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CONTENCIOSO

ADMINISTRATIVO
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

2017/2018
Trabalho desenvolvido no âmbito da disciplina de Contencioso
Administrativo, leccionada pelo Excelentíssimo Professor Vasco Pereira
da Silva, a quem desde já agradecemos todo o apoio e dedicação
prestados ao longo deste semestre.

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19 de Setembro de 2017 14:00h — 15:15h

É com a reforma de 2004 que finalmente se diminuem as discrepâncias entre a


realidade e o texto constitucional, que até aí eram muito graves. Existia uma situação de
dissociação entre o modelo constitucional do Contencioso Administrativo e aquilo que se
passava na realidade.

Resolvem-se ao tempo os problemas mais graves, mas do foro psicanalítico,


continuam a haver doenças no quadro do Contencioso Administrativo, nomeadamente no
domínio da Contratação Pública, onde persiste e se insiste na esquizofrénica distinção de
Contratos Públicos, que alguns continuam a chamar de Contratos Administrativos,
confundido a parte com o todo, já que os Contratos Administrativos são apenas uma das
muitas espécies de contratos públicos.

Até o legislador incorre neste erro patológico, embora no novo Código dos
Contratos Públicos já tenha havido algumas melhorias. No entanto a confusão continua
lá, por exemplo, e logo a abrir, no artigo 1o. Percebe-se com isto que a esquizofrenia do
passado ainda não foi completamente ultrapassada.

Outra patologia esquizofrénica que ainda hoje persegue o Contencioso


Administrativo, por exemplo na Responsabilidade Civil, é a distinção, sem qualquer
cabimento, entre atos de gestão pública e os ditos de gestão privada.É certo que o CPTA
e o ETAF já não adotam esta terminologia e que a Lei da Responsabilidade Civil Pública
também não mas a verdade é que, quer parte da doutrina, quer juízes, quer a realidade do
Contencioso em acção mantêm sintomas desta doença.

A par destes problemas mais graves há situações em que apenas se repetem ou


adotam terminologias, sem lhes dar grande importância, mas pondo em causa, ou pelo
menos não se levando até às últimas consequências as mudanças que deviam ter surgido.
É o que se chama, na linguagem Freudiana, de psicopatologias da vida quotidiana (a
pessoa que se esquece das chaves porque estava muito preocupada com qualquer outra
coisa), sendo que o inconsciente faz o que a pessoa não quer. São os chamados atos
falhados — esquecimentos, lapsos, etc..

Isto ainda hoje acontece no no âmbito do Contencioso Administativo.


Exemplificando: em 2004, o Contencioso tornou-se num verdadeiro processo de partes,

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um processo do qual se retiraram todas as consequências dessa premissa, um processo
caracterizado pela igualdade de armas entre particular e Administração. Ainda assim, o
ónus de impugnação, cuja regra geral é a de que cabe ao réu contestar aquilo que é
alegado pelo autor, continua a não estar tão desenvolvido como devia. Veja-se o artigo 6o
CPTA, se há processo de partes e igualdade das mesmas, ela deve ser real, e é preciso que
no decurso do processo não hajam situações que venham a cair no pecado original,
quando o processo não tinha partes e o “administrado” nunca via a sua situação concreta
ser resolvida, estava como que a zelar pela justiça e bom funcionamento posteriores da
Administração. Há um conjunto de realidades que obrigam a uma psicanálise
permanente.

Tornando as coisas mais leves, são estas falhas ou patologias, fora do seu lado
mau, que tornam a disciplina do Contencioso Administrativo mais apaixonante e
aliciante, pela ideia de que estamos, nós próprios, a construir um Processo Administrativo
novo. Até o uso da expressão Contencioso e Justiça Administrativos no lugar de Processo
Administrativo é sintomático dos lapsos freudianos que vêm do passado. Podemos dizer
que são a mesma coisa mas, se quisermos dar o conteúdo original a “Contencioso e
Justiça”, estes não correspondem exata e inteiramente ao direito processual. Acredito que
são expressões idênticas, mas a verdade é que quem lhes dê -e há quem lhes dê- sentidos
diferentes, está a manifestar os traumas da infância difícil.

Há então, no seio do Contencioso, problemas mais graves, a nível das


psicopatologias e outros menos graves que são identificáveis como pequenas
psicopatologias da vida quotidiana, que todos nós temos e que não fazem de nós doentes
mentais.

Se olharmos para a História, há dois grandes traumas do Processo Administrativo


e que ainda hoje têm algumas consequências, umas maiores e outras menores, mas que
persistem.

Em primeiríssimo lugar, em relação à natureza dos órgãos encarregados de


fiscalizar a Administração Pública. Acontece que no quadro da revolução francesa
instaura-se um Contencioso em que se proibia aos juízes controlar a Administração.
Dizia-se que “julgar a administração ainda é administrar”. Esta realidade do final do
século XVIII francês introduz a negação do Processo Administrativo, uma proibição dos

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Tribunais controlarem a Administração Pública, o que marcou profundamente a infância
do Contencioso. Era a negação da realidade, porque o que se dizia era que isto era um
mecanismo para a criação da Separação de Poderes, quando na verdade era a sua antítese.
Criam-se à data órgãos administrativos especiais que ficam encarregues de julgar e
controlar a própria Administração, é o que Mario Nigro vem chamar de juízes
domésticos, que nasciam da Administração Pública e a ela julgavam. É no seguimento
desta linha que se cria o Conselho de Estado francês, que só se torna num verdadeiro
tribunal em 1980, com as sentenças criadoras do Conselho Constitucional que vieram
retirá-lo do limbo híbrido em que se encontrava. Na transição do século XIX para o
século XX há já alguma jurisdicionalização, mas que só se completa nos anos 80.

Em Portugal, só a Constituição de 76 é que integrou, por fim, os tribunais


administrativos plenamente na função jurisdicional. Na vigência da Constituição de 33,
como muito bem dizia o Professor Marcello Caetano, haviam órgãos administrativos que
exerciam função jurisdicional. Isto explica porque é que só em 2004 é que os juízes
administrativos ganharam a plenitude de poderes em face da Administração, antes os
tribunais não podiam condenar nem dar ordens nos domínios dos atos e dos
regulamentos, podiam tão só condenar no domínio da RC e no domínio contratual. Dar
ordens, nunca! Condenar, apenas aí. Isto é o mesmo que dizer que só depois de 2004 é
que o juiz administrativo é um juiz como os outros, que pode já anular decisões
administrativas, condenar a Administração e inclusivamente dar ordens. Este é um
processo que nunca termina, que está sempre em evolução. Diria que hoje, em 2017,
ainda há, do ponto de vista da organização, algumas regras que vêm dos traumas da
infância difícil, que já não têm tanta importância como no passado, que estão mitigados,
mas cuja origem só se compreende lida a estes olhos.

Porque que razão é que os atos dos membros do Governo, enquanto órgão
colegial, são apreciados em primeira instância pelo Supremo Tribunal Administrativo e
não pelo de Circulo? É uma consequência do trauma da infância difícil. Os ministros e o
Governo não podem ser controlados por um juiz de primeira instância(!), tem que ser um
juiz superior. Não há nenhuma diferença quanto ao processo, é uma questão meramente
protocolar. O resultado disto é que o STA, mesmo depois da reforma de 2004 e da
subsequente de 2015, é um tribunal esquizofrénico, porque de primeira instância para os
atos do Governo quando atua colegialmente e de recurso para todos os outros casos. O

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Supremo não é um verdadeiro supremo, são dois tribunais, sofre de uma dupla
personalidade. Esta realidade decorre da infância difícil e é por ela explicável, porque o
juiz administrativo começou por não ser um verdadeiro juiz, mas um órgão da
Administração, e passam séculos até que ele se transforme num verdadeiro juiz. É
verdade que nuns países isto acontece mais cedo do que noutros mas há um processo
moroso, que regra geral vai até ao século XX, de transformação do juiz “doméstico” ou
“de trazer por casa” até ao verdadeiro juiz. Este é o primeiro grande trauma do
Contencioso Administrativo, que gera diferenças de tratamento e desconfiança quanto à
justiça administrativa.

Um outro trauma é o do Direito que vai ser criado por esses tribunais. Tome-se
como exemplo a França, em que o Conselho de Estado vai produzir direito aplicável à
Administração Pública. As suas sentenças, pela sensatez e prudência que demonstram,
tendem não só a ser repetidas mas também a servirem com fonte de direito para a ação da
Administração. Esta dimensão jurisprudencial, típica dos países anglo-saxónicos, é a
antítese da lógica francesa, cartesiana, legalista. Pode dizer-se que, no domínio do
Contencioso Administrativo, os franceses eram britânicos. Mesmo hoje em dia, que a
jurisprudência do Conselho de Estado já não tem força de Lei, continua a ter uma
importância que lhe é dada pela sua história.

O direito criado pelo Conselho de Estado (então órgão administrativo) é o Direito


do Poder, o direito da Administração toda-poderosa, o direito do poder administrativo
perante súbditos. Os particulares não são sujeitos de direito, são o objeto do direito, a
Administração exerce o poder sobre os administrados. Esta é outra situação que merece
ser psicanalisada.

Quando o nosso legislador constituinte, no artigo 268o/4, fala em administrados


incorre neste erro. Os particulares não são administrados, não são “administrados pela
Administração Pública”, são sim sujeitos de direito que estabelecem relações jurídicas
com ela. Esta expressão vem da concepção autoritária do Direito Administrativo que se
afirmou com o liberalismo, paradoxalmente, o que não faz qualquer sentido. O particular
tem direitos fundamentais que prevalecem sobre o poder administrativo. A Administração
realiza o interesse público e para isso tem poderes jurídicos mas o particular tem direitos
fundamentais que estão na origem do poder administrativo e que sobre ele prevalecem em
ultima análise. Isto está dito no artigo 18o da CRP, quando se diz que os direitos

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fundamentais “vinculam” tanto as entidades públicas como as privadas. Vincular
entidades públicas significa obrigar a Administração a cumprir os direitos fundamentais.

Caso paradigmático deste direito inicial da Administração poderosa é o caso


Blanco, de 1873, dado por alguns como uma espécie de registo de nascimento do direito
administrativo, já que é a primeira vez que o Conselho de Estado francês menciona a
necessidade de criar um direito especial aplicável à Administração Pública e um direito
privativo da mesma. Justifica esta sentença a autonomia do Direito Administrativo.
Relata uma ocorrência triste, mas é ela própria uma sentença triste no seu conteúdo e
significado.

Passou-se o seguinte: uma menina de cinco anos, Agnès Blanco, que vivia em
Bordéus e cujos pais eram trabalhadores de uma empresa pública que tinha um projeto,
pioneiro à altura, para ter as crianças dos trabalhadores, dando algum apoio, estava a
brincar com outras crianças, num sitio seguro, quando foi atropelada por um vagão que
carregava tabaco e descarrilou. O transporte desse tabaco inseria-se no quadro da
atividade daquela empresa pública. Os pais da criança dirigiram-se então ao tribunal de
Bordéus, que respondeu duas coisas: primeiro, que não era competente porque o que
estava em causa era um problema de responsabilidade entre Administração Pública e
particular, não um problema entre iguais. A Responsabilidade Civil, de acordo com esta
lógica, é aplicável somente entre iguais, tal e qual como regulada pelo Código de
Napoleão, e só isso é que os tribunais podiam resolver. Em segundo lugar, dizem que
mesmo que quisessem resolver o caso, levando o Princípio de que os juízes devem
sempre responder na íntegra às questões que lhes são colocadas, interpretando a vontade
do legislador, suprindo lacunas, etc., não o podiam fazer porque o legislador pura e
simplesmente não previa aquela hipótese, regulava apenas relações entre iguais e não
relações de poder.

Perante esta recusa, os pais da criança recorreram à justiça administrativa.


Lembre-se que à data (1873) o Conselho de Estado já havia assumido alguma autonomia
no quadro da evolução, jurisdição separada mas ainda não tinha nascido a Justiça
Administrativa, ao contrário do que dizia Marcello Caetano ou mesmo do que ainda
defendem os Professores Freitas do Amaral e Sérvulo Correia. No entanto, o Conselho de
Estado era um órgão de recurso, em primeira instância quem decidia era o Prefeito, neste
caso de Ivry, o que só demonstra, mais uma vez, a promiscuidade que existia entre

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Administrar e Julgar. Vem o Prefeito a dizer o mesmo que disse o Tribunal Judicial de
Bordéus: que não podia decidir porque não estava em causa um ato administrativo, se
estivesse poderia anulá-lo, mas sim um ato material da Administração, que não é um ato
intencional, é uma atuação informal. Declara-se então incompetente, acrescentando ainda,
tal como o Tribunal Judicial, que ainda que quisesse decidir, não havia direito aplicável.

Quando existem dois órgãos jurisdicionais que se declaram incompetentes o que


se faz, nos sistemas como o francês e em Portugal também é pedir a um terceiro tribunal,
de conflitos, que decida este problema de competência. Esta é uma complicação criada
pela coexistência de várias jurisdições. O tribunal de conflitos afirmou que tanto o juiz de
Bordéus como o Prefeito tinham razão e que, de facto, não existia direito aplicável,
porque o direito que existia era aplicável somente aos particulares entre si, mas não à
Administração. Posto isto, o tribunal de conflitos avança um pouco mais na sua
construção, afirmando que é necessário que se crie direito privativo da Administração,
para a proteger. Bom, como sentença dita fundadora do Direito Administrativo, registo de
nascimento do mesmo, como diz a jurisprudência francesa, cria um nascimento
traumático para o Direito Administrativo. Seria difícil encontrar um inicio mais
traumático para este ramo do Direito. Note-se que a recusa de indemnização a uma
criança de cinco anos é o pior começo possível, a negação daquilo que deve ser o Direito
Administrativo. Este é um dos traumas mais profundos do DA.

Dir-se-á, porventura,: “esta é um história passada, antiga, quase que de crianças,


sem relação com a atualidade do DA”. Não é bem assim, é possível que isto acontecesse
em Portugal. Pense- se num caso, em 2002 (antes da reforma de 2004, portanto antes da
Justiça Administrativa). Dizia-se que, consoante o acidente fosse de gestão publica ou de
gestão privada, se determinava o tribunal competente: administrativo, se de gestão
pública; tribunal comum se fosse de gestão privada, e isso conduzia à aplicação de regras
jurídicas diferentes.

Então, o que é que acontece em Portugal até 2004? Os juízes, na dúvida,


declaram-se incompetentes, por uma razão simples: era menos um processo. E com isto
se perdiam vários anos só para decidir qual era o tribunal competente, período ao fim do
qual se começava finalmente a discutir a questão da responsabilidade civil. Há sentenças
recentes, posteriores a 2000, que demoraram 50 anos a ser proferidas, muitas das vitimas
já tinham morrido e já só foi possível indemnizar os descendentes das vitimas, se se

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indemnizasse, o que muitas vezes nem acontecia porque se preferia proteger a AP, era o
Direito Administrativo protector da Administração.

Em 2004 quis-se acabar com isto, mas o legislador foi incompetente e em 2015
não se corrigiu e utilizou uma expressão no mínimo duvidosa que leva a que ainda hoje
em dia alguns pensem que num litígio causado por um carro ao serviço da Administração
Pública (Câmara Municipal, Primeiro-Ministro, Presidente da República, etc.) ainda é
preciso distinguir se é gestão pública ou privada. Perguntar-me-ão, “mas qual é a
diferença”? Segundo os tribunais saber se, por exemplo, no caso de um atropelamento por
um carro ao serviço do PM, se este ia ou não lá dentro. Se sim, podia dar ordens ao
motorista, dizem, mas a verdade é que também podia ir a dormir, a ler o jornal ou a“fazer
política pelo telefone”, logo é gestão pública (Tribunal Administrativo). Já se o PM não
vai lá dentro (pode o motorista estar a ir buscá-lo e encontrar-se ao serviço) considera-se
de gestão privada. Ainda que não esteja dentro do automóvel, o motorista não continua a
receber ordens, não está sujeito a uma cadeia hierárquica? Há meios de comunicação.
Qual é a diferença? Nenhuma. Não há diferença absolutamente nenhuma nesta distinção
mas, até 2004, insistiu-se em jurisdições diferentes (que levavam ao tal problema moroso
de saber qual o tribunal competente), sem haver diferença nenhuma. E só depois se
discutia a responsabilidade civil. Este é um trauma cujas consequências perduram até aos
dias de hoje.

Em 2008, quando o legislador fez a Lei da Responsabilidade Civil do Estado e


Demais Entidades Públicas, esperava-se a libertação desta realidade do passado, mas não
foi assim. O legislador usou uma expressão equívoca: “privilégios de autoridade”, que é a
expressão mais estranha de sempre. A Administração não tem “privilégios”, goza sim de
poderes atribuídos pela lei. Há ainda quem defenda que esta diferença continua a existir,
embora em termos limitados e meramente substantivos porque a nível contencioso é
sempre o Tribunal Administrativo a decidir.

Imagine-se, porém, que há culpa do lesado no caso acima mencionado. Pode ser
que a AP faça um pedido contravencional para pedir indemnização pelas amolgadelas do
automóvel. Nestes casos, em que se juntam dois pedidos, um feito pela AP e outro pelo
particular, o que é que o juiz administrativo faz? Não decide, diz que a competência é do
tribunal judicial e vice-versa. Continuam a persistir os sintomas do trauma de Agnès
Blanco.

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Esta ideia do direito da Administração toda-poderosa corresponde a uma certa
visão que vem do estado autoritário e se mantém na lógica do estado liberal, visão que
acaba até por influenciar os chamados “pais fundadores” do Direito Administrativo,
nomeadamente Otto Mayer na Alemanha, Santi Romano em Itália e Marcello Caetano em
Portugal. Estas construções originárias, fundadoras, eram autoritárias, visões de um
verdadeiro “poder” administrativo, em que o particular era visto como administrado,
objeto do poder, não um sujeito de direito que estabelece relações jurídicas com a
Administração Pública.

Regressemos ao primeiro trauma, que tem a ver com esta realidade de um juiz
administrativo que começou por não ser juiz, era uma autoridade administrativa. Este
primeiro período é o período a que chamo, metaforicamente, do pecado original, da
promiscuidade entre Administração e Justiça, entre administrar e julgar. Há um período,
que corresponde à instauração do estado liberal, século XVIII, XIX, início do século XX
que corresponde a esta fase do Contencioso Administrativo, a fase do pecado original ou,
de forma mais neutra, a fase do administrador juiz. O juiz é administrador e o
administrador é juiz. Este é o primeiro grande período do Contencioso Administrativo.

Mais tarde, com a fase social, inicio do XX normalmente, surge a


jurisdicionalização destes tribunais, mas não muda nada. O Contencioso continua a ser
limitado, os juízes têm pouco poder, apenas anulam as decisões da Administração mas,
transformam-se finalmente em juízes, deixam de ser órgãos do poder administrativo. Em
Portugal e França isto só sucede em 76 e, em rigor, 80 respetivamente, em França com a
decisão do Conselho Constitucional francês que estabelece a natureza jurisdicional do
Conselho de Estado. Nalguns casos isto acontece no inicio do século: Itália, Espanha,
Alemanha (se bem que com o intervalo do nazismo). Este é o período a que chamo do
baptismo, a segunda era da história do Contencioso Administrativo e que dura até aos
anos 70, na maior parte dos países. Chama-se a esta fase, de forma mais neutra, o período
da jurisdicionalização do Contencioso, da Tribunalização, como diz Mario Nigro. O
órgão, até então administrativo, julgador da Administração passa a órgão do poder
judicial.

Há ainda um terceiro período, que se inicia nos anos 70, Alemanha nos anos 50,
nalguns países só nos anos 80, mas nos anos 70 em média. É o momento a que chamo da
confirmação do Contencioso, já que nessa altura se reafirma a natureza jurisdicional mas

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retiram-se finalmente dela todas a consequências. O juiz passa a ser um juiz de plenos
poderes face à AP, passa a ser um verdadeiro juiz. Há também nesta fase uma
subjetivação do Contencioso, que passa a ter como centro a tutela dos direitos dos
particulares e a ser um verdadeiro processo de partes, como se diz aliás no 268o/4 da
CRP.

Este ultimo período pode ainda ser subdividido em dois, porque numa primeira
fase há a mudança a nível constitucional, através de novas constituições, revisões das
antigas ou até sentenças de Tribunais Constitucionais, o que acontece nos anos 70/80. A
partir dos anos 90 e até aos nossos dias, há um segundo momento que resulta da
europeização, uma vez que no quadro da União surgem regras comuns de Contencioso
Administrativo, que o modifica em todos os estados. A reforma de 2002/2004 é a
consequência dessa europeização, reforma esta que, embora já venha atrasada, surge
neste contexto da europeização do Direito Administrativo.

Duarte Borges Coutinho

19 de Setembro de 2017 15:30-16:45

A evolução do Contencioso Administrativo compreende a existência três fases:

1. Fase do Pecado original e a realidade do administrador-juiz : corresponde ao


momento originário da justiça administrativa, marcada pela proibição dos
tribunais administrativos controlarem a Administração Pública. Esta proibição
conduz assim, ao surgimento de um Contencioso privativo, um Contencioso feito
por órgãos da Administração, correspondendo na expressão de Maurice Hauriou a
uma “introspecção administrativa”, na medida em que a Administração se julgava
a si mesma. Esta realidade, aqui presente, surge assim da promiscuidade entre
Administração e Justiça.

Do ponto de vista Psicanalítico: diferença entre aquilo que é declarado e aquilo


que é realizado, mais concretamente, a diferença entre o superego e as

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explicações dadas pelo sujeito consciente e, aquilo que é a realidade do
inconsciente.

Segundo a lógica francesa, os Liberais procuravam construir o princípio da


separação de poderes e, é em nome desse mesmo princípio que é estabelecida a proibição
dos tribunais judiciais controlarem a Administração. Do ponto de vista material, esta
realidade apresentada, contraria em larga medida o princípio da separação de poderes,
que corresponde, citando Charles Debbasch “à confusão entre administrado e julgado”.

Fruto da Revolução Francesa, esta realidade expandiu-se e infiltrou-se, em todos


os países que sofreram a influência do Liberalismo. Em Portugal, foi através da
Revolução Liberal de 1822, que se instaurou o regime administrativo, um sistema
administrativo de tipo francês. As célebres leis de Mouzinho da Silveira de 1834, vieram
proibir os tribunais judiciais de controlar a Administração, em nome, novamente, do
princípio da separação de poderes. Posteriormente, o Conselho de Estado surge como
órgão encarregado de fiscalizar a Administração.

Contudo, não foi apenas Portugal que adoptou um sistema administrativo


inspirado no modelo francês; países como Espanha, Itália, Alemanha, entre outros, vão
importar este regime, originando assim, o surgimento do Estado Liberal. Referenciando
Jorge Miranda, que sobre a influência de François Burdeau, menciona que estamos
perante um ambiente de Direito que é o ambiente francês.

Do ponto de vista psicanalítico: Sigmund Freud, descrevia este fenómeno como


recordação de cobertura. O paciente quando descreve o facto traumático apresenta uma
versão deturpada e, só através da interpretação e da relação catártica que estabelece
com o psicanalista, é que encontra a cura e aprende a entender as suas adversidades.

Os Liberais franceses acreditavam que estavam a instaurar a separação de


poderes, mas na prática, as suas convicções estavam a conduzir ao oposto daquele
princípio, apesar de tudo ser justificado em seu nome. Tal é esta convicção, que quando
confrontados – os Liberais – com uma possível violação do princípio da separação de
poderes, estes justificam-se, afirmando, que o que se processa é apenas uma visão ou uma

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interpretação diferente do mesmo princípio e, tal decorre da doutrina e da jurisprudência
francesa do séc. XVIII e XIX.

Assim, a origem do Liberalismo, vai gerar uma diferença entre o Sistema Francês
e o Sistema Anglo-saxónico. Na Grã-Bretanha, os tribunais comuns continuam a
controlar a Administração, não havendo assim esta fase do pecado original do
Contencioso Administrativo. Porém, quando em França, no séc. XIX e XX, se começa a
libertar dos traumas da infância difícil, o Sistema Anglo-saxónico experiencia os seus
primeiros obstáculos.

Os Tribunals que proliferam nos dias de hoje ainda, e que começaram a surgir nos
finais do séc.XIX e inícios do séc. XX, são uma junção entre o poder judicial e o poder
administrativo, no fundo, assentam numa lógica de promiscuidade entre a Administração
e Justiça.

A visão francesa, surge no quadro de uma evolução, que é comum entre os países
que adoptam o Sistema Francês, embora estes o aceitem por via legislativa, não havendo
aquela função criadora dos tribunais, tão marcante como existiu em França, dando lugar à
criação de um juiz que não é juiz, uma vez que, se trata de um órgão da Administração,
tendo os seus poderes decalcados do superior hierárquico, sendo esta uma realidade que
vai marcar o Contencioso Administrativo até ao final dos nossos dias.

OS PODERES DO CONSELHO DE ESTADO SÃO DECALCADOS DOS PODERES


DOS SUPERIORES HIERÁRQUICOS, QUE PODEM REVOGAR OU ANULAR AS
DECISÕES DOS SUBALTERNOS, ATRAVÉS DO MEIO PROCESSUAL
DENOMINADO RECURSO DE ANULAÇÃO DO RECURSO HIERÁRQUICO.

Jean Bodin, um dos pais do Contencioso Administrativo, intitula o processo


administrativo como, Recurso Hierárquico Institucionalizado. É um recurso que se
transforma, e se “jurisdicionaliza”, mas é um recurso.

Em Portugal, até 2004, o meio de reacção contra actos administrativos apresenta-


se como Recurso Directo de Anulação Administrativa, sendo este mais uma influência
deste período inicial na evolução posterior do Contencioso Administrativo. Isto deve-se,

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uma vez que, os juízes se encontram também limitados à anulação das decisões da
Administração, decorrendo da lógica do superior hierárquico – lógica do juiz anulação.

Existem assim, razões para o surgimento do Modelo Francês:

i. Teorização do Estado: lógica como é concebido o Estado Liberal. A teoria do


Estado Liberal é elaborada, por aquilo que são duas mães e dois pais do Estado.
Por um lado dois pais, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, que teorizam a
democracia do poder e a origem popular do poder e, duas mães por outro, John
Locke e Montesquieu, que fundamentam a separação de poderes e a tutela dos
direitos individuais, sendo que, se atentarmos concluiremos que temos uma mãe
de origem britânica e outra de origem francesa:
a) Montesquieu: os poderes públicos correspondem às funções estaduais:
legislativo, executivo e judicial. Os poderes são considerados como
poderes do Estado e, por detrás de cada um desses poderes está o Estado
todo poderoso. Por esta razão, na lógica de Montesquieu os poderes,
judicial e executivo tendem a ser confundidos;
b) John Locke: não fala em Estado, sendo este um conceito importado apenas
no séc. XX. Assim, em Locke cada um dos poderes é autónomo e
independente e, só por este motivo é que os poderes se podem controlar
reciprocamente, porque não estão integrados no Estado.

Só no final do séc. XX é que concluímos que os Tribunais de Sua Majestade não


eram suficientemente britânicos, por que há numerosas excepções a esta suposta
igualdade e, portanto, os traumas manifestam-se de forma diferente, mas existem em
ambos os lados.

ii. Motivo Histórico: em França, no período do Antigo Regime, os juízes mantinham


um papel muito importante na luta contra a concentração do poder real e, os
revolucionários franceses acabaram por temer os juízes, por essa mesma razão. A
justificação apresentada para afastar e limitar os poderes dos juízes, foi
precisamente a de já não existir poder real e, como tal, estes já não eram
necessários como anteriormente. Entre o Conselho do Rei e o Conselho de
Estado, como dizia Tocquiville, o que mudou apenas foi o nome, pois a função é a

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mesma, e dai a tentativa de fingir que há justiça, ao mesmo tempo que se procura
limitar o poder dos juízes criando órgãos artificiais para dizer que há julgamento
das decisões.

Quando se fala nas conquistas do Conselho de Estado, fala-se da conquista dos


vícios, para permitir a análise e a apreciação dos actos administrativos. Ora, no quadro da
evolução, aquilo que o Conselho de Estado vai fazer é utilizar os mesmos vícios que o
Conselho do Rei já utilizava, sendo eles a incompetência, o vício de forma e a ilegalidade
material. Tudo isso implica uma transição de uma coisa para a outra em termos de
continuidade desta nossa administração.

O período do pecado original e a realidade do administrador-juiz pode ser assim


dividido em três sub-período, sendo que cada um deles marca uma evolução do sistema:

 1789-1799: período marcado pela total confusão entre administrar e julgar,


não existindo nenhum órgão responsável de julgar a Administração. Era a
Administração que actuava e que se julgava a si mesma. Era a fase da total
promiscuidade entre Administração e Justiça. Isto significava que o próprio
autor do acto era chamado a justificar as suas actuações, mas tudo se passava
no seio da Administração;
 1799-1872: em 1799 dá-se a primeira mudança no sistema, surgindo o
Conselho de Estado criado por Napoleão Bonaparte, sendo aquele um órgão
que não chega a ser nem completamente administrativo, nem completamente
jurisdicional, isto uma vez que, o Conselho de Estado era o órgão superior da
Administração Pública, que tinha por missão aconselhar o Imperador e o
Estado, mas ao mesmo tempo é um órgão consultivo da Administração
Pública também. Há assim, uma primeira separação entre a Administração e a
Justiça. A decisão do Conselho de Estado corresponde a um parecer1, isto
porque a última palavra pertence à Administração;
 1872 – em diante: As sentenças do Conselho de Estado deixam de ser
pareceres e passam a ser decisões vinculativas, sendo esta alteração justificada
através da delegação de poderes, passando assim para a fase da Justice
1

Sistema designado por: La Justice Retenue, o qual o Prof. Marcello Caetano denomina por justiça reservada.

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Déléguée, ou a fase da justiça delegada. A justiça delegada atribui maior
relevância ao Conselho de Estado, visto que este agora elabora imediatamente
as sentenças que obrigam os particulares e que, acima de tudo, obrigam a
Administração. Os Professores Marcello Caetano, Freitas do Amaral e Sérvulo
Correia defendem que é nesta fase que surgem os Tribunais Administrativos,
mas não têm razão e, isso prende-se com o seguinte: quando falamos em
delegação de poderes estamos a pensar num mecanismo interno
administrativo, pois é um mecanismo através do qual um órgão da
Administração transfere o exercício da competência para outro órgão da
Administração sem perder a competência. Assim, o que está em causa é um
fenómeno administrativo, o que está em causa é considerar o Conselho de
Estado como um superior hierárquico do Governo e que, assim sendo, tem a
última palavra. Não há assim nenhuma diferença do ponto de vista formal,
material ou orgânico entre a função de julgar e a função de administrar e,
portanto, não estamos perante um tribunal, estamos perante um órgão
administrativo mais autónomo e independente.
o Mais tarde o Conselho de Estado vai dar origem a dois órgãos
distintos, existindo uma separação orgânica, formal – sendo que um
aplica procedimento administrativo e o outro processo administrativo
–, e uma separação material, pois um aconselha e o outro julga:
a) Órgão da Administração – que aconselha a Administração;
b) Tribunal
o 1889 – Teoria do ministro-juiz: modelo que mais irá influenciar o
Contencioso Administrativo. O que se defendia era que as decisões
deviam subir todas até ao órgão supremo, até ao Governo e, depois
recorria-se da decisão do governo para o Conselho de Estado, não
bastando assim a decisão apenas do subalterno, mas também do órgão
máximo – a decisão prévia. Daqui irá resultar a exigência – que há
muito devia ter desaparecido, mas que ainda existe – do recurso
hierárquico necessário2. É esta ideia que, por conseguinte, vai gerar em
Portugal o recurso de anulação, justificando que no Contencioso

Obtém a decisão do órgão de topo antes de ir a tribunal.

16
Administrativo o juiz continue com os seus poderes limitados, visto
que não tem mais do que poderes anulatórios, não gozando de poderes
condenatórios;
o O tribunal irá nascer mais tarde, a partir de 1889 em França, aos
poucos e, noutros países como Espanha o Itália, no início do séc. XX.

Assim, a Administração, após a Revolução Liberal, foi concebida como uma


autoridade toda poderosa, que exercia o poder sobre os administradores, sendo que o que
estava em causa era um exercício de um poder por parte da Administração, os limites a
este poder não decorriam dos direitos dos particulares, visto que os liberais não
reconheciam os direitos dos particulares face à Administração, mas apenas no âmbito do
Direito Civil.

Otto Bachoff fala na Administração agressiva, a Administração polícia, que


quando actua é para impor a ordem e limitar o direito dos particulares. Sendo por isso
que, o contributo dos liberais é o princípio da legalidade e não o princípio da tutela dos
particulares, uma vez que, o particular é um objecto.

2. Fase do Baptismo ou da “jurisdicionalização: em 1989 o Conselho de Estado


Francês passa a comportar-se a assemelhar-se com um tribunal propriamente dito.
Isto aparece paredes meias com o surgimento do Estado Social, onde a
Administração cresce e aumenta as suas funções, passando a ser Administração
prestadora de serviços. Aquilo que se manifesta no séc. XX e que obriga a
repensar o modelo, tem a ver por um lado com a mudança de estatuto dos
tribunais, mas simultaneamente com a limitação dos poderes do juiz que continua
limitado à anulação.

 Novo Contencioso:
 Alemanha: pós-nazismo;

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 Restantes países: anos 70 com as Constituições.

Mafalda Baudouin

21 de Setembro de 2017 14:00-15:15

Evolução do contencioso administrativo

Do séc XIX para o séc XX vai se consolidar e em simultâneo com o estado social
surge o novo modelo: o baptismo do contencioso administrativo – Professor Vasco
Pereira da Silva, ou o período da tribunalização segundo o Dr. Mário Lino.

Esta jurisdicionalização não se deu da mesma maneira em todos os países. Em Itália,


Espanha e Alemanha esta realidade/transformação da justiça administrativa foi mais
rápida, esta rapidez teve que ver com o modo como esta justiça administrativa tinha
nascido.

Em França, a partir de 1889, apos o acórdão em França – que pôs termo ao


sistema deste juiz ministro e ministro juiz, em que primeiro se recorria a administração e
a ultima palavra era do conselho de estado, que era como um superior hierárquico que
apreciava essa actuação apenas do ponto de vista da legalidade. A superação deste
sistema, a partir de 1899, faz com que surja uma tradição que vai conduzir a essa
jurisdicialização. É uma logica que, sendo da realidade francesa do séc XIX, é uma
realidade muito pouco francesa, em termos de ambiente cultural e lógica jurídica. A
transformação do contencioso administrativo vai se fazendo aos poucos e em razão da
jurisprudência do conselho de estado, e vai-se fazendo em reconhecimento dessa
dependência por leis que surgem a posteriori.

Há um autor francês que diz que em França há um milagre para explicar estas
transformações. Este milagre é um milagre da administração toda poderosa que aceita
autolimitar-se e aceita o estabelecimento do controle dos tribunais. O professor defende
que esta ideia de milagre mostra como não é possível dizer a partir de que data é que se
modificou no esquema parisiense essa jurisdicionalização, mas essa ideia de milagre não
pode corresponder a logica de Veille, que é uma ideia do Estado como dono do direito se
aceita autolimitar-se, o Estado dono do direito e da administração. O direito é uma

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realidade que está para além do Estado e que o obriga a ele próprio e, portanto, esta
concepção do estado senhor do direito é uma concepção muito francesa. Na realidade, o
que existe aqui na concepção francesa é um duplo milagre: por um lado, há o milagre da
limitação da administração que vai sendo subordinada ao direito e que vai se
transformando na sua dimensão autoritária, há de uma maneira a superação da ideia de
estado como direito; há em simultâneo, um segundo milagre, que é a transformação de
um órgão administrativo num órgão jurisdicional, num tribunal administrativo, é a
transformação de uma entidade admninstrativa num tribunal, pode-se dizer neste caso que
o conselho de Estado é o self made court é o tribunal que se constrói a ele mesmo em
razão da sua actuação, é um tribunal que que vai actuando cada vez mais como uma
entidade de um poder judicial, e que vai sendo reconhecido o seu estatuto e que vai
implicando a transformação da lei e da Constituição. Foi um procedimento que se foi
construindo.

Há dois momentos marcantes nesta evolução:

1) Desde o acórdão cargaux – foi a partir de 1889 que aos poucos se foi dando essa
transformação e passou a ser mais evidente depois no séc XX.
2) E depois há uma sentença do TC francês, do conselho constitucional de 1988, em
que pela primeira vez o Tribunal Constitucional reconhece que a secção
contenciosa do conselho de estado é um verdadeiro tribunal integrado no poder
judicial e não uma entidade administrativa. E desta maneira esta sentença marca o
fim de um ciclo de transformação dum quase tribunal num verdadeiro tribunal. O
que, no fundo, aconteceu no conselho de Estado, foi um desdobramento, o
conselho de Estado deu origem a dois órgãos diferentes, regulados por leis
diferentes com uma função diferente e por isso se distinguem em termos formais,
materiais e hoje em dia também em termos orgânicos. A pouco e pouco foi-se
separando a secção administrativa da secção jurisdicional. A secção
administrativa funciona como órgão administrativo, e a seção contenciosa
funciona como um verdadeiro tribunal, onde há juízes que são admitidos com
regras diferentes dos funcionários públicos, e que como têm uma formação
especial vão julgar a administração. Houve uma separação do órgão. Primeiro se
reconheceu que estas duas secções eram diferentes e desempenhavam tarefas
diferentes, depois reconheceu-se que essas tarefas implicavam formalmente um

19
estatuto e regras de actuação diferente. e que mereciam tratamento diferenciado.
Há uma lógica de separação de poderes total. Inicialmente o conselho de Estado
era só o conselheiro do Rei, em matéria de prorrogação de diplomas, depois
começou a intervir na questão da constitucionalidade dos diplomas, e a partir
deste momento começou a ficar institucionalizada a fiscalização preventiva da
constitucional atribuída ao conselho de Estado. Isto adquiriu estatuto
constitucional, e hoje esta fiscalização preventiva já é acompanhada de
fiscalização sucessiva concreta porque o conselho de Estado, o conselho
constitucional foi alargando os respectivos poderes de controle e isso foi sendo
reconhecido pela constituição e pelas leis. Há aqui uma lógica em que a evolução
da realidade social é determinante e a lei vai reconhecendo esse factor.

Temos de ter em conta que a separação não aconteceu nu único momento, a


transformação foi se produzindo ao longo dos anos. Esta realidade francesa conduz a esta
transformação gradual que foi sendo completada ao longo dos tempos e que se continua
nos dias de hoje (mais tarde, no terceiro período – o crisma – veremos que as reformas do
contencioso francês no ano 2000 foram decisivas para a transformação do contencioso
nesta dimensão da jurisdicionalização).

Em Portugal, por outras razões, por razões de natureza política, o fenómeno de


transição foi muito lento. Quem nos consegue explicar esta evolução é também o
professor Freitas do Amaral, na sua tese de doutoramento em que fala sobre a execução
das sentenças dos tribunais administrativos. Tese essa que foi feita sob a direção
cientifica do professor Marcelo Caetano. foi uma pessoa contraditória, e a evolução que
se deu no direito administrativo português ainda no tempo do manual no quadro da
constituição de 1933 foi quando o professor Marcelo Caetano autorizou o professor
Freitas do Amaral a escrever não apenas as notas de rodapé, mas a escrever os
entretantos, que vinha escrito em letra diferente e por isso já sabíamos que era escrito
pelo Professor Freitas do Amaral e por isso diferente daquilo que tinha escrito o professor
Marcelo Caetano, e no entanto estava no mesmo livro, foi uma espécie de coautoria
contraditória.

O Prof Freitas do Amaral veio dizer que havia 3 manifestações desta natureza
administrativa do sistema português, mesmo o supremo tribunal administrativo se

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chamava tribunal, que não era nada, porque estava integrado na presidência do conselho
de ministros, era um órgão autónomo da presidência do conselho de ministros e regulado
pela presidência do conselho de ministros e era a presidência do conselho de ministros
que exercia tutela sob o supremo tribunal administrativo , depois porque a nomeação, a
demissão e as sanções aos juízes dependiam do presidente do conselho de ministros, e
depois tb porque em Portugal não foi só ate a constituição de 1976, em Portugal isto
durou para além da constituição de 76 quase até aos anos 80, não havia em Portugal
nenhum sistema jurisdicionalizado de execução das sentenças dos tribunais. Cumprir
aquilo que o tribunal tinha feito era algo que a administração podia decidir segundo eles,
não era obrigado a cumprir, não havia um sistema jurisdicionalizado de execução das
sentenças, era uma graça da administração, esta só cumpria quando lhe apetecia. Se não
cumprisse não havia maneira de a obrigar a cumprir. Só com o decreto de lei 256-A de
1977, e depois com a reforma de 1985 em Portugal é que se estabeleceu um sistema
jurisdicionalizado de execução das sentenças, o que levava o Professor Freitas do Amaral
a dizer que até, em termos teóricos, o sistema português se parecia mais com o da justiça
reservada do que com o da justiça delegada, porque esta possibilidade de ter a ultima
palavra quanto a executar ou não executar correspondia ao poder do Chefe de Estado de
homologar ou não as decisões do conselho de estado. O sistema tinha este controle que
resultava desta ausência de um processo jurisdicionalizado de execução.

Decreto de lei - Apenas surgiu o DL 256-A de 1977, de 25 de Novembro: o


legislador reconheceu que a CRP de 1976 mudou de paradigma (manteve o velho mas
introduziu coisas novas) e regula apenas 4 coisas - (1) Estabeleceu o dever de
fundamentação; - (2) Embora não tenha consagrado uma acção de condenação, alterou
a lógica tradicional uma vez que estabeleceu que, perante a omissão da Administração,
não havia um acto tácito de indeferimento mas uma omissão que dá origem a um
processo de impugnação. Isto contribui também para uma maior jurisdicionalização do
Contencioso. - (3) Jurisdicionalização do processo executivo: o processo de execução
das sentenças é realizado por um tribunal administrativo e pode obrigar-se a AP a
cumprir as sentenças. Consiste num mecanismo que estabelece a responsabilidade penal,
civil e disciplinar do titular do órgão que não cumpre uma sentença. Foi o DL 256-A de
1977, de 25 de Novembro que abriu as portas a um modelo de execução no Contencioso
Administrativo. Decorre da ideia de que se os tribunais administrativos são verdadeiros
tribunais, então as suas sentenças não devem ficar dependentes da vontade da

21
Administração e têm de ser cumpridas. - (4) Mecanismos de controlo administrativo
prévio. - No fundo, este DL contribuiu para a adaptação, ainda que minimalista, da
realidade à ordem constitucional, no sentido de implementar um sistema de Contencioso
plenamente jurisdicionalizado.

Até 1977, lançaram-se as bases deste regime, a partir de 1985, o seu regime de
execução das decisões da administração.

Em Portugal, este período do Baptismo vai durar até 77, há aqui uma realidade
similar do regime francês, em que tudo isto se passa de forma lenta.

Pelo contrário, no sistema italiano e no espanhol, em 1904(lei nova espanhola que


separou os tribunais de justiça). Não há um supremo tribunal administrativo, há apenas
um supremo tribunal de justiça, que tem uma câmara para a parte administrativa. Na
pratica essa jurisdição separada depois dá origem a uma parte do tribunal que é
administrativa e outra que é comum. Desde 1904 que os tribunais administrativos
espanhóis são verdadeiros tribunais, na altura do Franquismo respeitou-se a
independência e autonomia dos tribunais.

Em Itália, foi em 1907, por via do legislador que transformou o conselho de


Estado num tribunal, e essa realidade foi reconhecida pela constituição e pelo Tribunal
Constitucional italiano. Há realidades diferentes que têm a ver com a evolução dos
diferentes países. Esta mudança de estatuto jurídico do tribunal não significou, nem o
alargamento do âmbito da jurisdição, a jurisdição continuava a ser limitada ao poder
administrativo, por outro lado o juiz tinha poderes anulatórios.

É também esta fase, a partir do séc XX que marca transformações por um lado
idênticas e por um lado diferentes que se verificava no Reino Unido, o Reino Unido no
período do liberalismo não proibiu os tribunais judiciais de contrariarem a administração,
nem criou tribunais especiais. A lógica britânica era que a adm submetia-se à lei comum
– a lei era igual para os particulares e para a administração. Esta realidade que começa no
século XIX, isto vai-se alterar no inicio do séc XX de uma forma muito rápida, e vai-se

22
alterar por causa da transformação da administração na medida em que a administração
do Estado Social passou a realizar novas tarefas na vida económica, social e cultural
realizadas por poderes públicos e entidades públicas, e todas estas entidades são criadas
por lei e têm um estatuto legal, tem regras próprias. No Reino Unido começa a surgir
também o direito administrativo. Esta transformação e surgimento do direito
administrativo tinha que ver com a mudança do estado liberal para o estado social. A
partir do momento em que a administração chamou a si novas funções, essas funções
tinham de ser reguladas por lei, não resultavam nem da tradição nem de costume. Eram
realidades de natureza estatutária. A jurisdicionalização do Contencioso vai acompanhar
a instauração do modelo do Estado Social que começa a surgir nos finais do século XIX e
início do século XX: lógica do Estado providência e administração prestadora - a
administração actuava para prestar bens e serviços aos particulares. - Havia uma
multiplicidade das formas de actuação (ao contrário do modelo da administração
agressiva em que a actuação administrativa se traduzia no acto administrativo). Agora a
administração decide o que é mais adequado (praticar um acto, negociar um contrato,
fazer um regulamento, etc). - Mas o acto administrativo também se transforma. O acto
administrativo é um acto jurídico, mas não tem nada de jurídico: quem define o direito
são os tribunais.

A partir do séc XX, e de forma muito intensa nos anos 20, 30, 40, 50, vai surgir
no reino unido a realidade que estava a desaparecer em frança, que era o surgimento dos
tribunais administrativos que eram especiais, e que não eram verdadeiros tribunais – os
administrative tribunals – estes não são chamados de court, pois estes são tribunais e os
tribunals são órgãos da administração. Enquanto órgãos da administração não são
compostos por juízes, podem ser chamados a julgar decisões administrativas e a tomar
uma decisão que é obrigatória para aqueles que se submetem a esta realidade. Estes
tribunals – são coisas que estão algures entre o universo da justiça e do homem. É uma
realidade meio administrativa, meio jurisdicional, que começou a surgir no direito inglês.

A partir de 49, começa-se a querer limitar este autocontrole da administração, e


começam se a estabelecer garantias para estes tribunals, de imparcialidade, por outro lado
neste período de estado social o que vai surgir e a ideia de que a ultima palavra deve
caber a um juiz. Vai-se estabelecer um sistema de recurso da decisão dos tribunals para
um court, para que a última palavra corresponda a actuação de um juiz. Esta realidade vai

23
ser afirmada com uma evolução do estado de direito. Esta realidade marca também uma
transformação no sistema britânico, que tinha tido nos anos 20 sintomas de nascimento, e
uma realidade que também vai ser combatida pelas mesmas razões com que vai ser feita a
jurisdicionalização do quadro da realidade francesa. Por um lado, há uma divergência e
depois há uma confluência desta realidade. Esta realidade de transformação vai fazer
surgir um verdadeiro tribunal administrativo (1950-60), com regras próprias, com regras
especiais, há processo com normas processuais diferentes daquelas que regulam os
processos comuns. Isto resulta de Kings Court e Queens court que é o tribunal onde são
apreciados os actos de sua majestade, que são actos de natureza administrativa. O Estado
actua indirectamente, pois quem actua é o governo. O acto de sua majestade vai parar ao
Queens Court que é o acto da administração. Estes actos têm um processo especial com
regras especiais (judicial review), revisão judicial que é feita por um tribunal, é um
processo do contencioso administrativo parecido ao nosso. A última palavra cabe aos
courts e há uma especialização do contencioso e faz com que haja tribunais
especializados em julgar a administração de acordo com regras de processo e efectuadas
por um órgão em que só ele tem competência para o fazer. Quer do ponto de vista
material, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista orgânico, só o
administrative court que é uma divisão do Queens Court, só o administrative court pode
controlar os actos do contencioso administrativo. Durante muito tempo esta realidade foi
desconhecida porque também faltava a dimensão sem fronteiras do processo
administrativo, do direito administrativo, não havia o direito comparado. Esta realidade é
semelhante à que existe na realidade francesa, mas não corresponde a logica de uma
jurisdição separada, e não responde por causa da realidade orgânica que está subjacente a
esta, ou seja, enquanto que em Portugal, na Alemanha e na França há um tribunal
superior, no Reino Unido só há tribunais de primeira instancia, não há separação ao nível
do topo, só existe separação ao nível do topo. Não há uma segunda instância, porque aí há
um tribunal de topo. Enquanto nos outros países há uma logica de organização dos
tribunais que tem a ver com a evolução que o processo foi tendo ao longo destes anos.

Agora, tentando ligar esta realidade processual à realidade substantiva, esta


transformação dos estatutos dos tribunais corresponde a um período de alargamento das
funções da adm e de transformação do modo de actuação da administração. Isto que se
passou em todos os aspectos do direito administrativo, no processo só correspondeu à
mudança do estatuto dos juízes, não significou nem o alargamento da jurisdição nem a

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transformação dos poderes. Isso so vai surgir num momento posterior, na terceira fase de
evolução do contencioso: a confirmação ou o crisma.

Nesta fase vão acontecer simultaneamente duas coisas:

1) É reafirmada a natureza jurisdicional do juiz, deixa de haver duvida que os


tribunais administrativos são verdadeiros tribunais, e ao mesmo tempo que é
reafirmado, tiram-se todas as consequências disso, o juiz goza de plenos poderes
em face da administração, o juiz pode condenar e dar ordens a administração
2) O fim da justiça administrativa e o objecto da justiça administrativa é a tutela dos
direitos dos particulares nas relações jurídico publicas e nas relações
administrativas.

Esta ideia subjetiva de um contencioso que é, em primeiro lugar verdadeiramente


jurisdicional e de natureza subjetiva, em que há partes e em que o objecto final do
processo é a tutela dos direitos dos particulares, é uma mudança em relação aquilo que
ate aqui tinha sido a história da mudança do contencioso administrativo. Isto vai
produzir-se a partir dos anos 50 na Alemanha, (e a partir dos anos 70 no resto dos países).
Há outra realidade que surge no pós-guerra e que vai justificar esta procura, a Alemanha
foi ocupada por potências que tinham regimes administrativos diferentes, e, portanto, os
alemães vão-se preocupar em criar alguma coisa que permitisse controlar integralmente a
administração, em principio a lei do contencioso administrativo alemã surgem desde o
inicio acções de condenação, foi o primeiro país em que isto surgiu, a possibilidade de
dirigir uma ação para condenar a administração. Mais tarde generalizou-se para os outros
países através das constituições, este período da confirmação da natureza jurisdicional, e
simultaneamente a subjectivização, vai ser nos anos 50, 60, 70, e 80, há uma
constitucionalização do contencioso administrativo. São as constituições e os tribunais
constitucionais que numa primeira fase vão construir o modelo da administração. A
partir dos anos 80, até aos nossos dias, temos um segundo período, o período de
europeização, mecanismos e regras que introduzem um contencioso administração
especial, um segundo momento daquela confirmação da europeização do contencioso
administrativo.

Resumindo, há duas sub-fases:

25
(1) Anos 70 e 80 do século XX: Constitucionalização do Contencioso Administrativo.
As Constituições e os Tribunais constitucionais afirmam esta natureza
jurisdicional plena do Contencioso Administrativo e a tutela dos direitos dos
particulares. A primeira Constituição a fazê-lo é a Constituição fundamental
Alemã (artigo 19º/4) - afirma o princípio da plenitude da Justiça Administração: o
juiz tem os mesmos poderes que os juízes comuns e destina-se à tutela plena dos
direitos fundamentais - surge na Alemanha no pós-guerra
(2) A partir dos anos 80/90 até hoje: marcado pela ideia da europeização do
Contencioso Administrativo. O direito europeu é uma realidade sui generis: há um
sistema jurídico autónomo que não é uma realidade de direito internacional. Do
ponto de vista europeu, há o sistema jurídico comum e a UE é uma realidade que
actua sobretudo no exercício da função administrativa estabelecendo regras
comuns - função que se tem vindo a acentuar. O direito administrativo é direito
europeu concretizado.

Raquel Ribeiro

21 de Setembro de 2017 15:30-16:45

Estávamos a analisar o último momento da história do Contencioso


Administrativo. O momento da confirmação, o momento marcado por duas realidades
diferentes. Por um lado, a reafirmação da natureza jurisdicional do Contencioso, por
outro lado a retirada de todas as consequências disso atribuindo ao juiz a plenitude dos
poderes face á administração e , simultaneamente, subjectivizando o processo, o processo
que é de partes, e que existe para a tutela dos direitos dos particulares.
Isto vai ser realizado, em primeiro lugar, com as Constituições.
A Constituição Alemã consagrada no artigo 19ºnº4 a regra segundo a qual todos
os direitos dos particulares em face dos poderes públicos são protegidos. Os particulares
têm direitos e esses direitos são protegidos através de Tribunais que gozam da plenitude
de poderes (principio da integralidade e da plenitude dos poderes do juiz e o principio da
efectividade dos direitos dos particulares em face da administração). Aquilo a que, com
alguma ironia, até pelo facto de ter surgido depois daqueles acontecimentos traumáticos a
doutrina chamada a norma perfeita da constituição alemã. Perfeita porque juntava em si
todos os fundamentos do Estado de Direito, afirmando o Direito Particular e

26
estabelecendo mecanismos de controle do Público. Portanto na lógica da norma perfeita.
E, portanto, na sequência desta declaração constitucional, surgem-nos depois leis do
Contencioso, a partir dos anos 50 e que vai até aos nossos dias, com sucessivas revisões.
A última já depois de 2007, que vão transformando o Contencioso Administrativo em
termos de aperfeiçoar cada vez mais este controlo da Administração.
Em França, vai ser não a Constituição, mas o Tribunal Constitucional a introduzir
esta mudança, porque tal como tinha havido uma sentença de 81 em que o Conselho
Constitucional declarava a natureza jurisdicional do Conselho de Estado, da secção
Contenciosa do Conselho de Estado. Agora em 89 vai surgir uma outra sentença que diz
que o Tribunal Administrativo seve para proteger os particulares nas relações com a
Administração, ou seja, vai acentuar a dimensão subjectiva do Contencioso, um
Contencioso que tem por missão a tutela dos direitos dos particulares. Porque na lógica
do Estado de Direito se os direitos dos particulares forem garantidos a Administração
cumpre a lei. Ou seja, na lógica objectiva tradicional que se preocupava apenas com o
controle objectivo da Administração é uma lógica insuficiente em face da lógica dos
direitos dos particulares que permite um controlo ainda maior. O particular tem o direito,
a Administração está a violar um dever e a pôr em causa esse direito, portanto está a
cometer uma ilegalidade. É o principio da tutela plena e e efectiva dos direitos dos
particulares.
Portanto em França a partir de 89 o Contencioso deve assumir uma realidade
diferente. E, também em França, isto foi feito paulatinamente quer pela actuação do
Concelho de Estado quer pela actuação do legislador. França, a legislação do ano 2000,
em que o juiz administrativo se torna de plena jurisdição. O recurso continua a ser o
nome tradicional para o meio processual de controlo da Administração. O recurso torna-
se de “pleine juridiction” enquanto que até aí era o recurso de mera anulação.
Portanto há todo um conjunto de transformações que são determinadas em primeiro lugar
pela realidade Constitucional e depois dá origem ao surgimento de leis de processo cada
vez mais desenvolvidas no sentido de controlar integralmente a administração nos termos
do modelo Constitucional.
Em Itália é também o Tribunal Constitucional, não tem muita diferença. Aí a
constituição já consagrava a natureza jurisdicional e da qual poderia ocorrer uma certa
acepção plena dos Tribunais, mas curiosamente, em Itália havia aquela distinção
tradicional entre os interesses legítimos, ou melhor, os direitos subjectivos e os interesses
legítimos e difusos e a diferença entre uma e outra significava um tribunal diferente. O

27
Tribunal Comum era o tribunal dos direitos subjectivos e o Tribunal Administrativo era o
tribunal onde estavam em causa apenas interesses legítimos e interesses difusos. E havia
uma diferenciação consoante a natureza da posição subjectiva. Agora vem-se dizer que a
doutrina já tinha há muito tempo afirmado que essa distinção não faz nenhum sentido do
ponto de vista teórico. Não há nenhuma diferença entre os chamados direitos subjectivos,
os interesses legítimos e os interesses difusos, o que interessa sendo uma matéria
Administrativa independentemente de se tratar de um direito, de um interesse legítimo ou
difuso, para quem utilize essas construções, a tutela deve ser sempre garantida pelo
Tribunal Administrativo.
E, portanto, curiosamente, o Tribunal Constitucional Italiano, vai mesmo dizer
que a norma constitucional é inconstitucional porque violava os princípios da realidade
do poder jurisdicional na medida em que fechava o Contencioso Administrativo a um
Contencioso só de interesses legítimos e difusos. Vem dizer que isso é pouco é preciso
que a jurisdição administrativa se afirme e que tenha uma dimensão mais importante e
isso decorre de o poder jurisdicional estar consagrado na Constituição. Há aqui uma
realidade criadora por parte da justiça Constitucional Italiana.
E o mesmo se diz do Reino Unido, porque aquela regra de que há pouco
falávamos de que a última palavra cabe ao court, a ultima palavra cabe sempre ao
Tribunal, o que significa que é possível intentar um juditial review contra uma decisão do
administrative tribunal, esta regra é reconhecida como tendo uma dimensão
constitucional como fazendo parte da Constituição material do Reino Unido. E, portanto,
há aqui uma “constitucionalização” que marca esta mudança que agora vimos. E uma
mudança que é a superação dos dois principais traumas que iremos identificar na história
do Contencioso Administrativo.
O trauma de um tribunal que não era tribunal, e que agora passa a ser, e passa a
sê-lo plenamente. E o trauma de um Contencioso que servia para proteger a
Administração e que agora é visto como servindo para proteger o particular. Portanto
uma revolução Copernicana, como lhe chama o Professor, que altera a natureza da justiça
administrativa.
E, portanto, há aqui um momento que é um momento importante, e que aconteceu
um pouco por toda a parte.
Artigo 212nº3, o que aqui está é precisamente, por um lado a integração dos tribunais
administrativos no âmbito do (Imperceptível) e esta norma Constitucional inscreve-se nas
normas sobre o poder judicial e há uma outra norma antes (207 ou 208) que fala das

28
jurisdições e quais são os tribunais. É o artigo 209º (ler artigo). Portanto ordens e
jurisdições constitucionais separadas cada uma delas com uma base. Com os tribunais
judiciais, temos no topo o Supremo Tribunal de Justiça, com os Tribunais administrativos
de circulo temos no topo o STA, e, portanto, a lógica da integração dos Tribunais
administrativos na orgânica da administração. Depois o artigo 212nº3 dizendo que os
tribunais têm por missão resolver os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas, portanto os tribunais resolvem conflitos de interesses, conflitos de
direitos no quadro das relações jurídicas administrativas. A ideia da relação jurídica
implica a posição de igualdade do particular e da administração. O que está em causa não
é uma definição de poder nem uma lógica autoritária o que está em causa é uma relação
jurídica em que os particulares e a administração são tratados como partes, são sujeitos
processuais e intervêm no processo administrativo para a tutela dos seus direitos nas
relações administrativas. E depois a norma que á semelhança do direito Alemão, e
ironizando, se os alemães têm a norma perfeita, nós temos a norma mais que perfeita, que
é a do 208nº4 (ler artigo). Isto resultou da revisão constitucional de 89 quando estávamos
todos os administrativistas fartos de avisar o legislador e o poder político que tinha de o
alterar. Já tinha havido várias revisões e ficava tudo na mesma. E nessa revisão
constitucional de 89 deu-se a circunstância feliz de se ver vários administrativistas em
posições susceptíveis de influenciar a revisão constitucional. O Partido Socialista que
tinha ganho as eleições tinha no Parlamento o líder parlamentar encarregado de fazer a
revisão constitucional, chamado Vital Moreira. O Partido Social Democrata tinha como
dirigente o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, O CDS tinha na Assembleia deputados
administrativistas conhecidos que tinham trabalhado no domínio do contencioso
administrativo. O PC também estava interessado em mudar e tinha um administrativista.
E depois a doutrina estava toda contra isto.
268nº5 (ler o artigo).
Isto foi em 89 e a reforma do processo foi em 2002, ainda demorou algum tempo,
mas a partir dessa altura ficou evidente que as normas do processo administrativo
português eram maioritariamente (Imperceptível).
Há aqui num primeiro momento a intervenção das Constituições e isto tem até uma
importância psicanalitica reduzir a escrito é uma forma de resolver os problemas, de
resolver os traumas do passado. A lógica psicanalitica francesa é que se preocupa muito
com este aspecto cultural dos fenómenos e a passagem a escrito das realidades
traumáticas, dos traumas mais profundos e dos medos profundos que estão na base das

29
melhores páginas literárias escritas, precisamente porque correspondem a uma realidade
vivida a nível do inconsciente.
E portanto temos este momento nos anos 70. A constituição Portuguese é de 76 a
Espanhola de 78 há revisões constitucionais por esta altura nos outros países ou então há
intervenção do Tribunal Constitucional e portanto há aqui uma transformação
determinada pela lógica Constitucional e reafirma-se aquilo que já se dizia do passado ou
seja que o Processo Administrativo tem de ser Direito Constitucional concretizado é uma
expressão de Fritz Werner que contrariava a lógica clássica do Doutor Mayer. Ele dizia
que o Direito Constitucional passava e o Direito Administrativo é que ficava, que era uma
coisa mais importante. Fritz Werner vem dizer, nos anos 60, que o Direito Administrativo
e o Processo Administrativo devem ser Direito Constitucional concretizado. E esta ideia
da concretização que vai dar origem às leis do Contencioso Administrativo, como às leis
do Procedimento Administrativo. Esta dimensão é assumida como uma realidade
essencial e Peter Haberle da dupla dependência do Direito Constitucional e do Direito
Administrativo. Dupla dependência porque por um lado o Direito Administrativo
depende do Direito Constitucional, porque concretiza as opções constitucionais a todos os
níveis e aqui ao nível do Contencioso Administrativo. Ao modelo de Contencioso
Administrativo subjectivo destinado à tutela dos direitos dos particulares em que os
particulares e a administração são partes, são colocados no processo com os mesmos
poderes e com os mesmos deveres. Em que o juiz goza de plenos poderes em face da
Administração, em que os direitos dos particulares devem ter uma tutela plena efectiva ao
modelo constitucional e a lei ordinária tem que cumprir esse modelo. Mas também há
uma dependência administrativa do Direito Constitucional porque a Constituição só se
realiza com a actuação dos Tribunais e em especial dos Tribunais Administrativos. Não
pode haver Estado de Direito, não pode haver a realização da Constituição se a justiça
administrativa não actuar de acordo com as regras das Constituições. E, portanto, estamos
perante uma dupla dependência. Uma realidade que introduz esta lógica de que para o
legislador constituinte o funcionamento da Justiça Administrativa, o funcionamento de
acordo com o modelo Constitucional é uma questão de sobrevivência é uma questão
essencial, é uma questão em que se põe em causa a efectividade da Constituição. Se não
for cumprido o modelo constitucional, a Constituição está em crise, a Constituição tem
um problema grave, do ponto de vista material e é preciso criar uma realidade que
aproxime estas realizações.

30
Isto também se passou noutros países. No caso Português só terminou
verdadeiramente em 2004. Noutros países foi mais cedo, quem foi pioneira foi a
República Federal da Alemanha, mas outros países europeus acompanharam esta
realidade no quadro desta constitucionalizarão do sistema Administrativo.
O Processo Administrativo passa a ser Direito Constitucional Concretizado, passa
a depender do Direito Constitucional e o Direito Constitucional a depender de Processo
Administrativo.
A partir dos anos 80 vai-se verificar uma outra realidade que vem da Europa e que
vai ainda mais contribuir para esta dimensão jurisdicional, esta tutela plena e efectiva dos
direitos, esta dimensão subjectiva do Contencioso Administrativo.
É que a União Europeia, que já existia desde os anos 50, vai evoluir no quadro da
integração, vai estabelecendo… Primeiro começa por ser um mercado comum, depois vai
dar origem a uma união económica monetária, depois alarga-se a realidades que não são
apenas de natureza económica e a realidade europeia é uma realidade administrativa.
Aquilo que a União Europeia faz, principalmente, é exercer a função administrativa à
escala Europeia. Para exercer essa função, a Administração utiliza as Administrações
nacionais tal como do ponto de vista Contencioso usa os Tribunais nacionais. Mas esses
Tribunais nacionais tal como a Administração Nacional vai aplicar Direito Europeu. E o
que se passa a nível da União Europeia e que é diferente de uma simples organização
internacional é que não há apenas produção de normas jurídicas, como essas normas
jurídicas constituem um sistema que por um lado se impõe aos estados membros e que
por outro lado se mistura com o Direito dos estados membros. Ou seja, a lógica da união
e criar uma ordem jurídica Europeia isto não existe na ONU, não existe na Organização
mundial de comércio isto não existe em nenhuma realidade internacional. Não é um
Estado embora tenha elementos estaduais e a integração está próxima da integração de
um Estado, não é um Estado. Agora tem um nível de integração que resulta da existência
de um sistema júridico autónomo que por um lado prevalece, o principio da primazia e o
principio da eficácia directa, normas que se aplicam directamente nas relações entre
particulares, não são simples normas internacionais, são normas internas. Por outro lado,
este Direito Europeu mistura-se com os Direitos Nacionais e dá origem a uma nova
realidade Europeia. Isto resulta, quer daquilo a que vamos chamar a integração vertical
como da denominada integração horizontal. A integração vertical resulta de surgirem
normas não só as que constam dos tratados, mas depois os Regulamentos e Directivas da
União Europeia, que regulam o Direito Administrativo desde o inicio. Estabelece regras

31
em matéria de Contratação Pública, é preciso que um Portugês possa concorrer a um
concurso público na Alemanha e que um Alemão possa concorrer em Portugal. É preciso
criar um mercado único em termos de serviços, em termos de circulação bens de pessoas
e que leva a esta transformação do Direito Administrativo e vai-se produzindo um
conjunto de normas que são normas de Direito Administrativo, não só apenas de Direito
Administrativo, mas são sobretudo normas de Direito Administrativo. Aliás mesmo os
que criticam a União Europeia quando utilizam argumentos mais ou menos irónicos para
por em causa a dimensão da europeização acabam por mostrar a força da União Europeia
e aquilo que ela significa. Por exemplo aquele argumento sempre repetido e irónico de
que a União Europeia apenas se preocupa com o tamanho das maçãs e com o tamanho
dos preservativos. Preocupar-se com o tamanho é algo que tem a ver com a
Administração pública pois é ela que estabelece as regras pelas quais se passa a
proporção e a circulação de bens. Isto é uma regra típica de Direito Administrativo. Em
matéria Administrativa há leis sobre todas as coisas. E há políticas públicas, de
transportes, em matéria de energia, em matéria de comunicações, em matéria de
agricultura, não há nenhum domínio em que não haja regras de Direito Administrativo.
Mas há também regras de Contencioso, porque a União Europeia está preocupada em que
os Estados tenham regras comuns para permitir a livre circulação de pessoas, bens e
capitais. E por isso a União Europeia impõe nas diferentes Directivas normas processuais.
E normas de caracter processual. Há normas relativas ao âmbito da jurisdição que não
pode ser limitado e se repararem o nosso artigo 4º do Estatuto prevê que os particulares
possam praticar actos administrativos que são apreciados pelo Tribunal Administrativo,
porque quando os particulares desempenham a função administrativa o concessionário da
Auto-estrada , do hospital Amadora/Sintra , qualquer outra entidade mesmo que privada
que colabora no exercício na função administrativa pratica actos administrativos e o
Tribunal competente é o Tribunal Administrativo. Esta é uma norma que o artigo 4º
consagra, mas que vem do Direito Europeu. E, portanto, a realidade Europeia alargou o
âmbito da jurisdição através de uma dimensão de natureza legislativa. É o artigo 4º do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que limita o âmbito da jurisdição
Administrativa. E verão que esse artigo 4º alarga o universo do Contencioso
Administrativo, já não são apenas os entes púbicos que estão a ser julgados, podem ser
entes privados, ou porque a empresa pública tenha natureza privada ou porque é um
particular que tem uma empresa que se dedica a outra actividade mas que tem um
actividade de natureza Administrativa e portanto há um alargamento do Contencioso

32
Administrativo que deixa de ser o Contencioso da Administração e passa a ser o
Contencioso das Relações Jurídicas Administrativas, como se diz na Constituição, e há
em resultado disto uma transformação também ao nível de regras processuais. Uma das
coisas que preocupa a União Europeia é que os particulares possam ir a Tribunal para
tutelar os seus direitos. Portanto a legitimidade tem de ser concebida em termos amplos.
O artigo 9º do Código de Processo dos Tribunais consagra a legitimidade para a defesa
dos direitos, aos titulares dos direitos, aos que possuem deveres aos titulares de situações
protegidas, legalmente protegidas, ao Ministério Público e ao Autor Popular. O Processo
alarga-se em razão desta realidade Europeia que é a de que ninguém pode ficar fora do
Tribunal. Mas ao lado do legislador, que normalmente usa as directivas, às vezes usa os
regulamentos, mas em regra usa as Directivas Europeias, o que permite uma certa
flexibilização dos diferentes países que consagram um direito comum mas que pode ter
variantes, e que consagram uma lógica duma maior flexibilidade do Direito
Administrativo. Mas para além do legislador o próprio Tribunal assumiu aqui uma
importância criadora, porque o Tribunal Europeu, não apenas julga os litígios que lhe são
trazidos como funciona como Tribunal que permite a apreciação consultiva antes da toma
de decisões por parte dos Tribunais nacionais, mas é um Tribunal que faz Doutrina e que
pretende que essa Doutrina se imponha aos diferentes países e aos diferentes Estados que
estão em causa. O que é que aconteceu? O Tribunal de Justiça da União Europeia veio
chamar á atenção para uma coisa óbvia: é que no Contencioso Administrativo já havia
tutela principal, os juizes já tinha poderes de condenar, dar outras e outras coisas, mas
continuava a faltar a tutela cautelar. Não havia uma adequada tutela cautelar no
Contencioso Administrativo. A tutela preventiva aquela que visava garantir os efeitos da
sentença enquanto se passava o Processo para que ninguém pudesse ser prejudicado pelo
facto de a Administração ter praticado um acto ilegal que não tinha sido ainda julgado em
termos de apreciação final. O Tribunal veio chamar à atenção para a necessidade de
introduzir mecanismos cautelares. Mecanismos que suspendessem os efeitos dos actos,
enquanto não houvesse a sentença, mecanismos que colocassem os particulares em
situação transitória, por exemplo: se um particular foi ilegalmente excluído de uma
Universidade pode ser colocado provisoriamente enquanto espera pelo resultado do acto
que o excluiu da faculdade, o que significa que pode ir fazendo cadeiras a título
condicional que se transformarão em cadeiras a título definitivo se efectivamente for
provada a ilegalidade do acto de exclusão, ou seja, medidas cautelares, medidas
destinadas a dar sentido útil ás sentenças. Porque não se pode tudo resumir a algo de

33
conteúdo indemnizatório. Não é a indemnização o objectivo do Tribunal Administrativo,
pelo contrário é a reparação efectiva da ilegalidade, é a criação de uma realidade em que
haja tutela cautelar.
O Tribunal de Justiça da União Europeia vai fazer isso numa serie de sentenças,
em que se obriga o Estado a ter uma tutela cautelar.
E essa construção das Jurisprudência vai fazer com que na viragem do século em
todos os países da União Europeia haja reformas do Contencioso Administrativo. Não
houve nenhum país Europeu que na viragem do século XX para o século XXI não tivesse
introduzido o Contencioso Cautelar.
Em Portugal também, a tutela cautelar surgiu verdadeiramente com a reforma de
2002/2004. Até aí a lei de processo previa vagamente a possibilidade de suspensão da
eficácia. E esta suspensão da eficácia estava prevista para situações tão limitadas, que
nunca existia. O Juiz nunca decretava a existência de uma medida cautelar destinada a
salvaguardar os efeitos daquela sentença. E isto que acontecia em Portugal passava-se em
todos os países. E, portanto, foi preciso criar novas providências cautelares, não apenas
de suspensão na garantia de situações, de atribuição de realidades, afectação provisória de
utilização de uma coisa, nomeações provisórias, todo o tipo de realidades destinadas a
salvaguardar os efeitos úteis da sentença. Isto era um problema de interpretação da lei
pelos Tribunais que só poderia ser resolvido através de uma profunda alteração
legislativa. É certo que nos últimos anos antes de 2004 havia aquilo a que o Professor
Vieira de Andrade chama um “conluio” entre a Doutrina e a Jurisprudência, é certo que
nos últimos tempos a Jurisprudência estava um bocadinho mais ousada e já admitia
algum alargamento da tutela cautelar, mas mesmo assim estava tudo muito longe daquilo
que o Juiz Europeu determinou, ou seja, daquilo que era a realidade de um Contencioso
Cautelar.
Mas esta Jurisprudência criadora do Tribunal de Justiça, do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, é afirmada em todos os domínios e é afirmada no quadro de uma
lógica que é uma lógica integradora. Aquilo que o Tribunal de Justiça vai dizer é que na
ausência de uma norma Europeia, o Juiz deve partir dos princípios de Direito Comparado
de cada um dos países para construir a norma Europeia. E vai ele próprio ser o legislador
e suprir as limitações da lei Europeia.
Há aqui pela primeira vez uma aproximação ao modelo Britânico. E eu diria
também que esse é o principal problema do Brexit, do qual nunca se fala porque esse não
é mediático, mas o que aconteceu foi que por um lado o Direito Britânico assumiu

34
estruturas, em especial do Direito Administrativo, e admitiu o controlo pelo Tribunal de
Justiça, estabeleceu uma serie de realidades que transformaram o Contencioso
Administrativo. Por outro lado o Direito Europeu Adquiriu uma dimensão Anglo
Saxónica que não fazia sentido. A ideia de que qualquer particular pode ser uma
autoridade Administrativa é uma ideia que resulta do facto dos Ingleses não saberem o
que é um orgão público. Sabem o que são pessoas colectivas mas não sabem o que são
pessoas colectivas de Direito Público, porque isso não existe no Reino Unido. E isto
contribuiu para transformar o Direito Administrativo, tal como a noção de Contratos
Públicos, havia casos esquizofrénicos entre Contrato Administrativo e Contrato Direito
Privado. Como foi o caso da Revolução Francesa, Portuguesa, Italiana e Espanhola. Se a
União Europeia tivesse partido desta construção não chegava a parte nenhuma porque a
maior parte dos países Europeus não sabe o que são Contratos Administrativos. E por isso
a União Europeia esqueceu esse conceito e construiu o conceito de Contratos Públicos no
qual há Contratos Administrativos, mas há outros Contratos de Direito Privado. São todos
contratos que correspondem ao exercício da função Administrativa. Ou seja, houve
também em resultado da União Europeia uma aproximação uma integração horizontal
que não resultou de normas jurídicas, mas resultou do facto de haver uma união. O
sistema Britânico adquiriu características continentais o sistema continental adquiriu
características Britânicas, e houve aqui uma miscigenação.
Este é um dos principais problemas em relação ao Brexit, não professor de Direito
Público que não diga e bem “o Brexit é lá com eles, mas o Brexit Jurídico não, esse nós
não queremos, esse não pode voltar atrás”. E, portanto, há aqui uma realidade que ainda
vai dar muito que falar mesmo depois de 2019 e que tem a ver com esta lógica de
integração horizontal. Porque o facto que haver uma mesma comunidade e haver regras
comuns estabelece mecanismos de aproximação mesmo informais. Por exemplo a
Reforma de Bolonha, não resultou de nenhuma lei ou Directiva Europeia. E, no entanto, a
Reforma de Bolonha mudou o ensino Universitário em toda a Europa. Mudou porquê?
Porque os países e as Universidades se comprometeram num conjunto de regras mínimas
para tornar compatíveis os respectivos planos de estudo. Isto resultou da integração
horizontal, foram os Estados que voluntariamente adoptaram estas regras precisamente
porque há uma União Europeia que também envolve o ensino. Uma licenciatura tirada
em Portugal tem de valer na Alemanha e vice-versa. O mesmo se passa com os
casamentos e com a constituição de empresas entre outros. A ideia é a do reconhecimento
dos actos administrativos de um Estado por outro Estado. A ideia da integração

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horizontal. E, portanto, reconhecer os currículos obrigava a regras mínimas para as
Universidades funcionarem regras que resultaram do comum acordo, não resultaram de
nenhuma lei, resultaram do fenómeno da integração horizontal.
A integração horizontal produz-se a todos os níveis, mas também no Contencioso
Administrativo.
Quando houve a discussão relativamente a Europeização, esta ocorreu em vários
países. Em Portugal estiveram presentes pessoas de vários países Europeus em várias
Universidades do país, e houve debates com participação de cidadãos estrangeiros. Nota-
se aqui que há uma necessidade de criar um Direito adequado a um modelo, que é o
modelo Europeu, cada estado escolhe aquelas moções que entende mais adequadas, mas
tem que conhecer as dos outros, e as regras têm de ser compatíveis e para serem
compatíveis temos de nos conhecer uns aos outros. O Direito Comparado tem agora uma
função de Direito Público. No século XIX o Direito Comparado era para o Direito
Privado. Há uma transformação que resulta da integração horizontal. E isto tem
numerosas consequências no Contencioso Administrativo, a todos os níveis: a nível do
alargamento da jurisdição, ao nível dos poderes do juiz, ao nível da legitimidade, ao nível
da apreciação das actuações administrativas. Há um conjunto de transformações no
Contencioso Administrativo que resultam desta Europeização e, portanto, o momento em
que ainda vivemos, vamos ver depois de 2019 o que é que o Brexit vai dar, mas no
momento em que vivemos há uma integração maior entre os países anglo saxónicos e os
países de natureza continental maior do que alguma vez houve, é a maior de todos os
tempos. E há um regime, em matéria de Contencioso Administrativo, que é
verdadeiramente europeu e que tem regras comuns, que correspondem à mesma realidade
e ao mesmo objectivo.
O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que hoje em dia é preciso dizer que o
Direito Administrativo era Direito Constitucional concretizado e também Direito Europeu
concretizado. E existe uma dupla dependência entre o Direito Europeu e o Direito
Administrativo. Por um lado, o Processo Administrativo Português depende do Direito
Europeu porque a grandes opções Europeias em matérias de Contencioso Administrativo,
mas por outro lado o Direito da União Europeia depende dos Tribunais Portuguese e da
Administração Portuguesa, porque são eles que vão tornar vivos o Direito Europeu, e
aplicar essas normas Europeias.

Mariana Rodrigues

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26 de Setembro de 2017 14:00-15:15

Vamos agora sentar o Contencioso no Divã da Constituição, na Constituição de


76. Há aqui uma realidade histórica, de história recente do Contencioso Administrativo,
também ela marcada por traumas, por avanços e recuos, por uma realidade que faz
sentido analisar na medida em que há aqui algo similar aquilo que o Professor Jorge
Miranda chamou uma evolução no Direito Constitucional Português. Não há apenas uma
simples realidade determinada (imperceptível).
A única coisa com a qual o Professor Vasco Pereira da Silva não está de acordo
com o Professor Jorge Miranda é que este último entende a evolução como uma realidade
que não implica rupturas. E na perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva se
olharmos para aquilo que se passou no quadro da Constituição Portuguesa, houve várias
rupturas e se esta evolução foi feita na continuidade isto não significa que não tenha
havido mudanças e rupturas materiais importantes quer naquilo que diz respeito ao
Contencioso Administrativo quer naquilo que diz respeito à Constituição. De resto a
Constituição Portuguesa, na expressão do Professor Jorge Miranda, é uma Constituição
Compromissória só que esse compromisso aqui é um compromisso especial. É um
compromisso que joga, em face do texto originário da Constituição na acumulação de
regras e princípios contraditórios. E o legislador ficou à espera para ver o que é que a
evolução constitucional, o que é que a prática constitucional faria desses princípios e
dessas normas contraditórias. E o que aconteceu foi que houve sucessivas rupturas
relativamente reduzidas de alguns princípios materiais que determinaram a evolução da
realidade Constitucional Portuguesa. A Constituição Portuguesa era uma Constituição
Democrática, mas sendo uma Constituição Democrática estabelecia os mecanismos de
uma democracia representativa e estabelecia também na sua versão originária a
necessidade de alcançar o socialismo e a construção de uma sociedade sem classes. As
duas coisas não eram compatíveis: ou desaparecia o socialismo, ou desaparecia a
sociedade sem classes ou desaparecia a democracia e, portanto, há aqui uma lógica de
princípios contraditórios, a evolução constitucional foi fazendo evoluir estes princípios
contraditórios criando compromissos vários, entre eles, no quadro da sua evolução. Por
exemplo era a constituição que garantia, de uma maneira muito intensa toda a
propriedade privada, todas as garantias à propriedade privada, mas ao mesmo tempo que
dizia isto estabelecia o principio da apropriação colectiva dos meios de produção, ou seja,

37
duas coisas contraditórias. E, portanto, ou estabelecia a propriedade privada com
compromissos vários com intervenção estadual ou prevalecia pura e simplesmente a
apropriação colectiva dos meios de produção. Há um autor alemão Karl Schmidt que
designa este tipo de compromissos como compromissos dilatórios, compromissos para
ganhar tempo. O legislador Constituinte quando elabora a Constituição não sabe ainda
muito bem o quê é, ou que está perante uma situação complicada com forças antagónicas
em presença. Era esse o caso em Portugal, uma Constituição saída da Revolução e
elaborada no meio do PREC e que contribuiu para fazer estabilizar esse PREC (Processo
Revolucionário Em Curso), como era então chamado. Uma redação deste género é uma
redação que prevê normas e princípios contraditórios que depois vão assumir
compromissos que resultam da realidade constitucional e das normas constitucionais que
aplicam a Constituição, do modo como a Constituição é interpretada pelos juizes mas
depois, também vai haver a intervenção de um poder de revisão constitucional para
alterar estas situações.
E se olharmos para as principais revisões constitucionais que houve em Portugal
todas elas alteraram algo fundamental no quadro desses compromissos. A revisão de 82
alterou as regras da organização do poder politico fazendo desaparecer o conselho da
revolução, um orgão revolucionário não democrático que estava previsto na Constituição
originária. A revisão constitucional de 89 alterou a organização económica
(imperceptível). A revisão de 96 permitiu um maior equilíbrio entre o estado central e as
regiões autónomas. Todas as revisões constitucionais, as mais importantes mudaram
alguma coisa, naqueles momentos da evolução da Constituição, mudaram alguma coisa
do compromisso originário. E, portanto, estando de acordo com a análise do Professor
Jorge Miranda a única coisa com que o Professor Vasco Pereira da Silva não concorda é
que se diga que não há rupturas. Há alterações materiais que correspondem a uma
ruptura, ainda que uma ruptura limitada, nos princípios fundamentais da Constituição.
Isto também se verificou no Contencioso Administrativo. Se olharmos quer ao texto
originário de 76 quer às sucessivas revisões Constitucionais temos várias rupturas no
modelo Compromissório que vão dar origem a um modelo que fica plasmado na revisão
constitucional de 87 e que é o modelo que temos hoje. Aliás 97 é a última revisão que
tem uma ruptura, a partir daí o que aconteceu foi que passaram a suceder-se revisões
constitucionais, porque a lógica constitucional já não assenta naquela dimensão
antagónica que tinha até aí. Isto também aconteceu no quadro do Contencioso

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Administrativo que ficou tal como está agora. Isto resultou de uma evolução e das
diferentes rupturas que houve na lógica Constitucional. 
Qual era o compromisso originário que estava plasmado na Constituição de 76? A
constituição de 76 marcou um ruptura na forma como era visto o Contencioso
Administrativo. Porque foi em 76 que pela primeira vez se considerou que a Justiça
Administrativa, não era uma realidade Administrativa, mas era uma realidade que
correspondia ao poder jurisdicional e foi em 76 que se integrou pela primeira vez no texto
constitucional a natureza jurisdicional dos Tribunais Administrativos. Isto corresponde a
um modelo novo e jurisdicionalizado de entendimento da Constituição. Tal como foi a
Constituição de 76 que consagrou o direito fundamental de acesso á Justiça
Administrativa. E, portanto, aquelas duas realidades básicas da evolução do Contencioso,
a juridicionalização e a subjectivização do Contencioso Administrativo também
resultaram da Constituição de 76. Nesta altura eram as Constituições que davam a tónica
na evolução Constitucional. Aquilo que vai acontecer primeiro na República Federal
Alemã nos anos 50, depois com as Constituições Espanhola, Portuguesa, italiana etc é
que há uma transformação da Justiça Administrativa que resulta de um modelo que é
declarado pela Constituição. Passar a escrito e colocar na Constituição não apenas tem
uma dimensão jurídica e política importante como tem também uma dimensão de
natureza psicanalítica que é o de o “paciente” ser capaz de aprender a viver com os seus
problemas e coloca-los por escrito. A passagem a escrito é um momento importante da
catarse que se verifica com os indivíduos e que aqui se verificou também.
Mas isto significou também uma mudança de paradigma do Direito
Constitucional e das Constituições. As Constituições passaram a ser algo que tinha de ser
levado a sério e não apenas algo que continha princípios meramente políticos. Porque no
inicio a Constituição era um conjunto de regas meramente políticas que se respeitava ou
não sem que isso fosse muito importante. A Constituição passou a ser levada a sério
quando surgiram os mecanismos de fiscalização da Constitucionalidade, quando os
Tribunais começaram a controlar a validade da realidade Constitucional.
Do ponto de vista do Processo Administrativo considera-se que não há apenas uma
ligação entre o poder Administrativo e os Tribunais Administrativos e a Constituição
como há uma lógica de concretização que é feita pelo Processo Administrativo e pelo
Direito Administrativo dos valores Constitucionais. Contrapondo-se àquela divisão do
passado do Doutor Mayer que apenas valorizava o Direito Administrativo, e considerava
o Direito Constitucional irrelevante dizendo que o Direito Constitucional passava e o

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Direito Administrativo ficava. A nova lógica que começa a surgir nos anos 50 e que
depois se vai intensificando a partir dos anos 60 e 70 é a ideia de que o Direito
Administrativo é Direito Constitucional concretizado, tal como Direito Civil e Penal. Mas
isto no quadro de um momento em que há uma dependência reciproca entre
Administração e Constituição, Constituição e Tribunais Administrativos, Constituição e
Direito Administrativo e Constituição e Contencioso Administrativo. Porque esta
dependência faz com que o Direito Administrativo dependa da Constituição, porque
consoante a Constituição o Direito Administrativo vai estar organizado de uma
determinada maneira. No Processo Administrativo consoante a Constituição também o
Contencioso Administrativo está organizado de uma determinada maneira. Também há
necessariamente uma dependência do Direito Administrativo do Direito Constitucional.
O Direito Constitucional realiza-se pela actuação da Administração e realiza-se pela
actuação dos Tribunais, em especial dos Tribunais Administrativos. E quando isto não se
verifica há um problema grave no Estado de Direito, há um problema que põe em causa a
realidade essencial da Constituição. Tendo em conta que em 76 há uma revolução esta é
muito reduzida. De 76 a 2004 vai haver um grave problema de divórcio entre o que a
Constituição estabelecia e aquilo que era a pratica dos Tribunais Administrativos. Porque
apesar da Constituição impor desde 76 novos modelos e novas formas de actuação e
novas formas de controle o que é facto é que a realidade administrativa vai assistir a estas
transformações e só se vai realizar tardiamente. A Constituição previa desde 76 que num
novo modelo de organização da realidade administrativa, que houvesse uma nova lei de
procedimento. Esta lei de procedimento resultava de uma exigência constitucional e só
surgiu nos anos 90. Pelo que de 76 a 90 a Constituição não estava a ser tida como uma
realidade essencial. E até 2004 ao nível do Contencioso Administrativo havia um
divórcio grande entre aquilo que era o modelo constitucional e aquilo que era a prática
dos tribunais administrativos. Isto obrigou a que a Constituição reagisse de forma
violenta. Em 89 e depois em 97 quis fazer-se uma mudança que até aí não tinha existido.
Há uma transformação que o legislador Constituinte vai fazer primeiro em 89 depois em
97 para obrigar a realidade administrativa a mudar, porque se não se muda a Constituição
poderia ir parar ao “caixote do lixo” da história. Porque num aspecto essencial da sua
utilização, num aspecto essencial do Estado de Direito ela não estava a ser cumprida. Há
aqui uma realidade que só se constrói ao longo dos tempos e através desta evolução. 
A Constituição de 76 é a primeira a integrar os poderes Administrativos no seio
do poder Jurisdicional. Consagra também um direito fundamental de acesso aos Tribunais

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Administrativos. Este direito fundamental não era completamente originário porque já na
versão de 1970 e da Constituição de 33 o Professor Marcelo Caetano tinha proposto no
âmbito da Primavera Marcelista, uma norma parecida com aquela que vem a surgir em
76. Mas esse direito fundamental nunca se impôs e tinha um regime que não permitia a
sua aplicabilidade, era uma ilusão de óptica. 
O compromisso da Constituição de 76 era um compromisso entre esta Justiça
Administrativa e o modelo herdado do passado que continuava na Constituição.  Era uma
Constituição compromissória que fazia o compromisso entre o novo e o velho. Entre o
novo Direito Administrativo jurisdcionalizado e subjectivizado e o velho Direito
Administrativo administrativizado e objectivo. E, portanto, havia aqui uma contradição.
Em primeiro lugar se os Tribunais se integravam no poder judicial não havia bem a
certeza se isso seria para durar ou não. Achava-se que era uma questão que tinha de ser
pensada e que não teria de ser decidida no imediato. 
A constituição de 76 recebia o velho Contencioso Administrativo em aspectos
essenciais do modelo Constitucional. Porque o direito fundamental de acesso aos
Tribunais é um direito fundamental ao recurso contencioso da relação. Correspondia a um
sistema de controle limitado da administração e um sistema em que o juiz estava reduzido
dos seus poderes, o juiz apenas tinha poderes anulatórios das decisões administrativas. E,
portanto, há aqui a primeira mistura entre o velho e o novo. Por um lado,
jurisdicionalizado e para a tutela dos direitos fundamentais e simultaneamente o direito
ao recurso da relação. 
Para a Administração o Direito é um meio para satisfação de necessidades
colectivas e, portanto, este meio permite alcançar um fim que não tem nada que ver com
a realidade jurídica. Exemplo: um controlador aéreo do aeroporto quando manda o avião
levantar voo ou aterrar ele está a praticar impacto administrativo só que não sabe. Ele está
a utilizar um meio jurídico para satisfazer uma necessidade colectiva. E este acto produz
efeitos independentemente de ser um acto que diga respeito a uma decisão final,
intermédia ou inicial do procedimento. (imperceptível).
Os actos administrativos só são susceptíveis de execução coactiva em primeiro
lugar quando a lei assim o estabeleça, e quando essa realidade corresponda à natureza do
acto administrativo.
Há então um compromisso entre o velho e o novo, o novo era a
jurisdicionalização o velho era o recurso.
E as coisas mudaram através da prática e através das revisões constitucionais.

41
O Direito Administrativo na Constituição de 76 na sua versão originária ainda tinha
outras contradições entre o velho e o novo. Por um lado, falava-se na lei do
procedimento, alias a primeira versão chama-se lei do processamento da actividade
administrativa., que depois veio a dar origem ao Código de Procedimento.
  Este modelo compromissório vai ser alterado em 82 e de 76 a 82 a única coisa
verdadeiramente relevante que surge no Direito Administrativo Português e no Processo
Administrativo Português é o Dec-Lei 256 A de 77 que surgiu logo a seguir a
Constituição de 76. Este Dec-Lei pretendia estabelecer o mínimo, compatibilizar a
realidade do Processo Administrativo com o novo modelo Constitucional. Era uma ideia
assim muito Portuguesa do vamos fazer uma coisa rápida e provisória para depois
fazermos o definitivo e o que era provisório acaba por passar a definitivo. Este Dec-Lei
256 de 77 era um diploma que vai durar até 2004, portanto é a lógica do provisório que se
torna definitivo. Esta intervenção cirúrgica foi minimalista, mas foi muito eficaz. houve
aqui uma escolha de aspectos que eram considerados essenciais e esses aspectos foram
influenciar decisivamente o Direito e o Processo Administrativo Português. O que é que
estabeleceu basicamente em 77? Em primeiro lugar estabeleceu-se um direito
fundamental, o direito à fundamentação das decisões Administrativas. Esta é uma matéria
de procedimento mais do que de processo. Porque há aqui ao se obrigar a Administração
a fundamentar as decisões, um apontar para um modelo novo de relacionamento entre a
Administração e o particular em que a Administração tem que prestar contas ao
particular, tem que dizer porque é que fez assim e porque é que não fez de outra maneira.
É uma transformação radical da própria Administração. Mas este dever de
fundamentação também implica uma transformação processual porque ao explicar porque
é que decidiu daquela maneira se estamos no domínio do poder descricionário é possível
provar que a Administração não cumpriu a lei. Porque a Administração ao explicar as
razões da sua actuação explica porque é que não cumpriu a lei. E por isso fundamentar é
um instrumento de controle do Contencioso.
Uma outra alteração que não foi ainda muito grande, mas que abriu as portas para
que as coisas se pudessem alterar foi o de reconhecer que o chamado o acto tácito do
indeferimento não é um verdadeiro acto mas sim uma simples ficção legal que se
destinava a permitir abrir ao particular a porta do Contencioso. A lei não fez como se fez
em 2004 a possibilidade de condenar a Administração perante uma omissão ilegal, mas
aquilo que a lei fez foi mostrar que o mecanismo do acto tácito do indeferimento era um
mecanismo que era inventado, quer era uma ficção e que essa ficção tinha de ser

42
considerada como tal. Na lógica do Contencioso da relação só é possível afastar uma
decisão Administrativa quando existe essa decisão. Quando a Administração não pratica
nenhum acto não é possível reagir contra essa omissão. O Contencioso é anulatório e,
portanto, apenas anula as decisões que já existem. Quando a Administração não praticava
um acto dentro de um determinado prazo isso correspondia a uma ilegalidade, porque a
Administração tinha o dever legal de praticar o acto no tempo certo. Essa omissão podia-
se fingir que era um acto administrativo e isto significaria que o particular poderia pedir a
anulação desse acto.  O juiz em vez de anular o nada que resultaria em coisa nenhuma
passaria ser obrigar a Administração a praticar o acto. Isto era uma charada do ponto de
vista teórico que não poderia continuar a existir. Mas o que era mais grave é que antes
desta intervenção de 77 esta charada era levada a sério. Porque dizia-se que quando a
Administração não fazia nada podíamos considerar que estávamos na mesma perante um
acto. E se a Administração a seguir quisesse praticar um acto tinha de revogar o acto
anterior, porque havia uma omissão voluntária. A Administração sabia que o fazer nada
equivalia a praticar um acto. Portanto acabava por ser um acto voluntário que estava
sujeito às regras da anulação, que estava sujeito a uma realidade que sendo uma ficção
implicava a ausência de controle efectivo da Administração. E o facto de o legislador ter
dito “isto é uma ficção” abriu no futuro caminho para que surgisse em 2004 as acções de
condenação.
Outra coisa que o legislador fez em 77 foi estabelecer pela primeira vez que o
Tribunal Administrativo era um Tribunal e que, portanto, emitia sentenças e que estas
eram obrigatórias e tinham de ser cumpridas. Porque o que se passava até 77 é que
mesmo quando o Tribunal Administrativo anulava uma decisão o cumprimento dessa
decisão ficava à responsabilidade da Administração. A Administração só cumpria se
quisesse. Vai-se dizer pela primeira vez que as sentenças têm de ser cumpridas e que se
não forem há um processo jurisdicionalizado de execução das sentenças. 
O diploma de 77 estabelece a responsabilidade penal, disciplinar e civil do orgão
ou agente que não cumpre o que está estabelecido nas sentenças. Estabelece um processo
jurisdicionalizado de execução das sentenças. A pratica do Processo Administrativo neste
domínio foi além da letra da lei porque se passou a aplicar por analogia as regras da
execução das sentenças dos tribunais judiciais. Passou-se a admitir a submissão dos bens
à penhora.

43
É absolutamente necessário obrigar a Administração a cumprir as sentenças
judiciais e sem isto não há um verdadeiro Processo Administrativo. E isto começou em
77 e manteve-se até aos nossos dias e foi se aperfeiçoando com o tempo.

Mariana Rodrigues

26 de Setembro de 2017 15:30-16:45

A Constituição de 76 estabeleceu uma ruptura com o modelo anterior do


Contencioso Administrativo, porque esta Constituição foi a primeira a consagrar a
natureza judicial dos Tribunais Administrativos integrando os Tribunais Administrativos
no poder judicial e o direito fundamental de acesso à Justiça Administrativa.
O compromisso constitucional que surge com a Constituição de 76 vai dar origem
a uma realidade constitucional que trás muito poucas alterações. A única alteração
importante, cirurgia e minimalista foi o Dec-Lei 256 A de 77 que estabeleceu o dever de
fundamentar, qualificou as omissões como uma ficção, e estabeleceu a juridicionalização
da execução das sentenças. 
Viveu-se até 82 numa realidade que alterou muito pouco, embora tenha alterado
alguma coisa naquilo a que diz respeito às sentenças dos Tribunais. Em 82 houve a
primeira ruptura do modelo constitucional.
Em 82 manteve-se a jurisdicionalização e o direito de acesso enquanto direito a
recurso do contencioso da relação. Mas o legislador introduziu algo mais na Constituição
que aumentou a componente subjectiva da Constituição, na lógica entre o velho e o novo
houve qualquer coisa do novo que entrou na revisão constitucional de 82. Em primeiro
lugar mantendo-se o acto definitivo executório, abriu-se pela primeira vez a porta a uma
noção mais ampla de acto administrativo uma noção de acto administrativo em sentido
material, aquilo que a norma constitucional vem dizer é que a garantia ao recurso da
relação a actos definitivos executórios independentemente da sua forma, e isto significava
que estes actos podiam não ter a forma de actos, podiam ser regulamentos, podiam ser
operações materiais, aquilo que era importante não era a forma mas a substância do acto
administrativo. O legislador acrescentou ainda uma dimensão subjectiva mais intensa no
quadro do modelo constitucional da justiça administrativa.
A primeira coisa que se discutiu foi como é que se deveria interpretar esta
mudança. E havia duas interpretações. A minimalista dizia que não mudava nada e que

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era preciso ver um novo fim para a justiça administrativa, mas que isso não teria
consequências. E a maximalista que foi a vencedora, veio dizer que isto implicava não só
a transformação do contencioso que já existia, mas implicava também a criação de uma
nova acção para controlar a Administração, novos meios processuais para controlar a
Administração.
E esta discussão que começou em 82 deu origem à primeira reforma democrática
elaborada no quadro da Constituição de 76. Que se traduziu em dois diplomas um de 84
(o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais) e um de 85 ( a lei de processo dos
tribunais administrativos e fiscais). E esta reforma foi muito importante porque pela
primeira vez se concretizou a nível legislativo aquilo que era as novas realidades da
justiça administrativa que estava na Constituição e que agora iam para a lei ordinária.
Em primeiro lugar ao lado do recurso da relação criou-se um acção para defesa
dos direitos, liberdades e garantias, uma acção que servia para tudo, uma acção para
tutela dos interesses legítimos dos particulares. E era um modelo de acção que aparecia
ao lado do recurso, não era substitutivo do recurso e chama-se acção pela primeira vez. E
esta acção era vista como uma realidade subsidiária, não tinha um âmbito de aplicação
bem definido. E a luta que surgiu a partir de 85 foi entre aqueles que queriam alargar esta
acção e aqueles que a reduziam ao mínimo. Aqueles que alargavam o recurso da relação e
reduziam o âmbito da acção. O Professor Vasco Pereira da Silva tinha já nesta altura a
perspectiva de que era preciso mudar o Contencioso Administrativo e que a acção da
defesa de direitos deveria ser uma meio processual importante do quadro do processo
administrativo. Esta reforma também criou outros meios processuais e transformou o
recurso da relação. Pela primeira vez estabeleceu um processo de partes e continuava a
chamar à Administração autoridade recorrida e não lhe chamava parte, o particular era
parte a Administração não. Havia pela primeira vez igualdade de armas entre o particular
e a Administração. Havia ainda a possibilidade de quer o particular ou a Administração
intervir ao nível dos articulados, e ambos podiam impugnar a sentença. Havia por isso
uma igualdade de armas. O particular e a Administração são partes que estão em juízo um
para defender o acto que praticou outro para contestar esse acto no quadro de uma relação
jurídica. Esta reforma de 85 transformou o recurso da anulação, mas não muito, na
medida em que introduziu pela primeira vez esta lógica da igualdade de partes. 
A reforma de 85 estabeleceu outros meios processuais: estabeleceu um meio
processual de impugnação de regulamentos, que estava dividida em dois, uma acção de
ilegalidade de regulamentos e um recurso de anulação de regulamentos, que era uma

45
esquizofrenia que não fazia sentido nenhum, porque as duas realidades aplicavam-se
praticamente ao mesmo âmbito e havia uma lógica contraditória nas respectivas normas.
Depois estabelecia-se uma coisa estranha que era a possibilidade de haver uma intimação,
que no processo corresponde a um processo urgente de natureza condenatória, uma
intimação dirigida das particulares o legislador queria começar a pensar na possibilidade
de condenar a Administração, mas não tinha ainda coragem de instituir esse mecanismo.
Mas estabelecia poderes condenatórios urgentes contra particulares. Esta reforma de 85
foi uma reforma falhada porque, entre outras coisas, não só por falta de coragem do
legislador para levar as coisas até ao fim, mas foi sobretudo uma reforma falhada por
causa da técnica legislativa que foi adoptada. Porque o legislador em vez de fazer uma lei
nova, revogando as leis anteriores.  O legislador fez uma nova lei, mas que se sobrepunha
às outras. Estas duas novas leis que surgiram, mesmo quando diziam o contrário da
legislação anterior não a revogavam expressamente. E, portanto, continuava a estar
simultaneamente em vigor, para além deste estatuto e desta lei de de processo, o código
administrativo, etc. Isto gerou duvidas em saber qual era o direito aplicável porque era
preciso comparar versões diferentes da mesma realidade normativa. Também havia
duvidas de se o legislador teria querido mesmo as normas anteriores? Ou quis criar ali
qualquer coisa intermédia?
Portanto esta reformas estava condenada ao fracasso, pois acabou por condenar o
Contencioso Administrativo numa realidade ainda mais complexa e muito difícil de
entender.
(Imperceptível)
E porque é que o legislador adoptou esta técnica legislativa? De novo por causa
da ideia da provisoriedade, o legislador não tinha a certeza, não sabia se ia mesmo mudar
o Contencioso Administrativo.
É em 89 que se vai dar uma mudança importante no quadro da evolução, uma
mudança que marca de novo uma ruptura e é um ruptura com o passado. Porque com a
reforma de 85 que não correu bem o legislador quis mostrar que não podia ser assim e
quis mudar as coisas, tal como irá fazer depois em 97. 
E é em 89 que o legislador faz várias coisas importantes na transformação do
Contencioso. Em primeiro lugar naquilo que corresponde a juridicionalização é a
primeira vez que o legislador constituinte cria os tribunais administrativos. De 76 a 89
cabia ao juiz decidir se iria haver ou não tribunais administrativos. A constituição não
impunha. Depois de 89 a Constituição impõe. Integra os Tribunais Administrativos no

46
poder judicial e diz que existem para dirimir os litigios resultantes das relações jurídicas
administrativas.
O Contencioso deixa de ser o Contencioso da Administração toda poderosa, do
acto definitivo executório e passa a ser o das relações administrativas entre os particulares
e Administração. Há uma ideia que aponta para uma lógica de igualdade entre os
particulares e a Administração no Direito Administrativo e que aponta para um processo
de partes. Isto implica que se a lei processual não estabelecer esta realidade tal como a lei
substantiva não estabelecer a igualdade entre os particulares e a Administração esta lei
estará a violar a Constituição. O contencioso tem por objecto a resolução dos litígios das
relações jurídicas administrativas e fiscais (212n3CRP).
A partir de 89 o legislador abandona a ideia de acto definitivo executório. E
substituiu-o pelo acto lesivo dos direitos dos particulares. Disto que resulta que são
impugnáveis os actos que lesem os particulares. E o critério da impugnabilidade é o dos
lesados, algo que seja susceptível de lesar os direitos dos particulares. No entanto o
legislador ainda manteve a distinção entre um meio processual, que poderia ser um
recurso ou não, que se ocupava os actos e dos regulamentos e que incidia sobre actos
lesivos e onde havia partes, mas era tratado a parte no artigo 277n4 e depois havia outro
artigo que se ocupava de todos os outros meios processuais e que que estabelecia que da
conjugação dos dois artigos que havia uma tutela efectiva dos direitos dos particulares.
Mas a tutela plena estava disfarçada e estava dividida em dois números e em formas de
processo diferentes. Uma forma de processo para os actos e regulamentos e uma forma de
processo para todos as outras actuações da Administração e dizia-se que o resultado disto
era a tutela plena e efectiva. 
Desde 89 ate 97 vai haver várias tentativas de reforma, mas nenhuma delas vai
correr bem.
Em 90 surgiu o Código de Procedimento, a mesma comissão que fez este código entregou
também a Ministro da Justiça o Código de Processo.
Se a Constituição afastou o acto definitivo executório e vem dizer que agora o
critério de impugnabilidade é o do lesivo isto podia ter tido implicações Constitucionais
que não teve. Ou seja, esta mudança Constitucional deveria ter obrigado o Tribunal
Constitucional a intervir para salvar o modelo Constitucional e devia ter obrigado o juiz
administrativo a intervir porque a reforma de 85 estabelecida a impugnabilidade do acto
definitivo executório. O tal que já tinha sido posto de parte. Mas tal não aconteceu e
aconteceu o contrário, não se percebe porquê. Porque quer os juizes dos Tribunais

47
Administrativos quer os Juizes do Tribunal Constitucional consideraram que não havia
inconstitucionalidade em limitações que surgiam no âmbito da realidade administrativa.
Um caso emblemático disto é o caso da questão do recurso hierárquico necessário.
Que é uma realidade manifestamente inconstitucional. Isto significa fazer depender o
acesso ao Tribunal de um meio gracioso. Isto implica a violação do principio da
separação entre a Administração e a Justiça.  Há inconstitucionalidade também pela
violação da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Porque esta tutela deve
permitir o acesso imediato aos juizes e não o acesso mediado pela intervenção do
superior hierárquico. Esta intervenção fazia sentido quando a Administração e o Juiz
pertenciam ao mesmo poder.  Violava também a tutela efectiva porque significava essa
exigência do recurso hierárquico necessário, que já sendo o prazo de recurso um prazo
relativamente pequeno, na altura estávamos a falar de 2 meses, esses 2 meses eram
reduzidos a 1 mês, portanto se o particular não interpusesse o recurso necessário, no
prazo máximo de 1 mês mesmo que estivesse dentro do prazo dos 2 meses já não podia ir
a Tribunal. E, portanto, isto era uma restrição a efectividade dos direitos dos particulares.
Há aqui também a violação do principio da desconcentração. O professor Vasco Pereira
da Silva defendeu esta posição. A justiça Constitucional e Administrativa devia-se ter
pronunciado a cerca disto e não o fez. Para isto usou o seguinte argumento “não há uma
restrição ao direito fundamental porque o particular não seria prejudicado se interpusesse
primeiro a garantia administrativa.”
Isto desapareceu em 89 e em 2004. Voltou perigosamente a aparecer com o
Código de Procedimento Administrativo que fala outra vez em recurso hierárquico
necessário. 
O Legislador do Código de Processo que veio depois do Legislador do Código de
Procedimento não estabeleceu o pressuposto processual do recurso hierárquico
necessário. E se depois disto este pressuposto não reapareceu isso significa que não só é
inconstitucional como é ilegal porque não existe no Direito Português.
Neste período não há grande mudanças até chegarmos a 97. Em 95 o legislador limitou o
âmbito da acção popular no artigo 1º fez com que esta invadisse o âmbito da acção
juridico subjectiva. Na altura o Professor Vasco Pereira da Silva e Servolo Correia
defendiam que esta só poderia existir quando o particular não tivesse interesse na
demanda ou seja quando não tivesse interesse naquela matéria. Actuava pela defesa da
legalidade e do interesse público. Se há interesse na demanda é acção jurídico subjectiva
se não há interesse na demanda é acção popular. 

48
Esta dúvida foi resolvida a partir de 2004. O legislador no artigo 9º distingue a
acção subjectiva da acção popular e usa esta expressão do interesse na demanda para
distinguir as duas coisas. Ficou tudo clarificado após de 2004.
Aida houve outra lei que em si era uma boa coisa mas que também foi feita de forma
atribulada, era uma realidade em que se procurava criar um Tribunal Administrativo
Intermédio. Uma boa ideia que a reforma de 2002/2004 tornou efectiva. Havia os
Tribunais Administrativos de Circulo e havia o Supremo Tribunal Administrativo e criou-
se nessa altura uma instancia intermédia que quer um Tribunal Central Administrativo
entre os Tribunais Administrativos de Circulo e o Supremo Tribunal Administrativo que
na altura era só um agora já há dois, um em Lisboa e outro no Porto. Os juizes tinham um
problema de excesso de processos e esta solução acabou por não funcionar muito bem.
Os problemas do excesso de processos do Supremo Tribunal administrativo decorriam
dele ser um Tribunal esquizofrénico, um tribunal de primeira instância e um tribunal de
segunda instância. Então para resolver esses problemas criou-se outro Tribunal
esquizofrénico que era o Tribunal Central Administrativo que também era de primeira e
segunda instância.  O que fez com que tudo ficasse na mesma.
(imperceptível)
Esta alteração Constitucional mudou radicalmente aquela quer era a lógica do
Contencioso. Até se puseram coisas a mais na constituição principalmente na “norma
mais que perfeita” 268n4 e n5.
Esta alteração Constitucional gerou um movimento que abriu a porta para a reforma e
2002/2004.
Em 99 houve o Manifesto de Guimarães e começou aí a reforma que iria culminar em
2002/2004.
Mariana Rodrigues

28 de Setembro de 2017 14:00-15:15

Terminando o capitulo II, matéria do contencioso administrativo no divã da


constituição, e após analisar-mos o relacionamento problemático entre a constituição de
1976 e o contencioso administrativo, na aula passada, concluímos que a constituição
impôs desde o inicio um novo modelo de justiça administrativa, ainda que limitado por
uma lógica de compromisso entre o modelo passado e o novo modelo, este compromisso

49
nunca foi verdadeiramente realizado pelo legislador ordinário e portanto houve até 2004
um problema geral no quadro da evolução constitucional, de divórcio, de separação, entre
o texto constitucional e a realidade constitucional, divórcio este que conduziu a situações
graves no quadro da realidade do estado de direito.

Há uma realidade difícil e complicada que em rigor só se resolveu em 2004, a


revisão constitucional de 97, como vimos, estabeleceu o modelo actual do contencioso
administrativo, modelo que por um lado é plenamente jurisdicionalizado, por outro
destina-se a realizar uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. No quadro
da constituição, os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais que existem para a
tutela dos direitos dos particulares e das relações jurídicas administrativas e estabelece,
nos artigos 268º/4/5, que essa tutela dos direitos corresponde ao novo centro do
contencioso administrativo, este novo centro dos direitos dos particulares, significa que
os juízes gozam da plenitude dos poderes, precisamente para realizar essa nova realidade
central do ponto de vista processual, e que esta tutela plena em face dos direitos dos
particulares é o que faz mover o contencioso administrativo, contudo, se a constituição
neste momento vai obrigar o legislador a fazer qualquer coisa, esta realidade ao nível
legislativo ainda vai demorar algum tempo até acompanhar a realidade constitucional,
porque houve um pontapé de saída, logo em 1948, quando numa organização, que liga os
professores universitários em matéria de direito administrativo com os juízes, uma revista
com alguns anos, que se chama cadernos de justiça administrativa, em que professor
Vasco Pereira da Silva é um dos fundadores e onde integram vários administrativistas.
Ideia desta organização é conciliar professores de direito administrativo, de diferentes
escolas do país com os juízes, em especial, os juízes, permitindo um verdadeiro diálogo
entre todos os atores da vida judicial. Estes cadernos de justiça administrativa servem
para discutir e para criar pontes que façam progredir o processo administrativo, uma das
iniciativas são os encontros da justiça administrativa que decorrem uma vez por anos, e
que reúne todos os atores da vida judicial, juízes, advogados, professores e outras pessoas
interessadas no processo administrativo. O que se discutiu em 1998 e que foi o pontapé
de saída da reforma, foi a necessidade de realizar, de uma vez por todas, a reforma do
contencioso administrativo, houve uma discussão alargada e para que se estabelece
alguma coisa, fez-se um manifesto, o manifesto da justiça administrativa, que foi um
texto proclamatório, depois divulgado aos órgãos de comunicação social, enviado ao
parlamento, governo e tribunais, com objetivo de marcar a necessidade e dar o primeiro

50
passo para se realizar a reforma. Contudo, desde este primeiro passo, demorou algum
tempo até que as coisas avancem, porque o que se dizia no manifesto, do ponto de vista
do procedimento, era que o governo devia começar por nomear uma comissão
representativa dos diferentes sectores da realidade do processo administrativo, como
juízes, advogados, membros do ministério público e professores, essa comissão devia
fazer o levantamento da situação e procurar soluções legislativas adequadas à realidade
que surgisse. Isto acabou por não acontecer, e o processo a que vamos assistir até 2004, é
um processo estranho que tem haver com esta não assunção por parte do governo ou por
parte da AR, da necessidade de proceder imediatamente a uma reforma do contencioso, e,
houve mesmo uma realidade, que foi o surgimento do código de procedimento e de
processo tributário, em 1998, que ainda está hoje em vigor, este código era algo que
estava contra o espirito da reforma, e que tinha e tem inconstitucionalidades. Este código
é inconstitucional do ponto de vista da competência, porque devia ter sido feito pela AR,
a matéria do procedimento e do processo é uma matéria legislativa da competência da
AR, e não do governo, que legislou sem autorização. Este código é inconstitucional
também do ponto de vista material, porque desde logo vai de encontro com a velha
tendência de juntar procedimento e processo, quando a constituição separa procedimento
e processo, a administração e justiça. Além de juntar estas duas matérias, confundiu as
funções do juiz e as funções dos administradores.

A CRP estabelece um contencioso da jurisdição administrativa e fiscal, uma única


jurisdição ainda que possa ter normas especiais para a vertente administrativa e para a
vertente fiscal, mas a estrutura é a mesma, havendo tribunais que se ocupam tanto das
questões administrativas como fiscais, o artigo 212º/3 CRP, diz-nos isso mesmo. Mas
sendo uma jurisdição una, mantiveram se ate hoje as diferenças de organização da
estrutura do lado administrativo e do lado fiscal, em rigor, no supremo tribunal
administrativo, na sua composição plenária, há uma separação entre a vertente
administrativa e vertente fiscal, e portanto há aqui uma realidade não unificada e fez-se
algo que é incompreensível, que foi o facto de no domínio do processo fiscal continuar
ainda em vigor, a reforma de 1999, manifestamente inconstitucional a vários títulos,
enquanto que no lado do contencioso administrativo há uma reforma que entrou em vigor
em 2004 e não há nenhuma razão para que, numa jurisdição que é comum, para uma
realidade que é administrativa e fiscal, pois os tribunais tributários são tribunais que
desempenham uma função em relação a uma realidade que é administrativa também, a

51
administração fiscal é uma modalidade de administração. De resto, as propostas de
diploma apresentados em 2002 que estabelecem o estatuto dos tribunais administrativos e
fiscais, ou seja, o único diploma onde há unificação deram depois origem a um código de
processo, que quando foi para a AR, se chamava código de processo dos tribunais
administrativos e fiscais e quando de lá saiu passou a chamar-se código de processo dos
tribunais administrativos e portanto a reforma ficou a meio e ainda hoje estamos perante
esta situação, aliás, são os próprios autores de direito fiscal, os fiscalistas a reclamarem e
a porem em causa esta realidade. Não está em causa que o direito fiscal seja um direito
autónomo do direito administrativo enquanto disciplina cientifica, mas não faz sentido,
estando em causa relações administrativas, umas gerais outras especiais, que a
organização dos tribunais não seja exatamente a mesma e que as regras sejam diferentes.
Exemplo: Não há duvidas que o direito comercial é diferente do direito civil, contudo,
não há regras de processo para o direito comercial diferentes das regras de direito
processual civil; Não faz sentido uma jurisdição unificada com uma organização que não
é exatamente a mesma com regras processuais diferentes, sobretudo quando as regras que
ainda hoje existem no quadro do contencioso tributário foram elaboradas depois da
revisão constitucional de 1997 e contrariam manifestamente as regras constitucionais,
havendo inconstitucionalidade orgânica e material, pela promiscuidade entre
administração e justiça.

No quadro do contencioso fiscal ainda estamos longe do estado de direito, no que


diz respeito à logica de organização e funcionamento da justiça tributária.

O que vai despoletar o primeiro projecto de reforma, com três textos, um


corresponde ao estatuto, outro a uma lei de processo e outro a uma lei de arbitragem dos
tribunais administrativos especiais, foi que o governo em vez de nomear aquela comissão
foi ressuscitar um projecto que ninguém sabe quem fez, e que ninguém assumiu a
realização, ao que parece foi feito por assessores do supremo tribunal administrativo e o
governo em 2000 assume aquelas propostas e põe-nas à discussão, propostas estas que
eram muito más, não correspondiam minimamente às realização dos objetivos da justiça
administrativa. Ministro da justiça da altura, na cerimónia de lançamento da reforma,
decidiu iniciar um procedimento de discussão sobre aquelas normas, destinado a
posteriormente virem a dar origem à reforma do processo administrativo, e portanto
aquilo que num procedimento legislativo, deveria ter sido o impulso da reforma, não foi,

52
ou seja, do ponto de vista do procedimento aquilo que seria o final da reforma, foi o
impulso da discussão, porque durante 2 anos, de 2000 até 2002, quando surgiu a versão
final apresentada à AR, discutiu se tudo e dessa discussão saiu aquilo que depois foi
aprovado e deu origem ao actual estatuto e ao actual código de processo. Deu-se esta
curiosidade de se ter andado dois anos a discutir e dizer mal daquilo que realmente era
péssimo e o governo entendeu que em resultado desta discussão deveria ser a
administração pública a elaborar um diploma e criou uma comissão administrativa, um
órgão administrativo, de politica legislativa que se ocuparia desta matéria, houve alguma
sorte nisto ou uma visão do ponto de vista politico, porque o governo nomeou para
presidir a esse órgão, um assistente da faculdade de direito da universidade de lisboa que
sempre se preocupou com estas questões da reforma, o Dr. João Tiago Silveira que
contratou para assessor cientifico o professor Mário Aroso de Almeida, que foi o
verdadeiro impulsionador da reforma, porque ele pegou nos resultados da discussão e
apresentou três textos legislativos, em 2002 à AR, os três textos correspondiam ao
estatuto; ao código de processo dos tribunais administrativos e fiscais; e à lei da
responsabilidade civil extracontratual do estado. Estas normas que entraram na AR, no
final de 2001, foram aprovadas na generalidade, mas ficou a faltar a aprovação na
especialidade, acontecendo, entretanto, a queda do governo com dissolução da AR, e a
reforma podia ter morrido com estes acontecimentos, mas não morreu, pois no dia em
que foi extinta a AR reuniu e aprovou na especialidade a reforma, pois o decreto de
dissolução da AR ainda não tinha sido promulgado. Criou se aqui um problema
constitucional, de como salvar esta reforma, houve uma série de iniciativas e estratégias,
que envolveu o professor Marcelo Rebelo de Sousa, e, decidiu-se não enviar lei para o
tribunal constitucional, devido ao risco de ser considerada inconstitucional, arranjou-se
uma outra lei que ninguém queira, que tivesse sido votada na mesma altura e com as
mesmas circunstâncias, uma lei das finanças regionais da Madeira, e portanto aquilo que
se pediu ao Presidente da República foi que em vez de suscitar a fiscalização preventiva,
apreciasse as questões de votação da lei das finanças regionais da Madeira, e se
pronunciasse sobre a competência e do procedimento, dizendo se era possível a AR ter
decidido, apesar de teoricamente já ter sido dissolvida. Criou se uma série de
“happenings” jurídicos para justificar a constitucionalidade desta atuação. Deu imenso
jeito que o professor Freitas do Amaral, que tinha escrito sobre o governo de gestão,
dissesse que em circunstancias excecionais, designadamente aquelas que originam uma
situação de governo de gestão, que bastaria a aprovação na generalidade, e que isso

53
permitiria que a norma entrasse em vigor, situação discutível do ponto de vista teórico,
mas professor Jorge Miranda dizia o contrário, mas aceitou fazer umas declarações
públicas estranhas, dizendo que apesar de tudo não havia inconstitucionalidade. Questão
estava em saber se o momento da entrada em vigor do decreto de dissolução, era o
momento em que foi feito ou o momento em que é publicado, conseguindo-se que a
imprensa nacional demora se três ou quatro dias a publica-lo. Houve um conjunto de
processualistas que vieram dizer que aquilo que releva é o prazo da publicação, com
argumentos curiosos. Mas apesar de todas estas dúvidas o tribunal constitucional
chumbou a lei das finanças regionais da Madeira, dizendo no entanto que do ponto de
vista do procedimento não havia problema e sufragou a hipótese de que poderia
considerar se que o procedimento era correto, apesar da reforma ter sido aprovada na
especialidade no dia em que foi assinado o decreto de dissolução, este só produz efeitos
depois da sua publicação, salvando a promulgação por parte do legislador, salvou-se a
reforma do contencioso administrativo. A AR tinha decidido deixar cair a lei da
responsabilidade civil, pois existiam dúvidas, bem como a aplicabilidade do código no
domínio fiscal, código ficou apenas para os tribunais administrativos, o estatuto é para os
tribunais administrativos e fiscais, o código é apenas para os tribunais administrativos.
Houve depois eleições, novo governo e o legislador da assembleia constituinte tinha dito
que a norma tendo sido aprovada em 2002 só poderia entrar em vigor em 2003, porque
era preciso medidas efetivas para que a reforma entrasse em vigor, era preciso formar
juízes, entre outras coisas, e portanto o legislador teve esta inspiração de alargar a vacatio
legis por um ano, entre a aprovação e a entrada em vigor em janeiro de 2003 houve vários
acontecimentos, eleições, novo governo, houve algum atraso na aplicação da reforma e
em 2003 começou-se a perceber que a reforma talvez não entrasse em vigor. Surgiu o
argumento proveniente de juízes dos tribunais administrativos, que janeiro de 2003 não
era uma boa altura para entrada em vigor da reforma, esta devia começar com o inicio do
ano judiciário, esta tese foi adotada e de alguma maneira houve o resultado de o governo
da altura, decidir adiar a entrada em vigor da lei para janeiro de 2004. durante 2003
iniciou-se medidas de aplicação da lei, como o concurso ad hoc para formação dos juízes
administrativos, professor como Vasco Pereira da Silva, Freitas do Amaral e Vieira de
Andrade, foram dar aulas aos juízes, foram formados especificamente para o contencioso
administrativo, porque houve um problema que esta reforma ainda não resolveu
completamente, se há uma jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, se são
tribunais especiais, a formação dos juízes tem de ser especial e em rigor ainda não é. Este

54
é outro problema que conduz a uma ineficiência da justiça administrativa, se há uma
jurisdição autónoma, então é preciso que a formação desses juízes seja especial, e ainda
hoje não é totalmente, só parcialmente, havendo um concurso geral de juízes e depois há
uma formação ainda que diminuta para os tribunais administrativos ou então há um
concurso especial ad hoc para juízes dos tribunais administrativos com formação
intensiva, mas não há ainda institucionalizada uma formação especifica dos juízes dos
tribunais administrativos e fiscais. As coisas foram atrasando e em dezembro 2003
professor Vasco Pereira da Silva receava que a reforma não entrasse em vigor, mas em
janeiro 2004 surgiram os diplomas e a reforma pode entrar em vigor. Foi um processo
muito complicado, com uma vacatio legis longa, mas finalmente em 2004 entrou em
vigor a reforma da justiça administrativa.

Esta reforma, em primeiro lugar constitucionalizou o contencioso administrativo


em Portugal, porque é uma reforma que corresponde àquilo que é o modelo
constitucional, o que não significa que não seja possível adequar mais o modelo
constitucional, e não significa que não se consiga fazer melhor, mas a reforma faz com
que desapareçam as inconstitucionalidades, que até então haviam várias
inconstitucionalidades. Agora estamos ao nível do grau de concretização da constituição,
já não estamos ao nível da inconstitucionalidade. Houve, portanto, um progresso que não
é igual em todos os domínios e em todas as normas. O estatuto é uma norma que está
ainda longe duma concretização da realidade constitucional, esta no limite da
inconstitucionalidade porque mantem algumas das soluções do velho contencioso e
simultaneamente disse que pelo contrario o código de processo era um bom conjunto de
normas adequadas à administração publica, apesar de poderem ser melhoradas. Em
relação ao estatuto, conservador e no limite da constitucionalidade, aquilo que o salva é o
artigo 4º que delimita o âmbito da jurisdição administrativa em termos amplos,
correspondentes a todo o universo da função administrativa, o legislador adota múltiplos
critérios, autoritários e não autoritários, critérios dos poderes e dos direitos, entre outros,
alargando o universo já jurisdição administrativa e isso é correto, é um dos aspetos
essenciais a ser realizado pela justiça administrativa, era preciso que no contencioso
administrativo coubessem todas as atuações administrativas quaisquer que elas sejam, os
actos administrativos praticados por particulares são apreciados pela justiça
administrativa porque são materialmente administrativos. O âmbito da jurisdição salva o
estatuto, mas em tudo o resto, o estatuto não está bem realizado, porque em primeiro

55
lugar havendo uma jurisdição administrativa e fiscal era preciso tirar todas as
consequências dessa jurisdição. Uma jurisdição implica, além da formação especifica de
juízes dos tribunais administrativos e fiscais, que hoje já existe, mas podia ser melhor.
Não fazendo sentido que exista possibilidade de transitar a carreira dos juízes dos
tribunais judiciais para os tribunais administrativos. Sendo o contencioso administrativo
especial é preciso criar tribunais especializados em razão da matéria, na jurisdição
administrativa, é preciso um tribunal especializado na matéria dos funcionários ao serviço
da administração, é preciso em matéria de urbanismo e ambiente, é preciso um tribunal
em matéria de serviços sociais, é preciso um tribunal especializado em matéria de
contratação pública, se não houver a criação destes tribunais especiais também por um
lado temos uma jurisdição separada, mas que não aproveita as vantagens dessa separação
e ao mesmo tempo temos um problema de défice de funcionamento da justiça
administrativa porque todas as coisas se concentram nos mesmos juízes que não
conseguem decidir. Portanto esta realidade era essencial, esta criação de tribunais
especializados está prevista na reforma de 2004, mas nunca existiu ate hoje, curiosamente
no passado verão 2017 a ministra da justiça realizou um lançamento de uma nova lei
orgânica da justiça administrativa tributária que procurava pela primeira vez criar estes
tribunais administrativos e fiscais especializados. É preciso por termo à utilização dos
tribunais arbitrais em litígios de contratação publica que devem apenas auxiliar os
tribunais administrativos. Este modelo de jurisdição autónoma com tribunais
especializados em razão da matéria, é o modelo alemão, na alemanha há o tribunal
especializado em matéria de segurança social, em matéria de urbanismo e ambiente e há
esta logica de especialização tal como existe nos tribunais comuns.

Além do estatuto que esta um pouco fraco, existe também uma esquizofrenia do
supremo tribunal administrativo, porque é simultaneamente tribunal de 1ª instância e
tribunal de recurso, e só deveria ser tribunal de recurso, pois um supremo apenas deve
resolver litígios de decisões de tribunais de 1ªinstância, o facto de ser os dois aos mesmo
tempo introduz uma esquizofrenia, e aumenta a ineficiência do contencioso
administrativo. Espera se que a ministra da justiça resolva estes problemas.

Paulo Ramalho

(Michael-Sean Boniface)

56
3 de Outubro de 2017 14:00-15:15

Ainda sobre a última aula (quanto à evolução constitucional do Contencioso


Administrativo, “CA”): o modelo constitucional da justiça administrativa ficou, de certo
modo, cristalizado em 1997, sendo que a partir daí se mantém sem alterações. Este
modelo consagra a integração dos tribunais administrativos no poder judicial e retira
todas as consequências dessa integração, nomeadamente considerando o juiz
administrativo como verdadeiro juiz, dotado da plenitude de poderes condenatórios,
anulatórios, e sem nenhuma limitação da tutela principal ou cautelar. Em simultâneo, a
CRP consagrava aí um direito fundamental (268/4 e 268/5) de acesso ao Contencioso
Administrativo e justiça administrativa – um direito fundamental a uma tutela plena e
efetiva dos direitos fundamentais. Este modelo está de acordo com aquilo que são os dois
traços fundamentais do sistema de confirmação do contencioso ou de plena
jurisdicionalização e subjectivização do contencioso administrativo.

Esta realidade origina a reforma de 2002-2004, que dá origem a dois diplomas: o


estatuto dos tribunais administrativos e fiscais (ETAF) e o código de processo dos
tribunais administrativos (CPTA). Vem resolver o problema que existia até então de
divergência entre o modelo constitucional e o modelo legislativo, isto é, a divergência
entre aquilo que a CRP estabelecia para o CA e aquilo que era, afinal, a realidade do CA.
A reforma acaba por aproximar os dois modelos e faz desaparecer a situação gritante de
inconstitucionalidade latente a propósito de um dos elementos essenciais do Estado de
Direito Democrático.

No fundo, a reforma permite a conciliação entre o CA e a CRP. O Professor


Vasco Pereira da Silva admite que possamos dizer (parafraseando Heberle) que “a
reforma - o estatuto e o código - corresponde a uma constitucionalidade do processo
administrativo” – concretiza as opções constitucionais e estabelece as regras básicas
essenciais pelas quais se vai pautar a realidade de relacionamento entre a administração e
a justiça.

Na opinião do Professor, os dois diplomas da reforma têm, por um lado, uma


dimensão e qualidade diferentes; e por outro lado o estatuto dos tribunais administrativos
e fiscais procede a uma interpretação minimalista da CRP. Teria sido possível ir mais

57
longe quer do ponto de vista da jurisdição quer da orgânica dos tribunais administrativos
e fiscais. Além disso, corresponde a um texto legislativo que, tirando o artigo 4º da versão
de 2004 (originária), tem ou consagra soluções ainda do passado e que têm pouco
sentido. Já não assumem a realidade extrema do passado de apontarem para o velho CA
mas procuram conciliar algumas dessas realidades que já deviam estar ultrapassadas,
dando roupagem nova e procurando equilibrar com as regras gerais do processo
administrativo.

O CPTA, por outro lado, é um diploma legislativo que corresponde a uma


tentativa de regulação que procura ser adequada ao CA. Esta tentativa consagra os
aspetos principais que eram exigidos pela reforma constitucional e pelas próprias
exigências constitucionais e da União Europeia no quadro da constitucionalização e
europeização do CA. O código, na versão de 2002, consagra ações em matéria
jurisdicional no domínio do CA e abandona a realidade do passado que era o recurso,
passando a haver somente ações. Nestas ações, o juiz goza da plenitude de poderes em
face da administração: declarativos, condenatórios, de anulação. Temos assim ações que
são plenas, assentes numa lógica de igualdade das partes (no sentido de que particulares e
administração têm a mesma possibilidade de participação no processo). Estas ações são
ainda chamadas de acordo com uma lógica dual entre ação administrativa especial e ação
administrativa geral (quanto a esta dicotomia, o Professor mostra-se bastante crítico,
como veremos adiante).

Esta distinção é sindicável mas o que estava em causa era uma regulação
adequada, correspondente a uma lógica de processo que se tinha libertado dos traumas de
infância e que procurava realizar a justiça plena e efetiva dos particulares no âmbito do
CA.

Ao lado destes processos principais (as ações), havia também processos urgentes
em certas matérias: contencioso contratual e pré-contratual (por influência europeia),
consulta de documentos e passagem de certidões por parte das autoridades públicas.
Temos ainda a intimação (processo condenatório urgente), que, sendo genérico, consiste
numa espécie de último recurso para proteção de direitos fundamentais, mais
concretamente de Diretos, Liberdades e Garantias. A intimação distingue-se das
providências cautelares na medida em que estas acautelam apenas os efeitos futuros da

58
ação principal, não definindo a situação das partes do caso concreto. Ao invés, a
intimação dá resposta à necessidade de obter decisões rápidas nos processos urgentes,
mas decisões essas que regulam o fundo da causa e decidem definitivamente aquilo que é
levado a tribunal (intimação é grande novidade de 2004).

Além destes meios, existem também as providências cautelares. Por isso podemos
dizer que sucede aqui uma transformação radical: passou-se da “farda única” da
suspensão da eficácia (a única verdadeira providência cautelar consagrada no quadro do
CA, em termos limitado e interpretada de forma restritiva pelos tribunais, pelo que
praticamente não existia) para uma tutela plena, estabelecendo-se um princípio de
cláusula aberta em matéria de providências cautelares. Diz-se neste contexto que o
particular pode pedir e o juiz deve conceder tudo aquilo que seja adequado para a tutela
dos direitos dos particulares, alterando-se um CA restritivo e limitado a um meio
processual único para um contencioso que funciona em termos de cláusula aberta (artigo
112º).

Encontramos ainda, no seio desta reforma, transformações ao nível do processo


executivo e outras realidades que não são objeto deste curso, uma vez que aqui estudamos
apenas o processo declarativo.

Apesar de todas estas transformações, há matérias que ficaram por resolver no


quadro deste processo longo e complicado de reforma já analisado.

Ficou por fazer a reforma do contencioso fiscal. O ETAF regula de forma unitária
a jurisdição dos dois tribunais; regula os tribunais das duas especialidades mas, não
obstante, o processo é diferente e, como já vimos, as normas do contencioso fiscal
continuam a ser as regras redigidas em 99. Estas normas, segundo o Professor, enfermam
de inconstitucionalidade orgânica (diploma feito pelo Governo, sem delegação da
Assembleia da República) e várias inconstitucionalidades materiais: desde logo por
confusão entre administração e justiça, atribuindo a órgãos da administração,
designadamente o chefe da repartição de finanças, poderes jurisdicionais que deveriam
caber a um juiz do processo de execução tributária. Temos, portanto, esta realidade que
ainda hoje não foi resolvida.

59
É certo que o contencioso tributário se tem aproximado cada vez mais do CA, mas
as regras continuam distintas em grande parte. Esta aproximação deve-se à abertura das
normas e a uma interpretação evolutiva que tem sido feita pelos tribunais tributários no
sentido de tornar as duas realidades que integram a mesma jurisdição mais próximas.
Apesar de vários progressos neste caminho, continua a ser urgente uma reforma do
contencioso tributário – de resto, esta reforma é reivindicada pelos fiscalistas que criticam
a ausência de um contencioso plenamente jurisdicionalizado nos termos constitucionais
no quadro do processo tributário.

Podemos também dizer que o legislador, na sequência destas reformas, fez, em


dezembro de 2007, uma lei reguladora da responsabilidade civil pública. Tinha havido,
em 2000, uma proposta apresentada na Assembleia da República, juntamente com o
ETAF e o CPTA. Contudo, estes dois últimos diplomas entraram em vigor mas aquela lei
ficou pelo caminho.

Somente em 2007 é que se conseguiu estabelecer uma regulamentação da


responsabilidade civil pública. Esta lei é, a vários títulos, inovadora: pela primeira vez se
consagra, em Portugal, um regime de responsabilidade civil pública que abrange todos os
poderes do Estado, regulando simultaneamente a responsabilidade civil do exercício da
função administrativa e o exercício da função legislativa e jurisdicional; por outro lado, é
um conjunto de normas que procura conciliar a realidade do contencioso da
responsabilidade com o modelo constitucional, designadamente estabelecendo a
responsabilidade solidária da Administração Pública (esta era uma exigência
constitucional que ainda não tinha sido consagrada em todos os casos do domínio da
responsabilidade civil).

Apesar de este diploma ter significado um momento importante no quadro da


evolução do contencioso da responsabilidade civil pública, estas normas não tiveram
condições para resolver um problema grande do CA: o de acabar com a distinção
esquizofrénica entre responsabilidade por atos de gestão pública e atos de gestão privada.
É verdade que o legislador não utilizou estas formulações mas de acordo com
determinada interpretação (como a do Professor), o regime consagrado é equívoco e
pouco assumido, gerando dúvidas ainda hoje na doutrina. Há até uma posição respeitada,
assumida pelos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, que

60
critica a distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada; estes autores
consideram que o legislador não afastou a distinção. O Professor Vasco defende que
estamos perante algo que não faz qualquer sentido, até porque era uma das matérias que
se impunha ao legislador resolver – é uma das questões mais discutidas em Portugal nos
últimos 30 anos.

Na discussão sobre este tema, critica-se um regime que não era adequado e, por
isso, parece incompreensível que o legislador não tenha decidido afastar inequivocamente
essa realidade. Ao invés, usou uma fórmula ambígua que ainda permite a diferenciação.
A razão de ser da distinção já vinha dos tempos dos traumas da infância difícil e a
consequente necessidade de consagrar poderes de autoridade e poderes relativos aos
privados. Contudo, o problema base é que estamos a falar de dano e, para isso, saber qual
foi o ato que o praticou é totalmente irrelevante.

Se, em face de atos administrativos, ainda é possível falar de Direito Público e de


Direito Privado, não faz sentido algum utilizar a distinção quando estamos diante
atividades não voluntárias – a maior parte dos casos de responsabilidade civil
corresponde a atuações técnicas, por parte de servidores públicos, que não correspondem
a um exercício jurídico e daí que não sejam qualificados em função do caráter público ou
privado (exemplos destes casos são os acidentes de viação ou o caso Agnés Blanco).

É certo que o legislador não utilizou a expressão no seu sentido literal mas no
artigo 1º nº2 fala em prorrogativas de poder público, o que aponta para a manutenção da
esquizofrenia; também a expressão “ou reguladas por disposições ou princípios de direito
administrativo” aponta para essa confusão. A regulação por disposições de direito
administrativo correspondia à regra tradicional do Professor Marcello Caetano, pelo que
parecia manter-se a distinção entre gestão pública e gestão privada (daí a orientação do
Professor Marcelo Rebelo de Sousa).

O Professor Vasco concorda com os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e


André Salgado Matos quando dizem que o legislador foi equívoco. Porém, vai mais
longe: diz mesmo que o legislador incorreu em responsabilidade civil por ato da função
legislativa pois não regulou aquela única coisa que não podia deixar de regulamentar –

61
era a questão mais complexa e mais discutida no quadro do direito português, tendo então
a obrigação de saber do problema e orientá-lo.

Ainda assim, o Professor encontra um sentido. Há um “ou”, que diz respeito aos
princípios de direito administrativo, que faz com que, na opinião de Vasco Pereira da
Silva, os autores Marcelo Rebelo de Sousa e Salgado Matos não tenham necessariamente
razão. Isto é assim porque o primeiro interpreta esta referência aos princípios no quadro
de uma interpretação que olha ao todo do ordenamento jurídico. Assim, conjuga o
preceito com a norma do CPA que regula o seu respetivo âmbito de aplicação. Nos
termos do artigo 2º nº 3 do CPA, “os princípios gerais da atividade administrativa e as
disposições do presente código que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a
toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de
gestão privada”. Se isto é assim, se os princípios gerais são aplicáveis a toda e qualquer
atuação da administração ainda que meramente técnica ou de gestão privada, podemos
entender que esta remissão do artigo 1º/2 para os princípios de direito administrativo
permite a unificação de toda a responsabilidade civil no âmbito de aplicação destas
normas. Ou seja, o que está em causa é a responsabilidade civil decorrente da violação de
disposições ou princípios de direito administrativo e estes, por sua vez, aplicam-se a
atividades de gestão técnica e privada. Assim, embora o Professor concorde com os que
criticam o legislador pelo seu caráter equívoco, tem na sua perspetiva e no quadro de uma
interpretação do todo do ordenamento jurídico que o legislador tomou posição adequada,
mesmo que o tenha feito de forma disfarçada.

Quanto à jurisprudência, tem-se mantido a lógica da gestão pública. Contudo, há


aqui uma realidade diferente que vai depender da evolução do sistema e dos pedidos
apresentados pelos particulares. Curiosamente, há uma grande deficiência de formação
em direito administrativo porque a maior parte dos processos, mesmo sendo de matérias
de responsabilidade civil, não são apresentados nos tribunais administrativos apesar de
serem estes os detentores da competência.

Depois desta alteração às regras da responsabilidade civil, introduzidas em 2007,


houve em 2015 uma nova “reforma da reforma”, que não foi muito profunda (não mexeu
em questões essenciais). O legislador de 2004 tinha estabelecido a obrigatoriedade de
revisão ao fim de 4 anos, por isso esta reforma deveria ter ocorrido em 2008 e não em

62
2015. Dizia-se, em 2004, que em 2008 deveria ser feito um balanço do modo como as
coisas estavam a decorrer nos tribunais administrativos e que deveriam ser introduzidas
alterações e correções que ainda se mostrassem necessárias. Efetivamente foi isto que
veio a suceder em 2015, sem grandes alterações de sistema. O que ocorreu foi o
surgimento de pequenas alterações a certas normas, umas boas e necessárias, outras
indesejadas, mas no geral manteve-se uma lógica de continuidade no quadro desta
evolução.

Quanto ao estatuto dos tribunais:

Do ponto de vista do âmbito da jurisdição administrativa, o artigo 4º manteve, em


geral, uma lógica ampla assente em cláusulas gerais de alargamento do âmbito da
jurisdição, para que esta correspondesse ao universo dos litígios no âmbito da função
administrativa.

Uma discussão muito controversa no quadro da reforma tinha que ver com as
contraordenações e coimas aplicadas por autoridades administrativas que integram o CA
mas tinham sido incluídas anteriormente na atuação dos tribunais judiciais, e penalizadas
através das normas das contraordenações. A questão que se colocava era a de saber se a
matéria devia ou não voltar ao CA. O legislador da reforma de 2015, na proposta
apresentada, propunha que em certas áreas (como saúde pública, ambiente, urbanismo,
património cultural) a competência deveria caber ao CA – eram áreas bastante relevantes.
No entanto, mesmo no último momento, o Governo alterou a proposta pelo que aquilo
que ficou e consta hoje do artigo 4º/1l é apenas o CA de mera ordenação social por
violação de matérias administrativas em urbanismo (lógica minimalista no quadro das
contraordenações).

O problema principal do artigo 4º é que, tendo mantido uma abertura a todas as


relações administrativas, viu a sua linguagem piorar, no sentido de que a nova norma é
mais restritiva que a originária. Este facto nota-se nas questões ideológicas. Há quem diga
que a reforma de 2015 é uma reforma de professores universitários que, em vez de se
preocuparem com fazer leis, preocupam-se com escrever aquilo que ensinam aos seus
alunos, isto é, as querelas doutrinais. O legislador deveria procurar as melhores soluções
possíveis independentemente de discussões que possam existir ao nível da doutrina. Quer

63
no estatuto quer no CPTA o legislador resolveu, por via legislativa, questões de natureza
doutrinária, utilizando expressões que não devia.

Recuperou-se no artigo 4º a expressão “contratos administrativos”, que já não


aparecia em 2004 e não precisava de estar, pois aquilo que é regulado é a matéria dos
contratos públicos. Por razões ideológicas (porque as pessoas que pertenciam à comissão
defendiam a noção de contrato administrativo), recuperou-se para a alínea e) a ideia de
“contratos administrativos ou quaisquer outros” celebrados na legislação sobre
contratação pública. Não era preciso a referência aos contratos; o que interessa é a
contratação pública pois é mais ampla. O legislador resolveu juntar os dois e tentar por
termo a uma questão de natureza científica e ideológica que nunca terá esse termo. Esta
norma é pior do que a versão de 2004, que era neutra e, assim, a doutrina podia
interpretar da forma que entendesse (no fundo a norma de 2015 também permite várias
interpretações ao nível da doutrina mas obriga a uma realidade diferente).

Na opinião do Professor, o artigo 4º é o que salva o ETAF, por ser uma norma
mais aberta, que manteve o essencial da abertura apesar de ser mais limitativa do ponto
de vista da linguagem.

O legislador, no quadro deste estatuto, procurou regular melhor as diferentes


categorias de tribunais. Em 2015 ocorre a unificação entre os nomes dos tribunais do CA
e do contencioso tributário (diferença face a 2004).

Na determinação de competências dos órgãos respetivos mantém-se aquela


realidade do passado que atribui a competência de primeira instância ao STA, em
matérias relativas a ações e omissões dos órgãos principais do Estado, seja o Presidente
da República, a procuradora geral da república, o STJ, o Governo (cfr. Artigo 24º). Isto,
na perspetiva do Professor, é um absurdo e vai na lógica da esquizofrenia. Assim é
devido ao facto de o STA ser, neste regime, simultaneamente um tribunal de primeira
instância e um tribunal de recurso – quando deveria, na verdade, ser só de recurso. Por
outro lado, e apesar de se manter a esquizofrenia do STA, acaba a esquizofrenia dos
tribunais centrais que passam, agora, a ser somente de segunda instância.

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Relativamente aos tribunais administrativos de círculo, prevê-se a possibilidade de
criação de tribunais especiais. Esta solução afigura-se boa mas o problema que se coloca
é o da efetivação desta realidade. A Ministra da Justiça já apresentou uma proposta de
reforma do ETAF neste sentido, mas ainda nada sucedeu.

Em suma, apesar de algumas melhorias em 2015, e sendo certo que o artigo 4º é a


melhor norma do ETAF, há ainda alterações por fazer.

Quanto ao CPTA:

Ocorre uma alteração muito significativa, desde logo aprovada pelo Professor.
Acabou-se com a distinção entre ação comum e ação especial, passando a existir apenas a
ação administrativa – pese embora, como veremos adiante, sob a aparência de uma ação
unitária temos hoje várias ações; o legislador disse que unificava as ações mas quando as
regulou criou vários tipos de ações que, tendo uma denominação comum, têm regras de
natureza diferente; aquilo que aparentemente era uma lógica de unidade, na prática
corresponde a uma realidade marcada por uma divisão que faz muito pouco sentido, pois
o legislador estabelece diversas regras para as ações administrativas em matéria de
impugnação de atos administrativos, em matéria de condenação à prática do ato devido,
em matéria de impugnação de normas e omissão de normas, ações relativas à execução de
contratos (artigos 37º e seguintes), mas faltam outras matérias e outras ações, como em
matéria de responsabilidade civil e em matéria de atuação formal da administração.

Por exigências europeias, o legislador melhorou as regras do contencioso pré-


contratual. Consagrou aquilo que já era obrigatório por diversas diretivas e já defendido
pela Professora Maria João Estorninho – o princípio do stand still: ideia de que a
Administração tem a obrigação de não celebrar contratos enquanto haja dúvidas sobre a
legalidade, porque depois de celebrados é muito complicado voltar atrás.

Além disso, o legislador estabeleceu um processo urgente no contexto dos


processos de massa (aqueles que abrangem mais de 50 participantes). Há, por outro lado,
regras especiais para os processos que têm mais de 20 participantes. Isto leva a que
autores como João Raposo digam que há uma diferenciação que não se compreende entre
processos de massa e “processos de massinha” que não se designam por urgentes.

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No quadro do contencioso cautelar ocorreram grandes transformações. Sem
eliminar algumas das realidades absurdas, mantém-se a regra da cláusula geral do artigo
112º - mas torna mais difícil a tutela cautelar porque acaba com as cláusulas automáticas,
previstas anteriormente, e que geravam automaticamente a suspensão da eficácia, a
concessão da providência cautelar mesmo sem verificar os interesses das partes. O
Professor concorda com a alteração de 2015, considerando que o legislador não pode
criar cláusulas automáticas em matéria de providências cautelares porque deve ser o juiz
a ter esse papel de análise. Acrescente-se que o professor está de acordo do ponto de vista
teórico, mas não tanto do prisma da realidade prática pois a aplicação da regra não está a
ser correta no âmbito da justiça administrativa.

Em jeito de conclusão podemos dizer que os aspetos essenciais que exigiam a


reforma não foram alterados, tendo as alterações ocorrido apenas em aspetos menos
substancias. No geral, manteve-se no essencial a realidade do contencioso.

Vera Manoel

3 de Outubro de 2017 15:30h — 16:45h

Análise do Estatuto dos Tribunais Administrativos e FiscaisO Estatuto trata de


dois temas: âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e organização e funcionamento
dos tribunais administrativos e fiscais.

Quanto ao tema do âmbito da jurisdição (1o + 4o ETAF)

Artigo 1o ETAF

• -  não é uma norma de carácter essencial porque replica o que já é dito na


Constituição: o artigo 204o CRP no que está no número 2 e o artigo 212o/3 no
que se encontra no número 1.

• -  O que é importante neste artigo é o critério material de qualificação que


oferece. Falar em “jurisdição administrativa e fiscal” aponta na direção daquilo
que depois é tratado no artigo 4o, as “relações administrativas e fiscais” (212o/3
CRP) — remissão que na versão de 2004 era direta

66
• -  O número 2 nem fala no âmbito da jurisdição, fala em regras sobre o
funcionamento dos tribunais. “Todas as relações administrativas e fiscais devem
caber no Contencioso Administrativo.” — Será esta regra meramente tendencial?
Ao olhar para a alínea l) do artigo 4o ETAF percebe-se que estão inseridas no
âmbito da jurisdição administrativa e fiscal as coimas (sanções pecuniárias
aplicadas pela Administração por violação da lei, que é dizer uma relação jurídica
administrativa, que é dizer um ato administrativo), mas só as relativas a matéria
de urbanismo.Como é que isto se coaduna com o 212o/3 CRP (pela remissão
indireta do 1o ETAF) que diz que na jurisdição administrativa e fiscal cabem
todas as relações jurídicas administrativas? Já vimos que a aplicação de uma
coima é um ato administrativo, pelo que seguem em todo o procedimento regras
de Direito Administrativo. Logicamente, devia ser impugnável perante os
Tribunais Administrativos. Contrariarmente, como a lei anterior (em que o juiz
não tinha plenitude de poderes) previa que as coimas fossem sindicáveis nos
Tribunais Judiciais, a tendência em 78/79 foi assimilar o direito das contra-
ordenações ao direito penal, criando um universo de dúvida sobre se há ou não
ainda outras sanções administrativas que não as das contra-ordenações. O
legislador atribui portanto a competência para julgar estes casos aos tribunais
judiciais, obrigando a doutrina constitucional e os tribunais (principalmente o
Constitucional) a dizer que: nem todas são, são tendencialmente todas, as que
forem de carácter principalmente administrativo. Esta alínea l) do artigo 4o, ainda
que de forma muito limitada, permite aos tribunais administrativos julgar sobre a
impugnação de coimas de ilícito de mera ordenação social em matéria de
urbanismo. É muito pouco. Ainda assim, foi a primeira vez que estas questões
foram atribuídas a um tribunal administrativo em vez de um tribunal judicial. Dir-
me-ião, “se fossem os juízes administrativos responsáveis por todas as sanções
aplicadas pela Administração, não haveriam juízes suficientes” — é um problema
de organização. Se o legislador cumpre a norma constitucional e esta obriga a que
estas matérias caibam no contencioso administrativo, então é preciso criar mais
juízes administrativos, e porventura diminuir o número de juízes nos tribunais
judiciais. O juiz que julga este tipo de casos num tribunal judicial também os pode
julgar nos tribunais administrativos, é um sistema de vasos comunicantes.
Estamos perante uma realidade que mostra que, mesmo que se tenha pretendido
avançar um pouco mais em 2015, a intenção não era a de transferir todas as

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relações jurídico-administrativas para o Contencioso Administrativo (o que seria a
solução mais lógica), mas sim admitir que pelo menos as matérias da alínea k) do
4o ETAF, que são consideradas matérias de DA especial, tivessem as suas contra-
ordenações apreciadas pelos tribunais administrativos. Contudo, o

Governo teve medo disso e manteve esta lógica, que se no limite não é
manifestamente inconstitucional (até porque há essa interpretação da doutrina e do
Tribunal Constitucional), também não é uma norma realizadora da Constituição. Está
entre a inconstitucionalidade e o cumprimento, numa lógica minimalista e redutora, da
Constituição. Está à beira da inconstitucionalidade, o que é mais uma prova de que,
mesmo tendo havido progressos, ainda hoje estamos longe de uma realidade que
corresponda a um modelo assente plenamente na matéria e que submeta todas as relações
administrativas aos tribunais administrativos. A existência no quadro do Direito
Administrativo de poderes sancionatórios transforma essas realidades em matéria
administrativa. Do ponto de vista da interpretação constitucional há uma limitação que
decorre da interpretação histórica, influenciada pelos traumas da infância difícil. Estamos
ainda longe de um cumprimento médio da norma constitucional. Estamos no mínimo dos
mínimos, menos que isto e estaríamos no domínio da inconstitucionalidade.

Veja-se a alínea k) do artigo 4o ETAF, onde o legislador toma uma posição que
inclui no quadro do Contencioso um conjunto de matérias do Direito Administrativo.
Estes domínios correspondem a Direitos Fundamentais em matérias de Direito
Administrativo especial, correspondem a exigências do estado-pós-social em que a
Administração Pública ganha novos domínios de ação, sendo por isso áreas relativamente
novas de atuação da Administração. Nesta alínea prevê-se não só a Responsabilidade
Civil (“reparação”), mas também a “prevenção” e a “cessação”, cobre passado, presente e
futuro. Este artigo transforma estas matérias num domínio privilegiado, quase privativo
do Contencioso Administrativo. Exemplificando: se houver um litígio entre particulares
em matéria de ambiente, matéria essa em que a Administração tinha um dever de
fiscalização, esse julgamento deixa de ser privado e passa a ser do domínio do
Contencioso Administrativo. Pela amplitude com que estão reveladas aqui estas matérias
e por haver funções de inspeção ou controle por parte de uma autoridade pública em
todas estas, este artigo é como que um “toque de Midas” que transforma em
administrativas relações que até aí eram exclusivamente privadas. Isto é a afirmação de

68
uma área específica, privativa (como se diz no Direito italiano) do Direito
Administrativo. Esta construção faz sentido porque está já na construção dos Direitos
Fundamentais que estes são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas
(privadas também), que têm aqui domínio de atuação, pelo que são responsáveis por tudo
o que se passa e a isto diga respeito.

Então, o que está na alínea k) não é o contrário da alínea l), tão restritiva? O que
está na alínea l) não caberia, em condições de interpretação normais, na alínea k)? A
aplicação errónea de uma coima no âmbito do urbanismo cabe na previsão constante da
alínea k), podendo ser, em condições normais, invocada esta alínea para a trazer a juízo
administrativo. Então porque é que o legislador criou a alínea l), especial e com um
espectro de aplicação tão diminuto? A verdade é que elaborou a alínea l) para resolver à
parte a questão da impugnação de coimas, de encontro com aquela que é a realidade
constitucional, embora afastada daquele que é o regime nela efetivamente consagrado.
Mais, a Comissão de Preparação do Estatuto queria que se se mantivesse apenas a alínea
k) e não a l), de forma a que se interpretasse aquela de forma abrangente. Sendo isto
assim e havendo conflito com a norma constitucional, a questão não está inteiramente
resolvida. Há aliás bons advogados que pretendem sindicar coimas em matérias de
ambiente nos Tribunais Administrativos e os juízes têm apreciado os casos fazendo uma
interpretação ampla do conceito de urbanismo, já que a maior parte das leis em matéria
de urbanismo contêm também normas ambientais. É já hoje visível uma tendência para o
alargamento com base na alínea k), porque a alínea l) constitui uma restrição absurda e
inconstitucional ao que vem estabelecido na alínea k). A alínea k) é muito importante, por
um lado porque administrativiza essas relações, mas por outro porque se fala em prevenir,
cessar e reparar e portanto, de alguma maneira, a excepção é a que resulta da alínea l), em
que só uma ínfima parte dessas relações, relativas a contra-ordenações, é que pertence à
jurisdição dos Tribunais Administrativos, continuando o remanescente na competência
dos Tribunais Judiciais. Tudo isto se relaciona com a dialéctica entre o modelo
constitucional e o legislador, que vai sendo concretizada, neste caso numa visão
minimalista. A proposta do legislador em 2015 era medianamente concretizadora da
norma constitucional, a maximalista seria todas as contra- ordenações estarem no âmbito
da jurisdição administrativa.

Olhando ao resto do artigo 4o:No número 1, o legislador usa uma delimitação

69
positiva daquilo que é a justiça administrativa e nos números 3 e 4 exclui coisas que
entrariam pela porta do no1 mas que o legislador pretende excluir.A técnica legislativa
foi então a de uma delimitação positiva ampla e uma delimitação negativa depois, nos
números 3 e 4.Olhando ao número 1 e sabendo que cabe aos Tribunais Administrativos,
de acordo com o 212o/3 CRP, julgar sobre as relações administrativas e fiscais, vamos
encontrar nele (bem ou mal) critérios sobre o que é o Direito Administrativo.
Antigamente, na repercussão dos traumas da infância difícil, o Direito Administrativo não
cabia no Contencioso Administrativo. Hoje em dia, este artigo 4o procurou resolver o
problema. Vejamos:

• a)  Critério dos direitos dos particulares + critério da relação jurídica substantiva —


critério amplo

• b)  Critério do Principio da Legalidade — critério amplo

• c)  Critério da função (alarga o contencioso a entes que não integram a Administração


mas que exercem a função administrativa) — critério amplo

• d)  Abrange privados que exercem a função administrativa, resulta da europeização do


Contencioso Administrativo

• e)  Os Contratos Públicos não podem ser celebrados antes da confirmação da sua
validade, já que depois de celebrados é impraticável voltar atrás. Então, para que a
tutela destes no Contencioso possa ser efetiva é necessário que seja anterior à
celebração. Contencioso pré- contratual + Contencioso contratual (interpretação,
validade e execução) — critério amplo

• f)  Nesta alínea o legislador vai além da Constituição, alargando o escopo do


Contencioso Administrativo das relações jurídicas administrativas e fiscais para
toda a responsabilidade de poderes públicos (legislativo, político e judicial)

• g)  Nesta alínea alarga-se a responsabilidade dos poderes para a responsabilidade


pessoal de quem exerce esses poderes administrativos. Fala-se ainda na ação de
regresso para que não subsista qualquer dúvida sobre a jurisdição competente
nestes problemas.

• h)  Aqui alarga-se a jurisdição dos Tribunais Administrativos em matéria de

70
Responsabilidade Civil de órgãos e pessoas da Administração a privados que
exercem a função administrativa. — outra regra de natureza ampliativa

• i)  Numa atuação que não tenha título jurídico (regulamento, ato, contrato, poder
estabelecido por Lei, ...) que a justifique, a Administração atua em vias de facto.
Aí o Tribunal Administrativo é competente para julgar.

• j)  Relações inter e intra-orgânicas, tudo o que se passa no seio da AP

• k)  x

• l)  x

• m)  eleições dentro de órgãos administrativos

Duarte Borges Coutinho

10 de Outubro de 2017 14:00-15:15

III Capítulo do Programa – Análise das disposições do CPTA

O modelo constitucional de 1997 estabelecia uma nova realidade, uma realidade


Copérnicana ao nível do Contencioso Administrativo. E, agora, de acordo com a lógica
Constitucional, o novo Sol passam a ser os direitos dos particulares.

Para a tutela desses direitos, o juiz goza da plenitude de poderes sobre a


Administração, sendo esses, os poderes anulatórios, condenatórios, declarativos. O juiz
quer no âmbito da acção declarativa quer do âmbito das providências cautelares passa a
ter a plenitude dos poderes face à Administração. Aquilo que é consagrado no quadro do
direito português, é esta ideia de uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.

Esta tutela plena e efectiva pode-se realizar de diversas formas. Recorrendo ao


Direito Comparado, podemos defrontar-nos com dois modelos que o legislador português
poderia ter seguido:

1. Modelo Germânico – consiste em criar diferentes meios processuais, que se


distinguem uns dos outros em razão do pedido e, que, fornecem uma tutela

71
completa dos particulares. Atribui-se um pedido correspondente a uma acção
que, por sua vez, corresponde a um direito. É uma lógica próxima da que
existe no Processo Civil em que, a cada direito corresponde uma acção. Esta
realidade processual vai originar um desmembramento de meios processuais,
sendo que cada um destes têm pedidos especiais3;
2. Modelo Francês/Modelo Latino – modelo adoptado pelo legislador português.
De acordo com este modelo, existe uma concentração num único meio
processual – ou num número reduzido de meios processuais. Garante assim,
toda a tutela dos direitos dos particulares e permite que estes possam ver todos
os pedidos atendidos. Esta lógica nasceu no Direito Francês, da transição que
se verificou do esquema clássico para o novo Contencioso, em que se manteve
o recurso como meio tradicional, mas que se modificou dando origem a
pedidos de plena jurisdição. Assim sendo, no quadro do recurso, é possível
não apenas anular as decisões da Administração, mas é igualmente possível
condenar a Administração. Esta realidade verificou-se também no quadro do
Direito Italiano e no Direito Espanhol4.

Foi esta a escolha tomada pelo legislador português, já na versão originária de


2004 e, de uma forma mais acentuada ainda nesta Reforma de 2015.

1. Versão originária (2004) – o legislador criou dois meios processuais:


a) Acção administrativa comum – à semelhança do Processo Civil,
estas estavam concebidas em termos genéricos e, portanto,
pareciam ser as acções predominantes no âmbito do processo

A discussão que se iniciou a partir do ano de 2000, quando esteve em causa a polémica quanto à Reforma, o
Prof. Vasco Pereira da Silva defendeu a adopção deste modelo.
4

Esta via, apesar de exequível, introduz uma realidade diferenciada. É que, enquanto no Processo Civil é possível
saber em razão do pedido que se pretende apresentar qual é o meio processual adequado, agora, no quadro do
Contencioso Administrativo, em que todos os pedidos são possíveis, estamos perante meios processuais
abrangentes que permitem ao particular a formulação de todos os pedidos. A sentença pode ter uma modalidade
anulatória, condenatória ou declarativa, em razão do pedido, mas tudo no mesmo meio processual – meio
processual guarda-chuva. É ainda possível cumular todos esses pedidos no mesmo processo, na mesma acção.

72
administrativo. Estabelecia no fundo, um contencioso geral
definido em termos de critérios processuais, sendo o que estava em
causa, eram todos os pedidos genéricos que coubessem naquele
quadro processual;
b) Acção administrativa especial – o legislador definia estas acções
não através de um critério processual, mas de um critério material,
um critério substantivo, sendo este o das formas de actuação
administrativa. Dizia respeito a actos administrativos e a
regulamentos.

Problemas Psicanalíticos5:
 A distinção entre a acção comum e a acção especial era uma
distinção que, de alguma maneira, correspondia à lógica
tradicional de criar um contencioso privativo dos actos e dos
regulamentos administrativos;
 Visão do contencioso administrativo como um conjunto de
excepções ao Processo Civil – uma vez que, o legislador remetia
para o CPC as acções gerais e, o conjunto das excepções ao
Processo Civil estavam previstas e reguladas no CPTA6.

2. Versão contemporânea (2015) – o legislador criou apenas uma acção,


denominada como Acção administrativa (art.1º e ss. e 37º e ss. Do
CPTA)7.

Principais objecções apresentadas pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, quanto ao CPTA de 2004.

Aquilo a que se chamava acção especial correspondia à maior parte dos casos do Processo Administrativo.
7

Apesar desta aparente uniformização, o sistema português continua a estar dividido em numerosas sub-acções.

73
ANÁLISE DO CPTA

1. Art.1º do CPTA – O legislador – tal como no modelo constitucional – vem aqui


estabelecer um conjunto de regras reguladoras do processo que, consagram tal
como decorre do art.2º do CPTA, uma tutela jurisdicional e efectiva. Cria-se
assim, uma única acção: a acção administrativa que engloba todos os pedidos –
direito a uma decisão equitativa, num prazo razoável, decisão dotada de caso
julgado, que resulta de um processo. Temos aqui o completar do ponto de vista
processual, daquilo que está estabelecido no quadro da constituição;
2. Art.7º do CPTA – promoção do acesso à justiça. O legislador vem mencionar
uma justiça material. O que está em causa no âmbito da justiça administrativa é
um conjunto de regras processuais destinadas a pronúncias acerca do mérito da
causa, pronúncias que decidam efectivamente as questões. O legislador ao dizer
isto, acaba por tomar uma decisão contra uma realidade que tinha marcado o
Contencioso Administrativo português, que durante muito tempo, foi um processo
de mera formalidade;
3. Art.2º/2 do CPTA – encontramos a anulação (sentença de tipo impugnatório) e
declaração de nulidade (sentença declarativa); de seguida temos a condenação à
prática de actos devidos assim como a não emissão de actos administrativos (duas
acções condenatórias); declarações de irregularidades de regulamentos (sentenças
de simples apreciação); etc. O que resulta da leitura deste artigo, que dá exemplos
do princípio da tutela jurisdicional efectiva, é que as acções administrativas
servem no Contencioso Administrativo para obter qualquer destes efeitos e dão,
portanto, origem a sentenças que correspondem aos ditos efeitos.

Curiosamente, e vamos ver que esse é um dos problemas do legislador português,


nesta enumeração exemplificativa que encontramos no Art.2º do CPTA, os pedidos não
são identificados de modo uniforme. Existem pedidos que são identificados pela sua
lógica processual, ou seja, com aquilo que o particular vai solicitar ao juiz e, com aquilo
que o juiz deve fazer. O problema e, este é um problema deste código, é que o legislador
cumula essa diferenciação – que é uma diferenciação processual –, com uma qualificação
substantiva, extinguindo esses pedidos em relação às formas de actuação administrativa.

74
O legislador, vai assim – tal como acontecia no CPTA de 2004 –, estabelecer
regras diferenciadas para certos pedidos relativamente a certas formas de actuação
administrativa, juntando assim, os critérios processuais com os critérios substantivos. Isto
introduz uma destorção no CPTA, que deveria ser um Código de processo e, sendo um
Código de processo as distinções entre acções devem assentar, única e exclusivamente,
em classificações processuais e não de carácter substantivo.

Continua a dizer-se – e bem –, no Art.4º do CPTA que todos os pedidos são


cumuláveis e, também aqui estabelece o critério da cumulação de pedidos. Dá-nos a
entender que, o legislador quis passar de um contencioso limitado, com meios
processuais com conteúdo limitado para um contencioso amplo que permitisse o
conhecimento da integralidade da relação jurídica material. Assim, o que agora releva é a
relação jurídica material, e não o meio processual ou os poderes do juiz.

O particular deixa de ter de usar vários meios processuais e de forma sucessiva, reunindo-
se agora no processo declarativo, a integralidade da relação jurídica material, sendo agora
tudo decidido no mesmo processo. O mesmo processo serve agora para anular, para
condenar, para indemnizar e, tudo é discutido em simultâneo, pois tudo está relacionado
com a mesma relação jurídica material.

Mas, quando for diferente a causa de pedir, quando o motivo que leva o particular
a juízo, seja diferenciado, mesmo havendo uma diferente causa de pedir, se houver
alguma conexão em relação aos pedidos, continua a ser possível a cumulação.

O problema surge, na medida em que o legislador não se limita no art.4º do


CPTA a tratar apenas dos pedidos, mas igualmente as formas de actuação. Na visão do
Prof. Vasco Pereira da Silva isto é um erro, na medida em que, os pedidos se dirigem a
qualquer forma de actuação.

75
QUESTÃO DO ART.37º DO CPTA

Apesar da aparente uniformidade, acabando com a dualidade esquizófrenica do


CPTA de 2004, quanto às acções administrativas comuns e especiais, a verdade é que
encontramos no CPTA de 2015, várias acções que têm regras processuais distintas, assim
como meios processuais distintos, assim como regras de marcha do processo distintas.

Origina a uma arrumação processual que continua a não fazer sentido, seguindo
igualmente uma lógica de repetição quanto ao art.2º do CPTA.

Mafalda Baudouin

10 de Outubro de 2017 15:30-16:45

Meios processuais, o legislador introduziu uma logica uniforme de organização do


contencioso administrativo e há agora uma única acção que corresponde a um modelo
mais ou menos uniformizado da organização das regras processuais. Só que isto por um
lado teve uma vantagem que foi eliminar a esquizofrenia que antes existia, mas não
resolveu inteiramente o problema dos meios processuais do contencioso administrativo
porque o legislador continuou a utilizar critérios processuais do contencioso
administrativo, e continuou a distinguir os vários tipos de ações. O legislador estabelece
regras diferentes quer em relação ao objeto do processo, quer em relação aos poderes do
juiz quer em relação aos pressupostos processuais e regras diferentes em matéria de
marcha do procedimento. Há aqui uma falsa uniformidade porque por traz desta falsa
uniformidade temos uma verdadeira diferenciação de ações. Mas temos um conjunto de
regras que procede a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Não se
pode dizer que a cada direito corresponde uma ação, mas pode-se dizer que a cada direito
corresponde um meio adequado, uma via adequada. Não é um meio processual, há apenas
um meio factual, pelo menos aparentemente, mas a cada direito corresponde uma via
processual que é adequada para a tutela do direito. Temos uma aproximação do processo
administrativo ao processo civil, e por isso temos aqui uma mudança de paradigma em
relação à realidade do passado. Mas nestas normas iniciais, para além destas questões
relativas aos meios processuais, há também um conjunto de regras que são importantes e

76
que têm que ver com os elementos do processo. Fala-se em elementos do processo para
distinguir:

• 1)  Sujeitos processuais (cada processo tem sujeitos que são determinados de acordo
com as regras do processo);

• 2)  Objeto do processo, que tem que ver com aquilo que é julgado, que é trazido a
juízo. Este objeto do processo divide-se em duas realidades:a) Pedido – aquilo que
o particular vai solicitar, aquilo que ele vai levar a tribunal, vai solicitar que o
tribunal faça, que adopte aquele comportamento (uma declaração, uma anulação).
Mas no pedido cabe ainda um direito que o particular vai tutelar através daquele
meio processual. Podemos distinguir o processo entre:

• i)  Imediato – o particular vai diretamente solicitar o pedido

• ii)  Mediato – direito que essa solicitação visa realizar

b) Causa do pedido – factos, situações da vida que geraram uma lesão do direito do
particular e que o leva a tribunal com aquele pedido, há uma realidade assente na causa
do pedido que explica o que se passou e que viola a lei e que põe em causa o direito do
particular. É isso que o particular vai alegar no quadro do processo administrativo.

Estas três características (os sujeitos, o pedido e a causa do pedido) existem em


qualquer processo. Existe uma lógica que tem que ver com a participação desses sujeitos.
Temos um contencioso de partes, a realidade habitual do processo, mas que não era
habitual no processo administrativo, e depois temos as questões do pedido e da causa do
pedido que determinam o objecto. O código no quadro destas transformações mudou
radicalmente aquilo que se passava no quadro do contencioso administrativo. Estas
transformações vão dar origem a um conjunto de regras que o legislador enuncia e que
correspondem a esta nova realidade processual.

A grande mudança, a propósito dos sujeitos, é que agora temos um contencioso de


partes e o legislador não satisfeito com a afirmação do processo de partes do processo
civil, o legislador querendo reagir contra uma história negra do contencioso
administrativo, o legislador no art 6o estabelece o princípio da igualdade das partes. O
legislador quis mostrar esta evolução e o que havia de novo no quadro deste processo.
Inicialmente não havia partes no contencioso administrativo, e a lógica no contencioso

77
clássico era que nem os particulares nem a administração eram partes, não tinham uma
posição processual idêntica e daí não eram partes em sentido substantivo porque deste
ponto de vista havia uma relação de poder e não havia uma relação jurídica. Esta
realidade vem até 2004 em Portugal, é uma realidade de um trauma que se projeta até ao
fim. No processo administrativo havia a petição inicial e havia uma resposta por parte da
administração, ela não contestava, a prática ia dar ao mesmo, mas havia um regime
jurídico que não considerava a administração verdadeiramente como uma parte. Ainda
hoje, mesmo com este princípio da igualdade das partes, não

há duvida que o primeiro momento é o da petição inicial seguido da contestação, o que é


facto é que ainda hoje não se tiraram todas as consequências da contestação, já se
estabeleceu um conjunto de regras que tem que ver com a lógica da igualdade de partes,
mas ainda há algumas consequências que são precisas tirar. O legislador, nestas regras
quis mostrar que as coisas mudaram. No artigo 6o e no artigo 8o (pp cooperação e boa fé
processual), o legislador vai, para além de afirmar estes princípios vai lembrar a
discussão que tinha havido nos anos 80 que tinha levado a consagração deste processo de
partes. Aquilo que se diz no artigo 6o e no artigo 8 e no artigo 9o corresponde à discussão
que o professor teve para que houvesse um verdadeiro processo de partes.

É preciso que num processo português as partes possam ser condenadas quando
não se colabore com o juiz ou quando há litigância de má fé. Mas os tribunais defendiam
que a litigância de má fé só existia no processo civil, porque ainda não era considerado
um processo de partes.

Art 8o -principio da cooperação – esta cooperação das partes da administração e


dos particulares com o juiz era algo de essencial num processo. Uma das coisas que o
professor dizia está relacionado com o no3 deste artigo. Dizia-se que faz parte desta boa-
fé processual o dever de reter ao tribunal em tempo oportuno o processo administrativo e
os meios respeitantes a matéria do litígio bem como o dever de dar conhecimento e tudo
o que se passou no quadro do procedimento. Na altura dizia-se que a administração não
era parte, mas era uma autoridade recorrida, e por não ser considerada parte, dizia-se que
não há o ónus de contestação no processo administrativo (porque a resposta não era
contestação). O professor Marcelo Caetano defendia que a administração não tinha de
contesta, mas tinha sim de remeter ao juiz do procedimento administrativo, ela tem o
poder de intervir, mas não é sancionada o facto de não intervir no procedimento. Falar em

78
contestação implica que as partes introduzem no processo o pedido e a causa de pedido,
numa lógica que é uma lógica acusatória, portanto se a administração não contesta aquilo
que foi alegado pelo particular, isto significa que aquilo que o particular alegou pode vir a
ser dado como provado, porque não foi contestado pela outra parte. A ideia da
contestação implicava um ónus de impugnação, porque se a administração não
contestasse, isso implicaria que o que o particular tinha alegado e não tinha sido
contestado era considerado como provado. O que está em causa no processo
administrativo é uma realidade que corresponde à intervenção em juízo de uma pessoa
colectiva. E, portanto, ainda há o ónus da impugnação (o facto de a administração não ter
contestado tem efeito negativo, mesmo que este efeito negativo não signifique sempre a
prova integra do acto praticado).

O envio do procedimento não tem que ver com o sucedâneo da contestação. A


contestação existe sempre, o ónus de contestar existe sempre e se a administração não
contesta corre o risco da livre convicção do juiz, que vai dar como provados ou não os
factos alegados.

Não e obrigatório, não e um efeito necessário, mas é um efeito normal que resulta
da livre convicção do juiz – isto é o ónus de impugnação. Este envio do procedimento por
parte da administração substituía a contestação. O que está em causa é a condenação das
partes com o tribunal, não é o sucedâneo da impugnação.

O legislador tentou incluir neste artigo 8o aquelas realidades que antes de 2004
eram vistas como um sucedâneo da contestação. E como há contestação e que tem aquele
efeito negativo de natureza probatória.

Em 2015, o legislador resolveu acrescentar o artigo 7o-A (dever de gestão


processual) que vai atribuir poderes ao juiz, que vai poder gerir processualmente aquela
realidade. Há a ideia de que o juiz é o dono do processo. O juiz vai determinando aquilo
que as partes devem fazer de acordo com as regras do contraditório.

As regras do artigo 9o são regras que estabelecem a legitimidade dos particulares,


o acesso ao juízo, e destinam se a chamar a juízo os titulares da relação contratual
controvertida.

Em relação ao artigo 9o, o legislador agora constrói um processo de partes em que

79
são as posições substantivas das partes que determinam a ida a processo. Antigamente
negava-se ao particular a titularidade de direitos e interesses e, portanto, a legitimidade
assumia o único critério de determinação do acesso ao juízo. Na lógica do professor
Marcelo Caetano não eram os direitos que estavam a ser discutidos, o particular não ia a
tribunal para ver discutidos os seus direitos, o particular ia a tribunal para provocar o
tribunal a discutir a legalidade objectiva, a função do particular era uma função auxiliar,
que servia apenas para forçar o juiz a actuar, porque ele não introduzia os seus direitos no
processo porque ele não tinha direitos. O único direito que ele tinha era apenas o direito a
legalidade. A posição do particular era quase nula, era um processo cadáver. O juiz não ia
discutir os seus direitos, mas apenas a legalidade em termos objetivos. O particular não
via os seus direitos discutidos e não era objecto do processo nem destinatário da sentença,
porque na realidade não havia direitos. O acto estava a ser apreciado independentemente
da pessoa que o praticou, da situação concreta, da realidade da altura. O particular
suscitava o processo e não tinha mais nada a ver com o processo e a administração via o
acto que ela tinha praticado a ser julgado, mas não era ela a ser julgada, e, portanto, não
havia nenhuma condenação.

A legitimidade é um mecanismo processual que serve para chamar a juízo o titular


da relação material controvertida. A legitimidade é uma forma de “casar” o processo com
a realidade substantiva e de chamar a processo os titulares da relação material
substantiva. Como antes não havia sujeitos, o prof Marcelo Caetano, estabelecia um
critério de legitimidade que substituía o critério da relação jurídica material. Aquilo que
vai começar a acontecer é que os juízes do concelho de Estado, é que é preciso criar um
interesse, o particular tem de ter um interesse de facto. O primeiro critério limitativo da
legitimidade é o critério do interesse de facto, em que o particular ganhava alguma coisa
por ir a tribunal. Isto não era uma posição jurídica, não era um direito, era apenas um
interesse de facto, mas, entretanto, com os temos, este interesse de facto substancializou-
se e transformou-se no interesse de direito. É aí que nasce a teorização de um interesse
directo, pessoal e legítimo. A legitimidade é determinada por interesse direto, pessoal e
legítimo. Esta ideia de interesse direto, pessoal e legítimo significa que se continuava a
negar a titularidade de posições jurídicas substantivas e por isso definia-se a legitimidade
de acordo com regras que era um sucedâneo do direito subjectivo. Directo que é algo que
decorre daquele comportamento, pessoal porque é só daquele particular e legitimo porque
corresponde a uma situação tutelada pela ordem jurídica. É a legitimidade que determina

80
em exclusivo o acesso ao juízo porque o particular não possui direito e por isso é a
legitimidade que permite que o particular possa ir a tribunal.

Agora, no artigo 9o, o legislador. A legitimidade serve para chamar os titulares


das posições substantivas na relação material controvertida. O critério vai agora chamar a
juízo os titulares da relação material controvertida. O particular possui direitos e a
administração tem poderes e normas, a legitimidade serve para fazer a ponte entre aquilo
que está a ser discutido em juízo e aquilo que é a realidade material. É um critério que
corresponde agora a esta nova lógica processual.

A reforma vem transformar o processo objetivo, num processo de partes,


subjetivo, em que os direitos dos particulares determinam o acesso ao juízo, a lesão
desses dtos, através das regras da legitimidade, o objeto do processo é a lesão desses dtos
e o resultado da dessa sentença é o reconhecimento ou avocação desses direitos no
quadro de uma relação jurídica substantiva, uma lógica subjetiva do contencioso
administrativo. O que está em causa num processo administrativo são sempre direitos
subjetivos, mas se há uma realidade em que o particular é titular de um direito, estes
direitos do particular correspondem poderes da administração. Garantir um contencioso
que tutele os direitos dos particulares, significa que este contencioso garante também a
legalidade porque a lesão do direito do particular resulta da actuação ilegal da
administração. Se a tutela subjetiva é a essência do contencioso, é a que da origem ao
direito fundamental do artigo 268o/5, isso não significa que o contencioso não possa
também garantir diretamente alguma tutela objetiva, e esta tutela objectiva passa pela
intervenção do Ministério Público.

Para além da intervenção do ministério público existe ainda a Ação popular


corresponde a meia dúzia de casos porque não é por esta via que são julgadas as questões
do contencioso administrativo. Mas os casos da ação popular são esporádicos que
acontecem em situações especiais e dos quis não resulta a tutela do contencioso
administrativo. O que não significa que a admitir-se como complemento da acção jurídica
subjetiva, uma ação pública e uma acção popular ela tem de ser limitada. O autor popular,
que actua para defesa da legalidade do interesse público, só actua nos casos em que não
tem interesse directo na demanda. Quer o ministério público quer o autor popular não
podem ter interesse directo na demanda.

81
A forma do no2 do artigo 9o introduz um elemento objetivo que ajuda a
relativizar as questões. Limita a intervenção do autor público. Aquele que actua em
defesa do interesse próprio vai atuar para tutela desse direto, o autor público e popular
actuam para defesa da legalidade do interesse público, estes são partes em sentido
processual, mas não substantivo.

A questão teórica, como se qualificam a posição dos particulares em face da


administração. Há três posições defendidas:

. 1)  Direitos subjetivos, interesses legítimos e interesses difusos–construção inicial do


professor Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa – procuram distinguir
entre direito de 1aa, 2a e 3a.

. 2)  Professor Rui Medeiros – falam do direito reactivo, direito de reagir, processual e o


direito substantivo é o direito processual de ir a juízo.

. 3)  Prof Vasco Pereira da Silva – entende que todas estas figuras correspondem a uma
tutela da posição dos particulares e que esta tutela corresponde um direito
subjetivo, podem ter conteúdos diferentes, mas que corresponde sempre a direitos
subjetivos. A doutrina fala de interesses legítimos – o particular é indirectamente
protegido com a norma que regula administração, mas ele é protegido também
diretamente. Estes interesses que se chamam de legítimos são sim direitos
subjetivos conferidos através de normas de poder. Por outro lado, a lei pode
atribuir um direito atribuindo a um cidadão uma possibilidade de utilização de um
bem que pode ser usufruído por ele e que pode ser usufruído por outro, mas não
deixa de ser uma realidade que ele não controla. Estamos perante um direito de
fruir um bem que é coletivo.

Raquel Ribeiro

12 de Outubro de 2017 14:00-15:15

82
Elementos do Processo

O processo de partes que assente numa posição de igualdade, que agora aparece
consagrado como modelo do nosso novo CPTA, era algo radicalmente novo e diferente.

A lógica objectivista assentava no pressuposto de que o particular não possuía


direitos em face da Administração Pública e, portanto, o particular iria a tribunal para
colaborar com o juiz e para colaborar com a Administração, dando início ao
procedimento. Contudo, o particular não possuía nenhuma posição subjectivista de
vantagem, sendo um simples interessado que auxiliava o juiz a descobrir qual a melhor
solução para o caso em concreto.

No quadro da teorização de Marice Hauriou, este mencionava que a posição do


particular era a similar à posição do MP no processo, que dava início ao processo, mas
que para além disso tinha uma função limitada, pois não era a sua posição jurídica que
estava a ser analisada e, o objecto da sentença não que ver com os seus direitos, mas
apenas com a questão da legalidade.

A haver algum benefício para o particular este seria indirecto, resultando assim da
decisão de anulação da actuação da Administração Pública, por parte do tribunal.

Em relação à Administração, conclui-se que não estava a ser julgada, não estava
em juízo. O tribunal não podia nem a condenar, nem tão-pouco dar-lhe ordens, limitava-
se apenas a olhar para o acto administrativo – como sendo uma realidade desprovida de
autor –, a compará-lo face a lei e havendo lugar a tal, anulava o mesmo sem que tal
implicasse algum efeito directo na esfera da Administração.

Assim, a Administração não era uma parte, estando lado a lado com o juiz. De
acordo com o Prof. Marcello Caetano, a Administração e o Tribunal trabalham lado a
lado para a correcta interpretação da lei. Ambos prosseguem o mesmo fim e, por isso
mesmo, não se pode considerar que a Administração seja uma parte.

Isso leva a que em Portugal, no âmbito da Reforma de 85, que já introduziu


alguns aspectos de parte, tal como a ideia da possibilidade de intervenção em termos

83
iguais no processo para o particular e para a Administração, ainda assim, em 85 vai
denominar-se a Administração como autoridade recorrida. O que está em causa é o
recurso de um acto administrativo, para que o tribunal verificasse se havia ou não
ilegalidade e, no caso de existir, este anularia naquela sentença.

Portanto, no quadro desta lógica objectivista, nem o particular nem a


Administração eram partes do processo administrativo. Assim, não existia uma
intervenção igualitária no processo, e significava também que não eram partes em sentido
substantivo, pois aquilo que estava a ser discutido não estava relacionado com as
respectivas posições.

A norma que nos aparece agora enunciada no art.6º do CPTA, é uma norma
emblemática que muda radicalmente a natureza do contencioso administrativo. O que
está em causa é a discussão dos poderes e deveres relativos à Administração Pública e ao
particular, analisando se houve uma lesão pelo mau exercício dos poderes e, se houve
uma lesão ou não para o particular, sendo que este passa a ser uma parte quer em sentido
substantivo – uma vez que é parte no âmbito da relação jurídica administrativa – quer
sentido processual – pois tem igualdade de armas relativamente à Administração Pública.

O art.9º do CPTA – que diz respeito à legitimidade activa – comporta uma regra
que vai transformar a lógica do processo administrativo, por que agora, depois da
Reforma, o processo administrativo passa a ser como o processo civil, ou como os
restantes processos. A relação jurídica processual destina-se a permitir que os sujeitos da
relação jurídica substantiva intervenham na via contenciosa. Assim, o critério da
legitimidade, é um critério determinado em razão do chamamento dos sujeitos da relação
jurídica à lide.

Os artigos 9º/1 e 10º/1 do CPTA vêm dizer que são partes legítimas do processo,
aqueles que aleguem ser partes na relação material controvertida. Assim, é o titular do
direito que intervém no âmbito da realidade processual e, é parte dotada de legitimidade
passiva, as pessoas que sejam titulares de interesses contrapostos ao do autor.

Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, estas duas normas bastariam para qualificar a
legitimidade activa e passiva. No entanto, em Portugal, o legislador entendeu que ao lado

84
da acção para defesa de direitos – que corresponde ao nº1 do art.9º e ao nº1 do art.10º do
CPTA, que os particulares e as autoridades administrativas que estão em juízo para
defender uma posição subjectiva, um direito subjectivo ou um poder – deveria existir
uma legitimidade auferida em termos objectivos, em que esteja em causa a defesa da
legalidade e do interesse público, havendo assim uma acção pública e uma acção popular.

1. Acção pública - corresponde à possibilidade de o MP poder apresentar um pedido


contra uma autoridade administrativa, sendo esta uma actuação complementar do
particular, não fazendo do MP o autor normal;
2. Acção popular – o legislador limitou igualmente os poderes de actuação do autor
popular. O autor popular não pode ter interesse directo na demanda.

Retira-se daqui uma consequência de natureza processual, tendo esta a ver com o
objecto do processo, consoante está em causa uma acção para defesa de direitos ou uma
acção pública ou popular.

1. Acção para defesa de direitos – são esses direitos que são tutelados directamente
e, que constituem o objecto do processo. O que está em juízo é o direito lesado
por uma actuação administrativa;
2. Acção pública ou popular – os autores públicos ou populares não têm interesse na
demanda, actuam para defesa da legalidade e do interesse público e, portanto, não
são os seus direitos que estão a ser apreciados pelo tribunal. Assim sendo, o
objecto do processo nestes casos é a ilegalidade que se verifica. Trata-se assim de
um momento objectivo num contencioso que é predominantemente subjectivo.

Assim, enquanto que o particular e a Administração são sujeitos substantivos e


processuais, o MP e o autor popular são apenas sujeitos processuais, porque do ponto de
vista do processo eles alegam apenas a ilegalidade, não alegam nenhum direito que tenha
sido violado.

Temos hoje três posições

85
1. Direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos – criam como que
direitos de primeira, segunda e terceira categoria. Os direitos subjectivos teriam
uma tutela directa por parte da norma jurídica, enquanto que os interesses
legítimos têm uma tutela apenas indirecta, porque o que a lei regulava era o
modo de exercício do Direito Administrativo (p.e., uma norma que estabelece
um poder para a Administração, ou que estabelece um dever à Administração)
e, os interesses difusos correspondiam a situações em que determinados bens
públicos podiam ser fruídos individualmente pelos particulares (p.e., questões
relativas a direitos sobre bens que são públicos, como o ambiente, o consumo, o
urbanismo). Esta posição foi maioritária durante muito tempo, mas hoje em dia
ocupa uma posição bastante diminuta na doutrina. Os seus defensores são ainda
hoje, o Prof. Freitas do Amaral, Prof. André Salgado Matos e Marcelo Rebelo
de Sousa, entre outros;
2. Direito reactivo – tese defendida pelo Prof. Rui Medeiros e Prof. Mário Aroso
de Almeida. Esta ideia do Direito Reactivo, introduz uma noção unificada das
posições dos particulares e coloca a tónica no direito que se leva a juízo, na
possibilidade de reagir jurisdicionalmente contra uma lesão dos particulares. Só
que, na verdade, este direito de reagir é um direito subjectivo, mas que é
complementar de um direito de natureza substantiva, ou seja, o particular tem
direito a agir em juízo, porque o seu direito substantivo é o direito a ser ouvido,
o direito a uma prestação, etc. que lhe foi negado. Por outro lado, esta
construção do direito reactivo confunde a relação jurídica substantiva com a
relação jurídica processual, na medida em que considera que só há uma lesão na
relação jurídica substantiva quando o titular leva a relação a juízo, e a relação
processual é posterior à lesão da relação substantiva;
3. Teoria da norma de protecção – teoria defendida pelo Prof. Vasco Pereira da
Silva e Prof. José Vieira de Andrade. O que está em causa em todas estas
situações é uma protecção do particular que, do ponto de vista teórico
corresponde a um direito, direito esse que pode ter conteúdos muito diferentes
e, que podem dar origem a posições jurídicas diferenciadas. Isto prende-se com
o facto de legislador regulador deveres da Administração Pública e, quando tal
acontece, temos de ter em conta que quando se regula um dever regula-se
igualmente um direito. Qualquer posição jurídica subjectiva nos dias de hoje,
interpretada à luz da CRP, seja interpretada à luz de um direito subjectivo,

86
sendo este protegido da mesma maneira independentemente do seu conteúdo,
havendo um regime jurídico unificado para todos os direitos subjectivos, não
havendo um regime jurídico específico para os direitos subjectivos, outro para
os interesses legítimos e outro para os interesses difusos.

No que diz respeito ao nº2 do art.10º da CRP e aos restantes artigos, o Prof. Vasco
Pereira da Silva considera que o legislador não salvaguardou devidamente aquilo que são
as especificidades do Direito Público, nomeadamente do Direito Administrativo. O
legislador, em relação à legitimidade passiva, vem dizer que a parte demandada é a
pessoa colectiva de Direito Público. Esta referência à pessoa colectiva surge aqui por
mimetismo com aquilo que se passa no Processo Civil. O legislador quis então marcar a
lógica subjectivista, mostrando também aqui que, no processo administrativo se seguem
regras idênticas às do processo civil. Só que, infelizmente aqui, esta utilização do
processo civil não faz sentido, precisamente devido às especificidades do Direito
Administrativo.

No Direito Administrativo, diferentemente do que se passa no processo civil,


existe um princípio da legalidade que tanto vale para as relações da Administração com
os particulares como para as suas relações administrativas, na medida em que o princípio
da legalidade determina a competência dos órgãos. Portanto, tudo o que se passa no seio
da Administração é público e como tal, susceptível de originar litígios jurídicos. Para não
mencionar que, quem normalmente actua em nome das entidades públicas são os órgãos
e, são estes respondem aos particulares e que, devem por causa disso, serem eles os
demandados no quadro do contencioso administrativo.

O legislador afirma, para além do acima exposto, que é indiferente demandar o


Estado, a pessoa colectiva pública, ou demandar o órgão no art.10º/4 do CPTA. Diz
igualmente que, para além de não fazer diferença, quando se demanda o órgão se está a
demandar a pessoa colectiva. No que toca aos requisitos apresentados mais adiante,
regulando a marcha do processo nos artigos 78º e seguintes do CPTA, o legislador
menciona também que, o autor pode decidir demandar quer o órgão quer a pessoa
colectiva.

87
A jurisprudência vai no sentido de: apesar de a lei falar em pessoa colectiva
pública, entende-se que em geral quem está em juízo é órgão. As únicas excepções a esta
realidade têm a ver com as acções de responsabilidade civil, onde está em causa uma
realidade patrimonial e, como os direitos de natureza patrimonial correspondem a um
direito de indemnização, quem tem a titularidade dos bens é a pessoa colectiva e não o
órgão.

Mafalda Baudouin

12 de Outubro de 2017 15:30-16:45

Continuação da análise do estatuto dos tribunais administrativos e fiscais, iniciada


pelo professor nas aulas da semana anterior. Análise por intermédio de 2 grupos, primeiro
grupo analisou o âmbito jurisdição do estatuto, o segundo grupo analisou a organização e
funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais.

Primeiro grupo, analisou o âmbito de jurisdição negativa do estatuto, ou seja, nº3 e


nº4 do art.4º do estatuto, uma vez que o âmbito de jurisdição positiva já foi analisado pelo
professor em aulas passadas. Grupo começa por dizer que no nº3, o legislador está a
enunciar situações que estão, desde logo excluídas, por razões de segurança jurídica,
estando, nomeadamente, excluídas do âmbito de jurisdição administrativa e fiscal a
apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de(nº3):

a) Atos praticados no exercício da função politica e legislativa;


b) Decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição
administrativa e fiscal;
c) Atos relativos ao inquérito e instrução criminais, ao exercício da ação penal e à
execução das respectivas decisões;

O grupo referiu que este nº3 do art.4º do estatuto, ao utilizar a expressão


“nomeadamente”, não se trata de uma enunciação taxativa, mas sim exemplificativa.
Professor pergunta se nomeação de um embaixador ou de um secretário de estado da
presidência de conselho, sendo actos de natureza politica, estão excluídas do âmbito de

88
jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. Professor refere que é uma questão
controversa, dizendo que, não sendo actos da função administrativa, mas sim da função
politica, é necessário saber qual o critério e qual o modo de interpretação de um acto
politico, porque se se entender que acto politico é aquele que tem motivações politicas
isso significa que o contencioso administrativo não interfere em nenhuma nomeação, mas
se entendermos que a nomeação de um embaixador é um acto politico, mas também
administrativo, não se exclui do âmbito de jurisdição do contencioso admnistrativo. A
questão é se este acto (nomeação), determinado por motivos políticos, é acto
administrativo ou não? E enquanto acto administrativo pode ou não ser eliminado?
Resposta da visão limitativa do contencioso diz-nos que a nomeação é um acto politico,
mas por outro lado e na opinião do professor Vasco Pereira da Silva, este acto de escolha
ou nomeação corresponde a um acto da função administrativa. Outro exemplo dado pelo
professor, é o acto de nacionalização de uma empresa ou de privatização de uma
empresa, embora possa ter motivações politicas é um acto da função administrativa. Os
actos políticos, que estão fora do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos e
fiscais, são por exemplo a marcação de eleições, a declaração de guerra, votação do
orçamento de estado, ou a promulgação de leis. Estes actos não são da competência dos
tribunais administrativos e fiscais.

Em relação à al. b) do nº3 do art.4º, que exclui as decisões jurisdicionais


proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal, refere-se que
havendo uma jurisdição especial cabe ao contencioso administrativo o julgamento dos
actos jurisdicionais praticados no âmbito da jurisdição administrativa, não cabendo
apreciação de situações similares, no quadro de outras jurisdições, seja a jurisdição dos
tribunais judiciais, do tribunal de contas ou outras.

Embora tenha existido uma tese que defendia que decisões do tribunal de contas
podiam ser apreciadas por tribunais administrativos, esta posição não faz sentido na ótica
do professor. A CRP refere que existe as jurisdições dos tribunais administrativos,
jurisdição do tribunal de contas e jurisdição dos tribunais judiciais, aquilo que respeita ao
actos jurisdicionais de cada uma dessas jurisdições é analisado na respectiva jurisdição,
professor dá o exemplo da acusação criminal ao antigo primeiro ministro José Sócrates,
dizendo que essa acusação passa se nos tribunais judiciais e não na jurisdição
administrativa, porque o domínio da acção penal cabe em exclusivo aos tribunais

89
judiciais, podendo esta acusação suscitar duvidas pelo facto de ser o ministério publico a
conduzir a acusação, e este ser um órgão da administração, que acusa em resultado da
investigação administrativa que realizou. O acto do MP, órgão da administração, é
apreciado no quadro da jurisdição em que se insere, portanto, o exercício da ação penal é
da competência dos tribunais judiciais.

Professor refere que esta delimitação é muito curiosa porque, por um lado, não
afasta que os tribunais administrativos controlem actos das outras funções, actos com
uma grande componente politica, mas que tem também uma componente administrativa,
como as referidas nomeações, são actos administrativos e controlados por tribunais
administrativos de acordo com uma interpretação restritiva. Por outro lado, há actos
jurisdicionais que tem haver com jurisdição administrativa, que são apreciados pela
jurisdição administrativa, não são apenas actos administrativos, também são
jurisdicionais, como as coisas relativas à execução das sentenças ou aos recursos
jurisdicionais, são da competência da justiça administrativa, enquanto que os outros são
da competência de cada uma das jurisdições. Em relação à ação penal está em causa o
momento administrativo do processo penal, que tem uma fase administrativa que é a fase
da instrução(investigação), que pertence à função administrativa, o que se passa no seio
da investigação é matéria administrativa, o acto jurisdicional que determina a acusação é
o inicio de um processo jurisdicional dos tribunais judiciais.

1ºgrupo refere ainda que no art.4º/4 exclui-se igualmente do âmbito de jurisdição


administrativa e fiscal:

a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por


tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das
correspondentes ações de regresso;
b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das
partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com excepção dos litígios
emergentes do vinculo de emprego público;
c) A Apreciação de actos materialmente administrativos praticados pelo Conselho
Superior da Magistratura e seu Presidente;
d) A fiscalização de actos materialmente administrativos praticados pelo Presidente
do Supremos Tribunal de Justiça;

90
A alínea a) significa que atribui-se à jurisdição administrativa as ações de
responsabilidade civil, sobre todos os poderes do estado, mas para manter a lógica da
unidade de cada um dos sistemas jurisdicionais, veio se dizer que a questão de saber se há
ou não erro judiciário, que é o que dá origem ao pedido de responsabilidade civil, não é
apreciado pelos tribunais administrativos, apreciando depois o problema da
responsabilidade, havendo erro judiciário são os tribunais administrativos a verificar qual
a lesão, se há ou não responsabilidade, mas determinar a causa da responsabilidade
corresponde a um acto de outra jurisdição, não sendo da competência dos tribunais
administrativos. Se isto acontecesse seria uma interferência da jurisdição administrativa
noutras jurisdições. As correspondentes ações de regresso também não são apreciadas
pela jurisdição administrativa, ações em que o estado pede o reembolso da indemnização
paga ao titular, devido a um dano causado por um funcionário com dolo ou culpa.

A alínea b) retrata uma matéria administrativa que foi afastada do contencioso


administrativo, porque aquilo que diz respeito ao exercício da função administrativa
agora é feito por particulares que já não têm vinculo resultante de contrato publico com a
administração, a mudança deste regime, implica que todos os anteriores funcionários
públicos passassem a ter um contrato de trabalho no quadro de funções publicas.
Contudo, continua a haver o vinculo de direito publico que existe em tarefas que
correspondem ao exercício de poderes de autoridade. São exemplo disso a policia, as
forças armadas, autoridade tributária e alfandega. Há, no quadro da antiga função publica,
algumas situações que mantem o vinculo anterior, vinculo de direito publico, enquanto
que a generalidade dos trabalhadores passou a ter um estatuto intermedio, entre o contrato
de trabalho e contrato administrativo. O que explica este novo regime, foi em grande
medida, a grande quantidade de litígios no âmbito do emprego publico. O que se fez foi
introduzir uma lógica mais privada e simultaneamente remeter para os tribunais judiciais
essas matérias. Realidade que podia ter sido logo resolvido com criação de tribunal
administrativo especializado em litígios de emprego publico.

A alínea c) e d) consagram a exclusão da apreciação dos actos do conselho superior


de magistratura e da fiscalização dos actos praticados pelo Presidente do STJ, contudo
são órgão de estado que deveriam estar sujeitos à jurisdição administrativa e fiscal, mas

91
não estão sujeitos à justiça administrativa, para preservar a delimitação das jurisdições e
preservar a autonomia de cada uma delas.

A razão pela qual estas exclusões da jurisdição estarem divididas no nº3 e no nº4 do
art.4º do estatuto, e não estarem todas no mesmo nº é porque as exclusões se distinguem,
enquanto que o nº3 estabelece exceções autónomas, situações que à partida não caberiam
no contencioso administrativo, o nº4 são situações que, em principio, caberiam no
contencioso administrativo, mas por varias razões não cabem sendo, portanto, exceções.

O segundo grupo analisou a organização e funcionamento dos tribunais


administrativos e fiscais, art. 8º ate ao art. 50º. Referindo que a jurisdição administrativa
se divide em:

a) Supremo Tribunal Administrativo;


b) Tribunais centrais administrativos;
c) Tribunais administrativos de circulo e os tribunais tributários;

Grupo começa por falar sobre o STA, regulado nos arts.11 a 30, dizendo que é o órgão
máximo da hierarquia jurisdicional administrativa e fiscal, tem 2 secções, alem do plenário,
secção do contencioso administrativo e secção do contencioso tributário, art.24ºregula a
competência da secção de contencioso administrativo, podendo funcionar em 1ªinstância e
em sede de recurso. Professor refere que advogados do antigo Primeiro-Ministro, disseram
em declarações, que a acusação feita, foi de que os actos que conduziram ao crime foram
praticados enquanto era primeiro-ministro ainda, e que por isso deveria ser julgado no STA
e não num tribunal administrativo de circulo, não fazendo sentido esta declaração, pois, não
devem existem privilégios de foro, sendo indiferente se o réu é primeiro ministro ou
trabalhador privado, deve ser julgado no tribunal de 1º instância. Alem disto, advogados
fizeram um pedido de impedimento do juiz de instrução, com objetivo de ganhar tempo, mas
estando por trás a ideia errada de que o PM deve ter os seus actos julgados pelo Supremo,
consequência dos traumas da infância difícil do contencioso administrativo. Segundo grupo
refere ainda que, o art.24º da competência do STA, dá-nos primeiro a exceção e depois a
regra, quando deveria ser o contrario e que este STA tem uma dupla personalidade pois é de
1ª e 2ª instância.

92
Professor questiona quantos tribunais tem o STA, grupo responde que tem 3, o
supremo de contencioso administrativo, supremo tributário e o supremo de plenário,
tendo como consequência prática a contrariedade de decisões, e ainda a consequência de
ter que haver mais pessoas no tribunal, mais cargos, tendo o STA mais lugares a concurso
que o STJ, é uma distorções da realidade do contencioso administrativo, pois os juízes no
final da carreira nos tribunais judiciais, quer se reformar como juiz conselheiro, não tendo
lugar no STJ, concorre ao STA, acabando a carreira a julgar matérias que nunca julgou,
isto gera disfunções.

Em relação aos tribunais centrais administrativos, estão presentes desde o art.31º


ao 38º, dizendo que os tribunais centrais administrativos são dois, um a norte outro a sul,
Porto e Lisboa respectivamente, ambos conhecem matéria de direito e de facto. Estes, à
semelhança do STA, dividem se em 2 secções, contencioso administrativo e tributário.
Professor refere que também aqui há uma esquizofrenia, pois ao decidirem matéria de
facto e de direito, são simultaneamente tribunais de 1ª e 2ª instância.

Por último, sobre os tribunais administrativos de circulo e tribunais tributários,


presente nos arts.39º a 50º do estatuto. Têm um nome diferente e não a divisão em
secções devido ao facto de a uniformização ainda não ser total, na versão originária esta
divisão também acontecia na 2ª instância, não fazendo sentido. Estes tribunais tem a
particularidade de se poderem agregar, ficando um tribunal que julga litígios
administrativos e fiscais (art.9º).

Paulo Ramalho

(Michael-Sean Boniface)

17 de Outubro de 2017 15:30-16:45

O objeto do processo, em especial o pedido

A questão do objeto do processo é questão-chave de qualquer processo. Nos


manuais de processo civil ou de teoria geral do processo encontramos construções
jurídicas para a figura do objeto do processo, ou seja, aquilo que vai ser discutido,

93
aquilo que é levado a juízo pelos particulares e que vai dar origem a uma sentença
sobre determinada matéria. Aquilo que se pretende com essas construções jurídicas é
encontrar a melhor forma de fazer chamar a juízo a relação material controvertida e
identifica-la da forma mais correta. Esta nunca foi uma questão decisiva no
Contencioso Administrativo, dadas as suas particularidades, isto é, não havia uma
discussão alargada e desenvolvida sobre o objeto do processo; discutiam-se as
questões do pedido e a causa do pedido, mas não o objeto.

O objeto do processo divide-se em duas realidades: o pedido (aquilo que o


particular solicita ao juiz, aquilo que o particular quer que seja resolvido) e a causa
do pedido (a razão que leva o particular a juízo, a lesão que sofreu na sua esfera
jurídica, o direito que alega que foi violado em determinadas condições que
justificam a ida a juízo).

Esta dupla realidade do objeto é o que está em causa nas diferentes teorias
processuais: o que estas fazem é dar um maior ou menor peso a cada um dos
elementos. Umas teorias procuram valorizar mais o pedido (a tendência normal no
processo civil é a de acentuar a dimensão do pedido), outras acentuam mais a causa
de pedir (tradicionalmente, esta tendência verificava-se numa corrente do
Contencioso Administrativo, mas a doutrina dominante objetivista, encarreirada na
lógica do pedido, considerava de maiores dimensões o pedido).

Do ponto de vista da teoria geral, encontramos as correntes substancialistas


(valorizam o pedido) e as correntes processualistas (valorizam a causa do pedido).
Quanto às diferenças em termos teóricos nas posições:

Substancialistas – defendem que aquilo que releva quando se analisa o


processo não são os factos em si mesmos, mas sim os factos enquanto enquadrados
num pedido, qualificados de determinado modo pelo autor do processo e que, depois,
determinam a intervenção do juiz. Assim, nesta conceção valoriza-se não apenas os
factos mas sobretudo o modo como esses são qualificados e apresentados a juízo. De
certa forma, o que é relevante é a qualificação jurídica feita pelos particulares na
medida em que as pretensões é que relevam.

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Processualistas – defendem que o objeto do processo deve corresponder aos
factos trazidos a juízo independentemente das qualificações. O que está em causa é
uma apresentação dos factos no quadro de todas as possíveis e imaginárias
qualificações, o que introduz um alargamento do objeto do processo.

Em Portugal já ocorreram várias discussões no processo civil para saber qual


a conceção mais adequada.

Olhando para a realidade do Contencioso Administrativo, em que esta


discussão nunca foi muito importante, há uma realidade dicotómica no modo como se
concebe o objeto do processo. À semelhança das construções substancialistas, fala-se
no pedido do particular e caracteriza-se o processo na lógica desse pedido. Isto
correspondia a uma teoria clássica, em que a preocupação era com o pedido e reduzia
este pedido à anulação dos atos administrativos. Aquilo que estava em causa era um
pedido imediato, que correspondia apenas àquilo que o particular solicitava.
Comparando com o processo civil, significava reduzir de forma abissal a realidade de
qualificação do pedido e a possibilidade de haver vários pedidos; escondia ainda a
questão do objeto mediato, que era o direito alegado pelo particular. Embora de
forma acrítica, a doutrina processualista aproximava-se da conceção substancialista,
embora sem o afirmar completamente. A doutrina processualista aproximava-se de
uma construção substancialista, embora sem o afirma completamente.

Agora, na lógica de que todos os pedidos são possíveis e estes correspondem


à afirmação dos direitos dos particulares, podemos dizer que o legislador também fala
em pretensões (originalidade do legislador português da reforma do legislador
administrativo de 2004 e 2015) (e pretensões são direitos, apesar das várias
construções que a doutrina faz sobre estas pretensões) e também, ao considerar-se
que todos os pedidos são possíveis e cumuláveis, pode dizer-se que ocorre um
alargamento do objeto do processo e introduz-se uma ponderação similar aquela que
existe no processo civil. Se, até à reforma, a lógica do contencioso está restringida ao
ato, agora, depois da reforma, com o surgimento dos direitos dos particulares, do
pedido mediato feito ao juiz e com a possibilidade de serem suscitados e cumuláveis
todos os pedidos, isto introduz uma realidade próxima do processo. A doutrina
sempre valorizou a causa do pedido e, no quadro desta valorização, a doutrina

95
objetivista apresentava uma construção que tinha uma certa dimensão social. Porque
aquilo que se dizia era que a causa de pedir não era entendida em termos abstratos
como ilegalidade sem mais, desprovida de qualquer qualificação, mas o que estava
em causa era a causa de pedir no quadro de uma determinada relação jurídica, e isso
levava a que a doutrina enquadrasse a causa de pedir nos vícios alegados pelos
particulares e que esses vícios eram determinantes para a causa de pedir pelo que o
juiz só tinha de analisar os vícios e não a dimensão da ilegalidade. Isto contradizia os
pressupostos objetivistas. Isto teria o efeito de alargamento do objeto do processo
com consequências ao nível do caso julgado (reverso da teoria do objeto do
processo). Com medo do caso julgado e que os juízes não pudessem analisar todas as
invalidades, cria-se realidade subjetiva de causa de pedir juntando-a os vícios que
tinham sido alegados. Por isso o Professor Vasco Pereira da Silva ironizava aqui, nos
anos 80, dizendo que o legislador português confessava-se objetivista mas não era lá
muito praticante, pois em matéria de causa de pedir tinha uma conceção subjetivista
de entendimento da causa de pedir. Subjetivismo limitado que partia da análise dos
vícios do ato que tinham sido alegados pelo particular mas era em todo o caso uma
contradição com a lógica objetivista que estava em causa.

Depois da reforma temos um legislador (artigos 95ºss) a procurar alargar o


domínio da causa de pedir sem cair na ideia de que o juiz apreciaria a legalidade
independentemente do que fosse alegado pelas partes, mas a admitir flexibilidade no
sentido de que o juiz pudesse apreciar causas de pedir implícitas, pudesse apreciar
circunstâncias, factos, que não tinham sido diretamente alegadas pelo particular. Isto
obriga a que devamos introduzir uma compensação entre a lógica da valorização do
pedido e da causa do pedido. Diferentemente do que se passa no processo civil, há
um peso relativo de ambas as realidades, mais ou menos equivalente, que faz lembrar
a discussão quando Mandrioli dizia, nos anos 60, que o pedido e a causa eram um
reverso da mesma medalha e que deviam ser apreciados em conjunto. Em geral,
também no processo civil e sobretudo no Contencioso Administrativo, é preciso dar
ponderação equivalente ao pedido e à causa do pedido quando se fala do objeto do
processo – deve haver uma dimensão de equilíbrio.

Quanto ao pedido:

96
A lógica clássica e objetivista entendia o pedido como o recurso a um ato, à
anulação de um ato administrativo. A única coisa que preocupava era esta realidade
que tinha que ver com os traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo.
Confundir o objeto do processo com o pedido e reconduzir isso ao pedido imediato.

Hoje, o legislador põe em causa esta realidade, pois o Contencioso


Administrativo é o das relações administrativas e fiscais; há um princípio de tutela
plena e efetiva dos direitos dos particulares e todos os pedidos são suscetíveis de ser
formulados bem como todos são cumuláveis; logo, não faz sentido que o pedido seja
apenas de anulação porque agora, no meio processual da ação administrativa, todos
são admissíveis (simples apreciação, anulação, constitutivos ou condenatórios); ao
mesmo tempo, não faz sentido que a realidade do Contencioso Administrativo seja
limitada apenas aos atos administrativos e à sua hipótese de anulação. No entanto, se
o legislador fez esta alteração significativa, ao mesmo tempo enferma dos traumas da
infância difícil e, quando fala de uma modalidade de ação ou sub-ação caracterizada
pela impugnação de atos administrativos, apresenta uma definição não importante,
pois o legislador não deve definir mas sim regular, que põe em causa esta realidade,
manifestando ainda um trauma (artigo 50º nº1). Aqui se confunde o objeto do
processo com o pedido e o pedido meramente imediato com aquilo que se suscita ao
juiz, havendo uma redução daquilo que é suscetível de ser pedido que contraria a
realidade que o legislador, ele próprio, regula. Esta norma é irrelevante e deve ter-se
por não escrita: o Professor defende que não faz sentido pois, em primeiro lugar, o
objeto do processo é tanto o pedido como a causa, e ainda porque o objeto do
processo não é nunca apenas a anulação dos atos administrativos – já se sabe que o
que resulta das normas dos artigos 2º e 4º é que todos os pedidos são possíveis e
cumuláveis no âmbito dos processos impugnatórios. O legislador quando regulou a
ação de impugnação, quando tentou definir, disse menos do que devia. Legislador
agora, quando determina a impugnabilidade, quando no quadro da determinação do
objeto do processo, o legislador vem qualificar esse objeto, faz a qualificação em
razão da lesão dos direitos dos particulares. O que está em causa é a lesão decorrente
de uma atividade administrativa (critério constitucional e legal). Portanto o legislador
regula bem esse mecanismo alterando as regras tradicionais, mas introduz aqui nesta
definição uma autolimitação que não faz sentido.

97
Vera Manoel

19 de Outubro de 2017 14.00-15.15

Objeto do Processo (continuação)

O objeto do processo define o que pode ser julgado, pelo que é uma questão
central em qualquer domínio processual. O objeto do processo tem consequências no
quadro do caso julgado, porque é sobre aquilo que se decidiu (objeto do processo)
que se forma o caso julgado, há aqui o reverso da medalha, que tem a ver com esta
ligação entre o que se decidiu (ou poderia ter-se decidido) e as consequências
jurídicas que decorrem daquela decisão judicial. É, portanto, uma questão muito
importante, e uma questão que, no Contencioso Administrativo, em termos clássicos,
era pouco discutida. Isto, em primeiro lugar, por causa de uma certa esquizofrenia
naquilo que correspondia à distinção entre o contencioso do Ato e do Regulamento e
o contencioso das ações sobre contratos e Responsabilidade Civil. Só se discutia a
questão do ato e do regulamento, encarando- se os contratos e a Responsabilidade
Civil no âmbito do Processo Civil.

O pedido que era feito ao juiz estava limitado à anulação e confundia-se este
pedido de anulação com o objeto do processo. Em qualquer livro clássico do
Contencioso Administrativo português encontram repetido até à exaustão que a
especificidade do Contencioso Administrativo corresponde a um contencioso sobre o
ato administrativo e que o objeto do processo é a anulação do ato.

O legislador português alterou radicalmente este estado de coisas, no quadro


do modelo constitucional. Como agora sabemos, o contencioso, em primeiro lugar, é
de plena jurisdição e, para além disso destina-se à tutela plena e efetiva dos direitos
dos particulares. Se isto é assim, faz sentido que a questão do pedido seja desde logo
entendida de uma forma diferente, já que os pedidos não se reduzem a pedidos
constitutivos ou de anulação, sendo sim admitidos todos os pedidos (2o e 4o + 37o ss.
CPTA). Em relação a qualquer ação, todos os pedidos são possíveis. Por outro lado,
no Contencioso Administrativo, ao contrário do que se passava no processo civil, não
se falava da existência de direitos, não se integrava os direitos subjetivos dos
particulares no conteúdo do objeto do processo, porque eles, na lógica objetivista,

98
não eram objecto do processo. O particular nem era sujeito de direito nem era objeto
do processo, não era ele que estava a levar os seus direitos ao juiz, para que este os
apreciasse, o que estava em causa era antes o controlo objetivo da legalidade e do
interesse público. Como as coisas se passavam assim, então o objeto do processo era
visto de uma forma desligada dos direitos dos particulares. Ora, aquilo que nos ensina
a Teoria Geral do Processo, e que foi em Portugal teorizado pelo Prof. Manuel de
Andrade é que há um pedido imediato (efeito solicitado pela parte ao tribunal — que
já não é a anulação só, mas sim a anulação + a condenação + a declaração; enfim, o
que o particular entender que deve levar a juízo. Precisamente por isso, o objeto do
processo são os direitos dos particulares que foram lesados naquela relação jurídica
administrativa levada a juízo.

Isto significa transformar a noção global do Contencioso Administrativo, mas


significa também alterar o pedido para alargar o âmbito de pedidos possíveis e
considerar que esses efeitos correspondam a um ou mais direitos que são levados a
juízo pelo particular . De resto, a lógica como está concebido o Contencioso, na
perspectiva constitucional e do CPTA aponta nesse sentido. O que está em causa é
trazer a juízo a relação material controvertida. O objeto do processo, diz-se no 212o/3
CRP, é as relações jurídicas administrativas, as posições relativas das partes na
relação substantiva , e é isso que o legislador também diz nos artigos 2o, 4o, 37o
CPTA.

Esta é uma modificação radical quanto ao objeto do processo, que antes não
era muito falada e que, mesmo hoje em dia, ainda não recebeu toda a importância que
devia ter, mas que corresponde a esta nova lógica do processo. Não significa isto que
o legislador não tenha, do ponto de vista psicanalítico, cometido alguns “atos
falhados”, designadamente quando no artigo 50o CPTA mantém a lógica tradicional
de dizer que o objeto da ação de impugnação é a anulação ou declaração de nulidade
dos atos administrativos. Isto é algo que é negado pelo próprio código, quando diz
que são sempre cumuláveis todos os pedidos. Além disso, a anulação do ato é já de
carácter material. Portanto, confunde o legislador pedido imediato com pedido.

O que nos interessa é olhar para a regulação do código, que permite


cumulação, e não ligar a este ato falhado do legislador, que continua a olhar, neste
caso, para o Contencioso Administrativo como se as coisas não tivessem mudado.

99
Mas se isto é assim em geral, há, em razão do que já aprendemos, que considerar o
objeto de forma diferente conforme esteja em causa uma ação para defesa de direitos
ou uma ação pública ou popular, porque como já sabemos, o legislador, no artigo 9o
CPTA, não limitou a legitimidade ativa à atuação para a defesa de direitos. Quando a
ação é popular, há na mesma um processo de partes, mas quanto ao objeto do
processo o que está em causa é a legalidade objetiva. Há então uma mistura entre a
lógica subjectiva dominante, com uma dimensão objetiva que continua a existir,
ainda que seja menos importante no quadro do Contencioso Administrativo
português.

Há ainda uma outra questão, muito discutida, em que o legislador fez


alterações em relação ao que vinha de trás, e que geraram alguma polémica, acerca
do modo de interpretar a causa de pedir. Como já vimos, pedido e causa de pedir são
duas realidades que têm uma dimensão unitária, correspondem ambos ao objeto do
processo e têm de ser consideradas em conjunto. Isto significa que no contencioso
deve haver algum equilíbrio entre as concepções substancialistas e as processualistas,
que também são importantes, e que também têm lugar no Contencioso
Administrativo, e que têm de ser ponderadas, com limites, no quadro da lógica entre
pedido e causa de pedir.

O que está aqui em causa?A causa de pedir é aquela situação, aquele facto ou
circunstância da vida que o particular alega ter afetado o seu direito, a razão de ser da
sua ida à Justiça e, numa lógica objetivista, a causa de pedir devia ser a verificação de
uma ilegalidade no ato administrativo, já que não se reconheciam direitos dos
particulares. Esta concepção, que seria a concepção lógica no quadro de uma doutrina
objetivista não foi, no entanto, nunca defendida no Contencioso Administrativo, e
não foi contraditoriamente, porque desde finais do século XVIII, inícios do século
XIX que o juiz administrativo foi cauteloso e teve medo das consequências de uma
teoria destas em termos de alcance do caso julgado. Esta doutrina faria com que
nunca mais pudessem ser apreciadas outras invalidades do ato ou regulamento que
pudessem existir, mas que o juiz não tivesse apreciado. Desde que ele PUDESSE ter
apreciado, haveria um efeito de caso julgado que abrangeria não apenas o que o juiz
tinha feito, mas aquilo que ele poderia/deveria ter feito. Curiosamente, no
Contencioso Administrativo francês surge uma teoria, muito prática, baptizada como

100
Teoria das Hipóteses de Erro, que significa olhar para a realidade do Contencioso
Administrativo e dizer: se o juiz tivesse que apreciar tudo aquilo que resulta dos
factos, independentemente das alegações das partes, isto significaria um excesso dos
trabalhos para os juízes, que assim sendo teriam grandes hipóteses de errar. Como
essa maior hipótese de erro punha em causa a legalidade e o interesse público, os
defensores desta teoria justificaram este comportamento do juiz administrativo.
Portanto, em termos teóricos uma concepção objetivista conduziria a uma análise da
causa de pedir independente dos direitos e pretensões dos particulares. Pelo contrário,
a tese subjetivista indica que o que está em juízo são os direitos dos particulares, e
que o que o juiz analisa são as pretensões das partes. Realidade de natureza
relacional.

Até aos anos 60, no quadro da lógica objetivista, embora se continuasse a


firmar a natureza objetiva do contencioso, o modo como se concebia a causa de pedir
era subjetivista, porque o que se dizia era que o juiz só tinha de verificar o que fosse
alegado pelas partes. Havia então uma construção contraditória. Essa dimensão
subjetivista na concepção objetivista do Contencioso Administrativo português não
era integral, porque o legislador não dizia, e também não era isso que dizia a
doutrina, que o que estavam causa eram os direitos dos particulares, e que estes eram
o objeto do processo, era como uma espécie de tabu. O que se dizia era que os
poderes de apreciação do juiz ficavam limitados às qualificações jurídicas
introduzidas pelos particulares, ou seja, a negação estava em negar a importância dos
particulares e depois dizer que eles definiam o objeto do processo através da causa de
pedir que correspondia às suas pretensões. Ao mesmo tempo que diziam isso, os
autores clássicos, como o Prof. Marcelo Caetano, Prof. Freitas do Amaral (primeiras
versões do manual) era que a causa de pedir, embora concebida pelo particular, tinha
a ver com a legalidade sem mais (objetiva). Era o particular que alegava os vícios do
ato administrativo, mas estes vícios eram de legalidade objetiva. Estão a ver a
contradição? Era uma concepção objetivista limitada sobre a causa de pedir, e,
portanto, introduzia uma dimensão subjetivista ao dizer que o que era apreciado eram
as pretensões dos particulares e, simultaneamente concebia esta causa de pedir de
forma objetiva, dizendo que o que estava em causa eram os vícios do ato
administrativo.

101
O que deu em Portugal origem a esta teoria dos vícios do ato administrativo, à
semelhança do que se passou no direito francês, foi uma tentativa de justificar uma
construção objetivista da causa de pedir, mas limitada pela actuação do particular, já
que só podiam ser verificados pelo Tribunal os vícios por este alegados. A teoria dos
vícios, que em Portugal dá origem àquela classificação que é a ultima existente no
direito português e que data dos anos 80 (desde então nenhuma outra Lei em Portugal
mencionou ou enumerou vícios do ato administrativo).

Distinguiam-se os vícios de usurpação de poderes, incompetência (absoluta e


relativa), vício de forma, desvio de poder e violação de lei. Esta realidade, que
correspondia ao modo tradicional do Direito Administrativo portugas começou a ser
contestada ainda nos aos 60/70, dizendo-se que a teoria dos vícios do ato
administrativo é ilógica, irracional e deixa de fora certas ilegalidades. Ilógica porque
temos aqui dois vícios (usurpação de poder e incompetência) em que o que está em
causa é a violação do mesmo aspeto do ato administrativo, não há critério lógico,
porque há dois vícios que correspondem ao mesmo aspeto do ato. O critério, que é o
dos vícios do ato administrativo, não é utilizado racionalmente. A usurpação de
poderes era uma incompetência que violava a separação de poderes e era uma
ilegalidade que correspondia à violação das regras das atribuições (incompetência
absoluta) e regras da competência (incompetência relativa). O mesmo aspeto do ato
gerava dois vícios diferentes. Tínhamos ainda um único vicio, de forma, que era
utilizado para explicar os problemas da forma do ato mas também das formalidades
essenciais. A forma e as formalidades são coisas diferentes, uma coisa é a forma
como a ato se apresenta (despacho, ato normativo, resolução do Conselho Ministros
— aparência exterior) outra coisa são as formalidades (ou seja, o procedimento
administrativo). Portanto, esta classificação era ilógica, porque tínhamos aqui um
aspeto do ato que originava dois vícios e dois aspetos do ato que originavam um
único vício.

Depois tínhamos, acrescentava esta doutrina, dois vícios de natureza material,


sendo certo que o vício de desvio de poder, quando surgiu, era pensado apenas para o
poder discricionário, e sabemos que este pode existir em qualquer ato, não há atos
totalmente discricionários nem totalmente vinculados, pelo que utilizar este critério
também não tinha lógica.

102
Por último, a violação de lei era utilizada em Portugal como o “vício caixote
do lixo” (Marcelo Caetano - “vício residual”), se houvesse alguma ilegalidade que
não estivesse incluída nestes últimos vícios, era alegada violação de Lei, que
correspondia no fundo a ilegalidade, pelo que se falava em violação da Lei, não
violação de Lei, por corresponder a aspetos materiais do ato administrativo. Na
violação de lei, o Prof. Marcelo Caetano incluía, por exemplo, os vícios da vontade,
tal como o Prof. Freitas do Amaral. O primeiro problema desta classificação é que
não tem lógica, nem nasceu por razoes lógicas, nasceu sim em função do alargamento
da causa de pedir. No séc. XVIII só havia uma causa de pedir possível em Portugal,
que tinha que ver com a usurpação de poderes. Era a única que estava na lei, mas foi-
se alargando ao longo dos tempos, o que levou esta teoria dos vícios do ato
administrativo a surgir por razoes históricas, não por razoes lógicas, já que a tentativa
da doutrina de fazer corresponder esta teoria a aspetos lógicos não fazia sentido
porque esses aspetos do ato não correspondiam a uma forma de causa de pedir. Dizia,
e bem, o Prof. Gonçalves Pereira, que a lógica era irracional e incompleta, porque
esta teoria deixava de fora aspetos importantes do ato administrativo que deviam ser
apreciados do ponto de vista da legalidade (como o vício de procedimento).

Aquilo que a doutrina deveria fazer era tentar corresponder esta realidade, que
tem a ver com a fonte de invalidade, com outro que tenha a ver com a causa de pedir,
que é o reverso da medalha desta teoria. Se quiséssemos reduzir a uma classificação
lógica, em vez das categorias que resultaram da história, devíamos recorrer antes a
esta distinção lógica entre vícios: orgânicos, formais, procedimentais e materiais.

Não tem explicação o porquê de, em Portugal, tanto juízes como advogados
continuarem a utilizar esta teoria dos vícios, quando não está regulada em qualquer
lei e, como já vimos, não é uma exigência do processo. Aquilo que a CRP estabelece
em relação à causa de pedir é a ideia do ato lesivo de direitos, a tal ideia de que a
lesão de direitos corresponde a uma invalidade que o particular alega em juízo. Por
outro lado, se olharem para o CPTA, não há uma única norma em que se fale em
vícios do ato administrativo e, quando se estabelecem os pressupostos da Petição
Inicial, o legislador diz que o particular só tem de alegar o pedido e a causa de pedir.
O particular não tem de invocar os vícios do ato administrativo, tem sim de alegar o
pedido e a causa de pedir, porque essa é a única exigência do artigo 78o/f) do CPTA.

103
O que está em causa é enunciado dos factos e as razões de direito que servem de
fundamento. É errado, por razões processuais, que todos continuem a utilizar esta
forma de invocar a causa de pedir. É errado, em primeiro lugar, porque do ponto de
vista substantivo não faz sentido e é incompleta. É também errado porque o modo
como o legislador da reforma do Contencioso Administrativo concedeu a causa de
pedir vai além desta realidade. A teoria dos vícios limitava o acesso a certas
ilegalidades, já que o juiz se tinha de cingir à causa de pedir, baseada nessa teoria,
diminuía-se o objeto do processo. É exactamente o contrário que resulta do
Contencioso Administrativo atual, um Contencioso Administrativo destinado à tutela
plena e efetiva dos direitos dos particulares, em que o particular só explica os factos
essenciais e ilegalidades cometidas que constituem a causa de pedir, não tem de fazer
referência aos vícios, embora possa fazê-lo.

Vejamos o que o legislador estabeleceu em relação ao objeto do processo:


95o CPTA.A questão da lógica objetivista/subjetivista era saber se o objeto do
processo era determinado pelas pretensões das partes ou antes pela legalidade
objetiva do ato administrativo. Neste artigo 95o o legislador estabelece de forma
inequívoca uma lógica subjetivista de entender o objeto do processo, porque para o
legislador o objeto do processo não é a ilegalidade apreciada em abstrato, mas sim a
relação de ilegalidade entre o direito subjectivo invocado pelo particular e os factos
que violam esse direito. Diz-nos o artigo 95o CPTA que o juiz deve conhecer sobre
tudo o que é alegado, mas tão-só do que é alegado pelos particulares como lesando o
respetivo direito (excepto 95o/1, última parte). A alegação feita pelos particulares das
questões, dos problemas que geram a ilegalidade é o que determina o funcionamento
do processo.

O juiz tem que apreciar integralmente as pretensões das partes — esta norma
está aqui porque a tendência dos juízes administrativos era a de apreciar a primeira
ilegalidade, e como essa inquinava todo o ato administrativo, o juiz limitava-se a
anular o ato administrativo com base nessa primeira ilegalidade. A consequência
disto é que o caso julgado se formava em relação a essa ilegalidade, a esse vício, o
que fazia com que o resultado daquele caso não permitisse o restabelecimento total
do direito dos particulares. Imagine-se um bolo da ilegalidade: três fatias, três
ilegalidades (orgânica, formal, material). Qualquer uma das fatias pode anular o ato

104
administrativo, mas é diferente ser anulado por uma ou por três fatias de ilegalidades
diferentes. Mais, havendo vários vícios e só sendo um apreciado pelo juiz, pode ser
emitido novo ato expurgado só dessa ilegalidade (expurga-se a invalidade orgânica,
mantendo-se a material, porque o juiz não apreciou pelo que não está abarcado pela
invalidade o conteúdo material do ato).

Então, o que é alegado pelas partes é (em regra) um duplo limite ao objeto do
processo: limite positivo porquanto o juiz não pode apreciar mais do que é alegado e
negativo porque não pode apreciar menos.Fica então claríssimo que o legislador
estabeleceu no 95o CPTA uma concepção subjetivista. Há contudo alguma polémica
e discussão na doutrina sobre o significado do no3. Da minha perspetiva o que esta
aqui é a confirmação da regra do contraditório, de um Contencioso Administrativo
que é por natureza acusatório. Já o Prof. Mário Aroso de Almeida acha que em certo
sentido, ainda que limitado, há aqui alguma excepção ao que se estabelece no no1 e,
portanto, um elemento objetivista. Este número, que se aplica só a processos
impugnatórios, gera dúvida quanto à interpretação da expressão: “(...) o tribunal (...)
deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido
alegadas”. O primeiro argumento contra a ideia de que isto representa exceção ao
no1, como defende o Prof. Mário Aroso de Almeida, é que mesmo que se admita que
esta identificação é uma excepção (que não acho que seja), seria uma excepção que
funcionaria no quadro do Princípio do Contraditório (ouvir as partes), mas identificar
não é, na minha perspetiva, nem pode ser, a possibilidade de o juiz ir além do que foi
alegado pelas partes. Penso que esta identificação cabe dentro daquilo que foi
alegado pelas partes. Então, identificar significa que juiz pode interpretar de forma
diferente e qualificar de forma diferente os factos que foram levados a juízo, porque o
juiz conhece o Direito, e se o particular se enganou ou se há dúvidas quanto à
qualificação, é o juiz que decide o modo como qualifica, corrigindo as qualificações
feitas pelos particulares. Isto não significa que o juiz intervenha no objeto do
processo ou que vá investigar coisas que não foram alegadas pelos particulares. Isto é
aliás confirmado pelo artigo 75o CPTA, que explica isto e com esta razão. Se os
factos foram trazidos a juízo, o juiz pode interpretá-los de forma diferente, é uma
questão de qualificação jurídica que não tem nada a ver com o Princípio do
Inquisitório, isto existe na lógica do Acusatório. No Processo Civil, de resto, passa-se
o mesmo, o juiz pode interpretar e qualificar os factos e não é por isso que se

105
considera que haja violação do Princípio do Contraditório.

Neste sentido, acho que o legislador esteve bem quando alargou o objeto do
processo dizendo que naquilo que o particular leva a juízo cabem não só as
qualificações que ele fez, mas também aquelas que ele não fez, ou que fez de forma
errada ou limitada.

Duarte Borges Coutinho

19 de Outubro de 2017 15:30-16:45

A questão que hoje aqui se coloca diz respeito à interpretação do nº3 do


art.95º do CPTA. Esta interpretação deve ser feita atendendo ao âmbito da causa de
pedir e do objecto do processo, mas mais do que isso, devemos analisar a posição do
juiz, averiguando se este deve apenas limitar-se aos factos trazidos a juízo pelo
particular, ou se por outro lado, este deve ir mais além e conhecer outras invalidades
e ilegalidades.

Na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, este artigo 95º do CPTA, mais
concretamente o seu nº3, introduz aqui uma alteração à realidade clássica da função
administrativa, principalmente na lógica do contraditório. Ao mencionar-se neste
preceito que o juiz pode identificar os factos no âmbito do processo, compreende-se
que o juiz conhece do direito e que, aquilo que está aqui em causa é uma qualificação
jurídica dos factos, algo que, sem dúvida, é da competência do juiz. Contudo, o que
aqui se parece de facto determinar é que, por um lado, a causa de pedir é determinada
em função dos factos alegados pelos particulares, mas que o juiz tem poderes para
conhecer a integralidade do processo, não ficando por isso limitado apenas à alegação
dos vícios, seja ela ou não a mais correcta.

Toda esta nova introdução, resulta da visão ampla defendida pelo Prof. Mário
Aroso de Almeida, que tende a considerar que o juiz deve ter competência não
apenas para apreciar as invalidades tal como estas foram trazidas a juízo pelos
particulares, como pode este, se assim o considerar, trazer novos factos ao processo.

Esta visão apresentada desta forma ampla, suscita de logo uma questão que se
assume pertinente: analisar qual a natureza do tribunal. Com esta consagração, a
figura neutra, independente e passiva do tribunal deixa de existir, passando a estar
cada vez mais próxima da posição de parte no processo, na medida que tem poderes
para carrear novos factos para o processo. Isto contraria não só a lógica basilar da
entidade tribunal e juiz, como também a própria lógica da CRP.

106
Uma questão semelhante foi colocada anteriormente, não em relação ao
tribunal, mas no que se tinha como assente na posição do Ministério Público. Antes
da Reforma de 2005 o Ministério Público tinha um papel activo no momento da
emissão da sentença. Tal intervenção fez com que o TJUE condenasse o Estado
Português por fazer tal equiparação entre o Ministério Público e o tribunal.

Com a Reforma de 2005 o Ministério Público sofreu algumas restruturações


que, apesar de continuar com muitos dos seus poderes, o distanciaram da posição
similar que tinha à do juiz. Hoje não se colocam quaisquer dúvidas da função de
parte que o Ministério Público desempenha que lhe permite gozar do direito de
acção, assim como também, continuar as acções interpostas pelos particulares e que
em nome da legalidade e do interesse público pode decidir prosseguir.

Apesar de o Ministério Público não ter mais a possibilidade de participar na


emissão de uma decisão, a realidade é que lhe foi atribuída uma posição intermédia,
que lhe oferece a possibilidade de emitir um parecer após a produção de prova e da
audiência de julgamento.

Não obstante de o juiz não poder carrear novos factos para o processo, este
pode, no entanto, ter alguma flexibilidade no modo como interpreta as ocorrências
trazidas a julgamento pelo particular. O juiz tem assim a possibilidade de qualificar
de forma diferente e ir além dos vícios apresentados. Confere-se uma autonomia ao
tribunal nesse sentido, mas esta deve estar sempre limitada pelos factos que foram
alegados pelas partes.

Estes argumentos são argumentos genéricos que acabam por afastar as


construções objectivistas em relação à causa de pedir. Assim se depreende, uma vez
que, a lógica de considerar que o juiz poderia avaliar sem mais a legalidade dos actos
implica da ao juiz um poder sobre o objecto do processo, algo que invadiria a função
de parte e que desvirtuaria a sua função enquanto juiz.

Assim, os argumentos apresentados pelo Prof. Mário Aroso de Almeida têm


que ser entendidos no quadro da sua interpretação no tocante ao Contencioso e
Direito Administrativos. Tudo isto parte da noção de direito subjectivo, noção essa
que é pelo Professor defendida. No seu entendimento, o particular só tem um direito
a partir do momento em que existe uma lesão, sendo este direito lesado o que lhe
permite fazer uma pretensão em tribunal. Esta pretensão é uma pretensão, do seu
ponto de vista, uma realidade negativa de afastamento da ilegalidade que foi
produzida pelo acto lesivo, permitindo assim ao particular defender-se daquela
ilegalidade de todas as formas possíveis. Assim, justifica-se o porquê de o juiz ter a
possibilidade de trazer novos factos para o processo – direito reactivo.

107
Contudo, temos de ter em conta que, o direito não é fruto de uma lesão, não é
nesta lesão que reside a sua origem, muito pelo contrário. O direito existe muito após
qualquer lesão, podendo por essa razão ter conteúdos de naturezas distintas.

Conclui-se assim que, o direito de agir do particular não suscita quaisquer


dúvidas quanto à sua natureza subjectiva, sendo um direito de satisfação do
particular. Não devemos por isso confundir o direito de agir com outros direitos,
nomeadamente que aquele visa proteger.

Ao adoptar esta concepção de direito de natureza reactiva, o Prof. Mário


Aroso de Almeida vai pretender incluir nesse direito reactivo todas as ilegalidades
que correspondem à prática do acto administrativo e, por essa razão, constrói um
direito com uma pretensão negativa contra a ilegalidade da Administração Pública.

De alguma forma isto corresponde à ideia subjectiva da velha doutrina do


direito à legalidade do Prof. Marcello Caetano. O direito à legalidade correspondia a
uma lógica completamente objectiva de confundir o direito subjectivo com a
legalidade. Na teoria do direito reactivo já existe de facto uma lógica subjectiva, mas
essa lógica é resultado da confusão entre o direito de agir e os direitos para os quais
esse direito existe e para os meios nos quais ele é utilizado.

Em suma, esta interpretação que se faz da causa de pedir deve ser feita
segundo uma perspectiva objectiva, de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva.
Contudo, isto não quer dizer que o juiz não tenha poderes inquisitórios que lhe
permitem o conhecimento oficioso, ainda relativamente limitado, atendendo à lógica
do contraditório.

Portanto, pode dizer-se e bem que o legislador português flexibilizou o


mecanismo da causa de pedir, permitindo ao juiz que possa qualificar de forma
diferente aquilo que foi alegado pelo particular e, significa também que o juiz possa
no âmbito do processo estar a ir além dos vícios que eventualmente o particular tenha
alegado.

A propósito do pedido, foi dito anteriormente que é essencial distinguir entre


a acção para defesa de direitos e a acção pública/popular. Em relação à causa de pedir
proceder a esta distinção já não faz sentido, uma vez que o objecto do processo é
idêntico em todas as circunstâncias, sendo que a distinção só faz sentido quanto ao
pedido e não quanto à causa de pedir.

Quanto a esta questão fase à função dos juízes, cumpre ainda mencionar a
posição intermédia que é apresentada pelo Prof. José Vieira de Andrade. Na sua visão

108
seria admissível em relação a um facto que não fosse alegado directamente pelas
partes, mas que resultasse indirectamente do que por elas foi exposto, que o juiz
pudesse actuar. Devemos tentar compreender o que é se quer dizer por
“indirectamente”, uma vez que, se é algo que se considera implícito àquilo que foi
alegado, então corresponde de facto ao que foi alegado; se, por outro lado, indirecto
significar interferir não por um raciocínio de devolução, mas algo que implique ir
além do que foi introduzido pelas partes, parece-nos que a questão não será de tão
transparente resolução.

Para o Prof. Vasco Pereira da Silva faz sentido que haja uma intervenção do
juiz quando estejamos perante factos que não foram alegados pelas partes, mas que
são presumidos em virtude do que foi alegado.

Mafalda Baudouin

31 de Outubro de 2017 14:00-15:15

HIPÓTESE PRÁTICA:

Na sequência da aplicação de uma sanção de descida de divisão pela Comissão


Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol, ao clube FX, os jogadores do
referido clube pretendem impugnar a decisão alegando para o efeito a perda de
visibilidade e de estatuto a que ficaram sujeitos como jogadores da 2ª liga.
Sentindo-se, igualmente, prejudicados com a decisão da Comissão, os
patrocinadores do clube preparam uma reação judicial que incluirá, igualmente,
um pedido de indemnização.

a) Pronuncie-se sobre a legitimidade processual dos autores

Coloca-se questão sobre legitimidade e essa tem de ser respondida na lógica do


quadro do contencioso administrativo e não no quadro civilista.

Os jogadores têm legitimidade ativa? Sim têm. Ao abrigo do artigo 9/1 pertencem
ao clube e, ao descerem para a segunda divisão são prejudicados; logo, ainda que se

109
entenda que os jogadores não são o destinatário imediato da sanção (porque esse é o
clube), os jogadores podem ser entendidos como tendo legitimidade devido às
relações jurídicas multilaterais. Os jogadores, tendo uma relação contratual com o
clube para a prática de atos desportivos, podem ser considerados sujeitos de uma
relação multilateral. O ato administrativo produz, de facto, efeitos não só quanto ao
clube mas também quanto aos jogadores.

Perspetiva de Contencioso Administrativo – os jogadores têm legitimidade, pois


podem ser considerados sujeitos da relação multilateral. Eles gozam de legitimidade
ativa porque o contrato que os une ao clube é um contrato de trabalho que diz
respeito à prática de atos desportivos; a posição dos jogadores é diferente dos
patrocinadores, pois o ato administrativo produz efeitos não apenas em relação ao
clube mas também quanto aos jogadores e à sua atividade. A transferência da lógica
da relação jurídica bilateral para multilateral significa que os sujeitos das relações
jurídicas não são apenas aqueles que são designados pela atuação administrativa, mas
aqueles que são diretamente afetados pela atuação administrativa. Por isso, os
jogadores são diretamente afetados.

Perspetiva de Processo Civil – dizer que os jogadores não têm legitimidade. Nesta
perspetiva, quem deveria atuar no âmbito do processo seria o clube, que se
determinaria pelos órgãos dirigentes (diretor, presidente, consoante a estrutura
orgânica). Os jogadores têm uma relação contratual com o clube, por isso, se
primeiro o clube deveria impugnar aquela decisão, tratando-se de uma decisão civil,
isso significaria que, depois, os jogadores que têm a tal relação contratual e jogam em
nome do clube, poder-se-iam eventualmente ressarcir pelos prejuízos que lhe fossem
causados.

Jogadores devem ser considerados sujeitos processuais, porque têm uma relação
contratual com o clube para atuar no domínio desportivo, sendo os principais
afetados pela sanção.

110
E o Clube? O clube tem pois é parte, 9/1. O autor do clube são os seus órgãos
dirigentes – presidente, dirigentes.

Também podia haver litisconsórcio voluntário entre os clubes e os jogadores.


Litisconsórcio está previsto no artigo 12º.

b) Imagine que uma claque organizada do clube, pretende reagir


processualmente até às ultimas consequências invocando para o efeito o
interesse público da verdade desportiva. Pode fazê-lo?

Não são sujeitos da relação material controvertida pelo que não podem. Nem são
diretamente afetados. Não gozam de legitimidade processual.

c) E os patrocinadores, têm legitimidade ativa?

Não podiam porque não são sujeitos da relação material controvertida. São
prejudicados financeiramente pela descida de divisão, mas não têm legitimidade.

Legitimidade

- Depende da alegação da qualidade de parte na relação material controvertida


- Também existe litisconsórcio necessário ou voluntário.
- Autor de um clube são uns órgãos dirigentes do clube – presidente, dirigentes.
- Relação multilateral: sujeitos das relações jurídicas não só aqueles os
designados pela atuação administrativa, mas também por aqueles que são
diretamente afetados pela atuação administrativa. Quem faz parte da relação
material, tem legitimidade.

Coligação e litisconsórcio artigo 12º.

111
Contra-interessados: litisconsórcio necessário passivo, sujeitos que devem ser
chamados a intervir.

Não existe nenhum caso de litisconsórcio necessário do lado ativo no


contencioso administrativo. Quando o jogador X resolve impugnar, não é necessário
que mais sujeitos se juntem na impugnação.

Porque é que não há litisconsórcio necessário ativo? Exigir do lado ativo


poderia inviabilizar demasiado a tutela dos direitos subjetivos, ainda para mais
quando podemos lidar com entidades públicas – seria demasiado excessivo que um
sujeito não pudesse exercer o direito de ação por outro sujeito não quer,
inviabilizando o seu direito de ação e a tutela dos seus direitos. Até porque pode ser
demasiado oneroso identificar as partes, no sentido de saber quem são/devem ser
todos os autores. Há casos até que não é possível identificar todos os autores.

O legislador já fala de litisconsórcio, permite falar nesta figura, mas do lado


ativo tem especial cuidado em regular o regime, para não por em causa os direitos
dos particulares.

O presidente de um clube não pode impugnar uma sanção do próprio jogo (como
a decisão do árbitro por um cartão vermelho) porque isso corresponde à autoridade
do jogo - aquilo que se passa no jogo é matéria essencialmente desportiva, pelo que é
apreciada pelas autoridades administrativas, por exemplo árbitros.

o Se é uma decisão essencialmente desportiva não pode ser levada a tribunal:


por exemplo se o treinador não usou aquele jogador.

Mas as consequências posteriores ao que se passou no jogo (ficar sem jogar nos
jogos seguintes porque levou um cartão vermelho – sancionamento de um clube ou
jogador com função autónoma e tem a ver com o exercício da função administrativa),
é matéria de contencioso administrativo

112
Mesmo a EDP, que é de chineses e privado, exercendo a função administrativa,
está sujeita às regras administrativas.

Vera Manoel

31 de Outubro de 2017 15:30 — 16:45

Meios Processuais do Contencioso Administrativo

Falar em meios processuais do Contencioso Administrativo pode parecer estranho,


porque olhando para o CPTA o legislador parece ter estabelecido apenas um meio
processual, porque o legislador apenas fala na ação administrativa. Volto àquilo que
já tínhamos dito, o legislador de 2004, quando concretizou o Princípio da Tutela
Jurisdicional plena e efetiva dos direitos dos particulares entendeu que deveria
concentrar todos os pedidos possíveis no âmbito do Contencioso Administrativo em
dois meios processuais que denominou de ação administrativa comum e de ação
administrativa especial. Esta distinção entre os dois meios era altamente criticável, e
foi grandemente criticada entre outras pessoas por mim próprio, e encontram nas
Lições os argumentos que à altura apresentei contra esta esquizofrenia que não tinha
nenhuma razão de ser. Em primeiro lugar, porque os termos comum e especial eram
termos que eram afastados pela lógica do código, que permitia que todos os pedidos
fossem feitos e que houvesse cumulação de todos os pedidos, para além de que isto
era o contrário da ideia de comum- especial, que implicava haver um contencioso,
supostamente o geral, em que tudo poderia ser pedido, e uma ação dita especial em
que os poderes estivessem limitados e, teoricamente, as ações sobre atos
administrativos e regulamentos estavam tradicionalmente limitadas à anulação das
decisões administrativas. Ora, o legislador estava a tomar a decisão correta ao admitir
que em qualquer meio processual fossem suscitados todos os pedidos, pelo que não
fazia sentido utilizar uma denominação que correspondia aos traumas da infância
difícil, em que havia uma ação especial com poderes limitados. Mais ainda, na lógica
de organização do processo o legislador só regulava a ação administrativa dita
especial, porque remetia para o CPC tudo o que dissesse respeito à ação
administrativa geral. Ora, esta realidade também não faz muito sentido, a existência
de um Contencioso Administrativo não é um mero conjunto de excepções ao
Processo Civil, tal como o Direito Administrativo não é um conjunto de exceções ao

113
Direito Civil. O que está em causa é uma realidade nova que deve ser regulada de
forma autónoma. Então, o legislador de 2004 devia ter regulado tanto as ações
comuns como as ações especiais. Não fazia sentido a ideia de regular apenas as
especiais e não as ações comuns. Por outro lado, também, a admitir-se a distinção, o
legislador ter-se-ia enganado no nome da coisa, tal como o doido que chamava
mulher ao chapéu e chapéu à mulher, porque o legislador estava a chamar ação
comum à ação que era especial e ação especial à ação que era comum, porque o
universo das ações respeitava não a distinções processuais, mas a distinções de
natureza substantiva que tinham a ver com a forma de atuação. Portanto, à ação
especial correspondiam atos e regulamentos, formas que são a regra no Contencioso
Administrativo, enquanto que à ação dita comum caberiam o contencioso dos
contrato e da responsabilidade civil. Mais, uma vez que se admitia a cumulação de
pedidos em relação a diferentes formas de atuação, havendo pedidos que
correspondiam a contrato ou a responsabilidade civil cumulados com pedidos
relativos a atos, dizia-se no artigo 4o CPTA, na versão originária, que nesses casos o
mecanismo processual adequado era a ação administrativa especial. Resultado: tudo
ia parar à ação administrativa dita especial. Havia aí pelo menos uma troca de nomes
no quadro do entendimento do Contencioso Administrativo.

Aplaudo, portanto, o facto de o legislador, agora, nos artigos 37o ss. CPTA
falar apenas em ação administrativa, porque acho que não faz sentido introduzir essa
distinção e, de alguma maneira, esta recondução à unidade é coerente com a opção do
legislador de criar estas ações guarda-chuva que permitem pedidos que vão da
simples apreciação à condenação. Ações estas que podem também dar origem a
sentenças de natureza diferente. Como já disse, teria preferido uma outra solução, a
Alemã, com a distinção das ações em razão dos efeitos das sentenças, mas havendo
esta lógica da concentração, faz sentido que haja uma única ação. Fiquei também
satisfeito porque o legislador, nos trabalhos preparatórios e nas considerações que
têm sido feitas pelos membros da comissão, diz que esta modificação visa responder
às criticas doutrinárias, designadamente àquelas que eu tinha feito, o que me deixa
satisfeito, confesso. O único problema está em que o legislador leu, mas pelos vistos
não leu até ao fim, porque eu para além de criticar a esquizofrenia da distinção,
também criticava o facto de o legislador misturar critérios substantivos com critérios
processuais quando os mecanismos das acções se deviam justificar exclusivamente

114
por critérios de natureza processual. Para além disso, o recurso às formas de atuação
administrativas (critério substantivo) introduzia uma distorção no quadro da
organização dos meios processuais. Esta critica que fazia já em 2004 e que
encontram no Divã continua a fazer sentido nos dias de hoje porque o legislador,
embora só fale num único meio processual que permite todos os pedidos (37o
CPTA), regula certas modalidades especiais de ações que no fundo são meios
processuais autónomos. Podemos chamar-lhes sub-ações, porque o legislador,
misturando critérios substantivos e processuais, o critério das formas de actuação
com o dos efeitos da sentença, criou meios processuais que têm regras próprias tanto
em termo de objeto como de pressupostos processuais e até em termos de andamento
do processo. Se repararem, no artigo 50o CPTA o legislador estabelece uma
modalidade de ação administrava em matéria de impugnação de atos administrativos,
o que nem é muito rigoroso por parte do legislador, porque nesta impugnação cabem
pedidos de condenação e de simples apreciação. Logo no 50o/1 fala-se em anulação
ou declaração de nulidade e, como sabemos, a declaração de nulidade é uma ação de
simples apreciação, não é uma acção constitutiva. O legislador, como permite a
cumulação de todos os pedidos também permite que hajam aqui pedidos
condenatórios e, por isso, a referência à realidade processual (que era esta ação ter
efeito constitutivo) não é exata, não é isso que se passa na maior parte dos casos em
que o particular pede a impugnação de um ato administrativo. Além disso, não está
apenas em causa a impugnação, o que seria uma classificação processual, mas a
impugnação apenas do ato (realidade substantiva). O legislador criou um meio
processual que não se distingue claramente dos outros por razões de natureza
processual (permite cumulação) e que, ainda mais, é definido com base numa
realidade de natureza substantiva (ato administrativo). Isto justifica que do artigo 50o
ate ao artigo 65o, o legislador regule os aspetos desta ação processual que está
integrada na Ação Administrativa, mas que tem regras, relativas tanto ao objeto
processual, como aos pressupostos processuais, como à marcha do processo que são
específicas desta modalidade de ação e, então, o legislador, diz que está a criar
apenas uma ação e não está, está a criar várias, e esta é a primeira delas.

Depois, nos artigos 66o a 71o, o legislador regula uma outra modalidade de
ação (Ação de Condenação à Prática do Ato Devido). Temos outra vez a mesma
coisa, um efeito processual, mas com o objeto limitado por um critério de natureza

115
substantiva. O legislador podia ter regulado todas as ações de condenação, todas as
de anulação, era legítimo e era uma distinção processual, mas o legislador tem essa
noção processual misturada com uma noção substantiva que é o ato administrativo.
Temos aqui de novo regras especiais quanto ao objeto, pressupostos e andamento do
processo.

Nos artigos 72o a 77o o legislador faz outra regulação, em que vai buscar
tanto a impugnação de normas como a condenação à emissão de normas. Aqui já
juntou dois efeitos processuais, e em rigor aqui juntou todos, mas esta distinção está
determinada por uma forma de atuação, portanto é mais uma ação no quadro do
Contencioso Administrativo.

Por último o legislador, nos artigos 77o-A e ss. estabelece ainda regras
relativas à validade e execução de contratos, regras aplicáveis também a uma atuação
administrativa. Aqui também o legislador não faz nenhuma distinção quanto aos
efeitos das sentenças ou seja, nas primeiras duas ações, os efeitos aparecem ao lado
das formas de atuação, nestas duas últimas (matéria de regulamentos e contratos) a
única coisa que releva é a forma de atuação da Administração, o que faz com que se
admitam todos os pedidos e todos os tipos de sentença no quadro do Contencioso
Administrativo.

Mas vejamos um pouco mais detalhadamente cada uma destas ações e


vejamos quais as regras que aqui estão ema causa. Em primeiro lugar, esta ação de
impugnação. A primeira coisa que salta à vista e é estranho e contraditório é
repararmos no número de normas jurídicas que regulam estas ações comparadas com
as outras. Estas ações, que eram as que já existiam no Contencioso Administrativo
antes da reforma (Recurso Direto de Anulação, que incidia diretamente sobre atos
administrativos, recurso de mera anulação). Se isto é assim, porque é que o
legislador, em relação a este meio processual velho, dedica mais artigos que em
relação a todos os outros que são novos? É uma contradição. A condenação é um
meio processual novo que não existia na nossa ordem jurídica, até porque os tribunais
não podiam condenar a Administração nem lhe dar ordens de qualquer espécie. Se
olharmos à ação de condenação, o legislador dedica do 66o ao 72o, só seis artigos
quando dedicou doze artigos ao velho. É uma contradição, o que devia ser mais
desenvolvido era o meio processual novo. Se olharmos também para o que vem a

116
seguir (impugnação de normas e condenação à emissão de normas) o que é novo aqui
é a condenação, e é resolvida no artigo 77o. Já a impugnação, que era conhecida, dá
origem a todos os outros artigos. Não se percebe porquê. Porque é que se criam
novos meios processuais com efeitos jurídicos novos e se gastam mais artigos a
regular os meios já conhecidos? Choca um pouco que o legislador tenha dedicado um
maior número de artigos à modalidade de ação (de impugnação) que corresponde ao
meio processual mais antigo. Porquê? Há que encontrar razões de natureza
psicanalítica: o legislador ao regular de forma mais intensa a ação de impugnação
quis mostrar que esta ação não era o velho recurso de anulação, era algo radicalmente
novo no Contencioso Administrativo. E portanto, apesar do meio dizer respeito à
mesma coisa que já estava regulada anteriormente, o legislador quis mostrar que
estávamos perante uma nova realidade. Vejamos o que existia antes e o que passa
haver agora. O recurso direto de anulação, que era o meio processual normal
utilizado para anular decisões administrativas, era, nos últimos tempos da sua
existência em Portugal, altamente contraditório. Num dos textos que escrevi,
utilizando a lógica de procurar sintetizar em teses as ideias centrais, elaborava duas
teses em relação ao recurso de anulação, que permitiam demonstrar que aquilo que
correspondia ao principal meio de impugnação de atos administrativos era uma
contradição e era uma realidade que não era mais sustentável. Em primeiro lugar,
dizia que o recurso de anulação não era um recurso, era uma ação. Em segundo lugar,
que o recurso de anulação não era apenas de mera anulação. E explicava porquê. Nao
era recurso porque recurso é o nome que têm as segundas apreciações feitas numa
realidade processual, quando o tribunal aprecia pela primeira vez um litígio estamos
perante uma ação e só estamos perante um recurso quando há impugnação da decisão
da ação perante um tribunal de segunda instância. E a razão pela qual o meio
processual se chamava recurso tinha que ver com os traumas da infância difícil,
porque no inicio ele tinha sido um verdadeiro recurso, já que os tribunais
administrativos pertenciam ao poder administrativo. Pertencendo ambos ao poder
administrativo havia uma situação correspondente à lógica do recurso. E, portanto, eu
dizia que o que existia no quadro do Contencioso Administrativo era, como disse até
no titulo de um trabalho de mestrado, “uma ação chamada recurso”. O que estava em
causa era uma ação que tinha um nome que não correspondia à natureza das coisas. O
que sucedia nesta fase é que esta matriz do recurso de anulação tinha consequências
processuais, porque o que acontecia no Contencioso Administrativo é que não havia

117
prova, já que estávamos perante um meio concebido à imagem e semelhança de um
recurso e, como tal, a única prova que era admitida era a escrita, a prova documental.
Não havia inquirição de testemunhas nem havia meios de prova que não fossem os
meios meramente documentais. E dizia-se também que o juiz não tinha que apreciar
os factos, mas tão só decidir a questão de Direito. Esta contradição vai agora ser
afastada por esta nova Ação Administrativa, estamos perante uma ação em que o juiz
goza da plenitude de poderes face à Administração e estamos perante uma ação em
que são admitidos todos os meios de prova, inclusive a testemunhal. Isto significa
que o legislador, regulando uma realidade próxima da antiga (recurso de anulação)
regulou-a de uma forma radicalmente nova. Transformar o recurso numa ação
significa alterar a natureza do meio processual. Mas mais, a ideia de que o recurso de
anulação não era apenas de mera anulação. Isto era assim porque o particular, no
Contencioso Administrativo, obtinha apenas a anulação da decisão, mas
contrariamente ao que se passa no Processo Civil, esta anulação não satisfazia os seus
direitos. Os Srs. estudam em Processo Civil que as ações de anulação são auto-
exequíveis, porque aquilo que o particular pretende, a satisfação do seu direito,
realiza-se através do efeito da sentença. A sentença produz esse efeito e por isso não
precisa de ser executada. O que é que se passa no Contencioso Administrativo?
Quando o tribunal vai anular, o ato administrativo já foi executado de facto, pelo que
o particular, perante uma simples anulação, não vê os seus direitos satisfeitos,
porquanto ele não quer apenas a anulação, quer a reconstituição da situação anterior à
pratica do ato que foi anulado. O que havia no Contencioso Administrativo era um
divórcio entre aquilo que eram os efeitos da sentença, porque era de simples
anulação, daquilo que era o verdadeiro efeito da sentença, que ia além da simples
anulação, efeitos que não eram conseguidos através daquela sentença, resultavam da
execução das sentenças. Falava-se em execução de sentenças que na verdade não
deveriam ter necessidade de execução. O particular pretendia, quando ia a tribunal,
não apenas que o ato desaparecesse da ordem jurídica, mas também que a
Administração não repetisse aqueles atos. Isso também não cabia no efeito
anulatório, mas era um efeito querido pelo particular. Como é que se obtinha esse
resultado? Através da figura do caso julgado, que era vista como uma figura que
impedia a Administração de repetir aquele ato, o que significava que, por um lado se
afirmava que o Contencioso Administrativo era de mera anulação, mas por outro lado
se atribuíam efeitos às sentenças que iam além da anulação, efeitos esses impeditivos

118
da repetição dos atos através do caso julgado, e de reconstituição da situação através
da execução das sentenças. Havia uma contradição entre o efeito da sentença (muito
imitado) e os efeitos efetivamente decorrentes daquela anulação, que iam muito além
da mera anulação.

Ora, o que é que aconteceu depois da reforma? O legislador já não limita os


meios processuais a uma realidade em que só um efeito é possível, estabelece nestas
ações (37o CPTA) que todos os pedidos são possíveis e cumuláveis. Uma vez que
agora o objeto do processo é a relação material controvertida o que se espera é que
nessas ações de impugnação o particular apresente

pedidos tanto de natureza constitutiva, como de simples apreciação e de condenação,


para proteger integralmente os seus direitos. Se os efeitos são cumulados, as
sentenças são mistas, a lógica do Contencioso Administrativo é de um contencioso de
natureza mista em que o pedido de anulação não corresponde ao objeto do processo.
O que significa que agora este meio supostamente de impugnação da ação
administrativa é um meio que vai além da anulação, em que todos os pedidos são
possíveis e todas as sentenças são admissíveis. Não haverá situações em que estas
sentenças sejam de simples anulação? Há, mas não é a situação normal. Acontece
quando o ato não foi executado ainda (providência cautelar ou a Administração ainda
não executou o ato). Aí, a sentença é meramente de anulação, porque esta basta para
a satisfação do direito do particular. No entanto, na maior parte das vezes o particular
vai a juízo quando o ato já foi executado, pelo que não quer apenas a anulação mas
também a condenação e o reconhecimento dos seus direitos. A sentença tem um
carácter misto e não é constitutiva ou de anulação. Como isto é radicalmente
diferente do que existia até então no Contencioso Administrativo, o legislador sentiu-
se obrigado a regular de forma mais detalhada a ação de impugnação para mostrar
que já não tem nada a ver com o velhinho recurso de anulação.

Há ainda outra coisa engraçada que tem a ver com esta relação entre o novo e
o velho no quadro do Contencioso Administrativo, é que o legislador, neste artigo
37o, prevê para todas as ações todo o tipo de pedidos (da simples apreciação até à
condenação, passando pela anulação) mas quando o legislador regula no artigo 4o
CPTA a cumulação de pedidos, estabelece no 4o/2, a título exemplificativo, um
conjunto de situações em que o que está em causa é o objeto das sentenças de

119
impugnação de atos administrativos. Esta cumulação de efeitos tem a ver com a
tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares que agora têm lugar nesta ação de
impugnação. É de tal forma assim que o Prof. Teixeira de Sousa, um processualista,
ao olhar para estas normas do Contencioso Administrativo, veio dizer que o que está
aqui em causa são situações de cumulação aparente e não de cumulação real de
pedidos. O conceito de cumulação aparente é um conceito da Teoria Geral do
Processo e tem a ver com o facto de os pedidos que se juntam terem relação com a
mesma realidade em termos económicos, ou corresponderem a uma realidade que vai
além dessa situação e, portanto, terem valor autónomo. Quando está em causa a
mesma utilidade, o mesmo bem, fala-se em cumulação aparente. Quando são bens
jurídicos que correspondem a valores diferentes fala-se numa cumulação real. O
legislador, quando no artigo 4o CPTA, define as regras da cumulação, estabelece que
se trata da mesma razão material, por isso é que são acumulações aparentes.

O que e que é preciso responder ao Prof. Teixeira de Sousa, enquanto


administrativista? É preciso dizer que, para o legislador do processo, o que era
essencial era regular as cumulações aparentes, porque estas eram as que eram
negadas anteriormente. A insistência nestas cumulações significa que o legislador
está a dizer ao juiz que o objeto do processo é a relação jurídica material no seu todo.
Isto não significa que no Contencioso Administrativo não possam haver cumulações
reais, tal como admitidas no CPC, quando hajam vários valores em causa, e aí
seguem-se as regras normais do processo. Mas o que o legislador queria era admitir
estas cumulações aparentes porque isto significa alterar o objeto do processo e da
sentença. Portanto, apesar de aparentemente estarmos perante uma realidade idêntica,
o legislador regulou sobre essa aparência uma realidade diferente, o que justifica que
tenha tido uma preocupação tão grande com a regulação desta ação de impugnação
de atos administrativos.

O que é que o legislador regula em todas estas normas? Em primeiro lugar, há


uma norma equívoca em relação ao que o legislador chama “objeto e efeito da
impugnação”. Aqui o legislador vem tomar uma realidade parcelar pela realidade
total e vai repetindo aquilo que era tradicional no Contencioso Administrativo,
confundindo objecto do processo com a anulação. Isto é algo que é contrariado por
tudo o que o legislador estabelece a seguir, pelo que não devia ter estabelecido esta

120
regra. A seguir o legislador estabelece regras que fazem sentido, no quadro de uma
lógica nova. Em primeiro lugar, a contrario, o legislador admite a existência de
efeito suspensivo, respondendo àqueles que, como eu, achavam que esse efeito
suspensivo devia ser automático e que poderia ser afastado, mas por decisão do juiz.
É uma resposta limitada, mas que permite, pelo menos quando esteja em causa o
pagamento de uma quantia certa, e desde que haja a prestação de uma caução, que
tenha efeito suspensivo do pedido de anulação. Depois o legislador, ainda neste no3
do artigo 4o CPTA, vem dizer que o pedido de reparação dos danos não é
necessariamente uma consequência do pedido de anulação, vem dizer que se trata de
um objeto do processo diferente, mas que pode ser cumulado. O legislador também
permite, no âmbito da cumulação, que haja cumulações supervenientes com o pedido
inicial quando se muda a relação jurídica. A seguir regula-se com bastante
desenvolvimento a questão dos pressupostos processuais, sendo o primeiro nesta ação
de impugnação o pressuposto da impugnabilidade do ato administrativo. O legislador
deita aqui para o lixo a concepção de ato definitivo executório, que era a realidade
que anteriormente correspondia à lógica do Contencioso Administrativo. Agora, o
legislador permite a impugnação de todos os atos em todas as situações. Mas não só,
o legislador também estabelece regras acerca da legitimidade, regras que não são só
as dos artigos 9o e 10o mas também que surgem aqui pensadas para o fenómeno da
impugnação de atos administrativos. Vemos que aqui não há uma alteração tão
grande como a que podia ter havido, mas há esta preocupação de estabelecer regras
de legitimidade, tal como no artigo 57o, onde o legislador vai estabelecer regras de
legitimidade passiva. No artigo 56o, estabelece-se o que não é, na minha opinião, um
pressuposto pessoal autónomo, como diz o professor Vieira de Andrade, que é o
pressuposto do interesse em agir, coisa que até então nunca tinha existido. E, por
último, no artigo 58o CPTA o legislador regula os prazos de impugnação, um
pressuposto processual específico da anulação e condenação, que é o da oportunidade
do pedido. Não apenas o ato tem de incidir sobre um ato impugnável, mas tem
também de ser apresentado pelo particular legitimado dentro de um determinado
prazo. Este prazo é um dos tabus do Direito Administrativo, porque em regra no
Processo Civil não há prazos deste género, os únicos prazos que relevam são os da
existência do direitos, que são prazos de caducidade. Já estes prazos são prazos para
o exercício da ação. É certo que aqui houve uma alteração importante, o alargamento
do prazo normal de impugnação, que era de dois meses e que agora passa a ser de

121
três meses (58o/1 b) CPTA). Mas mais importante que isto foi o legislador ter
admitido que tal como no Processo Civil, no Processo Administrativo podem existir
causas legítimas para impugnar dentro de um prazo mais amplo, pelo que pode ser
desculpável o particular deixar passar o prazo de três meses e impugnar dentro do
prazo de um ano. Para além destas regras, o legislador nos artigos 61o ss. CPTA
estabelece ainda regras relativas à instância, regras que têm a ver com a marcha do
processo e a realidade processual.

O legislador regulou de forma completa esta modalidade de ações, chamadas


de impugnação, mas que em rigor não são meramente impugnatórias, ações que têm
regras que vão desde o objecto do processo até aos pressupostos processuais e à
instância, regras que são específicas e que constituem uma ação especial.

Duarte Borges Coutinho

2 de Novembro de 2017 14:00h — 16:45h

Vimos na aula passada a Ação de Impugnação e como se distinguia do antigo


Recurso de Anulação.

Vamos hoje falar dos requisitos processuais em matéria de impugnação,


começando pelo que aparece em primeiro lugar e que é o que tem mais importância,
tanto em termos práticos como teóricos, que é a impugnabilidade do ato
administrativo. O que se tem vindo a passar, desde o séc. XVIII é que os tribunais é
que têm, através da sua noção de ato impugnável, vindo a recortar de uma forma mais
ampla a noção de ato administrativo. A primeira coisa que é preciso ter em conta é
que a noção de ato administrativo é historicamente determinada pelas condições
políticas, económicas e sociais, pelo modelo de Estado, pelo modelo de
administração em jogo. Recordando o que já se disse, a noção de ato administrativo
tem vindo a alargar-se em função das transformações do modelo de administração e
de Estado, que vai chamando novos atos a litígio, alargando o conceito teórico de ato
administrativo

Na lógica da administração liberal, agressiva, a lógica assentava na confiança

122
na sociedade para resolver os problemas e que a Administração devia estar limitada a
garantir a propriedade e segurança. Neste modelo de administração agressiva o ato
administrativo era a principal forma de atuação da Administração, uma forma
autoritária clássica (Otto Mayer — ato administrativo é o que define os direitos dos
súbditos no caso concreto). A Administração define o direito do súbdito, em termos
que admitem a execução coactiva. Pensando em Maurice Hauriou, ele fala em
privilégios exorbitantes da Administração, que tem a ver com o poder de definição do
direito. É com base nesta construção dos privilégios que em Portugal o Prof.
Marcello Caetano fala no privilégio de execução prévia e no ato definitivo
executório. Temos aqui uma construção em que o conceito de ato impugnável é
restrito a estas categorias de atos (agressivos) , por consequência, um conceito
restrito de ato administrativo no âmbito da teoria geral do DA.

Com a passagem do estado liberal a estado social, o Estado tem muitas novas
funções, a Administração passa a ser prestadora. O que está em causa agora é a
prestação de serviços e a satisfação das necessidades coletivas através da
Administração. Isto introduz uma modificação radical na lógica do funcionamento da
Administração e na noção de ato administrativo, que deve ser considerada no quadro
desta nova realidade. A partir do momento que a Administração satisfaz necessidades
coletivas, prestando bens e serviços aos particulares, a Administração vai ter novas
formas de atuação (regulamentos, contratos), mas do ponto de vista do ato afasta as
construções autoritárias do ato administrativo. Em primeiríssimo lugar, porque o ato
prestador nem tinha sido concebido pelos autores clássicos (Otto Mayer fala apenas
no ato agressivo, sendo o ato de policia o paradigma do seu modelo de ato
administrativo). Maurice Hauriou e Marcello Caetano, posteriormente, já tinham
admitido a existência de atos favoráveis, mas colocavam a tónica ainda na noção de
ato agressivo. Se olharmos para aquilo que e Portugal aconteceu, a ideia do ato
definitivo executório, recebida na Constituição de 76, dura só até à revisão
constitucional de 89. O que é facto é que a Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos continuava a estabelecer uma regra, um pressuposto de
impugnabilidade, que continuava a falar nesse tipo de atos. Este tipo de atos já não
correspondia à totalidade do universo de atos impugnáveis e era por isso uma ficção
que se mantinha pela tendência que havia para continuar a fazer tudo como sempre se
tinha feito, mesmo quando as coisas mudavam, uma tendência de inércia nas

123
instituições. Nota-se isto até na construção do Prof. Marcello Caetano, que logo a
seguir a apresentar o ato definitivo executório elencava as exceções que deveriam ser
admitidas no âmbito do Contencioso Administrativo. A construção passou a assentar
mais nas exceções que na regra geral. Esta ideia da definição do direito por parte da
Administração (que cai no pecado original de promiscuidade entre administração e
justiça) está errada, o Direito é o meio que a Administração usa para atingir os seus
fins.

Sendo estes atos pedidos pelos particulares e sendo atos que satisfazem as
suas necessidades, não faz sentido falar em susceptibilidade de execução coactiva
contra a vontade dos particulares. Por isso, em face do novo modelo de
Administração, não faz sentido falar na susceptibilidade de execução coactiva como
pressuposto de imputabilidade do ato, como de resto fazia o Prof. Marcello Caetano,
e como fazia até há pouco tempo o Prof. Freitas do Amaral. É um absurdo, já que por
natureza os atos favoráveis não são susceptíveis de execução coactiva, e mesmo os
que sejam só são exequíveis quando a lei o estabelece.

Desde 89 que este critério do ato definitivo executório foi afastado da nossa
ordem jurídica, porque a CRP passou a estabelecer a impugnabilidade dos atos
administrativos em função da lesão de direitos dos particulares, o que está em causa
não são as características dos atos, mas sim o facto do ato lesar direitos dos
particulares. Há uma transformação no conceito de ato impugnável que decorre das
transformações da Administração. Se pensarmos no estado pós- social, consequência
das transformações verificadas a partir dos anos 70, e se pensarmos numa
Administração que hoje, para além de dimensão agressiva e prestadora, tem cada vez
mais uma dimensão infra-estrutural, em que a Administração estabelece mecanismos
de colaboração com os particulares para o exercício das suas funções, temos agora
novos atos administrativos com eficácia multi-lateral que não têm nada de definitivo
nem de executório.

Estamos então perante um problema, que o código procurou resolver, na


minha perspetiva bem (se bem que melhor em 2004). O CPTA abriu o contencioso
sobre atos administrativos de modo a contemplar os atos da administração agressiva,
prestadora e infra-estrutural, já que o problema era adotar uma concepção que
pudesse abranger todas as formas de atuação da Administração atual, sem deixar

124
nada fora do âmbito do Contencioso Administrativo. O legislador, nestas normas
(51o ss. CPTA) vai mostrar de uma forma cabal como está a alterar o modelo de
impugnabilidade e a construir uma nova noção de ato administrativo no quadro
destas regras sobre a impugnabilidade. Estamos a analisar um conjunto de normas
que visam superar aquilo que eram os traumas do Contencioso Administrativo e
visam abrir a noção do contencioso para além daquilo que eram as limitações
existentes na realidade tradicional. O que é que estava em causa nesses dois
conceitos, do ponto de vista processual? O Prof. Diogo Freitas do Amaral, seguindo
Marcello Caetano, falava na tripla definitividade do ato, que tinha de se verificar para
se poder ir a juízo. Havia, em primeiro lugar, uma dimensão horizontal - só ultimo
ato da cadeia (procedimento) é que era impugnável- e neste subsumiam-se todas as
ilegalidades prévias. Em segundo lugar, havia uma dimensão vertical, correspondente
a ser um ato praticado pelo órgão de topo, em última análise, só o Governo poderia
praticar atos impugnáveis, era preciso obter a última decisão possível.

Isto traz à discussão um requisito, que foi mantido na revisão do CPA em


2015, sem que ninguém perceba porquê, que é o recurso hierárquico necessário, que
seria um pressuposto processual prévio à propositura de uma ação. Até 2015, este
recurso hierárquico necessário era a regra e passou a ser mais limitado. Mas a
admitir-se esta norma, ela é uma entorse à impugnabilidade de atos administrativo.
Por último falava-se em definitividade material, que tinha a ver com a novidade na
produção de feitos. Para se ir a juízo, tinha que se levar um ato que produzisse efeitos
radicalmente novos, afastando do Contencioso Administrativo muitas realidades que
não tivessem efeitos originais. Esta definitividade material era o último resquício dos
traumas da infância difícil. O conceito de executoriedade já nem na própria teoria do
Prof. Marcello Caetano era levado a serio. Não só era um conceito inadequado, como
também, e como dizia o Prof. Rogério Soares, era uma confusão com o conceito de
eficácia.

Tanto os tribunais como a doutrina tinham conhecimento da fraca


aplicabilidade deste conceito, pelo que desde os anos 70 foram colmatando esta falha
admitindo exceções que eram de tal maneira importantes que punham em causa o
critério. No entanto, não se discutia a validade do critério enquanto tal.
Caracterizava-se o ato com base num critério que era logo de seguida desnaturado

125
pelas inúmeras exceções que compreendia.

Quanto à questão da dimensão horizontal, foi desde logo necessário construir


um Contencioso Administrativo onde se permitisse aos particulares impugnar atos
que, embora não fossem finais no procedimento em causa, lesassem os seus direitos
(pense-se na pessoa que é excluída de um qualquer concurso, essa decisão não é a
culminação de todo o procedimento, mas deve ser sindicável perante um tribunal).
Até 2004, tudo isto acontecia através da lógica da exceção. As exceções resolviam o
problema, embora no quadro de uma construção teórica deficitária.

A lógica do legislador da reforma é a oposta, agora o que se diz é que, na


sequência da lógica constitucional da lesão de direitos, independentemente do
momento da lesão, o particular pode impugnar o ato que lesa o seu direito. Atribui-se
ao particular a faculdade de escolher, de todo o procedimento, o momento mais
marcante na lesão do seu direito (51o CPTA).

Como disse há pouco, gostava mais da forma de 2004, porque falava em lesão
de direitos e produção de efeitos jurídicos e o legislador de 2015 considerou que
produzir efeitos era mais amplo que a lesão, e achou que era mais fácil e rápido
estabelecer como critério apenas a produção de efeitos. Quem tinha defendido esta
posição anteriormente era o Prof. Sérvulo Correia, que foi membro da comissão da
reforma de 2015, e fez com que desaparecesse a referencia à lesão de direitos. Não
significa isto que este critério tenha desaparecido enquanto critério fundamental,
desde logo porque é o critério definido na constituição e o próprio Prof. Sérvulo
Correia não põe em causa este critério. O que ele diz é que este é um critério de
legitimidade e não de impugnabilidade. Dizia respeito aos indivíduos e não ao ato.
Com todo o respeito, penso não tinha razão o Prof. Sérvulo Correia porque o que está
em causa quando se diz “ato lesivo de direitos” é uma característica do próprio ato e
não dos sujeitos. O que fez foi, na lógica daquilo que é um “código de Professores”,
procurar resolver problemas teóricos através de más soluções de natureza jurídica,
incluindo a lesão de direitos no 55o/1 a) CPTA, eliminando do artigo 51o, o que é um
disparate que nos obriga a interpretar este artigo 51o no sentido de considerar que
uma coisa são os atos lesivos e outra coisa a produção efeitos. Há atos que produzem
efeitos e que não são lesivos, e esses não são impugnáveis, porque são favoráveis.
Por isto é que preferia a versão de 2004, que falava tanto na produção de efeitos

126
como na lesão de direitos.

Numa ação para defesa de direitos (9o/1 CPTA), quem atua atua a partir do
momento em que há uma lesão, sendo a lesão o critério determinante.Se estamos
perante a ação pública/popular (9o/2 CPTA), a lesão do direito deixa se ser relevante,
passando sim a ser a produção de efeitos o que motiva a ação, porque o Ministério
Público ou o ator popular atuam em nome da legalidade objetiva.

A solução da versão de 2004 era melhor, pelas razões já apontadas, mas


também porque permitia distinguir a ação jurídico-subjectiva, em que o critério é a
lesão da ação pública ou popular, onde basta a produção de efeitos jurídicos.

Note-se ainda que há atos que não produzem efeitos (executoriedade reduzida
ao mínimo - Marcello Caetano) e que podem ser impugnados (54o CPTA) —
impugnação de atos administrativos ineficazes. Como se coaduna isto com o critério
do 51o? Tem de se utilizar o critério da lesão, já que os atos ineficazes podem ser
impugnados na medida em que haja susceptibilidade de lesão de direitos. O critério
da lesão é mais amplo que o da produção de efeitos jurídicos. O artigo 51o estabelece
um critério amplo, pelo que me parece uma boa solução. Em 2015 acrescentou o
legislador o no2, introduzindo umas limitações que: ou não são muito importantes ou
acabam por não introduzir nada de novo. Mas não foi só neste no2 que se introduziu
uma limitação: no próprio no1, para além de ter desaparecido a ideia de lesão de
direitos, aparece a ideia de efeitos externos, apresentada pelos Profs. Mário Aroso de
Almeida e Sérvulo Correia como significando uma limitação ao nível dos atos
administrativos. Com todo o devido respeito, e com toda a tentativa de compreensão
do argumento, não consigo ver como, porque qualquer ato, a produzir efeitos, serão
sempre externos. Já nem existem atos internos no domino administrativo. Então aqui
o “externos” não acrescenta rigorosamente nada, porque o que está em causa
continua a ser a produção de efeitos, pelo que não há nenhuma limitação ao conceito
de ato administrativo.

Apesar de, e volto a dizer, gostar mais da expressão que era utilizada em
2004, julgo que o CPTA continua a adotar boa doutrina e a admitir não só a
impugnabilidade de qualquer ato, em qualquer momento do procedimento, mas
também permite que o particular escolha o momento em que procede a essa

127
impugnação, dando ao particular uma estratégia processual.

Esta norma é emblemática porque serve também para a característica da


definitividade vertical, é que não há nem neste 51o, nem em qualquer artigo relativo
à impugnação de atos administrativos uma norma em que se exija que previamente
tenham de ser usadas as garantias administrativas e se não há nenhuma norma, não se
percebe como o legislador ou a doutrina podem vir a pretender que essa
obrigatoriedade exista e que seja necessária. E porquê?

Em primeiro lugar, desde 89 que digo que estabelecer uma cláusula que exija
o recurso hierárquico necessário viola a Constituição porque é uma limitação ao
direito fundamental de impugnar atos administrativos. Aquilo que está em causa é
uma restrição que não só não cabe no 268o/4 CRP como não respeita as regras do
artigo 18o CRP sobre restrições de direitos fundamentais. Se o particular está perante
um ato administrativo e pretende impugná-lo, tem de usar o recurso hierárquico
primeiro, sob pena de não poder recorrer ao tribunal. Isto tem um outro significado
processual, que tem a ver com os prazos. O prazo normal de impugnação é de três
meses, o prazo para recurso hierárquico é de 30 dias, e se se entender que esse prazo
é um pressuposto processual, coisa que o CPTA não diz, mas vamos entender,
enquanto hipótese absurda, que sim, a consequência seria que o particular podia
ainda estar dentro do prazo de impugnação de três meses mas já ter passado o prazo
do recurso hierárquico, e ficava vedada e ida ao tribunal. Isto é manifestamente
inconstitucional, não pode a Lei restringir um direito fundamental de forma
inconstitucional, de um duplo ponto de vista. Primeiro, do da efetividade do direito e
do ponto de vista da exigibilidade do direito, porque isto faz depender o exercício de
um direito fundamental de uma prévia intervenção da Administração, significa que o
direito é posto em causa na sua tutela plena. Mas também na tutela efetiva, porque
isto significaria reduzir o prazo de impugnação em dois terços (de três meses para
trinta dias). Isto é, mais uma vez, claramente inconstitucional. O recurso hierárquico
só pode ser facultativo, nunca necessário, sob pena de por em causa o direito
fundamental de acesso à Justiça. Mas há mais, a CRP também estabelece a separação
entra Administração e Justiça, pelo que o direito de ir a tribunal não pode depender
do uso de uma garantia que é administrativa. Isto até vai contra a ideia da
desconcentrarão, porque se o ato do subalterno já está apto a produzir todos os efeitos

128
jurídicos, põe-se e, causa este princípio. Sempre defendi, desde 89, que o
desaparecimento da referência ao ato definitivo executório punha em causa o recurso
hierárquico enquanto realidade necessária. Durante algum tempo, os tribunais
entenderam que não, através do argumento, a meu ver absurdo, de que não havia
lesão ao direito fundamental porque o particular não seria lesado se tivesse usado a
garantia administrativa. O problema não é esse, o problema é que se não usou a
garantia administrativa, seria prejudicado porque já nem a jurisdicional podia usar. O
recurso hierárquico necessário significava então obrigar o particular a usar “cinto e
suspensórios”, sob pena de não poder usar nenhum. Quando o legislador em 2004
alterou esta regra e estabeleceu a versão original do 51o CPTA, a doutrina passou a
dizer que se afastava a regra geral do recurso hierárquico necessário, mas que se
mantinham aqueles casos em que a Lei expressamente o dissesse (Mário Aroso de
Almeida + Diogo Freitas do Amaral). Argumentavam que o afastamento da regra não
implicava o afastamento da regra especial que previsse essa exigência de recurso
hierárquico necessário. Ora bem, reparem neste belo argumento, saber se é geral ou
especial só pode decorrer do afastamento da regra geral, porque até ao afastamento
dessa norma, a exigência dita agora “especial” era apenas uma confirmação da regra
geral. Se o que está em causa é uma revogação que afastava a regra geral, tinha que
se entender que afastava todos os casos, o afastamento é da regra e não da norma.

———

Estávamos a ver a questão da chamada definitividade vertical. O que é central


é saber se o recurso hierárquico pode ser necessário ou se o recurso hierárquico se
tornou sempre em facultativo. Apresentei já os meus argumentos com sede
constitucional. Na minha perspetiva, a Constituição ao estabelecer a lesão de direitos
como critério de impugnabilidade e a tutela plena e efetiva dos direitos dos
particulares não permite que o recurso hierárquico seja necessário, porque põe em
causa o direito à tutela plena, porque o particular fica obrigado a recorrer a uma
autoridade administrativa antes de recorrer ao tribunal, limitando assim o direito.
Limita também o direito na sua efetividade, porque como já vimos o prazo fica
substancialmente reduzido. O recurso hierárquico necessário põe ainda em causa a
separação de poderes e o principio da desconcentração, como já vimos.

Há então muitas e boas razoes para dizer que a exigência, constante do CPA,

129
de recurso hierárquico necessário é manifestamente inconstitucional. Haviam poucas
pessoas com uma posição próxima da minha, mas por exemplo o Dr. André Salgado
de Matos, aqui da casa, o Prof. João Miranda, a Prof. Alexandra Leitão, e bastantes
desta nova geração de administrativistas. A posição contrária, defendida pelos juízes,
impunha-se no ordenamento jurídico. Em 2002/2004, com a reforma, houve uma
alteração, porque o artigo 51o CPTA, tanto agora como na versão originária,
implicava o afastamento dessa exigência. A questão começou a ser colocada também
pelo meu colega Paulo Otero, que começou a dizer que não fazia sentido colocar a
questão em termos de necessidade, o que era mais adequado era tornar útil o recurso
hierárquico. Ou seja, mantém-se o recurso hierárquico enquanto garantia
administrativa, mas nunca necessária. Propúnhamos eu, já desde antes de 2004, e o
professor Paulo Otero, que se criassem mecanismos que permitissem que nalguns
casos houvesse utilidade em usar desta garantia. Também do ponto de vista
sociológico aquilo que acontece é que a Administração recebe um pedido de
reapreciação e a resposta é sintomaticamente negativa, e portanto a Administração
nunca muda a sua posição e o recurso hierárquico necessário só fazia perder tempo.
Ora, na altura da reforma, começou a surgir uma corrente na doutrina que contestava
a validade do recurso hierárquico necessário, face à restante doutrina nacional. O
legislador adotou a melhor solução, que foi a de não exigir esse pressuposto
processual, porque a sê-lo seria exigido no CPTA, não no CPA ou outra qualquer lei
avulsa, porque no CPTA, enquanto código de processo, é onde devem estar os
pressupostos processuais. O legislador do CPTA não só não o fez, como até
estabeleceu regras que vão no sentido da desnecessidade do recurso hierárquico, mas
que podem ainda assim dar alguma utilidade a esse recurso hierárquico, quando ele
seja facultativo, no sentido de o particular poder ganhar alguma coisa por interpor
esse recurso. Isto resulta das normas relativas aos prazos porque o legislador,
designadamente neste artigo 59o, CPTA veio esclarecer que o prazo para a
impugnação dos atos administrativos se interrompe se o particular interpuser uma
garantia administrativa, no sentido daquilo que já vinha a defender, sendo a
suspensão dos prazos de impugnação a vantagem para o particular em usar o recurso
hierárquico.

Mais, o legislador estabeleceu outra regra, que normalmente ninguém refere,


e que torna ainda mais evidente a desnecessidade do recurso hierárquico, que é o

130
particular, quando impugna administrativamente, não precisa de esperar pela resposta
para impugnar pela via contenciosa (59o CPTA). Ou seja, o particular escolhe se quer
impugnar administrativamente e depois contenciosamente, se faz as duas ao mesmo
tempo, e mesmo quando decide usar primeiro a garantia administrativa, o particular
não precisa de esperar pela resposta para impugnar contenciosamente. Da minha
perspetiva, para além do argumento da inconstitucionalidade havia o argumento da
ilegalidade. Explicando, o CPTA não só não faz qualquer referência à impugnação
administrativa enquanto pressuposto processual como estabelece um regime em que
essa impugnação administrativa é desnecessária, embora quando usada possa ter
alguma utilidade (suspensão de prazos), mas mesmo quando isso aconteça não tem de
ser levada até ao fim, porque o particular pode logo usar do Contencioso
Administrativo.

Um outro argumento ainda é o da inutilidade da garantia administrativa


necessária, porque em 99.9% dos casos, o superior hierárquico confirma sempre a
decisão do subalterno. Inconstitucionalidade, Ilegalidade e Inutilidade.

Como é que a questão se colocou, da parte dos Profs. Diogo Freitas do


Amaral e Mário Aroso de Almeida? Foi uma posição intermédia, ainda por cima o
Prof. Mário Aroso de Almeida com a autoridade de quem tinha tratado de corrigir
estas matérias, uma autoridade meramente cientifica, que não deve ser confundida
com a interpretação autentica, mas que tem algum efeito, em termos mais facticos do
que juridicos. O que defendiam era que a reforma do CPTA tinha revogado, em geral,
a regra do CPA que estabelecia a obrigatoriedade de uso da garantia administrativa,
mas entendiam, usando o argumento de que a revogação da regra geral só vale para
esses casos gerais, mas que seria diferente se o legislador tivesse expressamente dito
que para aquele caso se exigia um recurso hierárquico necessário. Portanto,
introduzindo esta limitação, deixava-se na vontade do legislador manter ou não a
exigência de garantia administrativa necessária. Esta construção, com todo o respeito,
parece-me incorreta, mesmo admitindo que estamos perante uma revogação. O
argumento da inconstitucionalidade, uma vez que não tem a mesma natureza de que a
norma legal, pode-se dizer, como diz o Professor Jorge Miranda, que gera uma
caducidade dos fenómenos jurídico-legais e não um fenómeno de revogação, o que
me parece adequado a esta situação. Mas ainda que se admitisse que havia revogação,

131
esta não podia ser colocada nos termos formalísticos em que se estava a colocar,
porque se dizia que era afastada a regra geral, e a regra, ainda que expressa, só se
tornaria especial depois do desaparecimento da regra geral, sendo que aquando da
revogação do principio geral, ela seria ainda confirmação dessa regra geral e portanto
logicamente revogada também. Poder-se-ia dizer, posto isto, que este argumento não
serve para as menções posteriores ao código, é o que diz por exemplo o Dr. Salgado
de Matos. Admitir isto implica não partir do pressuposto que é o meu que é o da
inconstitucionalidade, que fere qualquer exigência de obrigatoriedade de utilização
da garantia administrativa, ainda que futura.

Acontece que o legislador de 2015 veio a introduzir, no CPA, um conjunto de


regras que partiram da tomada de posição desta doutrina seguida pelos Profs. Diogo
Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida. Não é por acaso que o Prof. Mário
Aroso de Almeida esteve nas duas comissões (CPA + CPTA). O que o legislador de
2015 fez foi considerar que o legislador ordinário podia decidir se a garantia era
necessária, e que se o fizesse, havia um conjunto de regras que mantinham essa
garantia como uma realidade prévia ao contencioso. Eu devo dizer que nesta altura,
quando se discutiu a revisão do CPA, relembrei os argumentos de
inconstitucionalidade, ilegalidade e inutilidade, e sugeri ainda algumas posições
alternativas, que poderiam fazer algum sentido caso se quisesse tornar mais útil a
possibilidade, nunca exigência, de usar da garantia administrativa, que era a solução
do direito anglo-saxónico de criar autoridades independentes, que este recurso, a
existir, não deveria ser na lógica tradicional de recorrer ao superior hierárquico, que
na esmagadora maioria dos casos confirma o ato do subalterno, mas em vez disso
deveria ser uma autoridade independente a decidir esses recursos, dando alguma
garantia de imparcialidade ao particular. A hipótese foi considerada pelo legislador,
mas não chegou a ser consagrada.

Se fiquei perturbado em 2015 quando saiu o CPA, tive uma nova alegria
quando, em 2016, apareceu esta nova versão do CPTA, porque o legislador, que
entretanto tinha criado o recurso hierárquico necessário, voltou a arrepender-se,
porque não regulou esse recurso hierárquico necessário onde tinha que regular. Se é
um pressuposto processual, tem de estar regulado no CPTA (51o ss.). Sendo o CPTA
posterior ao CPA, no mínimo teria revogado o “necessário” do CPA, porque lei

132
posterior revoga lei anterior.

Agora há uma explicação, dos Profs. Mário Aroso e Vieira de Andrade que é
não era preciso que o legislador do CPTA se tivesse ocupado do assunto, porque
bastava o legislador do procedimento o ter feito, e tendo-o feito que as coisas deviam
ser interpretadas nos mesmos termos. Ora, com todo o respeito por esta posição, não
me parece que ela faça qualquer sentido porque parte de um pressuposto e
preconceito doutrinários para justificar a interpretação de uma lei que não faz
referência alguma à necessidade da garantia administrativa. Depois, porque o CPTA
é posterior ao CPA, a ter havido alguma coisa houve uma mudança de posição por
parte do legislador. Estamos agora a testar este novo código, com a nova formulação
de 2016 e, portanto, como devem calcular, nada disto foi ainda discutido nos
tribunais ou criou jurisprudência que possa indicar num sentido ou noutro. Na
doutrina, continua esta discussão entre a posição defendida por mim e pelo Profs.
Paulo Otero, João Miranda e Alexandra Leitão e a posição defendida pelos
professores Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, entre outros, que
entendem que afasta em quase todos os casos, mas não naqueles em que o legislador
faça uma previsão expressa.

Faz então sentido, da minha perspetiva, dizer que o recurso hierárquico é


desnecessário, passando a haver, ironicamente, um recurso hierárquico necessário
desnecessário, ou vice-versa. Quanto à definitividade material: também aqui o
legislador desta reforma resolveu, para que não ficassem dúvidas quanto a esta
realidade, esclarecer o que estava em causa quando estávamos perante um ato
administrativo. Considerar que para haver impugnação tinha de haver efeitos
jurídicos novos é uma exigência que não resulta diretamente da Lei e que resultaria
de uma determinada posição doutrinária. Então o que é que se exigiria ao legislador?
Exigiria-se que afastasse essas situações, para dizer que qualquer ato administrativo
pode ser impugnado e que esse ato não tem de introduzir um efeito novo. Isto é uma
discussão que remete para o que estudamos no segundo ano, quando disse que havia
uma posição doutrinária que assentava na ideia de o ato administrativo tinha de ser
regulador, tinha de produzir efeitos novos, tinha que ser original. Tradicionalmente
posição da escola de Coimbra (Rogério Soares, Vieira de Andrade), tinha tido em
Lisboa o apoio do Prof. Sérvulo Correia, e agora, na última versão e estranhamente,

133
do Prof. Diogo Freitas do Amaral. Outra posição, tradicional do Prof Marcello
Caetano, é dizer que o ato administrativo deve produzir efeitos jurídicos,
independentemente da novidade. Uma visão ampla de ato administrativo. O
legislador do CPTA tomou quanto a mim a decisão certa, no sentido de uma noção
ampla, tal como a que está no CPA, eliminando as dúvidas previamente existentes
quanto aos atos confirmativos e dos atos de execução. Sendo estes impugnáveis, cai
por terra o pressuposto da novidade do ato administrativo. No artigo 53o, o legislador
do CPTA defende, e muito bem, que em relação aos atos confirmativos é preciso ver
se não há de facto uma realidade nova, mas mais importante, a ideia de que os atos de
execução são atos administrativos impugnáveis tais como todos os outros. Esta é uma
das normas do CPTA que tem o meu nariz e a impugnabilidade dos atos de execução
é um dos meus cavalos de batalha. O legislador do CPTA veio então dizer que o que
era importante era a produção de efeitos jurídicos, novos ou não. O legislador do
CPTA vai dizer que, por um lado, um ato confirmativo pode na mesma ser
impugnado, quando é susceptível de lesar direitos dos particulares e, por outro lado,
que os atos executórios, que não têm novidade, também podem ser impugnados. O
legislador não faz qualquer referência à executoriedade, e ainda bem, mas o
legislador também, no artigo 54o fala na ideia da eficácia, de alguma maneira
introduzindo a discussão que havia antes entre o Prof. Marcello Caetano e o Prof.
Rogério Soares sobre se o que era necessário no ato admin era a executoriedade ou se
bastava a eficácia. O legislador põe com esta norma de parte o argumento da
executoriedade, e reconduz a questão à eficácia, a simples produção de efeitos. Mas
dá o legislador ainda mais um passo, que é permitir a impugnação de atos ineficazes.
Há pouco também invoquei o artigo 54o sobre a discussão acerca do carácter lesivo
ou da produção de efeitos, porque este artigo 54o vem contrariar a regra da produção
de efeitos jurídicos, tem o efeito de recuperar a ideia da lesão, porque os atos lesivos
são uma categoria constitucional e mais ampla que a da eficácia.

É por isso que atos que não produzem efeitos podem à mesma ser
impugnados, porque lesivos de direitos. De outra maneira não poderiam. É então a
exigência de lesão de direitos que continua a ser o critério mais importante da
impugnabilidade dos atos administrativos no Contencioso Administrativo.

Duarte Borges Coutinho

134
(Mariana Rodrigues)

7 Novembro 2017 15:30-16:45

Na aula passada estivemos a analisar os pressupostos processuais da ação de


anulação, passando a analisar o artigo 38º do código de processo administrativo,
norma bem consagrada pelo legislador na opinião do professor.

Artigo. 38º - Ato administrativo inimpugnável:

1 – “Nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da


responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal
pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não
possa ser impugnado.”

2 – “Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros
meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.”

Esta norma, refere que a inimpugnabilidade é uma realidade meramente


processual que não tem nenhum efeito de natureza substantiva, se o acto era ilegal
continua a ser ilegal, se era inimpugnável, não pode ser impugnado, mas juiz pode
conhece-lo, e ao conhecer o juiz não está limitado nos seus poderes excepto quanto à
anulação, pode condenar a administração, pode reconhecer direitos de particulares.
Esta solução do art.38º não sendo a melhor, porque não põe termo à regra da
inimpugnabilidade independente do prazo, já permite o conhecimento jurídico das
situações. O art.38º nº2 é uma limitação que significa que o resultado não pode ser a
anulação, o que não significa que o juiz não possa tutelar integralmente os direitos
dos particulares. Professor faz referência ao livro “Os ventos de mudança no
contencioso administrativo” onde dá vários exemplos de situações que caberiam nos
poderes do juiz no quadro desta situação, uma delas tinha haver com uma situação de
demissão por sanção disciplinar da função pública, um acto de demissão da função
pública, se passar o prazo legal para impugnação, este artigo diz-nos, que não é
possível efeito anulatório, admitindo-se que juiz possa conhecer e tutelar os direitos
dos particulares, ou seja, se no prazo de 5 anos fosse apreciado esse acto de

135
demissão, e o juiz entende que não havia razões para essa demissão, não pode anular
a decisão, reintegrando o funcionário na posição que se encontraria, recompensando
os salários perdidos, contudo juiz pode condenar a administração a reintegra-lo, não
tendo apenas a eficácia retroativa, mas salvaguardava a posição do particular, a
reintegração não é a mesma coisa que a anulação da demissão, a doutrina clássica, na
pessoa de Marcello Caetano, distingue a anulação de um acto, da prática de um acto
de conteúdo contrário, correspondendo a duas competências diferentes e dois actos
distintos. Uma coisa é anular, afastar os efeitos do acto anterior, que nestes casos já
não é possível fazer nos termos deste art.38º, mas o particular, pode obter
conhecimento a titulo incidental do seu direito, juiz aprecia para efeitos de outros
actos subsequentes, não havendo nenhuma limitação à condenação que pode ser feita
à administração, ou seja, à reintegração do funcionário.

Legislador adotou e bem esta solução defendida pelo professor, de que o facto
de não apresentar recurso de anulação no prazo legal, nao impedia o particular de
levar a tribunal o seu direito, e o juiz nao pode anular o ato, mas pode conhecer da
sua validade e pode condenar a administração a realizar outro acto, operando aqui a
tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e este artigo 38º corresponde a
esta posição. Professor dá o exemplo duma situação ocorrida nos anos 70, em que
houve uma atribuição de sanções disciplinares a vários funcionários públicos, (por
parte do governo) que tinham faltado ao serviço na sequência de uma greve
universitária, aconteceu que as pessoas que faltaram, só descobriram da existência da
punição 30 anos depois, quando pediram a contagem do tempo de serviço para
efeitos de reforma, sendo prejudicadas pelas faltas injustificadas que tinham tido.
Professor já na altura defendeu que estas pessoas tinham direito à tutela dos seus
interesses e direitos, neste caso, o direito à reforma, pois houve pessoas que ficaram
sem este direito, devido a estas sanções ilegalmente atribuídas. O que estava em
causa era a apreciação a titulo incidental da ilegalidade de um ato administrativo
(artigo 38º).

Na segunda parte da aula, procedeu-se à resolução de um caso prático:

“No país do futebol anda tudo em polvorosa. Imagine-se que António Confiúzo,
presidente do clube de futebol Os Gilinhos do Vicente, pretende reagir

136
contenciosamente contra as decisões das autoridades desportivas, que visam impedir
o acesso do clube à 1ªdivisão do campeonato nacional de futebol, na sequência de
alegadas irregularidades quanto ao estatuto de um dos seus jogadores, Matateus de
seu nome. Indignados, os presidentes da liga e da federação de futebol nacional,
alegam que os clubes de futebol estão impedidos de recorrer aos tribunais para
resolver litígios de natureza desportiva, invocando para tanto a legislação desportiva
e os estatutos de uma sociedade anónima futebolística multinacional – a F.I.F.A.
Desta forma, pretendem os dirigentes desportivos que o dito clube de futebol desista
ou renuncie à utilização de quaisquer meios processuais, ameaçando com sanções
disciplinares e indemnizações monetárias que decorreriam de uma alegada sanção da
F.I.F.A incidente sobre todo o futebol português. Por seu lado, o dirigente do clube
Os Gilinhos do Vicente, António Confiuzo, manifesta-se disposto a ir até às ultimas
consequências na defesa das suas pretensões, nomeadamente utilizando todas as vias
processuais ao seu alcance da justiça administrativa, constitucional e europeia. Quid
Iuris?”

Factos jurídicos relevantes:

 Autoridade desportiva impediu que um determinado clube subisse à primeira


divisão, com base em supostas irregularidades quanto ao estatuto de um
jogador.

Questões processuais que se colocam:

 Aluno refere que o presidente do clube tem legitimidade para impugnar esta
decisão nos termos do art.9º e art.55º do código de processo administrativo,
referindo ainda que esta decisão é inconstitucional pois viola o principio da
tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos. 20º e 268º4/5 CRP.

 Professor refere que não há inconstitucionalidade, mas sim ilegalidade, e que


a questão é a de saber se esta matéria deve ser apreciada pelo contencioso
administrativo e seus tribunais. Aluna afirma que sim, por estar em causa uma
sanção aplicada por uma autoridade administrativa a um particular, nao
estando em causa as regras do jogo propiamente ditas, acrescentando que

137
embora esteja em causa instituições de direito privado, exercem uma função
materialmente administrativa. O fundamento está no art.4º do estatuto dos
tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente a alínea d): “Fiscalização
da legalidade da normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer
entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de pedres
públicos” e alínea h): “Responsabilidade civil extracontratual dos demais
sujeitos aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do
Estado e demais pessoas coletivas de direito público” pois aplica-se a
entidades privadas submetidas às mesmas regras da responsabilidade civil do
Estado, por exercem poderes públicos.
 Quanto às alegações do presidente da liga e da federação, de que os clubes de
futebol estão impedidos de recorrer aos tribunais para resolver litígios de
natureza desportiva, invocando para tanto a legislação desportiva e os
estatutos de uma sociedade anónima futebolística multinacional, aluna refere
que o direito a ir a juízo é um direito de natureza indisponível, a legislação e
os estatutos nao podem limitar este direito, podendo António recorrer ao
tribunal, caso contrário existe uma inconstitucionalidade. Quanto à ameaça de
sanções disciplinares e indemnizações monetárias, também são
inconstitucionais elas próprias. António, tendo legitimidade ativa e como
presidente pode apresentar pedido de condenação à prática do acto devido,
tendo esta ação pressupostos/requisitos a serem cumpridos. Questão que se
impõe é a de saber se, em vez da ação de condenação, deve ser pedida ação de
anulação, anulando os efeitos da decisão. Tendo a condenação efeitos mais
amplos e de conteúdo positivo, e não apenas de conteúdo negativo, deve ser
este o pedido.

Paulo Ramalho

(Michael-Sean Boniface)

9 de Novembro de 2017 15:30-16:45

138
Questão ainda pendente: na cumulação de pedidos, há ou não alternatividade
entre o pedido de condenação e o pedido de impugnação? O artigo 51º nº4 do CPTA
resolve este problema. O preceito dispõe que o tribunal deve convidar o autor a
alterar o pedido, na hipótese de o pedido por este formulado for de impugnação, isto
é, o autor deve, então, alterar o pedido inicial de impugnação para condenação. A
referência ao “adequado pedido” deve ser lida em conjugação com o preceituado nos
artigos 66º e 67º, pois sempre que esteja em causa um ato de conteúdo negativo,
como uma omissão, o pedido adequado é o de condenação.

Assim, pode dizer-se que o legislador optou por estabelecer que é o pedido de
condenação aquele que deve ser pedido. Isto introduz uma enorme amplitude para as
ações de condenação. Dá-se preferência à condenação em todos os casos com
conteúdo negativo.

O legislador, neste âmbito, ainda acrescenta algo diferente daquilo que


constava do projeto de 2004. No projeto dizia-se que o pedido se convertia
automaticamente em pedido de condenação; por isso, quando o particular se
enganava havia uma conversão automática do pedido. O Professor Vasco Pereira da
Silva nessa altura escreveu que não fazia sentido ser esse o regime porque caso fosse
o juiz a alterar, automaticamente, o pedido, tal poria em causa o princípio do
dipositivo. A solução hoje consagrada, embora conduza ao mesmo resultado prático,
respeita todos os princípios: o juiz faz um convite às partes para alterar o pedido
apresentado. Este convite formulado pelo juiz significa, na prática, o mesmo que a
convolação automática, pois perante um convite deste tipo é certo que todos os
particulares vão respeitar e seguir a sua orientação, sob pena de improcedência do
pedido que é desvantajosa para o próprio particular.

Daqui resulta que quando está em causa uma omissão de um ato de conteúdo
negativo, o pedido adequado é o de condenação e não de anulação.

Mesmo assim, com esta formulação, ainda se discute se, nalguns casos e a
título excecional, não se poderá admitir que possa proceder o pedido de impugnação,
em vez de condenação. O Professor Mário Aroso de Almeida, numa versão das suas
lições, ia buscar 2 ou 3 casos excecionais, retirados do direito alemão, respeitantes a

139
relações jurídicas continuadas; entendia que, excecionalmente, nesses casos podia ser
admitida a anulação em vez da condenação.

Exemplo: situação em que um particular requer uma licença de construção,


apesar de não estar interessado em construir naquele momento. Pede apenas na
eventualidade de vir a querer e, desse modo, garantir a possibilidade de construir
sobre o seu imóvel. Neste caso, segundo o direito alemão, admitir-se-ia a
possibilidade de reagir contra o pedido de construção através da simples anulação e
não pela condenação. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, não faz
sentido nem do ponto de vista das regras existentes no direito português, nem do
ponto de vista da natureza do que está em causa, que se possa admitir a
alternatividade. Em Portugal, quer a impugnação quer a condenação são duas sub-
ações e, por isso, a alteração do pedido não significa começar tudo do zero, ter de
apresentar o processo de novo. Um dos motivos que levaram a que, no direito
alemão, se considerasse a exceção era para não se demasiado excessivo que o
particular obtivesse primeiro uma sentença de absolvição do pedido e, depois,
utilizasse outro meio processual. Em Portugal, havendo uma única ação, tal não se
verifica. Os pedidos de impugnação e condenação são sub-ações do mesmo género,
pelo que a alteração do pedido não significa ter de iniciar o processo de novo. Por
outro lado, o facto de o particular querer ou não construir a habitação é irrelevante do
ponto de vista do direito administrativo e do prisma do processo, pois se o particular
anula o ato fica numa situação que nunca é mais protegida do que a situação de obter
a condenação; se obtém a condenação, isso tem o efeito de afastamento automático
do ato de anulação e cria o dever de praticar, do lado da administração, o ato de
atribuição da licença que não tem sequer de ser executada imediatamente. Este ponto
ainda relacionado com a lógica do direito do urbanismo, que prevê que é possível
construir mas o particular não está obrigado a isso.

Assim, não há vantagem em optar pela anulação uma vez que a condenação
tem o efeito que vai sempre além da anulação e já inclui este. Do ponto de vista da
tutela material não há qualquer vantagem.

Hipótese prática 1.

140
Bruno apresentou à Câmara Municipal Y, em 16 de junho de 2008, um pedido
de licenciamento de uma moradia a construir em terreno de que é proprietário.
No requerimento então apresentado dava conta da urgência na obtenção do
licenciamento uma vez que necessitava da moradia para residir com a sua
família, designadamente por estar iminente o nascimento de filhos gémeos, o que
tornaria o apartamento em que atualmente reside manifestamente exíguo para o
agregado familiar.

Em 16 de julho, não tendo obtido resposta da Câmara, Bruno propõe ação


administrativa especial para condenação à prática de ato devido. Pretendia ver
a Câmara condenada a emitir a licença de construção. A Câmara alegou em sua
defesa que ainda não teria decorrido o prazo legalmente estabelecido para
proferir uma decisão, pelo que faltaria ao pedido de Bruno este pressuposto.
Quem terá razão?

Tendo desaparecido o regime do indeferimento tácito, o legislador estabelece


como requisitos processuais da ação de condenação, no artigo 67º, a existência de um
pedido, apresentado ao órgão competente, tendo decorrido o prazo legalmente
estabelecido. Este prazo encontra-se previsto no artigo 128º do Código de
Procedimento Administrativo.

Daqui se retira que, efetivamente, ainda não tinha decorrido o prazo pois só
tinham passado 30 dias – falta um pressuposto processual, pelo que a sentença será
de absolvição da instância.

Relativamente ao direito que o particular alega – direito a construir uma


moradia num terreno de que é proprietário em razão do nascimento próximo dos
filhos gémeos. Será este um motivo que justifica a existência de um direito e de um
comportamento por parte da Administração? No âmbito dos atos omitidos colocam-
se duas questões em relação ao pedido e em relação à sentença que o tribunal vai
emitir. A sentença pode ser mais ou menos intensa, com conteúdo mais ou menos
forte. O particular tem sempre direito a um ato administrativo, mas só tem direito ao
deferimento da pretensão se cumprir os requisitos – e no elenco destes não consta o

141
facto de ter ou não gémeos, ou seja, este não é um argumento, não atribui um direito
no quadro da relação jurídica, apenas tem direito a uma resposta.

O juiz, no âmbito dos poderes de apreciação de que dispõe (verificação do


poder discricionário), poderia ou não levar em conta essa situação? Não estamos
perante hipótese de discricionariedade reduzida a 0, pois há, sim, discricionariedade.
Nos termos do artigo 71º/2, o juiz pode e deve explicitar as vinculações a observar
pela administração, isto é, explicitar os critérios legais para que a administração
atuasse, desde logo demonstrar os requisitos de concessão das licenças; por outro
lado, o juiz poderia fazer a administração ver que está em causa a proteção
constitucional da família, não condicionando desse modo a decisão, mas explicitando
uma vinculação que, no caso concreto, pode ajudar a escolher uma medida. O que é
certo é que não pode determinar o conteúdo do ato, que significa no caso concreto
que o juiz não pode dizer à administração se deve ou não conceder a licença.

Hipótese prática 2.

A Câmara Municipal X indeferiu o pedido de Zeferino, conhecido empresário


do ramo imobiliário, para a construção de um prédio de habitação.

Zeferino afirma tratar-se de uma construção de “charme” inspirada na


arquitetura do Norte da Europa.

A Câmara Municipal X alega que a referida construção não se enquadra na


“estética” envolvente. Além do mais, de acordo com a Câmara, o PDM não
prevê a construção de um prédio de habitação naquela localização.

Zeferino pretende que o Tribunal Administrativo condene a Câmara Municipal


a conceder-lhe a licença e que seja aplicada sanção pecuniária compulsória ao
Presidente da Câmara até que a referida licença lhe seja concedida.

Poderá fazê-lo?

Modalidade de ação de condenação em causa: ato de conteúdo negativo por


parte da administração, ato de recusa.

142
O particular alega que tem direito à licença para construir porque o seu
projeto se inspira na arquitetura do Norte da Europa – isto não corresponde a um
direito/pretensão que ele possa alegar. Além disso, o próprio PDM não prevê a
construção de prédios naquela localização. A questão da estética é discutível porque
não há lógica de rigidez em termos de natureza estética, salvo situações especiais
relativas à preservação do património cultural. Mas quanto ao PDM não há
possibilidade de ponderação.

Vera Manoel

14 de Novembro de 2017 14:00-16:45

A matéria sobre a qual nos iremos debruçar será a acção de condenação à


prática do acto devido.

Relativamente a esta matéria, tínhamos visto na aula anterior que o legislador


do contencioso estabeleceu um mecanismo processual de natureza sujectiva, sendo
que aquilo que está a ser apreciado é a pretensão e o direito subjectivo do particular e,
este direito é titulado de uma forma completa.

Esta acção de condenação, tanto existe nos casos de indeferimento de um


pedido, como nos actos de conteúdo negativo. O legislador prevê que este acto de
conteúdo negativo possa ser entendido de uma forma parcial, permitindo a utilização
desse pedido.

Na lógica do CPTA há uma preferência pela condenação face à anulação, e


isso resulta da regra que foi analisada na aula passada, na medida em que o juiz
convida à reformulação do pedido, caso o particular use um pedido de anulação,
quando devesse utilizar um pedido de condenação. Falta assim, hoje referir apenas a
questão dos pressupostos processuais no âmbito deste mecanismo processual.

O legislador ocupa-se da questão da legitimidade e da questão dos prazos,


dedicando-se igualmente em parte à questão dos poderes de alteração da instância e

143
dos poderes de pronúncia da parte do tribunal. Aqui, o mais importante nesta altura é
verificar aquilo que o legislador estabelece no quadro da legitimidade.

A primeira questão que aqui se coloca é a de saber em que medida é que estas
normas, designadamente as que constam do art.88º do CPTA, que são normas que
estabelecem um regime especial comparativamente às normas dos artigos 9º e 10º do
mesmo código. O Prof. Vasco Pereira da Silva diria que, em função da lógica do
objecto do processo e em função da lógica das realidades em que se aplica este
mecanismo processo – tal como analisamos em aulas passadas – , se justifica
existirem normas especiais determinadas pela dimensão mais subjectiva deste meio
processual.

O primeiro aspecto que aparece referido no quadro da lógica da legitimidade


para pedir a prática de um acto administrativo, é algo que se assemelha ao que estava
no artigo 9º do CPTA, que é a dimensão jurídica-subjectiva. Diz-se assim que, quem
alegue ser titular de um direito ou interesse próprio legalmente protegido, dirigido à
emissão de um acto.

Em seguida, aparece-nos o Ministério Público, que tem aqui uma


reformulação da sua intervenção processual, não só em relação àquilo que existia
anteriormente, como em relação às regras gerais do artigo 9º e 10º do CPTA. Esta
reformulação que decorre da Reforma de 2015 é largamente criticada, sendo que o
que está em causa é a questão de saber se num processo claramente subjectivo, faz
sentido que exista acção pública e acção popular. Admitindo que faz sentido que
existam, essa existência deve estar limitada, porque quer o autor público quer o autor
popular actuam para defesa da legalidade e do interesse público e não para a defesa
de um particular e, o objecto deste processo é a tutela de um direito no quadro de
uma relação material controvertida.

Assim, no entendimento do Prof. Vasco Pereira da Silva, as acções públicas e


populares deviam estar limitadas aos casos de existência de um acto expresso e não
actos omitidos, ou seja, a omissões da Administração Pública.

144
O legislador resolveu dizer que o Ministério Público actua apenas quando está
em causa a violação de direitos fundamentais graves ou de ilegalidades graves no
âmbito da ordem pública. Só que, dizer isto, significa colocar a intervenção do
Ministério Público num domínio que é o da ilegalidade porque, o que está aqui em
causa é a defesa de um direito e, o Ministério Público não tem direitos. O Ministério
Público pode actuar como sucedâneo da protecção dos direitos e, portanto, o Prof.
Vasco Pereira da Silva admite que faça sentido que se tratando de um direito
fundamental, tal como se encontra previsto no art.88º do CPTA, que aí o Ministério
Público ainda possa intervir numa função por um lado, da defesa da legalidade e do
interesse público, mas que vai actuar para defesa do interesse do particular e,
portanto, nessa medida é possível que ele alegue um direito que não é seu. Mas se a
situação for aquela que aparece aqui referida na segunda parte deste artigo, o de
haver uma ilegalidade grave, então este processo não tem objecto, uma vez que, o
objecto do processo nos termos do art.66º/2 é sempre o direito do particular.

Estamos assim, numa situação de objecto legalmente impossível e isto


significa, na prática, que o Ministério Público não pode actuar numa acção de
condenação para a defesa de interesses públicos, por muito graves que eles sejam. O
Ministério Público goza de todos os meios processuais, goza dos poderes de
anulação, pode fazer todos os pedidos para a defesa da legalidade e dos interesses
públicos, está, no entanto, limitado a fazer pedidos que correspondam à defesa
objectiva da legalidade, porque este meio processual é um meio processual de
natureza subjectiva.

O Ministério Público na lógica do legislador, aparece como um autor que


actua de alguma forma em representação de um particular quando está em causa um
direito fundamental e, isto no limite permite a intervenção do Ministério Público, na
medida em que existe um direito, mesmo que seja um direito de outrem, que é
objecto do processo, sendo que nesse sentido a sua actuação fica legitimada.

Mais se diga do legislador, a propósito do Ministério Público, ao remeter para


os valores e bens relativos ao nº2 do art.9º do CPTA. Aquilo que se acabou de dizer
para o Ministério Publico vale ainda mais para acção popular, uma vez que, se aquilo
que está em causa é uma tutela desses bens no âmbito de uma lógica objectiva, uma

145
lógica que não é o da tutela dos direitos, significa que este pedido não é adequado
para a defesa desses bens ou interesses.

O legislador ainda acrescenta situações com o intuito de simplificar e repetir


aquilo que estava para trás. Fala em pessoas colectivas públicas ou privadas em
relação aos direitos e interesses que lhes cumpre defender. As pessoas colectivas são
realidades que são criadas pelo Direito para a satisfação de determinadas
necessidades, e que têm os direitos e deveres que correspondem aos respectivos
estatutos, sendo por isso uma realidade personalizada.

Outro problema é a referência aos órgãos administrativos, em que o legislador


faz referência a relações intraorgânicas e interorgânicas. Mas de novo, aqui só se
pode falar em poderes de actuação no âmbito destas acções quando se poder falar em
direitos e, como tal, limita o âmbito de aplicação deste pedido. O que está aqui em
causa não são os órgãos, mas sim a manifestação desse órgão face à actuação por
parte da Administração Pública.

O legislador ao referir-se aos órgãos quis ir mais longe, quis dizer que podia
haver no quadro deste pedido relações interorgânicas e intraorgânicas. O Prof. Vasco
Pereira da Silva não afasta liminarmente a existência destas relações e de pedidos à
condenação à prática de um acto devido que correspondam a realidade
interorgânicas, mas ainda é preciso admitir que existem relações jurídicas no âmbito
destas relações e que há direitos desses órgãos face a outros órgãos da mesma pessoa
colectiva. E, se isto é assim, a realidade é que somos obrigados a limitar a situações
jurídico-subjectivas a possibilidade de utilização deste pedido. Já tudo aquilo a que
respeitar ao funcionamento dos órgãos e tiver a ver com uma realidade objectiva,
tudo isso cai fora do objecto do processo, e consequentemente não pode ser intentada
acção de condenação.

Em seguida, o legislador aborda a situação dos Presidentes dos órgãos


colegiais. O Prof. Vasco Pereira da Silva aqui também apresenta as suas dúvidas. O
Presidente do órgão tem o poder de impugnar uma decisão, mas não tem o poder de
pedir a condenação, e, portanto, há aqui uma limitação intrínseca, porque o
Presidente do órgão não está actuar nem para defesa dos seus interesses da pessoa

146
jurídica. Aquilo que o legislador introduz aqui é uma contradição entre a realidade
deste mecanismo e a realidade que corresponde ao objecto do processo.

O mesmo se diga quanto ao autor popular. O que está aqui em causa não são
os direitos do autor público, mas sim a defesa por si prosseguida para a busca da
legalidade e do interesse público. Portanto, o mecanismo processual da condenação à
prática de um acto devido é inadequado para proteger estas situações. Esta
legitimidade do autor popular não faz sentido e não é legalmente possível.

Há aqui um outro pressuposto processual que aparece que é o pressuposto do


prazo. Aqui o legislador aproximou este meio do processo de anulação e, veio
estabelecer regras processuais relativas a prazos que precludem a possibilidade de
impugnação. O art.89º/1 do CPTA suscita algumas dúvidas quanto à utilização da
expressão “caduca”, porque estamos no âmbito de uma realidade processual e,
enquanto houver o direito não há nenhuma caducidade, quanto muito ocorre uma
prescrição, mas que não afasta o direito. Agora, uma vez que o regime que o
legislador estabeleceu para as acções de anulação um prazo que corresponde ao prazo
máximo de um ano, e assim sendo a opção foi a de se atribuir o mesmo prazo para a
acção à prática de um acto devido. Assim, devemos atender à norma do artigo 38º do
CPTA quanto à caducidade apresentada no artigo 89º/1 do mesmo código.

Diz-se também que nos casos de indeferimento de recusa de apreciação de


requerimento dirigida à substituação de um acto de conteúdo positivo o prazo de
validade de acção são de 3 meses, que pode ser alargado até um ano.

Mafalda Baudouin

(Raquel Ribeiro)

16 de Novembro de 2017 15:30-16:45

Vamos analisar um pedido de natureza regulado no âmbito do CPTA como uma sub-
ação ou como forma de ação especial em matéria condenatória no quadro dos
regulamentos. O facto de se tratar de uma ação condenatória faz com que surjam

147
todas as limitações e todos os problemas que se tem colocado no Direito
Administrativo, sempre que não estamos perante sentenças constitutivas. O que está
em causa tem a ver com a condenação da administração à emissão de uma norma de
natureza regulamentar.

A questão que se coloca é: Isto é possível?


Ou se a condenação no âmbito de uma atuação normativa, cabe ou não no quadro da
lógica tradicional do Direito Administrativo e se se insere dentro espírito da
separação de poderes.

O grande argumento contra as sentenças de condenação era o argumento da


separação de poderes, mas tal como já vimos quando analisámos a condenação na
pratica do ato devido e de atos administrativos, o que está em causa não corresponde
a uma violação da separação de poderes.
Implica de facto, a reponderação da separação de poderes, mas não a sua eliminação
enquanto princípio jurídico. Haveria violação desse princípio se os juízes se
substituíssem à Administração na emissão de atos administrativos ou na elaboração
de regulamentos; se interviessem naquilo que era o domínio da Administração.

Não é o caso. Estamos perante situações em que é obrigatória a existência de


regulamentos, porque a lei o exige, e que têm um conteúdo que em muitos casos é
determinado na lei.
Aqui faz sentido distinguir duas realidades diferentes em sentenças condenatórias:

1 - Condenação na elaboração de um regulamento - eg. âmbito do urbanismo e


planificação, em que existem mecanismos de natureza local que são obrigatórios.

Imaginemos que determinado município, não elabora o Plano Diretor Municipal, está
a violar a lei. É um dos casos em que existindo esta violação, é justificada a
intervenção do Ministério Público e até do ator popular exercendo o seu direito de
ação para condenar a Administração. E se olharmos para a ação do Ministério
Público embora possa desempenhar sempre a função de parte, raramente o faz e um
dos poucos domínios em que o faz é no domínio do urbanismo.

148
2- Determinação do conteúdo do próprio regulamento: há um certo grau de
indeterminação no quadro dessa norma regulamentar, mas se tivermos perante um
regulamento complementar ou de execução de uma lei, o seu conteúdo (que vai
disciplinar as condições relativas ao exercício daquela realidade normativa ) principal
já esta pré-determinada, e aí corresponde a uma vinculação legal da Administração
no exercício do poder regulamentar.

Nestes termos, não há nenhuma impossibilidade teórico-pratica de existirem ações de


condenação em matéria regulamentar.
Mas há um conjunto de resistências que estão ligadas ao trauma da infância difícil, e
que só foram devidamente ultrapassadas com a (revisão da) reforma de 2015.

Na versão de 2004, ainda se dizia, eufemisticamente, que o que estava em causa, era
uma declaração de ilegalidade quando se tratava da omissão de um regulamento.
Fingia-se que se tratava de uma ação de simples apreciação quando o que se estava a
regular era uma ação condenatória.

O facto de haver este disfarce em relação aos regulamentos, levou a que


legislador na revisão (da reforma) de 2015, viesse dizer que estamos perante a
condenação à emissão de normas, que é na verdade um progresso.
Não era algo que se dissesse até aqui ou que correspondesse sequer à lógica
originária deste mecanismo.
Antes da reforma, tinha sido sugerido pelo Professor João Caupers, baseando-se na
sua experiencia no urbanismo e ordenamento do território que era importante que
surgissem sentenças condenatórias (eg. falta do PDM);
e em 2001 pelo Professor Paulo Otero, vem falar na necessidade de haver um
mecanismo menos constringente do que este, porque se inspirava na fiscalização por
omissão da Constituição, e que o tribunal deveria ter algum controlo e que se criasse
uma ação de simples apreciação que permitisse verificar a existência de um

149
comportamento omissivo por parte da Administração e persuadi-la a atuar.

O legislador pegando nestas duas sugestões e previu uma sentença de declaração de


ilegalidade pela omissão de um regulamento, não lhe chamando uma sentença
condenatória.

Se olhássemos para o conteúdo regulado em 2004 e agora em 2015, o que está


em causa não é uma ação de simples apreciação, nem o simples reconhecimento da
existência de uma ilegalidade mas a retirada das consequências dessas situações.
O artigo 77 diz que o Tribunal Administrativo competente aprecia e verifica a
existência de situações de ilegalidade por omissão naqueles casos em que a emissão
de normas seja necessário para dar exequibilidade aos atos legislativos carente de
regulamentação. Não se trata apenas de verificar a existência da ilegalidade mas de
apreciar e verificar para depois, condenar a entidade competente a emissão do
regulamento em falta fixando neste caso um prazo.

Na versão originária, não se falava em condenar mas que depois de verificada a


ilegalidade, o Tribunal deveria reagir de forma a obrigar a Administração a atuar
dentro de um determinado prazo. Os argumento do Prof. Vasco Pereira da Silva face
a esta previsão normativa, era que o legislador dentro do eufemismo não tinha
querido falar num sentença condenatória mas que essa sentença resultava do facto de
aqui haver esta obrigatoriedade da Administração em assumir a conduta contrária
àquela que tinha tido e desta conduta ser fixada pelo juiz.

Comparando isto com o regime da fiscalização de inconstitucionalidade por omissão,


aqui temos a cominação de um comportamento por parte do juiz e a fixação de um
prazo. Trata-se de uma verdadeira ação de condenação.

O juiz se porventura tivesse algumas duvidas quanto à intenção da autoridade


administrativa, em razão de comportamentos anteriores ser ou não conforme com
aquilo que estava a ser estabelecido, o legislador tal como se prevê no âmbito do

150
artigo 3º, podia estabelecer uma sanção pecuniária compulsória, para obter o
cumprimento daquilo que estava determinado na sentença.

Estava aqui em causa não apenas a condenação de uma determinada conduta,


mas a cominação de uma consequência negativa por incumprimento desta conduta.
Isto ajudou a convencer o Prof. Mário Aroso que na primeira edição das lições dizia
que se tratava sentença de simples apreciação, e que a partir da terceira edição passou
a defender que se tratava de uma sentença condenatória.

Este eufemismo no principio foi cultivado porque já se deu o passo de alargar


a condenação aos atos administrativos e havia algum receio, mas agora foi alargado à
norma regulamentar que era inevitável porque estávamos perante uma ação de
condenação. Não é o que se passa na inconstitucionalidade por omissão, porque aí o
que se faz é analisar o comportamento omissivo da autoridade dotada de
comportamentos legislativos, mas não diz que esta autoridade tem de atuar e continua
no âmbito da discricionariedade do poder legislativo, e portanto aí não há nenhuma
sentença condenatória.

A lógica deste mecanismo, originária de 2004, era a de obrigar a uma conduta


e de fixar um prazo para esta conduta, o que é típico de uma sentença de condenação
e se ainda puder determinar a sanção inerente a esta realidade, isto torna-se ainda
mais evidente.

Hoje em dia já não há problemas em ter este tipo de ações, o taboo já foi
ultrapassado, mas para que isso acontecesse foi necessário que se passasse por várias
fases até que fosse efetivamente superado.
O legislador foi parco, e não perdeu muito tempo em desenvolver todas as
consequências daquilo que diz.
Em termos práticos, o Professor Vasco Pereira da Silva frisa que este mecanismo
processual não é muito utilizado. É sim utilizado no quadro do urbanismo, mas
tirando esse domínio não tem tido uma grande aplicação.

151
Nesse domínio é mais fácil de justificar analisando a lógica germânica.

Concluindo, este mecanismo processual não cumpre tudo aquilo que pode ter
e pode ter um âmbito de aplicação muito superior ao que tem até hoje. Pelo menos
nos domínios do urbanismo do urbanismo da construção tem tido uma aplicabilidade
bastante grande e correspondente a uma dimensão essencial de natureza condenatória
no quadro do contencioso administrativo.

Siddik Hameed

21 de Novembro de 2017 14:00-15:15

Contencioso dos contratos:

Matéria dos contratos, quer no domínio do contencioso, quer no domínio do


direito administrativo, decorre/deriva de normas de natureza europeia e por razões de
lógica europeia. Para que a UE exista com as liberdades de circulação de pessoas,
bens e capitais, para que isto aconteça, tem de existir regras comuns no âmbito da
contratação pública, para que um português se possa candidatar a uma obra ou a um
subsidio na Alemanha por exemplo. Esta realidade implicou mudanças profundas no
direito português, algumas delas, ainda não foram devidamente assimiladas pelo
legislador, a lógica europeia pôs de lado a realidade tradicional de contraposição
esquizofrénica entre os contratos ditos administrativos e os contratos ditos de direito
privado. No quadro da UE, esta distinção não fazia qualquer sentido, pois há um
regime comum ao exercício da função administrativa, este regime aplica-se quer nos
países de tradição francesa (familiarizados com o contrato administrativo) quer em
países que nunca ouviram falar do contrato administrativo, países como o Reino

152
Unido, os países nórdicos de lógica anglo-saxónica, países do leste da europa, ou a
própria Alemanha.

Preocupação da UE é estabelecer regras comuns a todos os países, regras que


deem origem a uma nova realidade jurídica, suscetíveis de serem aplicadas em todos
os países da UE, lógica verdadeiramente transfronteiriça, independente das conceções
jurídicas. A UE, no quadro das sucessivas diretivas, identificou certos tipos de
contratos correspondentes ao exercício da função administrativa, contratos estes, que
parecem integrados num conceito comum, que é o conceito de contrato público. A
EU, em certos sectores de atividade, considerou que esses contratos eram aplicáveis,
independentemente de quem fossem os atores políticos e jurídicos, no domínio da
energia, transportes, comunicações. Domínios públicos, independentemente, dos
sujeitos que atuam no quadro dessa realidade, sejam sujeitos públicos ou privados.
Na lógica anglo-saxónica não há distinção entre pessoa coletiva pública ou privada,
há apenas pessoa coletiva.

A UE, neste âmbito, levou à criação de um mecanismo processual, o processo


urgente, processo relativo ao contencioso pré-contratual. Há, portanto,
transformações contenciosas que decorrem das novas regras substantivas e
procedimentais, de contratação pública, havendo também, consequências processuais.
Este novo mecanismo tem regras comuns, mas é utilizado de modo diferente em cada
país, em França e na Alemanha deu origem a um procedimento cautelar especial, em
Portugal deu origem a um processo urgente, mas é um mecanismo que permite uma
tutela antecipada no domínio da contratação pública. A filosofia da UE, é
determinada por uma lógica iminentemente prática, UE olhou para o universo da
contratação pública e conclui que havendo uma ilegalidade, muito dificilmente era
reparada. Depois de celebrado um contrato, que demorou muito tempo a ser
negociado e preparado, se há uma ilegalidade, é muito difícil que, quer um privado,
quer uma autoridade pública, venham por em causa o contrato.

Posto isto, a melhor forma de reagir, neste quadro da contratação pública, é


através de um processo urgente, em que, antes da celebração do contrato impeça a
sua celebração, não reagindo a posteriori, após contrato estar celebrado, mas sim
antes. Mecanismo com eficácia suspensiva que impeça as partes de celebrar o

153
contrato até verificarem se a lei está a ser cumprida e se está ou não a ser integrado o
interesse público. Isto traduz-se na clausula “stand steal”, que significa: “calma na
celebração do contrato”. Mecanismo previsto pela UE, uma solução adequada para o
professor, pois, se pensarmos nos valores que estão em causa, sempre que se põe em
causa um contrato público. Deve existir uma ponderação, entre o interesse público, a
legalidade e os direitos dos particulares envolvidos, ponderação que é obrigada pela
referida clausula. Muitos conflitos que até aqui eram sobre o contrato, sobre a
realidade contratual, foram substituídos por esta discussão anterior à celebração do
contrato que vai haver com a necessidade de ponderar a realidade existente, fática e
jurídica.

Sobre as normas do contencioso contratual é preciso olhar para o modo como


as alterações decorrentes das diretivas europeias, modificaram a nossa noção de
contratação pública, e em que medida isso está positivado na ordem jurídica
portuguesa. Voltando aos tempos da infância difícil, quando o contencioso
administrativo surgiu, com aqueles órgãos administrativos meio jurisdicionalizados
que se encarregavam de controlar a administração, a ideia era proteger a
administração pela via do ato, portanto, todo o direito administrativo originário, dos
seculos XVIII e XIX, era um direito centrado no ato administrativo, em que se
estabelecia um privilégio de foro para este ato administrativo, que foi, na segunda
metade do seculo XIV alargado a determinados contratos, que nasceram por uma
realidade casuística, não havia nenhuma realidade substantiva que distinguisse os
contratos objeto do contencioso administrativo dos outros contratos que não eram
objeto do contencioso. Eram os contratos que implicavam um maior volume
monetário, portanto, tinham que ver com a realização de aspetos importantes do
interesse público, e que por isso se entendia que deviam ter o regime proibido. Isto
aconteceu na realidade francesa, e não no reino unido por exemplo. Ideia de que o
privilégio de foro que existe para os atos administrativos deve ser alargado acertos
contratos públicos, em razão da importância para o interesse público e em razão dos
montantes que vão ser utilizados. Nesta altura, do seculo XIX, estavam a surgir, por
toda a europa, contratos que tinham que ver com a iluminação das cidades, sendo que
muitos filmes da época retrataram esta realidade, estes contratos que implicavam uma
concessão, eram contratos de concessão, de montantes elevados e contratos muito
importantes no quadro de interesse público, e por isto, tinham também o tal privilégio

154
de foro. Na realidade francesa, começa-se a distinguir os contratos ditos
administrativos, que eram apreciados pelos tribunais administrativos, e os contratos
ditos privados que eram apreciados nos tribunais comuns, realidade que nasceu por
razões práticas, sem mais justificação, sendo que a lista dos contratos foi-se
alargando, à medida que a administração foi contratando com os particulares. As
tentativas de encontrar no critério teórico, por parte da doutrina, para unificar os
contratos públicos surgiram a posteriori, o que aconteceu foi haver esta razão
processual que levou à criação desse regime para os contratos, não existindo
nenhuma diferença relevante entres esses contratos administrativos, apenas a
satisfação do interesse público e o elevado montante. Quando nos finais do seculo
XIX e princípios do seculo XX, se começa a teorizar o direito administrativo, na
alemanha existiu uma negação destes contratos, contrapondo-se à realidade francesa.
Otto Mayer na lógica autoritária de construção da administração entendia que não
havia lugar para a contratação pública, ficando a alemanha fora do modelo francês
adotado pelos países latinos europeus. Nesta realidade francesa, quando se começa a
teorizar o DA, diz-se que há uns contratos que são diferentes dos outros, porque têm
que ver com a realização privilegiada do interesse público, tendo estes contratos
regimes especiais, e têm um contencioso especial, enquanto que o outro contrato
administrativo que a administração celebra, fá-lo como qualquer particular, de acordo
com as regras gerais, não tendo privilégio de foro, é aqui que nasce a dicotomia
esquizofrénica. Na sequencia desta realidade francesa, que também é portuguesa, vai-
se tentar encontrar uma explicação, de acordo com vários critérios, mas que nenhum
deles satisfaz, pois há sempre contratos que não se inserem num determinado critério.
Há, portanto, uma construção francesa que inclui a portuguesa. Teorização dos
contratos surge em Portugal, nos finais do século XIX e inicio do seculo XX, através
de vários autores como Magalhães Colaço, que adotaram uma posição próxima da
francesa, surgindo depois uma tradição que deu origem à construção do professor
Marcello Caetano. Modelo francês teve maior influência nos países latinos ao
contrário do que aconteceu no quadro germânico, que viu sempre com grande
desconfiança que a administração utilizasse elementos contratuais, depois quando a
administração começou a utilizar, fê-lo numa lógica que não era bem privada, nem
era um contrato administrativo, tendo uma ideia de defesa do interesse público para
justificar o regime contratual. A noção de contrato público alemão vai nascer numa
lógica anglo-saxónica, e não de acordo com o modelo francês. Este momento

155
doutrinário durou ate aos anos 60/70 do século XX, a partir daqui a doutrina, de
modelo francês nos países latinos, começa a por em causa esta realidade que tem que
ver com a autonomia conceptual da figura do contrato público. Em Portugal, a
professora Maria João Estorinho, nos anos 80 com a sua tese de mestrado, põe em
causa a dicotomia esquizofrénica, chamando à atenção para a necessidade de ter em
consideração que, aqueles contratos ditos administrativos, eram contratos como os
outros, tanto eram, que podiam ser celebrados também no quadro das relações entre
particulares, com exatamente as mesmas regras, por exemplo, os poderes que a
administração tem em relação ao empreiteiro, num contrato de empreitada, em
relação ao dono da obra, são os mesmos poderes que numa obra privada, o dono da
obra tem em relação ao empreiteiro. A prova de que isto era assim, era de que os anos
70, em Portugal, não havia um tratamento da empreitada no código civil, surgindo
primeiro a regulação da empreitada de obras públicas, e o que aconteceu foi que, esta
empreitada que tinha um regime especial passou a ser o regime normal, provando que
estes contratos públicos, não eram diferentes dos contratos entre particulares. Além
disto, a professora MJE também afirmou que a distinção esquizofrénica não fazia
sentido, porque se devia haver regras especiais para a prossecução do interesse
público, estas deviam-se aplicar a contratos que não fossem apenas contratos
administrativos, pois, nos ditos contratos de direito privado, o que estava em causa
não era uma realidade puramente privada, porque estava a ser utilizado dinheiro
público, a decisão de contratar era uma decisão pública, a ideia de que era direito
privado, não fazia sentido, pois os contratos ditos administrativos não eram
exorbitantes em relação aos demais e os contratos ditos privados, quando celebrados
pela administração no exercício de funções administrativas, correspondiam a uma
realidade que devia ser considerada administrativa. Esta construção que foi feita em
Portugal, nos anos 80, acompanhava uma contestação que tinha surgido nos anos 70 e
80, nos outros países que tinham adotado a construção francesa, e veio por em causa
a discussão tradicional até aqui. Houve na altura, nos anos 80, uma discussão
alargada, entre aqueles que, como a professora MJE, o professor Marcelo Rebelo de
Sousa, professor João Caupers e professor VPS, que entediam que não fazia sentido
manter a distinção esquizofrénica, sendo preciso criar um regime diferente, que devia
ser adequado ao exercício da função administrativa, devendo ter também
consequências processuais, em que estes contratos deviam ser apreciados através do
contencioso administrativo. Esta discussão surgiu por razões teóricas, no quadro de

156
um esgotamento de uma categoria doutrinal. Em contraposição às construções dos
referidos professores, existia a doutrina tradicional maioritária, defendida pelo
professor Freitas do Amaral, Sérvulo Correia, Vieira de Andrade, que procuravam
manter a noção de contrato administrativo, mesmo que alargasse o universo dos
contratos públicos. Professor VPS entendeu que não fazia sentido introduzir esta
dualidade esquizofrénica no domínio da contratação pública. No final dos anos 80,
com esta discussão a ocorrer surgiram as novas diretivas europeias, que vieram
introduzir uma outra dimensão, que já não era a dimensão da discussão teórica. A UE
tinha o objetivo de criar regras comuns que vigorassem em todos os países,
independentemente das tradições jurídicas dos estados-membros, UE estendia em
certos domínios e em certas atividades contratos públicos, que estabelecessem um
regime especial que tinha haver com a realização de um serviço público, dando
origem à noção de contrato público que o direito europeu introduziu na europa, o
código dos contratos públicos vai pela primeira vez regular nos termos dessas
diretivas, pondo fim a dicotomia esquizofrénica.

Esta dimensão europeia veio dar um maior peso às correntes criticas da noção
de contrato, e sobretudo introduzir alterações no regime jurídico dos contratos, como
o surgimento de regras de procedimento contratual determinadas pela UE, como a
introdução daquele mecanismo processual, que permite reagir contra procedimentos
contratuais, antes dos contratos serem celebrados. Começa, portanto, a surgir uma
transformação de regras jurídicas, alguns entendem que implica deitar no “caixote do
lixo da história” regras como as da dicotomia que existia, outros procuram mante-las
no quadro de uma lógica renovada. Foi havendo sucessivos regimes jurídicos, ate que
surge em Portugal o código da contratação pública, que estabeleceu um regime para
todos os contratos públicos, que já não tem que ver com a antiga dicotomia, tem que
ver com a lógica do exercício da função administrativa e abrange todos os contratos
públicos, não apenas os contratos administrativos, contudo, o legislador não
conseguiu libertar-se totalmente da dicotomia esquizofrénica e continua a chamar a
alguns desses contratos, contratos administrativos, mas deixam de ser o todo da
realidade de contrato público, passando a ser, uma espécie dos contratos públicos, e
isto mantem-se ate aos dias de hoje. A diretiva que entra em vigor em janeiro de
2018, com a nova versão do código dos contratos públicos, vai manter esta
dicotomia, o que para o professor VPS está errado, o ideal seria abandonar a

157
expressão, e construir apenas uma noção de contrato público. Professor VPS é muito
critico na manutenção desta dicotomia, sobretudo, porque já se tinham dado alguns
passos no sentido de afastar esta dimensão, como em 2004, na sequencia da reforma
administrativa 2002-2004, quando se elaboraram as regras de contencioso
administrativo, o artigo 4º não falava em contratos administrativos, falava de
contratos que correspondiam ao exercício da função administrativa, não havia a
utilização da expressão: contratos administrativos, mas na sequência co código da
contratação pública, ter chamado a uma espécie de contratos públicos que, em 2015,
na perspetiva de VPS, se deu um recuo, porque o artigo 4º se se aplica não apenas aos
contratos chamados administrativos, usa a expressão: “contratos administrativos e
todos os outros regulados no código da contratação pública”, ou seja, a lógica esta
invertida, continua-se a falar de contratos públicos, mas estabelece um regime
aplicável a todos os outros contratos que não são os ditos contratos administrativos.
No próprio CPA, no final das suas normas, o código deixou de regular o contrato,
porque agora a contratação pública é regulada pelo código da contratação pública, o
CPA resolveu acrescentar três normas que não têm qualquer relevância prática, pois
não correspondem a nada que a administração tenha que aplicar, artigos 200º,201º e
202º, em que se fala dos contratos da administração pública e se diz que os órgãos da
administração publica podem celebrar contratos administrativos, submetidos a um
regime substantivo de direito administrativo e contratos submetidos a um regime de
direito privado, ou seja, vem recuperar a dicotomia tradicional quando tinha sido
afastada pela lógica europeia e pelo código dos contratos públicos. Houve portanto
um recuo, que se julgava que poderia ser afastado, porque as ultimas diretivas
europeias, de 2014, quando Portugal já estava em situação de incumprimento, tinham
alargado o universo dos contratos e estabelecido regras mais exigentes em matéria de
contratação pública, e portanto, do ponto de vista doutrinário pensou-se que era altura
de o legislador, apesar deste recuo de 2015, se libertar desta distinção no quadro da
reforma do código da contratação pública, houve inclusive uma comissão, nomeada
pelo governo, pelo ministro das infraestruturas, presidida pela professora MJE, e que
antes do prazo terminar, comissão elaborou um texto que punha termo a esta
distinção. O governo acabou por hesitar a favor desta mudança, pois significava fazer
uma reforma no código da contratação pública, reforma que acabou por ser
substituída por alterações parcelares profundas, mas que não correspondiam a esta
mudança, e depois dessa primeira versão que tinha sido formulada pela comissão, há

158
uma outra versão apresentada em julho de 2016, que deu origem a uma proposta
legislativa do governo, que foi vetada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo
de Sousa, que vetou porque tinha defendido que os contratos administrativos deviam
desaparecer, mas entendia que aquilo que o governo tinha proposto não
correspondiam às diretivas europeias, resultado desta história, termina com a
aprovação em setembro de uma outra versão intermédia, entretanto elaborada pela
presidência do conselho de ministros, apresentada para promulgação e que o PR
promulgou com reservas, porque entendeu que do ponto de vista europeu não se
poderia adiar mais o cumprimento da diretiva comunitária, mas colocou reservas ao
facto de não se ter aproveitado a reforma para acabar com o conceito de contratos
públicos, reserva que acompanha esta promulgação, no site da presidência da
república.

Vai entrar em vigor em janeiro 2018 um novo código da contratação pública


que afasta alguns retrocessos introduzidos nas versões do código, mas que apesar de
tudo ainda mantém uma lógica esquizofrénica que é a vários títulos incorreta e que
deveria ter sido ultrapassada. Professora MJE escreveu um texto, publicado nos
cadernos de justiça administrativa, denominado: “a oportunidade perdida”,
oportunidade que foi desperdiçada no âmbito da contratação publica, ideia partilhado
pelo professor MRS.

A evolução foi acontecendo e introduziu uma alteração, que tem que ver com
o facto de hoje, serem considerados públicos, aqueles contratos que eram
considerados privados, há um alargamento da contratação pública e suas regras a
todos os contratos, que têm que ver com o exercício da função administrativa, sendo
uma exigência do direito europeu, contudo esta manutenção do nome: “contrato
administrativo” como uma espécie de contratos permite que continuem a surgir
confusões como a do artigo 200º CPA, que para o professor VPS não faz sentido,
pois já não corresponde à realidade dos dias de hoje, esta dicotomia já não existe
mais. No quadro desta transformação, o que está em jogo é o surgimento de regras,
substantivas, procedimentais e contenciosas. Há um conjunto de transformações e há
uma realidade que está a ser construída e que já não tem haver com aquela dimensão
tradicional. No que toca ás ações, aos processos principais, em matéria de contratos,
o artigo 4ºETAF, recuperou a expressão contratos administrativos na alínea e), sendo

159
um recuo, errado para o professor VPS, esta alínea diz-nos também que para alem
dos contratos administrativos, está em causa a validade de atos pré-contratuais e
interpretação, validade e execução de quaisquer outros contratos celebrados nos
termos da legislação sobre contratação pública, portanto, apesar do recuo da
expressão contratos administrativos, consagra-se e bem outros contratos celebrados
sobre legislação da contratação pública, que no quadro europeu são os contratos
correspondentes ao exercício da função administrativa, exemplo disto é a empresa
EDP que é dominada por chineses, esteja submetida à regras do direito administrativo
português e realize contratos administrativos sob égide do direito europeu. Quando
olhamos para as normas que o legislador, quer em 2004, quer em 2015, regula no
quadro dos processos principais, verificamos regras relativas a contratos
correspondentes a uma ação , legislador vem determinar em matéria contatual ações
relativas à validade e execução do contrato, artigos 77ºA e 77ºB CPTA, regulam esta
realidade, e se olharmos para estas normas aquilo que à partido nos surpreende e que
é diferente da realidade tradicional, (e ainda bem que é diferente pois corresponde a
uma das mudanças no quadro da contratação pública designada pelo direito europeu)
é existir um alargamento da legitimidade que foi alem das regras tradicionais em
Portugal, porque as regras que tinham sido estabelecidas pelo professor Marcello
Caetano, eram as tradicionais, a doutrina clássica invocava que a matéria de
contratos administrativos era exclusiva da partes, do contratante e da entidade púbica,
só eles eram partes legitimas para atuar no domínio contratual, a discussão começou
em Portugal nos anos 80, na qual o professor VPS participou, passou por defender
que era preciso alargar as regras da legitimidade, era preciso introduzir, na lógica do
professor, relações jurídicas multilaterais, o que significa que não apenas aqueles que
celebraram o contrato, mas todos os que são afectados pelo contrato deviam ser
dotados de legitimidade. Esta discussão teve como defensores, precisamente aqueles
que tinham defendido o fim da noção de contrato administrativo, a professora MJE,
professor VPS, MRS e João Caupers. O núcleo da discussão foi o facto de não fazer
sentido, ter um contencioso contratual tão limitado, pois os contratos públicos que
tem que ver com o exercício da função administrativa afectam directamente outras
realidades, e, portanto, todos os que são afectados no quadro da realidade contratual
devem poder atuar como partes legitimas. Esta posição corresponde à lógica
europeia, exemplo disso, é o facto de os utentes do metro serem partes legitimas para
impugnar clausulas contratuais que os afetem, no âmbito do contrato público. Isto é

160
uma consequência da noção de contrato, que vem da lógica europeia e que foi
introduzido no contencioso administrativo português. O que está em causa é um
alargamento da realidade contratual, o mesmo é dizer, os anteriores terceiros em
relação ao contrato, na medida em que são afetados, devem poder atuar no domínio
do contencioso administrativo. Esta foi uma boa reforma introduzida em 2004,
mantendo-se na versão de 2015, em que as relações jurídicas bilaterais que tem que
ver com um exercício público, com a realização da função administrativa, e por isso,
as regras de legitimidade devem ser estas. Este código estabelece estas regras em
termos adequados, havendo até um excesso, na opinião do professor, exemplo do
artigo 77ºA CPTA, em que legislador distingue as regras do nº1 relativas à validade
dos contratos e as regras do nº3 que são relativas à execução dos contratos, distinção
que faz sentido para o professor e que foi defendida pela professora Alexandra Leitão
na sua tese de doutoramento. Do ponto de vista lógico, se uma coisa é a validade
outra coisa é a execução, se pensarmos em contratos de serviço público, as regras
relativas à contestação da execução do contrato deveriam ter uma legitimidade mais
alargada do que as regras relativas à validade, porque é a execução que afeta todos os
utentes do metro ou da carris, etc., sendo curioso que o código tenha pegado nesta
distinção, mas aparentemente o legislador preocupou-se em alargar mais o
alargamento das situações relativas à validade do que da execução. Na alínea a) do
artigo 77ºA, diz-nos que os pedidos relativos à validade, de contratos podem ser
deduzidos pela partes na relação contratual, na alínea b) o Ministério Público,
havendo aqui uma discussão pois o MP atua para defesa do interesse publico, e
estando no âmbito de um contrato, um negócio bilateral, exista quem não concorde
com isto, mas professor refere que faz sentido o MP ter legitimidade, devido a
natureza dos contratos e sua importância na realização do interesse publico e devido
aos altos valores existentes no domínio da contratação pública, o MP deve poder ser
parte legitima.

(continua na 2ªaula)

Paulo Ramalho

(Michael-Sean Boniface)

161
30 de Novembro de 2017 14:00-15.15

Processos Urgentes E Tutela Cautelar

Um dos problemas do Contencioso Administrativo quando se sentiu a


necessidade de fazer uma reforma, para além dos problemas portugueses que eram
muitos e que estavam na base todas aquelas revisões constitucionais a que fizemos
referência, havia um problema suplementar que era necessidade de implementar
medidas cautelares de processos provisórios no domínio do Contencioso
Administrativo. Ideia que surgiu de uma série de sentenças do Tribunal de Justiça da
União Europeia que começou numa sentença “ Cassis de Dijon” e a jurisprudência
subsequente, o Tribunal de justiça veio chamar a atenção para a necessidade de o
Contencioso Administrativo ser pleno e que esta plenitude no âmbito da tutela e dos
direitos dos particulares implicava a existência não apenas de meios processuais
principais mas também a existência de meios processuais de natureza provisória ou
cautelar.
E esta realidade verifica-se a partir dos anos 90, na fase da europeização. Vão surgir
aqui reformas do Contencioso Administrativo que vão estabelecer mecanismos de
tutela cautelar e mecanismos urgentes.
Foi assim na reforma de 98 em Italia e em França, de 2000 em Itália, depois
na Alemanha e no Reino Unido, em todos os países da União Europeia surgiram até
2004 novos códigos e novas leis processuais que regulavam a tutela cautelar e que
procuravam estabelecer mecanismos urgentes no quadro do Contencioso
Administrativo.
Porque aquilo que existia ate aí era insuficiente e insatisfatório. Se pensarmos no que
existia em Portugal em rigor havia um único meio processual de natureza cautelar
que era a suspensão da eficácia dos actos administrativos e esta estava regulada de
uma maneira tal, que em primeiro lugar, era difícil a verificação das circunstâncias e
para além disso a interpretação que era dada pelo tribunal a esses pressupostos de
aplicação desse mecanismo cautelar era ainda mais exigente que aquela que estava
contida na lei. Isto significava, na prática, que nunca havia tutela cautelar em
Portugal. E isto vai também determinar a reforma que vai surgir em Portugal em
2002/2004 que vai procurar instaurar estes mecanismos urgentes no âmbito do
Contencioso Administrativo. E há duas coisas diferentes que são feitas no quadro

162
desta reforma, por um lado o mecanismo da tutela cautelar vai ser ampliado e passa a
aceita a lógica de “clausula aberta”, em vez de haver um mecanismo tipificado e com
um único meio processual, que é a suspensão da eficácia, agora temos um principio
da clausula aberta em que se pode pedir ao juiz tudo aquilo que for adequado à
satisfação dos interesses do particular e à tentativa de assegurar que a sentença que
existirá no futuro terá efeito útil. Portanto, uma lógica de um Contencioso cautelar
alargado.
Mas houve uma realidade nova, introduzida em 2004 e que é uma inovação
do legislador português porque havia um conjunto de figuras que noutros países são
consideradas com figuras de natureza cautelar. O legislador não apenas alargou o
domínio das providências cautelares como consagrou processos urgentes em matéria
de Contencioso Administrativo. E estes processos urgentes ficam a meio caminho
entre os meios principais e os meios cautelares. Tal como os meios cautelares têm em
comum a urgência, são pressionados a dar uma resposta imediata ou quase imediata
uma resposta pronta às pretensões dos particulares e, portanto, tal como as
providencias cautelares os processos urgentes têm um regime jurídico que assenta na
ideia da urgência. Mas diferentemente dos processos cautelares, os processos
urgentes decidem o fundo da causa e, portanto, aproximam-se dos processos
principais porque sendo urgentes são processos que vão satisfazer os interesses do
particular, não se destinam apenas a salvaguardar os efeitos úteis das sentenças. Dão
logo uma resposta mais rápida àquilo que são as pretensões dos particulares e,
portanto, o legislador criou esta figura intermédia e veio incluir nela um conjunto de
mecanismos que existem em regra noutros países mas que existem no âmbito de uma
tutela cautelar. Ou como se diz em alguns países como por exemplo a Alemanha
tutela complementar provisória.
O legislador nestes processos urgentes veio estabelecer um conjunto de
mecanismos relativos ao Contencioso.
Em 2015 surge um novo processo urgente no âmbito dos procedimentos de
massa. Há um processo urgente que já vem de 2004 e que foi alterado em 2015 para
melhor porque o tornou mais eficaz relativo ao Contencioso Pré Contratual. Existe
um outro mecanismo processual que é a intimação na nossa ordem jurídica é um
processo condenatório urgente, que vem da reforma de 85 e foi aperfeiçoado em
2004. Outro processo urgente é a intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias aqui é o mecanismo que funciona em caso de necessidade para a tutela de

163
direitos fundamentais e que está regulado de forma a permitir uma tutela célere destes
direitos. E é um mecanismo que diferentemente dos outros que têm uma orientação
germânica, corresponde a um mecanismo francês que foi instituído pelo âmbito da
reforma de 98 e que hoje integra o Contencioso Administrativo Francês atribuindo
poderes de condenação ao Direito Administrativo no âmbito de um processo especial
que normalmente é classificado como uma providência cautelar embora em rigor este
processo acabe por decidir do fundo da causa.
Em primeiro lugar o legislador no artigo 97º vem definir alguns dos meios
tipificados destes meios urgentes. Pergunta-se porque é que o legislador não incluiu
aqui neste artigo as intimações.
Há uma critica que se pode fazer é que em relação a alguns destes meios o
legislador não se preocupou muito em regular de forma nova estes processos
urgentes.
(Imperceptível)
Há uma discrepância entre algumas das regras gerais deste código e a relação
especial dos meios processuais, que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que
deve ser corrigida em função de uma interpretação global das normas que estão aqui
em questão.
Para além disso, que é uma inovação de 2015, é o ter estabelecido que pode
haver cumulação de pedidos nos processos urgentes. Um dos problemas com que se
deparava a prática judicial e a doutrina é que regulando-se nalguns casos de forma
muito restrita estes mecanismos processuais e havendo a necessidade de recorrer às
regras gerais para cumular pedidos e estabelecer pedidos relativos a relação jurídica
material que estivesse em jogo no âmbito daquele processo urgente, que não havendo
regra para esta relação se aplicava aquela regra do código de processo civil em que se
há cumulação de pedidos os pedidos deixam de ser urgentes e passam a ser pedidos
normais. O legislador agora quis afastar essa regra do código de processo civil e quis,
logo no artigo 4º em que estabelece a possibilidade de cumulação de pedidos,
estabelecer a cumulação em relação aos pedidos principais e regular a cumulação do
artigo 5º dos pedidos em processos urgentes. Há uma alteração de fundo em 2015 que
afasta a aplicação a esta realidade de cumulação de processos urgentes, afasta as
regras do código de processo civil que transformariam estes processos em que há
cumulação de pedidos em processos não urgentes. Esta foi a forma que o legislador
arranjou para sem alterar cada um dos meios processuais procurar ampliar o seu

164
âmbito. Porque alguns deles tinha um âmbito muito limitado, o legislador tinha o
limitado de forma excessiva. O que o legislador deveria ter feito teria sido alterar a
própria maneira como os processos estavam organizados.
(imperceptível)
No contencioso eleitoral que é de plena jurisdição e em que o juiz pode fazer
tudo este contencioso vem referido á reacção de actos relativos à exclusão, inclusão
ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais, ou seja, há um focar do
contencioso eleitoral nas questões dos cadernos eleitorais. Estas questões são
algumas das muitas que se verificam num contencioso eleitoral e, portanto, aqui no
quadro da lógica do código em que o Contencioso é de plena jurisdição é preciso
alargar o âmbito deste mecanismo que sem deixar de ser urgente tem de resolver
problemas reais.
O legislador aqui não agiu como devia. Porque estamos perante um processo
de plena jurisdição e um processo urgente, não faz sentido que este processo seja
regulado apenas como um processo ou um acto e que se estabeleça um mecanismo
que limita o controle do contencioso eleitoral que é o âmbito de aplicação deste
mecanismo. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que situações como a das
listas das eleições da Faculdade de Direito de Lisboa podem ser resolvidas através do
alargamento do processo decorrente da aceitação de outros pedidos em cumulação ou
sem ser em cumulação. Porque faz sentido que estas questões sejam resolvidas neste
processo e que este processo seja urgente, é urgente porque a escola não pode
funcionar sem orgãos eleitos e não pode ficar à espera que o tribunal decida anos
depois qual foi o orgão que foi eleito. Foi para isto que nasceu este processo urgente.
Há regras que servem para estes casos urgentes. Há 5 dias para a contestação, 5 dias
para a decisão do juiz e 3 dias para os restantes casos.
O legislador estreitou em excesso o âmbito da aplicação deste contencioso
eleitoral, e que é preciso interpretar isto de forma mais ampla no sentido em que este
mecanismo permita resolver todas as questões de processo eleitoral através de um
processo de urgência porque não faria sentido que as questões de enquadrar alguém
numa candidatura de um processo eleitoral ou a questão de omissão de candidatos
tivessem direito a um processo urgente e todas as outras teriam direito a um processo
normal que seria decidido daqui a vários anos.
Há aqui uma critica que tem a ver com o legislador em 2004 não ter alterado
este regime que vinha do passado, que vinha já do século XIX, e que ele tenha sido

165
transferido para este código sem ter sido compatibilizado com as normas que aqui
estão consagradas. Mas mais do que isto, quando no nº3 se diz que nos processos
abrangidos pelo contencioso eleitoral, o que o particular deve impugnar é a decisão
final de exclusão ou de inclusão das listas. E isto significa que os actos anteriores, os
actos com eficácia externa no quadro daquele procedimento eleitoral, são apreciados
apenas em função da última decisão que está a ser tomada no âmbito deste processo.
Ora isto contraria as regras do artigo 50º segundo o qual o particular pode impugnar
qualquer acto em qualquer momento e escolhe o momento em que quer impugnar o
acto. Se é o acto do inicio, se é o acto do meio ou se é o acto do fim do processo. E
esta possibilidade de escolher é algo que é garantido pela regra constitucional do
278nº4 que tem a ver com o afastamento da exigência da definitividade e da
executoriedade características do acto impugnado.
O que está aqui em causa é uma interpretação demasiado restritiva que por ser
demasiado restritiva mesmo tratando-se de um processo urgente gerar problemas de
incompatibilidade com as outras normas do código de processo e de
inconstitucionalidade em face do artigo que consagra a garantia do acesso à justiça
administrativa 268nº4 CRP. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que aqui se
deve aplicar por analogia a regra relativa à escolha do momento ou do acto que o
particular vai fazer para ir a tribunal.
Depois temos o contencioso dos procedimentos de massa que é uma inovação
da reforma de 2015 do Contencioso Administrativo. Há uma primeira polémica que é
a de saber se é justificável que o legislador crie um processo urgente para este tipo de
processos. E há quem diga, por exemplo a Professora Carla Amaro Gomes, que o
alargamento trazido por esta norma é excessivo, porque ela pergunta se este
alargamento não significa que a partir do momento em que tudo se torna urgente,
desaparecerem os processos urgentes. É uma questão que pretende saber se há ou não
limites para os processos urgentes e se esta previsão lega corresponde a essa situação.
Para se responder a isto tem de se ver o que legislador entendeu tratar-se de um
procedimento de massa. Tem de se tratar de processos relativos à prática ou omissão
de actos administrativos. O legislador restringe o âmbito de aplicação deste
mecanismo a duas condições: O processo tem de ter mais de 50 participantes e só é
aplicável a 3 tipos de situações em que há uma multiplicidade de sujeitos que podem
gerar este tipo de conflito que são: os concursos de pessoal (por exemplo a colocação

166
de professores), um processo de realização de provas (por exemplo as provas de
admissão à faculdade) e os procedimentos de recrutamento.
Pelo que a Professora Carla Amaro Gomes não terá razão na sua preocupação
relativa aos processos urgentes.
Atenção à diferença entre processos de massa e procedimentos de massa. Os
procedimentos de massa têm a ver com a actuação administrativa, os processos de
massas têm a ver com a actividade processual.
Mas este mecanismo processual cumula-se com um mecanismo não urgente
que já estava previsto desde o início deste código e que vem regulado no artigo 48º
que estabelece que sempre que haja um processo que tenha um grande número de
participantes, mais de 10, e que os pedidos e as causas de pedir fossem idênticas
poderia fazer-se seguir o processo que foi intentado em primeiro lugar, os outros
suspendiam-se e ficavam à espera dessa decisão e no final depois de haver a decisão
cada um dos particulares decidiria a titulo individual se queria aderir à sentença que
tinha sido emitida no quadro daquele processo ou se queria que o seu processo
continuasse. Ou seja não é um processo urgente como no artigo 48º porque aqui pode
haver processos em relação a todos os actos. Enquanto que naquele processo que
agora vem regulado como urgente se decidem todos esses casos em conjunto.
Estes processos do artigo 48º ocorrem quando há entre 10 a 49 participantes
porque se forem 50 ou mais aplicam-se os artigos 49º e seguintes e o processo torna-
se um processo urgente.
Pergunta-se se se justifica esta diferença de tratamento num processo com 48
participantes e num processo com 51? Porque do ponto de vista material não há aqui
uma verdadeira distinção. Este regime também introduz aqui uma outra dimensão
aleatória no quadro destes processos de massa. Continua a fazer sentido que nestes
casos haja decisões urgentes e que se apesar de tudo se trata de uma realidade
limitada em termos do objecto que isso ainda caiba no âmbito do Contencioso que
tem processos normais e processos urgentes e uma das razões da urgência aqui tem a
ver com o número de intervenientes no processo.
Depois há o contencioso pré-contratual que resulta do direito europeu. E criou
um mecanismo que visa reagir contra procedimentos em matéria de contratação
pública. E corresponde a uma filosofia da União Europeia que agora depois de 2015
existe verdadeiramente no direito português.

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Mariana Rodrigues

(Paulo Ramalho)

(Michael-Sean Boniface)

5 de Dezembro de 2017 15:30-16:45

Continuando a análise das regras do processo de suspensão da eficácia.


Hoje em dia, no quadro do Contencioso Administrativo, que tem uma
filosofia renovada e um conjunto de regras destinadas a tornar efetiva a tutela
cautelar, mantêm-se os resquícios do tempo da infância difícil do Contencioso
Administrativo, o que é uma grave distorção que, inclusive, coloca problemas que
têm que ver com a realização do Estado de Direito no âmbito do processo
administrativo. Isto, pelo menos literalmente, aplica-se apenas à suspensão da
eficácia e não a nenhuma das outras providências cautelares que estão previstas no
âmbito do artigo 112º. Por isso, o Professor Vasco Pereira da Silva aconselha que se
utilize uma outra providência daquelas que vêm referidas no mencionado artigo, se
não se quer que o processo seja mais longo e que haja interferências por parte da
Administração. Com algum engenho e arte consegue-se que essas outras providências
cautelares conduzam ao efeito suspensivo sem ser utilizada a própria providência de
suspensão da eficácia.
Este mecanismo é, na opinião do Professor, um absurdo e corresponde aos
velhos traumas da infância difícil. Esta ideia de que quem decide sobre a suspensão
ou não é a própria ré (Administração), é algo que não faz sentido em termos teóricos,
correspondendo à ideia do passado de que a Administração e o tribunal pertencem ao
mesmo poder do Estado e, por isso, encontravam-se em posição de igualdade. Isto
traduz a ideia de que a Administração tem privilégios e, assim, em última análise é
ela que decide sobre o que está em causa. A própria existência de uma providência
cautelar de suspensão da eficácia é a prova de que os poderes da Administração estão
submetidos a um controle jurisdicional e ainda de que a realidade dos nossos dias não
é a mesma para a qual as regras foram criadas.
No entanto, é preciso notar que o legislador só estabeleceu estas regras para a
suspensão da eficácia, não valendo para nenhuma das outras providências cautelares.

168
O Professor Vasco Pereira da Silva costuma dizer que a melhor forma de
aplicar as normas do CPTA evitando os malefícios que podem decorrer destas regras
ultrapassadas é a de, com algum engenho, utilizar as outras providências para obter
um resultado idêntico. Pensando, por exemplo, no caso das providências não
especificadas do artigo 112º. Cabe, nesse contexto, o poder de intimação, ou seja, o
poder de condenar a Administração a adotar determinadas condutas, que podem, por
si, conduzir a um efeito idêntico ao efeito que resultaria da suspensão da eficácia. Daí
que o Professor proponha e recomende que a melhor forma de evitar esta situação,
que, ainda por cima, tem o inconveniente para os particulares da demora, é utilizar ao
mínimo a suspensão e substituir por outras providências que podem ter efeitos
diferentes, mas um que seja similar ao da suspensão.
Isto surgiu aqui em 2004 e manteve-se em 2015 por via de uma outra
discussão não totalmente compreendida entre nós e que gerou esta polémica. É que
quando nos anos 90 se fez esta reforma e se discutiu acerca das providências
cautelares, houve quem defendesse (como o Professor) que, perante uma situação em
que as providências eram inexistentes, a melhor forma de reagir seria a de inverter o
funcionamento das providências e obrigar a Administração a ir a tribunal pedir a
execução ou a superação dos efeitos que resultassem da situação que deveria ocorrer
automaticamente no momento em que se apresentasse o pedido principal, ou seja,
algo próximo da solução alemã em que o particular, ao impugnar uma decisão, ao
intentar uma ação principal, essa atuação teria como efeito automático a suspensão da
eficácia desse ato, e teria de ser a Administração a ir imediatamente ao tribunal para
pedir ao juiz que ponderasse os interesses do particular e da Administração e
permitisse executar a sentença. Isto introduziria um esquema ao contrário, que
corresponderia a estes 15 dias que aqui surgem, porque a lógica do direito alemão é
que o juiz decida nesses 15 dias. O juiz tem uma obrigação de comparar os interesses
em jogo e decidir sobre aquele caso.
Só que esta decisão, que parecia boa, não foi consagrada. E não tem nada a
ver com esta suspensão automática que resulta de um pedido da providência e que
pode ser ultrapassada sem a intervenção do juiz. A solução alemã é distinta. Mas isto
manteve-se depois da reforma por se pensar que se assemelharia à solução alemã,
mas na verdade são opostas. Se se tivesse adotado o sistema alemão, o que haveria
era a inversão da lógica e o favorecimento da tutela cautelar. O que aconteceria é que
o particular, a partir do momento em que descobria que estava a ser afetado por

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qualquer forma de atuação, iria intentar uma ação principal e isso teria logo efeito
suspensivo do ato em relação à Administração. Se isso era assim, e se o particular era
beneficiado por este efeito, aquilo que se estabelecia era uma providência cautelar
que funcionava a pedido da Administração e do ré, e esta, no quadro daquele
processo, iria pedir ao juiz que apreciasse aquele caso e decidisse qual dos interesses
em jogo deveria prevalecer. Aquilo que aqui se passa não tem nada a ver. Não se
trata de proteger o particular mas sim a Administração. Trata-se de colocar nas mãos
da ré o poder de decidir se continua ou não a instrução, enquanto a solução alemã
colocava essa decisão nas mãos do juiz. Por isso, a solução portuguesa é inadmissível
no quadro dos interesses em jogo e no quadro da teoria do processo.
O Professor Vasco Pereira da Silva entende que, independentemente das
alternativas e do modo como se organiza a tutela cautelar, é preciso que todas as
iniciativas desta tutela sejam tomadas pelo juiz – isto é uma garantia mínima. Então,
neste caso, a continuação da execução é decidida apenas pela Administração, o que é
violador das regras do processo e não faz sentido no quadro de um Contencioso
Administrativo moderno, compatível com o modelo europeu, e correspondendo à
logica constitucional, um modelo que corresponde àquilo que deveria ser a realidade
dos nossos dias.
Por isso se pode dizer que este mecanismo corresponde a uma distorção grave
do ponto de vista do Estado de Direito. O legislador, na reforma de 2015, teve
consciência disto e procurou limitar estas situações em que a Administração podia
determinar ela própria a continuação da execução. A comissão que realizou a reforma
de 2015 propôs que só seria possível a intervenção da Administração através daquela
decisão com fundamento em casos de urgência e necessidade pública. Isto limitaria
as hipóteses em que a Administração decidia aquele caso sem que houvesse
intervenção do juiz. Isto já ajudaria a resolver os problemas. Mas continuava a
manter-se aquilo que é essencial aqui, que é não ser o juiz a decidir. Reduzir a
situações de urgência e necessidade estaria a limitar-se os poderes da AP mas, ainda
assim, a proposta não foi aceite depois pelo Governo. Portanto não se trata de um
esquecimento da doutrina nem de uma letargia. O Professor diria inclusivamente que
até há agora uma posição unânime entre todos os administrativistas e especialistas em
Contencioso Administrativo no sentido de que isto tem de ser ultrapassado. Há um
consenso quanto a esta necessidade de afastar regras inadmissíveis no quadro da

170
tutela cautelar. Mas não obstante é algo que está cá, que cria este pré-processo
cautelar.
O legislador estabeleceu ainda regras especiais quanto às outras providências
cautelares, como a suspensão da eficácia de normas, mecanismos para o
decretamento provisório de providências, regras em relação a fundação de contrato e
ao pagamento de quantias.
Outra questão importante neste contexto é a de saber qual a natureza jurídica
desta providência cautelar. Isto porque uma das razões pelas quais durante muito
tempo não houve tutela cautelar no Contencioso Administrativo teve a ver com os
traumas da infância difícil que instituíram um contencioso de mera legalidade. Aqui,
quando se decide sobre providências cautelares, não se decide sobre a lei. Aquilo que
se exige é apenas a presunção do direito, não se decide se o particular tem direitos.
Acredita-se no que o particular alega e decide-se em função dos prejuízos de cada
parte, ou seja, é uma decisão de mérito.
O juiz pondera os interesses e os prejuízos em jogo e vê quem é mais afetado,
para depois ver como decide. Não é uma análise da lei que está aqui em causa, isso
será feito mais tarde, no processo principal. Por isso é uma realidade que durante
muito tempo era difícil de admitir, o que explica como só na transição do século XX
para o século XXI é que em todos os países europeus surgiu esta regulação da tutela
cautelar. Este era o último reduto de uma realidade que tinha deixado traumas até aos
nossos dias e uma realidade que dizia que o que estava em causa era apenas a
legalidade, quando o que estava em causa era o mérito da questão. Abrem-se as
portas para que os tribunais possam introduzir algum controle do mérito das decisões.
A continuar esta evolução e este aperfeiçoamento do DA, o Professor diria que no
futuro haja algumas sentenças no âmbito da jurisdição de mérito que já não sejam
providências cautelares nem de execução que permitam algum controle direto de
mérito. O mérito indiretamente é sempre controlado através da legalidade e dos
princípios jurídicos, mas é possível sustentar no futuro que possa haver controlo
direto do mérito.
Rogério Soares foi o primeiro a sustentar esta ideia no livro Interesse público,
legalidade e mérito. Admite este autor a possibilidade de haver controlo direto do
mérito das decisões. Algo que no futuro poderá vir a ter consequências no quadro da
organização do Contencioso Administrativo, o que pode até ser importante para a
tutela dos direitos dos particulares.

171
Mas deixando esta visão e pensando na realidade atual do Contencioso
Administrativo: há um outro problema que resulta de uma boa intenção do legislador
mas que não terá sido aplicada nem aproveitada da melhor maneira, introduzindo um
efeito nefasto no quadro dos processos e alguma morosidade no âmbito do processo.
É que o legislador resolveu considerar (isto foi admitido no Contencioso
Administrativo e hoje vale também para o Processo Civil) que quando é apresentado
um pedido cautelar mas já há elementos suficientes para o julgamento da causa, este
processo cautelar pode convolar-se num processo principal e conduzir a uma decisão
que seria antecipada acerca do mérito da causa.
Em abstrato parece não haver nada a dizer, porque aparente ser uma forma de
simplificar as regras processuais e de introduzir uma maior solenidade no julgamento
das questões do processo administrativo e processo civil também.
Mas em concreto a aplicação prática desta regra, conduziu à subversão da
distinção em processo cautelar e principal e a uma maior morosidade dos processos,
pois o particular, em vez de apresentar apenas o pedido cautelar e depois principal,
vai incluir no processo cautelar tudo o que deveria colocar no pedido principal,
apresentando-se pedidos cautelares com milhares de páginas. Mais, podem também
ser pedidos pareceres para o processo cautelar, o que não tem sentido. Se há este
movimento por parte dos advogados, que concentram no processo cautelar aquilo que
deveriam guardar para o processo principal, depois há o prolema contrário do lado do
juiz porque tem prazos curtos para decidir; se tem que ler 1000 páginas
correspondentes ao processo cautelar com materiais relativos ao processo principal,
então vai dizer que não tem tempo para cumprir os prazos. Aquilo que ali está
consagrado nas centenas de páginas corresponde a algo sobre o qual não tem de
decidir. Então, os processos cautelares tornaram-se verdadeiramente mastodônticos e
isto contribui para tornar mais morosa a justiça administrativa.
Para reagir contra isto, o Professor Vasco Pereira da Silva diria que a única
forma de permitir que o juiz possa cumprir a sua missão e que decida em tempo útil a
providência cautelar é que o juiz diga que só ponderou as coisas relevantes para a
providência, isto é, que o juiz se recuse a ler aquilo que diz respeito ao pedido
principal; juiz pode escolher, porque as outras coisas estão lá para empatar, na
esperança de que o juiz decida o processo principal.
Esta solução acontece muito raramente. Por causa de uma possibilidade (que
quase nunca acontece) de haver elementos suficientes na providência que permitam

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logo decidir o processo principal, introduz-se uma entorse no processo. Então é
legítimo que o juiz, na decisão cautelar, não pondere os argumentos que dizem
respeito ao processo principal. Concentre-se apenas na ponderação dos interesses em
jogo. Não devem os juízes ser obrigados a decidir sobre a questão principal.
Esta regra consagrada gerou no início uma situação de crescimento dos
processos, que se tornaram incomportáveis para obter uma decisão num curto prazo e
ainda muitas petições no quadro do processo cautelar que nem tratavam dos prejuízos
para a parte, preocupavam-se era com a teorização da ilegalidade do ato, do contrato
ou do regulamento. Aquilo que o juiz pode fazer nessas circunstâncias é reduzir a
apreciação que vai fazer aos aspetos relevantes para a determinação dos interesses em
jogo e desconsiderar tudo o resto. Isto é a única forma de permitir que os prazos
curtos resultem.
Esta é, então, outra disfunção dos processos cautelares que tem de ser
salvaguardada para que, no futuro, esta tutela cautelar possa vir a ser efetiva. Já foi
dado um passo grande em relação à realidade que existia há 20 anos; já houve uma
transferência da tutela cautelar, mas ainda não foi suficiente do ponto de vista da sua
efetividade e do modo como ela pode proteger os interesses dos particulares sem por
em causa o interesse público.
Ainda temos de aprender a dar passos no sentido da correção de algumas
disfunções. Estas disfunções do Contencioso Administrativo hoje em dia já se
projetam no Processo Civil, porque a adoção dessa regra também introduziu
disfunções no quadro da tutela cautelar, mesmo se aí, no processo civil, a tutela
cautelar é mais frequentes e de os juízes estarem habituados a lidar com conflitos de
interesses e procurar decidir esses conflitos.
Concluindo, estas regras enquadram-se numa necessidade de transformação
permanente e num domínio que continua em aberto para que, no futuro, o
Contencioso Administrativo se possa vir a aperfeiçoar.

Vera Manoel

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