os poderes que a lei lhe
atribui - a lei é fundamento e limite da Administração.
Na verdade, a questão de estar ou não em causa uma ordem não faz sentido, pois
realmente importante é saber se aquela entidade ou agente faz ou não parte da Administração.
Um exemplo esclarecedor, nesta matéria, é o sucedido com o Ministro da Administração
Interna, Eduardo Cabrita, que circulava num veículo que provocou um acidente mortal. Ora,
naturalmente que não foi o Ministro a ordenar ao seu motorista que provocasse o acidente. O
condutor estava a exercer funções administrativas. Racionalmente, não há nenhuma razão
para, do ponto de vista da responsabilidade, afirmar que os atos de gestão pública eram da
competência dos tribunais administrativos e regulados pelo Direito Administrativo, enquanto
os atos de gestão privada eram da competência dos tribunais judiciais e regulados pelo direito
civil. Este é um exemplo da “esquizofrenia do Direito Administrativo''.
Em 2007, o legislador pretendeu, aparentemente, acabar com ela, mas fê-lo de uma
forma pouco esclarecedora, pois substituiu a expressão ‘’gestão pública e privada’’ no artigo
1º da lei da responsabilidade civil pública, que distingue a competência pública da privada,
passando a estatuir que o diploma se aplica aos casos em que haja ‘’prerrogativas de poder
público’’. Ora, expressão mais “canhestra” não podia ter sido usada pelo legislador.
Se analisarmos o Código de Procedimento Administrativo, no seu artigo 3º, quando se
define o âmbito de aplicação das suas normas, diz-se que os princípios de Direito
Administrativo obrigam tanto a atuação técnica como a de gestão privada da Administração.
A regência optou pela expressão ‘‘gestão privada’’, para conseguir que a norma fosse
aprovada em 1991, mas admite hoje que o que faria sentido seria ter estabelecido uma norma
que unificasse toda a Administração Pública e que permitisse a aplicação geral dos princípios
do código a toda a atuação pública. É por haver um apelo aos princípios que podemos afirmar
que as regras da responsabilidade civil pública são aplicáveis a toda a atividade
administrativa, acabando com a distinção entre a gestão pública e privada.
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Até 2007, isto não era possível. O legislador de 2007 quase pôs em risco esta
interpretação unificadora e no quadro do contencioso ainda são muitos os problemas por
solucionar, alguns deles resultantes da autolimitação dos juízes.
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particulares não têm direitos subjetivos- são um objeto do poder. Os particulares têm
direitos subjetivos no quadro dos direitos comunitários, entre outros, mas perante a
administração não têm direitos, portanto, é um objeto do poder administrativo. Ainda
hoje, numa realidade diferente, de Estado de direito, ainda a lei admite o sujeito como
"administrado". O professor regente critica a caracterização dos particulares enquanto
"administrados".
2ª fase: momento do Estado social (finais do séc. XIX inícios do séc. XX)
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Este fenómeno tem o seu cume quando um outro tribunal, o Tribunal Constitucional,
nos anos 80, em duas sentenças criadoras da justiça administrativa, vem dizer, primeiro, que
o Conselho de Estado se integra no poder judicial e não no poder administrativo, rompendo
as amarras entre os tribunais e a administração pública; e, segundo, havia um direito
fundamental a ir ao tribunal para a tutela dos direitos dos particulares, que os tribunais
servem para tutelar os direitos dos cidadãos. Este fenómeno já corresponde ao terceiro
momento da evolução do Direito Administrativo, ou seja, a ideia de que os tribunais servem
para tutelar os direitos dos cidadãos. No caso da comunidade francesa temos uma realidade
de promiscuidade que só se esgota nesta altura dos anos 80, neste "milagre renovado".
Paralelamente, nos outros países, tinha-se importado o sistema do contencioso
administrativo francês com as Revoluções liberais, e também vai ser através da lei que estes
países vão transformar os órgãos em órgãos de jurisdicionalidade. Desta forma, de 1905 a
1907 surgiu esta jurisdicionalização em Espanha, Itália e outros países europeus.
Do ponto de vista da criação dos tribunais administrativos, o que acontece durante
este segundo período da evolução (período do Estado social), é que vai haver uma
transformação da natureza dos órgãos encarregados de fiscalizar a administração, embora,
curiosamente, as coisas relativas ao processo no âmbito da jurisdição, os poderes do juiz
continuassem similares (poder da relação e um âmbito de aplicação do processo ainda
relativamente pouco).
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Para responder à crise social dos finais do séc. XIX (miséria operária), o Estado
começou a chamar a si o poder de intervenção (teoria keynesiana - necessidade da
intervenção do estado para equilibrar a oferta e a procura). Isto, para o direito administrativo,
significa que mudou tudo.
Desta forma, surgem inúmeras entidades que vão desempenhar todas estas tarefas, ou
seja, significa que implica que o Estado tenha de, forçosamente, se desconcentrar. O Estado
liberal, concentrado e centralizado, já não existe mais, a partir do momento em que passamos
para o modelo do Estado social, não só do ponto de vista da organização, mas também do
próprio funcionamento da administração. A administração prestadora é caracterizada pelo
facto de, ou fornecer direitos, ou fornecer bens e serviços aos particulares no exercício das
suas funções. Portanto, é uma realidade que se transforma: os particulares passam a intervir
no processo de tomada de decisão da administração (através do procedimento).
O Estado social é uma realidade que não abrange apenas o continente europeu, por
isso, todo o direito anglo-saxónico vai ser "apanhado" por estas transformações e há uma
aproximação dos modelos que vem desta realidade.
As três realidades que eram diferentes da realidade francesa (não havia direitos, não
havia poderes especiais para a administração e não havia tribunais), deixam de existir, ou
seja, passa a haver tudo isto. Em primeiro lugar, passa a haver direito administrativo.
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Os atos da rainha e os atos do rei passaram a ter um tribunal em que eram analisados -
administrative courts.
Portanto, este estado social é uma realidade que vai ter numerosas consequências no
quadro do direito administrativo. E pensando nas formas de atuação, aquilo que acontecia no
quadro da órbita do Estado liberal, que era o protagonista exclusivo do direito administrativo,
porque tudo se reduzia ao ato administrativo, este perde essa centralidade e passa a ser uma
das formas de atuação administrativas e não "A". Ao lado dos atos, surgem:
● Regulamentos;
● Contratos;
● Planos;
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crescimento e desenvolvimento, a partir dos anos 70, começaram uma série de crises do
funcionamento da realidade económica, que afetaram o modelo Keynesiano, que tinha sido
até aí utilizado sem problemas.
Acontece que o “efeito multiplicador”, além de introduzir crescimento, veio trazer
estagnação e inflação, levando a situações de déficit do mecanismo que fizeram com que
surgisse um “monstro” que os economistas designavam de "monstro da estagflação”, uma
mistura de estagnação com inflação.
Ora, esta realidade económica obrigou a prestar atenção, pela primeira vez, às massas
monetárias e aos desequilíbrios monetários e financeiros; obrigou a prestar atenção não
apenas à procura, mas também à oferta. E, portanto, no quadro económico, começaram a
surgir receitas alternativas ao modelo do Estado Social. - Ou porque combinavam o modelo
Keynesiano com modelos que tomavam em atenção também os aspetos da oferta e aspetos
que têm a ver com as massas monetárias da circulação, no âmbito da economia, ou porque
optavam por lógicas monetaristas.
Havia, então, uma série de movimentos, uns neoconservadores, outros liberais
extremos, que adotavam uma lógica exclusivamente monetarista, pondo em causa a receita
Keynesiana, e outros que procuravam manter um sistema tal como existia em termos
Keynesianos, ainda que introduzindo componentes novas.
Nesse sentido, surgiu, enquanto realidade económica, a necessidade de considerar
outros fatores além do fator despesa pública, tendo surgido, em simultâneo, com outras
crises, designadamente a crise do petróleo1.
1
A grande crise do petróleo dos anos 70 veio chamar a atenção para um bem sobre o qual era construído o
modelo de sociedade, que é um bem perecível e suscetível de ser controlado pelos produtores, que foi o que
fizeram nos anos 70 - agiram em quartel, e isso teve consequências no plano da economia mundial. Hoje o
petróleo ainda é um bem cujo custo tem consequências em termos económicos.
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Houve, também, uma grande crise universitária, a crise de maio de 1968, na França, e,
efetivamente, aquilo que os estudantes universitários procuravam era uma alternativa, quer ao
modelo capitalista, quer ao modelo comunista de organização da sociedade.
Todas estas crises vão originar uma tentativa de resposta, que corresponde ao atual
estado pós-social.
Novos Direitos
Surgem nos anos 70, no quadro do Estado Social, no âmbito daquilo que podemos
dizer que é a terceira geração dos direitos dos Homem.
Há várias gerações dos direitos do Homem, que ligam os direitos do Homem aos
modelos de Estado, porque, efetivamente, em cada um destes há um conjunto de direitos que
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Direito de Participação
Os cidadãos têm o direito de ser ouvidos relativamente a qualquer decisão
administrativa ou política, seja a decisão de construir um aeroporto, uma estrada ou até
mesmo uma autoestrada. Vai, então, existir um direito de participação enquanto direito
fundamental.
Portanto, estamos perante novos direitos de natureza procedimental e processual, por
exemplo, o direito de ir a tribunal, em última análise, para a tutela de uma ação administrativa
que lesou os particulares, ou o direito de o particular usar os meios judiciais, para ver
reconhecidos os seus direitos fundamentais no quadro de uma relação jurídica.
Características
Transformações introduzidas pela administração reguladora/infraestrutural
Estas transformações têm, em primeiro lugar, que ver com a estrutura organizativa.
Por um lado, a administração pública transforma-se, não apenas no sentido tradicional da
centralização e da concentração, não apenas no sentido de criar outras pessoas coletivas
públicas, ou realidades do género, mas também no sentido de que as entidades
administrativas adquirem natureza privada e atuam segundo o direito privado.
No entanto, continuam a exercer a função administrativa, mas nos mesmos termos que
qualquer particular e, portanto, uma empresa pública, por exemplo, é uma entidade que, em
Portugal, tem natureza jurídica privada, embora com capitais públicos e atuando para
prosseguir fins de natureza pública.
Assim, o que caracteriza o Direito Administrativo moderno não pode ser, como tinha
sucedido nos tempos da infância difícil, a ideia do poder administrativo, do poder que se opõe
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a todos, que determina a executoriedade das decisões, mas sim os fins que estão a ser
realizados e a atividade que está em causa. E, portanto, esta é uma grande transformação.
As entidades que exercem a administração são, em sua maioria, de natureza privada
ou mista, com capitais públicos e privados. E, mesmo se só têm capitais públicos, podem
organizar-se como entidades privadas, como realidades que atuam segundo o direito privado.
Esta transformação decorre da aproximação do modelo anglo-saxónico e continental,
uma vez que a ideia de pessoa coletiva pública é uma ideia francesa, é uma ideia do
continente.
Por outro lado, há cada vez mais entidades reguladoras a todos os níveis. Estas
estabelecem as regras e verificam se estas estão a ser cumpridas e acodem aqueles que não as
cumprem, ou seja, em vez de ser a administração diretamente a realizar toda aquela atividade,
ela é realizada pelos particulares, que se submetem a regras, a um controle, à punição, à
fiscalização que as autoridades privadas exercem. Isto também é uma transformação do modo
de exercício da função administrativa
Dimensão multilateral
Há uma outra realidade que também salta aos olhos nos nossos dias: o facto de todas
as relações terem passado a ter uma dimensão multilateral2, afetando, simultaneamente, uma
multiplicidade de sujeitos. Ou seja, qualquer decisão administrativa tem efeitos para além dos
seus imediatos destinatários3.
E, portanto, aquilo que nos dias de hoje sucede é o facto de todas as atuações
administrativas terem, em regra, uma multiplicidade de destinatários, terem uma natureza
multilateral. E é por isso, também que, quando avançarmos um bocadinho mais na nossa
matéria, vamos ver que o modo de explicar a maior parte da realidade jurídica de hoje, é usar
o mecanismo da relação jurídica, a relações entre sujeitos. Mas esta relação jurídica dos
nossos dias é multilateral, tem uma multiplicidade de sujeitos, já não é uma relação bilateral
como tinha sido no passado. E, portanto, não apenas do ponto vista organizativo, mas
2
Por exemplo, relativamente a uma bolsa de estudo, a atribuição desta a um estudante significa que há dois,
cinco, vinte, mil, cinco mil que não a receberam e, portanto, os critérios de atribuição das bolsas têm de ser
adequados, legais, proporcionais, porque tudo, mesmo aquilo que se dá, é suscetível de causar lesões a outros.
3
Por exemplo, se eu tiver uma fábrica e pedir uma licença de funcionamento da mesma, essa licença será
passada em meu nome, em nome da minha sociedade. Mas, este ato, que é individual e concreto, que me atinge
a mim diretamente, afeta todos os vizinhos dessa fábrica, que são afetados pela produção da fábrica, afeta todos
os concorrentes deste ramo de atividade e, portanto tem uma eficácia que não se limita àquele nicho (que era o
nicho originário de um ato que afetava apenas os seus destinatários). Esse ato afeta, em simultâneo, toda a gente
e tem uma eficácia de natureza multilateral.
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Os alemães tinham tido o eclipse do estado de direito durante o nazismo e, portanto, não podiam deixar que
isso voltasse a acontecer, e queriam um controle integral da administração e uma tutela de poderes efetiva dos
direitos dos particulares. Assim, o art.19º/4 da Constituição alemã, é aquilo que os alemães chamam a “norma
perfeita da Constituição alemã”, estabelece esse controlo integral da Administração dos tribunais e estabelece o
princípio que a cada direito corresponde uma ação. Este art.19º/4 depois vai dar origem a artigos da Constituição
portuguesa (como o art.268º/4 e 5), a artigos de outras constituições europeias
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adquiram direito a uma tutela plena e efetiva dos seus direitos fundamentais nas suas relações
com a administração.
O primeiro momento é o momento da constitucionalização5. As Constituições pegam
nos traumas da infância difícil e apresentam um modelo constitucional, um modelo de
administração e um modelo de justiça administrativa que impõe a superação dos traumas
iniciais. Mas, para além das Constituições, também os tribunais constitucionais têm, aqui, um
papel decisivo.
Em França, como não há revisões constitucionais há muito tempo, foi o Tribunal
Constitucional que, nos anos 80, estabeleceu que o serviço jurisdicional, a secção
jurisdicional do Conselho de Estado era um verdadeiro tribunal, e não um órgão da
administração, que gozava de todas as características e realidades típicas de uma entidade do
poder judicial - era autónomo, independente, imparcial, tinha todas as características típicas
de um tribunal. Por sua vez, uma outra sentença, também do Tribunal Constitucional, do
Conselho Constitucional, veio dizer que havia um direito fundamental de acesso à justiça
para a tutela dos direitos particulares. Portanto, a ideia da tutela efetiva dos direitos dos
particulares do quadro das relações jurídicas administrativas.
E, portanto, há um primeiro momento que surge com o estado social e que
corresponde a esta realidade, mas, a partir dos anos 80, de uma forma muito mais evidente, de
seguida ao deambular do séc. XX, temos uma outra realidade no processo administrativo que
é a da "europeização".
5
Também tem uma explicação de natureza psicanalítica, porque, nesta altura, na psicanálise, a influência das
ideias de Jacques Lacan, designadamente em França, vão introduzir a ideia que o começo da cura passa pela
verbalização dos factos e a sua redução a escrito. Ou seja, o paciente deve reduzir os factos a escrito para os
entender e para mudar a sua relação perante eles. Ora, é isso que fazem as as Constituições.
6
Foi defendido em Portugal, por uma tendência doutrinária que teve como primeira precursora a Prof. Maria
João Estorninho, que fez uma tese de mestrado que se chamava “Requiem pelo Contrato Administrativo”. E,
este Requiem foi apoiado por numerosos autores, desde o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, ao Prof. João
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Caupers, ao próprio Prof. Vasco Pereira da Silva. O professor concorda com a ideia de que não faz sentido esta
lógica esquizofrénica de distinguir duas modalidades de contrato com regras jurídicas.
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quando, a propósito dos fins da Administração Pública, se diz que esta realiza o interesse
público no respeito dos direitos dos particulares.
Isto é uma nova forma da Administração atual e tal corresponde, também, a novos
direitos dos particulares no quadro dessas relações jurídicas administrativas. Com os direitos
de ir a tribunal, o particular pode fazê-lo para se defender de uma lesão dos seus direitos,
causada pela administração pública. E, portanto, há direitos de natureza procedimental e esses
aparecem nos art.266º e seguintes da Constituição, dedicados ao funcionamento da
administração, e há depois os direitos fundamentais em matéria de processo administrativo,
que estão nos art.268º/4 e 5. E, portanto, também é uma transformação que deve ser tida em
conta quando falamos do nosso estado pós-social, mas do ponto de vista específico da
administração pública.
Poderes de autoridade
Isto também é uma alteração fundamental. Tão fundamental que, em Portugal, há
muitos administrativistas que não se aperceberam desta distinção e continuam a definir o
Direito Administrativo em função dos poderes de autoridade, o que já não faz sentido. Os
poderes de autoridade só existem nas funções tradicionais, nas forças armadas e da polícia.
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De resto, a administração, em regra, não tem poderes de execução das decisões, como não
tem poderes de autoridade. E, portanto, é também uma transformação, porque tem a ver com
esta lógica da administração infraestrutural.
Do ponto de vista da atuação, a maior parte dos atos administrativos e da atuação
administrativa passa a ser multilateral, passa a ter uma multiplicidade de sujeitos, não só
porque cada vez mais há regulamentos, planos, formas de atuação desse género, como
também porque os próprios atos individuais e concretos, como a ordem de demolição de uma
casa, uma autorização de construção de uma casa, uma autorização de funcionamento de uma
fábrica. Para além dos destinatários que são referidos no ato administrativo, são também
afetados aqueles que estão próximos, aqueles que são atingidos nos seus direitos por aquela
norma. Portanto, o âmbito da eficácia do direito administrativo passa a alargar-se, também,
aos vizinhos, aqueles que têm um interesse que é lesado pela atuação administrativa.
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diferentes Estados Europeus, nos anos 70 a consagrar precisamente estas duas coisas: que
estamos perante um verdadeiro tribunal, a tirarem consequências disso, o juiz não está
limitado a todos os poderes que vêm da administração, e, em segundo lugar, a ideia de que o
contencioso serve para tutela dos direitos dos particulares. O contencioso é uma entidade
subjetiva destinada à tutela dos direitos dos particulares.
Este primeiro momento decorre da constitucionalização, no segundo momento
decorre da europeização porque, a partir dos anos 80, vai ser a União Europeia, a estabelecer
regras comuns ao direito processual a todos os estados membros através das diretivas. Por
exemplo, em matéria de diretivas de contratação pública, a União Europeia não só criou o
contrato público, que substitui em Portugal aquela distinção esquizofrênica, que não fazia
sentido algum termos os contratos ditos administrativos e os contratos ditos privados da
administração, agora todos são contratos públicos. Portanto, são regulados da mesma maneira
no código dos contratos públicos e, todos eles são da competência dos tribunais
administrativos.
Portanto, a União Europeia é fonte de direito, não só em questões processuais, mas
também em questões administrativas. O conceito de contrato público é um dos conceitos que
tem regras que são aplicáveis a todos os contratos celebrados pela administração, pondo
termo àquela distinção esquizofrênica que não fazia sentido e que existia no direito português
- dizia-se que o contrato administrativo é que é direito público e, portanto, é fiscalizado nos
tribunais administrativos, e o contrato dito de direito privado era, supostamente de direito
privado e era julgado pelos tribunais públicos.
Ora, nem o contrato público corresponde a nada de exorbitante que mereça um
tratamento especial, nem o contrato de direito privado é inteiramente privado, porque o que
está em causa é o exercício de poderes públicos, através de um serviço público, no âmbito de
uma função que é uma função pública e, portanto, está sujeita a regras que não são as de
direito de privado, são as de direito público que agora se alargaram também a estas atuações
privadas.
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Portanto, não tem nada a ver com a noção tradicional do Dr. Maia, a noção de Marcello
Caetano do direito administrativo.
Essa realidade, nos dias de hoje não faz qualquer sentido e, a Europa introduziu, a
muitos níveis, a muitos títulos, alterações no quadro Direito Administrativo, criando sistemas
que valem como o contrato público, conceitos e realidades que valem, tanto no quadro nos
sistemas de tipo de francês, como nos de Direito Administrativo anglosaxónico. Há um
conjunto de alterações que decorrem dessa realidade.
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ii. No quadro francês, construiu-se uma noção de ato administrativo assente na ideia
de auto execução: a administração não apenas toma as decisões, como também as executa,
aplicando-as ao caso concreto. Ou seja, não é necessário recorrer ao tribunal para executar as
suas decisões. Esta realidade não existia no Reino Unido, porque não havia Direito
Administrativo e, sendo assim, a administração, que era uma ou várias entidades, estava
submetida ao mesmo direito de qualquer dos privados – o direito comum – na lógica
descentralizada britânica. Portanto, não havendo direito administrativo, também não havia
nenhum estatuto especial para a administração. E, não havendo esse estatuto especial, a
administração não podia executar as suas decisões. Pode-se dizer que no caso do sistema
Francês havia autotutela e, no caso do sistema britânico, havia heterotutela, porque o poder
de executar não estava nas mãos da administração.
iii. É sabido que, em França, o Tribunal Administrativo foi criado pelos
revolucionários franceses, que proibiram os tribunais de julgar a administração. A priori, este
não era um tribunal, mas um órgão especial que fiscalizava o funcionamento da
administração; portanto, a lógica francesa era da existência de uma justiça administrativa. No
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caso do Reino Unido a lógica era contrária: não havia direito, não havia poder de autoridade
perante a administração e também não havia nenhum tribunal especial. A administração era
julgada como qualquer cidadão no quadro dos tribunais comuns. Esta realidade era marcante
e durou entre os finais do século XIX e princípio do século XX. Entretanto, nessa altura,
muda radicalmente e é preciso ter essa noção para evitar inverdades.
Houve uma discussão no início do século XX que, por um lado, colocava Maurice
Hauriou da perspetiva francesa e, por outro, Dyce do lado inglês, em que cada um dos dois
discutia com o outro, com argumentos que já não eram corretos, porque já não existiam no
tempo em que falavam.
O que é que se passou com a transição do século XIX para o século XX?
Surgiu o modelo do Estado social. O Estado passou a chamar para si novas funções da
vida económica, social e cultural; tais funções tornaram-se tarefas fundamentais constantes da
Constituição. Nesse sentido, se as tarefas são realizadas pela administração, a Administração
Pública – o direito administrativo – tornou-se o modo de realização da principal função
prestadora.
Ora, o surgimento destas novas tarefas vai levar ao surgimento do Direito
Administrativo no Reino Unido. Uma vez que estas tarefas eram novas, a administração não
estava habituada a desempenhá-las: não cabiam no costume, nem tampouco no direito
jurisprudencial e, portanto, vão ter uma dimensão estatutária, vão corresponder a leis escritas
que regulam o funcionamento da Administração Pública no quadro das suas tarefas
quotidianas de gestão da função administrativa; tarefas de regulação da relação do trabalho,
tarefas da segurança e da previdência social, tarefas ao nível da economia e da vida social –
ou seja, as tarefas que correspondem à lógica do Estado Social. Por conseguinte, houve uma
aproximação imediata dos dois sistemas.
No sistema francês, desde o início, haviam leis especiais para a administração. Já no
Reino Unido, elas vão surgir no quadro da realidade da transformação em Estado Social, do
ponto de vista dos poderes que se vão alterar com este novo modelo.
Os britânicos perceberam que estavam a desempenhar novas funções, todavia não
estavam apetrechados para tal e, então, entenderam que a França é que estava certa, porque
tinha poder de execução. Isto levou a que no século XX, no Reino Unido, começassem a
surgir órgãos administrativos especiais, os Administrative Tribunals; é importante salientar
que os tribunals não são courts, não são tribunais, são órgãos administrativos. E estes
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tribunals, para além de terem limitado os poderes de julgamento – que tem a ver com a tal
promiscuidade entre a administração e a justiça que surge no Reino Unido, tardiamente,
quando ela já estava a desaparecer em França – têm poderes de execução nas suas decisões,
têm poderes de autotutela, nos termos em que a lei que constituía os Tribunals assim o
estabelecia. Sendo assim, passou a haver, também no Reino Unido, entidades administrativas
especiais com poderes executivos e este surgimento dos tribunals corresponde a um passo à
retaguarda do sistema britânico, que até aí tinha vivido sem sombra de pecado e que agora vai
buscar a lógica do pecado original do sistema Francês. Portanto, há aqui uma realidade que
surge fora do tempo, mas que aproxima ambos os sistemas e isto vai-se, depois, tornando
mais evidente, à medida que o século avança.
Neste século XX, de acordo com a teoria de Otto Mayer e Maurice Hauriou, em
França afirmava-se anteriormente um poder administrativo que se sobrepunha a todas as
coisas e que permitia a execução automática de todas as decisões e ligava-se o ato
administrativo aos poderes executivos. Mas, à medida que avança o século XX, começam a
surgir limitações a esse poder de execução e, hoje em dia, diz-se que tal poder só existe
quando a lei expressamente o estabelece. Assim, deixa de ser um poder que pertence à
administração e que ela pode exercer quando assim o entender e passa a ser um poder
atribuído nos termos da lei, por uma concreta lei que atribui esse poder de execução das
decisões.
No Reino Unido, em que não havia essa autotutela, esta surge atribuída por lei
especial aos tais tribunals. Consequentemente, também aqui este poder de autotutela está
limitado pelo Princípio da Legalidade. (Isto introduz mais uma aproximação entre os dois
sistemas porque efetivamente, nos nossos dias, estas realidades aproximaram-se muito e isto
já era assim em meados do século XX.) Nos dias atuais, tornou-se manifestamente evidente,
porque há entidades administrativas no Reino Unido que exercem os poderes nos termos da
lei, enquanto que em França, em Portugal, em Espanha e na Alemanha se diz que a
administração tem poderes de executórios apenas na medida, e na estrita medida, em que a lei
efetivamente os atribui.
A título de exemplo do explicitado acima, houve uma notícia sobre um inquérito
disciplinar em relação a forças de segurança, porque foram disparados tiros para o ar num
jogo de futebol. Ora, o uso da pistola é um poder de execução, de autotutela; não é por acaso
que os bobbies, os polícias do Estado, tradicionalmente usavam o cassetete, em vez de armas;
embora usem agora. No quadro francês, usam a pistola, só que esta tem condições para ser
exercida e o que está em causa é saber se a polícia exerceu corretamente ou se abusou do seu
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político, o governo e outras entidades do Reino Unido pretendem acabar com ela, mas a
lógica unitária neste momento é mais efetiva do que a atual. O Reino Unido encontra-se no
processo de nacionalização do direito europeu em relação às decisões de maior relevância, o
meio ambiente, a intervenção na vida social, na vida económica; se não nacionalizar o direito
europeu, fica sem normas. Depois pode-se afastar delas, obviamente, uma vez que o Reino
Unido saiu da União Europeia, mas neste momento o modelo ainda é o comum. Nos Estados
Unidos da América há também as agencys, que correspondem aos tribunals, as quais são
realidades independentes com alguns poderes de julgamento e, sobretudo, com poderes de
autotutela; contudo, na primeira instância não há tribunais especiais, há apenas ao nível do
tribunal federal.
Retomando o caráter histórico e a realidade da evolução, nota-se que haviam dois
modelos diferentes no início e no decorrer da sua história até os dias atuais. Ao mesmo
tempo, percebe-se que nos diferentes países há problemas idênticos que são sentidos e
resolvidos de forma distinta. Como assegurado anteriormente, há três diferenças essenciais ao
nível do direito, dos poderes e dos tribunais, que marcam modelos completamente
antagónicos no início e que, gradualmente, foram se aproximando com o Estado Social e, a
posteriori, com o Estado Pós-Social; diferenças essas que marcam uma evolução que hoje em
dia se hibridizou.
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recentemente é que isto aconteceu. No quadro do direito francês, o autor Fabrice Villaret vem
dizer que houve o tempo da justificação quando se usava o direito comparado para justificar a
qualidade do direito francês – era o que fazia Maurice Hauriou.
Esta realidade também atravessou Portugal. É costume dizer que a Universidade de
Coimbra depende do direito alemão e que a Universidade de Lisboa depende do direito
francês; isto foi assim no início do século, realidade que já não se verifica mais.
Presentemente, o que é facto é que a doutrina portuguesa não só conhece o direito italiano, o
francês, o alemão, o espanhol, como se gaba de conhecer e fazer os possíveis para que assim
seja. A prática e a jurisprudência não são tão cosmopolitas, mas, efetivamente, a realidade
global obriga a esta dimensão do direito comparado, porque só se conhece verdadeiramente o
direito próprio ao conhecer o direito alheio; quem só conhece o seu direito, não conhece
verdadeiramente o seu direito.
É certo, todavia, que uma outra realidade surgiu dos nossos dias: o direito não serve
apenas como elemento de ciência, mas também como fonte, porque à escala internacional,
quando um tribunal arbitral ou constituído nos termos do direito internacional tem que tomar
uma decisão para a qual não há norma aplicável, se faz uso do direito comparado dos países
que estão envolvidos para encontrar a melhor solução. Isto corresponde à filosofia do
Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) assente na ideia de que: o tribunal, na ausência
de norma, usa o direito comparado dos países envolvidos para encontrar a norma aplicável
àquela situação. Significa que o direito comparado se torna fonte de direito e, se passarmos
da dimensão europeia para a dimensão internacional, se pensarmos nas decisões tomadas
pelos tribunais arbitrais à escala internacional em matéria de comércio externo, de ambiente,
de saúde e de aviação, veremos que essa regra se generalizou e que o juiz internacional, tendo
condições para julgar e sendo chamado a julgar, não havendo norma jurídica aplicável, vai
construir essa norma a partir da norma de direito comparado do Estados que estão
envolvidos. Portanto, na escala global, isto introduziu uma dimensão criadora de direito
comparado: não apenas é a dimensão do conhecimento, é também a dimensão da criação.
Neste sentido, importa referir que o fenómeno em questão surgiu nos anos 70, quando
foram apresentadas duas sentenças no âmbito do Direito do Mar, sentenças essas que são
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jurídicas podiam ser diretamente aplicáveis e originar relações jurídicas internacionais. Esta
realidade constata-se em diversas áreas, tais como na aviação, no domínio do ambiente, no
domínio da saúde, no domínio das pescas e por aí adiante.
Assim sendo, para além do Direito Internacional Público, conclui-se que há
igualmente um conjunto de regras que se considera ser diretamente aplicáveis, o que pode
gerar litígios de natureza administrativa, uma vez que o que está em causa é a aplicação do
Direito Administrativo.
Em norma, os professores de Direito Internacional Público defendem que as normas
internacionais têm primazia sobre as nacionais, enquanto os professores de Direito
Constitucional tendem a defender que essa primazia não é superior à Constituição. Há,
portanto, uma discussão entre constitucionalistas e internacionalistas. Relativamente ao
quadro do Direito Administrativo global as normas (globais) prevalecem sobre as internas,
razão pela qual temos atualmente este fenómeno de Direito Administrativo global.
Em 1997, os Estados Unidos resolveram boicotar a importação de gambas com o
argumento de que os países asiáticos que as exportavam (tais como o Japão, a Coreia do Sul
ou o Taiwan) não protegiam as tartarugas e que, enquanto não o fizessem, não poderiam ser
importadas gambas desses países. Note-se, que esta atuação unilateral dos Estados Unidos
violava as regras internacionais do GET (um acordo internacional que regula as tarifas do
comércio internacional) e que nem mesmo a administração Trump, por muito que se
afirmasse como nacionalista, alguma vez as pôs em causa, pois as normas do tratado eram, de
facto, obrigatórias. No seguimento disto, surge um tribunal arbitral composto por juízes
norte-americanos que, ao julgarem o caso, consideram a decisão dos Estados Unidos ilegal,
isto é, violadora das regras de Direito Administrativo global. Efetivamente, a decisão era
ilegal devido a duas grandes razões: primeiramente, porque a decisão tinha sido tomada
abruptamente sem a consideração de um “process of law” (do devido processo legal), sendo
que a falta do mesmo era nefasta, pois não tinha existido uma audiência dos principais países
afetados por esta decisão. Ora, os advogados dos pescadores norte-americanos protestaram,
afirmando que não era possível chamar a juízo os pescadores dos países asiáticos. A isto o
tribunal responde da seguinte forma: primeiro, afirma ter sido possível chamá-los, uma vez
que é sempre concretizável colocar em jornais internacionais um apelo para que as pessoas
prestem e recebam declarações por escrito. Em segundo lugar, não só era possível como
havia cidadãos norte-americanos que tinham o mesmo interesse que os exportadores de
gambas (todos aqueles cidadãos e empresas norte-americanas que importavam gambas) e
que, pelo menos esses, deveriam ter sido ouvidos. No entanto, o tribunal acrescenta ainda
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outro ponto relevante relacionado com o nosso Direito Administrativo: o tribunal explicita
que as normas que existiam para proteger as tartarugas não poderiam ser utilizadas para
proibir a importação de gambas, dado que não é pelo facto de os americanos não importarem
gambas que os asiáticos passam a proteger as tartarugas. Não há, por isso, entre uma coisa e
outra o mesmo fim (é aquilo a que os juristas chamam de um desvio do poder, que acontece
quando ocorre uma dissociação entre o fim da norma e o fim que efetivamente foi
prosseguido). Neste caso, proteger as tartarugas é um fim jurídico aceitável, mas aceitável
apenas se estiverem em causa realidades relacionadas com as tartarugas. Não faz sentido
utilizar para a proibição de importação de gambas um argumento relacionado com as
tartarugas, pois não se protege as segundas através da proibição do consumo das primeiras.
Conclui-se, assim, que estes juízes norte-americanos consideram a decisão da administração
portuária dos Estados Unidos da América como sendo “arbitrary and capricious”, ou seja,
algo que corresponde à violação dos fins, pois não prossegue o objetivo legalmente
estabelecido, mas sim outro objetivo que não está contemplado na lei. A este fenómeno
podemos também chamar de “violação do princípio da proporcionalidade”.
Repare-se que este caso foi um caso pioneiro, não sendo, contudo, o primeiro, pois
antes dele já ocorrera o caso do “Tuna fish blue”, que tem como ponto central uma Comissão
Mista. Refira-se, antes de mais, que esta Comissão Mista corresponde a um organismo
internacional que nasceu dos acórdãos feitos entre os Estados na sequência do acórdão das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar. É, assim, uma identidade composta não só por
membros administrativos dos Estados que assinaram o tratado, como também por pescadores
que se encontram em igualdade de posições na tomada de decisões administrativas. Assim se
compreende que esta Comissão Mista (ou, como encontramos nos textos, esta “expanded
comission”, comissão extensa ou comissão com poderes amplos) é o órgão administrativo
que determina as quotas pesqueiras em todos os países-membros do tratado, quotas essas que
são estabelecidas por identidades administrativas de natureza portuária dos Estados-
membros, e por pescadores. Aquando da sua violação, são julgadas pela própria
administração, evidenciando-se, novamente, um resquício do trauma da “infância difícil do
Direito Administrativo”: o trauma da confusão entre administração e justiça, uma vez que
esta comissão se transforma em tribunal e esse tribunal é que decide quem tem razão.
No caso “Tuna fish blue” (que era um caso que envolvia países como o Japão, os
Estados Unidos, a Austrália, o Canadá e outras identidades supremas) estamos perante um
conflito entre vários Estados que, se fosse resolvido pela via do Direito Internacional, seria
irresolúvel, pois dois países grandes protestam e não concordam sabendo que não há norma
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de Direito Internacional Público que resolva o litígio em questão. Atente-se, que os litígios
internacionais são óbvios- resolvem sempre os problemas, porque eliminam sempre um fator
perturbador. Tal como se costuma dizer, quando há um conflito entre um país pequeno e um
país grande, desaparece o primeiro; quando é entre um país grande e um país médio,
desaparece o segundo, e quando é entre dois países pequenos “desaparece o conflito”. Esta
realidade demonstra, assim, a falta de eficácia do Direito Internacional Público, com exceção
da área dos direitos humanos e destas áreas de direito privado, pois aqui aplicam-se as
normas como se de Direito Administrativo se tratasse, e as autoridades administrativas
respeitam-nas, pois tal é condição desta lógica global e ninguém põe em causa esta realidade
nos domínios em que ela hoje é dominante. Destacam-se neste campo as áreas da aviação (os
países têm direito de sobrevoo sobre o seu próprio território, mas as regras das companhias de
aviação são feitas por uma autoridade internacional composta pelas próprias companhias de
aviação, que inicialmente estavam sozinhas, mas que hoje admitem a presença de
representantes de alguns Estados. Mencione-se que não há nenhuma legislação inteiramente
nacional, em nenhum país do mundo, neste domínio, nem no da saúde. Relativamente a este
último campo, quando presenciamos, por exemplo, a Organização Mundial de Saúde a tomar
decisões sobre que vacinas podem ser recebidas, quais as normas a seguir ou quais os
critérios a ter em conta, estamos perante Direito Administrativo Global, não por estar em
causa a ONU, mas sim porque aquele organismo estabelece relações em rede com todas as
instituições públicas do mundo e toma as decisões depois de as ouvir e consultar. Não se
estranha, pois, que a OMS oiça e contacte diariamente com a Direção Geral de Saúde
portuguesa e com as suas semelhantes espanholas, americanas, francesas ou sul africanas
(entre outras), determinando orientações que são seguidas por todas essas administrações.
Note-se que não estamos perante um problema de Estado, não há nenhum ministro na OMS,
não há nenhuma identidade administrativa a mandar. Existe, sim, uma Comissão Técnica que
estabelece relações diretas com as demais administrações médicas e que colabora em rede.
Esta realidade é, como anteriormente mencionado, uma realidade novíssima e que se
encontra em vias de expansão (o próprio Presidente da República afirmou há pouco tempo na
Organização das Nações Unidas que o futuro das relações internacionais passa, cada vez
mais, por um Direito Administrativo em rede). Um exemplo disto é o acordo de gestão da
Amazónia existente entre o Brasil e todos os países que têm esta floresta incluída no seu
território. Tal acordo começou por ser uma fonte de Direito Internacional Público que
estabelecia direitos e obrigações para os Estados. Contudo, por volta dos anos 80, quando foi
revisto, houve uma cláusula que permitiu alguma aplicação global daquelas regras, dado que
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Passando para o direito europeu, encontramos uma realidade que vai contribuir ainda
mais para esta dimensão global deste tipo de fenómenos– é que a União Europeia, se nasce de
um Tribunal Internacional, não é uma organização internacional como as outras – é uma
realidade diferente de um Estado federal, mas tem algo que muitos Estados federais não têm:
um direito próprio, um direito comum. É que, no quadro dos tratados europeus, se instituiu
que os Estados podiam, para o futuro, fazer as leis que entendessem, desde que não
contrariassem o ideário europeu; em contrapartida, ao aderir à União, o novo Estado-membro
adere a todo o direito vigente na mesma, mesmo que anterior à adesão.
O Tratado de Lisboa é, neste momento, a Constituição material da União Europeia, e
estabelece claramente o princípio da primazia do Direito Europeu. Não existe, na União, uma
Constituição formal, nem há normas formalmente constitucionais, mas há Direito
Constitucional material, composto por regras que tratam de separação de poderes (não apenas
entre os órgãos da União, mas entre estes e cada um dos Estados-membros – princípio geral
de subsidiariedade) e da garantia dos direitos individuais (decorrentes da Carta dos Direitos
Fundamentais europeia).
O Direito Europeu constitui uma realidade nova do ponto de vista da lógica sem
fronteiras. A União Europeia trata-se de uma Organização de Estados que se fundou segundo
o Direito Internacional, mas que funciona em termos que não são os típicos de uma
Organização Internacional, mas de uma realidade com uma dimensão interna; existe uma
realidade única que não existe em qualquer outra organização internacional- há um direito
comum da UE, o que faz com que a EU tenha uma dimensão interna, tenha efeitos na ordem
jurídica interna. Este direito comum tem, de acordo com as regras constitucionais europeias,
uma função de primazia sobre o Direito interno e é de aplicabilidade direta, o que significa
que este direito entra imediatamente em vigor7 e é diretamente aplicável às forças jurídicas e
adquire um efeito de primazia sobre o direito interno.
A lógica do quadro da UE é a de que os Estados participam na criação do Direito, mas
ao abrigo da UE aceitam todo o sistema jurídico, e não apenas o Direito no qual participaram
– uma lógica inovadora. Através destes mecanismos criados ao abrigo da UE, a lógica
7
Transposição através de diretivas;
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começou por ser a de um mercado único e, depois, uma união económica e monetária que,
nos dias de hoje, corresponde à EU.
Criou também mecanismos de direito constitucional, no entanto, não há ao nível
europeu uma Constituição Europeia. Não existe direito formalmente constitucional, mas a UE
tem normas materialmente constitucionais, e porquê:
A UE tem regras que estabelecem não apenas a competência dos órgãos da união
como estabelece mecanismos de divisão e repartição de poderes entre todos os órgãos por
exemplo- princípio da subsidiariedade9: se não se trata de matéria exclusiva da EU, se não se
trata de matéria que seja regulada pelos tratados, a competência é dos Estados. Esta realidade
faz com exista uma organização política baseada na lógica constitucional democrática de
Estado de Direito da divisão de poderes. A Carta dos Direitos Fundamentais da UE, acaba
por ter valor constitucional, é uma realidade com valor jurídico-constitucional.
Concluímos que há, do ponto de vista material, uma Constituição material que se
formalizou. O Tratado de Lisboa representa a formalização de normas da Constituição
Europeia, algumas não são constitucionais, mas as que dizem respeito ao poder político e aos
direitos são normas constitucionais; assim, no quadro da União Europeia, há constituição
material europeia.
Esta é uma nova realidade constitucional que integra também o Direito Constitucional
de todos os Estados membros desta união de Estados. É uma dimensão que obriga a usar o
Direito Comparado, o Direito Constitucional Europeu, ou seja, numa lógica de Direito
Comum a todos os Estados membros.
8
Desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão (1798) que o Estado tem Constituição
quando tem divisão de poderes e consagração de Direitos fundamentais
9
Mecanismo de repartição de poderes entre órgãos da União e órgãos Nacionais
10
Jorge Miranda
11
Como exemplo, os dois acórdãos do TC Alemanha
12
Polónia condenada pelo Tribunal de Justiça Europeu a pagar um montante monetário a título de infração-
ideia de criar no sujeito faltoso uma lógica de alteração de comportamento
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13
Antigas, de momento anterior justificadas por realidades históricas
14
Polónia invoca a Constituição dos Estados Unidos
15
Esperança que seja possível a Polónia voltar atrás
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Pode ser usado a todo o tempo em razão da alteração das Políticas circunstâncias políticas e económicas
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No quadro da UE, por um lado, o Direito Europeu prevalece sobre o Direito dos
Estados-membros, numa ideia de hierarquia, mas, por outro lado, também se mistura,
gerando mecanismos diferentes em cada país que podem corresponder a realidades diferentes
dentro do direito que é comum.
17
Não há distinção de poderes
18
Componente da lógica de querer coordenar direito Estados membros com o da União europeia
19
Direito administrativo dos Estados-Membros
20
“O direito constitucional passa, é uma coisa política, o direito administrativo fica”- expressão
histórica: DC está no topo da hierarquia, sistema regras fiscalização e DC tem regras sobre a
organização da administração, tribunais administrativas
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(Exemplo)
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Brexit- UK vai ter que nacionalizar/ ou afirmar um direito costumeiro as normas de direito europeu
para não ficar sem normas para as relações jurídicas administrativas – direito europeu regulava
praticamente tudo no quadro das relações jurídicas administrativas
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Plano de recuperação e resiliência
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AP: Conjunto de entidades de natureza muito diversificada, que podem ser públicas,
privadas, públicas sob forma privada, etc. São entidades administrativas de forma muito
diversa e assumem configurações muito diversas, contrariando a realidade tradicional do
Direito Administrativo clássico. A Administração como Administração de polícia que exercia
poderes no quadro da segurança e saúde já não faz sentido nos dias de hoje, a realidade das
entidades administrativas é muito diversificada;
24
Conjunto de metas avulsas sem nenhuma ligação. VPS critica o PRR português na parte da
recuperação muitas realidades que não jogam com as outras
25
Posição de privilégios
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público ou privado, mas sempre tendo em conta os fins constitucionais, e que se trata de uma
atividade de natureza pública, mesmo quando utiliza direito privado. Esta tarefa contínua de
satisfação das necessidades coletivas que resultam da CRP é o que responde ao DA.
Durante muito tempo as definições de Direito Administrativo eram de natureza
autoritária. Otto Mayer26 caracterizava a AP em razão de poder administrativo, que consistia
em definir a situação jurídica dos súbditos no caso concreto- particulares eram administrados,
objeto do poder. Hoje em dia, ainda há quem defenda que as AP assentam nesta ideia de
poder - construções do poder de autoridade. Todavia, o Professor critica tal ideia, dizendo que
a AP só exerce estes poderes de autoridade quando a lei o estabelece, e em condições muito
limitadas. Ora, se restringíssemos o Direito Administrativo a esta realidade de poderes de
autoridade, ficávamos só com polícia, e a AP é muito mais que isso, nos dias de hoje
(conceção autoritária).
Sérvulo Correia tinha uma ideia estatutária: aquilo que caracteriza a AP é a existência
de um estatuto especial para AP. O professor diz que isto só existe nos termos da lei e de
forma limitada.
Concluindo, aquilo que é essencial, nos dias de hoje, para unificar o universo da AP, é
a ideia da função administrativa - atividade dos estados de satisfação continuada, regular e
permanente das necessidades coletivas definidas pela CRP, e que cabe à AP realizar no caso
concreto.
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Atualmente vivemos num Estado Pós-Social, onde há uma diferenciação mais flexível
de funções, que procura evitar uma confusão entre as mesmas. A expressão utilizada pela
Constituição da República Portuguesa é “divisão e interdependência dos diferentes poderes
do Estado”. E esta ideia de divisão, por um lado da separação de funções, e por outro lado da
interdependência, explica que haja um fenômeno de interações entre os diferentes poderes e
funções da lei, que haja aquilo a que Montesquieu tinha chamado os poderes de decidir.
No entendimento do Senhor Professor, a Administração Pública entende-se por uma
tarefa continuada, permanente, de realização da tarefa da satisfação das necessidades
coletivas- necessidades estas que são definidas pela Constituição dos diferentes países,
dependendo do modelo de Estado adotado. Por estar intimamente relacionado com o modelo
de Administração Pública que existe num determinado país/lugar, o Direito Administrativo é
o direito que se encarrega de regular o exercício da função pública.
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mas atualmente, não corresponde à realidade total da Administração Pública, sendo por isso
insuficiente para a explicar.
No quadro da Filosofia Portuguesa, encontramos diferentes provações, algumas delas
estudadas noutras disciplinas, por exemplo, a ideia do Direito Administrativo como o Direito
dos poderes de autoridade da prestação pública é o critério normalmente escolhido pelos
autores do Direito privado, nas disciplinas de Introdução ao Direito e Teoria Geral do Direito.
A Administração Pública é um poder e, portanto, há uma posição de poder. Mas o
problema é que, na maior parte dos casos, esta posição de poder hoje não existe. E, aquilo
que corresponde à função administrativa é realizado através de formas de cooperação entre os
particulares da administração, de forma que passam pela mistura entre regras de Direito
Público, e regras de Direito Privado.
A função Administrativa corresponde aos fins que são realizados por toda a
Administração Pública, e esta Administração Pública, na maior partes dos casos, tem
natureza privada - as empresas públicas são entidades privadas, organizam-se segundo o
Direito Privado - a maior parte da Administração utiliza meios e normas do Direito Privado, e
portanto, esta ideia de uma atuação dotada de poder não serve para explicar o que é o Direito
Administrativo. Nos dias de hoje, os privatistas indicam a Administração como critério de
diferenciação, mas também há publicistas, numa outra construção que é muito seguida em
Portugal que, na sequela do Professor Sérvulo Correia, veio dizer que o Direito
Administrativo é um direito estatutário - consagra um estatuto especial da administração. Só
que esse estatuto só existe quando a Administração goza de poderes de autoridade, quando
atua no domínio do direito policial, porque sempre que a administração está a satisfazer
necessidades públicas está a atuar no domínio do ambiente, está a atuar no domínio da saúde,
está a atuar no domínio do consumo - estamos perante atuações que não correspondem a um
estatuto de autoridade, a noção de direito estatutário, mesmo sendo capaz de ser a dominante
aqui em Portugal, neste momento, pelo menos na maior parte dos manuais publicados, é uma
noção que é totalmente insatisfatória.
Uma outra alternativa que, de resto, foi sugerida pelo Professor Marcello Caetano,
não tanto para falar do Direito Administrativo, porque ali usava a Teoria do Poder, mas para
distinguir o Direito Público do Direito Privado, era a ideia da finalidade - a finalidade ser
pública, ou a finalidade ser privada. E esta ideia é adotada, por exemplo, pelo Professor
Marcelo Rebelo de Sousa nas suas lições, escrita com o Doutor André Salgado de Matos; é
utilizada para explicar o Direito Administrativo. O Direito Administrativo seria um conjunto
de atuações que tinham por finalidade a satisfação primária, a satisfação imediata do interesse
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coletivo. A introdução do termo “imediato” ou “primário” tem a ver com uma das limitações
desta teoria, porque finalidades públicas também podem ter uma atuação privada.
Exemplo: um padeiro, que exerce uma tarefa privada, também desempenha uma
atividade de natureza pública porque alimenta a comunidade e, portanto, embora a sua tarefa
seja primacialmente privada, indiretamente também realiza um fim de interesse público. E o
termos que dizer isto, o termos que usar um qualificativo para caracterizar a prossecução do
interesse público, já diminui esta teoria, porque, se estamos a dizer que é mais ou menos
público, mais ou menos privado, ficamos sem critério de distinção. E, portanto, se
perguntarem ao Prof. Vasco P. da Silva, este prefiro uma concepção autoritária, ou uma
concepção finalista - apesar de tudo a ideia da finalidade é melhor para explicar aquilo que é
o Direito Administrativo, porque aquelas entidades privadas que exercem a administração e
cruzam meios jurídicos privados e meios jurídicos públicos, a ideia da finalidade ajuda a
perceber se são ou não administrativas e ajuda a caracterizar o Direito Administrativo.
No entanto, da sua perspetiva, o critério mais adequado para identificar a
administração pública e o Direito Administrativo corresponde ao critério da função, que no
Direito Administrativo é o direito da função administrativa. E a função administrativa tem a
ver com a satisfação das necessidades sociais de uma forma continuada, regular e
permanente, através de meios muito diferentes. A administração realiza funções de gestão, a
administração cuida da limpeza das ruas, a administração cuida de evitar os incêndios que são
atuações/operações materiais e não atos jurídicos. Mas a administração pública também atua
através de meios do direito privado. A administração pública compra bens e serviços como
qualquer particular, a administração pública contrata com particulares para a colaboração dos
exercícios e das funções. A administração pública organiza-se segundo o direito privado, e
tem uma realidade que mescla o direito público com o direito privado e há um autor italiano
(Mario…), que, a este propósito, usa uma expressão: “o direito administrativo é o direito
mestiço” - o direito misturado, que mistura realidades diferentes e as integra e as combina.
Portanto, não é uma realidade nova, não é nem pública nem privada, não prossegue apenas o
interesse público, prossegue também o interesse privado e, assenta basicamente nesta ideia da
função jurídica.
É necessário reconstruir todo o direito administrativo porque o direito administrativo
já não serve para explicar a realidade - é preciso entender os novos fenómenos
jurídico-administrativos, é preciso reconstruir o ato, é preciso reconstruir o contrato, é preciso
reconstruir o processo administrativo. E, tudo o que o Professor tem escrito tem sido neste
sentido de reconstruir, transformar, o direito administrativo à realidade da função
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administrativa pública. - A ideia de que o cientista tem de começar por olhar para a realidade,
tal como ela existe e, procurar explicar essa realidade. Não fazer uma construção com base
no passado, não uma construção com base no futuro, mas um cientista tem que partir da
realidade, olhar para a realidade e, em função dela, construir o direito administrativo
adequado aos nossos dias.
Hoje em dia já há vários autores a seguir esta posição de direito da função, mas ela
ainda não é uma posição dominante em Portugal.
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Constituição fala numa relação jurídica administrativa nos artigos iniciais, a propósito dos
direitos fundamentais, dos princípios da administração, no Artigo 212º, nº3, a propósito do
controle da administração.
Ou seja, a ideia de que o particular e a administração são sujeitos em posições de
igualdade, e que esta posição de igualdade no quadro de uma relação jurídica que assume
diferentes matrizes e, que é de natureza duradoura, vai apresentando direitos e deveres
diferentes, em razão da posição em que o particular se encontra no quadro das relações
jurídicas. Portanto, nós vamos partir de uma ótica que é a lógica entre o particular e a
administração pública. - O que é certo é que a administração tem sempre de realizar o
interesse público. Essa é uma finalidade essencial, mas o interesse público não é incompatível
com os direitos dos particulares e, como muito bem diz a Constituição da República
Portuguesa, é preciso realizar sempre o interesse público no respeito dos direitos dos
particulares. Uma coisa não pode andar sem a outra, não se pode realizar unilateralmente o
interesse público, pondo em causa os direitos dos particulares, nem se pode realizar apenas os
direitos dos particulares, esquecendo o interesse público. A lógica da comunidade obriga à
conjugação dessas duas realidades.
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No início do século XIX, estávamos perante teorias negacionistas, teorias que diziam
que o particular não podia ter nenhum direito face à administração. Otto Mayer diz que era
manifestamente inconcebível que o particular possa ter um direito a que a administração faça
qualquer coisa. Dizia Otto Mayer que ter um poder de vontade sobre a administração é
qualquer coisa inadmissível. A administração persegue o interesse público, a administração
tem privilégios de execução prévia, um particular não pode ter um poder perante a
administração. E esta lógica, que foi uma lógica tradicional do direito administrativo, hoje em
dia não faz mais qualquer sentido. A administração tem poderes como o particular tem
direitos, os poderes administrativos devem ser realizados como regras do interesse público e,
o particular, em última análise, tem direitos fundamentais que obrigam todos os poderes do
Estado.
Estamos numa posição de equilíbrio relativo e, cai naquela relação uma posição de
natureza positiva que tem direito a um comportamento de outrem e vice-versa. A
administração também tem, e isso é diferente do direito privado, um grande dobro de poderes
que nós diríamos que correspondem a direitos potestativos. Ou seja, na maior parte dos
casos, quando falamos de atos administrativos e regulamentos, estamos a falar em atuações
administrativas que produzem diretamente efeito nas esferas dos particulares, exatamente
como o direito potestativo. Agora, do ponto de vista jurídico, a realidade é exatamente igual
e, ao lado desses direitos potestativos, há mil e um deveres da administração que
correspondem a direitos dos particulares.
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um reflexo do direito. A ideia é de que o particular não pode prosseguir qualquer direito
perante a Administração. A Administração pode tudo. Tem o direito de decidir em última
análise a vida e morte de todos e, como tal, se a Administração Pública pode tudo, não é
possível conceber a existência de um qualquer direito.
O particular é beneficiado, no entanto, de uma forma indireta. Reflexamente, se a
Administração cumprir a lei, o particular ganha um benefício de facto. É uma teorização mais
elaborada da lógica francesa. O particular é beneficiado pelo cumprimento da lei, mas não
tem nenhum direito a exigir o cumprimento da lei, não tem nenhuma posição substantiva de
vantagem. Não tem um direito subjetivo; tem um reflexo do direito objetivo na sua esfera
jurídica.
Ainda no quadro destas construções, embora afirmando-se como subjetivista – esta
doutrina é claramente objetivista, devido ao facto de negar a existência de direitos. Esta
construção doutrinária surgiu em França e foi adotada em Portugal pelo Professor Marcello
Caetano, tendo constituído durante bastante tempo a consciência social dominante nesta
temática. Tratava-se da ideia de que o particular tinha um direito objetivo e abstrato. Um
direito à legalidade, mas que não era direito nenhum em concreto- não estava na esfera de
ninguém e não se podia exigir o seu cumprimento. Era um direito a que a lei funcionasse, era
um direito à legalidade objetiva. Era um direito como uma espécie de “pombinhas da
Catrina”, que andam de mão em mão e são de quem as apanhar. O particular, em nome deste
direito à legalidade, podia ir a tribunal, sem ter propriamente um direito subjetivo e dizer que
havia uma violação da legalidade. Era um direito geral e abstrato. Era um direito que não
existia na esfera jurídica dos particulares. Era a negação da ideia de direito subjetivo. Era
uma afirmação do direito objetivo, sendo mais uma variante da construção de Otto Mayer a
ideia de que o que estava em causa era uma ordem jurídica que funcionava de acordo com a
lei e que, se funcionasse de acordo com a lei, o particular era protegido. Há um direito à
legalidade que não era de ninguém mas era de todos. Ao ser de todos não é suscetível de
apropriação; ninguém o possui, e como tal é algo que corresponde à negação de um direito.
Estas construções, que são consideradas clássicas, correspondendo aos traumas da
infância difícil do Direito Administrativo, sendo hoje incompatíveis com a nossa Constituição
e Ordem Jurídica. Hoje não é possível repeti-las como uma construção jurídica de Portugal,
um Estado de Direito do séc. XXI. O mesmo vale relativamente a todos os outros Estados
Europeus. Desde o artigo 1º que fala em dignidade da pessoa humana, aos direitos
fundamentais que vinculam as entidades públicas e privadas, ao princípio da prossecução do
interesse público no respeito pelos particulares, ao objeto do Contencioso Administrativo
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relativo aos litígios nas relações jurídicas administrativas, a um direito fundamental de acesso
à justiça, tudo isto, contraria esta lógica negativista/negacionista da existência de direitos
subjetivos para a Administração. No quadro Europeu e no quadro Nacional, é manifestamente
indiscutível que as outras concepções não são admissíveis e que estas são sim, embora com
conteúdos diferenciados.
Em Portugal há uma construção, que teve grande influência do direito italiano, que
vai dar origem a concepções trinitárias. A ideia de “trindade” é defendida pelo Prof. Freitas
do Amaral, mas também pelos Professores Rui Machete e Sérvulo Correia. Durante muito
tempo esta era a conceção dominante, mas hoje em dia, ela tende a perder essa posição em
face das outras, portanto, é sinal que houve uma evolução no quadro do pensamento.
Insere-se nesta ideia de concepção trinitária a concepção binária. Enquanto que o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa se fica pelas 2 modalidades de direito subjetivo, a construção
trinitária acrescenta ao direito subjetivo e ao interesse legítimo, também um interesse difuso.
A construção trinitária defende a ideia de que existem três tipos de direitos
caracterizados por um menor grau de proteção em termos relativos. Há um direito subjetivo –
que corresponde a um direito integrado e protegido; um interesse difuso – que seria um
direito “sombra”, e ainda um interesse difuso que seria um direito 3º - um direito que não
corresponderia a uma proteção muito efetiva. Esta construção vem do direito italiano e é
incompreensível que tenha tido uma influência tão grande na doutrina portuguesa. O que está
por detrás desta distinção do direito italiano é uma distinção de natureza processual. Na Itália
há tribunais administrativos e a divisão de competências entre os tribunais administrativos e
os tribunais judiciais, tem a ver com a diferença entre os direitos subjetivos e direitos
objetivos. Se estamos a tratar de interesses objetivos, cabe designar os tribunais
administrativos competentes, se por outro lado abordamos os direitos subjetivos, tal papel
cabe aos tribunais judiciais. É uma construção histórica. Na altura da implantação do
Contencioso Administrativo recebeu cabimento institucional e curiosamente nunca se deu em
Portugal.
Em Portugal, no quadro da função administrativa, os tribunais decidem tanto em
matéria de direitos, como de interesses. Nunca foi uma distinção que significasse um tribunal
diferenciado, ao contrário do que se passou em Itália.
Desde os finais do Séc. XX, desde 98, a legislação do Contencioso Administrativo e a
própria lógica constitucional ultrapassou essa distinção, criando áreas a que chamou de
“jurisdição exclusiva”, que são áreas como a saúde, consumo, ambiente, urbanismo e
realidades de natureza social, que estão identificadas na Constituição e nas leis, e no quadro
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Esta ironia foi feita no direito italiano, onde se referia que não faz sentido esta
distinção: estamos perante uma proteção jurídica num caso e no outro. E depois esta ideia de
que um caso é uma proteção direta ou indireta, em rigor, não faz sentido absolutamente
nenhum. Não é a mesma coisa dizer que “fulano tal” tem um direito ou que “fulano tal” tem
um dever de atuar que corresponde a um direito de quem atua? Havendo um dever da
Administração, este dever da Administração está estabelecido no interesse do particular e não
há uma realidade diferente por a norma que está em causa ser uma norma de dever ou ser
uma norma que fala em direito subjetivo. É um argumento falacioso que não faz qualquer
sentido.
O único sentido, podem ser os traumas da infância difícil. É difícil falar em direitos
subjetivos. É difícil alargá-los a um ângulo muito grande e, portanto, ficam direitos de
primeira e direitos de segunda. O que até é, no ponto de vista da ciência do direito, uma
realidade ilógica. No quadro da relação jurídica, como existe no Direito Administrativo, uma
regulação da atuação da Administração corresponde a um direito do particular àquela
atuação. O direito tem o conteúdo, o dever, que se insere no quadro daquela relação jurídica.
É por isso que o Prof. Vasco Pereira da Silva costuma dizer que a única forma de
diferenciação que parece existir entre o direito subjetivo e o interesse legítimo, é o modo
como a norma atribui a posição de vantagem. Mas, num caso e noutro são posições de
vantagem, são iguais e, como diz, e bem, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, têm o mesmo
regime jurídico -e não há razões para fazer qualquer diferença – e o modo como a norma
protege também é idêntico. Tanto faz dizer que “fulano tal” tem um direito, como dizer que
“fulano tal tem um direito que corresponde a um dever de outrem”. Ao regular um direito no
interesse de outrem está-se a atribuir um direito ao outro titular da relação jurídica. Portanto,
tudo isto corresponde aos traumas da infância difícil e é algo que deve ser superado no
quadro da moderna teoria do Direito Administrativo.
Existe um tipo de interesses difusos, cujo o Professor Marcelo Rebelo de Sousa
rejeita, embora se encontrem bastante difundidos no nosso país, os direitos de terceiro. Os
direitos de terceiro entendem-se, em primeiro lugar, por direitos não criados pelo legislador
ordinário, mas que resultam de normas constitucionais, eram direitos fundamentais. Surge
então a questão de saber como é que podem estes direitos não ser criados pelo legislador, se
se tratam de direitos fundamentais. Porque é que são interesses legítimos? A resposta a estas
questões remete-nos à infância difícil do Direito Administrativo. Na lógica clássica o Direito
Constitucional tinha pouca importância e o Direito Administrativo é que era “o” Direito, que
criava posições jurídicas de vantagem e implicava que o legislador constituinte fosse
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desvalorizado. Era a lógica do séc. XIX, lógica de Otto Mayer sobre a qual o Direito
Administrativo ficava.
Desde logo, isto é algo estranho. Mas há um outro argumento, defendido pelo Prof.
Freitas do Amaral, e retomado por alguns ambientalistas, que quer dizer que esses direitos ao
ambiente e à qualidade de vida, correspondem a realidades objetivas em que há uma
proteção objetivas do bem e que o bem não é apropriável. É indiscutível que o ambiente não é
apropriável. Ninguém se pode apropriar do Direito. O direito não é de uma única pessoa e
corresponde a uma realidade objetiva, tutelada independentemente das pessoas e corresponde
a princípios jurídicos.
O facto de corresponderem a uma tutela objetiva de um bem não significa que esse
bem não possa ser utilizado também em proveito dos particulares. Não é por haver uma tutela
objetiva, que torna impossível um aproveitamento subjetivo desse bem. No quadro das
relações que envolvem o meio ambiente, desde a produção de batatas à produção de
eletrodoméstico, há condições normativas de aproveitamento de um bem. É isto que se passa
no quadro do Direito ao ambiente, que é um direito fundamental, na nossa ordem jurídica,
constituído no artigo 66º.
No Direito administrativo também há uma realidade que todos conhecem: as praias.
As praias, em Portugal ou nos outros países europeus, são públicas. Ninguém pode ser
impedido de ir a uma praia, a praia é um bem público, mas sendo um bem público, os
banheiros têm uma relação contratual com as autoridades portuárias para explorarem as
sombras que colocam lá durante o verão. Portanto, se ninguém pode ser impedido de ir à
praia, só pode usar sombras, que são utilizadas para efeito pessoal; o concessionário que
colocou lá aquelas sombras e as pessoas que querem utilizá-las têm de pagar. Se não
pagarem, podem ir à praia, mas têm de ficar ao sol ou trazer uma sombrinha de casa. O bem,
por ser público, não impede o aproveitamento individual. Há uma relação de interesse
público, que resulta do contrato, em que o banheiro se compromete a tomar conta da praia, a
garantir minimamente a segurança e chamar as autoridades marítimas se houver algum
problema, a limpar a praia, se compromete a ter um Nadador Salvador, e tudo isso está a
cargo de quem assume aquela tarefa, mas, em contrapartida, pode explorar as sombras - a
praia não deixa de ser pública -, havendo um aproveitamento subjetivo no interesse de todos.
Portanto, não é por haver uma proteção jurídica objetiva, que isso põe em causa a posição
jurídica subjetiva.
Outros exemplos são os concessionários que têm postos de gasolina numa
autoestrada, que embora estejam num sítio público, têm um contrato que permite a
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exploração da venda de gasolina num quadro de uma propriedade que é pública. O café que
tem uma esplanada e, portanto, coloca umas cadeiras na rua, está a usar a via pública e para
tal tem que ter um contrato – uma autorização do Município. Alguém que tem um café não
tem o direito a ocupar o passeio envolvente; só tem se, no quadro da lógica da conciliação do
interesse público com o interesse privado, a autoridade municipal disser que não existe
problema e estabelece condições. No quadro dessa realidade é possível realizar a título
individual o bem público.
O argumento de que o bem não é apropriável, é um argumento que vale para a
totalidade do Direito, mas não é isso que está em causa. Não é o ambiente objetivo que dá
origem a um direito subjetivo. Agora a proteção objetiva do meio ambiente permite a
existência de mecanismos de utilização subjetiva desse bem, como aquilo que resulta de uma
licença de exploração de uma fábrica, que está sujeita a limites (limites que agora têm que ver
com as alterações climáticas), da mesma maneira que quem compra uma propriedade privada
que pode estar condicionada no seu uso de restrições de natureza administrativa, que têm que
ver com o modo de utilização daquele terreno.
É, assim, um argumento um pouco estranho que implica confundir o “meu direito”,
que me permite usar, em meu benefício o meio ambiente, que me garante a Constituição, e o
direito objetivo, que existe independentemente de “mim”.
A ideia de que há uma tripartição ou uma repartição de direitos subjetivos e interesses
difusos – direitos de primeira, de segunda ou terceira – é algo que não tem qualquer
justificação, seja teórica: o que está em causa é o modo de atribuição do direito pela norma e
em qualquer dos casos estamos perante um direito. Há uma permissão normativa de
aproveitamento, independentemente de se tratar de um bem público. Há um verdadeiro
direito subjetivo. Não há razões teóricas para isso, também não há razões jurídicas, já que a
ordem jurídica não estabelece regimes jurídicos diferentes e trata todas essas categorias da
mesma maneira e ela está num trauma da infância difícil do Direito Administrativo que
continua a existir nos dias de hoje. A ideia do direito reativo corresponde a uma lógica
unificada, em vez de dizer que há várias espécies de posições jurídicas subjetivas, umas que
são direitos e outras que não, a ideia do direito reativo que foi teorizada pelo Prof. espanhol
chamado García de Enterría, que teve uma grande influência em Portugal e no Direito
Português, que apresenta uma teoria do “Direito reativo” que, segundo ele, seria a teoria
correspondente à orientação alemã. A doutrina alemã não tem nada a ver com esta teoria e
García de Enterría não precisava sequer de ir buscar uma influência alemã, porque a
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construção dele era original e interessante, mas era uma construção que acabava por não
corresponder a nada.
A lógica do direito reativo, é uma lógica unificada e significa o olhar para o poder de
ir a tribunal, para o direito de reagir contenciosamente, e considerar esse o único direito em
causa no Direito Administrativo. Ninguém põe em causa que o direito de ir a juízo seja um
direito subjetivo, agora é um direito com uma função instrumental. Serve para proteger os
outros direitos. Os direitos resultam da ordem jurídica que atribui essas posições de
vantagem, que cria deveres no interesse de outrem, e a lógica do direito reativo é introduzir a
confusão entre as partes 2. Tinha uma vantagem, que era parecer unificado.
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acaba por se restringir a um conceito mais restrito de direito enquanto direito de reagir, que,
no fundo, se consome no direito de ir a tribunal para ir pedir a tutela de um direito lesado e,
portanto, um direito de agir em juízo.
É uma construção de origem espanhola, construída por Garcia de Enterría, nos anos
60. Este apresenta-a como sendo a noção alemã, mas isso não é verdade, é muito diferente da
construção alemã (apesar de algumas semelhanças). Nos anos 60, a teoria significou um
progresso, porque foi uma tentativa de unificação dos vários direitos subjetivos através de
uma explicação que tinha uma dimensão “nobre”.
O Professor Vasco P. Silva, nos anos 80, no seu primeiro trabalho publicado, aderiu a
esta realidade. Porém, aproximou-se depois da doutrina alemã. O que está em causa é que o
particular, no quadro do Direito Administrativo, está protegido pela lei, que tanto pode
atribuir diretamente um direito, como estabelecer um dever à Administração e, portanto, há
uma proteção da lei, mas essa proteção só se manifesta – e aqui a doutrina diverge - ou no
momento em que surge a lesão, em que a Administração lesa o direito do particular, ou no
momento em que o particular reage por ter sido lesado (a última explicação é a mais seguida,
porque está em causa uma reação).
O professor Rui Medeiros, no modo como constrói esta posição, por exemplo, está
mais próximo da ideia da lesão, porque parte da explicação do direito à indemnização, que é
comum quer Direito Administrativo, quer ao Direito Civil, quer à Teoria Geral do Direito, ou
seja, a ideia de que, quando alguém viola a lei e causa um dano, é no momento da lesão que
surge um direito (à indemnização). Segundo o professor, esta última explicação faz mais
sentido do que a de “direito reativo”, embora também signifique limitar esses direitos a
direitos de natureza absoluta que decorrem da lesão da ordem jurídica e da provocação de um
dano a um particular.
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Ainda tem outra consequência, já que o professor Mário Aroso de Almeida pretende
tirar como consequência deste direito negativo a que a Administração não viole a legalidade o
facto de, num tribunal, o juiz ter de alegar factos para além das partes, o que é algo estranho,
porque o juiz é imparcial e neutro, sendo as partes que levam a juízo os factos que querem
ver julgados. Seria, por isso, inconstitucional, porque a justiça está associada à imparcialidade
e à neutralidade.
Qual é para o Professor Vasco Pereira da Silva a construção mais adequada do direito
subjetivo público no quadro do Direito Administrativo? Na doutrina alemã, desde finais do
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séc. XIX, se fala da “Teoria da Norma de Proteção”, no sentido de haver uma situação
protegida pela norma – e é daí que vem o seu nome - que é uma situação individual e que,
como tal, gera um direito subjetivo do particular.
Esta teoria surgiu com Buehler, que, pela primeira vez, falou da existência de direitos
subjetivos públicos, numa altura em que Otto Mayer negava a existência destes direitos.
Falava-se em 3 condições para a existência de um direito subjetivo: haver uma norma jurídica
vinculativa, quer essa norma se abstivesse ou implicasse uma ação, e, portanto, só havia
direito na medida dessa norma jurídica vinculativa; essa norma deveria estar estabelecida no
interesse do particular, era criada com esse fim de proteger o particular; por fim, a existência
dessas duas condições atribuiria o direito de ir a juízo (o tal direito reativo), que seria algo
que acrescentaria ao que resultava das primeiras duas condições.
A vantagem é que já não se fala apenas do direito a ir a juízo, mas sim numa noção
mais ampla de direitos subjetivos.
À época, tinha um âmbito de aplicação algo limitado. O modelo de Estado ainda era o
modelo liberal, pelo que era discutido quem possuía direitos ou não – na altura dizia-se que
só se aplicava aos cidadãos nacionais e, como tal, os outros não eram titulares de direitos
(apátridas, estrangeiros, refugiados). Também ficavam de fora os direitos de natureza
económica, social e cultural, já que o contexto era o da Administração agressiva e não
prestadora, pelo que a teoria incidia, sobretudo, sobre as omissões administrativas.
Assim, esta construção era muito moderna, porque permitia falar de uma ampla noção
de direitos subjetivos públicos, mas simultaneamente muito arcaica, porque limitava os
direitos pela via dos sujeitos e pela via dos próprios direitos, já que eram colocados de fora os
de natureza económica, social e cultural. Não era, em suma, adequada.
Nos anos 50/60, a teoria foi transformada por influência de Otto Mayer. Em primeiro
lugar, vem dizer que falar em norma vinculativa é um excesso, afirmando que as normas
jurídicas tanto podem ter elementos vinculativos como elementos discricionários e que,
relativamente a todos os aspectos de vinculação, mesmo no quadro dos poderes
discricionários, há um direito.
A distinção entre discricionariedade e vinculação não se coloca entre atos
administrativos, porque os atos têm sempre aspetos vinculativos e aspectos discricionários;
existe sempre a conjugação das duas vertentes quando falamos do Direito Administrativo – o
primeiro a dizê-lo, em Portugal, foi o Professor Freitas do Amaral.
Otto Mayer, diz: se estamos num Estado de Direito e numa democracia, os cidadãos
são sempre protegidos pela norma. A norma constitucional garante aos particulares uma
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dizer é que é algo protegido por uma norma que atribui a permissão de aproveitamento do
bem. Esta perspetiva resolve os traumas de infância, ou seja, todos os direitos subjetivos são
da mesma categoria, aplicados a todos.
A última discussão acerca da teoria da norma de proteção, com relevo para esta ideia
introduzida nos anos 60/70, relacionada com o direito à atuação da Administração (por
exemplo o direito à atuação da polícia), é o facto de esta ideia se estender ao Direito
Constitucional, em que ainda se tende a olhar para o direito subjetivo com a sua dimensão
meramente negativa. Esta é, segundo o Professor Vasco P. da Silva, a quarta fase da teoria da
norma de proteção, que deve ser alargada ao Direito Constitucional. Esta explicação de
ordem conceptual é válida para toda a ordem jurídica – a noção “direito subjetivo não tem
apelido”, significa que os direitos são todos iguais, não é público ou privado, pelo que
implica sempre uma tutela do particular perante os poderes públicos que resulta da
Constituição e das leis, e que origina direitos subjetivos na esfera dos indivíduos e que caem
no âmbito de aplicação dessas normas, como acontece no quadro dos diferentes domínios da
ordem jurídica.
A única coisa que podia distinguir figuras diferentes, admitindo que estas fossem
distinguíveis, seria o modo como a ordem jurídica atribui esses direitos. Mas esse modo é
sempre idêntico: tanto existe um direito perante uma norma que imediatamente outorga algo
a um particular, como uma norma que atribui um dever de atuar à Administração, que
corresponde a um direito subjetivo do particular. Assim, não faz sentido distinguir direito
subjetivo de interesse legalmente protegido ou ainda falar de interesses difusos, que são
direitos de terceiro.
De forma a melhor entendermos as consequências disto, adotamos o exemplo que é
dado pelo Professor Freitas do Amaral, para concluir que esta posição não é a correta e que
deve ser adotada outra. Dá o exemplo de distinção entre direito subjetivo e interesse
protegido: o direito à reforma de um funcionário público, é um direito subjetivo, porque a lei
diz que X pessoa tem direito à reforma ao fim de uma quantidade de anos de serviço. Por
outro lado, o exemplo de interesse legítimo é o de um concurso público para o lugar de
professor catedrático numa faculdade, em que havia 4 candidatos – o Professor diz que os
candidatos, desde que se apresentam a concurso, estão submetidos a um tratamento de acordo
com normas jurídicas objetivas, ou seja, são normas que protegem o particular, mas apenas
indiretamente; depois, relativamente ao que ganha ao concurso, tem o direito a ser provido do
cargo, que é um direito mais amplo.
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Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, o que está errado aqui é que todas as
normas protegem os particulares – que protegem tanto a Administração como os particulares
- e, na medida em que atribuem deveres, também atribuem direitos aos particulares (o
particular que participe no concurso tem direito a participar, a ser tratado em condições de
igualdade, em condições proporcionais, direito à verificação da sua capacidade e, se ganhar, o
direito de ter o cargo). Não há apenas um direito máximo, que corresponde à integralidade da
posição do particular, mas há um conjunto de direitos que vão desde o momento em que
entrega os papéis até ao momento em que toma posse – isto é importante, porque dá direito
de reação aos particulares, no caso da não observância desses direitos.
A propósito de qualquer norma que regula a relação jurídica entre administração e particular,
o particular tem direitos, que correspondem aos aspectos vinculados dessa atuação, e não tem
apenas um direito final. O direito ao cargo, utilizado no exemplo, é a consequência de ter
havido, no quadro daquela relação jurídica, o respeito por todos os direitos dos diferentes
candidatos.
A noção de direitos subjetivos públicos implica um alargamento formidável da noção
de direito no quadro de uma lógica da proteção de particulares, porque qualquer norma
administrativa, no quadro de uma relação jurídica, protege simultaneamente a Administração
Pública e o particular.
Estas categorias podem ir desde direitos à conduta de outrem, a direitos de natureza real,
podem ser direitos obrigacionais ou direitos potestativos, podem ser direitos com conteúdo
amplo ou conteúdo restrito.
Estes direitos, se têm esta realidade comum, é em razão do modo como a ordem
jurídica os regula, e também do facto de não haver na ordem jurídica portuguesa diferenças
de regime jurídico entre figuras diferentes, entre direitos de primeira, segunda ou terceira, ou
direitos de primeira e direitos de segunda. Na nossa ordem jurídica todos os direitos são
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tratados por igual e tanto assim é que o legislador fala, quando usa a noção ampla de direito
subjetivo público, em direito de interesse legalmente protegido.
A expressão “interesse legalmente protegido” corresponde à dimensão que é o direito,
e, portanto, recordando o exemplo de direitos no quadro de uma relação jurídica, a relação
jurídica que se estabelece entre os candidatos a concurso para professor catedrático e os
órgãos administrativos, vemos que estes direitos podem ter conteúdos muito diretos.
Além do direito de quem ganha o concurso de ocupar o cargo, o único que
tradicionalmente é considerado como direito subjetivo, (o Professor Freitas do Amaral só
admite esse direito no quadro da lógica comunitária, dizendo que o que há antes disso são
direitos de segunda, os interesses legalmente protegidos), de acordo com a lógica da norma
de proteção em todas essas situações em que há um dever de uma entidade pública são
consideradas como direitos, quer esse dever tenha sido criado pela lei ou por uma norma
jurídica qualquer.
Esta realidade normativa que acontece no quadro do direito público cria verdadeiros
direitos que correspondem aos deveres da administração, deveres esses que tem como
correlato a posição substantiva. Portanto, é preciso mostrar que esta noção ampla de direito
subjetivo público, por um lado é uma noção similar de direitos subjetivo privado, mas é esta
noção que permite que as relações jurídicas sejam o centro da nossa ordem jurídica.
Relações Jurídicas
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vontade num quadro relacional e para tomar decisões que sejam as mais corretas, e isto
porque o modo de chegar a essas decisões é o mais correto.
Alguns autores americanos falam também no decision making process, a ideia de que
não há apenas a decisão em si, a decisão tem um conteúdo material, que é o direito
substantivo que obriga as decisões a ser justas ponderadas equitativas, para chegar a essas
decisões é preciso que as regras procedimentais sejam adequadas a administração. A título de
exemplo, a Administração, antes de decidir se concede ou não uma autorização de construção
tem que averiguar vários aspetos, como, o terreno em questão, os planos para essa
construção, analisando se esses são ou não adequados e se são compatíveis com as regras de
planeamento municipal. Tal implica que a administração tenha de fazer uma
investigação/instrução do procedimento tem que ver o que está em causa.
A administração realiza vistorias, de forma a perceber se as regras e os planos
apresentados num plano inicial forma ou não respeitado, tudo isto corresponde a uma decisão
administrativa, tem que haver um procedimento em que é preciso também ouvir as pessoas,
uma das regras essenciais do procedimento administrativo é a regra de audiência prévia.
Antes de a decisão ser tomada é preciso os particulares, que são por ela afetados,
apresentarem a sua opinião para que possam defender os seus direitos. De uma forma
preventiva, surge a ideia de que há um princípio da audiência prévia que é uma regra
fundamental do procedimento administrativo, um direito fundamental dos particulares.
Da mesma forma como depois de decidir, a Administração tem de justificar as razões
dos seus atos, tem de fundamentar as suas decisões. Existe um dever de fundamentar, que
corresponde a um direito à fundamentação das decisões da Administração, tendo esta que
explicar os argumentos de facto e direito que a levaram a encontrar aquela decisão, não basta
que a decisão em si seja boa ou má, é preciso que o modo de atingir essa decisão também seja
o mais correto, esta é a relação jurídica procedimental.
A relação que se estabelece desde o momento que o particular pede à Administração
alguma coisa é a relação procedimental (exemplos: construir uma casa; receber uma bolsa de
estudos; instalar uma fábrica), o procedimento tanto se inicia a pedido dos particulares como
por vontade da Administração que decide no quadro da satisfação das necessidades públicas
tomar uma decisão e abrir um procedimento, este é uma realidade essencial.
As decisões não vem de uma realidade material, são construídas no procedimento. As
relações jurídicas procedimentais são uma realidade do dia a dia. O governo faz um concurso
público para obter pareceres acerca da melhor forma de resolver aquele problema e depois vai
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tomar a decisão com base nos argumentos dos pareceres apresentados, este procedimento é
tão ou mais importante que a decisão.
Desde que nos anos 60, os autores italianos chamaram à atenção para o procedimento,
dizendo que ele era a forma da função administrativa, cada função tem um procedimento
adequado à sua tarefa, assim, a função legislativa tem regras diferentes da função
administrativa e da função judicial.
Entre os anos 80 e os nossos dias, a Teoria do procedimento teve alguma evolução, no
sentido de que, hoje em dia as Constituições consagram esses direitos de natureza
procedimental, existem por isso novos direitos fundamentais que dão origem a uma nova
figura, o status activus processualis. O cidadão tem uma posição ativa de intervir na tomada
de decisões administrativas e isto traduz-se em poderes e deveres no quadro de uma relação
jurídica que não é apenas a que resulta da realidade material, é a que resulta no modo da
tomada de decisão mais adequada para aquele caso concreto.
Se considerarmos a Constituição Portuguesa veremos muitos destes direitos
fundamentais de natureza processual, logo, primeiramente encontramos o direito de acesso à
justiça no artigo 268º da Constituição.
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da administração. Caso o particular não fique satisfeito ou caso existam particulares que têm
interesses diferentes ao do particular que viu o seu interesse satisfeito, em situação de
ilegalidade é sempre possível recorrer a tribunal para tutelar os direitos respectivos. Por
exemplo, alguém que concorreu a um concurso e achou que deveria ter sido classificado
perante a existência de uma ilegalidade que o afastou do concurso – o particular pode, assim,
recorrer a um tribunal para pôr em causa essa atuação administrativa para ela ser afastada e
para a administração tomar uma outra decisão.
Daqui surge uma terceira forma de relação jurídica – a relação jurídica processual.
Uma situação de igualdade entre todos (particulares e administração), na medida que todos
intervêm nos mesmos momentos do procedimento, nas mesmas fases com os mesmos
poderes e deveres. Surge nas situações em que há conflitos de direitos, de posições que não
são satisfeitas e de litígios, cabendo aos tribunais olhar para a lei e ver quem tem razão e
decidir qual a melhor solução para o caso concreto.
Esta lógica processual também resulta das normas constitucionais – artigo 203º nº4 e
ss, e artigo 221º nº3. Simultaneamente, no CPA temos os Tribunais Administrativos, onde são
regulados os meios processuais, os poderes do juiz, tudo aquilo que as partes podem pedir e
todos os conteúdos que as sentenças podem ter.
Contudo, é de notar, que isto é uma transformação recente, não só em Portugal como
em outros países tendo em conta a superação da lógica autoritária da administração do Estado
liberal e a sua substituição pela Administração prestadora do Estado Social e a infraestrutural
do Estado pós-social, através das transformações que as modernas sociedades foram
introduzindo e que obrigam a considerar todas as realidades no quadro do Direito
Administrativo.
Uma outra realidade mais recente é a superação de olhar para as relações jurídicas,
tendo em conta um mecanismo de Direito Privado, como sendo relações bilaterais – a
administração de um lado e o particular do outro. Hoje em dia descobriu-se que a maior parte
das relações jurídicas são multilaterais, tem uma multiplicidade de sujeitos num lado e noutro
a relação jurídica.
Por exemplo, se a Administração quer construir um aeroporto no local X, haverá
aqueles que acham que aquele local é mau porque põe em causa regras de planeamento,
espécies, entre outros; mas por outro lado, haverá outras pessoas que consideram que aquele é
o sítio ideal porque vai desenvolver uma comunidade, a indústria ou o comércio, ou qualquer
outra coisa que exista naquela zona. Portanto há interesses contraditórios, e no quadro destes
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interesses contraditórios, há vários lados da relação jurídica – logo, as relações jurídicas são
multilaterais, afetam uma multiplicidade de pessoas.
Um dos novos ramos do Direito Administrativo nasceu assim, sendo um excelente
exemplo disso o Direito do Ambiente. O Direito do Ambiente é uma realidade que tem uma
dimensão administrativa muito importante e que foi cultivada pelo direito administrativo.
O Direito do Ambiente nasceu na Alemanha com o caso do pescador de chalupa. De
uma forma muito resumida, havia um pescador que tinha o costume de pescar num rio na
Alemanha, mas que um dia se deparou com os peixes todos mortos devido aos despejos de
resíduos tóxicos de uma fábrica para o rio. O pescador decidiu ir a tribunal afirmando que
aquela fábrica estava a funcionar ilegalmente e que estava, também, a pôr em causa o seu
direito ao trabalho, o seu direito a ter uma relação equilibrada com o meio ambiente e a
qualidade de vida dele, bem como de todos os pescadores daquele rio. A primeira coisa que o
tribunal decidiu fazer foi perguntar o porquê de o pescador impugnar isto em tribunal. Isto
porque ele não era um dos sujeitos da relação jurídica bilateral, a mesma somente
correspondia à autorização dada ao dono da fábrica pela autoridade do Estado no norte da
Alemanha.
Desta forma, a primeira coisa que o tribunal fez de inovador foi reconhecer
legitimidade ao pescador e, para além disso, reconheceu o direito do ambiente decorrente do
seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade, considerando o direito ao ambiente
como sendo também um direito fundamental que tem que ser compatibilizado com todos os
outros direitos.
Assim, ficamos perante uma lógica de compatibilização de interesses antagônicos,
porque por um lado tínhamos o direito do pescador ao ambiente e à sua qualidade de vida, e
do outro tínhamos o direito de propriedade do dono da fábrica e o direito ao trabalho dos
trabalhadores da mesma. Nestes termos, a solução não é acabar com a fábrica, mas obrigá-la
a produzir de forma mais ecológica, o que resulta num mecanismo que permite a
consolidação do direito de propriedade, do direito de iniciativa económica, o direito dos
trabalhadores com o direito dos habitantes daquela zona e que exercem as suas atividades
econômicas naquele local.
Portanto esta relação jurídica, é uma relação jurídica multilateral que tem uma
multiplicidade de sujeitos e são todos eles antagônicos – por isso é que são precisos estes
mecanismos administrativos para permitirem a tomada de decisões corretas, justas e que
resolvam a situação de todos da forma mais equilibrada possível.
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As atribuições, por sua vez, são as finalidades que devem ser prosseguidas, são as
tarefas que cabem aos órgãos do poder administrativo. Já as competências são os poderes
funcionais, poderes que permitem a tomada de decisões - são as realidades que permitem que
os órgãos manifestem a sua vontade imputável à pessoa coletiva.
Esta é a lógica tradicional e que é fácil de perceber, contudo a realidade complicou-se,
e as pessoas coletivas que eram essencialmente públicas, agora são privadas. Desempenham a
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de certa forma, os órgãos tomam decisões que são imputadas à pessoa coletiva e essas
decisões não obrigam esta, mas outros órgãos da mesma ou de outras pessoas coletivas
porque há relações intra-orgânicas (da mesma pessoa coletiva) e interorgânicas (de pessoas
coletivas distintas). Assim, ao interpretar a atuação das pessoas colectivas, no nosso
entendimento, há uma certa tendência de considerar que os órgãos são os verdadeiros sujeitos
das relações jurídicas administrativas, não as pessoas.
No quadro da lógica alemã, costuma-se afirmar que a noção de Pessoa Coletiva não é
jurídica, mas artística. Tal ideia traduz-se no facto de que o que verdadeiramente faz mover as
relações jurídicas públicas é a capacidade dos órgãos, não a personalidade da pessoa coletiva;
é a possibilidade que os órgãos têm e seus poderes para tomar decisões e não a personalidade
jurídica da pessoa coletiva em si.
Ao lado dos órgãos, há serviços que são entidades organizadas, as quais preparam e
executam as decisões dos órgãos. Com o intuito de aproximar da realidade, utilizemos como
exemplo a Divisão Académica, que é um serviço da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa. A priori, há órgãos que tomam decisões e atuam em nome da faculdade27, a quem são
imputadas as atuações dos órgãos. Por sua vez, a faculdade integra-se numa universidade que,
no caso do direito, também é uma pessoa coletiva28. Normalmente, nas outras instituições
universitárias, ou as faculdades são órgãos e não há uma instituição também como órgão de
natureza superior, ou então as faculdades não têm personalidade coletiva e integram-se na
universidade, entidade superior. Na época em que elaborou os estatutos quer da reitoria, quer
da Faculdade de Direito, o Professor Marcelo Caetano entendeu que podia haver duas pessoas
coletivas: uma maior e outra menor, e ambas integravam o quadro da mesma lógica.
Entretanto, não é uma questão que cause frisson, porque, mais importante que as pessoas
coletivas, são os órgãos.
Contrariamente aos alemães, que relativizam29, os italianos entendem não fazer
sentido manter a distinção entre pessoas coletivas e órgãos e pretendem acabar com ela.
Nessa lógica, o que releva é quem atua, mas quem atua deve ter o nome de serviços; os
servizzi, como entidades orgânicas que tomam decisões no quadro da Administração Pública.
À partida, a construção de Massimo Severo Giannini, na década de 70, é boa, mas acarreta
um problema: intensifica a confusão ao chamar serviços aos órgãos. Isto porque, de alguma
27
Tais quais os conselhos científicos, o presidente do conselho, a diretora e o conselho pedagógico
que atuam em nome da faculdade.
28
Lógica advinda do professor Marcelo Caetano.
29
A que parece ser a solução mais adequada.
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maneira, reduz estas três dimensões em apenas uma e, portanto, introduz um elemento de
alguma perturbação.
Tais conceitos foram alterados, e hoje encontram-se relativizados, pois, em relação às
pessoas, não temos apenas pessoas coletivas públicas, mas também privadas; fenómeno que
se relaciona com a privatização da administração que pode corresponder à criação de órgãos e
entidades administrativas criadas e reguladas segundo o direito privado. São exemplos:
30
Normalmente, nesses casos há um risco de empreitada em conjunto com a concessão, mas pode
haver a concessão de um serviço público a privados, como o que acontece nos hospitais
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O que é a descentralização?
31
Curso de Direito Administrativo, vol. 1, 2015, 4ª edição, pg. 723 e 724, Diogo Freitas do Amaral
32
Limitada, entretanto, pelo controlo de legalidade.
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possibilidade de sobrepor-se aos órgãos que dele dependem; poder de direção, ao qual cabe a
capacidade de dar ordens aos órgãos de administração direta.
O artigo foi elaborado há muito tempo e, por isso, faz-se necessário pôr luz sobre
outras duas modalidades:
Administração sob forma privada: Feita por meio do direito privado; há uma lógica
de exercício privado de funções públicas. Isto é, quando o Estado cria sociedades comerciais
para desempenhar determinadas funções públicas com estatuto muito diferenciado33, atua
como acionista que intervém na gestão da administração pública.
33
Exemplos: Banco de Portugal e TAP.
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Houve uma tradição portuguesa que teve início nos anos 50 e fim na década de 80:
uma organização especial na qual o Secretário de Estado tinha competência própria.
Entretanto, a competência e a organização de cada governo era matéria exclusiva do governo
que logo que se forma, se organiza em um lugar através de regras sobre a organização e
competência. A partir da década de 80, generalizou-se a tendência de não atribuir aos
Secretários de Estado senão competência delegada e tal significa que entre Secretários e
Subsecretários deixa de haver diferença, tendo em comum a delegação de poderes. Dessa
realidade, resulta a existência quase nula de Subsecretários de Estado e, quando há, detêm
função muito secundarizada.
Outro facto português relevante que depende da realidade do governo, mas que se tem
generalizado, é a inexistência de vice-ministro. Isto porque o Primeiro Ministro poderia
entender ser visto como concorrente, designando alguma intriga. Assim, desde os anos 80,
não há vice-primeiro ministro nem Conselho de Ministros especializado; são normalmente
genéricos, embora possam ser os primeiros a existir. Tal regra geral desapareceu.
Não, este Governo adotou uma técnica para saber quem pertence a cada domínio do
Estado. Os termos Ministros de Estado não são encontrados na CRP, todavia o Governo pode
designar os membros como entender. Estes desempenham funções de Primeiro Ministro,
substituem-no em caso de impedimento e coordenam a atuação de outros ministros, podendo
inclusive resolver uma questão ad hoc.
34
O Conselho de Ministros apresenta competência residual, isto é, só existe quando a lei a dita.
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35
De finanças, economia, etc.
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a) Elaborar os planos, com base nas leis das respetivas grandes opções, e fazê-los
executar – a tarefa de planeamento (económica, cultural, etc.) é uma função típica do
Governo, embora conte com a repartição de competências ao nível regional e local. Por
exemplo, as autarquias têm competências ao nível do ordenamento do território, embora seja
o Governo que, de forma central, que elabora estes planos - até se pode dizer que Portugal é
um país bastante descentralizado, por este motivo. O Governo, através dos planos, fixa
grandes objetivos, estabelece os meios de os atingir e depois vai procurar executá-los, o que
está relacionado com a transformação administrativa de Estado social para Estado pós-social,
em que o Estado não necessita de prestar tudo, mas sim regular todos os aspetos e depois
verificar o cumprimento dessas planificações.
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e) Praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do
Estado e de outras pessoas coletivas públicas – no fundo, há uma competência genérica da
prática de atos administrativos, típicos da função legislativa;
Administração Direta
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Administração Indireta
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Geral, embora com uma ligeira autonomia administrativa e financeira. Por exemplo, o
Instituto ou Agência da Juventude corresponde a um instituto integrado no Ministério, que
entendeu que para a realização dessas funções são necessários montantes que devem estar
disponíveis no imediato (isto porque ao nível central a contabilidade é muito mais lenta), pelo
que achou melhor ter funções da Direção Geral que fossem exercidas por um Instituto
Público – ora, não é um verdadeiro instituto público.
Outro exemplo é a Agência Nacional do Ambiente, que a ordem jurídica europeia
impõe que seja independente e que em Portugal funciona como uma Secretaria de Estado. É
uma entidade que, na lógica da União Europeia, é a responsável pelas avaliações e
declarações de impacto ambiental, pelo que necessita de independência. Em Portugal, o
Ministério do Ambiente libertou-se dos seus serviços de Direção Geral, delegando-os à
Agência em questão – criou uma realidade que funciona como uma Direção-Geral, que
depende do Ministério, mas que, ao mesmo tempo, tem o nome de “agência”. Assim,
percebe-se o porquê de quase todas as decisões de impacto ambiental relacionadas com o
Governo serem benéficas para o mesmo – houve um aprisionamento desta entidade. Este tipo
de estrutura está mais próximo de um “organismo personalizado do Estado” do que de um IP.
Para o Professor Vasco P. da Silva, seria benéfico para o Governo que alterasse esta realidade.
Uma situação concreta relacionada com esta falta de independência é a escolha do
local de construção do novo aeroporto. O Ministro, ao afirmar que o aeroporto vai ser
construído em determinado local, condiciona a atuação da ANA, porque, à partida, o local só
poderia ser escolhido após a avaliação de impacto ambiental.
Outra situação que espelha este problema, foi a da assinatura dos contratos de lítio
pelo Governo, sem previamente existir uma declaração da ANA, relativamente ao impacto
ambiental. Isto é, do ponto de vista técnico e procedimental, inaceitável, porque, caso a
avaliação seja negativa, o Estado terá de indemnizar todos os particulares com quem celebrou
os contratos.
Os Institutos Públicos, por sua vez, têm uma maior autonomia e independência,
regulados pela LQIP. Estes têm muitas fórmulas, modelos de organização administrativa, que,
inicialmente, estavam muito organizadas, mas que necessitam de ser subvertidos por
realidades paralelas que põem em causa estes mecanismos. - Estes institutos existem para
prosseguir, de forma própria, fins do Estado.
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Institutos públicos
Serviços Personalizados:
Dentro dos Institutos Públicos, aderimos, em primeiro lugar, à distinção introduzida pelo
Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que falara em Serviços Personalizados do Estado, que
consistem em entidades de tal maneira intimamente ligadas à pessoa coletiva criadora que
podiam funcionar como uma Direção Geral, que, no entanto, por razões de eficácia ou de
eficiência o funcionamento da máquina administrativa se resolve autonomizar, e temos vários
exemplos como:
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Fundações Públicas
Empresas públicas
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No quadro das Empresas públicas temos algumas empresas, aquelas que o Estado
entende que estão mais ligadas ao exercício da respetiva função, que são as empresas de
capitais públicos, e que têm uma entidade administrativa de natureza pública, são pessoas
coletivas de direito público – EPE (entidades públicas empresariais), têm capital estatutário,
só pode ser detido pelo Estado. Depois há aquelas que são pessoas coletivas de direito
privado – EP (empresas públicas em sentido estrito), e que são a maioria, sendo que têm
capital social divisível, público ou privado, podem ser detidas pelo Estado ou pelo Estado e
privados. Atualmente uma das questões que se coloca é a de saber qual é a distinção entre
ambas, pois os regimes jurídicos das EPE (entidades públicas empresariais) e das EP
(empresas públicas, mas que são privadas), é praticamente igual, e, portanto, muitas vezes
não há mais do que uma mera distinção de natureza substantiva. Porém, se observarmos a
Lei-Quadro das Empresas Públicas o critério deveria ser aquele que desempenham funções
administrativas tradicionais (funções no quadro da defesa, da administração interna), as
funções essenciais do Estado que vêm do tempo do liberalismo político, e que aí se justifica a
distinção. Contudo, em relação ao que é a atividade normal de uma empresa pública que é
uma atividade de natureza económica, aí pelo contrário, as razões da lógica do
funcionamento e de mercado apontam para a necessidade de ser uma empresa de natureza
privada.
Estas entidades que têm uma natureza especial, visto sendo entidades públicas, ou
seja, estamos a falar de empresas de capitais públicos, e que são geridas de forma a satisfazer
as necessidades coletivas, sendo reguladas pelo Estado e pelas instituições criadoras e são
criadas para a realização de operativos de raiz público, no entanto, organizam-se e funcionam
de acordo com regras de direito privado. As EP são entidades públicas, mas como produzem
para o mercado atuam sob o direito privado, as empresas públicas também se organizam pelo
direito privado, ou seja, são privadas no quadro da atuação e da organização.
Há um conjunto de outras empresas que integram o chamado Setor Empresarial do
Estado e que já não se podem considerar como entidades da administração indireta, porque
são entidades da administração pública sob forma privada, porque o Estado não tem a
totalidade do capital, são sociedades de capitais públicos sem que o Estado tem um poder que
corresponde à respetiva intervenção no quadro do mercado, e estas entidades ainda que
diferentes das outras embora se enquadrem no quadro do exercício da função administrativa
já não têm uma gestão predominantemente pública, logo vão procurar conciliar os interesses
públicos com privados.
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Uma questão que era muito discutida antigamente, era se as empresas públicas
deveriam ter lucro. No entanto, este pensamento não tem lógica, pois elas têm natureza
económica, existem efetivamente para prosseguir interesses que são públicos, mas
precisamente para que esses interesses sejam bem prosseguidos é necessário haver lucro.
Caso não haja lucro elas acabam por ser extintas ou integralmente privatizadas e o Estado
deixa de realizar aquelas tarefas que são essenciais. Logo, os encarregados da gestão das
empresas públicas, que têm natureza privada, como atuam no mercado exercendo funções de
interesse público, esses gestores devem garantir que haja lucro nessa atividade sob pena
dessas tarefas de interesse público deixarem de ser realizadas.
É uma realidade que tem a ver com a natureza destas situações que decorrem do
Estado ter invocado, para si, funções de intervenção na vida económica e social democrática,
no quadro das quais atua como entidade privada, mas realiza tarefas de direito público. E,
precisamente por isto, há uma lógica que faz com que as empresas públicas sejam
simultaneamente públicas e privadas, sendo uma realidade esquizofrénica do ponto de vista
de como são concebidas, pois, por um lado, estão sujeitas à gestão pública e podem ser
controlados os objetivos que prosseguem, de acordo com os princípios do Código do
Procedimento Administrativo, e estão submetidas, por exemplo, à fiscalização do Tribunal de
Contas, mas, simultaneamente, elas têm uma margem de atuação de acordo com as regras de
mercado e com o direito privado que lhes dá uma quase total autonomia no exercício das
funções de natureza económica, não deixando de ser públicas.
Administração autónoma
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Autarquias locais
Municípios
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Freguesias
Autarquias locais próprias que se integram nos municípios e que tem uma importância
muito reduzida, pois possuem serviços de urbanização, por exemplo, manutenção de jardins e
cemitérios. Todavia, as suas funções podem aumentar por meio da delegação de poderes do
município e, assim, possuem maior importância. - Isso é evidenciado nos grandes municípios,
como Lisboa e Porto, onde os órgãos municipais transferem poderes às freguesias.
Além disso, podemos notar uma diferença entre as freguesias urbanas e as rurais, onde
estas possuem maior relevância, porque devido a se tratarem de territórios afastados, são o
único elemento de contato com a Administração pública para aqueles habitantes.
Os órgãos componentes das freguesias são os seguintes: Presidente da Junta de
Freguesia, Junta de Freguesia e Regiões Administrativas
A não existência desse tipo de administração regional é um problema em Portugal, porque
existem necessidades no plano regional que seriam melhor administradas por uma
administração equivalente e também por causa da integração de Portugal na União Europeia
(esta possui uma organização regionalizada e até possui órgãos de caráter regional). Assim,
Portugal, para ser representado nas reuniões da União Europeia com as regiões, somente pode
levar os representantes das Regiões Autónomas, que possuem uma realidade própria diferente
das regiões administrativas e, como substituição, a Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento (CCDR).
Logo, apesar de termos a possibilidade de existência de regiões Administrativas na
Constituição da República Portuguesa (art. 255º) e um fator orgânico dessa organização
regional, possuímos poucos órgãos regionais, que atuam sobretudo no setor do urbanismo,
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espera que estas associações públicas colaborem com ele, no exercício da função
administrativas.
A realidade portuguesa a esse nível ainda está numa situação de transição, porque o
anterior regime de natureza autoritária afirmava-se corporativo. Não era um Estado
corporativo, à maneira do sistema italiano, mas dizia que o era, e tinha uma estrutura
organizada, de natureza corporativa e as ordens profissionais correspondiam à manifestação
dessa realidade corporativa. Há resquícios, no atual regime, que vêm desses tempos passados.
Uma questão crónica com que todas as gerações de recém-licenciados se preocupam é a
questão da inscrição obrigatória, que vem desses tempos. É verdade que o que aqui está em
causa não é uma realidade sindical, uma vez que não é a defesa dos interesses económicos e
financeiros que está em causa, mas sim a profissão e o modo de exercício da profissão.
Também por causa disto se pode justificar que não haja uma lógica de adesão
voluntária, como se verifica no âmbito dos sindicatos.
Estas eleições antecipadas fizeram com que o problema esteja em letargia durante
alguns tempos, alguns meses: é o problema de haver algum controle e alguma dependência
das atividades das ordens profissionais. Se são auto-organizadas, elas então devem ter
autonomia e independência. Deve haver um órgão autónomo, composto pelos próprios
membros, resultantes da votação, mas que não seja apenas o espelho dos dirigentes, daqueles
que ganharam as últimas eleições. Há que procurar novos equilíbrios, porque se estas
associações públicas podem ser uma realidade muito moderna, o âmbito do Estado pós-social
e independente, elas também podem ter alguns toques de arcaísmo, como acontece em parte
em Portugal, por causa dessa tradição que vem do regime autoritário. Geram-se alguns
conflitos entre as associações públicas (entidades da Administração) e os outros órgãos
administrativos, designadamente o Governo, enquadrado no exercício da função.
As Universidades
Na perspetiva do Prof. Vasco P. da Silva, as Universidades são também entidades que
integram a Administração. Não são Administração Indireta, porque os fins não são fins
estaduais. Os fins da Universidade são fins próprios, que ela prossegue também de forma
própria. As Universidades existem desde sempre, com uma posição de autonomia científica e
académica, a qual é reconhecida e gerou, também, todas as outras realidades no âmbito da
autoadministração.
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Aquilo que caracteriza a Universidade é o facto de esta não ser uma Associação
comum. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa diz que é uma espécie de Associação Pública,
porque está entre a Administração Indireta e a Administração Autóctone. É uma espécie de
uma Associação, mas não é uma associação idêntica às ordens profissionais, porque a
Associação depende da posição que se ocupa na Universidade. A Universidade é feita para
aprender e ensinar e há uma realidade que implica que haja uma repartição de conhecimento
entre as pessoas que investigam e ensinam, e aqueles que aprendem. Há aqui uma lógica de
uma ligação, determinada pela relação pedagógica.
Nas ordens profissionais, há uma lógica de funcionamento de uma atividade privada,
ao contrário do que acontece nas Universidades. Estas são instituições de natureza científica e
pedagógica, em que professores e alunos estão unidos para aprender e ensinar, mas têm
funções diferentes. Essas funções têm a ver com a lógica do ensino universitário.
Em 1975, havia na Faculdade a ideia de que os professores que não sabem nada têm
de ser substituídos, pelo menos pelos assistentes. O que aconteceu foi que nessa altura, foram
postos de fora muitos Professores desta casa e primeiro que a Universidade se reorganizasse,
foi preciso esperar uns anos. Tanto que, nos anos 80, foi por causa desses problemas que
surgiu a Universidade Católica. A maior parte dos professores do ensino público foram
expulsos.
Havia uma ideia de que não estávamos numa realidade universitária, porque os
professores não ensinavam. Eram os alunos que se ensinavam uns aos outros. Quanto muito,
havia uns assistentes que, no quadro de uma lógica dialética marxista aplicada à
Universidade, eram aqueles que substituíram os Professores. Foi a crise total do ensino
universitário.
Portanto, a Universidade tem funções distintas, e tem regras, as quais também geram a
mudança. Os Professores já foram alunos, aprenderam a estudar e a investigar e tiveram uma
carreira sempre feita na base de concurso e, no final, ensinam e os outros aprendem. Há aqui
uma lógica que não é a lógica unitária de uma profissão, mas que é uma lógica assente na
partilha. É por isso que, diferentemente do ensino secundário e do ensino primário, os
programas são feitos pelos Professores. Não são programas que estejam sujeitos a apreciação
do Ministério. É função do Professor catedrático fazer o programa da respetiva disciplina. É
função do Professor assistente auxiliá-lo no exercício dessa tarefa e acompanhar a atividade
letiva do Professor.
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Nos nossos dias, há um outro fenómeno, que só desde os anos 80 é que começou a
surgir e só a partir dos anos 90 é que começou a ser estudado, na sua dimensão mais
importante. Resulta de uma tentativa de reestruturação da Administração, da lógica da
Administração infra-estadual, que vai repartir o exercício da função administrativa com os
particulares e com outras entidades de natureza privada e, portanto, faz com que o Estado
intervenha de uma forma que é muito mais flexível e que não cabe nos quadros tradicionais.
Quando falámos no setor empresarial do Estado, dissemos que era um setor largamente
esquizofrénico, porque nesse setor, existem empresas públicas (as EPE`s), com um estatuto
de pessoa coletiva pública. A maioria das empresas públicas existentes são organizadas e
criadas por Direito Público, atuando sobre o Direito Privado.
Mas, agora, temos de considerar que existem associações e fundações, que são
privadas de raiz, uma vez que se constituíram de acordo com o Direito Privado. Têm capitais
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públicos, mas o Estado não tem a maioria do capital. O Estado tem funções de gestão, em
razão das ações que tenha nessa sociedade, ou nessa realidade institucional que aqui aparece.
Estamos perante uma outra dimensão da Administração Pública, em que o Estado vai ter de
gerir.
Nós, com o estigma do poder e com os traumas da infância difícil do Direito
Administrativo, ocupámos tanto tempo a estudar o ato administrativo, os poderes de
autoridade, entre outros, que nos esquecemos que administrar é gerir e que administrar é algo
que é feito, também, por uma empresa ou entidade privada, e que aquilo que distingue a
gestão pública da gestão privada são apenas os fins (fins públicos, que têm a ver com a lógica
da satisfação das necessidades coletivas, e os fins do lucro privado, que têm os respetivos
acionistas, ou os membros de uma determinada organização). Portanto, se olharmos à nossa
volta, temos uma série de realidades que oscilam.
Por exemplo, a TAP tem oscilado entre ser uma sociedade de capitais públicos, como
é hoje, ou uma sociedade de capitais mistos, em que o Estado está em posição minoritária.
Umas vezes, está em posição minoritária. Outras vezes, tem a maioria do capital, como tem
agora, mas nunca é um acionista maioritário. Enquanto estamos no quadro de uma realidade
construída e regulada de acordo com o Direito Privado, estamos perante uma nova realidade,
que é a Administração Pública sob forma privada. E no quadro desta administração, os
poderes de intervenção das entidades públicas são diferentes dos da Administração
tradicional, porque o Estado toma decisões, em função do respetivo capital. Se o Estado tem
10% das ações, ele influencia a empresa, através de uma lógica puramente administrativa, a
usar 10 % do respetivo capital.
Se, pelo contrário, tem mais de 40% de uma empresa, é o sócio maioritário dessa
empresa. O Estado, consoante o capital, tem, ou não, uma posição de domínio. Em última
análise, até se poderia dizer que a autonomia destas entidades privadas varia consoante a
titularidade do capital.
O Estado até poderá dar ordens. - Não dá ordens do mesmo modo que um superior
hierárquico dá ao subalterno, mas são as ordens que dá enquanto acionista maioritário, em
relação a uma empresa que é integralmente sua. Há esta relação de dependência em relação às
cotas que cada um dos membros tem, mas esta dependência pode ser maior ou menor,
consoante a titularidade de capital do Estado.
Por exemplo, o Centro Cultural de Belém é uma associação que reúne capitais
públicos e privados, de entidades muito diferentes. Também as Fundações integralmente
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No artigo 3º do CPA, quando se delimita o âmbito da proteção das normas, não é por
acaso que lá se diz que toda a atuação administrativa, incluindo a meramente técnica e a
gestão privada está regulada no direito administrativo e se submetem aos princípios gerais do
CPA. Desta forma, estamos perante uma realidade mista, em que há normas de Direito
Privado que respondem ao modo normal de atuação, mas os princípios, os fins, o modo de
gestão, o dinheiro que está em causa, os capitais – tudo isto é de natureza pública e, portanto,
tudo isto tem que ser regulado pelo Direito Administrativo.
Hoje, Portugal tem um regime que integra a Administração Pública sob a forma
privada no seio da administração. Portanto, é preciso acrescentar à norma constitucional que
o Estado gere a Administração Pública sob a forma privada, tem uma função de gestão, uma
função de administração em sentido próprio que também é uma realidade administrativa.
Administração Independente
A administração é denominada independente, uma vez que nos dias de hoje surgiram
órgãos autónomos do Estado que não são pessoas coletivas e que regulam uma determinada
entidade. Cabe, assim, distinguir as entidades tradicionais das novas que nasceram com a
miscigenação entre o direito administrativo francês e o direito administrativo anglo-saxónico,
porque estas realidades foram quase todas imputadas do direito anglo-saxónico e foram
colocadas na nossa realidade portuguesa.
Entidades Tradicionais
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independente, mas tem uma parte que faz controle da atividade administrativa e nestes termos
também pode ser considerada uma entidade de administração independente.
As Novas Entidades
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entidades têm uma capacidade de intervenção da vida económica, social e cultural, que é
muito maior que as entidades normais e até mais que o próprio Governo.
Logo, o legislador constituinte também deveria acrescentar na norma constitucional
os poderes do Governo sobre a Administração, na medida que o Governo tem o poder de
coordenar a Administração Independente.
Hierarquia
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ordens que tinham que ser cumpridas sem qualquer discussão, porque no seio da
Administração Pública não há princípio da legalidade, nem direitos fundamentais.
Assim esta realidade nos dias de hoje já não faz sentido, tudo o que corresponde ao
interior da administração é regulado pelo Direito – não somente o exterior como também o
interior – tudo o que corresponde a regras jurídicas. Se isso é assim, a hierarquia tem como
proibido o abuso do seu direito. É por isso que a Constituição diz, e bem, que se há um crime
não há dever de obediência e segundo o Professor Freitas do Amaral, (com o qual o Professor
concorda) quando estamos perante uma ilegalidade de tal maneira grave, que corresponda a
uma nulidade, esse ato nulo também não está submetido ao dever de obediência. Por isso
deixa de haver o dever de obediência, no quadro da relação de superior hierárquico e
subalterno quando há um crime ou estamos perante uma ilegalidade de tal maneira grave que
põe em causa o próprio poder disciplinar e o poder de direção.
Assim, a hierarquia, nos dias de hoje, tem que ser entendida de uma forma diferente,
sobretudo quando o próprio regime jurídico da relação da fonte se transformou num contrato
administrativo para um contrato de realização de uma função pública, sob a forma de contrato
privado. Há então hierarquia, mas não com a importância que teve no passado.
Superintendência
Tutela
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que o Estado se limita a coordenar a relação destas entidades independentes que de acordo
com a lei exercem a função administrativa.
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Lista de Participantes
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