Você está na página 1de 21

Direitos Humanos

Questões Terminológicas,
Conceito e Características
Principais dos Direitos Humanos
DIREITOS HUMANOS
Questões Terminológicas, Conceito e
Características Principais dos Direitos Humanos
PROF. HENRY ATIQUE

Guia referente à disciplina de Direitos Humanos do


Centro Universitário de Rio Preto, elaborado pelo
Prof. Dr. Henry Atique.

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SÃO PAULO – BRASIL


CENTRO UNIVERSITÁRIO DE RIO PRETO - UNIRP

Halim Atique Junior


Reitor

Manuela Kruchewsky Bastos Atique


Vice-Reitora

Anete Maria Lucas Veltroni Schiavinatto


Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Agdamar Affini Suffredini


Pró-Reitora Acadêmica

Sérgio Luís Conti


Pró-Reitor Administrativo e Financeiro

Ricardo Costa
Pró-Reitor de Educação à Distância
APRESENTAÇÃO ............................................................................... 6

7
1 A eficácia dos direitos humanos e a Constituição
brasileira .................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................ 17

REFERÊNCIAS .................................................................. 18
Direitos Humanos

APRESENTAÇÃO

Bem-vindo ao guia de estudos da disciplina de Direitos


Humanos! Neste guia, estudaremos a questão da eficácia dos direitos
humanos fundamentais e a sua positivação na Constituição brasileira de
1988.

Para que este guia fosse produzido, utilizamos a mais


celebrada doutrina no assunto, no sentido de encorpar o quanto exposto,
mas, ao mesmo tempo, buscando trazer a questão de forma que todos –
sejam ou não da área jurídica – possam refletir sobre o assunto.

A partir deste estudo, poderemos ter, em linhas gerais, um


panorama preliminar sobre o que trata a mencionada disciplina.

Leia atentamente o guia. Esperamos que este texto o ajude


em uma melhor compreensão. Bons estudos!

6
1
1. A EFICÁCIA DOS DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
Ao trabalhar a problemática da eficácia dos direitos humanos,
é importante partir da análise, mesmo que breve, quanto à eficácia e
à aplicabilidade das normas constitucionais em geral, para, depois,
adentrarmos no caso particular da força e do momento de concretização
dos efeitos desses direitos.

Há várias classificações, propostas por diferentes e por


respeitados estudiosos do direito pátrio, todas dotadas de sua relevância
para o estudo em foco. Entre esses, José Afonso da Silva1 desenvolveu
a tese que vem sendo a mais adotada no Brasil, até mesmo porque, na
maioria das vezes, é a opção da maioria da doutrina e do Supremo Tribunal
Federal.

Inicia o referido autor explicando que a Constituição brasileira,


como a maioria das cartas políticas contemporâneas, contém regras de
diversos tipos, função e natureza, por postularem finalidades diferentes,
mas coordenadas e inter-relacionadas entre si, formando um sistema de
normas que se condicionam reciprocamente. Algumas delas são plenamente
eficazes e são de aplicabilidade imediata; outras são de eficácia reduzida,
aplicáveis até onde possam, dependentes de legislação que lhes complete
o sentido e fortaleça a sua incidência.

Toda Constituição nasce para ser aplicada, mas só é aplicável


na medida em que corresponde às aspirações socioculturais da comunidade
a que se destina; nenhuma, porém, pode sair totalmente completa, de uma
vez, da autoridade constituinte e toda armada. Muitas de suas normas
precisam ser regulamentadas por uma legislação integrativa posterior que
lhes dê execução e aplicabilidade total; entretanto, é um erro pretender
que certas disposições constitucionais, só porque não têm uma eficácia
positiva direta e imediata, não sejam normas jurídicas, e normas jurídicas

1 Aplicabilidade das normas Constitucionais, p. 44-166.


7
Direitos Humanos

constitucionais, desde que a própria Constituição não tenha estabelecido


distinções expressas, como ocorria na Constituição do Império.

Uma norma somente será aplicável, se tiver eficácia. A eficácia


é a potencialidade, a força da norma, e sua aplicação é a concretização.
Se a norma não dispõe de todos os requisitos para a aplicação aos casos
concretos, falta-lhe eficácia e não dispõe ela de aplicabilidade. Nesse
passo, eficácia é a capacidade de atingir objetivos, seja para revogar
uma lei anterior, seja para ser concretamente obedecida e aplicada pela
sociedade.

A classificação proposta pelo referido autor parte, em linhas


gerais, da distinção norte-americana de normas constitucionais “self-
executing” e “not-self-executing”. As primeiras são as autoaplicáveis (ou
autoexecutáveis), determinações que, para se executarem, não é preciso
constituir ou designar uma autoridade, nem criar ou indicar um processo
especial, estando o direito instituído armado por si mesmo, pela sua própria
natureza. As outras são as não autoaplicáveis (ou não autoexecutáveis),
as que não se revestem dos meios de ação essenciais ao seu exercício,
estando os direitos que outorgam ou os encargos que impõem à mercê de
que a legislatura ou os órgãos administrativos, segundo o seu critério, os
habilitem a serem exercidos.

Cumpre frisar, todavia, que a classificação pura e simples


das normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis não
corresponde à realidade das coisas e às exigências da ciência jurídica, pois
todas as normas constitucionais são dotadas de força imperativa, ditada
pela soberania nacional ou popular. Cabe dizer, então, que não há norma
constitucional alguma destituída de eficácia.

É dessa premissa que José Afonso da Silva parte quando


oferece sua classificação, dizendo haver na Constituição três tipos de
normas quanto à eficácia e aplicabilidade: a) normas de “eficácia plena”
(aplicabilidade direta, imediata e integral); b) normas de “eficácia contida”
(aplicabilidade direta, imediata, porém não integral); e c) normas de “eficácia
limitada ou reduzida” (aplicabilidade indireta, mediata e reduzida).

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que,


desde a entrada em vigor da Constituição, produzem ou têm a possibilidade

8
Direitos Humanos

de produzir, todos os seus efeitos essenciais, relativamente aos interesses,


aos comportamentos e às situações que o legislador constituinte, direta
e normativamente, quis regular. Incidem diretamente sobre os interesses
a que o constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade
imediata, pois dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua
executoriedade. “São normas fortes, quanto à sua eficácia, não podendo
ser enfraquecidas quer pelo legislador ordinário, quer pela Administração
Pública”.2

São de eficácia plena as normas constitucionais que: a)


contenham vedações ou proibições; b) confiram isenções, imunidades e
prerrogativas; c) não designem órgãos ou autoridades especiais a que
incumbam especificamente sua execução; d) não indiquem processos
especiais de sua execução; e e) não exijam novas formas legislativas que
lhes completem o alcance e sentido ou lhes fixe conteúdo, porque já se
apresentam suficientemente explicitas na definição dos interesses nelas
resguardados. Os exemplos de normas de eficácia plena na Constituição de
1988 são os mais variados, de modo que, em uma rápida leitura de seu texto,
encontramos uma série delas, tais como, simplesmente exemplificando (já
que se tratam da maioria das normas), as constantes dos artigos 1º, 21, 25
a 30, 48, 49, 51 e 52, 70, 71, 84 e 101, 122, 145, 153, 155 e 156.

Normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em


que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos
à determinada matéria, mas deixou margem à autuação restritiva por
parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a
lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. São
normas que, em não havendo legislação infraconstitucional integradora,
possuem eficácia total e imediata, podendo, no entanto, ter seu campo de
abrangência restringido por lei. “São normas fortes, quanto à sua eficácia,
mas que podem ser reduzidas pelo legislador infraconstitucional.”3

São características das normas de eficácia contida: a) em


regra solicitam a intervenção do legislador ordinário; b) enquanto o legislador
ordinário não expedir a normação, terão eficácia plena (nisso se diferem das

2 Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de direito
constitucional, p. 19.
3 Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior. Ob. cit., p. 20.

9
Direitos Humanos

de eficácia limitada); c) são de aplicabilidade direta e imediata; d) algumas


dessas normas já contêm um conceito ético juridicizado (bons costumes,
ordem pública, etc.); e e) sua eficácia poderá ser afastada pela incidência
de outras normas constitucionais (exemplo: estado de sítio e estado de
defesa). Como exemplos de normas de eficácia contida, temos o art. 5º,
inc. VIII e inc. XIII, o art. 37, inc. I, etc.. Há também normas constitucionais
que servem de contenção da eficácia de outras normas constitucionais,
como no caso do art. 14, § 9º em face do art. 15, inc. IV.

Finalizando essa classificação, têm-se as normas de eficácia


limitada, sendo essas o objeto principal das controvérsias no que toca
à eficácia dos direitos humanos fundamentais. São aquelas que não
possuem eficácia imediata, necessitando de uma norma infraconstitucional
(ação do legislador) ou da ação dos administradores públicos para seu
integral cumprimento. “São, portanto, normas de eficácia fraca, podendo,
no entanto, ser fortalecidas pelo legislador infraconstitucional e pelo
administrador público”.4 Essas subdividem-se em normas definidoras
de princípio institutivo ou organizativo e normas definidoras de princípio
programático.

As normas constitucionais de eficácia limitada de princípio


institutivo têm como característica o fato de indicarem uma legislação futura
que lhes complete a eficácia e lhes dê efetiva aplicação (exemplo: art. 18,
art. 33, art. 113, art. 161). Podem ser impositivas (impõem um comando –
exemplo: art. 33) ou facultativas (não impõem uma obrigação – exemplo: art.
25, § 3º). Como já falamos, elas podem ser aplicáveis, mas sua completa
aplicabilidade depende da promulgação de lei posterior integrativa.

Por outro lado, muitas normas são traduzidas na Constituição


apenas em princípio, como esquemas genéricos, simples programas
a serem desenvolvidos posteriormente pela atividade dos legisladores
ordinários. São essas as normas constitucionais de princípio programático.
São, assim, normas constitucionais por meio das quais o constituinte, em
vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-
se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos
(legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas
das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado.
4 Ibid., p. 21.

10
Direitos Humanos

Na Constituição brasileira, apenas para citar alguns exemplos, temos: a)


normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, tais como o
art. 7º, inc. XI (como a lei já foi feita, deixou de ser programática, concretizou-
se), inc. XX, inc. XXVII, o art. 173, § 4.º, o art. 216, § 3.º e o art. 218, § 4.º;
b) normas programáticas referidas aos Poderes Públicos, como são o art.
21, inc. IX, o art. 48, inc. IV, o art. 184, o art. 211, § 1.º, o art. 215, § 1.º, o
art. 216, § 1.º, o art. 217, o art. 218 e o art. 226; c) normas programáticas
dirigidas à ordem econômico-social, de que são exemplos o art. 170, o art.
193, o art. 196 e o art. 205.

Em resumo, pode-se dizer:

As normas de eficácia limitada antes de


sua complementação pela via integrativa
infraconstitucional produzem os seguintes efeitos: a)
estabelecem um dever para o legislador ordinário; b)
condicionam a legislação futura, com a conseqüência
de serem inconstitucionais as leis ou atos que as
ferirem; c) informam a concepção do Estado e
da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica,
mediante a atribuição de fins sociais, proteção de
valores da justiça social e revelação dos componentes
do bem comum; d) constituem sentido teleológico para
a interpretação, integração e aplicação das normas
jurídicas; e) condicionam a atividade discricionária
da Administração e do judiciário; f) criam situações
subjetivas de vantagem ou desvantagem; g) revogam
a legislação infraconstitucional preexistente que fira
o programa proposto”5.

Nessa breve exposição sobre a problemática da eficácia das


normas constitucionais em geral, verifica-se, dentre outros aspectos, que
todo preceito constitucional é dotado de eficácia jurídica e aplicabilidade,
por menor que sejam (como é o caso das de cunho programático).

As classificações expostas guardam em comum o fato de


não terem dado o destaque merecido ao problema da eficácia dos direitos
humanos fundamentais, seja porque construídas anteriormente ao advento
da Constituição Federal de 1988 (e anteriormente inexistia dispositivo
5 Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior. Ob. cit., p. 22.

11
Direitos Humanos

similar ao consagrado no art. 5.º, § 1.º6), seja por mera opção didática ou
científica. Destarte, o tema mantém-se atual, já que, no que toca a sua
relevância, parece inexistir controvérsia7.

Trata-se de tema dos mais polêmicos no âmbito do direito


constitucional, já que, na doutrina pátria e mesmo no direito comparado,
ainda não se alcançou consenso no que diz ao significado e ao alcance do
preceito em exame. Não cabe aqui esgotar o assunto, apenas tecer alguns
breves comentários em razão de sua importância dentro do tema.

Preliminarmente, deve ser superada a questão da abrangência


da norma, já que o confronto do texto com a localização do dispositivo
na Constituição poderia levar à dúvida se é aplicável a todos os direitos
fundamentais ou se é restrito aos direitos individuais e coletivos do art. 5.º
da Constituição de 1988.

A localização do dispositivo, então, poderia sugerir que a


norma do art. 5.º, § 1.º tem aplicação apenas aos direitos individuais e
coletivos, pois a eles segue-se; entretanto, como diz Ingo Wolfgang Sarlet8,
esse ponto de vista não corresponde à expressão literal do dispositivo
que, da mesma forma que na epígrafe do Titulo II da Lei Maior, utiliza a
expressão “direitos e garantias fundamentais”; dessa forma, revela que,
“mesmo em se procedendo a uma interpretação meramente literal, não há
como sustentar uma redução do âmbito de aplicação da norma a qualquer
das categorias específicas de direitos fundamentais consagradas em nossa
Constituição”.

Além disso, chega-se à mesma conclusão ao interpretar


o dispositivo sistemática e teleologicamente, no sentido de que parece
claro que o constituinte não pretendeu excluir do âmbito do art. 5.º, § 1.º,
os direitos políticos, os de nacionalidade e os sociais. A toda evidência a
Constituição não estabeleceu distinção dessa natureza entre as categorias
de direitos humanos fundamentais, estando todas, em principio, sujeitas ao
mesmo regime jurídico.

6 CF, art. 5°, § 1°: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”.
7 Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 249.
8 Ibid., p. 254.

12
Direitos Humanos

Por essas razões e por não encontrar qualquer óbice no


texto constitucional, a mais autorizada doutrina9 sustenta a aplicabilidade

2
imediata de todos os direitos humanos fundamentais na Constituição da
República brasileira, seja dos constantes do catálogo do art. 5.º ao art. 17,
seja dos esparsos pelo texto e os constantes dos tratados internacionais.

De outro lado, as maiores dificuldades surgem, quando se


analisa a questão do significado e o alcance do art. 5.º, § 1º, da CF para as
variadas categorias de direitos humanos fundamentais, destacadamente
no que concerne à questão de sua eficácia e aplicabilidade. O embate que
se verifica na literatura jurídico-constitucional revela a falta de um juízo
seguro sobre o tema.

As posições tomadas oscilam de extremo a extremo, desde os


que, em uma ponta, adotando um posicionamento mais tímido, sustentam
que o princípio da aplicabilidade imediata não pode atentar contra a natureza
das coisas, ou seja, não pode prevalecer em face das características
normativas e estruturais de determinados direitos fundamentais, de tal
sorte que boa parte deles só alcançaria sua eficácia nos termos da lei10, até
os que, na outra ponta, defendem a ideia pela qual até mesmo as normas
puramente programáticas podem ensejar, em virtude de sua imediata
aplicabilidade, o gozo de direito subjetivo individual, independentemente
de concretização legislativa11.

Ao menos, no intuito de compreender, de forma geral, o


sentido que pode ser atribuído ao dispositivo em comento, podemos afirmar,
certamente, que o constituinte de 1988 pretendeu evitar um esvaziamento
dos direitos fundamentais, impedindo que “permaneçam letra morta no
texto da Constituição”.12
9 Flávia Piovesan. Proteção judicial contra omissões legislativas, p. 90. Também
Clèmerson Merlin Clève. O desafio da efetividade dos direitos fundamentais
sociais, in Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, vol. IV, p.
295. Ainda, Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 255.
10 Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A aplicação imediata das normas
definidoras de direitos e garantias fundamentais, in Revista da Procuradoria-
Geral do Estado de São Paulo n. 29, p. 35 e ss.
11 Eros Roberto Grau. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 322 e
ss.
12 Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Ob. cit., p. 38. Também, Ingo Wolfgang
Sarlet. Ob. cit., p. 256.

13
Direitos Humanos

Celso Ribeiro Bastos13 posiciona-se de maneira intermediária,


ao sustentar que os direitos humanos fundamentais são, na medida do
possível, diretamente aplicáveis, salvo quando a própria Constituição
remete expressamente ao legislador o dever de concretizá-los ou quando a
norma de direito humano fundamental não contiver os elementos mínimos
necessários que lhe assegurem a aplicabilidade, no sentido de que não
possui carga normativa suficiente à geração de todos os seus efeitos sem
que seja necessário o Judiciário assumir a posição reservada ao legislador.

As normas programáticas exercem importante função na ordem


constitucional, atuando como verdadeiras válvulas de natureza ideológica.
Resultam dos compromissos políticos estabelecidos para atender aos
anseios dos muitos grupos que participaram do momento constituinte14;
assim, mesmo que mereça respeito, não há como prevalecer a tese de que,
pelo fato de haver norma expressa consagrando a aplicabilidade imediata
dos direitos fundamentais e de terem sido criados instrumentos processuais
aptos a combater a omissão por parte do legislador e dos demais órgãos
estatais (o mandado de injunção – art. 5º, inc. LXXI – e a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão – art. 103, § 2º), inexistiriam normas
programáticas na Constituição de 1988.15

Aliás, na verdade, a previsão das referidas ações contra a


omissão inconstitucional reforça a existência de normas na Constituição que
dependem de interposição do legislador, de modo que é tal circunstância a
própria razão de ser dos instrumentos citados que se encontram, então, a
serviço da efetividade das normas constitucionais16.

Ainda, há que se ter em mente a circunstância de que as


Constituições em geral, inclusive a brasileira, podem ser consideradas
como um sistema aberto de regras e princípios17; assim, não se pode negar
a existência, em larga escala, de normas que, em virtude de sua natureza,
reclamam atuação concretizadora dos órgãos estatais, especialmente do

13 Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins. Comentários à


Constituição do Brasil. Vol. II, p. 393.
14 Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos. Normas programáticas –
análise político-constitucional, in Revista de Direito Público n. 86, p. 143.
15 Eros Roberto Grau. Ob. cit., p. 322 e ss.
16 Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 258.
17 José Joaquim Gomes Canotilho. Ob. cit., p. 171 e ss.

14
Direitos Humanos

legislador, sem negar, contudo, eficácia e aplicabilidade (inclusive imediata)


a essas normas18.

Advirta-se, nesse sentido, que se trata de grande equívoco


considerar o mencionado preceito como inexistente ou como destituído de
conteúdo, pois, nesse caso, não existiriam diferenças relevantes entre os
direitos humanos fundamentais e os demais dispositivos constitucionais.

O outro extremo, em que se situa a posição que reza serem


todos os direitos humanos fundamentais, por força do art. 5.º, § 1.º, da CF,
considerados normas diretamente aplicáveis a alcançar sua plena eficácia,
independente de qualquer ato integrador ou concretizador, também deve
ser vista com ressalvas. Tenha-se em mente que a remoção de lacunas
pelos órgãos judiciários, mesmo que podendo ser aceita em diversas
hipóteses, encontra certas barreiras (especialmente no que concerne
aos direitos humanos fundamentais sociais de natureza prestacional) que
impedem que se possa acolher de forma absoluta a solução proposta pelos
que militam pela tese da eficácia total.

Pertinente, assim, aplicar para a discussão em pauta a máxima


aristotélica de que aquilo que é virtuoso, louvável, correto e o bem está no
meio termo19, no sentido de que uma solução de natureza intermediária
apresenta as melhores possibilidades de afirmação e realização prática;
portanto, levando-se em conta a distinção das normas constitucionais
quanto à sua eficácia, a conclusão é que a melhor exegese do art. 5.º, § 1.º,
da CF parte da premissa de que a norma veiculada é de cunho claramente
principiológico, considerando-a, portanto, uma espécie de mandado de
otimização que estabelece aos órgãos estatais o dever de reconhecer tanta
eficácia quanto possível for aos direitos fundamentais, o que dependerá do
exame da hipótese em concreto.

Eventual exceção, para ser legítima, deverá ser


necessariamente fundamentada e justificada. Desta feita, na esteira do que
afirma Eduardo García de Enterría20, o aludido dispositivo da Constituição
brasileira representa um “plus” agregado às normas definidoras de direitos
humanos fundamentais que justamente tem a finalidade de ressaltar sua
18 Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 259.
19 Cf. Ética à Nicômaco, p. 42.
20 La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, p. 73.

15
Direitos Humanos

aplicabilidade imediata, independentemente de medida concretizadora.


“Negar-se aos direitos fundamentais esta condição privilegiada significaria,
em última análise, negar-lhes a própria fundamentalidade”21.

Veja-se que o disposto no § 1.°, do art. 5.°, da Constituição


de 1988 vem justificando um crescente ativismo judiciário, decorrente
do compromisso do Estado com os direitos humanos fundamentais,
implicando, assim, no reconhecimento da possibilidade de surgirem direitos
subjetivos diretamente da Constituição, independentemente de qualquer
regulamentação22. Citem-se, como exemplos, as importantes decisões do
Supremo Tribunal Federal quanto à proibição do nepotismo23 e da efetivação
do direito de greve dos servidores públicos24.

Por fim, é importante considerar que a defesa de um direito


individual vai muito além da tutela dos interesses das partes envolvidas, já que,
quando o direito de um indivíduo é violado, toda a sociedade é aviltada com
isso. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário
nº. 201.819/RJ, reconheceu a incidência dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares, no que se chama de “horizontalização dos
direitos fundamentais”, em contraponto à verticalização que se dá na
relação entre particulares e Estado. Com esse reconhecimento de que
as relações privadas também devem observar a incidência dos direitos
humanos, abrem-se infinitas possibilidades de releitura da legislação civil e
empresarial, em uma verdadeira constitucionalização do direito privado25.

21 Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 266.


22 George Marmelstein. Curso de direitos fundamentais, p. 296-297.
23 ADC n° 12/2005, Relator Ministro Carlos Ayres Britto.
24 M.I. n° 712/PA, Relator Ministro Eros Roberto Grau.
25 Daniel Sarmento. Direitos fundamentais e relações privadas, p. 228.

16
Direitos Humanos

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse guia, estudamos a questão da eficácia dos direitos


humanos fundamentais e a sua positivação na Constituição brasileira de
1988.

Em um próximo estudo, faremos uma abordagem mais


especificamente relacionada à questão dos tratados internacionais de
direitos humanos e, posteriormente, sobre como esses direitos foram
positivados na atual Constituição brasileira, em busca de continuar a
desenvolver a temática da presente disciplina.

17
Direitos Humanos

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro


de Estudios Constitucionales, 2001.

ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de


direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003.

ARENDT, Hannah. A condição humana. 10ª ed.. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 2002.

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Bauru: EDIPRO, 2002.

BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à


constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). São Paulo:
Saraiva, 1989. v. 2.

BOBBIO, Norberto A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:


Malheiros, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da


república portuguesa anotada. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da


Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação


do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais
programáticas. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2001.

18
Direitos Humanos

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da


Constituição. 7º ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos


fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. O desafio da efetividade dos direitos


fundamentais sociais, in Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional, vol. IV, p. 295.

ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constitución como norma y el


Tribunal Constitucional. Pamplona: S.L. CIVITAS EDICIONES, 2006.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A aplicação imediata das


normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, in Revista da
Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo n. 29, p. 35 e ss.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São


Paulo: Malheiros, 2007. Ingo Wolfgang Sarlet. Ob. cit., p. 249.

LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de derecho


y Constitución. 5ª ed. Madrid: Tecnos, 1995.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 2ª ed.. São


Paulo: Atlas, 2009.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo


Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 6ª. Ed. São

19
Direitos Humanos

Paulo: Atlas, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação


direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.

SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos


humanos. In: Revista crítica de ciências sociais, n. 48, 1997, p. 11-32.

SANTOS, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo. Normas programáticas –


análise político-constitucional, in Revista de Direito Público n. 86, p. 143.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4ª ed. rev.,


atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de


Janeiro, Lumen Juris, 2004.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5ª ed.


São Paulo: Malheiros, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo:
Malheiros, 2004.

20

Você também pode gostar