ADMINISTRATIVO
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
2017/2018
Trabalho desenvolvido no âmbito da disciplina de Contencioso
Administrativo, leccionada pelo Excelentíssimo Professor Vasco Pereira
da Silva, a quem desde já agradecemos todo o apoio e dedicação
prestados ao longo deste semestre.
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19 de Setembro de 2017 14:00h — 15:15h
Até o legislador incorre neste erro patológico, embora no novo Código dos
Contratos Públicos já tenha havido algumas melhorias. No entanto a confusão continua
lá, por exemplo, e logo a abrir, no artigo 1o. Percebe-se com isto que a esquizofrenia do
passado ainda não foi completamente ultrapassada.
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um processo do qual se retiraram todas as consequências dessa premissa, um processo
caracterizado pela igualdade de armas entre particular e Administração. Ainda assim, o
ónus de impugnação, cuja regra geral é a de que cabe ao réu contestar aquilo que é
alegado pelo autor, continua a não estar tão desenvolvido como devia. Veja-se o artigo 6o
CPTA, se há processo de partes e igualdade das mesmas, ela deve ser real, e é preciso que
no decurso do processo não hajam situações que venham a cair no pecado original,
quando o processo não tinha partes e o “administrado” nunca via a sua situação concreta
ser resolvida, estava como que a zelar pela justiça e bom funcionamento posteriores da
Administração. Há um conjunto de realidades que obrigam a uma psicanálise
permanente.
Tornando as coisas mais leves, são estas falhas ou patologias, fora do seu lado
mau, que tornam a disciplina do Contencioso Administrativo mais apaixonante e
aliciante, pela ideia de que estamos, nós próprios, a construir um Processo Administrativo
novo. Até o uso da expressão Contencioso e Justiça Administrativos no lugar de Processo
Administrativo é sintomático dos lapsos freudianos que vêm do passado. Podemos dizer
que são a mesma coisa mas, se quisermos dar o conteúdo original a “Contencioso e
Justiça”, estes não correspondem exata e inteiramente ao direito processual. Acredito que
são expressões idênticas, mas a verdade é que quem lhes dê -e há quem lhes dê- sentidos
diferentes, está a manifestar os traumas da infância difícil.
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Tribunais controlarem a Administração Pública, o que marcou profundamente a infância
do Contencioso. Era a negação da realidade, porque o que se dizia era que isto era um
mecanismo para a criação da Separação de Poderes, quando na verdade era a sua antítese.
Criam-se à data órgãos administrativos especiais que ficam encarregues de julgar e
controlar a própria Administração, é o que Mario Nigro vem chamar de juízes
domésticos, que nasciam da Administração Pública e a ela julgavam. É no seguimento
desta linha que se cria o Conselho de Estado francês, que só se torna num verdadeiro
tribunal em 1980, com as sentenças criadoras do Conselho Constitucional que vieram
retirá-lo do limbo híbrido em que se encontrava. Na transição do século XIX para o
século XX há já alguma jurisdicionalização, mas que só se completa nos anos 80.
Porque que razão é que os atos dos membros do Governo, enquanto órgão
colegial, são apreciados em primeira instância pelo Supremo Tribunal Administrativo e
não pelo de Circulo? É uma consequência do trauma da infância difícil. Os ministros e o
Governo não podem ser controlados por um juiz de primeira instância(!), tem que ser um
juiz superior. Não há nenhuma diferença quanto ao processo, é uma questão meramente
protocolar. O resultado disto é que o STA, mesmo depois da reforma de 2004 e da
subsequente de 2015, é um tribunal esquizofrénico, porque de primeira instância para os
atos do Governo quando atua colegialmente e de recurso para todos os outros casos. O
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Supremo não é um verdadeiro supremo, são dois tribunais, sofre de uma dupla
personalidade. Esta realidade decorre da infância difícil e é por ela explicável, porque o
juiz administrativo começou por não ser um verdadeiro juiz, mas um órgão da
Administração, e passam séculos até que ele se transforme num verdadeiro juiz. É
verdade que nuns países isto acontece mais cedo do que noutros mas há um processo
moroso, que regra geral vai até ao século XX, de transformação do juiz “doméstico” ou
“de trazer por casa” até ao verdadeiro juiz. Este é o primeiro grande trauma do
Contencioso Administrativo, que gera diferenças de tratamento e desconfiança quanto à
justiça administrativa.
Um outro trauma é o do Direito que vai ser criado por esses tribunais. Tome-se
como exemplo a França, em que o Conselho de Estado vai produzir direito aplicável à
Administração Pública. As suas sentenças, pela sensatez e prudência que demonstram,
tendem não só a ser repetidas mas também a servirem com fonte de direito para a ação da
Administração. Esta dimensão jurisprudencial, típica dos países anglo-saxónicos, é a
antítese da lógica francesa, cartesiana, legalista. Pode dizer-se que, no domínio do
Contencioso Administrativo, os franceses eram britânicos. Mesmo hoje em dia, que a
jurisprudência do Conselho de Estado já não tem força de Lei, continua a ter uma
importância que lhe é dada pela sua história.
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fundamentais “vinculam” tanto as entidades públicas como as privadas. Vincular
entidades públicas significa obrigar a Administração a cumprir os direitos fundamentais.
Passou-se o seguinte: uma menina de cinco anos, Agnès Blanco, que vivia em
Bordéus e cujos pais eram trabalhadores de uma empresa pública que tinha um projeto,
pioneiro à altura, para ter as crianças dos trabalhadores, dando algum apoio, estava a
brincar com outras crianças, num sitio seguro, quando foi atropelada por um vagão que
carregava tabaco e descarrilou. O transporte desse tabaco inseria-se no quadro da
atividade daquela empresa pública. Os pais da criança dirigiram-se então ao tribunal de
Bordéus, que respondeu duas coisas: primeiro, que não era competente porque o que
estava em causa era um problema de responsabilidade entre Administração Pública e
particular, não um problema entre iguais. A Responsabilidade Civil, de acordo com esta
lógica, é aplicável somente entre iguais, tal e qual como regulada pelo Código de
Napoleão, e só isso é que os tribunais podiam resolver. Em segundo lugar, dizem que
mesmo que quisessem resolver o caso, levando o Princípio de que os juízes devem
sempre responder na íntegra às questões que lhes são colocadas, interpretando a vontade
do legislador, suprindo lacunas, etc., não o podiam fazer porque o legislador pura e
simplesmente não previa aquela hipótese, regulava apenas relações entre iguais e não
relações de poder.
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Administrar e Julgar. Vem o Prefeito a dizer o mesmo que disse o Tribunal Judicial de
Bordéus: que não podia decidir porque não estava em causa um ato administrativo, se
estivesse poderia anulá-lo, mas sim um ato material da Administração, que não é um ato
intencional, é uma atuação informal. Declara-se então incompetente, acrescentando ainda,
tal como o Tribunal Judicial, que ainda que quisesse decidir, não havia direito aplicável.
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indemnizasse, o que muitas vezes nem acontecia porque se preferia proteger a AP, era o
Direito Administrativo protector da Administração.
Em 2004 quis-se acabar com isto, mas o legislador foi incompetente e em 2015
não se corrigiu e utilizou uma expressão no mínimo duvidosa que leva a que ainda hoje
em dia alguns pensem que num litígio causado por um carro ao serviço da Administração
Pública (Câmara Municipal, Primeiro-Ministro, Presidente da República, etc.) ainda é
preciso distinguir se é gestão pública ou privada. Perguntar-me-ão, “mas qual é a
diferença”? Segundo os tribunais saber se, por exemplo, no caso de um atropelamento por
um carro ao serviço do PM, se este ia ou não lá dentro. Se sim, podia dar ordens ao
motorista, dizem, mas a verdade é que também podia ir a dormir, a ler o jornal ou a“fazer
política pelo telefone”, logo é gestão pública (Tribunal Administrativo). Já se o PM não
vai lá dentro (pode o motorista estar a ir buscá-lo e encontrar-se ao serviço) considera-se
de gestão privada. Ainda que não esteja dentro do automóvel, o motorista não continua a
receber ordens, não está sujeito a uma cadeia hierárquica? Há meios de comunicação.
Qual é a diferença? Nenhuma. Não há diferença absolutamente nenhuma nesta distinção
mas, até 2004, insistiu-se em jurisdições diferentes (que levavam ao tal problema moroso
de saber qual o tribunal competente), sem haver diferença nenhuma. E só depois se
discutia a responsabilidade civil. Este é um trauma cujas consequências perduram até aos
dias de hoje.
Imagine-se, porém, que há culpa do lesado no caso acima mencionado. Pode ser
que a AP faça um pedido contravencional para pedir indemnização pelas amolgadelas do
automóvel. Nestes casos, em que se juntam dois pedidos, um feito pela AP e outro pelo
particular, o que é que o juiz administrativo faz? Não decide, diz que a competência é do
tribunal judicial e vice-versa. Continuam a persistir os sintomas do trauma de Agnès
Blanco.
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Esta ideia do direito da Administração toda-poderosa corresponde a uma certa
visão que vem do estado autoritário e se mantém na lógica do estado liberal, visão que
acaba até por influenciar os chamados “pais fundadores” do Direito Administrativo,
nomeadamente Otto Mayer na Alemanha, Santi Romano em Itália e Marcello Caetano em
Portugal. Estas construções originárias, fundadoras, eram autoritárias, visões de um
verdadeiro “poder” administrativo, em que o particular era visto como administrado,
objeto do poder, não um sujeito de direito que estabelece relações jurídicas com a
Administração Pública.
Regressemos ao primeiro trauma, que tem a ver com esta realidade de um juiz
administrativo que começou por não ser juiz, era uma autoridade administrativa. Este
primeiro período é o período a que chamo, metaforicamente, do pecado original, da
promiscuidade entre Administração e Justiça, entre administrar e julgar. Há um período,
que corresponde à instauração do estado liberal, século XVIII, XIX, início do século XX
que corresponde a esta fase do Contencioso Administrativo, a fase do pecado original ou,
de forma mais neutra, a fase do administrador juiz. O juiz é administrador e o
administrador é juiz. Este é o primeiro grande período do Contencioso Administrativo.
Há ainda um terceiro período, que se inicia nos anos 70, Alemanha nos anos 50,
nalguns países só nos anos 80, mas nos anos 70 em média. É o momento a que chamo da
confirmação do Contencioso, já que nessa altura se reafirma a natureza jurisdicional mas
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retiram-se finalmente dela todas a consequências. O juiz passa a ser um juiz de plenos
poderes face à AP, passa a ser um verdadeiro juiz. Há também nesta fase uma
subjetivação do Contencioso, que passa a ter como centro a tutela dos direitos dos
particulares e a ser um verdadeiro processo de partes, como se diz aliás no 268o/4 da
CRP.
Este ultimo período pode ainda ser subdividido em dois, porque numa primeira
fase há a mudança a nível constitucional, através de novas constituições, revisões das
antigas ou até sentenças de Tribunais Constitucionais, o que acontece nos anos 70/80. A
partir dos anos 90 e até aos nossos dias, há um segundo momento que resulta da
europeização, uma vez que no quadro da União surgem regras comuns de Contencioso
Administrativo, que o modifica em todos os estados. A reforma de 2002/2004 é a
consequência dessa europeização, reforma esta que, embora já venha atrasada, surge
neste contexto da europeização do Direito Administrativo.
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explicações dadas pelo sujeito consciente e, aquilo que é a realidade do
inconsciente.
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interpretação diferente do mesmo princípio e, tal decorre da doutrina e da jurisprudência
francesa do séc. XVIII e XIX.
Assim, a origem do Liberalismo, vai gerar uma diferença entre o Sistema Francês
e o Sistema Anglo-saxónico. Na Grã-Bretanha, os tribunais comuns continuam a
controlar a Administração, não havendo assim esta fase do pecado original do
Contencioso Administrativo. Porém, quando em França, no séc. XIX e XX, se começa a
libertar dos traumas da infância difícil, o Sistema Anglo-saxónico experiencia os seus
primeiros obstáculos.
Os Tribunals que proliferam nos dias de hoje ainda, e que começaram a surgir nos
finais do séc.XIX e inícios do séc. XX, são uma junção entre o poder judicial e o poder
administrativo, no fundo, assentam numa lógica de promiscuidade entre a Administração
e Justiça.
A visão francesa, surge no quadro de uma evolução, que é comum entre os países
que adoptam o Sistema Francês, embora estes o aceitem por via legislativa, não havendo
aquela função criadora dos tribunais, tão marcante como existiu em França, dando lugar à
criação de um juiz que não é juiz, uma vez que, se trata de um órgão da Administração,
tendo os seus poderes decalcados do superior hierárquico, sendo esta uma realidade que
vai marcar o Contencioso Administrativo até ao final dos nossos dias.
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uma vez que, os juízes se encontram também limitados à anulação das decisões da
Administração, decorrendo da lógica do superior hierárquico – lógica do juiz anulação.
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mesma, e dai a tentativa de fingir que há justiça, ao mesmo tempo que se procura
limitar o poder dos juízes criando órgãos artificiais para dizer que há julgamento
das decisões.
Sistema designado por: La Justice Retenue, o qual o Prof. Marcello Caetano denomina por justiça reservada.
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Déléguée, ou a fase da justiça delegada. A justiça delegada atribui maior
relevância ao Conselho de Estado, visto que este agora elabora imediatamente
as sentenças que obrigam os particulares e que, acima de tudo, obrigam a
Administração. Os Professores Marcello Caetano, Freitas do Amaral e Sérvulo
Correia defendem que é nesta fase que surgem os Tribunais Administrativos,
mas não têm razão e, isso prende-se com o seguinte: quando falamos em
delegação de poderes estamos a pensar num mecanismo interno
administrativo, pois é um mecanismo através do qual um órgão da
Administração transfere o exercício da competência para outro órgão da
Administração sem perder a competência. Assim, o que está em causa é um
fenómeno administrativo, o que está em causa é considerar o Conselho de
Estado como um superior hierárquico do Governo e que, assim sendo, tem a
última palavra. Não há assim nenhuma diferença do ponto de vista formal,
material ou orgânico entre a função de julgar e a função de administrar e,
portanto, não estamos perante um tribunal, estamos perante um órgão
administrativo mais autónomo e independente.
o Mais tarde o Conselho de Estado vai dar origem a dois órgãos
distintos, existindo uma separação orgânica, formal – sendo que um
aplica procedimento administrativo e o outro processo administrativo
–, e uma separação material, pois um aconselha e o outro julga:
a) Órgão da Administração – que aconselha a Administração;
b) Tribunal
o 1889 – Teoria do ministro-juiz: modelo que mais irá influenciar o
Contencioso Administrativo. O que se defendia era que as decisões
deviam subir todas até ao órgão supremo, até ao Governo e, depois
recorria-se da decisão do governo para o Conselho de Estado, não
bastando assim a decisão apenas do subalterno, mas também do órgão
máximo – a decisão prévia. Daqui irá resultar a exigência – que há
muito devia ter desaparecido, mas que ainda existe – do recurso
hierárquico necessário2. É esta ideia que, por conseguinte, vai gerar em
Portugal o recurso de anulação, justificando que no Contencioso
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Administrativo o juiz continue com os seus poderes limitados, visto
que não tem mais do que poderes anulatórios, não gozando de poderes
condenatórios;
o O tribunal irá nascer mais tarde, a partir de 1889 em França, aos
poucos e, noutros países como Espanha o Itália, no início do séc. XX.
Novo Contencioso:
Alemanha: pós-nazismo;
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Restantes países: anos 70 com as Constituições.
Mafalda Baudouin
Do séc XIX para o séc XX vai se consolidar e em simultâneo com o estado social
surge o novo modelo: o baptismo do contencioso administrativo – Professor Vasco
Pereira da Silva, ou o período da tribunalização segundo o Dr. Mário Lino.
Há um autor francês que diz que em França há um milagre para explicar estas
transformações. Este milagre é um milagre da administração toda poderosa que aceita
autolimitar-se e aceita o estabelecimento do controle dos tribunais. O professor defende
que esta ideia de milagre mostra como não é possível dizer a partir de que data é que se
modificou no esquema parisiense essa jurisdicionalização, mas essa ideia de milagre não
pode corresponder a logica de Veille, que é uma ideia do Estado como dono do direito se
aceita autolimitar-se, o Estado dono do direito e da administração. O direito é uma
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realidade que está para além do Estado e que o obriga a ele próprio e, portanto, esta
concepção do estado senhor do direito é uma concepção muito francesa. Na realidade, o
que existe aqui na concepção francesa é um duplo milagre: por um lado, há o milagre da
limitação da administração que vai sendo subordinada ao direito e que vai se
transformando na sua dimensão autoritária, há de uma maneira a superação da ideia de
estado como direito; há em simultâneo, um segundo milagre, que é a transformação de
um órgão administrativo num órgão jurisdicional, num tribunal administrativo, é a
transformação de uma entidade admninstrativa num tribunal, pode-se dizer neste caso que
o conselho de Estado é o self made court é o tribunal que se constrói a ele mesmo em
razão da sua actuação, é um tribunal que que vai actuando cada vez mais como uma
entidade de um poder judicial, e que vai sendo reconhecido o seu estatuto e que vai
implicando a transformação da lei e da Constituição. Foi um procedimento que se foi
construindo.
1) Desde o acórdão cargaux – foi a partir de 1889 que aos poucos se foi dando essa
transformação e passou a ser mais evidente depois no séc XX.
2) E depois há uma sentença do TC francês, do conselho constitucional de 1988, em
que pela primeira vez o Tribunal Constitucional reconhece que a secção
contenciosa do conselho de estado é um verdadeiro tribunal integrado no poder
judicial e não uma entidade administrativa. E desta maneira esta sentença marca o
fim de um ciclo de transformação dum quase tribunal num verdadeiro tribunal. O
que, no fundo, aconteceu no conselho de Estado, foi um desdobramento, o
conselho de Estado deu origem a dois órgãos diferentes, regulados por leis
diferentes com uma função diferente e por isso se distinguem em termos formais,
materiais e hoje em dia também em termos orgânicos. A pouco e pouco foi-se
separando a secção administrativa da secção jurisdicional. A secção
administrativa funciona como órgão administrativo, e a seção contenciosa
funciona como um verdadeiro tribunal, onde há juízes que são admitidos com
regras diferentes dos funcionários públicos, e que como têm uma formação
especial vão julgar a administração. Houve uma separação do órgão. Primeiro se
reconheceu que estas duas secções eram diferentes e desempenhavam tarefas
diferentes, depois reconheceu-se que essas tarefas implicavam formalmente um
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estatuto e regras de actuação diferente. e que mereciam tratamento diferenciado.
Há uma lógica de separação de poderes total. Inicialmente o conselho de Estado
era só o conselheiro do Rei, em matéria de prorrogação de diplomas, depois
começou a intervir na questão da constitucionalidade dos diplomas, e a partir
deste momento começou a ficar institucionalizada a fiscalização preventiva da
constitucional atribuída ao conselho de Estado. Isto adquiriu estatuto
constitucional, e hoje esta fiscalização preventiva já é acompanhada de
fiscalização sucessiva concreta porque o conselho de Estado, o conselho
constitucional foi alargando os respectivos poderes de controle e isso foi sendo
reconhecido pela constituição e pelas leis. Há aqui uma lógica em que a evolução
da realidade social é determinante e a lei vai reconhecendo esse factor.
O Prof Freitas do Amaral veio dizer que havia 3 manifestações desta natureza
administrativa do sistema português, mesmo o supremo tribunal administrativo se
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chamava tribunal, que não era nada, porque estava integrado na presidência do conselho
de ministros, era um órgão autónomo da presidência do conselho de ministros e regulado
pela presidência do conselho de ministros e era a presidência do conselho de ministros
que exercia tutela sob o supremo tribunal administrativo , depois porque a nomeação, a
demissão e as sanções aos juízes dependiam do presidente do conselho de ministros, e
depois tb porque em Portugal não foi só ate a constituição de 1976, em Portugal isto
durou para além da constituição de 76 quase até aos anos 80, não havia em Portugal
nenhum sistema jurisdicionalizado de execução das sentenças dos tribunais. Cumprir
aquilo que o tribunal tinha feito era algo que a administração podia decidir segundo eles,
não era obrigado a cumprir, não havia um sistema jurisdicionalizado de execução das
sentenças, era uma graça da administração, esta só cumpria quando lhe apetecia. Se não
cumprisse não havia maneira de a obrigar a cumprir. Só com o decreto de lei 256-A de
1977, e depois com a reforma de 1985 em Portugal é que se estabeleceu um sistema
jurisdicionalizado de execução das sentenças, o que levava o Professor Freitas do Amaral
a dizer que até, em termos teóricos, o sistema português se parecia mais com o da justiça
reservada do que com o da justiça delegada, porque esta possibilidade de ter a ultima
palavra quanto a executar ou não executar correspondia ao poder do Chefe de Estado de
homologar ou não as decisões do conselho de estado. O sistema tinha este controle que
resultava desta ausência de um processo jurisdicionalizado de execução.
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Administração e têm de ser cumpridas. - (4) Mecanismos de controlo administrativo
prévio. - No fundo, este DL contribuiu para a adaptação, ainda que minimalista, da
realidade à ordem constitucional, no sentido de implementar um sistema de Contencioso
plenamente jurisdicionalizado.
Até 1977, lançaram-se as bases deste regime, a partir de 1985, o seu regime de
execução das decisões da administração.
Em Portugal, este período do Baptismo vai durar até 77, há aqui uma realidade
similar do regime francês, em que tudo isto se passa de forma lenta.
É também esta fase, a partir do séc XX que marca transformações por um lado
idênticas e por um lado diferentes que se verificava no Reino Unido, o Reino Unido no
período do liberalismo não proibiu os tribunais judiciais de contrariarem a administração,
nem criou tribunais especiais. A lógica britânica era que a adm submetia-se à lei comum
– a lei era igual para os particulares e para a administração. Esta realidade que começa no
século XIX, isto vai-se alterar no inicio do séc XX de uma forma muito rápida, e vai-se
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alterar por causa da transformação da administração na medida em que a administração
do Estado Social passou a realizar novas tarefas na vida económica, social e cultural
realizadas por poderes públicos e entidades públicas, e todas estas entidades são criadas
por lei e têm um estatuto legal, tem regras próprias. No Reino Unido começa a surgir
também o direito administrativo. Esta transformação e surgimento do direito
administrativo tinha que ver com a mudança do estado liberal para o estado social. A
partir do momento em que a administração chamou a si novas funções, essas funções
tinham de ser reguladas por lei, não resultavam nem da tradição nem de costume. Eram
realidades de natureza estatutária. A jurisdicionalização do Contencioso vai acompanhar
a instauração do modelo do Estado Social que começa a surgir nos finais do século XIX e
início do século XX: lógica do Estado providência e administração prestadora - a
administração actuava para prestar bens e serviços aos particulares. - Havia uma
multiplicidade das formas de actuação (ao contrário do modelo da administração
agressiva em que a actuação administrativa se traduzia no acto administrativo). Agora a
administração decide o que é mais adequado (praticar um acto, negociar um contrato,
fazer um regulamento, etc). - Mas o acto administrativo também se transforma. O acto
administrativo é um acto jurídico, mas não tem nada de jurídico: quem define o direito
são os tribunais.
A partir do séc XX, e de forma muito intensa nos anos 20, 30, 40, 50, vai surgir
no reino unido a realidade que estava a desaparecer em frança, que era o surgimento dos
tribunais administrativos que eram especiais, e que não eram verdadeiros tribunais – os
administrative tribunals – estes não são chamados de court, pois estes são tribunais e os
tribunals são órgãos da administração. Enquanto órgãos da administração não são
compostos por juízes, podem ser chamados a julgar decisões administrativas e a tomar
uma decisão que é obrigatória para aqueles que se submetem a esta realidade. Estes
tribunals – são coisas que estão algures entre o universo da justiça e do homem. É uma
realidade meio administrativa, meio jurisdicional, que começou a surgir no direito inglês.
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ser afirmada com uma evolução do estado de direito. Esta realidade marca também uma
transformação no sistema britânico, que tinha tido nos anos 20 sintomas de nascimento, e
uma realidade que também vai ser combatida pelas mesmas razões com que vai ser feita a
jurisdicionalização do quadro da realidade francesa. Por um lado, há uma divergência e
depois há uma confluência desta realidade. Esta realidade de transformação vai fazer
surgir um verdadeiro tribunal administrativo (1950-60), com regras próprias, com regras
especiais, há processo com normas processuais diferentes daquelas que regulam os
processos comuns. Isto resulta de Kings Court e Queens court que é o tribunal onde são
apreciados os actos de sua majestade, que são actos de natureza administrativa. O Estado
actua indirectamente, pois quem actua é o governo. O acto de sua majestade vai parar ao
Queens Court que é o acto da administração. Estes actos têm um processo especial com
regras especiais (judicial review), revisão judicial que é feita por um tribunal, é um
processo do contencioso administrativo parecido ao nosso. A última palavra cabe aos
courts e há uma especialização do contencioso e faz com que haja tribunais
especializados em julgar a administração de acordo com regras de processo e efectuadas
por um órgão em que só ele tem competência para o fazer. Quer do ponto de vista
material, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista orgânico, só o
administrative court que é uma divisão do Queens Court, só o administrative court pode
controlar os actos do contencioso administrativo. Durante muito tempo esta realidade foi
desconhecida porque também faltava a dimensão sem fronteiras do processo
administrativo, do direito administrativo, não havia o direito comparado. Esta realidade é
semelhante à que existe na realidade francesa, mas não corresponde a logica de uma
jurisdição separada, e não responde por causa da realidade orgânica que está subjacente a
esta, ou seja, enquanto que em Portugal, na Alemanha e na França há um tribunal
superior, no Reino Unido só há tribunais de primeira instancia, não há separação ao nível
do topo, só existe separação ao nível do topo. Não há uma segunda instância, porque aí há
um tribunal de topo. Enquanto nos outros países há uma logica de organização dos
tribunais que tem a ver com a evolução que o processo foi tendo ao longo destes anos.
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transformação dos poderes. Isso so vai surgir num momento posterior, na terceira fase de
evolução do contencioso: a confirmação ou o crisma.
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(1) Anos 70 e 80 do século XX: Constitucionalização do Contencioso Administrativo.
As Constituições e os Tribunais constitucionais afirmam esta natureza
jurisdicional plena do Contencioso Administrativo e a tutela dos direitos dos
particulares. A primeira Constituição a fazê-lo é a Constituição fundamental
Alemã (artigo 19º/4) - afirma o princípio da plenitude da Justiça Administração: o
juiz tem os mesmos poderes que os juízes comuns e destina-se à tutela plena dos
direitos fundamentais - surge na Alemanha no pós-guerra
(2) A partir dos anos 80/90 até hoje: marcado pela ideia da europeização do
Contencioso Administrativo. O direito europeu é uma realidade sui generis: há um
sistema jurídico autónomo que não é uma realidade de direito internacional. Do
ponto de vista europeu, há o sistema jurídico comum e a UE é uma realidade que
actua sobretudo no exercício da função administrativa estabelecendo regras
comuns - função que se tem vindo a acentuar. O direito administrativo é direito
europeu concretizado.
Raquel Ribeiro
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estabelecendo mecanismos de controle do Público. Portanto na lógica da norma perfeita.
E, portanto, na sequência desta declaração constitucional, surgem-nos depois leis do
Contencioso, a partir dos anos 50 e que vai até aos nossos dias, com sucessivas revisões.
A última já depois de 2007, que vão transformando o Contencioso Administrativo em
termos de aperfeiçoar cada vez mais este controlo da Administração.
Em França, vai ser não a Constituição, mas o Tribunal Constitucional a introduzir
esta mudança, porque tal como tinha havido uma sentença de 81 em que o Conselho
Constitucional declarava a natureza jurisdicional do Conselho de Estado, da secção
Contenciosa do Conselho de Estado. Agora em 89 vai surgir uma outra sentença que diz
que o Tribunal Administrativo seve para proteger os particulares nas relações com a
Administração, ou seja, vai acentuar a dimensão subjectiva do Contencioso, um
Contencioso que tem por missão a tutela dos direitos dos particulares. Porque na lógica
do Estado de Direito se os direitos dos particulares forem garantidos a Administração
cumpre a lei. Ou seja, na lógica objectiva tradicional que se preocupava apenas com o
controle objectivo da Administração é uma lógica insuficiente em face da lógica dos
direitos dos particulares que permite um controlo ainda maior. O particular tem o direito,
a Administração está a violar um dever e a pôr em causa esse direito, portanto está a
cometer uma ilegalidade. É o principio da tutela plena e e efectiva dos direitos dos
particulares.
Portanto em França a partir de 89 o Contencioso deve assumir uma realidade
diferente. E, também em França, isto foi feito paulatinamente quer pela actuação do
Concelho de Estado quer pela actuação do legislador. França, a legislação do ano 2000,
em que o juiz administrativo se torna de plena jurisdição. O recurso continua a ser o
nome tradicional para o meio processual de controlo da Administração. O recurso torna-
se de “pleine juridiction” enquanto que até aí era o recurso de mera anulação.
Portanto há todo um conjunto de transformações que são determinadas em primeiro lugar
pela realidade Constitucional e depois dá origem ao surgimento de leis de processo cada
vez mais desenvolvidas no sentido de controlar integralmente a administração nos termos
do modelo Constitucional.
Em Itália é também o Tribunal Constitucional, não tem muita diferença. Aí a
constituição já consagrava a natureza jurisdicional e da qual poderia ocorrer uma certa
acepção plena dos Tribunais, mas curiosamente, em Itália havia aquela distinção
tradicional entre os interesses legítimos, ou melhor, os direitos subjectivos e os interesses
legítimos e difusos e a diferença entre uma e outra significava um tribunal diferente. O
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Tribunal Comum era o tribunal dos direitos subjectivos e o Tribunal Administrativo era o
tribunal onde estavam em causa apenas interesses legítimos e interesses difusos. E havia
uma diferenciação consoante a natureza da posição subjectiva. Agora vem-se dizer que a
doutrina já tinha há muito tempo afirmado que essa distinção não faz nenhum sentido do
ponto de vista teórico. Não há nenhuma diferença entre os chamados direitos subjectivos,
os interesses legítimos e os interesses difusos, o que interessa sendo uma matéria
Administrativa independentemente de se tratar de um direito, de um interesse legítimo ou
difuso, para quem utilize essas construções, a tutela deve ser sempre garantida pelo
Tribunal Administrativo.
E, portanto, curiosamente, o Tribunal Constitucional Italiano, vai mesmo dizer
que a norma constitucional é inconstitucional porque violava os princípios da realidade
do poder jurisdicional na medida em que fechava o Contencioso Administrativo a um
Contencioso só de interesses legítimos e difusos. Vem dizer que isso é pouco é preciso
que a jurisdição administrativa se afirme e que tenha uma dimensão mais importante e
isso decorre de o poder jurisdicional estar consagrado na Constituição. Há aqui uma
realidade criadora por parte da justiça Constitucional Italiana.
E o mesmo se diz do Reino Unido, porque aquela regra de que há pouco
falávamos de que a última palavra cabe ao court, a ultima palavra cabe sempre ao
Tribunal, o que significa que é possível intentar um juditial review contra uma decisão do
administrative tribunal, esta regra é reconhecida como tendo uma dimensão
constitucional como fazendo parte da Constituição material do Reino Unido. E, portanto,
há aqui uma “constitucionalização” que marca esta mudança que agora vimos. E uma
mudança que é a superação dos dois principais traumas que iremos identificar na história
do Contencioso Administrativo.
O trauma de um tribunal que não era tribunal, e que agora passa a ser, e passa a
sê-lo plenamente. E o trauma de um Contencioso que servia para proteger a
Administração e que agora é visto como servindo para proteger o particular. Portanto
uma revolução Copernicana, como lhe chama o Professor, que altera a natureza da justiça
administrativa.
E, portanto, há aqui um momento que é um momento importante, e que aconteceu
um pouco por toda a parte.
Artigo 212nº3, o que aqui está é precisamente, por um lado a integração dos tribunais
administrativos no âmbito do (Imperceptível) e esta norma Constitucional inscreve-se nas
normas sobre o poder judicial e há uma outra norma antes (207 ou 208) que fala das
28
jurisdições e quais são os tribunais. É o artigo 209º (ler artigo). Portanto ordens e
jurisdições constitucionais separadas cada uma delas com uma base. Com os tribunais
judiciais, temos no topo o Supremo Tribunal de Justiça, com os Tribunais administrativos
de circulo temos no topo o STA, e, portanto, a lógica da integração dos Tribunais
administrativos na orgânica da administração. Depois o artigo 212nº3 dizendo que os
tribunais têm por missão resolver os litígios emergentes das relações jurídicas
administrativas, portanto os tribunais resolvem conflitos de interesses, conflitos de
direitos no quadro das relações jurídicas administrativas. A ideia da relação jurídica
implica a posição de igualdade do particular e da administração. O que está em causa não
é uma definição de poder nem uma lógica autoritária o que está em causa é uma relação
jurídica em que os particulares e a administração são tratados como partes, são sujeitos
processuais e intervêm no processo administrativo para a tutela dos seus direitos nas
relações administrativas. E depois a norma que á semelhança do direito Alemão, e
ironizando, se os alemães têm a norma perfeita, nós temos a norma mais que perfeita, que
é a do 208nº4 (ler artigo). Isto resultou da revisão constitucional de 89 quando estávamos
todos os administrativistas fartos de avisar o legislador e o poder político que tinha de o
alterar. Já tinha havido várias revisões e ficava tudo na mesma. E nessa revisão
constitucional de 89 deu-se a circunstância feliz de se ver vários administrativistas em
posições susceptíveis de influenciar a revisão constitucional. O Partido Socialista que
tinha ganho as eleições tinha no Parlamento o líder parlamentar encarregado de fazer a
revisão constitucional, chamado Vital Moreira. O Partido Social Democrata tinha como
dirigente o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, O CDS tinha na Assembleia deputados
administrativistas conhecidos que tinham trabalhado no domínio do contencioso
administrativo. O PC também estava interessado em mudar e tinha um administrativista.
E depois a doutrina estava toda contra isto.
268nº5 (ler o artigo).
Isto foi em 89 e a reforma do processo foi em 2002, ainda demorou algum tempo,
mas a partir dessa altura ficou evidente que as normas do processo administrativo
português eram maioritariamente (Imperceptível).
Há aqui num primeiro momento a intervenção das Constituições e isto tem até uma
importância psicanalitica reduzir a escrito é uma forma de resolver os problemas, de
resolver os traumas do passado. A lógica psicanalitica francesa é que se preocupa muito
com este aspecto cultural dos fenómenos e a passagem a escrito das realidades
traumáticas, dos traumas mais profundos e dos medos profundos que estão na base das
29
melhores páginas literárias escritas, precisamente porque correspondem a uma realidade
vivida a nível do inconsciente.
E portanto temos este momento nos anos 70. A constituição Portuguese é de 76 a
Espanhola de 78 há revisões constitucionais por esta altura nos outros países ou então há
intervenção do Tribunal Constitucional e portanto há aqui uma transformação
determinada pela lógica Constitucional e reafirma-se aquilo que já se dizia do passado ou
seja que o Processo Administrativo tem de ser Direito Constitucional concretizado é uma
expressão de Fritz Werner que contrariava a lógica clássica do Doutor Mayer. Ele dizia
que o Direito Constitucional passava e o Direito Administrativo é que ficava, que era uma
coisa mais importante. Fritz Werner vem dizer, nos anos 60, que o Direito Administrativo
e o Processo Administrativo devem ser Direito Constitucional concretizado. E esta ideia
da concretização que vai dar origem às leis do Contencioso Administrativo, como às leis
do Procedimento Administrativo. Esta dimensão é assumida como uma realidade
essencial e Peter Haberle da dupla dependência do Direito Constitucional e do Direito
Administrativo. Dupla dependência porque por um lado o Direito Administrativo
depende do Direito Constitucional, porque concretiza as opções constitucionais a todos os
níveis e aqui ao nível do Contencioso Administrativo. Ao modelo de Contencioso
Administrativo subjectivo destinado à tutela dos direitos dos particulares em que os
particulares e a administração são partes, são colocados no processo com os mesmos
poderes e com os mesmos deveres. Em que o juiz goza de plenos poderes em face da
Administração, em que os direitos dos particulares devem ter uma tutela plena efectiva ao
modelo constitucional e a lei ordinária tem que cumprir esse modelo. Mas também há
uma dependência administrativa do Direito Constitucional porque a Constituição só se
realiza com a actuação dos Tribunais e em especial dos Tribunais Administrativos. Não
pode haver Estado de Direito, não pode haver a realização da Constituição se a justiça
administrativa não actuar de acordo com as regras das Constituições. E, portanto, estamos
perante uma dupla dependência. Uma realidade que introduz esta lógica de que para o
legislador constituinte o funcionamento da Justiça Administrativa, o funcionamento de
acordo com o modelo Constitucional é uma questão de sobrevivência é uma questão
essencial, é uma questão em que se põe em causa a efectividade da Constituição. Se não
for cumprido o modelo constitucional, a Constituição está em crise, a Constituição tem
um problema grave, do ponto de vista material e é preciso criar uma realidade que
aproxime estas realizações.
30
Isto também se passou noutros países. No caso Português só terminou
verdadeiramente em 2004. Noutros países foi mais cedo, quem foi pioneira foi a
República Federal da Alemanha, mas outros países europeus acompanharam esta
realidade no quadro desta constitucionalizarão do sistema Administrativo.
O Processo Administrativo passa a ser Direito Constitucional Concretizado, passa
a depender do Direito Constitucional e o Direito Constitucional a depender de Processo
Administrativo.
A partir dos anos 80 vai-se verificar uma outra realidade que vem da Europa e que
vai ainda mais contribuir para esta dimensão jurisdicional, esta tutela plena e efectiva dos
direitos, esta dimensão subjectiva do Contencioso Administrativo.
É que a União Europeia, que já existia desde os anos 50, vai evoluir no quadro da
integração, vai estabelecendo… Primeiro começa por ser um mercado comum, depois vai
dar origem a uma união económica monetária, depois alarga-se a realidades que não são
apenas de natureza económica e a realidade europeia é uma realidade administrativa.
Aquilo que a União Europeia faz, principalmente, é exercer a função administrativa à
escala Europeia. Para exercer essa função, a Administração utiliza as Administrações
nacionais tal como do ponto de vista Contencioso usa os Tribunais nacionais. Mas esses
Tribunais nacionais tal como a Administração Nacional vai aplicar Direito Europeu. E o
que se passa a nível da União Europeia e que é diferente de uma simples organização
internacional é que não há apenas produção de normas jurídicas, como essas normas
jurídicas constituem um sistema que por um lado se impõe aos estados membros e que
por outro lado se mistura com o Direito dos estados membros. Ou seja, a lógica da união
e criar uma ordem jurídica Europeia isto não existe na ONU, não existe na Organização
mundial de comércio isto não existe em nenhuma realidade internacional. Não é um
Estado embora tenha elementos estaduais e a integração está próxima da integração de
um Estado, não é um Estado. Agora tem um nível de integração que resulta da existência
de um sistema júridico autónomo que por um lado prevalece, o principio da primazia e o
principio da eficácia directa, normas que se aplicam directamente nas relações entre
particulares, não são simples normas internacionais, são normas internas. Por outro lado,
este Direito Europeu mistura-se com os Direitos Nacionais e dá origem a uma nova
realidade Europeia. Isto resulta, quer daquilo a que vamos chamar a integração vertical
como da denominada integração horizontal. A integração vertical resulta de surgirem
normas não só as que constam dos tratados, mas depois os Regulamentos e Directivas da
União Europeia, que regulam o Direito Administrativo desde o inicio. Estabelece regras
31
em matéria de Contratação Pública, é preciso que um Portugês possa concorrer a um
concurso público na Alemanha e que um Alemão possa concorrer em Portugal. É preciso
criar um mercado único em termos de serviços, em termos de circulação bens de pessoas
e que leva a esta transformação do Direito Administrativo e vai-se produzindo um
conjunto de normas que são normas de Direito Administrativo, não só apenas de Direito
Administrativo, mas são sobretudo normas de Direito Administrativo. Aliás mesmo os
que criticam a União Europeia quando utilizam argumentos mais ou menos irónicos para
por em causa a dimensão da europeização acabam por mostrar a força da União Europeia
e aquilo que ela significa. Por exemplo aquele argumento sempre repetido e irónico de
que a União Europeia apenas se preocupa com o tamanho das maçãs e com o tamanho
dos preservativos. Preocupar-se com o tamanho é algo que tem a ver com a
Administração pública pois é ela que estabelece as regras pelas quais se passa a
proporção e a circulação de bens. Isto é uma regra típica de Direito Administrativo. Em
matéria Administrativa há leis sobre todas as coisas. E há políticas públicas, de
transportes, em matéria de energia, em matéria de comunicações, em matéria de
agricultura, não há nenhum domínio em que não haja regras de Direito Administrativo.
Mas há também regras de Contencioso, porque a União Europeia está preocupada em que
os Estados tenham regras comuns para permitir a livre circulação de pessoas, bens e
capitais. E por isso a União Europeia impõe nas diferentes Directivas normas processuais.
E normas de caracter processual. Há normas relativas ao âmbito da jurisdição que não
pode ser limitado e se repararem o nosso artigo 4º do Estatuto prevê que os particulares
possam praticar actos administrativos que são apreciados pelo Tribunal Administrativo,
porque quando os particulares desempenham a função administrativa o concessionário da
Auto-estrada , do hospital Amadora/Sintra , qualquer outra entidade mesmo que privada
que colabora no exercício na função administrativa pratica actos administrativos e o
Tribunal competente é o Tribunal Administrativo. Esta é uma norma que o artigo 4º
consagra, mas que vem do Direito Europeu. E, portanto, a realidade Europeia alargou o
âmbito da jurisdição através de uma dimensão de natureza legislativa. É o artigo 4º do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que limita o âmbito da jurisdição
Administrativa. E verão que esse artigo 4º alarga o universo do Contencioso
Administrativo, já não são apenas os entes púbicos que estão a ser julgados, podem ser
entes privados, ou porque a empresa pública tenha natureza privada ou porque é um
particular que tem uma empresa que se dedica a outra actividade mas que tem um
actividade de natureza Administrativa e portanto há um alargamento do Contencioso
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Administrativo que deixa de ser o Contencioso da Administração e passa a ser o
Contencioso das Relações Jurídicas Administrativas, como se diz na Constituição, e há
em resultado disto uma transformação também ao nível de regras processuais. Uma das
coisas que preocupa a União Europeia é que os particulares possam ir a Tribunal para
tutelar os seus direitos. Portanto a legitimidade tem de ser concebida em termos amplos.
O artigo 9º do Código de Processo dos Tribunais consagra a legitimidade para a defesa
dos direitos, aos titulares dos direitos, aos que possuem deveres aos titulares de situações
protegidas, legalmente protegidas, ao Ministério Público e ao Autor Popular. O Processo
alarga-se em razão desta realidade Europeia que é a de que ninguém pode ficar fora do
Tribunal. Mas ao lado do legislador, que normalmente usa as directivas, às vezes usa os
regulamentos, mas em regra usa as Directivas Europeias, o que permite uma certa
flexibilização dos diferentes países que consagram um direito comum mas que pode ter
variantes, e que consagram uma lógica duma maior flexibilidade do Direito
Administrativo. Mas para além do legislador o próprio Tribunal assumiu aqui uma
importância criadora, porque o Tribunal Europeu, não apenas julga os litígios que lhe são
trazidos como funciona como Tribunal que permite a apreciação consultiva antes da toma
de decisões por parte dos Tribunais nacionais, mas é um Tribunal que faz Doutrina e que
pretende que essa Doutrina se imponha aos diferentes países e aos diferentes Estados que
estão em causa. O que é que aconteceu? O Tribunal de Justiça da União Europeia veio
chamar á atenção para uma coisa óbvia: é que no Contencioso Administrativo já havia
tutela principal, os juizes já tinha poderes de condenar, dar outras e outras coisas, mas
continuava a faltar a tutela cautelar. Não havia uma adequada tutela cautelar no
Contencioso Administrativo. A tutela preventiva aquela que visava garantir os efeitos da
sentença enquanto se passava o Processo para que ninguém pudesse ser prejudicado pelo
facto de a Administração ter praticado um acto ilegal que não tinha sido ainda julgado em
termos de apreciação final. O Tribunal veio chamar à atenção para a necessidade de
introduzir mecanismos cautelares. Mecanismos que suspendessem os efeitos dos actos,
enquanto não houvesse a sentença, mecanismos que colocassem os particulares em
situação transitória, por exemplo: se um particular foi ilegalmente excluído de uma
Universidade pode ser colocado provisoriamente enquanto espera pelo resultado do acto
que o excluiu da faculdade, o que significa que pode ir fazendo cadeiras a título
condicional que se transformarão em cadeiras a título definitivo se efectivamente for
provada a ilegalidade do acto de exclusão, ou seja, medidas cautelares, medidas
destinadas a dar sentido útil ás sentenças. Porque não se pode tudo resumir a algo de
33
conteúdo indemnizatório. Não é a indemnização o objectivo do Tribunal Administrativo,
pelo contrário é a reparação efectiva da ilegalidade, é a criação de uma realidade em que
haja tutela cautelar.
O Tribunal de Justiça da União Europeia vai fazer isso numa serie de sentenças,
em que se obriga o Estado a ter uma tutela cautelar.
E essa construção das Jurisprudência vai fazer com que na viragem do século em
todos os países da União Europeia haja reformas do Contencioso Administrativo. Não
houve nenhum país Europeu que na viragem do século XX para o século XXI não tivesse
introduzido o Contencioso Cautelar.
Em Portugal também, a tutela cautelar surgiu verdadeiramente com a reforma de
2002/2004. Até aí a lei de processo previa vagamente a possibilidade de suspensão da
eficácia. E esta suspensão da eficácia estava prevista para situações tão limitadas, que
nunca existia. O Juiz nunca decretava a existência de uma medida cautelar destinada a
salvaguardar os efeitos daquela sentença. E isto que acontecia em Portugal passava-se em
todos os países. E, portanto, foi preciso criar novas providências cautelares, não apenas
de suspensão na garantia de situações, de atribuição de realidades, afectação provisória de
utilização de uma coisa, nomeações provisórias, todo o tipo de realidades destinadas a
salvaguardar os efeitos úteis da sentença. Isto era um problema de interpretação da lei
pelos Tribunais que só poderia ser resolvido através de uma profunda alteração
legislativa. É certo que nos últimos anos antes de 2004 havia aquilo a que o Professor
Vieira de Andrade chama um “conluio” entre a Doutrina e a Jurisprudência, é certo que
nos últimos tempos a Jurisprudência estava um bocadinho mais ousada e já admitia
algum alargamento da tutela cautelar, mas mesmo assim estava tudo muito longe daquilo
que o Juiz Europeu determinou, ou seja, daquilo que era a realidade de um Contencioso
Cautelar.
Mas esta Jurisprudência criadora do Tribunal de Justiça, do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem, é afirmada em todos os domínios e é afirmada no quadro de uma
lógica que é uma lógica integradora. Aquilo que o Tribunal de Justiça vai dizer é que na
ausência de uma norma Europeia, o Juiz deve partir dos princípios de Direito Comparado
de cada um dos países para construir a norma Europeia. E vai ele próprio ser o legislador
e suprir as limitações da lei Europeia.
Há aqui pela primeira vez uma aproximação ao modelo Britânico. E eu diria
também que esse é o principal problema do Brexit, do qual nunca se fala porque esse não
é mediático, mas o que aconteceu foi que por um lado o Direito Britânico assumiu
34
estruturas, em especial do Direito Administrativo, e admitiu o controlo pelo Tribunal de
Justiça, estabeleceu uma serie de realidades que transformaram o Contencioso
Administrativo. Por outro lado o Direito Europeu Adquiriu uma dimensão Anglo
Saxónica que não fazia sentido. A ideia de que qualquer particular pode ser uma
autoridade Administrativa é uma ideia que resulta do facto dos Ingleses não saberem o
que é um orgão público. Sabem o que são pessoas colectivas mas não sabem o que são
pessoas colectivas de Direito Público, porque isso não existe no Reino Unido. E isto
contribuiu para transformar o Direito Administrativo, tal como a noção de Contratos
Públicos, havia casos esquizofrénicos entre Contrato Administrativo e Contrato Direito
Privado. Como foi o caso da Revolução Francesa, Portuguesa, Italiana e Espanhola. Se a
União Europeia tivesse partido desta construção não chegava a parte nenhuma porque a
maior parte dos países Europeus não sabe o que são Contratos Administrativos. E por isso
a União Europeia esqueceu esse conceito e construiu o conceito de Contratos Públicos no
qual há Contratos Administrativos, mas há outros Contratos de Direito Privado. São todos
contratos que correspondem ao exercício da função Administrativa. Ou seja, houve
também em resultado da União Europeia uma aproximação uma integração horizontal
que não resultou de normas jurídicas, mas resultou do facto de haver uma união. O
sistema Britânico adquiriu características continentais o sistema continental adquiriu
características Britânicas, e houve aqui uma miscigenação.
Este é um dos principais problemas em relação ao Brexit, não professor de Direito
Público que não diga e bem “o Brexit é lá com eles, mas o Brexit Jurídico não, esse nós
não queremos, esse não pode voltar atrás”. E, portanto, há aqui uma realidade que ainda
vai dar muito que falar mesmo depois de 2019 e que tem a ver com esta lógica de
integração horizontal. Porque o facto que haver uma mesma comunidade e haver regras
comuns estabelece mecanismos de aproximação mesmo informais. Por exemplo a
Reforma de Bolonha, não resultou de nenhuma lei ou Directiva Europeia. E, no entanto, a
Reforma de Bolonha mudou o ensino Universitário em toda a Europa. Mudou porquê?
Porque os países e as Universidades se comprometeram num conjunto de regras mínimas
para tornar compatíveis os respectivos planos de estudo. Isto resultou da integração
horizontal, foram os Estados que voluntariamente adoptaram estas regras precisamente
porque há uma União Europeia que também envolve o ensino. Uma licenciatura tirada
em Portugal tem de valer na Alemanha e vice-versa. O mesmo se passa com os
casamentos e com a constituição de empresas entre outros. A ideia é a do reconhecimento
dos actos administrativos de um Estado por outro Estado. A ideia da integração
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horizontal. E, portanto, reconhecer os currículos obrigava a regras mínimas para as
Universidades funcionarem regras que resultaram do comum acordo, não resultaram de
nenhuma lei, resultaram do fenómeno da integração horizontal.
A integração horizontal produz-se a todos os níveis, mas também no Contencioso
Administrativo.
Quando houve a discussão relativamente a Europeização, esta ocorreu em vários
países. Em Portugal estiveram presentes pessoas de vários países Europeus em várias
Universidades do país, e houve debates com participação de cidadãos estrangeiros. Nota-
se aqui que há uma necessidade de criar um Direito adequado a um modelo, que é o
modelo Europeu, cada estado escolhe aquelas moções que entende mais adequadas, mas
tem que conhecer as dos outros, e as regras têm de ser compatíveis e para serem
compatíveis temos de nos conhecer uns aos outros. O Direito Comparado tem agora uma
função de Direito Público. No século XIX o Direito Comparado era para o Direito
Privado. Há uma transformação que resulta da integração horizontal. E isto tem
numerosas consequências no Contencioso Administrativo, a todos os níveis: a nível do
alargamento da jurisdição, ao nível dos poderes do juiz, ao nível da legitimidade, ao nível
da apreciação das actuações administrativas. Há um conjunto de transformações no
Contencioso Administrativo que resultam desta Europeização e, portanto, o momento em
que ainda vivemos, vamos ver depois de 2019 o que é que o Brexit vai dar, mas no
momento em que vivemos há uma integração maior entre os países anglo saxónicos e os
países de natureza continental maior do que alguma vez houve, é a maior de todos os
tempos. E há um regime, em matéria de Contencioso Administrativo, que é
verdadeiramente europeu e que tem regras comuns, que correspondem à mesma realidade
e ao mesmo objectivo.
O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que hoje em dia é preciso dizer que o
Direito Administrativo era Direito Constitucional concretizado e também Direito Europeu
concretizado. E existe uma dupla dependência entre o Direito Europeu e o Direito
Administrativo. Por um lado, o Processo Administrativo Português depende do Direito
Europeu porque a grandes opções Europeias em matérias de Contencioso Administrativo,
mas por outro lado o Direito da União Europeia depende dos Tribunais Portuguese e da
Administração Portuguesa, porque são eles que vão tornar vivos o Direito Europeu, e
aplicar essas normas Europeias.
Mariana Rodrigues
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26 de Setembro de 2017 14:00-15:15
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duas coisas contraditórias. E, portanto, ou estabelecia a propriedade privada com
compromissos vários com intervenção estadual ou prevalecia pura e simplesmente a
apropriação colectiva dos meios de produção. Há um autor alemão Karl Schmidt que
designa este tipo de compromissos como compromissos dilatórios, compromissos para
ganhar tempo. O legislador Constituinte quando elabora a Constituição não sabe ainda
muito bem o quê é, ou que está perante uma situação complicada com forças antagónicas
em presença. Era esse o caso em Portugal, uma Constituição saída da Revolução e
elaborada no meio do PREC e que contribuiu para fazer estabilizar esse PREC (Processo
Revolucionário Em Curso), como era então chamado. Uma redação deste género é uma
redação que prevê normas e princípios contraditórios que depois vão assumir
compromissos que resultam da realidade constitucional e das normas constitucionais que
aplicam a Constituição, do modo como a Constituição é interpretada pelos juizes mas
depois, também vai haver a intervenção de um poder de revisão constitucional para
alterar estas situações.
E se olharmos para as principais revisões constitucionais que houve em Portugal
todas elas alteraram algo fundamental no quadro desses compromissos. A revisão de 82
alterou as regras da organização do poder politico fazendo desaparecer o conselho da
revolução, um orgão revolucionário não democrático que estava previsto na Constituição
originária. A revisão constitucional de 89 alterou a organização económica
(imperceptível). A revisão de 96 permitiu um maior equilíbrio entre o estado central e as
regiões autónomas. Todas as revisões constitucionais, as mais importantes mudaram
alguma coisa, naqueles momentos da evolução da Constituição, mudaram alguma coisa
do compromisso originário. E, portanto, estando de acordo com a análise do Professor
Jorge Miranda a única coisa com que o Professor Vasco Pereira da Silva não concorda é
que se diga que não há rupturas. Há alterações materiais que correspondem a uma
ruptura, ainda que uma ruptura limitada, nos princípios fundamentais da Constituição.
Isto também se verificou no Contencioso Administrativo. Se olharmos quer ao texto
originário de 76 quer às sucessivas revisões Constitucionais temos várias rupturas no
modelo Compromissório que vão dar origem a um modelo que fica plasmado na revisão
constitucional de 87 e que é o modelo que temos hoje. Aliás 97 é a última revisão que
tem uma ruptura, a partir daí o que aconteceu foi que passaram a suceder-se revisões
constitucionais, porque a lógica constitucional já não assenta naquela dimensão
antagónica que tinha até aí. Isto também aconteceu no quadro do Contencioso
38
Administrativo que ficou tal como está agora. Isto resultou de uma evolução e das
diferentes rupturas que houve na lógica Constitucional.
Qual era o compromisso originário que estava plasmado na Constituição de 76? A
constituição de 76 marcou um ruptura na forma como era visto o Contencioso
Administrativo. Porque foi em 76 que pela primeira vez se considerou que a Justiça
Administrativa, não era uma realidade Administrativa, mas era uma realidade que
correspondia ao poder jurisdicional e foi em 76 que se integrou pela primeira vez no texto
constitucional a natureza jurisdicional dos Tribunais Administrativos. Isto corresponde a
um modelo novo e jurisdicionalizado de entendimento da Constituição. Tal como foi a
Constituição de 76 que consagrou o direito fundamental de acesso á Justiça
Administrativa. E, portanto, aquelas duas realidades básicas da evolução do Contencioso,
a juridicionalização e a subjectivização do Contencioso Administrativo também
resultaram da Constituição de 76. Nesta altura eram as Constituições que davam a tónica
na evolução Constitucional. Aquilo que vai acontecer primeiro na República Federal
Alemã nos anos 50, depois com as Constituições Espanhola, Portuguesa, italiana etc é
que há uma transformação da Justiça Administrativa que resulta de um modelo que é
declarado pela Constituição. Passar a escrito e colocar na Constituição não apenas tem
uma dimensão jurídica e política importante como tem também uma dimensão de
natureza psicanalítica que é o de o “paciente” ser capaz de aprender a viver com os seus
problemas e coloca-los por escrito. A passagem a escrito é um momento importante da
catarse que se verifica com os indivíduos e que aqui se verificou também.
Mas isto significou também uma mudança de paradigma do Direito
Constitucional e das Constituições. As Constituições passaram a ser algo que tinha de ser
levado a sério e não apenas algo que continha princípios meramente políticos. Porque no
inicio a Constituição era um conjunto de regas meramente políticas que se respeitava ou
não sem que isso fosse muito importante. A Constituição passou a ser levada a sério
quando surgiram os mecanismos de fiscalização da Constitucionalidade, quando os
Tribunais começaram a controlar a validade da realidade Constitucional.
Do ponto de vista do Processo Administrativo considera-se que não há apenas uma
ligação entre o poder Administrativo e os Tribunais Administrativos e a Constituição
como há uma lógica de concretização que é feita pelo Processo Administrativo e pelo
Direito Administrativo dos valores Constitucionais. Contrapondo-se àquela divisão do
passado do Doutor Mayer que apenas valorizava o Direito Administrativo, e considerava
o Direito Constitucional irrelevante dizendo que o Direito Constitucional passava e o
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Direito Administrativo ficava. A nova lógica que começa a surgir nos anos 50 e que
depois se vai intensificando a partir dos anos 60 e 70 é a ideia de que o Direito
Administrativo é Direito Constitucional concretizado, tal como Direito Civil e Penal. Mas
isto no quadro de um momento em que há uma dependência reciproca entre
Administração e Constituição, Constituição e Tribunais Administrativos, Constituição e
Direito Administrativo e Constituição e Contencioso Administrativo. Porque esta
dependência faz com que o Direito Administrativo dependa da Constituição, porque
consoante a Constituição o Direito Administrativo vai estar organizado de uma
determinada maneira. No Processo Administrativo consoante a Constituição também o
Contencioso Administrativo está organizado de uma determinada maneira. Também há
necessariamente uma dependência do Direito Administrativo do Direito Constitucional.
O Direito Constitucional realiza-se pela actuação da Administração e realiza-se pela
actuação dos Tribunais, em especial dos Tribunais Administrativos. E quando isto não se
verifica há um problema grave no Estado de Direito, há um problema que põe em causa a
realidade essencial da Constituição. Tendo em conta que em 76 há uma revolução esta é
muito reduzida. De 76 a 2004 vai haver um grave problema de divórcio entre o que a
Constituição estabelecia e aquilo que era a pratica dos Tribunais Administrativos. Porque
apesar da Constituição impor desde 76 novos modelos e novas formas de actuação e
novas formas de controle o que é facto é que a realidade administrativa vai assistir a estas
transformações e só se vai realizar tardiamente. A Constituição previa desde 76 que num
novo modelo de organização da realidade administrativa, que houvesse uma nova lei de
procedimento. Esta lei de procedimento resultava de uma exigência constitucional e só
surgiu nos anos 90. Pelo que de 76 a 90 a Constituição não estava a ser tida como uma
realidade essencial. E até 2004 ao nível do Contencioso Administrativo havia um
divórcio grande entre aquilo que era o modelo constitucional e aquilo que era a prática
dos tribunais administrativos. Isto obrigou a que a Constituição reagisse de forma
violenta. Em 89 e depois em 97 quis fazer-se uma mudança que até aí não tinha existido.
Há uma transformação que o legislador Constituinte vai fazer primeiro em 89 depois em
97 para obrigar a realidade administrativa a mudar, porque se não se muda a Constituição
poderia ir parar ao “caixote do lixo” da história. Porque num aspecto essencial da sua
utilização, num aspecto essencial do Estado de Direito ela não estava a ser cumprida. Há
aqui uma realidade que só se constrói ao longo dos tempos e através desta evolução.
A Constituição de 76 é a primeira a integrar os poderes Administrativos no seio
do poder Jurisdicional. Consagra também um direito fundamental de acesso aos Tribunais
40
Administrativos. Este direito fundamental não era completamente originário porque já na
versão de 1970 e da Constituição de 33 o Professor Marcelo Caetano tinha proposto no
âmbito da Primavera Marcelista, uma norma parecida com aquela que vem a surgir em
76. Mas esse direito fundamental nunca se impôs e tinha um regime que não permitia a
sua aplicabilidade, era uma ilusão de óptica.
O compromisso da Constituição de 76 era um compromisso entre esta Justiça
Administrativa e o modelo herdado do passado que continuava na Constituição. Era uma
Constituição compromissória que fazia o compromisso entre o novo e o velho. Entre o
novo Direito Administrativo jurisdcionalizado e subjectivizado e o velho Direito
Administrativo administrativizado e objectivo. E, portanto, havia aqui uma contradição.
Em primeiro lugar se os Tribunais se integravam no poder judicial não havia bem a
certeza se isso seria para durar ou não. Achava-se que era uma questão que tinha de ser
pensada e que não teria de ser decidida no imediato.
A constituição de 76 recebia o velho Contencioso Administrativo em aspectos
essenciais do modelo Constitucional. Porque o direito fundamental de acesso aos
Tribunais é um direito fundamental ao recurso contencioso da relação. Correspondia a um
sistema de controle limitado da administração e um sistema em que o juiz estava reduzido
dos seus poderes, o juiz apenas tinha poderes anulatórios das decisões administrativas. E,
portanto, há aqui a primeira mistura entre o velho e o novo. Por um lado,
jurisdicionalizado e para a tutela dos direitos fundamentais e simultaneamente o direito
ao recurso da relação.
Para a Administração o Direito é um meio para satisfação de necessidades
colectivas e, portanto, este meio permite alcançar um fim que não tem nada que ver com
a realidade jurídica. Exemplo: um controlador aéreo do aeroporto quando manda o avião
levantar voo ou aterrar ele está a praticar impacto administrativo só que não sabe. Ele está
a utilizar um meio jurídico para satisfazer uma necessidade colectiva. E este acto produz
efeitos independentemente de ser um acto que diga respeito a uma decisão final,
intermédia ou inicial do procedimento. (imperceptível).
Os actos administrativos só são susceptíveis de execução coactiva em primeiro
lugar quando a lei assim o estabeleça, e quando essa realidade corresponda à natureza do
acto administrativo.
Há então um compromisso entre o velho e o novo, o novo era a
jurisdicionalização o velho era o recurso.
E as coisas mudaram através da prática e através das revisões constitucionais.
41
O Direito Administrativo na Constituição de 76 na sua versão originária ainda tinha
outras contradições entre o velho e o novo. Por um lado, falava-se na lei do
procedimento, alias a primeira versão chama-se lei do processamento da actividade
administrativa., que depois veio a dar origem ao Código de Procedimento.
Este modelo compromissório vai ser alterado em 82 e de 76 a 82 a única coisa
verdadeiramente relevante que surge no Direito Administrativo Português e no Processo
Administrativo Português é o Dec-Lei 256 A de 77 que surgiu logo a seguir a
Constituição de 76. Este Dec-Lei pretendia estabelecer o mínimo, compatibilizar a
realidade do Processo Administrativo com o novo modelo Constitucional. Era uma ideia
assim muito Portuguesa do vamos fazer uma coisa rápida e provisória para depois
fazermos o definitivo e o que era provisório acaba por passar a definitivo. Este Dec-Lei
256 de 77 era um diploma que vai durar até 2004, portanto é a lógica do provisório que se
torna definitivo. Esta intervenção cirúrgica foi minimalista, mas foi muito eficaz. houve
aqui uma escolha de aspectos que eram considerados essenciais e esses aspectos foram
influenciar decisivamente o Direito e o Processo Administrativo Português. O que é que
estabeleceu basicamente em 77? Em primeiro lugar estabeleceu-se um direito
fundamental, o direito à fundamentação das decisões Administrativas. Esta é uma matéria
de procedimento mais do que de processo. Porque há aqui ao se obrigar a Administração
a fundamentar as decisões, um apontar para um modelo novo de relacionamento entre a
Administração e o particular em que a Administração tem que prestar contas ao
particular, tem que dizer porque é que fez assim e porque é que não fez de outra maneira.
É uma transformação radical da própria Administração. Mas este dever de
fundamentação também implica uma transformação processual porque ao explicar porque
é que decidiu daquela maneira se estamos no domínio do poder descricionário é possível
provar que a Administração não cumpriu a lei. Porque a Administração ao explicar as
razões da sua actuação explica porque é que não cumpriu a lei. E por isso fundamentar é
um instrumento de controle do Contencioso.
Uma outra alteração que não foi ainda muito grande, mas que abriu as portas para
que as coisas se pudessem alterar foi o de reconhecer que o chamado o acto tácito do
indeferimento não é um verdadeiro acto mas sim uma simples ficção legal que se
destinava a permitir abrir ao particular a porta do Contencioso. A lei não fez como se fez
em 2004 a possibilidade de condenar a Administração perante uma omissão ilegal, mas
aquilo que a lei fez foi mostrar que o mecanismo do acto tácito do indeferimento era um
mecanismo que era inventado, quer era uma ficção e que essa ficção tinha de ser
42
considerada como tal. Na lógica do Contencioso da relação só é possível afastar uma
decisão Administrativa quando existe essa decisão. Quando a Administração não pratica
nenhum acto não é possível reagir contra essa omissão. O Contencioso é anulatório e,
portanto, apenas anula as decisões que já existem. Quando a Administração não praticava
um acto dentro de um determinado prazo isso correspondia a uma ilegalidade, porque a
Administração tinha o dever legal de praticar o acto no tempo certo. Essa omissão podia-
se fingir que era um acto administrativo e isto significaria que o particular poderia pedir a
anulação desse acto. O juiz em vez de anular o nada que resultaria em coisa nenhuma
passaria ser obrigar a Administração a praticar o acto. Isto era uma charada do ponto de
vista teórico que não poderia continuar a existir. Mas o que era mais grave é que antes
desta intervenção de 77 esta charada era levada a sério. Porque dizia-se que quando a
Administração não fazia nada podíamos considerar que estávamos na mesma perante um
acto. E se a Administração a seguir quisesse praticar um acto tinha de revogar o acto
anterior, porque havia uma omissão voluntária. A Administração sabia que o fazer nada
equivalia a praticar um acto. Portanto acabava por ser um acto voluntário que estava
sujeito às regras da anulação, que estava sujeito a uma realidade que sendo uma ficção
implicava a ausência de controle efectivo da Administração. E o facto de o legislador ter
dito “isto é uma ficção” abriu no futuro caminho para que surgisse em 2004 as acções de
condenação.
Outra coisa que o legislador fez em 77 foi estabelecer pela primeira vez que o
Tribunal Administrativo era um Tribunal e que, portanto, emitia sentenças e que estas
eram obrigatórias e tinham de ser cumpridas. Porque o que se passava até 77 é que
mesmo quando o Tribunal Administrativo anulava uma decisão o cumprimento dessa
decisão ficava à responsabilidade da Administração. A Administração só cumpria se
quisesse. Vai-se dizer pela primeira vez que as sentenças têm de ser cumpridas e que se
não forem há um processo jurisdicionalizado de execução das sentenças.
O diploma de 77 estabelece a responsabilidade penal, disciplinar e civil do orgão
ou agente que não cumpre o que está estabelecido nas sentenças. Estabelece um processo
jurisdicionalizado de execução das sentenças. A pratica do Processo Administrativo neste
domínio foi além da letra da lei porque se passou a aplicar por analogia as regras da
execução das sentenças dos tribunais judiciais. Passou-se a admitir a submissão dos bens
à penhora.
43
É absolutamente necessário obrigar a Administração a cumprir as sentenças
judiciais e sem isto não há um verdadeiro Processo Administrativo. E isto começou em
77 e manteve-se até aos nossos dias e foi se aperfeiçoando com o tempo.
Mariana Rodrigues
44
era preciso ver um novo fim para a justiça administrativa, mas que isso não teria
consequências. E a maximalista que foi a vencedora, veio dizer que isto implicava não só
a transformação do contencioso que já existia, mas implicava também a criação de uma
nova acção para controlar a Administração, novos meios processuais para controlar a
Administração.
E esta discussão que começou em 82 deu origem à primeira reforma democrática
elaborada no quadro da Constituição de 76. Que se traduziu em dois diplomas um de 84
(o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais) e um de 85 ( a lei de processo dos
tribunais administrativos e fiscais). E esta reforma foi muito importante porque pela
primeira vez se concretizou a nível legislativo aquilo que era as novas realidades da
justiça administrativa que estava na Constituição e que agora iam para a lei ordinária.
Em primeiro lugar ao lado do recurso da relação criou-se um acção para defesa
dos direitos, liberdades e garantias, uma acção que servia para tudo, uma acção para
tutela dos interesses legítimos dos particulares. E era um modelo de acção que aparecia
ao lado do recurso, não era substitutivo do recurso e chama-se acção pela primeira vez. E
esta acção era vista como uma realidade subsidiária, não tinha um âmbito de aplicação
bem definido. E a luta que surgiu a partir de 85 foi entre aqueles que queriam alargar esta
acção e aqueles que a reduziam ao mínimo. Aqueles que alargavam o recurso da relação e
reduziam o âmbito da acção. O Professor Vasco Pereira da Silva tinha já nesta altura a
perspectiva de que era preciso mudar o Contencioso Administrativo e que a acção da
defesa de direitos deveria ser uma meio processual importante do quadro do processo
administrativo. Esta reforma também criou outros meios processuais e transformou o
recurso da relação. Pela primeira vez estabeleceu um processo de partes e continuava a
chamar à Administração autoridade recorrida e não lhe chamava parte, o particular era
parte a Administração não. Havia pela primeira vez igualdade de armas entre o particular
e a Administração. Havia ainda a possibilidade de quer o particular ou a Administração
intervir ao nível dos articulados, e ambos podiam impugnar a sentença. Havia por isso
uma igualdade de armas. O particular e a Administração são partes que estão em juízo um
para defender o acto que praticou outro para contestar esse acto no quadro de uma relação
jurídica. Esta reforma de 85 transformou o recurso da anulação, mas não muito, na
medida em que introduziu pela primeira vez esta lógica da igualdade de partes.
A reforma de 85 estabeleceu outros meios processuais: estabeleceu um meio
processual de impugnação de regulamentos, que estava dividida em dois, uma acção de
ilegalidade de regulamentos e um recurso de anulação de regulamentos, que era uma
45
esquizofrenia que não fazia sentido nenhum, porque as duas realidades aplicavam-se
praticamente ao mesmo âmbito e havia uma lógica contraditória nas respectivas normas.
Depois estabelecia-se uma coisa estranha que era a possibilidade de haver uma intimação,
que no processo corresponde a um processo urgente de natureza condenatória, uma
intimação dirigida das particulares o legislador queria começar a pensar na possibilidade
de condenar a Administração, mas não tinha ainda coragem de instituir esse mecanismo.
Mas estabelecia poderes condenatórios urgentes contra particulares. Esta reforma de 85
foi uma reforma falhada porque, entre outras coisas, não só por falta de coragem do
legislador para levar as coisas até ao fim, mas foi sobretudo uma reforma falhada por
causa da técnica legislativa que foi adoptada. Porque o legislador em vez de fazer uma lei
nova, revogando as leis anteriores. O legislador fez uma nova lei, mas que se sobrepunha
às outras. Estas duas novas leis que surgiram, mesmo quando diziam o contrário da
legislação anterior não a revogavam expressamente. E, portanto, continuava a estar
simultaneamente em vigor, para além deste estatuto e desta lei de de processo, o código
administrativo, etc. Isto gerou duvidas em saber qual era o direito aplicável porque era
preciso comparar versões diferentes da mesma realidade normativa. Também havia
duvidas de se o legislador teria querido mesmo as normas anteriores? Ou quis criar ali
qualquer coisa intermédia?
Portanto esta reformas estava condenada ao fracasso, pois acabou por condenar o
Contencioso Administrativo numa realidade ainda mais complexa e muito difícil de
entender.
(Imperceptível)
E porque é que o legislador adoptou esta técnica legislativa? De novo por causa
da ideia da provisoriedade, o legislador não tinha a certeza, não sabia se ia mesmo mudar
o Contencioso Administrativo.
É em 89 que se vai dar uma mudança importante no quadro da evolução, uma
mudança que marca de novo uma ruptura e é um ruptura com o passado. Porque com a
reforma de 85 que não correu bem o legislador quis mostrar que não podia ser assim e
quis mudar as coisas, tal como irá fazer depois em 97.
E é em 89 que o legislador faz várias coisas importantes na transformação do
Contencioso. Em primeiro lugar naquilo que corresponde a juridicionalização é a
primeira vez que o legislador constituinte cria os tribunais administrativos. De 76 a 89
cabia ao juiz decidir se iria haver ou não tribunais administrativos. A constituição não
impunha. Depois de 89 a Constituição impõe. Integra os Tribunais Administrativos no
46
poder judicial e diz que existem para dirimir os litigios resultantes das relações jurídicas
administrativas.
O Contencioso deixa de ser o Contencioso da Administração toda poderosa, do
acto definitivo executório e passa a ser o das relações administrativas entre os particulares
e Administração. Há uma ideia que aponta para uma lógica de igualdade entre os
particulares e a Administração no Direito Administrativo e que aponta para um processo
de partes. Isto implica que se a lei processual não estabelecer esta realidade tal como a lei
substantiva não estabelecer a igualdade entre os particulares e a Administração esta lei
estará a violar a Constituição. O contencioso tem por objecto a resolução dos litígios das
relações jurídicas administrativas e fiscais (212n3CRP).
A partir de 89 o legislador abandona a ideia de acto definitivo executório. E
substituiu-o pelo acto lesivo dos direitos dos particulares. Disto que resulta que são
impugnáveis os actos que lesem os particulares. E o critério da impugnabilidade é o dos
lesados, algo que seja susceptível de lesar os direitos dos particulares. No entanto o
legislador ainda manteve a distinção entre um meio processual, que poderia ser um
recurso ou não, que se ocupava os actos e dos regulamentos e que incidia sobre actos
lesivos e onde havia partes, mas era tratado a parte no artigo 277n4 e depois havia outro
artigo que se ocupava de todos os outros meios processuais e que que estabelecia que da
conjugação dos dois artigos que havia uma tutela efectiva dos direitos dos particulares.
Mas a tutela plena estava disfarçada e estava dividida em dois números e em formas de
processo diferentes. Uma forma de processo para os actos e regulamentos e uma forma de
processo para todos as outras actuações da Administração e dizia-se que o resultado disto
era a tutela plena e efectiva.
Desde 89 ate 97 vai haver várias tentativas de reforma, mas nenhuma delas vai
correr bem.
Em 90 surgiu o Código de Procedimento, a mesma comissão que fez este código entregou
também a Ministro da Justiça o Código de Processo.
Se a Constituição afastou o acto definitivo executório e vem dizer que agora o
critério de impugnabilidade é o do lesivo isto podia ter tido implicações Constitucionais
que não teve. Ou seja, esta mudança Constitucional deveria ter obrigado o Tribunal
Constitucional a intervir para salvar o modelo Constitucional e devia ter obrigado o juiz
administrativo a intervir porque a reforma de 85 estabelecida a impugnabilidade do acto
definitivo executório. O tal que já tinha sido posto de parte. Mas tal não aconteceu e
aconteceu o contrário, não se percebe porquê. Porque quer os juizes dos Tribunais
47
Administrativos quer os Juizes do Tribunal Constitucional consideraram que não havia
inconstitucionalidade em limitações que surgiam no âmbito da realidade administrativa.
Um caso emblemático disto é o caso da questão do recurso hierárquico necessário.
Que é uma realidade manifestamente inconstitucional. Isto significa fazer depender o
acesso ao Tribunal de um meio gracioso. Isto implica a violação do principio da
separação entre a Administração e a Justiça. Há inconstitucionalidade também pela
violação da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Porque esta tutela deve
permitir o acesso imediato aos juizes e não o acesso mediado pela intervenção do
superior hierárquico. Esta intervenção fazia sentido quando a Administração e o Juiz
pertenciam ao mesmo poder. Violava também a tutela efectiva porque significava essa
exigência do recurso hierárquico necessário, que já sendo o prazo de recurso um prazo
relativamente pequeno, na altura estávamos a falar de 2 meses, esses 2 meses eram
reduzidos a 1 mês, portanto se o particular não interpusesse o recurso necessário, no
prazo máximo de 1 mês mesmo que estivesse dentro do prazo dos 2 meses já não podia ir
a Tribunal. E, portanto, isto era uma restrição a efectividade dos direitos dos particulares.
Há aqui também a violação do principio da desconcentração. O professor Vasco Pereira
da Silva defendeu esta posição. A justiça Constitucional e Administrativa devia-se ter
pronunciado a cerca disto e não o fez. Para isto usou o seguinte argumento “não há uma
restrição ao direito fundamental porque o particular não seria prejudicado se interpusesse
primeiro a garantia administrativa.”
Isto desapareceu em 89 e em 2004. Voltou perigosamente a aparecer com o
Código de Procedimento Administrativo que fala outra vez em recurso hierárquico
necessário.
O Legislador do Código de Processo que veio depois do Legislador do Código de
Procedimento não estabeleceu o pressuposto processual do recurso hierárquico
necessário. E se depois disto este pressuposto não reapareceu isso significa que não só é
inconstitucional como é ilegal porque não existe no Direito Português.
Neste período não há grande mudanças até chegarmos a 97. Em 95 o legislador limitou o
âmbito da acção popular no artigo 1º fez com que esta invadisse o âmbito da acção
juridico subjectiva. Na altura o Professor Vasco Pereira da Silva e Servolo Correia
defendiam que esta só poderia existir quando o particular não tivesse interesse na
demanda ou seja quando não tivesse interesse naquela matéria. Actuava pela defesa da
legalidade e do interesse público. Se há interesse na demanda é acção jurídico subjectiva
se não há interesse na demanda é acção popular.
48
Esta dúvida foi resolvida a partir de 2004. O legislador no artigo 9º distingue a
acção subjectiva da acção popular e usa esta expressão do interesse na demanda para
distinguir as duas coisas. Ficou tudo clarificado após de 2004.
Aida houve outra lei que em si era uma boa coisa mas que também foi feita de forma
atribulada, era uma realidade em que se procurava criar um Tribunal Administrativo
Intermédio. Uma boa ideia que a reforma de 2002/2004 tornou efectiva. Havia os
Tribunais Administrativos de Circulo e havia o Supremo Tribunal Administrativo e criou-
se nessa altura uma instancia intermédia que quer um Tribunal Central Administrativo
entre os Tribunais Administrativos de Circulo e o Supremo Tribunal Administrativo que
na altura era só um agora já há dois, um em Lisboa e outro no Porto. Os juizes tinham um
problema de excesso de processos e esta solução acabou por não funcionar muito bem.
Os problemas do excesso de processos do Supremo Tribunal administrativo decorriam
dele ser um Tribunal esquizofrénico, um tribunal de primeira instância e um tribunal de
segunda instância. Então para resolver esses problemas criou-se outro Tribunal
esquizofrénico que era o Tribunal Central Administrativo que também era de primeira e
segunda instância. O que fez com que tudo ficasse na mesma.
(imperceptível)
Esta alteração Constitucional mudou radicalmente aquela quer era a lógica do
Contencioso. Até se puseram coisas a mais na constituição principalmente na “norma
mais que perfeita” 268n4 e n5.
Esta alteração Constitucional gerou um movimento que abriu a porta para a reforma e
2002/2004.
Em 99 houve o Manifesto de Guimarães e começou aí a reforma que iria culminar em
2002/2004.
Mariana Rodrigues
49
nunca foi verdadeiramente realizado pelo legislador ordinário e portanto houve até 2004
um problema geral no quadro da evolução constitucional, de divórcio, de separação, entre
o texto constitucional e a realidade constitucional, divórcio este que conduziu a situações
graves no quadro da realidade do estado de direito.
50
passo para se realizar a reforma. Contudo, desde este primeiro passo, demorou algum
tempo até que as coisas avancem, porque o que se dizia no manifesto, do ponto de vista
do procedimento, era que o governo devia começar por nomear uma comissão
representativa dos diferentes sectores da realidade do processo administrativo, como
juízes, advogados, membros do ministério público e professores, essa comissão devia
fazer o levantamento da situação e procurar soluções legislativas adequadas à realidade
que surgisse. Isto acabou por não acontecer, e o processo a que vamos assistir até 2004, é
um processo estranho que tem haver com esta não assunção por parte do governo ou por
parte da AR, da necessidade de proceder imediatamente a uma reforma do contencioso, e,
houve mesmo uma realidade, que foi o surgimento do código de procedimento e de
processo tributário, em 1998, que ainda está hoje em vigor, este código era algo que
estava contra o espirito da reforma, e que tinha e tem inconstitucionalidades. Este código
é inconstitucional do ponto de vista da competência, porque devia ter sido feito pela AR,
a matéria do procedimento e do processo é uma matéria legislativa da competência da
AR, e não do governo, que legislou sem autorização. Este código é inconstitucional
também do ponto de vista material, porque desde logo vai de encontro com a velha
tendência de juntar procedimento e processo, quando a constituição separa procedimento
e processo, a administração e justiça. Além de juntar estas duas matérias, confundiu as
funções do juiz e as funções dos administradores.
51
administração fiscal é uma modalidade de administração. De resto, as propostas de
diploma apresentados em 2002 que estabelecem o estatuto dos tribunais administrativos e
fiscais, ou seja, o único diploma onde há unificação deram depois origem a um código de
processo, que quando foi para a AR, se chamava código de processo dos tribunais
administrativos e fiscais e quando de lá saiu passou a chamar-se código de processo dos
tribunais administrativos e portanto a reforma ficou a meio e ainda hoje estamos perante
esta situação, aliás, são os próprios autores de direito fiscal, os fiscalistas a reclamarem e
a porem em causa esta realidade. Não está em causa que o direito fiscal seja um direito
autónomo do direito administrativo enquanto disciplina cientifica, mas não faz sentido,
estando em causa relações administrativas, umas gerais outras especiais, que a
organização dos tribunais não seja exatamente a mesma e que as regras sejam diferentes.
Exemplo: Não há duvidas que o direito comercial é diferente do direito civil, contudo,
não há regras de processo para o direito comercial diferentes das regras de direito
processual civil; Não faz sentido uma jurisdição unificada com uma organização que não
é exatamente a mesma com regras processuais diferentes, sobretudo quando as regras que
ainda hoje existem no quadro do contencioso tributário foram elaboradas depois da
revisão constitucional de 1997 e contrariam manifestamente as regras constitucionais,
havendo inconstitucionalidade orgânica e material, pela promiscuidade entre
administração e justiça.
52
ou seja, do ponto de vista do procedimento aquilo que seria o final da reforma, foi o
impulso da discussão, porque durante 2 anos, de 2000 até 2002, quando surgiu a versão
final apresentada à AR, discutiu se tudo e dessa discussão saiu aquilo que depois foi
aprovado e deu origem ao actual estatuto e ao actual código de processo. Deu-se esta
curiosidade de se ter andado dois anos a discutir e dizer mal daquilo que realmente era
péssimo e o governo entendeu que em resultado desta discussão deveria ser a
administração pública a elaborar um diploma e criou uma comissão administrativa, um
órgão administrativo, de politica legislativa que se ocuparia desta matéria, houve alguma
sorte nisto ou uma visão do ponto de vista politico, porque o governo nomeou para
presidir a esse órgão, um assistente da faculdade de direito da universidade de lisboa que
sempre se preocupou com estas questões da reforma, o Dr. João Tiago Silveira que
contratou para assessor cientifico o professor Mário Aroso de Almeida, que foi o
verdadeiro impulsionador da reforma, porque ele pegou nos resultados da discussão e
apresentou três textos legislativos, em 2002 à AR, os três textos correspondiam ao
estatuto; ao código de processo dos tribunais administrativos e fiscais; e à lei da
responsabilidade civil extracontratual do estado. Estas normas que entraram na AR, no
final de 2001, foram aprovadas na generalidade, mas ficou a faltar a aprovação na
especialidade, acontecendo, entretanto, a queda do governo com dissolução da AR, e a
reforma podia ter morrido com estes acontecimentos, mas não morreu, pois no dia em
que foi extinta a AR reuniu e aprovou na especialidade a reforma, pois o decreto de
dissolução da AR ainda não tinha sido promulgado. Criou se aqui um problema
constitucional, de como salvar esta reforma, houve uma série de iniciativas e estratégias,
que envolveu o professor Marcelo Rebelo de Sousa, e, decidiu-se não enviar lei para o
tribunal constitucional, devido ao risco de ser considerada inconstitucional, arranjou-se
uma outra lei que ninguém queira, que tivesse sido votada na mesma altura e com as
mesmas circunstâncias, uma lei das finanças regionais da Madeira, e portanto aquilo que
se pediu ao Presidente da República foi que em vez de suscitar a fiscalização preventiva,
apreciasse as questões de votação da lei das finanças regionais da Madeira, e se
pronunciasse sobre a competência e do procedimento, dizendo se era possível a AR ter
decidido, apesar de teoricamente já ter sido dissolvida. Criou se uma série de
“happenings” jurídicos para justificar a constitucionalidade desta atuação. Deu imenso
jeito que o professor Freitas do Amaral, que tinha escrito sobre o governo de gestão,
dissesse que em circunstancias excecionais, designadamente aquelas que originam uma
situação de governo de gestão, que bastaria a aprovação na generalidade, e que isso
53
permitiria que a norma entrasse em vigor, situação discutível do ponto de vista teórico,
mas professor Jorge Miranda dizia o contrário, mas aceitou fazer umas declarações
públicas estranhas, dizendo que apesar de tudo não havia inconstitucionalidade. Questão
estava em saber se o momento da entrada em vigor do decreto de dissolução, era o
momento em que foi feito ou o momento em que é publicado, conseguindo-se que a
imprensa nacional demora se três ou quatro dias a publica-lo. Houve um conjunto de
processualistas que vieram dizer que aquilo que releva é o prazo da publicação, com
argumentos curiosos. Mas apesar de todas estas dúvidas o tribunal constitucional
chumbou a lei das finanças regionais da Madeira, dizendo no entanto que do ponto de
vista do procedimento não havia problema e sufragou a hipótese de que poderia
considerar se que o procedimento era correto, apesar da reforma ter sido aprovada na
especialidade no dia em que foi assinado o decreto de dissolução, este só produz efeitos
depois da sua publicação, salvando a promulgação por parte do legislador, salvou-se a
reforma do contencioso administrativo. A AR tinha decidido deixar cair a lei da
responsabilidade civil, pois existiam dúvidas, bem como a aplicabilidade do código no
domínio fiscal, código ficou apenas para os tribunais administrativos, o estatuto é para os
tribunais administrativos e fiscais, o código é apenas para os tribunais administrativos.
Houve depois eleições, novo governo e o legislador da assembleia constituinte tinha dito
que a norma tendo sido aprovada em 2002 só poderia entrar em vigor em 2003, porque
era preciso medidas efetivas para que a reforma entrasse em vigor, era preciso formar
juízes, entre outras coisas, e portanto o legislador teve esta inspiração de alargar a vacatio
legis por um ano, entre a aprovação e a entrada em vigor em janeiro de 2003 houve vários
acontecimentos, eleições, novo governo, houve algum atraso na aplicação da reforma e
em 2003 começou-se a perceber que a reforma talvez não entrasse em vigor. Surgiu o
argumento proveniente de juízes dos tribunais administrativos, que janeiro de 2003 não
era uma boa altura para entrada em vigor da reforma, esta devia começar com o inicio do
ano judiciário, esta tese foi adotada e de alguma maneira houve o resultado de o governo
da altura, decidir adiar a entrada em vigor da lei para janeiro de 2004. durante 2003
iniciou-se medidas de aplicação da lei, como o concurso ad hoc para formação dos juízes
administrativos, professor como Vasco Pereira da Silva, Freitas do Amaral e Vieira de
Andrade, foram dar aulas aos juízes, foram formados especificamente para o contencioso
administrativo, porque houve um problema que esta reforma ainda não resolveu
completamente, se há uma jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, se são
tribunais especiais, a formação dos juízes tem de ser especial e em rigor ainda não é. Este
54
é outro problema que conduz a uma ineficiência da justiça administrativa, se há uma
jurisdição autónoma, então é preciso que a formação desses juízes seja especial, e ainda
hoje não é totalmente, só parcialmente, havendo um concurso geral de juízes e depois há
uma formação ainda que diminuta para os tribunais administrativos ou então há um
concurso especial ad hoc para juízes dos tribunais administrativos com formação
intensiva, mas não há ainda institucionalizada uma formação especifica dos juízes dos
tribunais administrativos e fiscais. As coisas foram atrasando e em dezembro 2003
professor Vasco Pereira da Silva receava que a reforma não entrasse em vigor, mas em
janeiro 2004 surgiram os diplomas e a reforma pode entrar em vigor. Foi um processo
muito complicado, com uma vacatio legis longa, mas finalmente em 2004 entrou em
vigor a reforma da justiça administrativa.
55
lugar havendo uma jurisdição administrativa e fiscal era preciso tirar todas as
consequências dessa jurisdição. Uma jurisdição implica, além da formação especifica de
juízes dos tribunais administrativos e fiscais, que hoje já existe, mas podia ser melhor.
Não fazendo sentido que exista possibilidade de transitar a carreira dos juízes dos
tribunais judiciais para os tribunais administrativos. Sendo o contencioso administrativo
especial é preciso criar tribunais especializados em razão da matéria, na jurisdição
administrativa, é preciso um tribunal especializado na matéria dos funcionários ao serviço
da administração, é preciso em matéria de urbanismo e ambiente, é preciso um tribunal
em matéria de serviços sociais, é preciso um tribunal especializado em matéria de
contratação pública, se não houver a criação destes tribunais especiais também por um
lado temos uma jurisdição separada, mas que não aproveita as vantagens dessa separação
e ao mesmo tempo temos um problema de défice de funcionamento da justiça
administrativa porque todas as coisas se concentram nos mesmos juízes que não
conseguem decidir. Portanto esta realidade era essencial, esta criação de tribunais
especializados está prevista na reforma de 2004, mas nunca existiu ate hoje, curiosamente
no passado verão 2017 a ministra da justiça realizou um lançamento de uma nova lei
orgânica da justiça administrativa tributária que procurava pela primeira vez criar estes
tribunais administrativos e fiscais especializados. É preciso por termo à utilização dos
tribunais arbitrais em litígios de contratação publica que devem apenas auxiliar os
tribunais administrativos. Este modelo de jurisdição autónoma com tribunais
especializados em razão da matéria, é o modelo alemão, na alemanha há o tribunal
especializado em matéria de segurança social, em matéria de urbanismo e ambiente e há
esta logica de especialização tal como existe nos tribunais comuns.
Além do estatuto que esta um pouco fraco, existe também uma esquizofrenia do
supremo tribunal administrativo, porque é simultaneamente tribunal de 1ª instância e
tribunal de recurso, e só deveria ser tribunal de recurso, pois um supremo apenas deve
resolver litígios de decisões de tribunais de 1ªinstância, o facto de ser os dois aos mesmo
tempo introduz uma esquizofrenia, e aumenta a ineficiência do contencioso
administrativo. Espera se que a ministra da justiça resolva estes problemas.
Paulo Ramalho
(Michael-Sean Boniface)
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3 de Outubro de 2017 14:00-15:15
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longe quer do ponto de vista da jurisdição quer da orgânica dos tribunais administrativos
e fiscais. Além disso, corresponde a um texto legislativo que, tirando o artigo 4º da versão
de 2004 (originária), tem ou consagra soluções ainda do passado e que têm pouco
sentido. Já não assumem a realidade extrema do passado de apontarem para o velho CA
mas procuram conciliar algumas dessas realidades que já deviam estar ultrapassadas,
dando roupagem nova e procurando equilibrar com as regras gerais do processo
administrativo.
Esta distinção é sindicável mas o que estava em causa era uma regulação
adequada, correspondente a uma lógica de processo que se tinha libertado dos traumas de
infância e que procurava realizar a justiça plena e efetiva dos particulares no âmbito do
CA.
Ao lado destes processos principais (as ações), havia também processos urgentes
em certas matérias: contencioso contratual e pré-contratual (por influência europeia),
consulta de documentos e passagem de certidões por parte das autoridades públicas.
Temos ainda a intimação (processo condenatório urgente), que, sendo genérico, consiste
numa espécie de último recurso para proteção de direitos fundamentais, mais
concretamente de Diretos, Liberdades e Garantias. A intimação distingue-se das
providências cautelares na medida em que estas acautelam apenas os efeitos futuros da
58
ação principal, não definindo a situação das partes do caso concreto. Ao invés, a
intimação dá resposta à necessidade de obter decisões rápidas nos processos urgentes,
mas decisões essas que regulam o fundo da causa e decidem definitivamente aquilo que é
levado a tribunal (intimação é grande novidade de 2004).
Além destes meios, existem também as providências cautelares. Por isso podemos
dizer que sucede aqui uma transformação radical: passou-se da “farda única” da
suspensão da eficácia (a única verdadeira providência cautelar consagrada no quadro do
CA, em termos limitado e interpretada de forma restritiva pelos tribunais, pelo que
praticamente não existia) para uma tutela plena, estabelecendo-se um princípio de
cláusula aberta em matéria de providências cautelares. Diz-se neste contexto que o
particular pode pedir e o juiz deve conceder tudo aquilo que seja adequado para a tutela
dos direitos dos particulares, alterando-se um CA restritivo e limitado a um meio
processual único para um contencioso que funciona em termos de cláusula aberta (artigo
112º).
Ficou por fazer a reforma do contencioso fiscal. O ETAF regula de forma unitária
a jurisdição dos dois tribunais; regula os tribunais das duas especialidades mas, não
obstante, o processo é diferente e, como já vimos, as normas do contencioso fiscal
continuam a ser as regras redigidas em 99. Estas normas, segundo o Professor, enfermam
de inconstitucionalidade orgânica (diploma feito pelo Governo, sem delegação da
Assembleia da República) e várias inconstitucionalidades materiais: desde logo por
confusão entre administração e justiça, atribuindo a órgãos da administração,
designadamente o chefe da repartição de finanças, poderes jurisdicionais que deveriam
caber a um juiz do processo de execução tributária. Temos, portanto, esta realidade que
ainda hoje não foi resolvida.
59
É certo que o contencioso tributário se tem aproximado cada vez mais do CA, mas
as regras continuam distintas em grande parte. Esta aproximação deve-se à abertura das
normas e a uma interpretação evolutiva que tem sido feita pelos tribunais tributários no
sentido de tornar as duas realidades que integram a mesma jurisdição mais próximas.
Apesar de vários progressos neste caminho, continua a ser urgente uma reforma do
contencioso tributário – de resto, esta reforma é reivindicada pelos fiscalistas que criticam
a ausência de um contencioso plenamente jurisdicionalizado nos termos constitucionais
no quadro do processo tributário.
60
critica a distinção entre atos de gestão pública e atos de gestão privada; estes autores
consideram que o legislador não afastou a distinção. O Professor Vasco defende que
estamos perante algo que não faz qualquer sentido, até porque era uma das matérias que
se impunha ao legislador resolver – é uma das questões mais discutidas em Portugal nos
últimos 30 anos.
Na discussão sobre este tema, critica-se um regime que não era adequado e, por
isso, parece incompreensível que o legislador não tenha decidido afastar inequivocamente
essa realidade. Ao invés, usou uma fórmula ambígua que ainda permite a diferenciação.
A razão de ser da distinção já vinha dos tempos dos traumas da infância difícil e a
consequente necessidade de consagrar poderes de autoridade e poderes relativos aos
privados. Contudo, o problema base é que estamos a falar de dano e, para isso, saber qual
foi o ato que o praticou é totalmente irrelevante.
É certo que o legislador não utilizou a expressão no seu sentido literal mas no
artigo 1º nº2 fala em prorrogativas de poder público, o que aponta para a manutenção da
esquizofrenia; também a expressão “ou reguladas por disposições ou princípios de direito
administrativo” aponta para essa confusão. A regulação por disposições de direito
administrativo correspondia à regra tradicional do Professor Marcello Caetano, pelo que
parecia manter-se a distinção entre gestão pública e gestão privada (daí a orientação do
Professor Marcelo Rebelo de Sousa).
61
era a questão mais complexa e mais discutida no quadro do direito português, tendo então
a obrigação de saber do problema e orientá-lo.
Ainda assim, o Professor encontra um sentido. Há um “ou”, que diz respeito aos
princípios de direito administrativo, que faz com que, na opinião de Vasco Pereira da
Silva, os autores Marcelo Rebelo de Sousa e Salgado Matos não tenham necessariamente
razão. Isto é assim porque o primeiro interpreta esta referência aos princípios no quadro
de uma interpretação que olha ao todo do ordenamento jurídico. Assim, conjuga o
preceito com a norma do CPA que regula o seu respetivo âmbito de aplicação. Nos
termos do artigo 2º nº 3 do CPA, “os princípios gerais da atividade administrativa e as
disposições do presente código que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a
toda e qualquer atuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de
gestão privada”. Se isto é assim, se os princípios gerais são aplicáveis a toda e qualquer
atuação da administração ainda que meramente técnica ou de gestão privada, podemos
entender que esta remissão do artigo 1º/2 para os princípios de direito administrativo
permite a unificação de toda a responsabilidade civil no âmbito de aplicação destas
normas. Ou seja, o que está em causa é a responsabilidade civil decorrente da violação de
disposições ou princípios de direito administrativo e estes, por sua vez, aplicam-se a
atividades de gestão técnica e privada. Assim, embora o Professor concorde com os que
criticam o legislador pelo seu caráter equívoco, tem na sua perspetiva e no quadro de uma
interpretação do todo do ordenamento jurídico que o legislador tomou posição adequada,
mesmo que o tenha feito de forma disfarçada.
62
2015. Dizia-se, em 2004, que em 2008 deveria ser feito um balanço do modo como as
coisas estavam a decorrer nos tribunais administrativos e que deveriam ser introduzidas
alterações e correções que ainda se mostrassem necessárias. Efetivamente foi isto que
veio a suceder em 2015, sem grandes alterações de sistema. O que ocorreu foi o
surgimento de pequenas alterações a certas normas, umas boas e necessárias, outras
indesejadas, mas no geral manteve-se uma lógica de continuidade no quadro desta
evolução.
Uma discussão muito controversa no quadro da reforma tinha que ver com as
contraordenações e coimas aplicadas por autoridades administrativas que integram o CA
mas tinham sido incluídas anteriormente na atuação dos tribunais judiciais, e penalizadas
através das normas das contraordenações. A questão que se colocava era a de saber se a
matéria devia ou não voltar ao CA. O legislador da reforma de 2015, na proposta
apresentada, propunha que em certas áreas (como saúde pública, ambiente, urbanismo,
património cultural) a competência deveria caber ao CA – eram áreas bastante relevantes.
No entanto, mesmo no último momento, o Governo alterou a proposta pelo que aquilo
que ficou e consta hoje do artigo 4º/1l é apenas o CA de mera ordenação social por
violação de matérias administrativas em urbanismo (lógica minimalista no quadro das
contraordenações).
63
no estatuto quer no CPTA o legislador resolveu, por via legislativa, questões de natureza
doutrinária, utilizando expressões que não devia.
Na opinião do Professor, o artigo 4º é o que salva o ETAF, por ser uma norma
mais aberta, que manteve o essencial da abertura apesar de ser mais limitativa do ponto
de vista da linguagem.
64
Relativamente aos tribunais administrativos de círculo, prevê-se a possibilidade de
criação de tribunais especiais. Esta solução afigura-se boa mas o problema que se coloca
é o da efetivação desta realidade. A Ministra da Justiça já apresentou uma proposta de
reforma do ETAF neste sentido, mas ainda nada sucedeu.
Quanto ao CPTA:
Ocorre uma alteração muito significativa, desde logo aprovada pelo Professor.
Acabou-se com a distinção entre ação comum e ação especial, passando a existir apenas a
ação administrativa – pese embora, como veremos adiante, sob a aparência de uma ação
unitária temos hoje várias ações; o legislador disse que unificava as ações mas quando as
regulou criou vários tipos de ações que, tendo uma denominação comum, têm regras de
natureza diferente; aquilo que aparentemente era uma lógica de unidade, na prática
corresponde a uma realidade marcada por uma divisão que faz muito pouco sentido, pois
o legislador estabelece diversas regras para as ações administrativas em matéria de
impugnação de atos administrativos, em matéria de condenação à prática do ato devido,
em matéria de impugnação de normas e omissão de normas, ações relativas à execução de
contratos (artigos 37º e seguintes), mas faltam outras matérias e outras ações, como em
matéria de responsabilidade civil e em matéria de atuação formal da administração.
65
No quadro do contencioso cautelar ocorreram grandes transformações. Sem
eliminar algumas das realidades absurdas, mantém-se a regra da cláusula geral do artigo
112º - mas torna mais difícil a tutela cautelar porque acaba com as cláusulas automáticas,
previstas anteriormente, e que geravam automaticamente a suspensão da eficácia, a
concessão da providência cautelar mesmo sem verificar os interesses das partes. O
Professor concorda com a alteração de 2015, considerando que o legislador não pode
criar cláusulas automáticas em matéria de providências cautelares porque deve ser o juiz
a ter esse papel de análise. Acrescente-se que o professor está de acordo do ponto de vista
teórico, mas não tanto do prisma da realidade prática pois a aplicação da regra não está a
ser correta no âmbito da justiça administrativa.
Vera Manoel
Artigo 1o ETAF
66
• - O número 2 nem fala no âmbito da jurisdição, fala em regras sobre o
funcionamento dos tribunais. “Todas as relações administrativas e fiscais devem
caber no Contencioso Administrativo.” — Será esta regra meramente tendencial?
Ao olhar para a alínea l) do artigo 4o ETAF percebe-se que estão inseridas no
âmbito da jurisdição administrativa e fiscal as coimas (sanções pecuniárias
aplicadas pela Administração por violação da lei, que é dizer uma relação jurídica
administrativa, que é dizer um ato administrativo), mas só as relativas a matéria
de urbanismo.Como é que isto se coaduna com o 212o/3 CRP (pela remissão
indireta do 1o ETAF) que diz que na jurisdição administrativa e fiscal cabem
todas as relações jurídicas administrativas? Já vimos que a aplicação de uma
coima é um ato administrativo, pelo que seguem em todo o procedimento regras
de Direito Administrativo. Logicamente, devia ser impugnável perante os
Tribunais Administrativos. Contrariarmente, como a lei anterior (em que o juiz
não tinha plenitude de poderes) previa que as coimas fossem sindicáveis nos
Tribunais Judiciais, a tendência em 78/79 foi assimilar o direito das contra-
ordenações ao direito penal, criando um universo de dúvida sobre se há ou não
ainda outras sanções administrativas que não as das contra-ordenações. O
legislador atribui portanto a competência para julgar estes casos aos tribunais
judiciais, obrigando a doutrina constitucional e os tribunais (principalmente o
Constitucional) a dizer que: nem todas são, são tendencialmente todas, as que
forem de carácter principalmente administrativo. Esta alínea l) do artigo 4o, ainda
que de forma muito limitada, permite aos tribunais administrativos julgar sobre a
impugnação de coimas de ilícito de mera ordenação social em matéria de
urbanismo. É muito pouco. Ainda assim, foi a primeira vez que estas questões
foram atribuídas a um tribunal administrativo em vez de um tribunal judicial. Dir-
me-ião, “se fossem os juízes administrativos responsáveis por todas as sanções
aplicadas pela Administração, não haveriam juízes suficientes” — é um problema
de organização. Se o legislador cumpre a norma constitucional e esta obriga a que
estas matérias caibam no contencioso administrativo, então é preciso criar mais
juízes administrativos, e porventura diminuir o número de juízes nos tribunais
judiciais. O juiz que julga este tipo de casos num tribunal judicial também os pode
julgar nos tribunais administrativos, é um sistema de vasos comunicantes.
Estamos perante uma realidade que mostra que, mesmo que se tenha pretendido
avançar um pouco mais em 2015, a intenção não era a de transferir todas as
67
relações jurídico-administrativas para o Contencioso Administrativo (o que seria a
solução mais lógica), mas sim admitir que pelo menos as matérias da alínea k) do
4o ETAF, que são consideradas matérias de DA especial, tivessem as suas contra-
ordenações apreciadas pelos tribunais administrativos. Contudo, o
Governo teve medo disso e manteve esta lógica, que se no limite não é
manifestamente inconstitucional (até porque há essa interpretação da doutrina e do
Tribunal Constitucional), também não é uma norma realizadora da Constituição. Está
entre a inconstitucionalidade e o cumprimento, numa lógica minimalista e redutora, da
Constituição. Está à beira da inconstitucionalidade, o que é mais uma prova de que,
mesmo tendo havido progressos, ainda hoje estamos longe de uma realidade que
corresponda a um modelo assente plenamente na matéria e que submeta todas as relações
administrativas aos tribunais administrativos. A existência no quadro do Direito
Administrativo de poderes sancionatórios transforma essas realidades em matéria
administrativa. Do ponto de vista da interpretação constitucional há uma limitação que
decorre da interpretação histórica, influenciada pelos traumas da infância difícil. Estamos
ainda longe de um cumprimento médio da norma constitucional. Estamos no mínimo dos
mínimos, menos que isto e estaríamos no domínio da inconstitucionalidade.
Veja-se a alínea k) do artigo 4o ETAF, onde o legislador toma uma posição que
inclui no quadro do Contencioso um conjunto de matérias do Direito Administrativo.
Estes domínios correspondem a Direitos Fundamentais em matérias de Direito
Administrativo especial, correspondem a exigências do estado-pós-social em que a
Administração Pública ganha novos domínios de ação, sendo por isso áreas relativamente
novas de atuação da Administração. Nesta alínea prevê-se não só a Responsabilidade
Civil (“reparação”), mas também a “prevenção” e a “cessação”, cobre passado, presente e
futuro. Este artigo transforma estas matérias num domínio privilegiado, quase privativo
do Contencioso Administrativo. Exemplificando: se houver um litígio entre particulares
em matéria de ambiente, matéria essa em que a Administração tinha um dever de
fiscalização, esse julgamento deixa de ser privado e passa a ser do domínio do
Contencioso Administrativo. Pela amplitude com que estão reveladas aqui estas matérias
e por haver funções de inspeção ou controle por parte de uma autoridade pública em
todas estas, este artigo é como que um “toque de Midas” que transforma em
administrativas relações que até aí eram exclusivamente privadas. Isto é a afirmação de
68
uma área específica, privativa (como se diz no Direito italiano) do Direito
Administrativo. Esta construção faz sentido porque está já na construção dos Direitos
Fundamentais que estes são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas
(privadas também), que têm aqui domínio de atuação, pelo que são responsáveis por tudo
o que se passa e a isto diga respeito.
Então, o que está na alínea k) não é o contrário da alínea l), tão restritiva? O que
está na alínea l) não caberia, em condições de interpretação normais, na alínea k)? A
aplicação errónea de uma coima no âmbito do urbanismo cabe na previsão constante da
alínea k), podendo ser, em condições normais, invocada esta alínea para a trazer a juízo
administrativo. Então porque é que o legislador criou a alínea l), especial e com um
espectro de aplicação tão diminuto? A verdade é que elaborou a alínea l) para resolver à
parte a questão da impugnação de coimas, de encontro com aquela que é a realidade
constitucional, embora afastada daquele que é o regime nela efetivamente consagrado.
Mais, a Comissão de Preparação do Estatuto queria que se se mantivesse apenas a alínea
k) e não a l), de forma a que se interpretasse aquela de forma abrangente. Sendo isto
assim e havendo conflito com a norma constitucional, a questão não está inteiramente
resolvida. Há aliás bons advogados que pretendem sindicar coimas em matérias de
ambiente nos Tribunais Administrativos e os juízes têm apreciado os casos fazendo uma
interpretação ampla do conceito de urbanismo, já que a maior parte das leis em matéria
de urbanismo contêm também normas ambientais. É já hoje visível uma tendência para o
alargamento com base na alínea k), porque a alínea l) constitui uma restrição absurda e
inconstitucional ao que vem estabelecido na alínea k). A alínea k) é muito importante, por
um lado porque administrativiza essas relações, mas por outro porque se fala em prevenir,
cessar e reparar e portanto, de alguma maneira, a excepção é a que resulta da alínea l), em
que só uma ínfima parte dessas relações, relativas a contra-ordenações, é que pertence à
jurisdição dos Tribunais Administrativos, continuando o remanescente na competência
dos Tribunais Judiciais. Tudo isto se relaciona com a dialéctica entre o modelo
constitucional e o legislador, que vai sendo concretizada, neste caso numa visão
minimalista. A proposta do legislador em 2015 era medianamente concretizadora da
norma constitucional, a maximalista seria todas as contra- ordenações estarem no âmbito
da jurisdição administrativa.
69
positiva daquilo que é a justiça administrativa e nos números 3 e 4 exclui coisas que
entrariam pela porta do no1 mas que o legislador pretende excluir.A técnica legislativa
foi então a de uma delimitação positiva ampla e uma delimitação negativa depois, nos
números 3 e 4.Olhando ao número 1 e sabendo que cabe aos Tribunais Administrativos,
de acordo com o 212o/3 CRP, julgar sobre as relações administrativas e fiscais, vamos
encontrar nele (bem ou mal) critérios sobre o que é o Direito Administrativo.
Antigamente, na repercussão dos traumas da infância difícil, o Direito Administrativo não
cabia no Contencioso Administrativo. Hoje em dia, este artigo 4o procurou resolver o
problema. Vejamos:
• e) Os Contratos Públicos não podem ser celebrados antes da confirmação da sua
validade, já que depois de celebrados é impraticável voltar atrás. Então, para que a
tutela destes no Contencioso possa ser efetiva é necessário que seja anterior à
celebração. Contencioso pré- contratual + Contencioso contratual (interpretação,
validade e execução) — critério amplo
70
Responsabilidade Civil de órgãos e pessoas da Administração a privados que
exercem a função administrativa. — outra regra de natureza ampliativa
• i) Numa atuação que não tenha título jurídico (regulamento, ato, contrato, poder
estabelecido por Lei, ...) que a justifique, a Administração atua em vias de facto.
Aí o Tribunal Administrativo é competente para julgar.
• k) x
• l) x
71
completa dos particulares. Atribui-se um pedido correspondente a uma acção
que, por sua vez, corresponde a um direito. É uma lógica próxima da que
existe no Processo Civil em que, a cada direito corresponde uma acção. Esta
realidade processual vai originar um desmembramento de meios processuais,
sendo que cada um destes têm pedidos especiais3;
2. Modelo Francês/Modelo Latino – modelo adoptado pelo legislador português.
De acordo com este modelo, existe uma concentração num único meio
processual – ou num número reduzido de meios processuais. Garante assim,
toda a tutela dos direitos dos particulares e permite que estes possam ver todos
os pedidos atendidos. Esta lógica nasceu no Direito Francês, da transição que
se verificou do esquema clássico para o novo Contencioso, em que se manteve
o recurso como meio tradicional, mas que se modificou dando origem a
pedidos de plena jurisdição. Assim sendo, no quadro do recurso, é possível
não apenas anular as decisões da Administração, mas é igualmente possível
condenar a Administração. Esta realidade verificou-se também no quadro do
Direito Italiano e no Direito Espanhol4.
A discussão que se iniciou a partir do ano de 2000, quando esteve em causa a polémica quanto à Reforma, o
Prof. Vasco Pereira da Silva defendeu a adopção deste modelo.
4
Esta via, apesar de exequível, introduz uma realidade diferenciada. É que, enquanto no Processo Civil é possível
saber em razão do pedido que se pretende apresentar qual é o meio processual adequado, agora, no quadro do
Contencioso Administrativo, em que todos os pedidos são possíveis, estamos perante meios processuais
abrangentes que permitem ao particular a formulação de todos os pedidos. A sentença pode ter uma modalidade
anulatória, condenatória ou declarativa, em razão do pedido, mas tudo no mesmo meio processual – meio
processual guarda-chuva. É ainda possível cumular todos esses pedidos no mesmo processo, na mesma acção.
72
administrativo. Estabelecia no fundo, um contencioso geral
definido em termos de critérios processuais, sendo o que estava em
causa, eram todos os pedidos genéricos que coubessem naquele
quadro processual;
b) Acção administrativa especial – o legislador definia estas acções
não através de um critério processual, mas de um critério material,
um critério substantivo, sendo este o das formas de actuação
administrativa. Dizia respeito a actos administrativos e a
regulamentos.
Problemas Psicanalíticos5:
A distinção entre a acção comum e a acção especial era uma
distinção que, de alguma maneira, correspondia à lógica
tradicional de criar um contencioso privativo dos actos e dos
regulamentos administrativos;
Visão do contencioso administrativo como um conjunto de
excepções ao Processo Civil – uma vez que, o legislador remetia
para o CPC as acções gerais e, o conjunto das excepções ao
Processo Civil estavam previstas e reguladas no CPTA6.
Principais objecções apresentadas pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, quanto ao CPTA de 2004.
Aquilo a que se chamava acção especial correspondia à maior parte dos casos do Processo Administrativo.
7
Apesar desta aparente uniformização, o sistema português continua a estar dividido em numerosas sub-acções.
73
ANÁLISE DO CPTA
74
O legislador, vai assim – tal como acontecia no CPTA de 2004 –, estabelecer
regras diferenciadas para certos pedidos relativamente a certas formas de actuação
administrativa, juntando assim, os critérios processuais com os critérios substantivos. Isto
introduz uma destorção no CPTA, que deveria ser um Código de processo e, sendo um
Código de processo as distinções entre acções devem assentar, única e exclusivamente,
em classificações processuais e não de carácter substantivo.
O particular deixa de ter de usar vários meios processuais e de forma sucessiva, reunindo-
se agora no processo declarativo, a integralidade da relação jurídica material, sendo agora
tudo decidido no mesmo processo. O mesmo processo serve agora para anular, para
condenar, para indemnizar e, tudo é discutido em simultâneo, pois tudo está relacionado
com a mesma relação jurídica material.
Mas, quando for diferente a causa de pedir, quando o motivo que leva o particular
a juízo, seja diferenciado, mesmo havendo uma diferente causa de pedir, se houver
alguma conexão em relação aos pedidos, continua a ser possível a cumulação.
75
QUESTÃO DO ART.37º DO CPTA
Origina a uma arrumação processual que continua a não fazer sentido, seguindo
igualmente uma lógica de repetição quanto ao art.2º do CPTA.
Mafalda Baudouin
76
que têm que ver com os elementos do processo. Fala-se em elementos do processo para
distinguir:
• 1) Sujeitos processuais (cada processo tem sujeitos que são determinados de acordo
com as regras do processo);
• 2) Objeto do processo, que tem que ver com aquilo que é julgado, que é trazido a
juízo. Este objeto do processo divide-se em duas realidades:a) Pedido – aquilo que
o particular vai solicitar, aquilo que ele vai levar a tribunal, vai solicitar que o
tribunal faça, que adopte aquele comportamento (uma declaração, uma anulação).
Mas no pedido cabe ainda um direito que o particular vai tutelar através daquele
meio processual. Podemos distinguir o processo entre:
b) Causa do pedido – factos, situações da vida que geraram uma lesão do direito do
particular e que o leva a tribunal com aquele pedido, há uma realidade assente na causa
do pedido que explica o que se passou e que viola a lei e que põe em causa o direito do
particular. É isso que o particular vai alegar no quadro do processo administrativo.
77
clássico era que nem os particulares nem a administração eram partes, não tinham uma
posição processual idêntica e daí não eram partes em sentido substantivo porque deste
ponto de vista havia uma relação de poder e não havia uma relação jurídica. Esta
realidade vem até 2004 em Portugal, é uma realidade de um trauma que se projeta até ao
fim. No processo administrativo havia a petição inicial e havia uma resposta por parte da
administração, ela não contestava, a prática ia dar ao mesmo, mas havia um regime
jurídico que não considerava a administração verdadeiramente como uma parte. Ainda
hoje, mesmo com este princípio da igualdade das partes, não
É preciso que num processo português as partes possam ser condenadas quando
não se colabore com o juiz ou quando há litigância de má fé. Mas os tribunais defendiam
que a litigância de má fé só existia no processo civil, porque ainda não era considerado
um processo de partes.
78
contestação implica que as partes introduzem no processo o pedido e a causa de pedido,
numa lógica que é uma lógica acusatória, portanto se a administração não contesta aquilo
que foi alegado pelo particular, isto significa que aquilo que o particular alegou pode vir a
ser dado como provado, porque não foi contestado pela outra parte. A ideia da
contestação implicava um ónus de impugnação, porque se a administração não
contestasse, isso implicaria que o que o particular tinha alegado e não tinha sido
contestado era considerado como provado. O que está em causa no processo
administrativo é uma realidade que corresponde à intervenção em juízo de uma pessoa
colectiva. E, portanto, ainda há o ónus da impugnação (o facto de a administração não ter
contestado tem efeito negativo, mesmo que este efeito negativo não signifique sempre a
prova integra do acto praticado).
Não e obrigatório, não e um efeito necessário, mas é um efeito normal que resulta
da livre convicção do juiz – isto é o ónus de impugnação. Este envio do procedimento por
parte da administração substituía a contestação. O que está em causa é a condenação das
partes com o tribunal, não é o sucedâneo da impugnação.
O legislador tentou incluir neste artigo 8o aquelas realidades que antes de 2004
eram vistas como um sucedâneo da contestação. E como há contestação e que tem aquele
efeito negativo de natureza probatória.
79
são as posições substantivas das partes que determinam a ida a processo. Antigamente
negava-se ao particular a titularidade de direitos e interesses e, portanto, a legitimidade
assumia o único critério de determinação do acesso ao juízo. Na lógica do professor
Marcelo Caetano não eram os direitos que estavam a ser discutidos, o particular não ia a
tribunal para ver discutidos os seus direitos, o particular ia a tribunal para provocar o
tribunal a discutir a legalidade objectiva, a função do particular era uma função auxiliar,
que servia apenas para forçar o juiz a actuar, porque ele não introduzia os seus direitos no
processo porque ele não tinha direitos. O único direito que ele tinha era apenas o direito a
legalidade. A posição do particular era quase nula, era um processo cadáver. O juiz não ia
discutir os seus direitos, mas apenas a legalidade em termos objetivos. O particular não
via os seus direitos discutidos e não era objecto do processo nem destinatário da sentença,
porque na realidade não havia direitos. O acto estava a ser apreciado independentemente
da pessoa que o praticou, da situação concreta, da realidade da altura. O particular
suscitava o processo e não tinha mais nada a ver com o processo e a administração via o
acto que ela tinha praticado a ser julgado, mas não era ela a ser julgada, e, portanto, não
havia nenhuma condenação.
80
em exclusivo o acesso ao juízo porque o particular não possui direito e por isso é a
legitimidade que permite que o particular possa ir a tribunal.
81
A forma do no2 do artigo 9o introduz um elemento objetivo que ajuda a
relativizar as questões. Limita a intervenção do autor público. Aquele que actua em
defesa do interesse próprio vai atuar para tutela desse direto, o autor público e popular
actuam para defesa da legalidade do interesse público, estes são partes em sentido
processual, mas não substantivo.
. 3) Prof Vasco Pereira da Silva – entende que todas estas figuras correspondem a uma
tutela da posição dos particulares e que esta tutela corresponde um direito
subjetivo, podem ter conteúdos diferentes, mas que corresponde sempre a direitos
subjetivos. A doutrina fala de interesses legítimos – o particular é indirectamente
protegido com a norma que regula administração, mas ele é protegido também
diretamente. Estes interesses que se chamam de legítimos são sim direitos
subjetivos conferidos através de normas de poder. Por outro lado, a lei pode
atribuir um direito atribuindo a um cidadão uma possibilidade de utilização de um
bem que pode ser usufruído por ele e que pode ser usufruído por outro, mas não
deixa de ser uma realidade que ele não controla. Estamos perante um direito de
fruir um bem que é coletivo.
Raquel Ribeiro
82
Elementos do Processo
O processo de partes que assente numa posição de igualdade, que agora aparece
consagrado como modelo do nosso novo CPTA, era algo radicalmente novo e diferente.
A haver algum benefício para o particular este seria indirecto, resultando assim da
decisão de anulação da actuação da Administração Pública, por parte do tribunal.
Em relação à Administração, conclui-se que não estava a ser julgada, não estava
em juízo. O tribunal não podia nem a condenar, nem tão-pouco dar-lhe ordens, limitava-
se apenas a olhar para o acto administrativo – como sendo uma realidade desprovida de
autor –, a compará-lo face a lei e havendo lugar a tal, anulava o mesmo sem que tal
implicasse algum efeito directo na esfera da Administração.
Assim, a Administração não era uma parte, estando lado a lado com o juiz. De
acordo com o Prof. Marcello Caetano, a Administração e o Tribunal trabalham lado a
lado para a correcta interpretação da lei. Ambos prosseguem o mesmo fim e, por isso
mesmo, não se pode considerar que a Administração seja uma parte.
83
iguais no processo para o particular e para a Administração, ainda assim, em 85 vai
denominar-se a Administração como autoridade recorrida. O que está em causa é o
recurso de um acto administrativo, para que o tribunal verificasse se havia ou não
ilegalidade e, no caso de existir, este anularia naquela sentença.
A norma que nos aparece agora enunciada no art.6º do CPTA, é uma norma
emblemática que muda radicalmente a natureza do contencioso administrativo. O que
está em causa é a discussão dos poderes e deveres relativos à Administração Pública e ao
particular, analisando se houve uma lesão pelo mau exercício dos poderes e, se houve
uma lesão ou não para o particular, sendo que este passa a ser uma parte quer em sentido
substantivo – uma vez que é parte no âmbito da relação jurídica administrativa – quer
sentido processual – pois tem igualdade de armas relativamente à Administração Pública.
O art.9º do CPTA – que diz respeito à legitimidade activa – comporta uma regra
que vai transformar a lógica do processo administrativo, por que agora, depois da
Reforma, o processo administrativo passa a ser como o processo civil, ou como os
restantes processos. A relação jurídica processual destina-se a permitir que os sujeitos da
relação jurídica substantiva intervenham na via contenciosa. Assim, o critério da
legitimidade, é um critério determinado em razão do chamamento dos sujeitos da relação
jurídica à lide.
Os artigos 9º/1 e 10º/1 do CPTA vêm dizer que são partes legítimas do processo,
aqueles que aleguem ser partes na relação material controvertida. Assim, é o titular do
direito que intervém no âmbito da realidade processual e, é parte dotada de legitimidade
passiva, as pessoas que sejam titulares de interesses contrapostos ao do autor.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, estas duas normas bastariam para qualificar a
legitimidade activa e passiva. No entanto, em Portugal, o legislador entendeu que ao lado
84
da acção para defesa de direitos – que corresponde ao nº1 do art.9º e ao nº1 do art.10º do
CPTA, que os particulares e as autoridades administrativas que estão em juízo para
defender uma posição subjectiva, um direito subjectivo ou um poder – deveria existir
uma legitimidade auferida em termos objectivos, em que esteja em causa a defesa da
legalidade e do interesse público, havendo assim uma acção pública e uma acção popular.
Retira-se daqui uma consequência de natureza processual, tendo esta a ver com o
objecto do processo, consoante está em causa uma acção para defesa de direitos ou uma
acção pública ou popular.
1. Acção para defesa de direitos – são esses direitos que são tutelados directamente
e, que constituem o objecto do processo. O que está em juízo é o direito lesado
por uma actuação administrativa;
2. Acção pública ou popular – os autores públicos ou populares não têm interesse na
demanda, actuam para defesa da legalidade e do interesse público e, portanto, não
são os seus direitos que estão a ser apreciados pelo tribunal. Assim sendo, o
objecto do processo nestes casos é a ilegalidade que se verifica. Trata-se assim de
um momento objectivo num contencioso que é predominantemente subjectivo.
85
1. Direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos – criam como que
direitos de primeira, segunda e terceira categoria. Os direitos subjectivos teriam
uma tutela directa por parte da norma jurídica, enquanto que os interesses
legítimos têm uma tutela apenas indirecta, porque o que a lei regulava era o
modo de exercício do Direito Administrativo (p.e., uma norma que estabelece
um poder para a Administração, ou que estabelece um dever à Administração)
e, os interesses difusos correspondiam a situações em que determinados bens
públicos podiam ser fruídos individualmente pelos particulares (p.e., questões
relativas a direitos sobre bens que são públicos, como o ambiente, o consumo, o
urbanismo). Esta posição foi maioritária durante muito tempo, mas hoje em dia
ocupa uma posição bastante diminuta na doutrina. Os seus defensores são ainda
hoje, o Prof. Freitas do Amaral, Prof. André Salgado Matos e Marcelo Rebelo
de Sousa, entre outros;
2. Direito reactivo – tese defendida pelo Prof. Rui Medeiros e Prof. Mário Aroso
de Almeida. Esta ideia do Direito Reactivo, introduz uma noção unificada das
posições dos particulares e coloca a tónica no direito que se leva a juízo, na
possibilidade de reagir jurisdicionalmente contra uma lesão dos particulares. Só
que, na verdade, este direito de reagir é um direito subjectivo, mas que é
complementar de um direito de natureza substantiva, ou seja, o particular tem
direito a agir em juízo, porque o seu direito substantivo é o direito a ser ouvido,
o direito a uma prestação, etc. que lhe foi negado. Por outro lado, esta
construção do direito reactivo confunde a relação jurídica substantiva com a
relação jurídica processual, na medida em que considera que só há uma lesão na
relação jurídica substantiva quando o titular leva a relação a juízo, e a relação
processual é posterior à lesão da relação substantiva;
3. Teoria da norma de protecção – teoria defendida pelo Prof. Vasco Pereira da
Silva e Prof. José Vieira de Andrade. O que está em causa em todas estas
situações é uma protecção do particular que, do ponto de vista teórico
corresponde a um direito, direito esse que pode ter conteúdos muito diferentes
e, que podem dar origem a posições jurídicas diferenciadas. Isto prende-se com
o facto de legislador regulador deveres da Administração Pública e, quando tal
acontece, temos de ter em conta que quando se regula um dever regula-se
igualmente um direito. Qualquer posição jurídica subjectiva nos dias de hoje,
interpretada à luz da CRP, seja interpretada à luz de um direito subjectivo,
86
sendo este protegido da mesma maneira independentemente do seu conteúdo,
havendo um regime jurídico unificado para todos os direitos subjectivos, não
havendo um regime jurídico específico para os direitos subjectivos, outro para
os interesses legítimos e outro para os interesses difusos.
No que diz respeito ao nº2 do art.10º da CRP e aos restantes artigos, o Prof. Vasco
Pereira da Silva considera que o legislador não salvaguardou devidamente aquilo que são
as especificidades do Direito Público, nomeadamente do Direito Administrativo. O
legislador, em relação à legitimidade passiva, vem dizer que a parte demandada é a
pessoa colectiva de Direito Público. Esta referência à pessoa colectiva surge aqui por
mimetismo com aquilo que se passa no Processo Civil. O legislador quis então marcar a
lógica subjectivista, mostrando também aqui que, no processo administrativo se seguem
regras idênticas às do processo civil. Só que, infelizmente aqui, esta utilização do
processo civil não faz sentido, precisamente devido às especificidades do Direito
Administrativo.
87
A jurisprudência vai no sentido de: apesar de a lei falar em pessoa colectiva
pública, entende-se que em geral quem está em juízo é órgão. As únicas excepções a esta
realidade têm a ver com as acções de responsabilidade civil, onde está em causa uma
realidade patrimonial e, como os direitos de natureza patrimonial correspondem a um
direito de indemnização, quem tem a titularidade dos bens é a pessoa colectiva e não o
órgão.
Mafalda Baudouin
88
jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. Professor refere que é uma questão
controversa, dizendo que, não sendo actos da função administrativa, mas sim da função
politica, é necessário saber qual o critério e qual o modo de interpretação de um acto
politico, porque se se entender que acto politico é aquele que tem motivações politicas
isso significa que o contencioso administrativo não interfere em nenhuma nomeação, mas
se entendermos que a nomeação de um embaixador é um acto politico, mas também
administrativo, não se exclui do âmbito de jurisdição do contencioso admnistrativo. A
questão é se este acto (nomeação), determinado por motivos políticos, é acto
administrativo ou não? E enquanto acto administrativo pode ou não ser eliminado?
Resposta da visão limitativa do contencioso diz-nos que a nomeação é um acto politico,
mas por outro lado e na opinião do professor Vasco Pereira da Silva, este acto de escolha
ou nomeação corresponde a um acto da função administrativa. Outro exemplo dado pelo
professor, é o acto de nacionalização de uma empresa ou de privatização de uma
empresa, embora possa ter motivações politicas é um acto da função administrativa. Os
actos políticos, que estão fora do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos e
fiscais, são por exemplo a marcação de eleições, a declaração de guerra, votação do
orçamento de estado, ou a promulgação de leis. Estes actos não são da competência dos
tribunais administrativos e fiscais.
Embora tenha existido uma tese que defendia que decisões do tribunal de contas
podiam ser apreciadas por tribunais administrativos, esta posição não faz sentido na ótica
do professor. A CRP refere que existe as jurisdições dos tribunais administrativos,
jurisdição do tribunal de contas e jurisdição dos tribunais judiciais, aquilo que respeita ao
actos jurisdicionais de cada uma dessas jurisdições é analisado na respectiva jurisdição,
professor dá o exemplo da acusação criminal ao antigo primeiro ministro José Sócrates,
dizendo que essa acusação passa se nos tribunais judiciais e não na jurisdição
administrativa, porque o domínio da acção penal cabe em exclusivo aos tribunais
89
judiciais, podendo esta acusação suscitar duvidas pelo facto de ser o ministério publico a
conduzir a acusação, e este ser um órgão da administração, que acusa em resultado da
investigação administrativa que realizou. O acto do MP, órgão da administração, é
apreciado no quadro da jurisdição em que se insere, portanto, o exercício da ação penal é
da competência dos tribunais judiciais.
Professor refere que esta delimitação é muito curiosa porque, por um lado, não
afasta que os tribunais administrativos controlem actos das outras funções, actos com
uma grande componente politica, mas que tem também uma componente administrativa,
como as referidas nomeações, são actos administrativos e controlados por tribunais
administrativos de acordo com uma interpretação restritiva. Por outro lado, há actos
jurisdicionais que tem haver com jurisdição administrativa, que são apreciados pela
jurisdição administrativa, não são apenas actos administrativos, também são
jurisdicionais, como as coisas relativas à execução das sentenças ou aos recursos
jurisdicionais, são da competência da justiça administrativa, enquanto que os outros são
da competência de cada uma das jurisdições. Em relação à ação penal está em causa o
momento administrativo do processo penal, que tem uma fase administrativa que é a fase
da instrução(investigação), que pertence à função administrativa, o que se passa no seio
da investigação é matéria administrativa, o acto jurisdicional que determina a acusação é
o inicio de um processo jurisdicional dos tribunais judiciais.
90
A alínea a) significa que atribui-se à jurisdição administrativa as ações de
responsabilidade civil, sobre todos os poderes do estado, mas para manter a lógica da
unidade de cada um dos sistemas jurisdicionais, veio se dizer que a questão de saber se há
ou não erro judiciário, que é o que dá origem ao pedido de responsabilidade civil, não é
apreciado pelos tribunais administrativos, apreciando depois o problema da
responsabilidade, havendo erro judiciário são os tribunais administrativos a verificar qual
a lesão, se há ou não responsabilidade, mas determinar a causa da responsabilidade
corresponde a um acto de outra jurisdição, não sendo da competência dos tribunais
administrativos. Se isto acontecesse seria uma interferência da jurisdição administrativa
noutras jurisdições. As correspondentes ações de regresso também não são apreciadas
pela jurisdição administrativa, ações em que o estado pede o reembolso da indemnização
paga ao titular, devido a um dano causado por um funcionário com dolo ou culpa.
91
não estão sujeitos à justiça administrativa, para preservar a delimitação das jurisdições e
preservar a autonomia de cada uma delas.
A razão pela qual estas exclusões da jurisdição estarem divididas no nº3 e no nº4 do
art.4º do estatuto, e não estarem todas no mesmo nº é porque as exclusões se distinguem,
enquanto que o nº3 estabelece exceções autónomas, situações que à partida não caberiam
no contencioso administrativo, o nº4 são situações que, em principio, caberiam no
contencioso administrativo, mas por varias razões não cabem sendo, portanto, exceções.
Grupo começa por falar sobre o STA, regulado nos arts.11 a 30, dizendo que é o órgão
máximo da hierarquia jurisdicional administrativa e fiscal, tem 2 secções, alem do plenário,
secção do contencioso administrativo e secção do contencioso tributário, art.24ºregula a
competência da secção de contencioso administrativo, podendo funcionar em 1ªinstância e
em sede de recurso. Professor refere que advogados do antigo Primeiro-Ministro, disseram
em declarações, que a acusação feita, foi de que os actos que conduziram ao crime foram
praticados enquanto era primeiro-ministro ainda, e que por isso deveria ser julgado no STA
e não num tribunal administrativo de circulo, não fazendo sentido esta declaração, pois, não
devem existem privilégios de foro, sendo indiferente se o réu é primeiro ministro ou
trabalhador privado, deve ser julgado no tribunal de 1º instância. Alem disto, advogados
fizeram um pedido de impedimento do juiz de instrução, com objetivo de ganhar tempo, mas
estando por trás a ideia errada de que o PM deve ter os seus actos julgados pelo Supremo,
consequência dos traumas da infância difícil do contencioso administrativo. Segundo grupo
refere ainda que, o art.24º da competência do STA, dá-nos primeiro a exceção e depois a
regra, quando deveria ser o contrario e que este STA tem uma dupla personalidade pois é de
1ª e 2ª instância.
92
Professor questiona quantos tribunais tem o STA, grupo responde que tem 3, o
supremo de contencioso administrativo, supremo tributário e o supremo de plenário,
tendo como consequência prática a contrariedade de decisões, e ainda a consequência de
ter que haver mais pessoas no tribunal, mais cargos, tendo o STA mais lugares a concurso
que o STJ, é uma distorções da realidade do contencioso administrativo, pois os juízes no
final da carreira nos tribunais judiciais, quer se reformar como juiz conselheiro, não tendo
lugar no STJ, concorre ao STA, acabando a carreira a julgar matérias que nunca julgou,
isto gera disfunções.
Paulo Ramalho
(Michael-Sean Boniface)
93
aquilo que é levado a juízo pelos particulares e que vai dar origem a uma sentença
sobre determinada matéria. Aquilo que se pretende com essas construções jurídicas é
encontrar a melhor forma de fazer chamar a juízo a relação material controvertida e
identifica-la da forma mais correta. Esta nunca foi uma questão decisiva no
Contencioso Administrativo, dadas as suas particularidades, isto é, não havia uma
discussão alargada e desenvolvida sobre o objeto do processo; discutiam-se as
questões do pedido e a causa do pedido, mas não o objeto.
Esta dupla realidade do objeto é o que está em causa nas diferentes teorias
processuais: o que estas fazem é dar um maior ou menor peso a cada um dos
elementos. Umas teorias procuram valorizar mais o pedido (a tendência normal no
processo civil é a de acentuar a dimensão do pedido), outras acentuam mais a causa
de pedir (tradicionalmente, esta tendência verificava-se numa corrente do
Contencioso Administrativo, mas a doutrina dominante objetivista, encarreirada na
lógica do pedido, considerava de maiores dimensões o pedido).
94
Processualistas – defendem que o objeto do processo deve corresponder aos
factos trazidos a juízo independentemente das qualificações. O que está em causa é
uma apresentação dos factos no quadro de todas as possíveis e imaginárias
qualificações, o que introduz um alargamento do objeto do processo.
95
objetivista apresentava uma construção que tinha uma certa dimensão social. Porque
aquilo que se dizia era que a causa de pedir não era entendida em termos abstratos
como ilegalidade sem mais, desprovida de qualquer qualificação, mas o que estava
em causa era a causa de pedir no quadro de uma determinada relação jurídica, e isso
levava a que a doutrina enquadrasse a causa de pedir nos vícios alegados pelos
particulares e que esses vícios eram determinantes para a causa de pedir pelo que o
juiz só tinha de analisar os vícios e não a dimensão da ilegalidade. Isto contradizia os
pressupostos objetivistas. Isto teria o efeito de alargamento do objeto do processo
com consequências ao nível do caso julgado (reverso da teoria do objeto do
processo). Com medo do caso julgado e que os juízes não pudessem analisar todas as
invalidades, cria-se realidade subjetiva de causa de pedir juntando-a os vícios que
tinham sido alegados. Por isso o Professor Vasco Pereira da Silva ironizava aqui, nos
anos 80, dizendo que o legislador português confessava-se objetivista mas não era lá
muito praticante, pois em matéria de causa de pedir tinha uma conceção subjetivista
de entendimento da causa de pedir. Subjetivismo limitado que partia da análise dos
vícios do ato que tinham sido alegados pelo particular mas era em todo o caso uma
contradição com a lógica objetivista que estava em causa.
Quanto ao pedido:
96
A lógica clássica e objetivista entendia o pedido como o recurso a um ato, à
anulação de um ato administrativo. A única coisa que preocupava era esta realidade
que tinha que ver com os traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo.
Confundir o objeto do processo com o pedido e reconduzir isso ao pedido imediato.
97
Vera Manoel
O objeto do processo define o que pode ser julgado, pelo que é uma questão
central em qualquer domínio processual. O objeto do processo tem consequências no
quadro do caso julgado, porque é sobre aquilo que se decidiu (objeto do processo)
que se forma o caso julgado, há aqui o reverso da medalha, que tem a ver com esta
ligação entre o que se decidiu (ou poderia ter-se decidido) e as consequências
jurídicas que decorrem daquela decisão judicial. É, portanto, uma questão muito
importante, e uma questão que, no Contencioso Administrativo, em termos clássicos,
era pouco discutida. Isto, em primeiro lugar, por causa de uma certa esquizofrenia
naquilo que correspondia à distinção entre o contencioso do Ato e do Regulamento e
o contencioso das ações sobre contratos e Responsabilidade Civil. Só se discutia a
questão do ato e do regulamento, encarando- se os contratos e a Responsabilidade
Civil no âmbito do Processo Civil.
O pedido que era feito ao juiz estava limitado à anulação e confundia-se este
pedido de anulação com o objeto do processo. Em qualquer livro clássico do
Contencioso Administrativo português encontram repetido até à exaustão que a
especificidade do Contencioso Administrativo corresponde a um contencioso sobre o
ato administrativo e que o objeto do processo é a anulação do ato.
98
não eram objecto do processo. O particular nem era sujeito de direito nem era objeto
do processo, não era ele que estava a levar os seus direitos ao juiz, para que este os
apreciasse, o que estava em causa era antes o controlo objetivo da legalidade e do
interesse público. Como as coisas se passavam assim, então o objeto do processo era
visto de uma forma desligada dos direitos dos particulares. Ora, aquilo que nos ensina
a Teoria Geral do Processo, e que foi em Portugal teorizado pelo Prof. Manuel de
Andrade é que há um pedido imediato (efeito solicitado pela parte ao tribunal — que
já não é a anulação só, mas sim a anulação + a condenação + a declaração; enfim, o
que o particular entender que deve levar a juízo. Precisamente por isso, o objeto do
processo são os direitos dos particulares que foram lesados naquela relação jurídica
administrativa levada a juízo.
Esta é uma modificação radical quanto ao objeto do processo, que antes não
era muito falada e que, mesmo hoje em dia, ainda não recebeu toda a importância que
devia ter, mas que corresponde a esta nova lógica do processo. Não significa isto que
o legislador não tenha, do ponto de vista psicanalítico, cometido alguns “atos
falhados”, designadamente quando no artigo 50o CPTA mantém a lógica tradicional
de dizer que o objeto da ação de impugnação é a anulação ou declaração de nulidade
dos atos administrativos. Isto é algo que é negado pelo próprio código, quando diz
que são sempre cumuláveis todos os pedidos. Além disso, a anulação do ato é já de
carácter material. Portanto, confunde o legislador pedido imediato com pedido.
99
Mas se isto é assim em geral, há, em razão do que já aprendemos, que considerar o
objeto de forma diferente conforme esteja em causa uma ação para defesa de direitos
ou uma ação pública ou popular, porque como já sabemos, o legislador, no artigo 9o
CPTA, não limitou a legitimidade ativa à atuação para a defesa de direitos. Quando a
ação é popular, há na mesma um processo de partes, mas quanto ao objeto do
processo o que está em causa é a legalidade objetiva. Há então uma mistura entre a
lógica subjectiva dominante, com uma dimensão objetiva que continua a existir,
ainda que seja menos importante no quadro do Contencioso Administrativo
português.
O que está aqui em causa?A causa de pedir é aquela situação, aquele facto ou
circunstância da vida que o particular alega ter afetado o seu direito, a razão de ser da
sua ida à Justiça e, numa lógica objetivista, a causa de pedir devia ser a verificação de
uma ilegalidade no ato administrativo, já que não se reconheciam direitos dos
particulares. Esta concepção, que seria a concepção lógica no quadro de uma doutrina
objetivista não foi, no entanto, nunca defendida no Contencioso Administrativo, e
não foi contraditoriamente, porque desde finais do século XVIII, inícios do século
XIX que o juiz administrativo foi cauteloso e teve medo das consequências de uma
teoria destas em termos de alcance do caso julgado. Esta doutrina faria com que
nunca mais pudessem ser apreciadas outras invalidades do ato ou regulamento que
pudessem existir, mas que o juiz não tivesse apreciado. Desde que ele PUDESSE ter
apreciado, haveria um efeito de caso julgado que abrangeria não apenas o que o juiz
tinha feito, mas aquilo que ele poderia/deveria ter feito. Curiosamente, no
Contencioso Administrativo francês surge uma teoria, muito prática, baptizada como
100
Teoria das Hipóteses de Erro, que significa olhar para a realidade do Contencioso
Administrativo e dizer: se o juiz tivesse que apreciar tudo aquilo que resulta dos
factos, independentemente das alegações das partes, isto significaria um excesso dos
trabalhos para os juízes, que assim sendo teriam grandes hipóteses de errar. Como
essa maior hipótese de erro punha em causa a legalidade e o interesse público, os
defensores desta teoria justificaram este comportamento do juiz administrativo.
Portanto, em termos teóricos uma concepção objetivista conduziria a uma análise da
causa de pedir independente dos direitos e pretensões dos particulares. Pelo contrário,
a tese subjetivista indica que o que está em juízo são os direitos dos particulares, e
que o que o juiz analisa são as pretensões das partes. Realidade de natureza
relacional.
101
O que deu em Portugal origem a esta teoria dos vícios do ato administrativo, à
semelhança do que se passou no direito francês, foi uma tentativa de justificar uma
construção objetivista da causa de pedir, mas limitada pela actuação do particular, já
que só podiam ser verificados pelo Tribunal os vícios por este alegados. A teoria dos
vícios, que em Portugal dá origem àquela classificação que é a ultima existente no
direito português e que data dos anos 80 (desde então nenhuma outra Lei em Portugal
mencionou ou enumerou vícios do ato administrativo).
102
Por último, a violação de lei era utilizada em Portugal como o “vício caixote
do lixo” (Marcelo Caetano - “vício residual”), se houvesse alguma ilegalidade que
não estivesse incluída nestes últimos vícios, era alegada violação de Lei, que
correspondia no fundo a ilegalidade, pelo que se falava em violação da Lei, não
violação de Lei, por corresponder a aspetos materiais do ato administrativo. Na
violação de lei, o Prof. Marcelo Caetano incluía, por exemplo, os vícios da vontade,
tal como o Prof. Freitas do Amaral. O primeiro problema desta classificação é que
não tem lógica, nem nasceu por razoes lógicas, nasceu sim em função do alargamento
da causa de pedir. No séc. XVIII só havia uma causa de pedir possível em Portugal,
que tinha que ver com a usurpação de poderes. Era a única que estava na lei, mas foi-
se alargando ao longo dos tempos, o que levou esta teoria dos vícios do ato
administrativo a surgir por razoes históricas, não por razoes lógicas, já que a tentativa
da doutrina de fazer corresponder esta teoria a aspetos lógicos não fazia sentido
porque esses aspetos do ato não correspondiam a uma forma de causa de pedir. Dizia,
e bem, o Prof. Gonçalves Pereira, que a lógica era irracional e incompleta, porque
esta teoria deixava de fora aspetos importantes do ato administrativo que deviam ser
apreciados do ponto de vista da legalidade (como o vício de procedimento).
Aquilo que a doutrina deveria fazer era tentar corresponder esta realidade, que
tem a ver com a fonte de invalidade, com outro que tenha a ver com a causa de pedir,
que é o reverso da medalha desta teoria. Se quiséssemos reduzir a uma classificação
lógica, em vez das categorias que resultaram da história, devíamos recorrer antes a
esta distinção lógica entre vícios: orgânicos, formais, procedimentais e materiais.
Não tem explicação o porquê de, em Portugal, tanto juízes como advogados
continuarem a utilizar esta teoria dos vícios, quando não está regulada em qualquer
lei e, como já vimos, não é uma exigência do processo. Aquilo que a CRP estabelece
em relação à causa de pedir é a ideia do ato lesivo de direitos, a tal ideia de que a
lesão de direitos corresponde a uma invalidade que o particular alega em juízo. Por
outro lado, se olharem para o CPTA, não há uma única norma em que se fale em
vícios do ato administrativo e, quando se estabelecem os pressupostos da Petição
Inicial, o legislador diz que o particular só tem de alegar o pedido e a causa de pedir.
O particular não tem de invocar os vícios do ato administrativo, tem sim de alegar o
pedido e a causa de pedir, porque essa é a única exigência do artigo 78o/f) do CPTA.
103
O que está em causa é enunciado dos factos e as razões de direito que servem de
fundamento. É errado, por razões processuais, que todos continuem a utilizar esta
forma de invocar a causa de pedir. É errado, em primeiro lugar, porque do ponto de
vista substantivo não faz sentido e é incompleta. É também errado porque o modo
como o legislador da reforma do Contencioso Administrativo concedeu a causa de
pedir vai além desta realidade. A teoria dos vícios limitava o acesso a certas
ilegalidades, já que o juiz se tinha de cingir à causa de pedir, baseada nessa teoria,
diminuía-se o objeto do processo. É exactamente o contrário que resulta do
Contencioso Administrativo atual, um Contencioso Administrativo destinado à tutela
plena e efetiva dos direitos dos particulares, em que o particular só explica os factos
essenciais e ilegalidades cometidas que constituem a causa de pedir, não tem de fazer
referência aos vícios, embora possa fazê-lo.
O juiz tem que apreciar integralmente as pretensões das partes — esta norma
está aqui porque a tendência dos juízes administrativos era a de apreciar a primeira
ilegalidade, e como essa inquinava todo o ato administrativo, o juiz limitava-se a
anular o ato administrativo com base nessa primeira ilegalidade. A consequência
disto é que o caso julgado se formava em relação a essa ilegalidade, a esse vício, o
que fazia com que o resultado daquele caso não permitisse o restabelecimento total
do direito dos particulares. Imagine-se um bolo da ilegalidade: três fatias, três
ilegalidades (orgânica, formal, material). Qualquer uma das fatias pode anular o ato
104
administrativo, mas é diferente ser anulado por uma ou por três fatias de ilegalidades
diferentes. Mais, havendo vários vícios e só sendo um apreciado pelo juiz, pode ser
emitido novo ato expurgado só dessa ilegalidade (expurga-se a invalidade orgânica,
mantendo-se a material, porque o juiz não apreciou pelo que não está abarcado pela
invalidade o conteúdo material do ato).
Então, o que é alegado pelas partes é (em regra) um duplo limite ao objeto do
processo: limite positivo porquanto o juiz não pode apreciar mais do que é alegado e
negativo porque não pode apreciar menos.Fica então claríssimo que o legislador
estabeleceu no 95o CPTA uma concepção subjetivista. Há contudo alguma polémica
e discussão na doutrina sobre o significado do no3. Da minha perspetiva o que esta
aqui é a confirmação da regra do contraditório, de um Contencioso Administrativo
que é por natureza acusatório. Já o Prof. Mário Aroso de Almeida acha que em certo
sentido, ainda que limitado, há aqui alguma excepção ao que se estabelece no no1 e,
portanto, um elemento objetivista. Este número, que se aplica só a processos
impugnatórios, gera dúvida quanto à interpretação da expressão: “(...) o tribunal (...)
deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido
alegadas”. O primeiro argumento contra a ideia de que isto representa exceção ao
no1, como defende o Prof. Mário Aroso de Almeida, é que mesmo que se admita que
esta identificação é uma excepção (que não acho que seja), seria uma excepção que
funcionaria no quadro do Princípio do Contraditório (ouvir as partes), mas identificar
não é, na minha perspetiva, nem pode ser, a possibilidade de o juiz ir além do que foi
alegado pelas partes. Penso que esta identificação cabe dentro daquilo que foi
alegado pelas partes. Então, identificar significa que juiz pode interpretar de forma
diferente e qualificar de forma diferente os factos que foram levados a juízo, porque o
juiz conhece o Direito, e se o particular se enganou ou se há dúvidas quanto à
qualificação, é o juiz que decide o modo como qualifica, corrigindo as qualificações
feitas pelos particulares. Isto não significa que o juiz intervenha no objeto do
processo ou que vá investigar coisas que não foram alegadas pelos particulares. Isto é
aliás confirmado pelo artigo 75o CPTA, que explica isto e com esta razão. Se os
factos foram trazidos a juízo, o juiz pode interpretá-los de forma diferente, é uma
questão de qualificação jurídica que não tem nada a ver com o Princípio do
Inquisitório, isto existe na lógica do Acusatório. No Processo Civil, de resto, passa-se
o mesmo, o juiz pode interpretar e qualificar os factos e não é por isso que se
105
considera que haja violação do Princípio do Contraditório.
Neste sentido, acho que o legislador esteve bem quando alargou o objeto do
processo dizendo que naquilo que o particular leva a juízo cabem não só as
qualificações que ele fez, mas também aquelas que ele não fez, ou que fez de forma
errada ou limitada.
Na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva, este artigo 95º do CPTA, mais
concretamente o seu nº3, introduz aqui uma alteração à realidade clássica da função
administrativa, principalmente na lógica do contraditório. Ao mencionar-se neste
preceito que o juiz pode identificar os factos no âmbito do processo, compreende-se
que o juiz conhece do direito e que, aquilo que está aqui em causa é uma qualificação
jurídica dos factos, algo que, sem dúvida, é da competência do juiz. Contudo, o que
aqui se parece de facto determinar é que, por um lado, a causa de pedir é determinada
em função dos factos alegados pelos particulares, mas que o juiz tem poderes para
conhecer a integralidade do processo, não ficando por isso limitado apenas à alegação
dos vícios, seja ela ou não a mais correcta.
Toda esta nova introdução, resulta da visão ampla defendida pelo Prof. Mário
Aroso de Almeida, que tende a considerar que o juiz deve ter competência não
apenas para apreciar as invalidades tal como estas foram trazidas a juízo pelos
particulares, como pode este, se assim o considerar, trazer novos factos ao processo.
Esta visão apresentada desta forma ampla, suscita de logo uma questão que se
assume pertinente: analisar qual a natureza do tribunal. Com esta consagração, a
figura neutra, independente e passiva do tribunal deixa de existir, passando a estar
cada vez mais próxima da posição de parte no processo, na medida que tem poderes
para carrear novos factos para o processo. Isto contraria não só a lógica basilar da
entidade tribunal e juiz, como também a própria lógica da CRP.
106
Uma questão semelhante foi colocada anteriormente, não em relação ao
tribunal, mas no que se tinha como assente na posição do Ministério Público. Antes
da Reforma de 2005 o Ministério Público tinha um papel activo no momento da
emissão da sentença. Tal intervenção fez com que o TJUE condenasse o Estado
Português por fazer tal equiparação entre o Ministério Público e o tribunal.
Não obstante de o juiz não poder carrear novos factos para o processo, este
pode, no entanto, ter alguma flexibilidade no modo como interpreta as ocorrências
trazidas a julgamento pelo particular. O juiz tem assim a possibilidade de qualificar
de forma diferente e ir além dos vícios apresentados. Confere-se uma autonomia ao
tribunal nesse sentido, mas esta deve estar sempre limitada pelos factos que foram
alegados pelas partes.
107
Contudo, temos de ter em conta que, o direito não é fruto de uma lesão, não é
nesta lesão que reside a sua origem, muito pelo contrário. O direito existe muito após
qualquer lesão, podendo por essa razão ter conteúdos de naturezas distintas.
Em suma, esta interpretação que se faz da causa de pedir deve ser feita
segundo uma perspectiva objectiva, de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva.
Contudo, isto não quer dizer que o juiz não tenha poderes inquisitórios que lhe
permitem o conhecimento oficioso, ainda relativamente limitado, atendendo à lógica
do contraditório.
Quanto a esta questão fase à função dos juízes, cumpre ainda mencionar a
posição intermédia que é apresentada pelo Prof. José Vieira de Andrade. Na sua visão
108
seria admissível em relação a um facto que não fosse alegado directamente pelas
partes, mas que resultasse indirectamente do que por elas foi exposto, que o juiz
pudesse actuar. Devemos tentar compreender o que é se quer dizer por
“indirectamente”, uma vez que, se é algo que se considera implícito àquilo que foi
alegado, então corresponde de facto ao que foi alegado; se, por outro lado, indirecto
significar interferir não por um raciocínio de devolução, mas algo que implique ir
além do que foi introduzido pelas partes, parece-nos que a questão não será de tão
transparente resolução.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva faz sentido que haja uma intervenção do
juiz quando estejamos perante factos que não foram alegados pelas partes, mas que
são presumidos em virtude do que foi alegado.
Mafalda Baudouin
HIPÓTESE PRÁTICA:
Os jogadores têm legitimidade ativa? Sim têm. Ao abrigo do artigo 9/1 pertencem
ao clube e, ao descerem para a segunda divisão são prejudicados; logo, ainda que se
109
entenda que os jogadores não são o destinatário imediato da sanção (porque esse é o
clube), os jogadores podem ser entendidos como tendo legitimidade devido às
relações jurídicas multilaterais. Os jogadores, tendo uma relação contratual com o
clube para a prática de atos desportivos, podem ser considerados sujeitos de uma
relação multilateral. O ato administrativo produz, de facto, efeitos não só quanto ao
clube mas também quanto aos jogadores.
Perspetiva de Processo Civil – dizer que os jogadores não têm legitimidade. Nesta
perspetiva, quem deveria atuar no âmbito do processo seria o clube, que se
determinaria pelos órgãos dirigentes (diretor, presidente, consoante a estrutura
orgânica). Os jogadores têm uma relação contratual com o clube, por isso, se
primeiro o clube deveria impugnar aquela decisão, tratando-se de uma decisão civil,
isso significaria que, depois, os jogadores que têm a tal relação contratual e jogam em
nome do clube, poder-se-iam eventualmente ressarcir pelos prejuízos que lhe fossem
causados.
Jogadores devem ser considerados sujeitos processuais, porque têm uma relação
contratual com o clube para atuar no domínio desportivo, sendo os principais
afetados pela sanção.
110
E o Clube? O clube tem pois é parte, 9/1. O autor do clube são os seus órgãos
dirigentes – presidente, dirigentes.
Não são sujeitos da relação material controvertida pelo que não podem. Nem são
diretamente afetados. Não gozam de legitimidade processual.
Não podiam porque não são sujeitos da relação material controvertida. São
prejudicados financeiramente pela descida de divisão, mas não têm legitimidade.
Legitimidade
111
Contra-interessados: litisconsórcio necessário passivo, sujeitos que devem ser
chamados a intervir.
O presidente de um clube não pode impugnar uma sanção do próprio jogo (como
a decisão do árbitro por um cartão vermelho) porque isso corresponde à autoridade
do jogo - aquilo que se passa no jogo é matéria essencialmente desportiva, pelo que é
apreciada pelas autoridades administrativas, por exemplo árbitros.
Mas as consequências posteriores ao que se passou no jogo (ficar sem jogar nos
jogos seguintes porque levou um cartão vermelho – sancionamento de um clube ou
jogador com função autónoma e tem a ver com o exercício da função administrativa),
é matéria de contencioso administrativo
112
Mesmo a EDP, que é de chineses e privado, exercendo a função administrativa,
está sujeita às regras administrativas.
Vera Manoel
113
Direito Civil. O que está em causa é uma realidade nova que deve ser regulada de
forma autónoma. Então, o legislador de 2004 devia ter regulado tanto as ações
comuns como as ações especiais. Não fazia sentido a ideia de regular apenas as
especiais e não as ações comuns. Por outro lado, também, a admitir-se a distinção, o
legislador ter-se-ia enganado no nome da coisa, tal como o doido que chamava
mulher ao chapéu e chapéu à mulher, porque o legislador estava a chamar ação
comum à ação que era especial e ação especial à ação que era comum, porque o
universo das ações respeitava não a distinções processuais, mas a distinções de
natureza substantiva que tinham a ver com a forma de atuação. Portanto, à ação
especial correspondiam atos e regulamentos, formas que são a regra no Contencioso
Administrativo, enquanto que à ação dita comum caberiam o contencioso dos
contrato e da responsabilidade civil. Mais, uma vez que se admitia a cumulação de
pedidos em relação a diferentes formas de atuação, havendo pedidos que
correspondiam a contrato ou a responsabilidade civil cumulados com pedidos
relativos a atos, dizia-se no artigo 4o CPTA, na versão originária, que nesses casos o
mecanismo processual adequado era a ação administrativa especial. Resultado: tudo
ia parar à ação administrativa dita especial. Havia aí pelo menos uma troca de nomes
no quadro do entendimento do Contencioso Administrativo.
Aplaudo, portanto, o facto de o legislador, agora, nos artigos 37o ss. CPTA
falar apenas em ação administrativa, porque acho que não faz sentido introduzir essa
distinção e, de alguma maneira, esta recondução à unidade é coerente com a opção do
legislador de criar estas ações guarda-chuva que permitem pedidos que vão da
simples apreciação à condenação. Ações estas que podem também dar origem a
sentenças de natureza diferente. Como já disse, teria preferido uma outra solução, a
Alemã, com a distinção das ações em razão dos efeitos das sentenças, mas havendo
esta lógica da concentração, faz sentido que haja uma única ação. Fiquei também
satisfeito porque o legislador, nos trabalhos preparatórios e nas considerações que
têm sido feitas pelos membros da comissão, diz que esta modificação visa responder
às criticas doutrinárias, designadamente àquelas que eu tinha feito, o que me deixa
satisfeito, confesso. O único problema está em que o legislador leu, mas pelos vistos
não leu até ao fim, porque eu para além de criticar a esquizofrenia da distinção,
também criticava o facto de o legislador misturar critérios substantivos com critérios
processuais quando os mecanismos das acções se deviam justificar exclusivamente
114
por critérios de natureza processual. Para além disso, o recurso às formas de atuação
administrativas (critério substantivo) introduzia uma distorção no quadro da
organização dos meios processuais. Esta critica que fazia já em 2004 e que
encontram no Divã continua a fazer sentido nos dias de hoje porque o legislador,
embora só fale num único meio processual que permite todos os pedidos (37o
CPTA), regula certas modalidades especiais de ações que no fundo são meios
processuais autónomos. Podemos chamar-lhes sub-ações, porque o legislador,
misturando critérios substantivos e processuais, o critério das formas de actuação
com o dos efeitos da sentença, criou meios processuais que têm regras próprias tanto
em termo de objeto como de pressupostos processuais e até em termos de andamento
do processo. Se repararem, no artigo 50o CPTA o legislador estabelece uma
modalidade de ação administrava em matéria de impugnação de atos administrativos,
o que nem é muito rigoroso por parte do legislador, porque nesta impugnação cabem
pedidos de condenação e de simples apreciação. Logo no 50o/1 fala-se em anulação
ou declaração de nulidade e, como sabemos, a declaração de nulidade é uma ação de
simples apreciação, não é uma acção constitutiva. O legislador, como permite a
cumulação de todos os pedidos também permite que hajam aqui pedidos
condenatórios e, por isso, a referência à realidade processual (que era esta ação ter
efeito constitutivo) não é exata, não é isso que se passa na maior parte dos casos em
que o particular pede a impugnação de um ato administrativo. Além disso, não está
apenas em causa a impugnação, o que seria uma classificação processual, mas a
impugnação apenas do ato (realidade substantiva). O legislador criou um meio
processual que não se distingue claramente dos outros por razões de natureza
processual (permite cumulação) e que, ainda mais, é definido com base numa
realidade de natureza substantiva (ato administrativo). Isto justifica que do artigo 50o
ate ao artigo 65o, o legislador regule os aspetos desta ação processual que está
integrada na Ação Administrativa, mas que tem regras, relativas tanto ao objeto
processual, como aos pressupostos processuais, como à marcha do processo que são
específicas desta modalidade de ação e, então, o legislador, diz que está a criar
apenas uma ação e não está, está a criar várias, e esta é a primeira delas.
Depois, nos artigos 66o a 71o, o legislador regula uma outra modalidade de
ação (Ação de Condenação à Prática do Ato Devido). Temos outra vez a mesma
coisa, um efeito processual, mas com o objeto limitado por um critério de natureza
115
substantiva. O legislador podia ter regulado todas as ações de condenação, todas as
de anulação, era legítimo e era uma distinção processual, mas o legislador tem essa
noção processual misturada com uma noção substantiva que é o ato administrativo.
Temos aqui de novo regras especiais quanto ao objeto, pressupostos e andamento do
processo.
Nos artigos 72o a 77o o legislador faz outra regulação, em que vai buscar
tanto a impugnação de normas como a condenação à emissão de normas. Aqui já
juntou dois efeitos processuais, e em rigor aqui juntou todos, mas esta distinção está
determinada por uma forma de atuação, portanto é mais uma ação no quadro do
Contencioso Administrativo.
Por último o legislador, nos artigos 77o-A e ss. estabelece ainda regras
relativas à validade e execução de contratos, regras aplicáveis também a uma atuação
administrativa. Aqui também o legislador não faz nenhuma distinção quanto aos
efeitos das sentenças ou seja, nas primeiras duas ações, os efeitos aparecem ao lado
das formas de atuação, nestas duas últimas (matéria de regulamentos e contratos) a
única coisa que releva é a forma de atuação da Administração, o que faz com que se
admitam todos os pedidos e todos os tipos de sentença no quadro do Contencioso
Administrativo.
116
seguir (impugnação de normas e condenação à emissão de normas) o que é novo aqui
é a condenação, e é resolvida no artigo 77o. Já a impugnação, que era conhecida, dá
origem a todos os outros artigos. Não se percebe porquê. Porque é que se criam
novos meios processuais com efeitos jurídicos novos e se gastam mais artigos a
regular os meios já conhecidos? Choca um pouco que o legislador tenha dedicado um
maior número de artigos à modalidade de ação (de impugnação) que corresponde ao
meio processual mais antigo. Porquê? Há que encontrar razões de natureza
psicanalítica: o legislador ao regular de forma mais intensa a ação de impugnação
quis mostrar que esta ação não era o velho recurso de anulação, era algo radicalmente
novo no Contencioso Administrativo. E portanto, apesar do meio dizer respeito à
mesma coisa que já estava regulada anteriormente, o legislador quis mostrar que
estávamos perante uma nova realidade. Vejamos o que existia antes e o que passa
haver agora. O recurso direto de anulação, que era o meio processual normal
utilizado para anular decisões administrativas, era, nos últimos tempos da sua
existência em Portugal, altamente contraditório. Num dos textos que escrevi,
utilizando a lógica de procurar sintetizar em teses as ideias centrais, elaborava duas
teses em relação ao recurso de anulação, que permitiam demonstrar que aquilo que
correspondia ao principal meio de impugnação de atos administrativos era uma
contradição e era uma realidade que não era mais sustentável. Em primeiro lugar,
dizia que o recurso de anulação não era um recurso, era uma ação. Em segundo lugar,
que o recurso de anulação não era apenas de mera anulação. E explicava porquê. Nao
era recurso porque recurso é o nome que têm as segundas apreciações feitas numa
realidade processual, quando o tribunal aprecia pela primeira vez um litígio estamos
perante uma ação e só estamos perante um recurso quando há impugnação da decisão
da ação perante um tribunal de segunda instância. E a razão pela qual o meio
processual se chamava recurso tinha que ver com os traumas da infância difícil,
porque no inicio ele tinha sido um verdadeiro recurso, já que os tribunais
administrativos pertenciam ao poder administrativo. Pertencendo ambos ao poder
administrativo havia uma situação correspondente à lógica do recurso. E, portanto, eu
dizia que o que existia no quadro do Contencioso Administrativo era, como disse até
no titulo de um trabalho de mestrado, “uma ação chamada recurso”. O que estava em
causa era uma ação que tinha um nome que não correspondia à natureza das coisas. O
que sucedia nesta fase é que esta matriz do recurso de anulação tinha consequências
processuais, porque o que acontecia no Contencioso Administrativo é que não havia
117
prova, já que estávamos perante um meio concebido à imagem e semelhança de um
recurso e, como tal, a única prova que era admitida era a escrita, a prova documental.
Não havia inquirição de testemunhas nem havia meios de prova que não fossem os
meios meramente documentais. E dizia-se também que o juiz não tinha que apreciar
os factos, mas tão só decidir a questão de Direito. Esta contradição vai agora ser
afastada por esta nova Ação Administrativa, estamos perante uma ação em que o juiz
goza da plenitude de poderes face à Administração e estamos perante uma ação em
que são admitidos todos os meios de prova, inclusive a testemunhal. Isto significa
que o legislador, regulando uma realidade próxima da antiga (recurso de anulação)
regulou-a de uma forma radicalmente nova. Transformar o recurso numa ação
significa alterar a natureza do meio processual. Mas mais, a ideia de que o recurso de
anulação não era apenas de mera anulação. Isto era assim porque o particular, no
Contencioso Administrativo, obtinha apenas a anulação da decisão, mas
contrariamente ao que se passa no Processo Civil, esta anulação não satisfazia os seus
direitos. Os Srs. estudam em Processo Civil que as ações de anulação são auto-
exequíveis, porque aquilo que o particular pretende, a satisfação do seu direito,
realiza-se através do efeito da sentença. A sentença produz esse efeito e por isso não
precisa de ser executada. O que é que se passa no Contencioso Administrativo?
Quando o tribunal vai anular, o ato administrativo já foi executado de facto, pelo que
o particular, perante uma simples anulação, não vê os seus direitos satisfeitos,
porquanto ele não quer apenas a anulação, quer a reconstituição da situação anterior à
pratica do ato que foi anulado. O que havia no Contencioso Administrativo era um
divórcio entre aquilo que eram os efeitos da sentença, porque era de simples
anulação, daquilo que era o verdadeiro efeito da sentença, que ia além da simples
anulação, efeitos que não eram conseguidos através daquela sentença, resultavam da
execução das sentenças. Falava-se em execução de sentenças que na verdade não
deveriam ter necessidade de execução. O particular pretendia, quando ia a tribunal,
não apenas que o ato desaparecesse da ordem jurídica, mas também que a
Administração não repetisse aqueles atos. Isso também não cabia no efeito
anulatório, mas era um efeito querido pelo particular. Como é que se obtinha esse
resultado? Através da figura do caso julgado, que era vista como uma figura que
impedia a Administração de repetir aquele ato, o que significava que, por um lado se
afirmava que o Contencioso Administrativo era de mera anulação, mas por outro lado
se atribuíam efeitos às sentenças que iam além da anulação, efeitos esses impeditivos
118
da repetição dos atos através do caso julgado, e de reconstituição da situação através
da execução das sentenças. Havia uma contradição entre o efeito da sentença (muito
imitado) e os efeitos efetivamente decorrentes daquela anulação, que iam muito além
da mera anulação.
Há ainda outra coisa engraçada que tem a ver com esta relação entre o novo e
o velho no quadro do Contencioso Administrativo, é que o legislador, neste artigo
37o, prevê para todas as ações todo o tipo de pedidos (da simples apreciação até à
condenação, passando pela anulação) mas quando o legislador regula no artigo 4o
CPTA a cumulação de pedidos, estabelece no 4o/2, a título exemplificativo, um
conjunto de situações em que o que está em causa é o objeto das sentenças de
119
impugnação de atos administrativos. Esta cumulação de efeitos tem a ver com a
tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares que agora têm lugar nesta ação de
impugnação. É de tal forma assim que o Prof. Teixeira de Sousa, um processualista,
ao olhar para estas normas do Contencioso Administrativo, veio dizer que o que está
aqui em causa são situações de cumulação aparente e não de cumulação real de
pedidos. O conceito de cumulação aparente é um conceito da Teoria Geral do
Processo e tem a ver com o facto de os pedidos que se juntam terem relação com a
mesma realidade em termos económicos, ou corresponderem a uma realidade que vai
além dessa situação e, portanto, terem valor autónomo. Quando está em causa a
mesma utilidade, o mesmo bem, fala-se em cumulação aparente. Quando são bens
jurídicos que correspondem a valores diferentes fala-se numa cumulação real. O
legislador, quando no artigo 4o CPTA, define as regras da cumulação, estabelece que
se trata da mesma razão material, por isso é que são acumulações aparentes.
120
regra. A seguir o legislador estabelece regras que fazem sentido, no quadro de uma
lógica nova. Em primeiro lugar, a contrario, o legislador admite a existência de
efeito suspensivo, respondendo àqueles que, como eu, achavam que esse efeito
suspensivo devia ser automático e que poderia ser afastado, mas por decisão do juiz.
É uma resposta limitada, mas que permite, pelo menos quando esteja em causa o
pagamento de uma quantia certa, e desde que haja a prestação de uma caução, que
tenha efeito suspensivo do pedido de anulação. Depois o legislador, ainda neste no3
do artigo 4o CPTA, vem dizer que o pedido de reparação dos danos não é
necessariamente uma consequência do pedido de anulação, vem dizer que se trata de
um objeto do processo diferente, mas que pode ser cumulado. O legislador também
permite, no âmbito da cumulação, que haja cumulações supervenientes com o pedido
inicial quando se muda a relação jurídica. A seguir regula-se com bastante
desenvolvimento a questão dos pressupostos processuais, sendo o primeiro nesta ação
de impugnação o pressuposto da impugnabilidade do ato administrativo. O legislador
deita aqui para o lixo a concepção de ato definitivo executório, que era a realidade
que anteriormente correspondia à lógica do Contencioso Administrativo. Agora, o
legislador permite a impugnação de todos os atos em todas as situações. Mas não só,
o legislador também estabelece regras acerca da legitimidade, regras que não são só
as dos artigos 9o e 10o mas também que surgem aqui pensadas para o fenómeno da
impugnação de atos administrativos. Vemos que aqui não há uma alteração tão
grande como a que podia ter havido, mas há esta preocupação de estabelecer regras
de legitimidade, tal como no artigo 57o, onde o legislador vai estabelecer regras de
legitimidade passiva. No artigo 56o, estabelece-se o que não é, na minha opinião, um
pressuposto pessoal autónomo, como diz o professor Vieira de Andrade, que é o
pressuposto do interesse em agir, coisa que até então nunca tinha existido. E, por
último, no artigo 58o CPTA o legislador regula os prazos de impugnação, um
pressuposto processual específico da anulação e condenação, que é o da oportunidade
do pedido. Não apenas o ato tem de incidir sobre um ato impugnável, mas tem
também de ser apresentado pelo particular legitimado dentro de um determinado
prazo. Este prazo é um dos tabus do Direito Administrativo, porque em regra no
Processo Civil não há prazos deste género, os únicos prazos que relevam são os da
existência do direitos, que são prazos de caducidade. Já estes prazos são prazos para
o exercício da ação. É certo que aqui houve uma alteração importante, o alargamento
do prazo normal de impugnação, que era de dois meses e que agora passa a ser de
121
três meses (58o/1 b) CPTA). Mas mais importante que isto foi o legislador ter
admitido que tal como no Processo Civil, no Processo Administrativo podem existir
causas legítimas para impugnar dentro de um prazo mais amplo, pelo que pode ser
desculpável o particular deixar passar o prazo de três meses e impugnar dentro do
prazo de um ano. Para além destas regras, o legislador nos artigos 61o ss. CPTA
estabelece ainda regras relativas à instância, regras que têm a ver com a marcha do
processo e a realidade processual.
122
na sociedade para resolver os problemas e que a Administração devia estar limitada a
garantir a propriedade e segurança. Neste modelo de administração agressiva o ato
administrativo era a principal forma de atuação da Administração, uma forma
autoritária clássica (Otto Mayer — ato administrativo é o que define os direitos dos
súbditos no caso concreto). A Administração define o direito do súbdito, em termos
que admitem a execução coactiva. Pensando em Maurice Hauriou, ele fala em
privilégios exorbitantes da Administração, que tem a ver com o poder de definição do
direito. É com base nesta construção dos privilégios que em Portugal o Prof.
Marcello Caetano fala no privilégio de execução prévia e no ato definitivo
executório. Temos aqui uma construção em que o conceito de ato impugnável é
restrito a estas categorias de atos (agressivos) , por consequência, um conceito
restrito de ato administrativo no âmbito da teoria geral do DA.
Com a passagem do estado liberal a estado social, o Estado tem muitas novas
funções, a Administração passa a ser prestadora. O que está em causa agora é a
prestação de serviços e a satisfação das necessidades coletivas através da
Administração. Isto introduz uma modificação radical na lógica do funcionamento da
Administração e na noção de ato administrativo, que deve ser considerada no quadro
desta nova realidade. A partir do momento que a Administração satisfaz necessidades
coletivas, prestando bens e serviços aos particulares, a Administração vai ter novas
formas de atuação (regulamentos, contratos), mas do ponto de vista do ato afasta as
construções autoritárias do ato administrativo. Em primeiríssimo lugar, porque o ato
prestador nem tinha sido concebido pelos autores clássicos (Otto Mayer fala apenas
no ato agressivo, sendo o ato de policia o paradigma do seu modelo de ato
administrativo). Maurice Hauriou e Marcello Caetano, posteriormente, já tinham
admitido a existência de atos favoráveis, mas colocavam a tónica ainda na noção de
ato agressivo. Se olharmos para aquilo que e Portugal aconteceu, a ideia do ato
definitivo executório, recebida na Constituição de 76, dura só até à revisão
constitucional de 89. O que é facto é que a Lei de Processo dos Tribunais
Administrativos continuava a estabelecer uma regra, um pressuposto de
impugnabilidade, que continuava a falar nesse tipo de atos. Este tipo de atos já não
correspondia à totalidade do universo de atos impugnáveis e era por isso uma ficção
que se mantinha pela tendência que havia para continuar a fazer tudo como sempre se
tinha feito, mesmo quando as coisas mudavam, uma tendência de inércia nas
123
instituições. Nota-se isto até na construção do Prof. Marcello Caetano, que logo a
seguir a apresentar o ato definitivo executório elencava as exceções que deveriam ser
admitidas no âmbito do Contencioso Administrativo. A construção passou a assentar
mais nas exceções que na regra geral. Esta ideia da definição do direito por parte da
Administração (que cai no pecado original de promiscuidade entre administração e
justiça) está errada, o Direito é o meio que a Administração usa para atingir os seus
fins.
Sendo estes atos pedidos pelos particulares e sendo atos que satisfazem as
suas necessidades, não faz sentido falar em susceptibilidade de execução coactiva
contra a vontade dos particulares. Por isso, em face do novo modelo de
Administração, não faz sentido falar na susceptibilidade de execução coactiva como
pressuposto de imputabilidade do ato, como de resto fazia o Prof. Marcello Caetano,
e como fazia até há pouco tempo o Prof. Freitas do Amaral. É um absurdo, já que por
natureza os atos favoráveis não são susceptíveis de execução coactiva, e mesmo os
que sejam só são exequíveis quando a lei o estabelece.
Desde 89 que este critério do ato definitivo executório foi afastado da nossa
ordem jurídica, porque a CRP passou a estabelecer a impugnabilidade dos atos
administrativos em função da lesão de direitos dos particulares, o que está em causa
não são as características dos atos, mas sim o facto do ato lesar direitos dos
particulares. Há uma transformação no conceito de ato impugnável que decorre das
transformações da Administração. Se pensarmos no estado pós- social, consequência
das transformações verificadas a partir dos anos 70, e se pensarmos numa
Administração que hoje, para além de dimensão agressiva e prestadora, tem cada vez
mais uma dimensão infra-estrutural, em que a Administração estabelece mecanismos
de colaboração com os particulares para o exercício das suas funções, temos agora
novos atos administrativos com eficácia multi-lateral que não têm nada de definitivo
nem de executório.
124
nada fora do âmbito do Contencioso Administrativo. O legislador, nestas normas
(51o ss. CPTA) vai mostrar de uma forma cabal como está a alterar o modelo de
impugnabilidade e a construir uma nova noção de ato administrativo no quadro
destas regras sobre a impugnabilidade. Estamos a analisar um conjunto de normas
que visam superar aquilo que eram os traumas do Contencioso Administrativo e
visam abrir a noção do contencioso para além daquilo que eram as limitações
existentes na realidade tradicional. O que é que estava em causa nesses dois
conceitos, do ponto de vista processual? O Prof. Diogo Freitas do Amaral, seguindo
Marcello Caetano, falava na tripla definitividade do ato, que tinha de se verificar para
se poder ir a juízo. Havia, em primeiro lugar, uma dimensão horizontal - só ultimo
ato da cadeia (procedimento) é que era impugnável- e neste subsumiam-se todas as
ilegalidades prévias. Em segundo lugar, havia uma dimensão vertical, correspondente
a ser um ato praticado pelo órgão de topo, em última análise, só o Governo poderia
praticar atos impugnáveis, era preciso obter a última decisão possível.
125
pelas inúmeras exceções que compreendia.
Como disse há pouco, gostava mais da forma de 2004, porque falava em lesão
de direitos e produção de efeitos jurídicos e o legislador de 2015 considerou que
produzir efeitos era mais amplo que a lesão, e achou que era mais fácil e rápido
estabelecer como critério apenas a produção de efeitos. Quem tinha defendido esta
posição anteriormente era o Prof. Sérvulo Correia, que foi membro da comissão da
reforma de 2015, e fez com que desaparecesse a referencia à lesão de direitos. Não
significa isto que este critério tenha desaparecido enquanto critério fundamental,
desde logo porque é o critério definido na constituição e o próprio Prof. Sérvulo
Correia não põe em causa este critério. O que ele diz é que este é um critério de
legitimidade e não de impugnabilidade. Dizia respeito aos indivíduos e não ao ato.
Com todo o respeito, penso não tinha razão o Prof. Sérvulo Correia porque o que está
em causa quando se diz “ato lesivo de direitos” é uma característica do próprio ato e
não dos sujeitos. O que fez foi, na lógica daquilo que é um “código de Professores”,
procurar resolver problemas teóricos através de más soluções de natureza jurídica,
incluindo a lesão de direitos no 55o/1 a) CPTA, eliminando do artigo 51o, o que é um
disparate que nos obriga a interpretar este artigo 51o no sentido de considerar que
uma coisa são os atos lesivos e outra coisa a produção efeitos. Há atos que produzem
efeitos e que não são lesivos, e esses não são impugnáveis, porque são favoráveis.
Por isto é que preferia a versão de 2004, que falava tanto na produção de efeitos
126
como na lesão de direitos.
Numa ação para defesa de direitos (9o/1 CPTA), quem atua atua a partir do
momento em que há uma lesão, sendo a lesão o critério determinante.Se estamos
perante a ação pública/popular (9o/2 CPTA), a lesão do direito deixa se ser relevante,
passando sim a ser a produção de efeitos o que motiva a ação, porque o Ministério
Público ou o ator popular atuam em nome da legalidade objetiva.
Note-se ainda que há atos que não produzem efeitos (executoriedade reduzida
ao mínimo - Marcello Caetano) e que podem ser impugnados (54o CPTA) —
impugnação de atos administrativos ineficazes. Como se coaduna isto com o critério
do 51o? Tem de se utilizar o critério da lesão, já que os atos ineficazes podem ser
impugnados na medida em que haja susceptibilidade de lesão de direitos. O critério
da lesão é mais amplo que o da produção de efeitos jurídicos. O artigo 51o estabelece
um critério amplo, pelo que me parece uma boa solução. Em 2015 acrescentou o
legislador o no2, introduzindo umas limitações que: ou não são muito importantes ou
acabam por não introduzir nada de novo. Mas não foi só neste no2 que se introduziu
uma limitação: no próprio no1, para além de ter desaparecido a ideia de lesão de
direitos, aparece a ideia de efeitos externos, apresentada pelos Profs. Mário Aroso de
Almeida e Sérvulo Correia como significando uma limitação ao nível dos atos
administrativos. Com todo o devido respeito, e com toda a tentativa de compreensão
do argumento, não consigo ver como, porque qualquer ato, a produzir efeitos, serão
sempre externos. Já nem existem atos internos no domino administrativo. Então aqui
o “externos” não acrescenta rigorosamente nada, porque o que está em causa
continua a ser a produção de efeitos, pelo que não há nenhuma limitação ao conceito
de ato administrativo.
Apesar de, e volto a dizer, gostar mais da expressão que era utilizada em
2004, julgo que o CPTA continua a adotar boa doutrina e a admitir não só a
impugnabilidade de qualquer ato, em qualquer momento do procedimento, mas
também permite que o particular escolha o momento em que procede a essa
127
impugnação, dando ao particular uma estratégia processual.
Em primeiro lugar, desde 89 que digo que estabelecer uma cláusula que exija
o recurso hierárquico necessário viola a Constituição porque é uma limitação ao
direito fundamental de impugnar atos administrativos. Aquilo que está em causa é
uma restrição que não só não cabe no 268o/4 CRP como não respeita as regras do
artigo 18o CRP sobre restrições de direitos fundamentais. Se o particular está perante
um ato administrativo e pretende impugná-lo, tem de usar o recurso hierárquico
primeiro, sob pena de não poder recorrer ao tribunal. Isto tem um outro significado
processual, que tem a ver com os prazos. O prazo normal de impugnação é de três
meses, o prazo para recurso hierárquico é de 30 dias, e se se entender que esse prazo
é um pressuposto processual, coisa que o CPTA não diz, mas vamos entender,
enquanto hipótese absurda, que sim, a consequência seria que o particular podia
ainda estar dentro do prazo de impugnação de três meses mas já ter passado o prazo
do recurso hierárquico, e ficava vedada e ida ao tribunal. Isto é manifestamente
inconstitucional, não pode a Lei restringir um direito fundamental de forma
inconstitucional, de um duplo ponto de vista. Primeiro, do da efetividade do direito e
do ponto de vista da exigibilidade do direito, porque isto faz depender o exercício de
um direito fundamental de uma prévia intervenção da Administração, significa que o
direito é posto em causa na sua tutela plena. Mas também na tutela efetiva, porque
isto significaria reduzir o prazo de impugnação em dois terços (de três meses para
trinta dias). Isto é, mais uma vez, claramente inconstitucional. O recurso hierárquico
só pode ser facultativo, nunca necessário, sob pena de por em causa o direito
fundamental de acesso à Justiça. Mas há mais, a CRP também estabelece a separação
entra Administração e Justiça, pelo que o direito de ir a tribunal não pode depender
do uso de uma garantia que é administrativa. Isto até vai contra a ideia da
desconcentrarão, porque se o ato do subalterno já está apto a produzir todos os efeitos
128
jurídicos, põe-se e, causa este princípio. Sempre defendi, desde 89, que o
desaparecimento da referência ao ato definitivo executório punha em causa o recurso
hierárquico enquanto realidade necessária. Durante algum tempo, os tribunais
entenderam que não, através do argumento, a meu ver absurdo, de que não havia
lesão ao direito fundamental porque o particular não seria lesado se tivesse usado a
garantia administrativa. O problema não é esse, o problema é que se não usou a
garantia administrativa, seria prejudicado porque já nem a jurisdicional podia usar. O
recurso hierárquico necessário significava então obrigar o particular a usar “cinto e
suspensórios”, sob pena de não poder usar nenhum. Quando o legislador em 2004
alterou esta regra e estabeleceu a versão original do 51o CPTA, a doutrina passou a
dizer que se afastava a regra geral do recurso hierárquico necessário, mas que se
mantinham aqueles casos em que a Lei expressamente o dissesse (Mário Aroso de
Almeida + Diogo Freitas do Amaral). Argumentavam que o afastamento da regra não
implicava o afastamento da regra especial que previsse essa exigência de recurso
hierárquico necessário. Ora bem, reparem neste belo argumento, saber se é geral ou
especial só pode decorrer do afastamento da regra geral, porque até ao afastamento
dessa norma, a exigência dita agora “especial” era apenas uma confirmação da regra
geral. Se o que está em causa é uma revogação que afastava a regra geral, tinha que
se entender que afastava todos os casos, o afastamento é da regra e não da norma.
———
Há então muitas e boas razoes para dizer que a exigência, constante do CPA,
129
de recurso hierárquico necessário é manifestamente inconstitucional. Haviam poucas
pessoas com uma posição próxima da minha, mas por exemplo o Dr. André Salgado
de Matos, aqui da casa, o Prof. João Miranda, a Prof. Alexandra Leitão, e bastantes
desta nova geração de administrativistas. A posição contrária, defendida pelos juízes,
impunha-se no ordenamento jurídico. Em 2002/2004, com a reforma, houve uma
alteração, porque o artigo 51o CPTA, tanto agora como na versão originária,
implicava o afastamento dessa exigência. A questão começou a ser colocada também
pelo meu colega Paulo Otero, que começou a dizer que não fazia sentido colocar a
questão em termos de necessidade, o que era mais adequado era tornar útil o recurso
hierárquico. Ou seja, mantém-se o recurso hierárquico enquanto garantia
administrativa, mas nunca necessária. Propúnhamos eu, já desde antes de 2004, e o
professor Paulo Otero, que se criassem mecanismos que permitissem que nalguns
casos houvesse utilidade em usar desta garantia. Também do ponto de vista
sociológico aquilo que acontece é que a Administração recebe um pedido de
reapreciação e a resposta é sintomaticamente negativa, e portanto a Administração
nunca muda a sua posição e o recurso hierárquico necessário só fazia perder tempo.
Ora, na altura da reforma, começou a surgir uma corrente na doutrina que contestava
a validade do recurso hierárquico necessário, face à restante doutrina nacional. O
legislador adotou a melhor solução, que foi a de não exigir esse pressuposto
processual, porque a sê-lo seria exigido no CPTA, não no CPA ou outra qualquer lei
avulsa, porque no CPTA, enquanto código de processo, é onde devem estar os
pressupostos processuais. O legislador do CPTA não só não o fez, como até
estabeleceu regras que vão no sentido da desnecessidade do recurso hierárquico, mas
que podem ainda assim dar alguma utilidade a esse recurso hierárquico, quando ele
seja facultativo, no sentido de o particular poder ganhar alguma coisa por interpor
esse recurso. Isto resulta das normas relativas aos prazos porque o legislador,
designadamente neste artigo 59o, CPTA veio esclarecer que o prazo para a
impugnação dos atos administrativos se interrompe se o particular interpuser uma
garantia administrativa, no sentido daquilo que já vinha a defender, sendo a
suspensão dos prazos de impugnação a vantagem para o particular em usar o recurso
hierárquico.
130
particular, quando impugna administrativamente, não precisa de esperar pela resposta
para impugnar pela via contenciosa (59o CPTA). Ou seja, o particular escolhe se quer
impugnar administrativamente e depois contenciosamente, se faz as duas ao mesmo
tempo, e mesmo quando decide usar primeiro a garantia administrativa, o particular
não precisa de esperar pela resposta para impugnar contenciosamente. Da minha
perspetiva, para além do argumento da inconstitucionalidade havia o argumento da
ilegalidade. Explicando, o CPTA não só não faz qualquer referência à impugnação
administrativa enquanto pressuposto processual como estabelece um regime em que
essa impugnação administrativa é desnecessária, embora quando usada possa ter
alguma utilidade (suspensão de prazos), mas mesmo quando isso aconteça não tem de
ser levada até ao fim, porque o particular pode logo usar do Contencioso
Administrativo.
131
esta não podia ser colocada nos termos formalísticos em que se estava a colocar,
porque se dizia que era afastada a regra geral, e a regra, ainda que expressa, só se
tornaria especial depois do desaparecimento da regra geral, sendo que aquando da
revogação do principio geral, ela seria ainda confirmação dessa regra geral e portanto
logicamente revogada também. Poder-se-ia dizer, posto isto, que este argumento não
serve para as menções posteriores ao código, é o que diz por exemplo o Dr. Salgado
de Matos. Admitir isto implica não partir do pressuposto que é o meu que é o da
inconstitucionalidade, que fere qualquer exigência de obrigatoriedade de utilização
da garantia administrativa, ainda que futura.
Se fiquei perturbado em 2015 quando saiu o CPA, tive uma nova alegria
quando, em 2016, apareceu esta nova versão do CPTA, porque o legislador, que
entretanto tinha criado o recurso hierárquico necessário, voltou a arrepender-se,
porque não regulou esse recurso hierárquico necessário onde tinha que regular. Se é
um pressuposto processual, tem de estar regulado no CPTA (51o ss.). Sendo o CPTA
posterior ao CPA, no mínimo teria revogado o “necessário” do CPA, porque lei
132
posterior revoga lei anterior.
Agora há uma explicação, dos Profs. Mário Aroso e Vieira de Andrade que é
não era preciso que o legislador do CPTA se tivesse ocupado do assunto, porque
bastava o legislador do procedimento o ter feito, e tendo-o feito que as coisas deviam
ser interpretadas nos mesmos termos. Ora, com todo o respeito por esta posição, não
me parece que ela faça qualquer sentido porque parte de um pressuposto e
preconceito doutrinários para justificar a interpretação de uma lei que não faz
referência alguma à necessidade da garantia administrativa. Depois, porque o CPTA
é posterior ao CPA, a ter havido alguma coisa houve uma mudança de posição por
parte do legislador. Estamos agora a testar este novo código, com a nova formulação
de 2016 e, portanto, como devem calcular, nada disto foi ainda discutido nos
tribunais ou criou jurisprudência que possa indicar num sentido ou noutro. Na
doutrina, continua esta discussão entre a posição defendida por mim e pelo Profs.
Paulo Otero, João Miranda e Alexandra Leitão e a posição defendida pelos
professores Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, entre outros, que
entendem que afasta em quase todos os casos, mas não naqueles em que o legislador
faça uma previsão expressa.
133
do Prof. Diogo Freitas do Amaral. Outra posição, tradicional do Prof Marcello
Caetano, é dizer que o ato administrativo deve produzir efeitos jurídicos,
independentemente da novidade. Uma visão ampla de ato administrativo. O
legislador do CPTA tomou quanto a mim a decisão certa, no sentido de uma noção
ampla, tal como a que está no CPA, eliminando as dúvidas previamente existentes
quanto aos atos confirmativos e dos atos de execução. Sendo estes impugnáveis, cai
por terra o pressuposto da novidade do ato administrativo. No artigo 53o, o legislador
do CPTA defende, e muito bem, que em relação aos atos confirmativos é preciso ver
se não há de facto uma realidade nova, mas mais importante, a ideia de que os atos de
execução são atos administrativos impugnáveis tais como todos os outros. Esta é uma
das normas do CPTA que tem o meu nariz e a impugnabilidade dos atos de execução
é um dos meus cavalos de batalha. O legislador do CPTA veio então dizer que o que
era importante era a produção de efeitos jurídicos, novos ou não. O legislador do
CPTA vai dizer que, por um lado, um ato confirmativo pode na mesma ser
impugnado, quando é susceptível de lesar direitos dos particulares e, por outro lado,
que os atos executórios, que não têm novidade, também podem ser impugnados. O
legislador não faz qualquer referência à executoriedade, e ainda bem, mas o
legislador também, no artigo 54o fala na ideia da eficácia, de alguma maneira
introduzindo a discussão que havia antes entre o Prof. Marcello Caetano e o Prof.
Rogério Soares sobre se o que era necessário no ato admin era a executoriedade ou se
bastava a eficácia. O legislador põe com esta norma de parte o argumento da
executoriedade, e reconduz a questão à eficácia, a simples produção de efeitos. Mas
dá o legislador ainda mais um passo, que é permitir a impugnação de atos ineficazes.
Há pouco também invoquei o artigo 54o sobre a discussão acerca do carácter lesivo
ou da produção de efeitos, porque este artigo 54o vem contrariar a regra da produção
de efeitos jurídicos, tem o efeito de recuperar a ideia da lesão, porque os atos lesivos
são uma categoria constitucional e mais ampla que a da eficácia.
É por isso que atos que não produzem efeitos podem à mesma ser
impugnados, porque lesivos de direitos. De outra maneira não poderiam. É então a
exigência de lesão de direitos que continua a ser o critério mais importante da
impugnabilidade dos atos administrativos no Contencioso Administrativo.
134
(Mariana Rodrigues)
2 – “Sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros
meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável.”
135
demissão, e o juiz entende que não havia razões para essa demissão, não pode anular
a decisão, reintegrando o funcionário na posição que se encontraria, recompensando
os salários perdidos, contudo juiz pode condenar a administração a reintegra-lo, não
tendo apenas a eficácia retroativa, mas salvaguardava a posição do particular, a
reintegração não é a mesma coisa que a anulação da demissão, a doutrina clássica, na
pessoa de Marcello Caetano, distingue a anulação de um acto, da prática de um acto
de conteúdo contrário, correspondendo a duas competências diferentes e dois actos
distintos. Uma coisa é anular, afastar os efeitos do acto anterior, que nestes casos já
não é possível fazer nos termos deste art.38º, mas o particular, pode obter
conhecimento a titulo incidental do seu direito, juiz aprecia para efeitos de outros
actos subsequentes, não havendo nenhuma limitação à condenação que pode ser feita
à administração, ou seja, à reintegração do funcionário.
Legislador adotou e bem esta solução defendida pelo professor, de que o facto
de não apresentar recurso de anulação no prazo legal, nao impedia o particular de
levar a tribunal o seu direito, e o juiz nao pode anular o ato, mas pode conhecer da
sua validade e pode condenar a administração a realizar outro acto, operando aqui a
tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e este artigo 38º corresponde a
esta posição. Professor dá o exemplo duma situação ocorrida nos anos 70, em que
houve uma atribuição de sanções disciplinares a vários funcionários públicos, (por
parte do governo) que tinham faltado ao serviço na sequência de uma greve
universitária, aconteceu que as pessoas que faltaram, só descobriram da existência da
punição 30 anos depois, quando pediram a contagem do tempo de serviço para
efeitos de reforma, sendo prejudicadas pelas faltas injustificadas que tinham tido.
Professor já na altura defendeu que estas pessoas tinham direito à tutela dos seus
interesses e direitos, neste caso, o direito à reforma, pois houve pessoas que ficaram
sem este direito, devido a estas sanções ilegalmente atribuídas. O que estava em
causa era a apreciação a titulo incidental da ilegalidade de um ato administrativo
(artigo 38º).
“No país do futebol anda tudo em polvorosa. Imagine-se que António Confiúzo,
presidente do clube de futebol Os Gilinhos do Vicente, pretende reagir
136
contenciosamente contra as decisões das autoridades desportivas, que visam impedir
o acesso do clube à 1ªdivisão do campeonato nacional de futebol, na sequência de
alegadas irregularidades quanto ao estatuto de um dos seus jogadores, Matateus de
seu nome. Indignados, os presidentes da liga e da federação de futebol nacional,
alegam que os clubes de futebol estão impedidos de recorrer aos tribunais para
resolver litígios de natureza desportiva, invocando para tanto a legislação desportiva
e os estatutos de uma sociedade anónima futebolística multinacional – a F.I.F.A.
Desta forma, pretendem os dirigentes desportivos que o dito clube de futebol desista
ou renuncie à utilização de quaisquer meios processuais, ameaçando com sanções
disciplinares e indemnizações monetárias que decorreriam de uma alegada sanção da
F.I.F.A incidente sobre todo o futebol português. Por seu lado, o dirigente do clube
Os Gilinhos do Vicente, António Confiuzo, manifesta-se disposto a ir até às ultimas
consequências na defesa das suas pretensões, nomeadamente utilizando todas as vias
processuais ao seu alcance da justiça administrativa, constitucional e europeia. Quid
Iuris?”
Aluno refere que o presidente do clube tem legitimidade para impugnar esta
decisão nos termos do art.9º e art.55º do código de processo administrativo,
referindo ainda que esta decisão é inconstitucional pois viola o principio da
tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos. 20º e 268º4/5 CRP.
137
embora esteja em causa instituições de direito privado, exercem uma função
materialmente administrativa. O fundamento está no art.4º do estatuto dos
tribunais administrativos e fiscais, nomeadamente a alínea d): “Fiscalização
da legalidade da normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer
entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de pedres
públicos” e alínea h): “Responsabilidade civil extracontratual dos demais
sujeitos aos quais seja aplicável o regime especifico da responsabilidade do
Estado e demais pessoas coletivas de direito público” pois aplica-se a
entidades privadas submetidas às mesmas regras da responsabilidade civil do
Estado, por exercem poderes públicos.
Quanto às alegações do presidente da liga e da federação, de que os clubes de
futebol estão impedidos de recorrer aos tribunais para resolver litígios de
natureza desportiva, invocando para tanto a legislação desportiva e os
estatutos de uma sociedade anónima futebolística multinacional, aluna refere
que o direito a ir a juízo é um direito de natureza indisponível, a legislação e
os estatutos nao podem limitar este direito, podendo António recorrer ao
tribunal, caso contrário existe uma inconstitucionalidade. Quanto à ameaça de
sanções disciplinares e indemnizações monetárias, também são
inconstitucionais elas próprias. António, tendo legitimidade ativa e como
presidente pode apresentar pedido de condenação à prática do acto devido,
tendo esta ação pressupostos/requisitos a serem cumpridos. Questão que se
impõe é a de saber se, em vez da ação de condenação, deve ser pedida ação de
anulação, anulando os efeitos da decisão. Tendo a condenação efeitos mais
amplos e de conteúdo positivo, e não apenas de conteúdo negativo, deve ser
este o pedido.
Paulo Ramalho
(Michael-Sean Boniface)
138
Questão ainda pendente: na cumulação de pedidos, há ou não alternatividade
entre o pedido de condenação e o pedido de impugnação? O artigo 51º nº4 do CPTA
resolve este problema. O preceito dispõe que o tribunal deve convidar o autor a
alterar o pedido, na hipótese de o pedido por este formulado for de impugnação, isto
é, o autor deve, então, alterar o pedido inicial de impugnação para condenação. A
referência ao “adequado pedido” deve ser lida em conjugação com o preceituado nos
artigos 66º e 67º, pois sempre que esteja em causa um ato de conteúdo negativo,
como uma omissão, o pedido adequado é o de condenação.
Assim, pode dizer-se que o legislador optou por estabelecer que é o pedido de
condenação aquele que deve ser pedido. Isto introduz uma enorme amplitude para as
ações de condenação. Dá-se preferência à condenação em todos os casos com
conteúdo negativo.
Daqui resulta que quando está em causa uma omissão de um ato de conteúdo
negativo, o pedido adequado é o de condenação e não de anulação.
Mesmo assim, com esta formulação, ainda se discute se, nalguns casos e a
título excecional, não se poderá admitir que possa proceder o pedido de impugnação,
em vez de condenação. O Professor Mário Aroso de Almeida, numa versão das suas
lições, ia buscar 2 ou 3 casos excecionais, retirados do direito alemão, respeitantes a
139
relações jurídicas continuadas; entendia que, excecionalmente, nesses casos podia ser
admitida a anulação em vez da condenação.
Assim, não há vantagem em optar pela anulação uma vez que a condenação
tem o efeito que vai sempre além da anulação e já inclui este. Do ponto de vista da
tutela material não há qualquer vantagem.
Hipótese prática 1.
140
Bruno apresentou à Câmara Municipal Y, em 16 de junho de 2008, um pedido
de licenciamento de uma moradia a construir em terreno de que é proprietário.
No requerimento então apresentado dava conta da urgência na obtenção do
licenciamento uma vez que necessitava da moradia para residir com a sua
família, designadamente por estar iminente o nascimento de filhos gémeos, o que
tornaria o apartamento em que atualmente reside manifestamente exíguo para o
agregado familiar.
Daqui se retira que, efetivamente, ainda não tinha decorrido o prazo pois só
tinham passado 30 dias – falta um pressuposto processual, pelo que a sentença será
de absolvição da instância.
141
facto de ter ou não gémeos, ou seja, este não é um argumento, não atribui um direito
no quadro da relação jurídica, apenas tem direito a uma resposta.
Hipótese prática 2.
Poderá fazê-lo?
142
O particular alega que tem direito à licença para construir porque o seu
projeto se inspira na arquitetura do Norte da Europa – isto não corresponde a um
direito/pretensão que ele possa alegar. Além disso, o próprio PDM não prevê a
construção de prédios naquela localização. A questão da estética é discutível porque
não há lógica de rigidez em termos de natureza estética, salvo situações especiais
relativas à preservação do património cultural. Mas quanto ao PDM não há
possibilidade de ponderação.
Vera Manoel
143
dos poderes de pronúncia da parte do tribunal. Aqui, o mais importante nesta altura é
verificar aquilo que o legislador estabelece no quadro da legitimidade.
A primeira questão que aqui se coloca é a de saber em que medida é que estas
normas, designadamente as que constam do art.88º do CPTA, que são normas que
estabelecem um regime especial comparativamente às normas dos artigos 9º e 10º do
mesmo código. O Prof. Vasco Pereira da Silva diria que, em função da lógica do
objecto do processo e em função da lógica das realidades em que se aplica este
mecanismo processo – tal como analisamos em aulas passadas – , se justifica
existirem normas especiais determinadas pela dimensão mais subjectiva deste meio
processual.
144
O legislador resolveu dizer que o Ministério Público actua apenas quando está
em causa a violação de direitos fundamentais graves ou de ilegalidades graves no
âmbito da ordem pública. Só que, dizer isto, significa colocar a intervenção do
Ministério Público num domínio que é o da ilegalidade porque, o que está aqui em
causa é a defesa de um direito e, o Ministério Público não tem direitos. O Ministério
Público pode actuar como sucedâneo da protecção dos direitos e, portanto, o Prof.
Vasco Pereira da Silva admite que faça sentido que se tratando de um direito
fundamental, tal como se encontra previsto no art.88º do CPTA, que aí o Ministério
Público ainda possa intervir numa função por um lado, da defesa da legalidade e do
interesse público, mas que vai actuar para defesa do interesse do particular e,
portanto, nessa medida é possível que ele alegue um direito que não é seu. Mas se a
situação for aquela que aparece aqui referida na segunda parte deste artigo, o de
haver uma ilegalidade grave, então este processo não tem objecto, uma vez que, o
objecto do processo nos termos do art.66º/2 é sempre o direito do particular.
145
lógica que não é o da tutela dos direitos, significa que este pedido não é adequado
para a defesa desses bens ou interesses.
O legislador ao referir-se aos órgãos quis ir mais longe, quis dizer que podia
haver no quadro deste pedido relações interorgânicas e intraorgânicas. O Prof. Vasco
Pereira da Silva não afasta liminarmente a existência destas relações e de pedidos à
condenação à prática de um acto devido que correspondam a realidade
interorgânicas, mas ainda é preciso admitir que existem relações jurídicas no âmbito
destas relações e que há direitos desses órgãos face a outros órgãos da mesma pessoa
colectiva. E, se isto é assim, a realidade é que somos obrigados a limitar a situações
jurídico-subjectivas a possibilidade de utilização deste pedido. Já tudo aquilo a que
respeitar ao funcionamento dos órgãos e tiver a ver com uma realidade objectiva,
tudo isso cai fora do objecto do processo, e consequentemente não pode ser intentada
acção de condenação.
146
jurídica. Aquilo que o legislador introduz aqui é uma contradição entre a realidade
deste mecanismo e a realidade que corresponde ao objecto do processo.
O mesmo se diga quanto ao autor popular. O que está aqui em causa não são
os direitos do autor público, mas sim a defesa por si prosseguida para a busca da
legalidade e do interesse público. Portanto, o mecanismo processual da condenação à
prática de um acto devido é inadequado para proteger estas situações. Esta
legitimidade do autor popular não faz sentido e não é legalmente possível.
Mafalda Baudouin
(Raquel Ribeiro)
Vamos analisar um pedido de natureza regulado no âmbito do CPTA como uma sub-
ação ou como forma de ação especial em matéria condenatória no quadro dos
regulamentos. O facto de se tratar de uma ação condenatória faz com que surjam
147
todas as limitações e todos os problemas que se tem colocado no Direito
Administrativo, sempre que não estamos perante sentenças constitutivas. O que está
em causa tem a ver com a condenação da administração à emissão de uma norma de
natureza regulamentar.
Imaginemos que determinado município, não elabora o Plano Diretor Municipal, está
a violar a lei. É um dos casos em que existindo esta violação, é justificada a
intervenção do Ministério Público e até do ator popular exercendo o seu direito de
ação para condenar a Administração. E se olharmos para a ação do Ministério
Público embora possa desempenhar sempre a função de parte, raramente o faz e um
dos poucos domínios em que o faz é no domínio do urbanismo.
148
2- Determinação do conteúdo do próprio regulamento: há um certo grau de
indeterminação no quadro dessa norma regulamentar, mas se tivermos perante um
regulamento complementar ou de execução de uma lei, o seu conteúdo (que vai
disciplinar as condições relativas ao exercício daquela realidade normativa ) principal
já esta pré-determinada, e aí corresponde a uma vinculação legal da Administração
no exercício do poder regulamentar.
Na versão de 2004, ainda se dizia, eufemisticamente, que o que estava em causa, era
uma declaração de ilegalidade quando se tratava da omissão de um regulamento.
Fingia-se que se tratava de uma ação de simples apreciação quando o que se estava a
regular era uma ação condenatória.
149
comportamento omissivo por parte da Administração e persuadi-la a atuar.
150
artigo 3º, podia estabelecer uma sanção pecuniária compulsória, para obter o
cumprimento daquilo que estava determinado na sentença.
Hoje em dia já não há problemas em ter este tipo de ações, o taboo já foi
ultrapassado, mas para que isso acontecesse foi necessário que se passasse por várias
fases até que fosse efetivamente superado.
O legislador foi parco, e não perdeu muito tempo em desenvolver todas as
consequências daquilo que diz.
Em termos práticos, o Professor Vasco Pereira da Silva frisa que este mecanismo
processual não é muito utilizado. É sim utilizado no quadro do urbanismo, mas
tirando esse domínio não tem tido uma grande aplicação.
151
Nesse domínio é mais fácil de justificar analisando a lógica germânica.
Concluindo, este mecanismo processual não cumpre tudo aquilo que pode ter
e pode ter um âmbito de aplicação muito superior ao que tem até hoje. Pelo menos
nos domínios do urbanismo do urbanismo da construção tem tido uma aplicabilidade
bastante grande e correspondente a uma dimensão essencial de natureza condenatória
no quadro do contencioso administrativo.
Siddik Hameed
152
Unido, os países nórdicos de lógica anglo-saxónica, países do leste da europa, ou a
própria Alemanha.
153
contrato até verificarem se a lei está a ser cumprida e se está ou não a ser integrado o
interesse público. Isto traduz-se na clausula “stand steal”, que significa: “calma na
celebração do contrato”. Mecanismo previsto pela UE, uma solução adequada para o
professor, pois, se pensarmos nos valores que estão em causa, sempre que se põe em
causa um contrato público. Deve existir uma ponderação, entre o interesse público, a
legalidade e os direitos dos particulares envolvidos, ponderação que é obrigada pela
referida clausula. Muitos conflitos que até aqui eram sobre o contrato, sobre a
realidade contratual, foram substituídos por esta discussão anterior à celebração do
contrato que vai haver com a necessidade de ponderar a realidade existente, fática e
jurídica.
154
de foro. Na realidade francesa, começa-se a distinguir os contratos ditos
administrativos, que eram apreciados pelos tribunais administrativos, e os contratos
ditos privados que eram apreciados nos tribunais comuns, realidade que nasceu por
razões práticas, sem mais justificação, sendo que a lista dos contratos foi-se
alargando, à medida que a administração foi contratando com os particulares. As
tentativas de encontrar no critério teórico, por parte da doutrina, para unificar os
contratos públicos surgiram a posteriori, o que aconteceu foi haver esta razão
processual que levou à criação desse regime para os contratos, não existindo
nenhuma diferença relevante entres esses contratos administrativos, apenas a
satisfação do interesse público e o elevado montante. Quando nos finais do seculo
XIX e princípios do seculo XX, se começa a teorizar o direito administrativo, na
alemanha existiu uma negação destes contratos, contrapondo-se à realidade francesa.
Otto Mayer na lógica autoritária de construção da administração entendia que não
havia lugar para a contratação pública, ficando a alemanha fora do modelo francês
adotado pelos países latinos europeus. Nesta realidade francesa, quando se começa a
teorizar o DA, diz-se que há uns contratos que são diferentes dos outros, porque têm
que ver com a realização privilegiada do interesse público, tendo estes contratos
regimes especiais, e têm um contencioso especial, enquanto que o outro contrato
administrativo que a administração celebra, fá-lo como qualquer particular, de acordo
com as regras gerais, não tendo privilégio de foro, é aqui que nasce a dicotomia
esquizofrénica. Na sequencia desta realidade francesa, que também é portuguesa, vai-
se tentar encontrar uma explicação, de acordo com vários critérios, mas que nenhum
deles satisfaz, pois há sempre contratos que não se inserem num determinado critério.
Há, portanto, uma construção francesa que inclui a portuguesa. Teorização dos
contratos surge em Portugal, nos finais do século XIX e inicio do seculo XX, através
de vários autores como Magalhães Colaço, que adotaram uma posição próxima da
francesa, surgindo depois uma tradição que deu origem à construção do professor
Marcello Caetano. Modelo francês teve maior influência nos países latinos ao
contrário do que aconteceu no quadro germânico, que viu sempre com grande
desconfiança que a administração utilizasse elementos contratuais, depois quando a
administração começou a utilizar, fê-lo numa lógica que não era bem privada, nem
era um contrato administrativo, tendo uma ideia de defesa do interesse público para
justificar o regime contratual. A noção de contrato público alemão vai nascer numa
lógica anglo-saxónica, e não de acordo com o modelo francês. Este momento
155
doutrinário durou ate aos anos 60/70 do século XX, a partir daqui a doutrina, de
modelo francês nos países latinos, começa a por em causa esta realidade que tem que
ver com a autonomia conceptual da figura do contrato público. Em Portugal, a
professora Maria João Estorinho, nos anos 80 com a sua tese de mestrado, põe em
causa a dicotomia esquizofrénica, chamando à atenção para a necessidade de ter em
consideração que, aqueles contratos ditos administrativos, eram contratos como os
outros, tanto eram, que podiam ser celebrados também no quadro das relações entre
particulares, com exatamente as mesmas regras, por exemplo, os poderes que a
administração tem em relação ao empreiteiro, num contrato de empreitada, em
relação ao dono da obra, são os mesmos poderes que numa obra privada, o dono da
obra tem em relação ao empreiteiro. A prova de que isto era assim, era de que os anos
70, em Portugal, não havia um tratamento da empreitada no código civil, surgindo
primeiro a regulação da empreitada de obras públicas, e o que aconteceu foi que, esta
empreitada que tinha um regime especial passou a ser o regime normal, provando que
estes contratos públicos, não eram diferentes dos contratos entre particulares. Além
disto, a professora MJE também afirmou que a distinção esquizofrénica não fazia
sentido, porque se devia haver regras especiais para a prossecução do interesse
público, estas deviam-se aplicar a contratos que não fossem apenas contratos
administrativos, pois, nos ditos contratos de direito privado, o que estava em causa
não era uma realidade puramente privada, porque estava a ser utilizado dinheiro
público, a decisão de contratar era uma decisão pública, a ideia de que era direito
privado, não fazia sentido, pois os contratos ditos administrativos não eram
exorbitantes em relação aos demais e os contratos ditos privados, quando celebrados
pela administração no exercício de funções administrativas, correspondiam a uma
realidade que devia ser considerada administrativa. Esta construção que foi feita em
Portugal, nos anos 80, acompanhava uma contestação que tinha surgido nos anos 70 e
80, nos outros países que tinham adotado a construção francesa, e veio por em causa
a discussão tradicional até aqui. Houve na altura, nos anos 80, uma discussão
alargada, entre aqueles que, como a professora MJE, o professor Marcelo Rebelo de
Sousa, professor João Caupers e professor VPS, que entediam que não fazia sentido
manter a distinção esquizofrénica, sendo preciso criar um regime diferente, que devia
ser adequado ao exercício da função administrativa, devendo ter também
consequências processuais, em que estes contratos deviam ser apreciados através do
contencioso administrativo. Esta discussão surgiu por razões teóricas, no quadro de
156
um esgotamento de uma categoria doutrinal. Em contraposição às construções dos
referidos professores, existia a doutrina tradicional maioritária, defendida pelo
professor Freitas do Amaral, Sérvulo Correia, Vieira de Andrade, que procuravam
manter a noção de contrato administrativo, mesmo que alargasse o universo dos
contratos públicos. Professor VPS entendeu que não fazia sentido introduzir esta
dualidade esquizofrénica no domínio da contratação pública. No final dos anos 80,
com esta discussão a ocorrer surgiram as novas diretivas europeias, que vieram
introduzir uma outra dimensão, que já não era a dimensão da discussão teórica. A UE
tinha o objetivo de criar regras comuns que vigorassem em todos os países,
independentemente das tradições jurídicas dos estados-membros, UE estendia em
certos domínios e em certas atividades contratos públicos, que estabelecessem um
regime especial que tinha haver com a realização de um serviço público, dando
origem à noção de contrato público que o direito europeu introduziu na europa, o
código dos contratos públicos vai pela primeira vez regular nos termos dessas
diretivas, pondo fim a dicotomia esquizofrénica.
Esta dimensão europeia veio dar um maior peso às correntes criticas da noção
de contrato, e sobretudo introduzir alterações no regime jurídico dos contratos, como
o surgimento de regras de procedimento contratual determinadas pela UE, como a
introdução daquele mecanismo processual, que permite reagir contra procedimentos
contratuais, antes dos contratos serem celebrados. Começa, portanto, a surgir uma
transformação de regras jurídicas, alguns entendem que implica deitar no “caixote do
lixo da história” regras como as da dicotomia que existia, outros procuram mante-las
no quadro de uma lógica renovada. Foi havendo sucessivos regimes jurídicos, ate que
surge em Portugal o código da contratação pública, que estabeleceu um regime para
todos os contratos públicos, que já não tem que ver com a antiga dicotomia, tem que
ver com a lógica do exercício da função administrativa e abrange todos os contratos
públicos, não apenas os contratos administrativos, contudo, o legislador não
conseguiu libertar-se totalmente da dicotomia esquizofrénica e continua a chamar a
alguns desses contratos, contratos administrativos, mas deixam de ser o todo da
realidade de contrato público, passando a ser, uma espécie dos contratos públicos, e
isto mantem-se ate aos dias de hoje. A diretiva que entra em vigor em janeiro de
2018, com a nova versão do código dos contratos públicos, vai manter esta
dicotomia, o que para o professor VPS está errado, o ideal seria abandonar a
157
expressão, e construir apenas uma noção de contrato público. Professor VPS é muito
critico na manutenção desta dicotomia, sobretudo, porque já se tinham dado alguns
passos no sentido de afastar esta dimensão, como em 2004, na sequencia da reforma
administrativa 2002-2004, quando se elaboraram as regras de contencioso
administrativo, o artigo 4º não falava em contratos administrativos, falava de
contratos que correspondiam ao exercício da função administrativa, não havia a
utilização da expressão: contratos administrativos, mas na sequência co código da
contratação pública, ter chamado a uma espécie de contratos públicos que, em 2015,
na perspetiva de VPS, se deu um recuo, porque o artigo 4º se se aplica não apenas aos
contratos chamados administrativos, usa a expressão: “contratos administrativos e
todos os outros regulados no código da contratação pública”, ou seja, a lógica esta
invertida, continua-se a falar de contratos públicos, mas estabelece um regime
aplicável a todos os outros contratos que não são os ditos contratos administrativos.
No próprio CPA, no final das suas normas, o código deixou de regular o contrato,
porque agora a contratação pública é regulada pelo código da contratação pública, o
CPA resolveu acrescentar três normas que não têm qualquer relevância prática, pois
não correspondem a nada que a administração tenha que aplicar, artigos 200º,201º e
202º, em que se fala dos contratos da administração pública e se diz que os órgãos da
administração publica podem celebrar contratos administrativos, submetidos a um
regime substantivo de direito administrativo e contratos submetidos a um regime de
direito privado, ou seja, vem recuperar a dicotomia tradicional quando tinha sido
afastada pela lógica europeia e pelo código dos contratos públicos. Houve portanto
um recuo, que se julgava que poderia ser afastado, porque as ultimas diretivas
europeias, de 2014, quando Portugal já estava em situação de incumprimento, tinham
alargado o universo dos contratos e estabelecido regras mais exigentes em matéria de
contratação pública, e portanto, do ponto de vista doutrinário pensou-se que era altura
de o legislador, apesar deste recuo de 2015, se libertar desta distinção no quadro da
reforma do código da contratação pública, houve inclusive uma comissão, nomeada
pelo governo, pelo ministro das infraestruturas, presidida pela professora MJE, e que
antes do prazo terminar, comissão elaborou um texto que punha termo a esta
distinção. O governo acabou por hesitar a favor desta mudança, pois significava fazer
uma reforma no código da contratação pública, reforma que acabou por ser
substituída por alterações parcelares profundas, mas que não correspondiam a esta
mudança, e depois dessa primeira versão que tinha sido formulada pela comissão, há
158
uma outra versão apresentada em julho de 2016, que deu origem a uma proposta
legislativa do governo, que foi vetada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo
de Sousa, que vetou porque tinha defendido que os contratos administrativos deviam
desaparecer, mas entendia que aquilo que o governo tinha proposto não
correspondiam às diretivas europeias, resultado desta história, termina com a
aprovação em setembro de uma outra versão intermédia, entretanto elaborada pela
presidência do conselho de ministros, apresentada para promulgação e que o PR
promulgou com reservas, porque entendeu que do ponto de vista europeu não se
poderia adiar mais o cumprimento da diretiva comunitária, mas colocou reservas ao
facto de não se ter aproveitado a reforma para acabar com o conceito de contratos
públicos, reserva que acompanha esta promulgação, no site da presidência da
república.
A evolução foi acontecendo e introduziu uma alteração, que tem que ver com
o facto de hoje, serem considerados públicos, aqueles contratos que eram
considerados privados, há um alargamento da contratação pública e suas regras a
todos os contratos, que têm que ver com o exercício da função administrativa, sendo
uma exigência do direito europeu, contudo esta manutenção do nome: “contrato
administrativo” como uma espécie de contratos permite que continuem a surgir
confusões como a do artigo 200º CPA, que para o professor VPS não faz sentido,
pois já não corresponde à realidade dos dias de hoje, esta dicotomia já não existe
mais. No quadro desta transformação, o que está em jogo é o surgimento de regras,
substantivas, procedimentais e contenciosas. Há um conjunto de transformações e há
uma realidade que está a ser construída e que já não tem haver com aquela dimensão
tradicional. No que toca ás ações, aos processos principais, em matéria de contratos,
o artigo 4ºETAF, recuperou a expressão contratos administrativos na alínea e), sendo
159
um recuo, errado para o professor VPS, esta alínea diz-nos também que para alem
dos contratos administrativos, está em causa a validade de atos pré-contratuais e
interpretação, validade e execução de quaisquer outros contratos celebrados nos
termos da legislação sobre contratação pública, portanto, apesar do recuo da
expressão contratos administrativos, consagra-se e bem outros contratos celebrados
sobre legislação da contratação pública, que no quadro europeu são os contratos
correspondentes ao exercício da função administrativa, exemplo disto é a empresa
EDP que é dominada por chineses, esteja submetida à regras do direito administrativo
português e realize contratos administrativos sob égide do direito europeu. Quando
olhamos para as normas que o legislador, quer em 2004, quer em 2015, regula no
quadro dos processos principais, verificamos regras relativas a contratos
correspondentes a uma ação , legislador vem determinar em matéria contatual ações
relativas à validade e execução do contrato, artigos 77ºA e 77ºB CPTA, regulam esta
realidade, e se olharmos para estas normas aquilo que à partido nos surpreende e que
é diferente da realidade tradicional, (e ainda bem que é diferente pois corresponde a
uma das mudanças no quadro da contratação pública designada pelo direito europeu)
é existir um alargamento da legitimidade que foi alem das regras tradicionais em
Portugal, porque as regras que tinham sido estabelecidas pelo professor Marcello
Caetano, eram as tradicionais, a doutrina clássica invocava que a matéria de
contratos administrativos era exclusiva da partes, do contratante e da entidade púbica,
só eles eram partes legitimas para atuar no domínio contratual, a discussão começou
em Portugal nos anos 80, na qual o professor VPS participou, passou por defender
que era preciso alargar as regras da legitimidade, era preciso introduzir, na lógica do
professor, relações jurídicas multilaterais, o que significa que não apenas aqueles que
celebraram o contrato, mas todos os que são afectados pelo contrato deviam ser
dotados de legitimidade. Esta discussão teve como defensores, precisamente aqueles
que tinham defendido o fim da noção de contrato administrativo, a professora MJE,
professor VPS, MRS e João Caupers. O núcleo da discussão foi o facto de não fazer
sentido, ter um contencioso contratual tão limitado, pois os contratos públicos que
tem que ver com o exercício da função administrativa afectam directamente outras
realidades, e, portanto, todos os que são afectados no quadro da realidade contratual
devem poder atuar como partes legitimas. Esta posição corresponde à lógica
europeia, exemplo disso, é o facto de os utentes do metro serem partes legitimas para
impugnar clausulas contratuais que os afetem, no âmbito do contrato público. Isto é
160
uma consequência da noção de contrato, que vem da lógica europeia e que foi
introduzido no contencioso administrativo português. O que está em causa é um
alargamento da realidade contratual, o mesmo é dizer, os anteriores terceiros em
relação ao contrato, na medida em que são afetados, devem poder atuar no domínio
do contencioso administrativo. Esta foi uma boa reforma introduzida em 2004,
mantendo-se na versão de 2015, em que as relações jurídicas bilaterais que tem que
ver com um exercício público, com a realização da função administrativa, e por isso,
as regras de legitimidade devem ser estas. Este código estabelece estas regras em
termos adequados, havendo até um excesso, na opinião do professor, exemplo do
artigo 77ºA CPTA, em que legislador distingue as regras do nº1 relativas à validade
dos contratos e as regras do nº3 que são relativas à execução dos contratos, distinção
que faz sentido para o professor e que foi defendida pela professora Alexandra Leitão
na sua tese de doutoramento. Do ponto de vista lógico, se uma coisa é a validade
outra coisa é a execução, se pensarmos em contratos de serviço público, as regras
relativas à contestação da execução do contrato deveriam ter uma legitimidade mais
alargada do que as regras relativas à validade, porque é a execução que afeta todos os
utentes do metro ou da carris, etc., sendo curioso que o código tenha pegado nesta
distinção, mas aparentemente o legislador preocupou-se em alargar mais o
alargamento das situações relativas à validade do que da execução. Na alínea a) do
artigo 77ºA, diz-nos que os pedidos relativos à validade, de contratos podem ser
deduzidos pela partes na relação contratual, na alínea b) o Ministério Público,
havendo aqui uma discussão pois o MP atua para defesa do interesse publico, e
estando no âmbito de um contrato, um negócio bilateral, exista quem não concorde
com isto, mas professor refere que faz sentido o MP ter legitimidade, devido a
natureza dos contratos e sua importância na realização do interesse publico e devido
aos altos valores existentes no domínio da contratação pública, o MP deve poder ser
parte legitima.
(continua na 2ªaula)
Paulo Ramalho
(Michael-Sean Boniface)
161
30 de Novembro de 2017 14:00-15.15
162
desta reforma, por um lado o mecanismo da tutela cautelar vai ser ampliado e passa a
aceita a lógica de “clausula aberta”, em vez de haver um mecanismo tipificado e com
um único meio processual, que é a suspensão da eficácia, agora temos um principio
da clausula aberta em que se pode pedir ao juiz tudo aquilo que for adequado à
satisfação dos interesses do particular e à tentativa de assegurar que a sentença que
existirá no futuro terá efeito útil. Portanto, uma lógica de um Contencioso cautelar
alargado.
Mas houve uma realidade nova, introduzida em 2004 e que é uma inovação
do legislador português porque havia um conjunto de figuras que noutros países são
consideradas com figuras de natureza cautelar. O legislador não apenas alargou o
domínio das providências cautelares como consagrou processos urgentes em matéria
de Contencioso Administrativo. E estes processos urgentes ficam a meio caminho
entre os meios principais e os meios cautelares. Tal como os meios cautelares têm em
comum a urgência, são pressionados a dar uma resposta imediata ou quase imediata
uma resposta pronta às pretensões dos particulares e, portanto, tal como as
providencias cautelares os processos urgentes têm um regime jurídico que assenta na
ideia da urgência. Mas diferentemente dos processos cautelares, os processos
urgentes decidem o fundo da causa e, portanto, aproximam-se dos processos
principais porque sendo urgentes são processos que vão satisfazer os interesses do
particular, não se destinam apenas a salvaguardar os efeitos úteis das sentenças. Dão
logo uma resposta mais rápida àquilo que são as pretensões dos particulares e,
portanto, o legislador criou esta figura intermédia e veio incluir nela um conjunto de
mecanismos que existem em regra noutros países mas que existem no âmbito de uma
tutela cautelar. Ou como se diz em alguns países como por exemplo a Alemanha
tutela complementar provisória.
O legislador nestes processos urgentes veio estabelecer um conjunto de
mecanismos relativos ao Contencioso.
Em 2015 surge um novo processo urgente no âmbito dos procedimentos de
massa. Há um processo urgente que já vem de 2004 e que foi alterado em 2015 para
melhor porque o tornou mais eficaz relativo ao Contencioso Pré Contratual. Existe
um outro mecanismo processual que é a intimação na nossa ordem jurídica é um
processo condenatório urgente, que vem da reforma de 85 e foi aperfeiçoado em
2004. Outro processo urgente é a intimação para protecção de direitos, liberdades e
garantias aqui é o mecanismo que funciona em caso de necessidade para a tutela de
163
direitos fundamentais e que está regulado de forma a permitir uma tutela célere destes
direitos. E é um mecanismo que diferentemente dos outros que têm uma orientação
germânica, corresponde a um mecanismo francês que foi instituído pelo âmbito da
reforma de 98 e que hoje integra o Contencioso Administrativo Francês atribuindo
poderes de condenação ao Direito Administrativo no âmbito de um processo especial
que normalmente é classificado como uma providência cautelar embora em rigor este
processo acabe por decidir do fundo da causa.
Em primeiro lugar o legislador no artigo 97º vem definir alguns dos meios
tipificados destes meios urgentes. Pergunta-se porque é que o legislador não incluiu
aqui neste artigo as intimações.
Há uma critica que se pode fazer é que em relação a alguns destes meios o
legislador não se preocupou muito em regular de forma nova estes processos
urgentes.
(Imperceptível)
Há uma discrepância entre algumas das regras gerais deste código e a relação
especial dos meios processuais, que o Professor Vasco Pereira da Silva entende que
deve ser corrigida em função de uma interpretação global das normas que estão aqui
em questão.
Para além disso, que é uma inovação de 2015, é o ter estabelecido que pode
haver cumulação de pedidos nos processos urgentes. Um dos problemas com que se
deparava a prática judicial e a doutrina é que regulando-se nalguns casos de forma
muito restrita estes mecanismos processuais e havendo a necessidade de recorrer às
regras gerais para cumular pedidos e estabelecer pedidos relativos a relação jurídica
material que estivesse em jogo no âmbito daquele processo urgente, que não havendo
regra para esta relação se aplicava aquela regra do código de processo civil em que se
há cumulação de pedidos os pedidos deixam de ser urgentes e passam a ser pedidos
normais. O legislador agora quis afastar essa regra do código de processo civil e quis,
logo no artigo 4º em que estabelece a possibilidade de cumulação de pedidos,
estabelecer a cumulação em relação aos pedidos principais e regular a cumulação do
artigo 5º dos pedidos em processos urgentes. Há uma alteração de fundo em 2015 que
afasta a aplicação a esta realidade de cumulação de processos urgentes, afasta as
regras do código de processo civil que transformariam estes processos em que há
cumulação de pedidos em processos não urgentes. Esta foi a forma que o legislador
arranjou para sem alterar cada um dos meios processuais procurar ampliar o seu
164
âmbito. Porque alguns deles tinha um âmbito muito limitado, o legislador tinha o
limitado de forma excessiva. O que o legislador deveria ter feito teria sido alterar a
própria maneira como os processos estavam organizados.
(imperceptível)
No contencioso eleitoral que é de plena jurisdição e em que o juiz pode fazer
tudo este contencioso vem referido á reacção de actos relativos à exclusão, inclusão
ou omissão de eleitores ou elegíveis nos cadernos eleitorais, ou seja, há um focar do
contencioso eleitoral nas questões dos cadernos eleitorais. Estas questões são
algumas das muitas que se verificam num contencioso eleitoral e, portanto, aqui no
quadro da lógica do código em que o Contencioso é de plena jurisdição é preciso
alargar o âmbito deste mecanismo que sem deixar de ser urgente tem de resolver
problemas reais.
O legislador aqui não agiu como devia. Porque estamos perante um processo
de plena jurisdição e um processo urgente, não faz sentido que este processo seja
regulado apenas como um processo ou um acto e que se estabeleça um mecanismo
que limita o controle do contencioso eleitoral que é o âmbito de aplicação deste
mecanismo. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que situações como a das
listas das eleições da Faculdade de Direito de Lisboa podem ser resolvidas através do
alargamento do processo decorrente da aceitação de outros pedidos em cumulação ou
sem ser em cumulação. Porque faz sentido que estas questões sejam resolvidas neste
processo e que este processo seja urgente, é urgente porque a escola não pode
funcionar sem orgãos eleitos e não pode ficar à espera que o tribunal decida anos
depois qual foi o orgão que foi eleito. Foi para isto que nasceu este processo urgente.
Há regras que servem para estes casos urgentes. Há 5 dias para a contestação, 5 dias
para a decisão do juiz e 3 dias para os restantes casos.
O legislador estreitou em excesso o âmbito da aplicação deste contencioso
eleitoral, e que é preciso interpretar isto de forma mais ampla no sentido em que este
mecanismo permita resolver todas as questões de processo eleitoral através de um
processo de urgência porque não faria sentido que as questões de enquadrar alguém
numa candidatura de um processo eleitoral ou a questão de omissão de candidatos
tivessem direito a um processo urgente e todas as outras teriam direito a um processo
normal que seria decidido daqui a vários anos.
Há aqui uma critica que tem a ver com o legislador em 2004 não ter alterado
este regime que vinha do passado, que vinha já do século XIX, e que ele tenha sido
165
transferido para este código sem ter sido compatibilizado com as normas que aqui
estão consagradas. Mas mais do que isto, quando no nº3 se diz que nos processos
abrangidos pelo contencioso eleitoral, o que o particular deve impugnar é a decisão
final de exclusão ou de inclusão das listas. E isto significa que os actos anteriores, os
actos com eficácia externa no quadro daquele procedimento eleitoral, são apreciados
apenas em função da última decisão que está a ser tomada no âmbito deste processo.
Ora isto contraria as regras do artigo 50º segundo o qual o particular pode impugnar
qualquer acto em qualquer momento e escolhe o momento em que quer impugnar o
acto. Se é o acto do inicio, se é o acto do meio ou se é o acto do fim do processo. E
esta possibilidade de escolher é algo que é garantido pela regra constitucional do
278nº4 que tem a ver com o afastamento da exigência da definitividade e da
executoriedade características do acto impugnado.
O que está aqui em causa é uma interpretação demasiado restritiva que por ser
demasiado restritiva mesmo tratando-se de um processo urgente gerar problemas de
incompatibilidade com as outras normas do código de processo e de
inconstitucionalidade em face do artigo que consagra a garantia do acesso à justiça
administrativa 268nº4 CRP. O Professor Vasco Pereira da Silva entende que aqui se
deve aplicar por analogia a regra relativa à escolha do momento ou do acto que o
particular vai fazer para ir a tribunal.
Depois temos o contencioso dos procedimentos de massa que é uma inovação
da reforma de 2015 do Contencioso Administrativo. Há uma primeira polémica que é
a de saber se é justificável que o legislador crie um processo urgente para este tipo de
processos. E há quem diga, por exemplo a Professora Carla Amaro Gomes, que o
alargamento trazido por esta norma é excessivo, porque ela pergunta se este
alargamento não significa que a partir do momento em que tudo se torna urgente,
desaparecerem os processos urgentes. É uma questão que pretende saber se há ou não
limites para os processos urgentes e se esta previsão lega corresponde a essa situação.
Para se responder a isto tem de se ver o que legislador entendeu tratar-se de um
procedimento de massa. Tem de se tratar de processos relativos à prática ou omissão
de actos administrativos. O legislador restringe o âmbito de aplicação deste
mecanismo a duas condições: O processo tem de ter mais de 50 participantes e só é
aplicável a 3 tipos de situações em que há uma multiplicidade de sujeitos que podem
gerar este tipo de conflito que são: os concursos de pessoal (por exemplo a colocação
166
de professores), um processo de realização de provas (por exemplo as provas de
admissão à faculdade) e os procedimentos de recrutamento.
Pelo que a Professora Carla Amaro Gomes não terá razão na sua preocupação
relativa aos processos urgentes.
Atenção à diferença entre processos de massa e procedimentos de massa. Os
procedimentos de massa têm a ver com a actuação administrativa, os processos de
massas têm a ver com a actividade processual.
Mas este mecanismo processual cumula-se com um mecanismo não urgente
que já estava previsto desde o início deste código e que vem regulado no artigo 48º
que estabelece que sempre que haja um processo que tenha um grande número de
participantes, mais de 10, e que os pedidos e as causas de pedir fossem idênticas
poderia fazer-se seguir o processo que foi intentado em primeiro lugar, os outros
suspendiam-se e ficavam à espera dessa decisão e no final depois de haver a decisão
cada um dos particulares decidiria a titulo individual se queria aderir à sentença que
tinha sido emitida no quadro daquele processo ou se queria que o seu processo
continuasse. Ou seja não é um processo urgente como no artigo 48º porque aqui pode
haver processos em relação a todos os actos. Enquanto que naquele processo que
agora vem regulado como urgente se decidem todos esses casos em conjunto.
Estes processos do artigo 48º ocorrem quando há entre 10 a 49 participantes
porque se forem 50 ou mais aplicam-se os artigos 49º e seguintes e o processo torna-
se um processo urgente.
Pergunta-se se se justifica esta diferença de tratamento num processo com 48
participantes e num processo com 51? Porque do ponto de vista material não há aqui
uma verdadeira distinção. Este regime também introduz aqui uma outra dimensão
aleatória no quadro destes processos de massa. Continua a fazer sentido que nestes
casos haja decisões urgentes e que se apesar de tudo se trata de uma realidade
limitada em termos do objecto que isso ainda caiba no âmbito do Contencioso que
tem processos normais e processos urgentes e uma das razões da urgência aqui tem a
ver com o número de intervenientes no processo.
Depois há o contencioso pré-contratual que resulta do direito europeu. E criou
um mecanismo que visa reagir contra procedimentos em matéria de contratação
pública. E corresponde a uma filosofia da União Europeia que agora depois de 2015
existe verdadeiramente no direito português.
167
Mariana Rodrigues
(Paulo Ramalho)
(Michael-Sean Boniface)
168
O Professor Vasco Pereira da Silva costuma dizer que a melhor forma de
aplicar as normas do CPTA evitando os malefícios que podem decorrer destas regras
ultrapassadas é a de, com algum engenho, utilizar as outras providências para obter
um resultado idêntico. Pensando, por exemplo, no caso das providências não
especificadas do artigo 112º. Cabe, nesse contexto, o poder de intimação, ou seja, o
poder de condenar a Administração a adotar determinadas condutas, que podem, por
si, conduzir a um efeito idêntico ao efeito que resultaria da suspensão da eficácia. Daí
que o Professor proponha e recomende que a melhor forma de evitar esta situação,
que, ainda por cima, tem o inconveniente para os particulares da demora, é utilizar ao
mínimo a suspensão e substituir por outras providências que podem ter efeitos
diferentes, mas um que seja similar ao da suspensão.
Isto surgiu aqui em 2004 e manteve-se em 2015 por via de uma outra
discussão não totalmente compreendida entre nós e que gerou esta polémica. É que
quando nos anos 90 se fez esta reforma e se discutiu acerca das providências
cautelares, houve quem defendesse (como o Professor) que, perante uma situação em
que as providências eram inexistentes, a melhor forma de reagir seria a de inverter o
funcionamento das providências e obrigar a Administração a ir a tribunal pedir a
execução ou a superação dos efeitos que resultassem da situação que deveria ocorrer
automaticamente no momento em que se apresentasse o pedido principal, ou seja,
algo próximo da solução alemã em que o particular, ao impugnar uma decisão, ao
intentar uma ação principal, essa atuação teria como efeito automático a suspensão da
eficácia desse ato, e teria de ser a Administração a ir imediatamente ao tribunal para
pedir ao juiz que ponderasse os interesses do particular e da Administração e
permitisse executar a sentença. Isto introduziria um esquema ao contrário, que
corresponderia a estes 15 dias que aqui surgem, porque a lógica do direito alemão é
que o juiz decida nesses 15 dias. O juiz tem uma obrigação de comparar os interesses
em jogo e decidir sobre aquele caso.
Só que esta decisão, que parecia boa, não foi consagrada. E não tem nada a
ver com esta suspensão automática que resulta de um pedido da providência e que
pode ser ultrapassada sem a intervenção do juiz. A solução alemã é distinta. Mas isto
manteve-se depois da reforma por se pensar que se assemelharia à solução alemã,
mas na verdade são opostas. Se se tivesse adotado o sistema alemão, o que haveria
era a inversão da lógica e o favorecimento da tutela cautelar. O que aconteceria é que
o particular, a partir do momento em que descobria que estava a ser afetado por
169
qualquer forma de atuação, iria intentar uma ação principal e isso teria logo efeito
suspensivo do ato em relação à Administração. Se isso era assim, e se o particular era
beneficiado por este efeito, aquilo que se estabelecia era uma providência cautelar
que funcionava a pedido da Administração e do ré, e esta, no quadro daquele
processo, iria pedir ao juiz que apreciasse aquele caso e decidisse qual dos interesses
em jogo deveria prevalecer. Aquilo que aqui se passa não tem nada a ver. Não se
trata de proteger o particular mas sim a Administração. Trata-se de colocar nas mãos
da ré o poder de decidir se continua ou não a instrução, enquanto a solução alemã
colocava essa decisão nas mãos do juiz. Por isso, a solução portuguesa é inadmissível
no quadro dos interesses em jogo e no quadro da teoria do processo.
O Professor Vasco Pereira da Silva entende que, independentemente das
alternativas e do modo como se organiza a tutela cautelar, é preciso que todas as
iniciativas desta tutela sejam tomadas pelo juiz – isto é uma garantia mínima. Então,
neste caso, a continuação da execução é decidida apenas pela Administração, o que é
violador das regras do processo e não faz sentido no quadro de um Contencioso
Administrativo moderno, compatível com o modelo europeu, e correspondendo à
logica constitucional, um modelo que corresponde àquilo que deveria ser a realidade
dos nossos dias.
Por isso se pode dizer que este mecanismo corresponde a uma distorção grave
do ponto de vista do Estado de Direito. O legislador, na reforma de 2015, teve
consciência disto e procurou limitar estas situações em que a Administração podia
determinar ela própria a continuação da execução. A comissão que realizou a reforma
de 2015 propôs que só seria possível a intervenção da Administração através daquela
decisão com fundamento em casos de urgência e necessidade pública. Isto limitaria
as hipóteses em que a Administração decidia aquele caso sem que houvesse
intervenção do juiz. Isto já ajudaria a resolver os problemas. Mas continuava a
manter-se aquilo que é essencial aqui, que é não ser o juiz a decidir. Reduzir a
situações de urgência e necessidade estaria a limitar-se os poderes da AP mas, ainda
assim, a proposta não foi aceite depois pelo Governo. Portanto não se trata de um
esquecimento da doutrina nem de uma letargia. O Professor diria inclusivamente que
até há agora uma posição unânime entre todos os administrativistas e especialistas em
Contencioso Administrativo no sentido de que isto tem de ser ultrapassado. Há um
consenso quanto a esta necessidade de afastar regras inadmissíveis no quadro da
170
tutela cautelar. Mas não obstante é algo que está cá, que cria este pré-processo
cautelar.
O legislador estabeleceu ainda regras especiais quanto às outras providências
cautelares, como a suspensão da eficácia de normas, mecanismos para o
decretamento provisório de providências, regras em relação a fundação de contrato e
ao pagamento de quantias.
Outra questão importante neste contexto é a de saber qual a natureza jurídica
desta providência cautelar. Isto porque uma das razões pelas quais durante muito
tempo não houve tutela cautelar no Contencioso Administrativo teve a ver com os
traumas da infância difícil que instituíram um contencioso de mera legalidade. Aqui,
quando se decide sobre providências cautelares, não se decide sobre a lei. Aquilo que
se exige é apenas a presunção do direito, não se decide se o particular tem direitos.
Acredita-se no que o particular alega e decide-se em função dos prejuízos de cada
parte, ou seja, é uma decisão de mérito.
O juiz pondera os interesses e os prejuízos em jogo e vê quem é mais afetado,
para depois ver como decide. Não é uma análise da lei que está aqui em causa, isso
será feito mais tarde, no processo principal. Por isso é uma realidade que durante
muito tempo era difícil de admitir, o que explica como só na transição do século XX
para o século XXI é que em todos os países europeus surgiu esta regulação da tutela
cautelar. Este era o último reduto de uma realidade que tinha deixado traumas até aos
nossos dias e uma realidade que dizia que o que estava em causa era apenas a
legalidade, quando o que estava em causa era o mérito da questão. Abrem-se as
portas para que os tribunais possam introduzir algum controle do mérito das decisões.
A continuar esta evolução e este aperfeiçoamento do DA, o Professor diria que no
futuro haja algumas sentenças no âmbito da jurisdição de mérito que já não sejam
providências cautelares nem de execução que permitam algum controle direto de
mérito. O mérito indiretamente é sempre controlado através da legalidade e dos
princípios jurídicos, mas é possível sustentar no futuro que possa haver controlo
direto do mérito.
Rogério Soares foi o primeiro a sustentar esta ideia no livro Interesse público,
legalidade e mérito. Admite este autor a possibilidade de haver controlo direto do
mérito das decisões. Algo que no futuro poderá vir a ter consequências no quadro da
organização do Contencioso Administrativo, o que pode até ser importante para a
tutela dos direitos dos particulares.
171
Mas deixando esta visão e pensando na realidade atual do Contencioso
Administrativo: há um outro problema que resulta de uma boa intenção do legislador
mas que não terá sido aplicada nem aproveitada da melhor maneira, introduzindo um
efeito nefasto no quadro dos processos e alguma morosidade no âmbito do processo.
É que o legislador resolveu considerar (isto foi admitido no Contencioso
Administrativo e hoje vale também para o Processo Civil) que quando é apresentado
um pedido cautelar mas já há elementos suficientes para o julgamento da causa, este
processo cautelar pode convolar-se num processo principal e conduzir a uma decisão
que seria antecipada acerca do mérito da causa.
Em abstrato parece não haver nada a dizer, porque aparente ser uma forma de
simplificar as regras processuais e de introduzir uma maior solenidade no julgamento
das questões do processo administrativo e processo civil também.
Mas em concreto a aplicação prática desta regra, conduziu à subversão da
distinção em processo cautelar e principal e a uma maior morosidade dos processos,
pois o particular, em vez de apresentar apenas o pedido cautelar e depois principal,
vai incluir no processo cautelar tudo o que deveria colocar no pedido principal,
apresentando-se pedidos cautelares com milhares de páginas. Mais, podem também
ser pedidos pareceres para o processo cautelar, o que não tem sentido. Se há este
movimento por parte dos advogados, que concentram no processo cautelar aquilo que
deveriam guardar para o processo principal, depois há o prolema contrário do lado do
juiz porque tem prazos curtos para decidir; se tem que ler 1000 páginas
correspondentes ao processo cautelar com materiais relativos ao processo principal,
então vai dizer que não tem tempo para cumprir os prazos. Aquilo que ali está
consagrado nas centenas de páginas corresponde a algo sobre o qual não tem de
decidir. Então, os processos cautelares tornaram-se verdadeiramente mastodônticos e
isto contribui para tornar mais morosa a justiça administrativa.
Para reagir contra isto, o Professor Vasco Pereira da Silva diria que a única
forma de permitir que o juiz possa cumprir a sua missão e que decida em tempo útil a
providência cautelar é que o juiz diga que só ponderou as coisas relevantes para a
providência, isto é, que o juiz se recuse a ler aquilo que diz respeito ao pedido
principal; juiz pode escolher, porque as outras coisas estão lá para empatar, na
esperança de que o juiz decida o processo principal.
Esta solução acontece muito raramente. Por causa de uma possibilidade (que
quase nunca acontece) de haver elementos suficientes na providência que permitam
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logo decidir o processo principal, introduz-se uma entorse no processo. Então é
legítimo que o juiz, na decisão cautelar, não pondere os argumentos que dizem
respeito ao processo principal. Concentre-se apenas na ponderação dos interesses em
jogo. Não devem os juízes ser obrigados a decidir sobre a questão principal.
Esta regra consagrada gerou no início uma situação de crescimento dos
processos, que se tornaram incomportáveis para obter uma decisão num curto prazo e
ainda muitas petições no quadro do processo cautelar que nem tratavam dos prejuízos
para a parte, preocupavam-se era com a teorização da ilegalidade do ato, do contrato
ou do regulamento. Aquilo que o juiz pode fazer nessas circunstâncias é reduzir a
apreciação que vai fazer aos aspetos relevantes para a determinação dos interesses em
jogo e desconsiderar tudo o resto. Isto é a única forma de permitir que os prazos
curtos resultem.
Esta é, então, outra disfunção dos processos cautelares que tem de ser
salvaguardada para que, no futuro, esta tutela cautelar possa vir a ser efetiva. Já foi
dado um passo grande em relação à realidade que existia há 20 anos; já houve uma
transferência da tutela cautelar, mas ainda não foi suficiente do ponto de vista da sua
efetividade e do modo como ela pode proteger os interesses dos particulares sem por
em causa o interesse público.
Ainda temos de aprender a dar passos no sentido da correção de algumas
disfunções. Estas disfunções do Contencioso Administrativo hoje em dia já se
projetam no Processo Civil, porque a adoção dessa regra também introduziu
disfunções no quadro da tutela cautelar, mesmo se aí, no processo civil, a tutela
cautelar é mais frequentes e de os juízes estarem habituados a lidar com conflitos de
interesses e procurar decidir esses conflitos.
Concluindo, estas regras enquadram-se numa necessidade de transformação
permanente e num domínio que continua em aberto para que, no futuro, o
Contencioso Administrativo se possa vir a aperfeiçoar.
Vera Manoel
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