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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

DIREITO ADMINISTRATIVO I

Hoje, a autoridade ainda é o que explica o Direito Administrativo. Contudo, estamos em posição de dizer que
hoje em dia temos Administração Pública sem autoridade: por exemplo, o ensino público ensina da mesma
maneira e o mesmo que o ensino privado e, por isso, não goza de autoridade. De acordo com a teoria
dominante, o que aconteceria neste caso é que se deveria aplicar direito privado, uma vez que não existe
autoridade. Esta é uma questão que vai trazer problemas em situações práticas.

O direito privado está hoje colonizado pelo direito administrativo, ainda que o contrário também se possa
afirmar.

Se quisermos confrontar a atividade de administrar com a aceção do direito constitucional, enquanto pelo
Direito Constitucional passa a definição das opções primárias de uma sociedade, pelo Direito administrativo
passa a concretização/execução dessas opções primárias. A administração tem assim um papel secundário,
subordinado no executivo ou, visto de outra perspetiva, a administração aparece como um poder
delegado/subordinado de quem é o titular do poder político- a democracia. Um povo atribui o poder que lhe
pertence aos seus representantes e são estes que, em nome da coletividade, administram.

Administrar envolve não só a gestão de recursos (humanos, técnicos, financeiros, materiais, imateriais), mas
também envolve sempre a ideia de planeamento (quem administra estabelece uma linha de conduta), porque
administrar é uma ação planificada. Pressupõe que existam estruturas de decisão, de organização. Pressupõe
ainda a existência de um poder.

Administrar pressupõe responsabilização. Não há poder/autoridade sem responsabilidade. O direito


administrativo vive entre a parede da habilitação/ legalidade (lei que habilita, podendo a administração fazer
apenas aquilo que a lei permite) e a parede da responsabilidade, do prestar contas daquilo que fez e não
deveria ter feito ou daquilo que não fez e deveria ter feito.

A administração que vamos tratar é a administração pública, porque também ela é uma administração privada,
uma vez que as empresas privadas também têm uma administração, assim como as pessoas coletivas também
têm estruturas administrativas. O que diferencia então a administração privada da pública?

1- Interesses- os interesses da administração privada são interesses privados que não encontram a sua
origem imediata num título jurídico do poder público e os da pública são públicos dotados de projeção
ou repercussão política. Os interesses públicos são os fins que encontram a sua fonte num título
jurídico do poder público. Numa primeira ideia temos que apenas o poder público pode prosseguir
interesses públicos. Liga-se ainda às necessidades coletivas, que correspondem ao conceito de bem
comum. O bem comum é um conceito análogo ao de interesse público.

Podem existir, no entanto, interesses públicos prosseguidos por entidades privadas- exercício privado de
funções públicas- um exemplo típico é o caso das entidades concessionárias; mas as entidades públicas só
podem prosseguir interesses públicos.

Pode ainda haver interesses privados prosseguidos por entidades privadas ou de natureza cooperativa a quem
a ordem jurídica reconhece uma relevância social/pública nesses interesses privados, que justifica que lhes
reconheçam utilidade pública administrativa, como é o caso das instituições particulares de solidariedade
social (IPSS), os bombeiros voluntários, as misericórdias, que são entidades de estrutura privada. Nem sempre
é fácil, por isso, distinguir a fronteira entre a administração privada e a administração pública.

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Critérios que permitem distinguir a atuação da administração pública da da administração privada:

1. Critério teleológico- qual o fim. A administração privada visa prosseguir fins da administração privada,
e a administração pública interesses da administração pública.

2. Ordenamento regulador- a atividade da administração privada é regulada pelo direito privado, a


atividade da administração pública é regulada pelo direito administrativo, tendencialmente mas não
só.

3. Existência de dois princípios radicalmente distintos- por um lado, o princípio da legalidade ou da


competência, por outro lado, o princípio da liberdade. A atuação privada rege-se por um princípio de
liberdade- é lícito tudo o que não é proibido. A administração pública rege-se pelo princípio contrário,
o da legalidade ou da competência- só pode fazer aquilo que a lei explicitamente permite. No silêncio
da lei, a administração pública nada deve fazer- só é lícito o que é permitido.

4. Critério dos desvalores regra- quando alguém age em sentido contrário à lei. Em direito privado, um
negócio jurídico contrário à lei é nulo. A anulabilidade no direito privado é a exceção. No direito
administrativo passa-se o contrário: o desvalor regra é a anulabilidade, quando a administração age
em sentido contrário à lei e a lei não explicita que naquele caso é nulo, o silêncio da lei equivale a dizer
que naquele caso o desvalor é a anulabilidade, significando que se a atuação da administração
considerada anulável não for “destruida” durante um determinado prazo, a sua atuação consolida-se
na ordem jurídica. A nulidade é, por isso, a exceção.

5. Tribunais competentes- no âmbito da administração privada, os litígios resolvem-se nos tribunais


cíveis/comuns; os litígios existentes no âmbito da administração pública resolvem-se nos tribunais
administrativos. Enquanto que os litígios envolvendo a aplicação do direito privado têm como
instância superior o Supremo Tribunal de Justiça, os litígios envolvendo a aplicação do direito
administrativo têm como instância superior o Supremo Tribunal Administrativo.

Por fim, quanto à distinção entre administração privada e administração pública, há que ter em atenção a
flexibilidade das fronteiras. O legislador tem a liberdade, nos termos da Constituição, de poder definir a
fronteira entre as necessidades coletivas satisfeitas por entidades públicas ou as necessidades coletivas que
são de satisfação pelo setor privado. Isto significa que o legislador tem nas mãos a possibilidade de definir a
fronteira entre a atividade da administração pública e a atividade da administração privada. Um exemplo de
um instrumento através do qual o legislador pode flexibilizar as fronteiras é a situação de parcerias público-
privadas; nesse caso, as entidades públicas procuram captar capitais privados para empreendimentos
públicos. Outro exemplo típico são as privatizações e as nacionalizações.

Há ainda zonas mistas, em que a mesma necessidade é satisfeita por entidades públicas e entidades privadas,
como é o caso dos contratos de associação das escolas. É uma forma de o Estado satisfazer a necessidade
coletiva da educação através de entidades privadas.

O direito que regula a Administração Pública é sempre o direito administrativo? Deve falar-se em direito
administrativo ou em direito da administração pública?

o Historicamente, sempre existiram desde o período do direito romano e até antes normas que
impunham a organização dos ofícios públicos, de quem podia decidir determinadas matérias. O que

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tem a ver com a estrutura orgânica do poder é direito administrativo. Ou seja, o direito administrativo
é inerente à estrutura do Estado.

o Foi com a revolução francesa que, em França se entendeu que surgiu o direito administrativo, porque
até à revolução francesa a ideia base era de que havia normas que definiam as estruturas orgânicas
de decisão, mas elas decidiam de acordo com o direito comum. A revolução francesa veio pensar
nisto: importa criar um direito que seja próprio do poder executivo, que atente às especificidades
dos revolucionários, porque o direito comum manda tratar todos com igualdade e os revolucionários
não queriam que o direito comum aplicado pelos juízes formados pelo antigo regime sejam eles a
aplicar as normas que eles, revolucionários, queriam aplicar. Desta forma, foi criada em França esta
“engenharia jurídica”: para os franceses, julgar a administração ainda era administrar. Se julgar a
administração ainda é administrar, não podem ser os tribunais a julgar os atos da administração e,
assim, quem vai julgar a administração? A solução foi, em França, que a própria administração a julgar
e surge, neste sentido, que quem julga a administração não são os tribunais com poder judicial, mas
são órgãos da própria administração. Surge assim, em França, a situação em que não só a
administração se julga a si própria, como o conselho de estado vai ele próprio criar um direito próprio
para regular a administração. E deste modo, a Revolução Francesa acaba com a separação de poderes.
Concluindo, em França, o direito administrativo surge criado pela administração, aplicado pela
administração e julgado pela administração, de forma a diminuir os direitos dos cidadãos, uma vez
que deixam de estar sujeitos ao direito comum.

o No século XX, a Administração foge para o direito privado, mas foge não para recuperar a igualdade
e recuperar mais direitos dos cidadãos, mas sim para fugir às vinculações que nos últimos 150 anos
foram sendo criadas. O direito administrativo é hoje um campo de batalha entre as prerrogativas de
autoridade da administração sempre justificadas em nome do interesse público e os direitos e as
garantias dos cidadãos.

Durante a Revolução Francesa, foi-se criando um Direito que criasse soluções diferentes do direito
comum/privado, o direito administrativo.

A administração veio, no séc. XX, fugir para o direito privado, mas esta fuga não é para tratar os particulares
com igualdade, mas para fugir às obrigações a que estava adstrita anteriormente. Isto veio colocar um
problema: então como ficam os particulares perante a administração?

As normas administrativas vinculam toda a atuação administrativa. Há também princípios constitucionais


(266º) que vinculam todo o agir administrativo. Daqui se conclui que o direito privado que a Administração
aplica não é igual ao direito privado que os particulares aplicam entre si, pois o outro é um direito privado
publicizado pela Administração.

Deve então falar-se em direito administrativo ou da Administração Pública? Nem todo o direito que regula a
administração é direito administrativo.

 Como se relacionam? A relação obedece a 3 ideias:

1. O direito administrativo é um dos reguladores da administração;


2. A administração pública não esgota a sua atuação no direito administrativo;
3. O direito administrativo não é único, mas é o direito comum da administração pública. Quando a lei
nada diga sobre o direito que regula a administração, aplica-se o direito administrativo. Há uma
reserva constitucional de direito administrativo, isto é, há matérias que pela constituição nunca

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podem ser regidas pelo direito privado, matérias que são o núcleo essencial do agir administrativo,
que não pode ser objeto de privatização.

 Direito Administrativo- traços caracterizadores:

◊ Atribui poderes de autoridade à Administração, resultando que esta não pode exercer poderes de
autoridade ao abrigo do direito privado.
◊ Atribui posições jurídicas ativas aos cidadãos perante a Administração.
◊ Todos os poderes de autoridade estão sujeitos ao princípio da juridicidade (subordinação à lei).
◊ Todos os poderes de autoridade estão sujeitos ao controlo judicial.
◊ A centralidade do poder.
◊ É um direito que sofreu forte influência francesa mas que tem sido um direito permeável à influência
alemã e do direito da UE.

 Conceitos nucleares do Direito Administrativo:

◊ Da administração pública:

- Interesse Público – é a dimensão teleológica do agir administrativo. O interesse público identifica-se com as
necessidades coletivas que gozam de projeção ou repercussão política, sendo reconduzível materialmente ao
conceito de bem comum, que se identifica com a ideia de “interesse comum a todos”, “utilidade comum dos
cidadãos” que, visando a justiça, tem por base as “necessidades indispensáveis a todos”. O bem comum tem
uma dimensão política (o que é para uns, pode não ser para outros), sendo a sua definição possível a quatro
níveis: pode ser definido pela constituição, por entidades exteriores ao Estado, pelo legislador ou pelo Estado
na sua função administrativa.

Quanto à relação entre a prossecução do interesse público e a dignidade humana:

 Para uns, o bem individual encontra-se subordinado ao bem comum;


 Em sentido inverso, outros entendem que existem bens individuais que prevalecem sobre o bem
comum;
 Há ainda quem entenda que o bem comum existe ao lado do bem individual;
 Há conceções compromissórias/conciliatórias- (266º)- Freitas do Amaral- entre o interesse público e
as posições jurídicas dos cidadãos. Não pode ser interpretado fora do artigo 1º da CRP (PO). O
interesse público não pode ser legitimamente prosseguido quando implica uma lesão da dignidade
humana.

O interesse público também é o limite do agir administrativo- não pode prosseguir outros interesses que não
sejam os interesses públicos. A administração deve prosseguir sempre da melhor maneira possível os
interesses públicos, utilizando os melhores meios, os meios mais convenientes ou adequados a habilitar uma
solução ótima- dever de boa administração.

A definição do que seja o bem comum ou o interesse público a cargo da Administração Pública insere-se num
processo de contínuas alterações resultantes das mutabilidades sociais e das responsabilidades que o Estado,
em cada momento histórico, à luz da subsidariedade, pretende assumir na satisfação das necessidades
coletivas: o interesse público traduz uma opção política, sendo a sua definição condicionada pelo modelo
ideológico refletido a nível político-económico.

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Pluralismo e Conflitualidade

Atendendo à natureza do substrato definidor do bem comum, a ordem jurídica permite recortar quatro
diferentes configurações de interesses públicos:

 Interesses públicos de base territorial: necessidades coletivas protagonizadas e expressas pelas


populações de certas áreas do território nacional- a Administração do Estado, a Administração das
regiões autónomas e a Administração das autarquias locais;
 Interesses públicos de base associativa: necessidades coletivas confiadas ou expressas por associações
de pessoas a quem a ordem jurídica reconhece poderes de autoridade- Administração Pública
associativa (por exemplo, a Ordem dos Advogados);
 Interesses públicos institucionais: necessidades coletivas protagonizadas por entidades que, sem
possuírem uma base territorial ou associativa, assentam numa instituição- Administração Pública
institucional (por exemplo, a Universidade de Lisboa);
 Interesses públicos transnacionais: necessidades coletivas existentes na sociedade internacional e
que, independentemente da sua natureza universal ou regional, são confiadas à prossecução por
parte de organizações internacionais (tradicionais ou supranacionais) e de Estados.

A pluralidade de interesses públicos gera a sua diversidade e esta, por sua vez, constitui alicerce de
conflitualidade se dois ou mais interesses entram em colisão. Por vezes, não é fácil determinar quando há um
interesse público prevalecente:

a) Porque o interesse público pode ter uma dimensão temporal- será legítimo que a geração atual possa
satisfazer as suas necessidades coletivas para lá do razoável, pondo em causa as gerações futuras?

b) Porque há diferentes vias de formar o interesse público- o Estado tem uma visão do que é o interesse
público, e cada autarquia local ou universidade tem uma visão diferente. Há uma pluralidade de
entidades que são chamadas a discutir o interesse público, o que faz com que seja difícil agradar a
todos, gerando uma conflitualidade, que leva a uma colisão de interesses públicos, litígios de natureza
jurisdicional. Muitas vezes cruzam-se interesses privados, aquando a prossecução de interesses
públicos. Assim, as decisões administrativas acabam por quase sempre ser questionadas nos tribunais
porque, se a administração decide a favor de A, haverá sempre alguém que ficará desagradado.

- Vinculação – revela os parâmetros normativos de conformidade orgânica, procedimental-formal, material


e teleológica que a administração tem de seguir, é a linha que tem de respeitar nas suas decisões, nestes
termos:

 Quem decide, tem de ter competência para decidir.


 O procedimento e a forma de decisão é o caminho identificado pela lei.
 É necessário que o conteúdo da decisão seja um objeto válido.
 O fim da conduta vincula a atuação da administração; esta não pode prosseguir fins diferentes
daqueles que a lei permite ou prevê, sob pena de invalidade.

A vinculação pode ter graus diferentes:

» Vinculação Absoluta ou Rígida- desde que nos encontremos diante de normas jurídicas que são regras,
porque ou são cumpridas ou não são, revelando momentos de certeza, segurança e previsibilidade
decisória administrativa.

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» Vinculação Relativa ou Flexível- se tiver como parâmetro subordinante princípios jurídicos,


envolvendo a necessidade de soluções de ponderação ou balanceamento entre diferentes princípios
concorrentes, numa manifestação de momentos de flexibilidade e abertura decisórias da
Administração Pública.

A vinculação não exclui a possibilidade de existirem áreas de discricionariedade. A discricionariedade é a


faculdade que a administração tem de escolher entre várias condutas possíveis, mas ainda vinculada aos
parâmetros da normatividade.

A vinculação pode ser uma vinculação que permita um juízo de legalidade (a decisão foi legal?) ou que permita
um juízo de mérito (essa solução foi oportuna?).

O desrespeito pela vinculação, gerando a invalidade da sua conduta, mostra-se passível de autonomizar as
seguintes figuras:

 Inconstitucionalidade- consubstanciando a violação direta e imediata de normas da Constituição


formal pela Administração Pública, sem qualquer intermediação normativa;
 Ilegalidade- enquanto expressão de um agir administrativo objetivamente desconforme à juridicidade
ordinária;
 Ilicitude- traduzindo um ato de vontade consciente do decisor, expressa uma conduta administrativa
intencionalmente desenvolvida em termos dolosos ou negligentes e contrária à juridicidade.

O desrespeito pela vinculação pode não gerar invalidade (ainda que seja o mais comum), mas sim
irregularidade. Na irregularidade, o desrespeito pela ordem jurídica é sancionado, mas é relativizado e não
gera invalidade.

A violação da legalidade pode ser feita de forma direta ou de forma indireta, que é o caso da fraude à lei.

Há uma pluralidade de fontes de vinculação, de fontes de direito administrativo. Há vinculações não jurídicas,
como normas de natureza ética ou normas de trato social ou técnico científicas.

Os factos também podem vincular a atuação administrativa, através do uso e do precedente.

- Responsabilidade – tem como fundamento o princípio democrático- quem governa tem de prestar contas,
quem decide tem de ser responsabilizado pelo que não decidiu e vice-versa. A responsabilidade é um corolário
do princípio republicano, como modelo de subordinação às leis, baseado na vontade da maioria e num
governo misto. Tem uma exigência de subordinação ao direito e de cidadania. A responsabilidade
administrativa decorre da garantia do Estado de direito democrático.

A responsabilidade pode ter a ver com um juízo de legalidade, relacionado com com a juridicidade do agir
administrativo (cumpriste a lei? Respeitaste a lei?) e/ou pode ter a ver com um juízo de mérito, que tem a ver
com a conveniência, a oportunidade da decisão e se foi ou não cumprido o dever de boa administração. Os
tribunais apenas conhecem da legalidade, não podem conhecer do mérito, que é reserva da administração.

A responsabilidade da administração tem 7 vertentes:

1. Responsabilidade política- os órgãos da administração são responsáveis politicamente. Há


responsabilidade política concentrada (ex: o governo é responsável perante a assembleia) e a
responsabilidade política difusa, que é perante a opinião pública, cujo juízo é mais severo que o da
responsabilidade política concentrada.

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2. Responsabilidade contenciosa- prestar contas perante os tribunais. Certas condutas administrativas


geradoras de um litígio, envolvendo interesses opostos, podem ser submetidas a resolução pelos
tribunais.

3. Responsabilidade civil- quem causa um prejuízo, deve indemnizar. Se a administração, através da ação
ou da omissão, lesou, deve indemnizar.

4. Responsabilidade criminal- há condutas que são ilícitas em termos criminais. Algumas delas são
condutas específicas do funcionário público. A gravidade da ilicitude de certas condutas
administrativas, tipificadas como crimes, faz incorrer o seu autor em pena de prisão ou numa outra
determinada pelo tribunal.

5. Responsabilidade disciplinar- todo aquele que, exercendo a título profissional funções públicas, viola
os deveres inerentes ao exercício dessas funções, cometendo infração disciplinar, pode ser alvo de
sanções que se percutem no seu estatuto como trabalhador.

6. Responsabilidade financeira- quem gere dinheiros públicos está especialmente onerado a prestar
contas em duas modalidades diferentes.

7. Responsabilidade internacional e europeia- a administração também é responsável em termos


internacionais, podendo vir a assumir responsabilidade junto de instituições internacionais (por
exemplo o Tribunal Internacional de Justiça) ou da União Europeia (por exemplo o Tribunal de Justiça).

A responsabilidade pode ser de natureza pessoal, se incidir sobre a pessoa do titular das estruturas orgânicas
da Administração, ou institucional, se cair sobre as entidades ou os órgãos administrativos,
independentemente da pessoa dos seus titulares. Pode ser uma responsabilidade dentro da própria
administração ou pode ser exterior à mesma.

Muitas das normas de direito administrativo são passíveis de subjetivação. Podem ser posições jurídicas de
defesa ou de proteção.

A responsabilidade administrativa mostra-se passível de se efetivar em diferentes cenários:

 Perante a própria Administração Pública- responsabilidade intra-administrativa- por exemplo, a


responsabilidade disciplinar do subalterno perante o superior hierárquico;
 Perante os tribunais- responsabilidade judicial- por exemplo, uma ação contra o Estado junto de um
tribunal judicial, administrativo ou arbitral;
 Perante órgãos políticos- responsabilidade política concentrada- por exemplo, a apreciação pela AR
de atos administrativos do governo referentes às privatizações;
 Perante o eleitorado ou a opinião pública- responsabilidade política difusa- por exemplo, a realização
de eleições autárquicas ou o controlo do juiz da subordinação administrativa à vontade popular
resultante de referendo local.

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◊ Dos particulares no seu relacionamento com a administração:

- Relação Administrativa - é sempre um vínculo entre os particulares e a administração. Importa ter em conta
o conceito de relação no vocabulário dos administrados perante a administração uma vez que é a ideia de
subordinação que explica o funcionamento da Administração Pública, pelo menos para os que defendem uma
conceção clássica do Direito Administrativo (como é o caso de PO). Há 3 tipos de relações jurídicas:

1. Relações Gerais de Poder- aquelas que ocorrem pelo simples facto de alguém estar em contacto com uma
ordem jurídica. Por exemplo, um estrangeiro que venha a Portugal não pode dizer que não está sujeito a uma
ordem da Polícia Pública. Há regras que são aplicáveis a todas as pessoas por estarem sujeitas a uma
determinada ordem jurídica. Estas relações podem ser de 4 tipos:

- Relações gerais de poder alicerçadas na Constituição;

- Relações gerais de poder baseadas em ato legislativo e em atos com força afim de lei;

- Relações gerais de poder oriundas de regulamento administrativo;

- Relações gerais de poder provenientes de contrato envolvendo a administração e dotado de efeitos face a
terceiros, designado de “contrato normativo”, “convenção-lei”, “contrato de efeitos regulamentares” ou
“contrato regulatório”.

2. Relações Especiais de Poder- os particulares encontram-se sujeitos a vinculações especiais, que não são
aplicáveis à generalidade dos cidadãos. Verificam-se quando, inserindo-se numa determinada organização
pública, um sujeito está adstrito a um acréscimo de vinculações restritivas da sua liberdade, sendo dotado de
um estatuto especial decorrente de uma conexão mais intensa perante poderes reforçados de intervenção da
administração pública. Por exemplo, quando entramos numa faculdade estamos sujeitos a uma ordem jurídica
especial, aquela própria da faculdade; quem entra num hospital público está sujeito a um determinado
número de regras, como o horário de visitas. Todas estas relações são pautadas pelo direito administrativo.
Também há relações especiais de poder de natureza privada, por exemplo, quando entramos num
supermercado e está afixado que não podemos entrar a comer gelados.

3. Relações Jurídico-Administrativas- vínculo jurídico concreto entre a administração e uma ou mais pessoas
determinadas, envolvendo a definição e regulação de posições jurídicas ativas e passivas entre os respetivos
sujeitos. Pressupõe a determinação dos particulares que, nem sempre tem de englobar uma entidade
administrativa. Não é possível explicar todo o direito administrativo através da figura da relação jurídico-
administrativa. Não há só relações jurídico-administrativas simples, mas também há complexas. Por exemplo,
A pediu uma licença de construção de um hotel à câmara municipal X e a câmara municipal X diz que sim,
defere o pedido. Acontece que o hotel é construído num sítio que vai tirar a vista para o mar de um certo
edifício de apartamentos. Os titulares destes apartamentos resolvem opor-se, o que significa que aquilo que
era uma relação jurídica simples, acaba por se tornar numa relação jurídica complexa.

Há relações administrativas instantâneas, que esgotam a produção de efeitos num só momento, como a
aplicação de uma multa, e de execução continuada que, perdurando no tempo, envolvem um trato sucessivo,
como aquela que está na base de uma reforma ou de um vínculo de emprego público. O objeto das relações
jurídico-administrativas nem sempre é jurídico.

Estas relações podem ser de 3 tipos:

 Relações jurídico-administrativas baseadas num título jurídico válido- fundado numa de duas formas
de expressão de vontade jurídica da Administração Pública: (1) ato unilateral de destinatário
determinado ou determinável; (2) ato bilateral (exemplo: contrato da administração)

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 Relações jurídico-administrativas alicerçadas em título jurídico inválido- gerando a própria invalidade


dos seus efeitos;
 Há ainda relações jurídico-administrativas sem título jurídico, correspondendo a situações de facto,
como em estado de necessidade administrativa.

- Pretensão – conteúdo de um pedido formulado pelo particular à administração. É um ato de vontade pelo
qual alguém pede ou exige algo da Administração ou contra a Administração. É um poder jurídico de realizar
um interesse relevante, envolvendo sempre o demandar de uma prestação. Uma pretensão jurídica tem
sempre por base uma norma. A pretensão pode ser positiva (querer algo) ou negativa (não querer algo).
Quando se pede algo, estamos perante uma pretensão administrativa, quando se pede algo contra a
administração, estamos perante uma pretensão judicial.

Pode ser uma pretensão primária, em que se pede que a administração pela primeira vez tome posição sobre
determinada matéria; na pretensão secundária pede-se que a administração reconsidere sobre uma anterior
decisão jurídica.

Formular uma pretensão não significa uma decisão favorável. Quem pede não quer dizer que tenha direito ao
que pede, mas tem sempre direito a obter uma resposta- existe uma dimensão processual e uma dimensão
substantiva: uma coisa é pedir e ter direito a uma decisão favorável, sendo isto uma pretensão de vertente
substantiva; outra coisa é a dimensão em que se exige que a administração ou o tribunal aprecie aquilo que é
pedido independentemente de ter direito a uma decisão favorável.

A pretensão de natureza substantiva ou material pode encontrar 3 tipos de normas:

1. Normas de natureza impositiva- criam para a administração o dever de deferir, ou seja, o particular
tem o direito subjetivo a uma decisão favorável.
2. Normas de natureza proibitiva- há o dever por parte de administração de indeferir sob pena de
invalidade.
3. Normas de natureza permissiva- nem impõem nem proibem, mas habilitam a administração a
ponderar qual é a melhor decisão e a fundamentar essa decisão.

Quando é que podemos dizer que o destinatário é a administração ou que são os tribunais?

 Sempre que a pretensão se alicerça em razões de conveniência e de oportunidade (juízo de mérito),


só há um destinatário, a administração, uma vez que existe o princípio da separação de poderes que
impede os particulares de formularem junto dos tribunais administrativos pretensões alicerçadas em
razões de mérito do agir administrativo;
 Se as questões são de legalidade, há uma concorrência: tanto pode a administração como os tribunais.
Como se resolve?

Quando está em causa a concretização de prestações de bem estar, a administração é a destinatária


prioritária, só no silêncio da administração ou na sua recusa, a pretensão pode seguir para o tribunal.

Pode ocorrer uma intervenção sobre uma questão de legalidade que o particular desencadeie junto de um
tribunal, e nestes casos, em princípio, a administração deixa de ter a palavra.

Princípio do inquisitório - princípio que rege a administração. A administração não está dependente daquilo
que o particular lhe venha a pedir; pode decidir coisa contrária ou mais ampla daquilo que lhe foi pedido. As
decisões administrativas são revogáveis.

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Princípio do dispositivo - princípio que rege os tribunais. Os tribunais só podem decidir o que é pedido ou nos
termos do que é pedido, isto é, não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi
pedido. As decisões dos tribunais formam o caso julgado.

Na formulação de pretensões junto da administração pública, os particulares podem solicitar duas realidades
distintas:

a) Podem fazer valer posições jurídicas substantivas, referentes a bens que, segundo o entendimento do
autor da pretensão, o Direito material lhes garante, apesar de as condicionar a uma decisão
administrativa conformadora- Pretensão Material;
b) Podem fazer valer posições jurídicas procedimentais que, possuindo natureza instrumental face às
posições substantivas, visam influir no processo de formação da vontade decisória da Administração,
reforçando a sua legitimação- Pretensão de Natureza Procedimental.

Toda a decisão administrativa que incida sobre uma pretensão formulada pelo particular à Administração
Pública- ou, independentemente de ter sido o resultado de uma pretensão, desde que seja uma decisão lesiva
de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares- mostra-se passível de ser objeto de uma
pretensão contra a Administração Pública, a desencadear junto dos tribunais: uma vez que os tribunais são os
últimos guardiões da vinculação das decisões administrativas à juridicidade, as pretensões contra a
Administração Pública requeridas junto de um tribunal são verdadeiras garantias dos particulares.

- Garantias – posições jurídicas de vantagens que os particulares têm em relação à administração, que criam
uma vinculação por parte da administração. São meios de reação ou controlo que a ordem jurídica confere
aos particulares em relação a ações ou omissões da Administração Pública que se considerem violar as
vinculações a que se encontra adstrita.

Podem ter 3 propósitos: para defender os próprios interesses do particular (vertente subjetiva da legalidade),
para a defesa da legalidade em geral (vertente objetiva da legalidade) ou para simultaneamente prosseguir
estes dois objetivos.

As garantias também podem ter por objeto:

 Decisões administrativas sem qualquer dependência de anterior pretensão, tenham ou não conteúdo
normativo, traduzindo condutas oficiosas da Administração Pública;
 Deicsões administrativas favoráveis a pretensões formuladas por terceiros, mas que se mostram
passíveis de produzir efeitos lesivos a outros particulares;
 Decisões administrativas favoráveis ao próprio, desde que entenda que não tenham sido tão
favoráveis quanto expectava que fossem;
 Situações de omissão administrativa indevida;
 Situações de perigo de uma provável decisão ou conduta administrativa lesiva;
 Condutas materiais da Administração Pública lesivas da legalidade objetiva ou de posições jurídicas
dos particulares.

As garantias têm uma postura preventiva, na medida em que procuram evitar ou impedir a adoção de uma
conduta administrativa ilegal, inoportuna ou inconveniente, assim como assumem um papel repressivo
quando, tendo-se já consumado a conduta, procuram remover os seus efeitos, evitar a sua continuação ou
aplicar sanções.

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Nenhum de nós como particular tem o dever legal de denunciar ilegalidades administrativas, esse é um dever
das autoridades. As garantias fazem os particulares participar no controlo da Administração Pública, se assim
entenderem, nunca sendo legítimo a ordem jurídica impor-lhes uma tal obrigação, salvo quando se trate de
um Estado totalitário, transformando-os em “agentes” fiscalizadores ou “polícias” do agir administrativo.

Todos nós temos o direito à não auto-incriminação ou à não auto-denúncia face a infrações públicas. Nos EUA
é o conhecido direito ao silêncio.

Há três grandes grupos de garantias:

 Garantias Políticas- emergem do texto constitucional e são elas: direito de sufrágio, direito de
participação política e na vida pública (faculdade de exigirem ser esclarecidos e informados da gestão
dos assuntos públicos pelas estruturas administrativas ou pelos órgãos políticos encarregues de
exercer a fiscalização da Administração Pública), direito de iniciativa popular, direito de petição,
direito de resistência. Questiona-se se se pode acrescentar o direito à desobediência civil.

 Garantias Administrativas ou Graciosas- garantias face a administração. Garantias de natureza


petitória, que se traduzem num pedido de primeira decisão, garantias impugnatórias, que pressupõe
que exista um outro pedido anterior para que peçam a sua alteração, suspensão ou revogação e
garantia de queixa junto do provedor de justiça, podendo ter por objeto ações ou omissões da
Administração Pública.

 Garantias Judiciais- garantias perante os tribunais do Estado e tribunais arbitrais. Garantia de


resolução definitiva do litígio, a adoção de providências cautelares, que visam uma tutela imediata da
posição jurídica do particular e a execução das sentenças, obrigar a administração a acatar a decisão
dos tribunais.

Para além disto, existem garantias internacionais e garantias europeias, visto que vivemos num mundo
internacionalizado e globalizado, tendo a Administração Pública a seu cargo também a prossecução de
interesses transnacionais.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

A “Revolução Administrativa”

Grandes desafios do século XXI para o Direito Administrativo:

 O desmoronar das grandes certezas administrativas:

A rutura do equilíbrio entre a liberdade e a segurança, com clara prevalência da segurança põe em causa as
certezas dos séculos XIX e XX.

Os últimos anos transformaram a paisagem edílica de uma “Administração Pública serva da lei” e ao serviço
do interesse público, fruto de um longo processo histórico de afirmação de uma legalidade parlamentar e
alicerçada nos postulados de Montesquieu e Rousseau, num campo de batalha diário entre uma pluralidade
de interesses e contra-interesses conflituantes cuja gestão se encontra confiada a uma “Administração Pública
capturada” pelos partidos e/ou por grupos de interesses.

O direito que regula a administração é cada vez mais um direito imperfeito. O mito do século XIX de que o
direito legislativo era o melhor e o perfeito vêm-se desfazendo. Hoje em dia é uma lei que não é clara, que se
baseia muito no “depende”. O recurso a princípios gerais, a cláusulas gerais, a conceitos indeterminados, a
numerações indicativas, vem diminuir cada vez mais os momentos de certeza, sendo cada vez maior o
protagonismo da administração na interpretação da lei.

A conceção oitocentista de uma representatividade política parlamentar homogénea encontra-se subvertida


pela mediação partidária, a proliferação de grupos de interesses e sistemas eleitorais que excluem a
identificação entre eleitores e eleitor.

A transformação e desvalorização do papel do Estado, tanto no plano interno como no plano externo.

 A rutura do modelo tradicional: os principais momentos históricos:

O primeiro momento que despoletou a “revolução administrativa” encontra-se no ataque terrorista aos EUA,
a 11 de setembro de 2001, sendo este o ínicio da hipervalorização da segurança e da relegação da liberdade
para segundo plano;

O segundo momento reside na crise financeira de 2008, que veio colocar em causa as prestações sociais e veio
repensar a noção de bem comum e o papel a conferir ao Estado- retrocesso do Estado social;

Por último, o crepúsculo da tradicional soberania externa dos Estados, num mundo internacionalizado
globalizado, no contexto da UE- o estado expropriado de poderes para o exterior.

 Imperialismo Administrativo:

O direito administrativo tem uma vocação expansionista, nada lhe escapa atualmente. Há uma intervenção
do estado sobre todas as questões da vida humana, não há área do direito que escape ao direito
administrativo. O DIP e o direito da UE nas suas fatias principais são direito administrativo.

O Direito Administrativo convive com terminologia própria distinta dos outros ramos do direito. Por exemplo,
o conceito de propriedade ou de funcionário público (diferente no direito administrativo e no penal). A
diversidade terminológica, a pouca sedimentação e a plasticidade de certos conceitos em Direito

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Administrativo têm gerado, numa tentativa de uniformização ou elucidação aplicativa de diplomas legais, uma
intervenção legislativa multiplicando definições de conceitos administrativos.

O Direito Administrativo é parte da identidade cultural do povo e, por isso, o imperialismo administrativo,
invadindo todos os setores do ordenamento jurídico, nunca pode deixar de ser articulado com uma
preocupação de defesa da identidade cultural de cada Estado: existem traços identificativos no sistema
administrativo de cada Estado que não podem ser adulterados ou desfigurados, sob pena de se perder a
própria identidade cultural de um país.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Fundamentos da Administração Pública

 Bases Jurídicas da Administração Pública

Administração Pública: Ideias Nucleares:

O conceito de Administração Pública revela-se polissémico, sendo possível recortar três sentidos diferentes:

1. É uma atividade- atividade humana, que implica a gestão de recursos que, visando a satisfação de
necessidades coletivas, se destina a prosseguir interesses públicos identificados com o bem comum
da coletividade- Administração Pública em sentido objetivo ou material;
2. É uma organização- a Administração Pública surge identificada com o sujeito, autor ou protagonista
da atividade administrativa, neste sentido compreendendo todas as estruturas orgânicas encarregues
de gerir os recursos tendentes à satisfação dos interesses públicos ou bem comum- Administração
Pública em sentido subjetivo;
3. É expressão de uma autoridade ou poder- tem o poder de definir o direito, de dizer qual é o direito-
autotutela declarativa- é um poder unilateral que tanto pode ser uma definição normativa
(regulamento) como uma definição normativa para o caso concreto (contrato). Em caso de resistência,
de não acatamento, a administração pode utilizar a força para aplicar a sua definição de direito-
autotutela executiva ou privilégio de execução prévia.

Plasticidade das necessidades a cargo da Administração Pública:

A flexibilidade da linha de fronteira entre as necessidades coletivas cuja satisfação se encontra confiada à
Administração Pública ou que se encontra sujeita a formas de administração privada, dependendo sempre de
opções políticas tomadas a montante, gera, independentemente de um possível balancear pendular de
migrações de necessidades coletivas ou da miscigenação de interesses, seis principais efeitos na
Administração Pública:

a) Uma crescente e inevitável dependência política da Administração Pública: a definição jurídico-


positiva do bem comum e dos altos responsáveis administrativos encarregues da sua prossecução
encontra-se nas mãos do decisor político;
b) A Constituição poderá tornar-se fonte reveladora de um conceito material de função administrativa,
servindo igualmente de alicerce habilitador de um modelo de recorte da fronteira entre necessidades
coletivas de satisfação pública e/ou privada;
c) A linha de fronteira quanto ao tipo de satisfação das necessidades coletivas mostra-se sempre
financeiramente comprometida, sabendo-se que um reforço do protagonismo da Administração
Pública envolve um inevitável acréscimo de custos financeiros traduzido no aumento de impostos ou
da dívida pública.

A flexibilidade ou plasticidade das necessidades coletivas a cargo da Administração Pública conhece limites
decorrentes de vinculações constitucionais e internacionais, além de não poder esquecer que existem
necessidades coletivas que, traduzindo o cerne da existência do próprio Estado, nunca podem deixar de
pertencer na sua prossecução à Administração Pública, nomeadamente as necessidades coletivas referentes
à defesa nacional, à segurança do Estado e a administração interna, etc.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

A Administração Pública tem a seu cargo uma multiplicidade de tarefas:

◊ Recolha e tratamento de informações- a decisão administrativa, política e legislativa encontra na


informação revelada o seu pressuposto e condicionamento- a informação dada predetermina o
resultado decisório. A Administração tem de recolher e tratar a informação, que pode ser em áreas
totalmente distintas.

◊ Previsão e antecipação de riscos- entender como é que a informação pode mostrar que há riscos. A
Administração Pública mostra-se especialmente permeável às temáticas da prevenção e da
minimização dos riscos públicos, submetendo a regulação e a controlo diversos domínios de atividade,
desde a segurança alimentar, ambiental, de infraestruturas, dos sistemas informáticos, etc.

◊ Regulação ordenadora- a Administração Pública desenvolve uma tarefa decisória que, baseada em
situações factuais da vida social, se traduz na regulação ordenadora e conformadora de tais situações
(regulação primária) ou de anteriores decisões jurídicas versando sobre tais situações (regulação
secundária). Pode fazê-lo de forma geral ou abstrata, através de regulamentos ou de atos
administrativos, de forma contratual ou unilateral.

◊ Execução de decisões anteriores- a Administração Pública tem o papel que não é apenas passivo, mas
pode ela executar as suas decisões, pode ser chamada a executar a Constituição, a executar a lei ou a
ser chamada a executar decisões judiciais.

A execução administrativa nem sempre é feita por atos jurídicos. Por exemplo, no caso da Catalunha, a
administração só tem que executar a lei e a decisão judicial- serve-se das forças policiais.

◊ Controlo da ação- controlo da sua própria atuação, mas também a atuação de particulares no exercício
de funções públicas, ou também o exercício da atuação privada dos particulares com relevância ou
utilidade pública que, à luz do princípio da proporcionalidade, justifique essa intervenção de controlo
administrativo.

Função Administrativa e Administração Pública

A Administração Pública tem a seu cargo a função administrativa, mas também uma parte da função técnica
e uma parte da função política. Nem sempre as fronteiras são claras entre administrar, legislar e julgar. Há
zonas de certeza positiva (matérias reservadas à esfera do poder legislativo, do poder judicial e do poder
administrativo), de certeza negativa e também zonas cinzentas, em que compete ao legislador a definição das
fronteiras.

A função administrativa diferencia-se quer da função legislativa quer da judicial, porque há um espaço próprio
do agir administrativo- reserva de administração: espaço próprio e exclusivo de intervenção decisória a favor
da Administração Pública, excluído de qualquer imiscuir do legislador e dos tribunais.

 Função Administrativa- vários critérios para a definir, mas PO prefere o critério residual:

É toda a atividade pública que não passa pela produção de atos legislativos nem pelas opções políticas
fundamentais ou primárias nem pela produção de sentença judiciária. As necessidades coletivas cuja
satisfação se insere na função administrativa encontram sempre o seu fundamento num ato jurídico-público
(Constituição, lei, sentença), visando a prossecução do bem comum ou bem estar da coletividade. Na ideia de

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

bem estar encontra-se tudo aquilo que permite dignificar a pessoa humana no contexto da realização dos fins
do Direito- justiça, segurança e liberdade. As tarefas necessária para prosseguir o bem comum são:

a) Ordenação da vida social- por exemplo, a regulação económica ou financeira;


b) Garantia da ordem e da segurança pública- por exemplo, a polícia e a defesa nacional;
c) Realização de prestações sociais- por exemplo, o subsídio de desemprego, o pagamento de reformas,
etc;
d) Obtenção de recursos financeiros- por exemplo, a liquidação e cobrança de impostos;
e) Gestão de meios humanos e materiais- por exemplo, a função pública e o patimónio imobiliário
público.

A função administrativa tem uma fatia da soberania do Estado, fatia essa que está subordinada à Constituição
que conta com a prevalência das decisões judiciais; aos tribunais compete a última palavra na definição de
Direito.

Função administrativa e Poder Administrativo:

Enquanto a função administrativa nos diz os fins da atividade desenvolvida pela Administração Pública, o
poder administrativo, consubstanciando a parcela da soberania do Estado confiada às estruturas integrantes
da Administração Pública, revela-nos os meios tendentes a alcançar esses propósitos- o poder administrativo
encontra-se sempre ao serviço da função administrativa.

O poder administrativo, expressando uma parte da soberania do Estado, goza de uma legitimidade
constitucional em tudo semelhante aos restantes poderes do Estado.

O princípio da separação de poderes garante ao poder administrativo um espaço de intervenção decisória


reservado, imune a “invasões” ou intromissões dos poderes legislativo e judicial. Sendo certo que o poder
administrativo não pode contrariar a lei, a verdade é que a Constituição não exclui que o poder administrativo
possa ir além da lei- o exercício de uma atividade administrativa praeter legem, diretamente fundada na
Constituição, mostra a existência de uma Administração Pública independente do legislador.

Verificando-se que os meios de ação do poder administrativo se encontram dependentes de uma concreta
habilitação normativa, as normas de competência assumem particular relevância na configuração do poder
administrativo: as normas de competência definem o alcance, o sentido e os limites do poder administrativo,
tanto nas suas relações com os demais poderes, quanto na sua organização interna.

 Normas de Competência

A Administração Pública rege-se por um princípio de legalidade/competência. As normas de competência são


aquelas que definemos termos de prossecução do interesse público e estabelecem as condições básicas para
a validade das decisões que habilitam. Há três tipos de normas de competência:

1. Normas que conferem competência- regras ou princípios jurídicos que atribuem poderes de
intervenção decisória à Administração Pública. São de quatro tipos:

- Normas de tarefas ou incumbências públicas- normas que permitem diferenciar entre a esfera de atuação
do poder público e normas que definem a esfera de atuação privada- são as normas que permitem criar dois
hemisférios: o do público e o do privado. O hemisfério do privado é igual a uma reserva da sociedade civil ou
também uma reserva de direitos fundamentais.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

- Normas de divisão ou separação de funções- normas que diferenciam as diferentes funções do hemisfério
público- No hemisfério público encontram-se a função legislativa, a função judicial e a função administrativa.
Quando um órgão destas funções interfere noutra função, dizemos que há usurpação de poderes e esses atos
são nulos.

- Normas de atribuições- exclusivas da função administrativa, definem os fins ou os interesses públicos a cargo
de cada pessoa coletiva de Direito público, passando tais interesses a constituir os fins específicos de atuação
de cada uma dessas entidades.

- Normas de competência em sentido restrito ou sentido rigoroso- são as que definem as competências ou
faculdades de cada órgão dentro de cada pessoa coletiva pública. Por exemplo, o município de Lisboa tem a
câmara municipal, a assembleia municipal e ainda o presidente da câmara municipal. Se a câmara praticar um
ato que é da competência da assembleia municipal, o órgão está ferido de incompetência relativa, sendo este
ato anulável. Outro exemplo, se o presidente da câmara do Porto praticar um ato da competência do
presidente da câmara de Vila Nova de Gaia, o ato é inválido, a título de incompetência absoluta, porque toca
a duas pessoas coletivas distintas.

2. Normas que disciplinam o exercício da competência- regras e princípios que regulam os termos como
os poderes conferidos à Administração Pública se expressam através da prática de atos jurídicos
(normativos ou não normativos) e de atos materiais:

- Normas que fixam os princípios gerais a que deve obedecer a competência- definem o princípio da legalidade
da competência, a norma da irrenunciabilidade da competência, normas que tratam da inalienabilidade da
competência (não pode ser objeto de negócio jurídico), princípio da inconsumibilidade da competência (os
poderes não se extinguem após o seu exercício) e princípio do respeito pela delimitação material, hierárquica,
temporal e territorial.

- Normas que definem os pressupostos para o exercício da competência- se um órgão age pensando que existe
quando na realidade não existe um pressuposto para o exercício da competência, dizemos que há um erro
sobre os pressupostos para o exercício da competência.

- Normas que definem os fins do exercício da competência- dizem que se alguém exerce uma competência
tendo como motivo principalmente determinante desse exercício um fim que não é o fim definido pela lei, há
um desvio de poder- uma violação do fim do exercício da competência.

- Normas que definem os limites materiais ou quanto ao objeto do exercício da competência- por exemplo, a
norma que define que é possível dar subsídios até 2000€; se se der um subsídio de 2500€, é violado o objeto
do exercício da competência. Quando o objeto da decisão é contrário à lei.

- Normas que definem formas e formalidades para o exercício da competência- a tramitação que tem a ver
com as formalidades envolve situações de vício de forma- incumprimento de normas que regulam as
formalidades ou a forma exterior da decisão administrativa.

As decisões administrativas podem ter formas jurídicas e não jurídicas. As decisões não jurídicas
consubstanciam-se em operações materiais, em atos políticos da Administração Pública e em condutas de
natureza informal.

3. Normas que regulam as normas de competência- são normas sobre normas, que têm por objeto
disciplinar as próprias normas de competência. São passíveis de conferir poderes adicionais à
Administração Pública sobre as próprias normas definidoras da sua competência e ainda sobre as

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

normas reguladoras do seu exercício. Por exemplo, as normas que dizem como é que se interpretam
e integram as lacunas nas normas de competência.

A “Revolução” dos Meios:

O exercício da atividade administrativa exige sempre a mobilização de meios, salientando-se os quatro


seguintes principais:

o Meios humanos- uma instituição não pode prescindir das pessoas que lhe dão vida e a fazem
funcionar.
o Meios materiais- o funcionamento da Administração Pública exige um suporte patrimonial, traduzido
em bens (imóveis e móveis) que se encontram afetos à realização do interesse público (ruas, estradas,
bibliotecas públicas, computadores, etc) e ainda em meios financeiros que, conferindo
sustentabilidade aos custos do funcionamento e do agir administrativo, encontram especial expressão
nos impostos e nas taxas;
o Meios organizativos- existência de estruturas funcionais e ordenadas de pessoas físicas que,
integrando o interior das pessoas coletivas que fazem parte da Administração Pública, desenvolvem a
respetiva esfera material de competência, correspondendo aos serviços administrativos;
o Meios privados- a Administração Pública recorre a entidades privadas que atuam no mercado para
obter serviços e bens que, não sendo ela própria a produzir ou a prestar, se revelam indispensáveis
para a satisfação das tarefas a seu cargo.

Os últimos anos têm originado significativas alterações na configuração dos meios da atividade administrativa
e inerentes perplexidades jurídicas:

a) O aumento das necessidades financeiras decorrentes da satisfação de níveis demagógicos do bem


estar social, conduzindo ao estrangulamento fiscal da sociedade, mostra-se suscetível de colocar em
causa a própria sustentabilidade do Estado, por via de défices orçamentais excessivos e do recurso
sistemático ao endividamento público, onerando gerações futuras;
b) A privatização dos serviços públicos, numa verdadeira “liquidação” do setor público empresarial e, por
via da redução de efetivos humanos e de meios financeiros, de diminuição do nível prestacional do
setor público administrativo, visam o redimensionamento de todo o setor público, criando zonas de
Administração Pública mínima.

 Tipologia da Administração Pública: as principais dicotomias:

Esta tipologia centra-se em cinco principais critérios de referência:

i. O direito regulador, traduzindo o grau de adesão ou conformação administrativa ao ordenamento


jurídico que a visa disciplinar;
ii. A estrutura do substrato organizativo da Administração Pública, reconduzida aos elementos que se
encontram subjacentes ao seu modelo de organização;
iii. A atividade desenvolvida pela Administração Pública, identificada com as áreas materiais, tarefas ou
interesses públicos a cargo de prossecução pelas estruturas administrativas;
iv. O procedimento adotado pela Administração Pública;
v. Os efeitos produzidos pela Administração Pública, revelando a configuração dos principais resultados
do agir administrativo.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

i. Direito Regulador:
o Administração de Direito Público- passível de exercer poderes de autoridade, pauta o seu agir pela
aplicação de normas de Direito Administrativo e/ou de outros ramos de Direito público. Esta é a
Administração direta;
o Administração de Direito Privado- tem a sua atividade regulada, normalmente, pelo Direito comum,
não gozando da prerrogativa de exercer poderes de autoridade.

o Administração Vinculada- possui um reduzido espaço de integração autónoma da sua vontade face às
predeterminações da lei, desenvolvendo uma atividade marcadamente subsuntiva das opções
resultantes da normatividade reguladora da sua ação, sem margem criativa ou liberdade de escolha
de pressupostos, soluções, efeitos ou momento decisório;
o Administração Discricionária- administração mais afastada da lei, com uma margem decisória maior,
mas sempre dentro dos limites da normatividade.

o Administração fundada na CRP- encontra o fundamento da habilitação do seu agir ou a regulação da


sua conduta em normas da Constituição- 18º/1;
o Administração fundada na legalidade- encontra no ordenamento jurídico infraconstitucional o
fundamento imediato do seu agir, podendo distinguir-se entre administração fundada na legalidade
externa e na legalidade interna.

o Administração de Exceção- desenvolve a sua atividade em cenários formais ou materiais de estado de


sítio, estado de emergência, ou estado de necessidade administrativa, visando a prossecução de
interesses públicos em circunstâncias extraordinárias;
o Administração de Normalidade- não pressupõe cenários de circunstâncias extraordinárias, pautando-
se pela legalidade habitual ou normalmente reguladora da realidade administrativa.

o Administração Pública formal- aquela que obedece aos trâmites da lei;


o Administração Pública informal- aquela que aproveita a margem dada pela lei e atua à margem da lei:
por exemplo a tolerância perante situações que normalmente não teriam tanta tolerância.

o Administração Pública oficial- aquela que resulta do DR, que é expressão de uma legalidade
publicitada, de conhecimento geral;
o Administração Pública não oficial- aquela que não vem publicada no jornal oficial, como por exemplo
as situações de administração paralela, que sabemos que existe mas relativamente à qual não há uma
transparência, uma visualização, uma publicitação. Em certos Estados, normalmente de matriz
autoritária, há uma administração não oficial que pretende perseguir, aniquilar os inimigos.

ii. Substrato da Administração:


o Governo como órgão administrativo- O governo é o órgão superior da Administração e o órgão de
condução política geral e tem poderes de intervenção sobre toda a restante Administração Pública;
o Restante Administração Pública- não goza de uma posição soberana e encontra-se incumbida de
exercer a função administrativa num plano político-administrativo condicionado ou subordinado.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

o Administração de base territorial- dá expressão aos interesses e aspirações de um agregado


populacional existente num determinado espaço do território nacional, regional ou local;
o Administração de base associativa- tem um substrato assente numa associação- por exemplo, a
ordem de advogados;
o Administração de base institucional- é tudo aquilo que não é territorial ou associação- por exemplo,
a Universidade de Lisboa, a quem a ordem jurídica confere a prossecução de interesses públicos
específicos.

o Administração Central- visa a prossecução de interesses respeitantes a todo o território nacional,


exercendo-os do centro da vida administrativa, a sua capital;
o Administração Periférica- circunscreve a sua atuação a uma zona ou circunscrição delimitada do
território, podendo fazê-lo em termos internos, como o comando distrital da PSP do Porto, ou
externos, como embaixadas.

o Administração Geral- visa a prossecução de interesses comuns a toda a coletividade ou à maioria dos
seus membros na qualidade de cidadãos;
o Administração Corporativa- está em causa a prossecução de interesses públicos relativos a um grupo
ou grupos específicos de pessoas, delimitadas em função da atividade socioprofissional que
desempenham.

o Administração Dependente- o exercício da sua competência está sujeito a vinculações intra-


administrativas, isto é, submetido a poderes de intervenção conformadora e/ou fiscalizadora sobre a
sua esfera decisória, provenientes de outras estruturas da Administração Pública, dotadas de uma
legitimidade política reforçada e de uma supremacia funcional;
o Administração Independente- as estruturas administrativas exercem os seus poderes sem qualquer
sujeição a mecanismos intra-administrativos de intervenção governamental, encontrando-se
exclusivamente vinculadas à legalidade externa.

o Administração do Estado- visa a prossecução do interesse geral da coletividade, encontrando-se


encarregue de exercer as funções de soberania e ainda de implementação das restantes tarefas
fundamentais que a CRP incumbe ao Estado;
o Administração Infraestadual- prossegue interesses públicos de âmbito circunscrito e dentro das
coordenadas resultantes do interesse geral da coletividade- como as RA;
o Administração Supraestadual- prossegue interesses comuns a vários Estados, situados num plano
superior a cada um deles e titulados por entidades dotadas de personalidade internacional- como a
administração da UE.

iii. Atividade desenvolvida:


o Administração Substantiva- desenvolve a sua atividade à luz do Direito material disciplinador do
exercício da função administrativa, regulando direta e imediatamente situações jurídicas da vida
social;

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

o Administração Processual- atividade desenvolvida pelas estruturas administrativas e/ou os seus


mandatários como partes litigantes em processos judiciais ou arbitrais.
o Administração Neutral- administração liberal típica, limitando-se a garantir a liberdade, a segurança e
a propriedade, numa postura abstencionista face à realidade social e económica;
o Administração Intervencionista- insere-se no âmbito de um Estado com preocupações sociais,
assistindo-se à sua intervenção na esfera económica e social, visando garantir a produção e
distribuição de bens essenciais e a prestação de serviços básicos à comunidade.

o Administração Produtora de bens e serviços- típica administração intervencionista do Estado social;


o Administração Reguladora- visa disciplinar o funcionamento do mercado, convocando um
relacionamento triangular entre regulador/empresas/cidadãos.

o Administração Burocrática- tem como objetivo o desenvolvimento de uma atividade administrativa


sem caráter empresarial ou lucrativo, segundo um modelo organizativo e funcional interno de matriz
hierárquica, formal, racional, baseado no conhecimento especializado dos seus funcionários;
o Administração Empresarial- funciona segundo a lógica de uma empresa, produzindo bens e prestando
serviços que coloca no mercado- por exemplo, a CGD e a RTP.

o Administração de Sacrifícios- procura satisfazer a prossecução de interesses públicos por via da


produção de atos impositivos de obrigações, limitando a liberdade e/ou a propriedade dos
destinatários das suas decisões- por exemplo, a administração tributária- típica do Estado liberal;
o Administração de Prestação- envolve a produção de bens e a prestação de serviços aptos à satisfação
de necessidades sociais, procurando uma melhoria das condições de vida dos membros da
comunidade- típica do Estado social.

o Administração de Ordenação- visa regular e garantir a boa ordem da coletividade, evitando perigos
ou a mera suspeita de tal;
o Administração de Infraestruturas- visa conjugar o fornecimento de serviços básicos e o propósito de
alterar a realidade social para além de cada caso concreto, desenvolvendo uma atuação conformadora
ou transformadora.

o Administração Estratégica- setor da atividade administrativa que desenvolve um indirizzo político do


exercício da função administrativa, idealizando, programando e projetando soluções- por exemplo, a
criação de uma linha de TGV;
o Administração de Transformação- procura materializar ou implementar aquilo que anteriormente a
administração estratégica havia formulado, decidindo, realizando, executando e avaliando os seus
resultados.

o Administração Visível- pauta-se pelos princípios da transparência e do arquivo aberto. Na sua


essência, a Administração Pública oficial;
o Administração Invisível- em muito, uma Administração Pública não oficial. Aqui está a atividade de
inteligência e contrainteligência (serviços secretos) e as missões encobertas. Pode ter duas formas de
agir:

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

- Forma clássica- agentes recrutados pelo Estado, pagos por ele e vinculados a ele, mas que não aparecem
como agentes secretos do Estado

- Forma moderna- privatizaram-se algumas dessas tarefas.

o Administração Militar- a cargo das forças armadas, tem como missão principal a defesa nacional contra
ameaças externas;
o Administração Civil- toda a restante Administração Pública.

iv. Procedimento adotado:


o Administração Unilateral- exercício de uma autoridade exclusiva ou unissubjetiva, desenvolvendo a sua
atividade sem o concurso de vontades alheias na formação estrutural ou constituinte da decisão;
o Administração Bilateral- abre-se à participação codecisória plurissubjetiva, assentando na necessidade
de se ajustarem interesses contrapostos através de um acordo de vontades.

o Administração Impositiva- administração tradicional de matriz liberal, que se baseia na imposição


unilateral de condutas, sem ouvir ou integrar mecanismos de participação dos interessados no
procedimento decisório, baseado num modelo relacional baseado na força de quem manda e na
obediência do sujeito passivo;
o Administração Concertada- assenta na valorização da participação dos interessados, em termos
individuais ou integrados em grupos de interesses, na fase preparatória da tomada de decisões
administrativas.

o Administração de Subordinação- supremacia entre o autor de decisões imperativas e os destinatários


vinculados à obediência, tendo o decisor o poder unilateral de exigir um comportamento ao
administrado;
o Administração Paritária- parte de uma configuração do relacionamento entre o cidadão e o Estado
assente numa paridade ou igualdade jurídica, uma vez que ambos se encontram identicamente
subordinados ao Direito.

o Administração Executiva- tem a faculdade de, sem qualquer prévia intervenção judicial, recorrer à
execução coativa em caso de incumprimento- autotutela executiva;
o Administração Judiciária- compreende as situações jurídicas envolvendo a Administração Pública em
que a lei devolve para a esfera do poder judicial a respetiva definição.

o Administração Eletrónica- produto da viragem do séc XX, baseia-se num funcionamento procedimental
e num relacionamento junto dos administrados através de meios informáticos;
o Administração Tradicional ou de Papel- continua a fazer do papel o seu principal instrumento de
desenvolvimento de atividade jurídica e de relacionamento com os administrados.
o Administração Transparente- revela a abertura e a aproximação das estruturas administrativas à
sociedade e aos seus meios de comunicação, informando, acolhendo a participação dos particulares e
permitindo o acesso aos seus arquivos;
o Administração Opaca- dominada por um modelo burocrático, fechado e assente no sigilo.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

v. Efeitos:
o Administração de Assistência- cujos efeitos da sua atuação se têm como favoráveis, conferindo-lhes
novas posições jurídicas ativas, ampliando as já existentes ou removendo restrições e/ou limitações ao
exercício de posições jurídicas ativas tituladas;
o Administração Agressiva- envolve a produção de sacrifícios ou de efeitos lesivos ou desfavoráveis aos
seus destinatários, revogando, diminuindo ou amputando posições jurídicas ativas ou aumentando as
vinculações, por via de reforço das posições jurídicas passivas.

o Administração Constitutiva- exerce uma atividade produzindo a introdução de alterações na ordem


jurídica, segundo um propósito conformador da sociedade ou de simples modificação de uma ou várias
situações jurídicas individuais;
o Administração Declarativa- cuja atividade não introduz alterações na ordem jurídica, limitando-se a
verificar a existência de factos, a emitir um juízo valorativo ou a comunicar o conhecimento de uma
realidade.

o Administração Decisória- procura dar resposta imediata aos interesses públicos a seu cargo,
desenvolvendo uma atividade que visa resolver as questões e os problemas que lhe são colocados,
produzindo uma regulação normativa ou a definição do Direito aplicável;
o Administração Consultiva- desempenha uma função instrumental ou auxiliar relativamente à
Administração decisória, visando ajudar, esclarecer, aconselhar, sob o ponto de vista técnico ou
meramente participativo, a tomada de decisões normativas ou individuais.

o Administração Preventiva- antecipa, procura evitar a produção do dano, do efeito negativo- exemplo,
os agentes infiltrados ou a ordem de limpar as matas antes do Verão;
o Administração Repressiva- procura combater, atenuar os efeitos ou sancionar os efeitos ilícitos já
consumados.

o Administração Interna- desenvolve uma atividade cujos efeitos se esgotam dentro da própria
Administração, nunca entrando em relação direta e imediata com os administrados;
o Administração Externa- exercício de uma atividade geradora de efeitos que, ultrapassando as fronteiras
do espaço intra-administrativo face à sociedade, se repercutem imediatamente na esfera jurídica dos
administrados, colocados em posição de seus destinatários gerais ou individuais.

o Administração Nacional- desenvolve uma atividade que incide sobre situações jurídicas dotadas de uma
eficácia circunscrita ao território nacional, tenha como destinatário portugueses ou estrangeiros;
o Administração Transnacional- exercício de uma atividade que incide sobre situações jurídico-
administrativas que atravessam as fronteiras de um ou mais Estados; efeitos que se geram lá fora e se
produzem cá dentro e vice versa.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Posições jurídicas dos particulares face à Administração Pública:

◊ Posições jurídicas ativas- situações de vantagem ou favoráveis para a satisfação de interesses do


respetivo titular- pressupõem poderes.

Há uma dicotomia que separa o direito subjetivo do interesse legalmente protegido:

- O direito subjetivo é uma permissão normativa de aproveitamento de um bem, há sempre uma norma que
permite a alguém aproveitar um determinado bem. Quem é titular de um direito subjetivo tem o poder de
exigir uma decisão favorável que significa, visto do lado Administração Pública, duas coisas: se o particular
tem o poder de exigir uma decisão favorável, a Administração Pública está vinculada a conceder essa mesma
decisão. Se a Administração Pública está obrigada a conceder, se não o fizer está a agir de forma inválida. Há
aqui uma maior proteção jurídica conferida ao administrado do que sucede em relação ao interesse
legalmente protegido.

Por exemplo, a norma que define que o Conselho Científico admite à preparação a doutoramento quem for
mestre ou, independentemente do mestrado, quem tiver média de licenciatura de 16 valores: estamos diante
de uma típica norma definidora de um direito subjetivo. Todos aqueles que são mestres ou, em alternativa,
forem licenciados com 16 ou mais valores, têm o poder de exigir junto do Conselho Científico ser admitidos à
preparação de doutoramento.

- O interesse legalmente protegido é uma figura residual, é tudo aquilo que não é direito subjetivo. O
particular tem aqui um direito ao procedimento legal; não pode exigir da Administração Pública uma decisão
favorável, mas pode exigir que esta aprecie o seu pedido, respeitando a legalidade na apreciação do pedido.
A Administração Pública aqui goza de um poder descricionário, de poder apreciar à luz do Direito se deve
deferir ou não. Pode haver interesse em obter algo (interesse pretensivo) ou também um interesse em opor-
se a algo (interesse opositivo). Já o administrado, se entender que a Administração Pública não cumpriu ou
não irá cumprir a legalidade na decisão que aprecia a sua pretensão de acesso a um bem, a circunstância de
ser titular de um interesse legalmente protegido atribui-lhe os meios judiciais que lhe permitem exigir esse
respeito junto dos tribunais.

Se o interesse legalmente protegido for respeitado, a Administração Pública apreciará o pedido, dará uma
resposta e, caso tenha sido violado um interesse legalmente protegido, a Administração Pública irá repor a
legalidade.

Por exemplo, uma norma que diga que os grupos teatrais que no presente ano levem a palco a representação
de obras de Gil Vicentes consideradas de relevante impacto cultural, podem beneficiar de um subsídio do
Ministério da Cultura até 1000€. Aqui, nenhum grupo teatral que no presente ano tenha representado Gil
Vicente tem qualquer direito adquirido a um subsídio: o Ministério da Cultura goza de uma margem de livre
apreciação.

Existe hoje um problema de discricionariedade da Administração Pública na interpretação das normas que
concedem direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. Em face de interesses legalmente
protegidos há uma maior discricionariedade da Administração, ao contrário do que acontece em relação aos
direitos subjetivos, se bem que também aí pode acontecer.

Os direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos assumem sempre uma natureza composta,
subdivindo-se em dois tipos de posições jurídicas ativas “menores”:

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

i. Poder- disponibilidade de meios para se alcançar determinado fim;


ii. Faculdade- conjunto de poderes unificado numa designação comum.

Classificação de Direitos Subjetivos:

◊ Direitos subjetivos absolutos;


◊ Direitos subjetivos relativos.

◊ Direitos potestativos- direitos subjetivos que fazem com que o particular exija da Administração
Pública e esta se encontre numa posição de sujeição;
◊ Direitos não potestativos.

◊ Direitos patrimoniais;
◊ Direitos não patrimoniais.

◊ Direitos subjetivos privados- cuja origem e disciplina emerge de atos jurídicos de Direito privado;
◊ Direitos subjetivos públicos- cuja criação e regulação radica em normas ou atos de Direito público.

◊ Direitos subjetivos substantivos;


◊ Direitos subjetivos procedimentais;
◊ Direitos subjetivos processuais.

◊ Direitos fundamentais;
◊ Direitos subjetivos em sentido estrito.

 Posições jurídicas passivas- situações de desvantagem ou desfavoráveis aos interesses de quem as


deve suportar- englobam os deveres, as sujeições e os ónus.

O que distingue a sujeição e o dever?

A sujeição é o correlativo do direito potestativo.

Uma das diferenças que o PO apresenta é que eu posso não cumprir um dever, mas quanto se está perante
uma sujeição, não há uma margem de liberdade de ação por parte do particular. O assistente Domingos
Farinho não concorda, pois admite que se possa “escapar” de uma sujeição.

O dever está na lei, foi o legislador que criou essa posição jurídica passiva, a única coisa que pode “correr mal”
é haver um conceito indeterminado, que pode dar à Administração Pública uma margem discricionária. De
resto, a relação do particular é diretamente com o legislador, a Administração até pode nem intervir. A
Administração não precisa de fazer nada para que o dever exista, pois é a lei que o cria.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Já na sujeição, que pode ou não existir, há uma maior discricionariedade da Administração, o legislador deixa
para a Administração o controlo e a criação na esfera jurídica do particular de uma sujeição, assim como
acontece com o interesse legalmente protegido. Na sujeição, esta existe se a Administração verificar que os
factos são subsumíveis à previsão da norma originária.

 Posições jurídicas subjetivas que só se concretizam no caso individual através de uma intervenção
administrativa

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Administração Pública Pré-Liberal

A Administração Pública é tão antiga quanto a existência do poder político.

A Administração Pública pré-liberal, que vai da fundação da nacional até à Revolução Liberal de 1820,
corresponde a três tipos diferentes de Administração Pública:

1. Administração Pública medieval-corporativa (sécs XII a XIV)- num período histórico em que a
existência do Estado se tem como incerta em alguns espaços europeus, Portugal, desde muito cedo,
até como meio de consolidação da sua própria identidade nacional, empreendeu um processo de
centralização régia do poder e de afirmação da prevalência do Direito do rei, o mesmo é dizer do
Estado: D. Afonso II foi o primeiro grande edificador do Estado e, por essa via também, o primeiro
impulsionador da Administração Pública estadual.

2. Administração Pública barroca (sécs XV a XVII)- retomando a herança do período anterior, torna-se
claro o entendimento de que os governantes se encontram vinculados à prossecução do bem comum
e não podem agir em benefício próprio.

3. Administração Pública iluminista-absolutista (sécs XVIII a XIX)- o monarca não deve a sua autoridade
a qualquer pacto, nem ao povo, antes em si próprio reside a fonte de legitimidade: o iluminismo
absolutiza o rei e liberta-o de quaisquer limites jurídico-positivos, eliminando também os últimos
privilégios feudais do clero e da nobreza.

A Administração Pública liberal assenta na separação de poderes, na supremacia da lei, na igualdade de todos
perante a lei e ainda na tutela dos direitos fundamentais e no abstencionismo do Estado.

A Administração Pública pós liberal oscila entre três modelos:

1. Modelo intervencionista autoritário- esteve na base do Estado Novo;


2. Modelo intervencionista de base democrática;
3. Modelo de uma Administração Pública neoliberal. Há aqui um dilema entre o que está na Constituição
escrita que corresponde ao modelo intervencionista e o modelo que está na prática, que é um modelo
com um maior papel do Estado.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Conceções Político-Filosóficas sobre a Administração Pública

 Conceção Tradicional: a Administração executiva da vontade política do legislador.

Partindo da ideia de que a lei é sempre outorgada por quem tem o poder público, a Administração Pública é
entendida como protagonista de um poder executivo encarregue de conferir eficácia aplicativa a essas opções
políticas tomadas pelo legislativo.

A supremacia do poder legislativo e a instrumentalização da Administração Pública na tarefa de conferir


execução às leis pode dizer-se que constitui uma tradição do pensamento político ocidental (por exemplo,
John Locke, Montesquieu, etc).

Esta conceção, transformando as estruturas administrativas em correntes de expressão da vontade política


do titular da soberania, traduz uma instrumentalização política da Administração Pública que decorre da sua
função executiva, encontrando consagração jurídico-constitucional no Estado liberal de tradição parlamentar:
administrar é executar a vontade política do parlamento, sendo a lei a expressão da vontade geral.

 Conceção Alternativa: o poder administrativo é um poder independente do legislativo.

A politização da Administração Pública pode produzir-se através de um modelo definidor do seu


funcionamento que lhe reconhece um protagonismo político independente do poder legislativo, pressupondo
a distinção entre a estrutura de topo do poder executivo e a restante Administração Pública.

Esta conceção permite diferenciar dois tipos de administração:

1- Tem como protagonista o Governo- há um poder autónomo de decisão política diretamente


alicerçado na Constituição.
2- Tem como protagonista a restante Administração Pública- a administração é executiva.

A politização da Administração Pública levou a três fenómenos:

a) Intervenção da Administração Pública na função legislativa- muitas das leis são preparadas pela
Administração Pública.
b) A garantia do bem estar está dependente da Administração Pública.
c) A Administração tem uma legitimação política, dada quer pela eleição direta dos titulares dos seus
órgãos, quer pelas nomeações de quem é eleito.

Legitimação Política e Colonização Partidária:

Num Estado pluralista, a politização da Administração Pública passa também pelo reforço da legitimidade
política das diversas estruturas administrativas, segundo um modelo assente em quatro regras nucleares:

(i) Fundamentação democrática dos critérios de decisão administrativa;


(ii) Representatividade político-democrática do decisor administrativo;
(iii) Responsabilidade política do decisor e da decisão administrativa;
(iv) Preferência pela maior legitimidade política do decisor administrativo e da respetiva decisão.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Em cenários de maioria absoluta parlamentar, atendendo à proeminência do partido ou coligação que se


encontra a exercer o poder executivo em sistemas políticos parlamentares, controlando o parlamento e a
Administração Pública, além de perder significado político a separação entre os poderes legislativo e
executivo, inutilizando a formulação liberal do princípio e os mecanismos constitucionais de garantia da sua
efetividade política, verifica-se que o “Estado de partidos” se converte em “Estado do partido maioritário”- a
Administração Pública dependente do Estado passa a ter a cor do partido governamental.

Não se encontra uma Administração Pública legitimada democraticamente imune a um fenómeno de


colonização administrativa pelos partidos políticos: a intervenção dos partidos políticos, fazendo de quase
toda a máquina administrativa um palco da luta hegemónica do “Estado do partido governamental”, além de
gerar um domínio informal das estruturas administrativas, determina também uma infiltração no próprio
aparelho administrativo, provocando uma transferência do centro decisório dos gabinetes administrativos
para as salas dos diretórios partidários.

Há assim o risco de uma promiscuidade entre o poder político e o poder administrativo e também o
económico.

Esta politicidade administrativa pode colocar em risco a neutralidade e a imparcialidade administrativa. Hoje
podemos dizer que, com duas exceções (Universidades e Forças Armadas), todas as estruturas administrativas
estão capturadas pelos partidos políticos.

O movimento privatizador da Administração Pública veio, no entanto, limitar a sua colonização partidária, uma
vez que a transferência de atividades, matérias e empresas para a esfera do setor privado as fez comungar de
exigências de gestão que não se compadecem com lógicas de clientelas partidárias, sem embargo de se assistir
a um curioso fenómeno de “captura” político-empresarial: é o caso de “repescagem” de ex-governantes para
altos cargos da administração em empresas privadas, numa tentativa de, usando os seus antigos contactos ao
serviço das estratégias negociais de tais empresas, procederem a uma certa “privatização” das redes de
influência pública e político-partidárias que gravitam em torno de tais políticos.

Personalismo e Administração Pública:

 Conceção Personalista de prossecução do interesse público- a prossecução do interesse público e a


satisfação das necessidades coletivas pela Administração Pública pode fazer-se à luz de três diferentes
conceções:

1. Conceção de Matriz Totalitária: prevalência absoluta da prossecução do interesse público, justificando


o sacrifício de quaisquer posições jurídicas subjetivas;
2. Conceção Compromissória: harmonização entre a prossecução do interesse público e o respeito pelas
posições jurídicas subjetivas dos administrados;
3. Conceção Personalista: prevalência absoluta do núcleo essencial da dignidade da pessoa humana
sobre qualquer prossecução do interesse público.

A conceção personalista da Administração Pública, envolvendo a interpretação do art. 266º/1, dentro do


contexto do primado da dignidade humana fixado pelo seu art. 1º, uma vez que a própria República se
fundamenta na dginidade humana, alicerça-se em duas ideias estruturais:

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

a) O respeito da dignidade humana de cada pessoa viva e concreta é um postulado que nunca pode ceder
perante a prossecução do interesse público;
b) A prossecução do interesse público encontra na dignidade da pessoa humana o seu fundamento e o
seu limite de relevância constitucional.

A dignidade humana é fonte de direitos e também de deveres. Discute-se no Direito Administrativo português
uma questão: um dilema entre o princípio da igualdade e o princípio da legalidade- qual deve permanecer?
Quando a Administração Pública age da forma ilegal e, desta forma, caindo em anulabilidade, surge o
problema de saber se, se não forem acionados os mecanismos de anulação, esta consolida-se. Se se consolida
na ordem jurídica um ato que era ilegal, poderá alguém vir a pedir para si aquilo que foi concedido ilegalmente
a outro? Por exemplo, imaginemos que o prazo para pedir revisão de prova é de 72h. B pede para rever a
prova 4 dias depois e o Professor, mesmo assim, decide rever a prova. Agora imaginemos que C também
remete o pedido 4 dias depois (também fora de prazo) e o Professor diz que não revê- terá C direito a que o
Professor reveja a prova? Quem defende o princípio da legalidade dirá que não; quem defende o princípio da
igualdade dirá que sim. A maioria da doutrina defende que não há direito à igualdade dentro da ilegalidade.

A igualdade é fonte de um direito fundamental, mas a legalidade já não o é: é apenas fonte de um interesse
legalmente protegido- assim, a igualdade deverá prevalecer.

 Dignidade huamana e personalismo administrativo:

A vinculatividade do princípio da dignidade humana, inserido num contexto de personalismo administrativo,


não poderá levar, no entanto, a uma paralisia ou temor de agir por parte da Administração Pública perante a
necessidade de prossecução de interesses públicos vitais para a coletividade:

a. Não será possível, numa deproporcional e unidimensional ponderação da dignidade humana, privar
as estruturas administrativas de eficácia de ação inerente à prossecução de interesses públicos vitais
para a coletividade;
b. Se o respeito pela dignidade humana fundamenta e limita a prossecução do interesse público, não
anula ou exclui essa prossecução, até porque a dignidade humana, se é fonte primeira de direitos
fundamentais, também é alicerce primário de deveres fundamentais;
c. O respeito pela dignidade humana de uns não pode impedir que a Administração Pública satisfaça a
garantia da dignidade humana de outros que, numa conduta ilícita de terceiros, se encontram a ser
alvo de uma agressão ou ameaça de tentativa de agressão.

A conceção personalista da Administração Pública mostra uma radical incompatibilidade com o entendimento
de que o particular que se relaciona com a estrutura administrativa seja visto como súbdito, administrado,
consumidor, utente ou cliente.

O cidadão administrativo é mais do que um particular, mais do que um administrado. O cidadão administrativo
está em situação de paridade para com a Administração Pública- Administração Pública paritária. Os cidadãos
administrativos são possuidores de uma vontade e de posições jurídicas ativas tuteladas pela ordem jurídica
que, em consonância com a centralidade da dignidade humana, se impõem junto da Administração Pública.

Cidadãos administrativos são não só todos os cidadãos nacionais (pessoas singulares ou coletivas), mas
também os estrangeiros e os apátridas que se relacionem com a Administração Pública portuguesa, assim
como estruturas não personalizadas (nacionais ou estrangeiras) que se relacionem com a Administração
Pública (por exemplo, famílias, organizações de moradores, etc).

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Constituição e Administração Pública

Constituição Administrativa

É o conjunto de normas constitucionais que regulam a Administração Pública e as relações dos cidadãos com
a Administração Pública.

A constituição administrativa representa um verdadeiro código administrativo: reúne todas as normas da


Constituição que têm por objeto a Administração Pública e as posições jurídicas dos particulares como
cidadãos administrativos.

Esta constituição revela a essência de uma juridicidade interna vinculativa da conduta da Administração
Pública:

- A vontade exclusiva do Estado na regulação da Administração Pública nunca pode contrariar o preceituado
pela Constituição;

- Toda a regulação da Administração Pública (exceto os domínios resultantes de imposição pelo Direito
Internacional e pelo Direito da UE) tem sempre de, sob pena de inconstitucionalidade, ser conforme com a
Constituição administrativa;

- Nas regras e princípios da Constituição administrativa reside a pedra angulas da regulação da Administração
Pública e da cidadania administrativa.

◊ Constituição administrativa formal/oficial- dimensão formal, instrumental ou escrita das normas,


traduzindo uma parte da Constituição política escrita que foi objeto de publicação no jornal oficial.
◊ Constituição administrativa informal/não oficial- normas não escritas provenientes da Constituição
não oficial.

Há um casamento sem divórcio entre a constituição política e a constituição administrativa, sendo que esta
última é parte da constituição política. Isto exerce um fator condicionante no modelo de Administração
Pública:

i. O modelo político-constitucional do Estado- saber se um estado é totalitário;


ii. A forma de Estado- ser um estado unitário composto ou federal;
iii. O sistema económico;
iv. O sistema político-governativo.

A constituição do Estado social é uma constituição que, no caso português, assenta num compromisso, que
expressa uma pluralidade de ideologias, de sensibilidades políticas, o que significa que esta pluralidade
refletida nas normas da Constituição faz com que cada um procure encontrar na Constituição um argumento
para o seu discurso, porque acha que assim a sua pretensão tem uma prevalência sobre a do adversário.

Isto leva a que haja uma conflitualidade na argumentação, que depois passa para o legislador que, muitas
vezes, não tem coragem, não tem força, o que o leva a remeter para a Administração Pública a resolução
desses conflitos.

Muitas vezes, os órgãos da Administração Pública são chamados a resolver conflitos de pretensões em que
cada uma das partes procura alicerçar na Constituição o fundamento da sua pretensão. Quando a

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Administração Pública decide, raramente consegue agradar a todos; a consequência é que quem não fica
satisfeito, leva a sua pretensão para os tribunais, para tentar desfazer os efeitos da decisão da Administração
Pública.

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Ordem Axiológica Constitucional e Administração Pública

A comunhão pela Constituição administrativa da ordem axiológica da Constituição política determina a


subordinação administrativa a quatro princípios fundamentais conformadores do sistema de valores do
sistema jurídico vigente:

 Princípio democracia humana- o conceito material de democracia, radicando a sua raiz nos
pressupostos cristãos da cultura ocidental, tendo como norma fundamental que “ninguém deve
instrumentalizar ninguém”, encontra-se intimamente relacionado com a dignidade da pessoa
humana: não há genuína democracia sem a convocação dos valores da liberdade, da igualdade e da
fraternidade;
 Princípio do Estado de direito democrático- desdobra-se, nos termos do art. 2º, em quatro vertentes:
princípio da separação de poderes, princípio pluralista, princípio da juridicidade e princípio do bem
estar;
 Princípio da soberania internacionalizada e europeizada- o Estado não vive isolado, tem de conviver
com outros sujeitos de direito no âmbito da sociedade internacional;
 Princípio da unidade descentralizada- o art. 6º, procurando conciliar a unidade decorrente da
caracterização de Portugal como sendo um Estado unitário e, por outro lado, a referência aos
princípios da subsidariedade, autonomia e descentralização, permite falar neste princípio
fundamental da unidade descentralizada- “unidade no pluralismo”.

 Princípios Gerais da Administração Pública:

- Referentes à Organização:

 Princípio da subsidariedade- 6º CRP- só deve pertencer ao Estado aquilo que não puder ou não quiser
ser feito por entidades infraestaduais. Relativiza o poder do Estado. A subsidariedade é uma mentira
piedosa da Constituição: está escrita, mas não é muito usada para não se deteriorar. Hoje, a
subsidariedade não é só do Estado em relação às estruturas infraestaduais, mas também do Estado
em relação à UE.

 Princípio da descentralização- o exercício das funções do Estado, não podendo ser um monopólio
estadual, deve estar repartido por uma pluralidade de entidades. O Estado outras entidades públicas
ou transfere poderes para outras entidades. Note-se que, para além de ter de se transferir poderes,
também têm de se transferir meios financeiros.

 Princípio da desconcentração- difere da descentralização na medida em que, na descentralização o


fenómeno é sempre entre pessoas coletivas (estão em causa atribuições), na desconcentração é entre
órgãos (estão em causa poderes, competências). É o descongestionamento de poderes, o repartir de
poderes de uns órgãos para outros. É sempre um fenómeno intraorgânico. A desconcentração pode
ser feita diretamente pela lei ou pela lei mais a vontade de um órgão.

 Princípio da unidade- podem existir formas de desconcentrar competências ou de descentralizar


atribuições, mas alguém tem de ter poderes de intervenção para harmonizar, para assumir a
responsabilidade de toda a estrutura da Administração Pública. Diz-nos que há sempre uma entidade
que tem poderes de intervenção sobre todas as estruturas administrativas, que no caso português é
o governo.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública- expressão de reforço


da democraticidade do modelo organizativo da Administração Pública, traduz um complemento da
sua legitimação democrático-representativa. Por exemplo, o orçamento participativo ou o voto na
eleição da Assembleia de Escola.

 Princípio da aproximação dos serviços às populações- a Constituição exige, numa lógica centrífuga
subjacente aos princípios da subsidariedade, da descentralização e da desconcentração, que a
organização administrativa se estruture num sentido periférico ou local, visando impedir que os
serviços públicos e as inerentes decisões se encontrem distantes das reais necessidades dos cidadãos.

 Princípio da desburocratização- envolve uma preocupação de simplificação, eficiência e racionalidade


organizativa, assim como se mostra passível de comportar uma componente política, determinando
que o centro da decisão nuclear se deve localizar em estruturas dotadas de legitimidade democrática
e não num aparelho de burocratas profissionalizados e/ou tecnocratas.

- Referentes à Atividade- 266º:

 Princípio da juridicidade (art. 3º CPA)- ou também princípio da legalidade. Está ligado ao princípio da
competência. A Administração Pública está subordinada ao Direito que ela produz (autovinculação) e
ao que é produzido fora dela, pelo legislador, pelo constituinte, na esfera internacional e na esfera da
UE (heterovinculação). Se este princípio for desrespeitado, a atuação da Administração Pública é
ilegal. Há que ter ainda em conta o princípio da precedência de lei: não pode haver um
comportamento, um ato administrativo (regulamento, contrato, ato) que não esteja primeiro previsto
em lei; e ainda o princípio da preferência de lei: quando há um conflito entre lei e ato administrativo
(regulamentos, contratos,atos), deve preferir-se a lei.

 Princípio da prossecução do interesse público (art. 4º CPA)- é o critério, o fundamento e o limite do


agir administrativo. Este princípio pode ser problemático à medida em que se vai dando mais poder e
liberdade à Administração Pública para interpretar o que é o interesse público: vai chocar então com
o princípio da autivinculação: por exemplo, a Administração, através da liberdade que lhe é conferida,
decide que a maneira para resolver um problema só pode ser por duas soluções (vincula-se a estas
duas soluções, quando na verdade o legislador lhe tinha dado liberdade para escolher entre seis
soluções diferentes)- se a Administração ao longo de 15 anos apenas considerar aquelas duas
soluções, até que ponto é que esta pode vir, passado esse tempo, admitir outra solução que não
aquelas duas? Nesse caso, a Administração terá um ónus de demonstrar que afinal aquela solução
prossegue melhor o interesse público que as outras duas que tinha vindo a aplicar.

 Princípio do respeito pelas posições jurídicas ativas dos cidadãos (art. 4º CPA)– o respeito que a
Administração Pública deve ter no agir pelos direitos subjetivos e pelos interesses legalmente
protegidos, preferindo sempre a solução que não lesa ou que menos dano causa aos cidadãos.

 Princípio da igualdade (art. 6º CPA e 13º CRP)- a Administração Pública deve tratar por igual o que é
igual e diferente o que é diferente (igualdade material).

- Categorias suspeitas: apesar de a Administração ser livre de discriminar o que é desigual, há casos em que as
razões da discriminação são tão suspeitas que a Administração deve fundamentar o porquê de estar a
discriminar.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Princípio da proporcionalidade (art. 7º CPA)- envolve as ideias de necessidade, adequação e equilíbrio


no agir administrativo. Podem recortar-se três vertentes:

- proibição do excesso- nunca legitimando a imposição de sacrifícios ou lesões pessoais ou


patrimoniais para além do indispensável à satisfação do interesse público, deve escolher-se a solução menos
lesiva para o particular;

- adequação das soluções às situações- a medida tem de ser idónea, tem de dizer respeito àquilo que
se procura atingir;

- a razoabilidade ou proporcionalidade em sentido estrito- as decisões administrativas devem procurar


obter um máximo de vantagens e um mínimo de custos- juízo de utilidade marginal.

 Princípio da imparcialidade (art. 9º CPA)- envolve a exigência de isenção e equidistância entre quem
decide e o objeto ou o destinatário da decisão. Há imparcialidade quando existe ponderação de
interesses alheios. Distingue-se do princípio da igualdade, pois este último pressupõe sempre duas
pessoas ou entidades às quais se vai fazer uma comparação.

Comporta uma dupla vertente:

- vertente negativa- impõe uma regra de distância entre quem decide e os interesses subjacentes à
decisão. Impedimentos, recusas, suspeições. Por exemplo, um pai que é professor não pode avaliar o
seu filho enquanto aluno. A diferença entre a escusa e a suspeição é que a escusa é pedida pelo titular
do órgão e a suspeição é pedida pelo particular.

- vertente positiva- impõe racionalidade, ponderação na decisão. Todos os interesses pertinentes têm
de ser chamados à decisão; a decisão administrativa só é perfeita se tiver tomado em consideração
todos os interesses. Se são tomados em consideração interesses que não deveriam ser tomados, há
violação do princípio da proporcionalidade na sua vertente negativa e há violação do princípio da
proporcionalidade na sua vertente positiva se há um défice de ponderação, se não foram tomados em
consideração todos os interesses que deveriam ter sido tomados.

 Princípio da boa fé (art. 10º CPA)- quer a conduta da Administração Pública face aos particulares quer
o contrário. Envolve respeito pelas promessas feitas, proibição do abuso de direito, tutela da
confiança, interdição de comportamentos contraditórios, relevância da culpa in contrahendo,
relevância da proibição da fraude à lei e da tutela da confiança e da segurança.

 Princípio da justiça (art. 8º CPA)- a justiça é não apenas a justiça material, do conteúdo da decisão,
mas também a justiça procedimental: a justiça tem também a ver com o caminho que se segue para
alcançar a decisão; a Administração Pública deve sempre agir visando a equidade do caso concreto.

 Princípios Garantísticos face à Administração Pública:

o Princípios que dizem respeito à unidade do sistema jurídico:

 Princípio da supremacia da Constituição- em especial o 18º/1: as normas sobre normas, liberdades e


garantias vinculam as entidades públicas. Todos os atos da Administração Pública têm de ser
conformes com a Constituição, sob pena de serem inconstitucionais.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Princípio da reserva de lei- matérias que só podem ser tratadas por ato legislativo. Só há reserva de
lei quando a Constituição o determina.

 Princípio da precedência de lei- o agir administrativo tem sempre de se fundar um prévio ato
legislativo, mostrando-se insuficiente a mera previsão constitucional para habilitar a atividade
administrativa.

 Princípio da preferência de lei- a lei tem uma força jurídica especial, uma capacidade de resistir a atos
de diferente natureza, razão pela qual um ato de nível inferior nunca a pode contrariar.

 Princípio da reserva de juíz- consubstancia o conjunto de matérias que integram a esfera decisória
exclusiva a cargo do poder judicial.

 Princípio da prevalência das decisões judiciais- nenhuma decisão administrativa pode revogar ou
modificar uma sentença. As decisões dos tribunais gozam de primado face às decisões de quaisquer
outras autoridades. O único limite a este princípio será as leis de revisão constitucional que façam
uma interpretação autêntica da Constituição e que se projete em sentido inverso e em termos
retroativos face a normas aplicadas pelas decisões judiciais.

o Princípios de acesso à Administração Pública:

 Princípio de universalidade do acesso prestacional aos serviços administrativos- qualquer um tem o


direito a receber prestação de serviços por parte da Administração Pública.

 Princípio da liberdade de acesso à função pública e a cargos públicos administrativos- qualquer


pessoa pode exercer funções públicas, tendo em conta os limites do artigo 15º. Será a idade um limite
ao acesso à função pública, ou isto é um fator de descriminação?

 Princípio da liberdade de petição- qualquer um de nós pode apresentar uma petição à Administração
Pública (52º). O direito de petição goza de aplicabilidade direta e vincula as autoridades
administrativas.

 Princípio do arquivo aberto- 268º/2- manifestação da transparência administrativa, do direito à


informação. Mas há limites: situações relativas à segurança interna e externa do Estado, o segredo da
imvestigação criminal, a intimidade de pessoas e o segredo comercial ou segredo de negócio.

o Princípios referentes ao procedimento administrativo:

 Princípio da decisão- 52º/1- corolário imediato do princípio da liberdade de petição. Sempre que se
pede algo à Administração Pública, esta tem a obrigação de responder, de decidir.

 Princípio da informação- direito fundamental de os cidadãos serem informados pela Administração


Pública, funcionando como condição de participação na vida pública e pressuposto de qualquer
intervenção procedimental e contenciosa. Mas há limites, as matérias sigilosas.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Princípio da fundamentação- todas as decisões administrativas que neguem pedidos ou que


imponham sanções têm de ser justificadas com os motivos ou as razões de facto e de direito que
conduziram à decisão tomada.

 Princípio da notificação- a Constituição confere a todos os interessados o direito fundamental a serem


notificados pela Administração Pública dos atos que afetem direitos ou interesses legalmente
protegidos.

 Princípio da participação- todos nós temos o direito de participar nas formação das decisões ou
deliberações que nos digam respeito.

o Princípios de controlo da Administração Pública:

 Princípio da tutela jurisdicional efetiva- todas as dúvidas sobre a legalidade da conduta da


Administração Pública são passíveis de sindicabilidade judicial.

 Princípio da responsabilidade da Administração Pública- se esta lesa, tem de compensar através da


restituição ou da compensação.

 Princípio da intervenção moderadora do Provedor de Justiça- o Provedor de Justiça, sendo titular de


um poder moderador garantístico dos cidadãos e da juridicidade, encontra-se habilitado a receber
queixas por ações ou omissões dos poderes públicos.

 Princípio da responsabilidade política da Administração Pública- pode assumir natureza concertada


ou difusa.

 Princípio do respeito pelos mecanismos internacionais e europeus de garantia- vinculação do Estado


às normas materiais definidoras das garantias dos cidadãos, às decisões das instâncias internacionais
e europeias e vinculação a dar execução às decisões judiciais do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem ou do Tribunal de Justiça da União Europeia.

 Princípio do controlo dentro da Administração Pública- a Administração Pública deve ser a primeira
instância de controlo da sua conduta, assumindo uma postura garantística da juridicidade e das
posições jurídicas dos cidadãos.

o Princípios que dizem respeito ao interior da Administração Pública (de incidência intra-
administrativa):

 Princípio do reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais pelas entidades públicas- sem


esquecer que as pessoas coletivas públicas também têm direitos fundamentais.

 Princípio da configuração de certos poderes administrativos como direitos fundamentais- por


exemplo, o artigo 76º/2.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Princípio da salvaguarda de garantias institucionais de natureza administrativa- estão tuteladas pela


Constituição, por exemplo a autonomia regional e local ou a autonomia das associações públicas ou
ainda a reserva de Direito Administrativo.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Identidade Estruturante da Administração Pública

Traços Materiais da Administração Pública Contemporânea:

 Personalização

A atribuição de personalidade jurídica a estruturas da Administração Pública, transformando-as em sujeitos


de direito, dotadas de uma individualidade própria, conferindo-lhe a titularidade de posições jurídicas ativas
e passivas permite observar:

- A delimitação de áreas de interesses públicos cuja prossecução, colocada juridicamente a cargo de cada
entidade, integra as suas atribuições;

- A criação de uma esfera própria de formação de vontade e de imputação de efeitos: as ações ou omissões
dos seus órgãos são como se fossem da entidade coletiva em causa;

- A existência de normas jurídicas habilitadoras e reguladoras da ação de cada entidade, exercendo uma
função limitativa da esfera de agir e do conteúdo decisório- expressão de descentralização- a existência de
várias entidades pressupõe que cada uma delas tem uma personalidade jurídica;

- A sujeição a obrigações decorrentes de posições jurídicas ativas tituladas pelos cidadãos administrativos.

Importa sublinhar que, se a atribuição de personalidade jurídica às entidades públicas tem também o
significado de as subordinar à juridicidade, essa subordinação pode ser feita ao Direito Público, revelando uma
capacidade jurídica pública, ou ao Direito Privado, traduzindo a suscetibilidade de cada entidade pública
possuir também uma capacidade jurídica privada.

Não se pode esquecer ainda que as entidades públicas se têm servido da personalidade jurídica de Direito
Privado, criando ou participando na estrutura do capital social de entidades privadas, controlando-as e
instrumentalizando-as à prossecução dos seus fins: ao lado de uma tradicional Administração Pública sob
forma pública, floresceu uma paralela Administração Pública sob forma privada, suscitando delicados
problemas de articulação aplicativa entre Direito público e Direito privado.

Há ainda entidades públicas com personalidade jurídica internacional- as Nações Unidas, por exemplo- e
entidades públicas com personalidade jurídica comunitária- Banco Central Europeu, por exemplo-, o que
determina que estas entidades possam desenvolver uma atividade passível de projetar, direta e
imediatamente, efeitos administrativos em território nacional, encontrando-se vinculadas a um Direito que
não é o português.

Existem ainda entidades públicas estrangeiras a quem a ordem jurídica portuguesa pode reconhecer utilidade
pública administrativa- interesses públicos nacionais e transnacionais- suscetibilidade de atos produzidos por
entidades públicas estrangeiras, possuindo uma personalidade jurídica conferida pelo Direito de um Estado
estrangeiro e desenvolvendo uma atividade regulada por esse mesmo ordenamento estrangeiro, produzirem
efeitos em Portugal.

39
Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

A personalização da Administração Pública, multiplicando o número de entidades coletivas encarregues de


gestão de interesses públicos, revela um pluralismo intra-administrativo e comporta um esforço de
racionalização da gestão:

(i) A cada entidade pública deverá corresponder a prossecução de fins de interesse público próprios;

(ii) A eficiência poderá justificar que uma melhor prossecução dos interesses públicos confiados a uma
entidade pública origine a criação de uma ou várias entidades coletivas “menores” ou “satélites”,
agindo sob a orientação e o controlo da entidade pública “mãe” ou “holding”;

(iii) O princípio da subsidariedade determina um modelo de Administração Pública flexível quanto à


repartição dos interesses públicos pelas diferentes entidades coletivas, permitindo dinâmicas
centrífugas ou, em sentido contrário, habilitando movimentos centrípedos;

(iv) As atribuições a cargo das entidades públicas podem conduzir ao reconhecimento de uma capacidade
jurídico de Direito Público e também a uma de Direito Privado;

(v) A prossecução de interesses a cargo da Administração Pública mostra-se passível de ser feita através
de entidades “satélites” de Direito privado, integrando uma Administração Pública sob forma privada:
as entidades públicas podem gerar entidades privadas administrativas;

(vi) A personalização da Administração Pública poderá ser acompanhada de uma promiscuidade de


regimes materiais reguladores da sua atividade, fazendo emergir pessoas coletivas públicas de regime
de Direito privado ou pessoas coletivas privadas de regime de Direito público.

A natureza híbrida da personalidade de algumas entidades integrantes da Administração Pública poderá


conduzir a uma dualidade de mecanismos judiciais de fiscalização de uma mesma pessoa coletiva:

a. A atividade predominantemente regida pelo Direito público será controlada pelos tribunais
administrativos, à luz da respetiva lei processual;
b. A atividade pautada pelo Direito privado será fiscalizada pelos tribunais judiciais, aplicando-se o
Código de Processo Civil.

A personalização ds Administração Pública comporta também efeitos ao nível da responsabilidade civil e, por
essa via, sobre garantias dos cidadãos:

a. Sendo cada pessoa coletiva um centro de imputação de efeitos jurídicos da sua própria conduta, é o
seu património (e não o de qualquer outra entidade) que responde pelos danos resultantes das
respetivas ações e omissões;
b. A crescente personalização de estruturas da Administração Pública pode tornar-se um processo de
desresponsabilização patrimonial da entidade pública maior que, a montante, cria “entes satélites”,
instrumentalizando-os à prossecução dos seus fins, tendo a vantagem de não assumir os inerentes
riscos de responsabilização: se existirem danos pela atuação dessas entidades, o património que vai
responder é o dessas próprias entidades e não o do Estado. Há então aqui uma situação de fraude à
lei, de desvio de poder.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Complexificação da Administração Pública

A Administração Pública quando age, pode fazê-lo através de duas formas distintas:

1) A Administração Pública decide a situação do particular- há uma relação que é com um ou vários
sujeitos determinados, que cria posições jurídicas ativas ou passivas dentro de uma relação jurídica
bilateral ou bipolar, produzindo efeitos interpartes. Por exemplo, a empresa X pede uma autorização
para a abertura de um restaurante e a Administração Pública ou diz que sim ou diz que não.
2) A Administração Pública decide não para um destinatário determinado, mas para uma pluralidade de
destinatários indeterminados, situados numa relação geral ou especial de poder. A eficácia é aqui erga
omnes. Por exemplo, a Administração Pública fixa regras a que devem obedecer entidades de
restauração.

Nem sempre é linear: do lado da Administração Pública pode estar não só uma entidade pública, mas várias
que são chamadas a intervir, o que também suscitou o emergir de novas formas de relacionamento jurídico
intrassubjetivo.

- Conflitos positivos de atribuições- duas ou mais entidades públicas acham-se competentes sobre aquela
matéria.

- Conflitos negativos de atribuições- duas ou mais entidades públicas acham-se não competentes sobre a
matéria.

Quando estamos perante competências odiosas, nenhuma administração quer assumir competência sobre a
matéria, já quando a competência é agradável, há uma pluralidade de entidades interessadas em decidir.

- Neofeudalização Interna- pluralidade de entidades públicas, cada uma delas a reivindicar o seu próprio
espaço de atuação.

Quanto às relações dos cidadãos com a Administração Pública, o modelo da relação jurídica bilateral ou bipolar
complexificou-se, assistindo-se a uma progressiva conflitualidade ou colisão entre diferentes interesses
privados e a uma crescente produção de efeitos decisórios face a terceiros que, não sendo os destinatários
típicos das decisões dentro do quadro bipolar, pois são alheios à tradicional bilateralidade, sofrem os reflexos
de tais efeitos na sua esfera jurídica- surgem as designadas relações jurídicas multipolares ou poligonais.

Complexificação Administrativa e Relações Intrassubjetivas

Dentro de cada entidade pública administrativa desenvolveram-se relações jurídicas dotadas de natureza
intrassubjetiva, subsumíveis em três tipos:

i. Relações interorgânicas;
ii. Relações intraorgânicas- há relações de complexidade dentro dos próprios órgãos pertencentes a
uma mesma entidade pública;
iii. Relações laborais- nem todos os titulares dos órgãos administrativos exercem funções a título
profissional. Aqueles que o exercem a título profissional são trabalhadores da Administração
Pública.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Direito de greve- têm todos os funcionários públicos direito à greve? Nomeadamente os polícias, os juízes, os
militares, os bombeiros profissionalizados? O tema do direito de greve tem particular importância no âmbito
da Administração Pública.

Complexificação e Conflitualidade Jurídico-Privada:

A Administração Pública é confrontada com conflitos de interesses por parte de várias entidades. O problema
é que a Administração Pública é que vai ter de resolver, vai ter de tentar harmonizar o conflito de poderes. A
Administração Pública é chamada a protagonizar a resolução de conflitos entre interesses de particulares.

Há interesses privados:

- que são conciliáveis- conflitos entre a configuração do interesse público prosseguido pela Administração
Pública e um conjunto de interesses privados que são conciliáveis e unificados que se cruzam ou atravessam
em sentido contrário. Por exemplo, está em discussão o aumento de propinas: conflito entre a Administração
Pública que quer o aumento e os alunos que não querem- há um conflito entre um interesse da Administração
Pública e um interesse unificado dos particulares.

- que são irreconciliáveis- conflitos de interesses ao nível dos diversos cidadãos passíveis de ser envolvidos em
efeitos da atuação administrativa, estando nós diante de interesses privados entre si irreconciliáveis e
autónomos, passíveis de incidir ou no âmbito de atuação administrativa geral e abstrata (por exemplo, a
regulação determinando o corte de verbas públicas nos serviços de apoio à interrupção voluntária da gravidez)
ou no âmbito da atuação administrativa individual e concreta, verificando-se a existência de uma relação
administrativa multipolar ou poligonal.

Nesta última configuração, podemos ter interesses:

- privados homogéneos em colisão- podem gerar concorrência de atribuição: situações em que os particulares
querem todos o mesmo mas só um vai obter a vitória final. Por exemplo, o concurso para um x número de
vagas de ingresso no ensino superior.

- privados heterogéneos em colisão- visando a alteração da realidade existente, o reconhecimento a um


sujeito de uma posição jurídica favorável gera em outro uma posição jurídica desfavorável. Fala-se aqui em
multipolaridade de opisoção recíproca. Por exemplo, uma empresa quer autorização para abrir um
restaurante e os restantes bares não querem.

Em qualquer dos casos, a Administração Pública resolve conflitos, com duas particularidades:

a) Deve procurar a solução que melhor se alicerça num título constitucional.


b) Ponderação, Administração Pública de balanceamento, deve ponderar qual é a melhor solução para
o interesse público. A ponderação é o caminho para o procedimento, não apenas para o resultado. A
ponderação é um método que estabelece um enunciado racional de preferência, afastando a
radicalidade de uma lógica de “tudo ou nada”. Este balanceamento é feito entre bens, interesses e/ou
valores.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Especialização: Administração Pública Técnico-Científica

Muitas das matérias sobre as quais a Administração Pública vem decidir são de cariz técnico- há hoje uma
valorização da técnica.

A tecnicidade da intervenção do Estado regulador e preventivo de riscos, assim como a própria reformulação
do âmbito do bem estar social a cargo do Estado, envolvendo intervenções financeiras promovendo a redução
de despesas e o aumento de receitas, determinam uma complexidade técnica de fórmulas e mecanismos de
normas com incidência orçamental que não se compadece sem uma intervenção especializada na preparação
de soluções políticas e normativas.

Efeitos:

i. Deslocação do centro decisório para as estruturas tecno-burocráticas, debilitando a legitimidade


política da decisão administrativa;
ii. Se a busca da legitimação democrática da Administração Pública tende a colocar nas mãos dos
políticos a iniciativa das principais decisões, a especialização das estruturas burocráticas pode
sempre inviabilizar, por obstáculos de racionalidade técnica e científica, o sucesso ou a
implementação das decisões políticas;
iii. A tradicional ideia de que a Administração Pública é um simples instrumento ao serviço da política,
destituída de uma lógica de atuação autónoma, mostra-se desmentida pelo facto de que a
concretização do processo decisório ou implementador das diversas políticas se encontrar nas
mãos de quem, agindo a priori, aconselha o decisor ou, atuando a posteriori, executa a decisão.

Temos então uma Administração Pública assente em pressupostos técnico-científicos. A democracia fica à
porta da técnica, da ciência, que não têm a ver com o critério da legitimação política mas sim com a
responsabilidade política (aquilo que fez e não deveria ter feito ou aquilo que não fez e deveria ter feito).

A valorização do elemento tecnocrático e burocrático no processo de decisão administrativa acarreta uma


subalternização da componente política da Administração Pública, observando-se que o relacionamento entre
os meios e os fins fica invertido: a natureza dos meios administrativos determina o fiim ou o objetivo da
política.

É o deslocar do centro decisório dos órgãos com legitimidade político-democrática para órgãos com
legitimidade técnico-científica. Isto coloca 3 problemas:

1- Controlo da informação- são as estruturas compostas por técnicos sem legitimidade político-
democrática que controlam a informação, que é a base da decisão, que possuem o elenco das soluções
possíveis, razões pelas quais são elas que ditam materialmente a decisão ou, em alternativa,
demonstram a inviabilidade da decisão;
2- Preparação da decisão- desde a preparação de decisões político-legislativas dotadas de assinalável
complexidade técnica repousar em estruturas administrativas (ex: lei do orçamento do Estado),
invertendo-se o papel condicionante do poder legislativo sobre o poder administrativo, até à própria
falta de operacionalidade técnica e prática das mesmas demonstrada por tais estruturas da
Administração Pública, regista-se que a legalidade administrativa vive hoje condicionada a priori ou a
posteriori pela intervenção da Administração especializada;
3- Viabilidade técnica da decisão.

Ao lado de todos os poderes temos, então, um poder técnico-científico. A vontade de quem detém o saber
pericial prevalece sobre a vontade daquele que goza de uma simples legitimidade política acientífica e
atécnica: a liberdade científica e as decisões científicas têm primado sobre o princípio democrático. Isto pode
levar, em extremo, a uma ditadura ditada pela técnica.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Convivência da Administração Pública com o Poder técnico-científico:

a) Casos em que as decisões são tomadas com parâmetros técnico-científicos;


b) A Administração Pública cria órgãos exclusivamente compostos por técnicos ou científicos;
c) A atuação administrativa está sujeita a uma intervenção consultiva de peritos- quem decide é a
Administração Pública, mas antes de tomar a decisão final ouve um técnico, podendo seguir o seu
parecer ou não.

Isto tem 2 consequências:

Isto tem a consequência de as decisões técnico-científicas das Administração Pública terem défices:

i. Défice do saber político;


ii. Défice do controlo judicial- por exemplo, um tribunal não anular uma avaliação universitária com
o argumento de que o aluno foi mal avaliado, porque esta é uma área técnico-centífica que os
tribunais não podem pôr em causa.

Instrumentos do Poder Técnico-Científico:

 Reserva de elaboração de normas jurídicas- normas que só podem ser elaboradas por quem domina
essa área do conhecimento tecnológico e científico. Por exemplo, só os médicos podem elaborar o
Código de Deontologia Médica ou aferir em casos de alegada negligência.
 Monopólio aplicativo e interpretativo das normas- só os especialistas dos diversos ramos do saber
envolvidos são competentes para determinar o sentido e a subsunção dos conceitos técnicos e
científicos usados nas normas às diversas situações reais ou factuais que as normas se destinam a
regular.
 Exclusivo de decisão concreta avaliativa.

 Privatização:

A privatização da Administração Pública tem gerado, desde a década de oitenta do século XX, sem embargo
de o fenómeno ter raízes mais remotas, uma verdadeira crise de identidade institucional:

(i) Sendo tradicionalmente expressão de uma realidade pública, dominada por formas organizativas, de
gestão e regulação através do Direito público, a Administração Pública aparece, nas últimas décadas,
aliada a uma dinâmica privatizadora;
(ii) Os últimos anos, numa tentativa de racionalização financeira do Estado, reduzindo-se custos de
funcionamento do modelo de bem estar, num contexto neoliberal centrado no reequilíbrio
orçamental e das contas públicas, vieram ampliar o fenómeno privatizador.

Privatizar, numa primeira aceção, significa tornar privado algo que antes não o era: privatizar envolve remeter
para o Direito privado, transferir para entidades privadas ou confiar ao setor privado matérias ou bens até
então excluídos ou mais limitadamente sujeitos a uma influência dominante privada.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Há várias noções de privatização:

1) Privatização da regulação administrativa da sociedade- numa manifestação do princípio sda


subsidariedade do Estado, a privatização pode consubstanciar um processo mediante o qual uma
entidade pública reduz ou suprime a sua intervenção reguladora, procedendo a uma devolução ou
transferência para a sociedade civil (para certos sujeitos privados ou instituições privadas) do poder de
criação de normas jurídicas disciplinadoras das respetivas atividades.

2) Privatização do Direito regulador da Administração Pública - a Administração deixa de ser regulada pelo
Direito administrativo e passa a ser regulada pelo Direito privado.

3) Privatização das formas organizativas da Administração Pública- a Administração Pública deixa de criar
pessoas coletivas de Direito público para passar a criar pessoas coletivas de Direito privado,
instrumentalizadas à prossecução de fins primariamente integrantes da esfera pública. Também pode
passar pela simples conversão da forma de organização de antigas entidades públicas em formas
organizativas jurídico-privadas.

4) Privatização da gestão ou da exploração de serviços administrativos- o serviço continua a ser público,


mas a Administração Pública encarrega um particular de explorar essa atividade. Por exemplo, o
Hospital Amadora Sintra é um hospital público mas a gestão hospitalar está encarregue a entidades
privadas.

Isto coloca problemas:

Será admissível que serviços do Estado (por exemplo, ministérios) possam ser objeto de privatização?

Será admissível que a segurança pessoal dos membros do governo seja feita por entidades privadas?

Será admissível que a segurança dos recintos públicos (aeroporto por exemplo) seja feita por empresas
privadas? Podemos recusar ser revistados por empresas privadas?

Um processo ilimitado de privatização de tarefas administrativas e de serviços administrativos, sendo


suscetível de produzir uma “hemorragia” do setor público e o desmantelamento das suas áreas rentáveis, se
é verdade que reduz custos financeiros de funcionamento e permite a obtenção de receitas rápidas pela
privatização, também é certo que limitará o espaço material de atividade da Administração Pública e acabará
por reduzir o campo de operatividade do Direito administrativo.

5) Privatização do acesso a uma atividade económica- abertura à iniciativa privada de um ou mais setores
básicos da economia até então vedados, isto é, que eram explorados por entidades do setor público em
regime de monopólio.

6) Privatização do capital social das empresas públicas- abertura a entidades privadas do capital social de
sociedades cuja titularidade do capital pertence na totalidade ou em parte a entidades públicas. Privatizar
pode ser uma de duas hipóteses:

- Uma privatização minoritária- menos de 50% do capital, a sociedade continua a deter a maioria do respetivo
capital titulado por entidades públicas;

- Uma privatização maioritária- mais de 50% do capital social é privatizado, ficando o controlo da respetiva
sociedade nas mãos de entidades do setor privado.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

7) Privatização dos critérios substantivos de decisão administrativa- o decisor administrativo passa a ter uma
conduta pautada por instrumentos do mercado, agindo à luz de uma lógica própria dos agentes
económicos ou privados ou visando a defesa de uma racionalidade decisória a ela conexa.

8) Privatização do controlo da Administração Pública- numa dupla perspetiva: (i) privatização das entidades
encarregues do controlo e (ii) privatização dos mecanismos de controlo. Por exemplo, a Administração
Pública confiar o controlo das suas contas ou a realização de auditorias aos seus serviços a empresas
privadas de contabilidade ou de auditoria.

 Informatização: Administração Pública Eletrónica

A sociedade de informação criada, tornando quase anacrónica a utilização do papel na comunicação de


mensagens, conduziu à desmaterialização da informação e à simplificação da linguagem escrita, senão mesmo
à sua substituição por imagens ou símbolos universais de comunicação, abolindo fronteiras e revelando a
ineficácia dos mecanismos clássicos de intervenção do Estado perante os desafios do ciberespaço.

A introdução da informática no âmbito da Administração Pública, fazendo incorporar as novas tecnologias na


sua gestão e funcionamento, assim como no seu relacionamento com os cidadãos, fez criar novos mecanismos
e institutos jurídicos que, progressivamente, revelaram uma nova Administração Pública.

O computador passou a ser um computador pessoal, individual. Isto faz com que cada um de nós seja, durante
24h, administrado e que, durante 24h, a Administração Pública esteja aberta, tornando mais fácil o contacto
do cidadão com a Administração Pública e vice versa.

Isto fez emergir uma nova categoria de atos administrativos- os atos administrativos eletrónicos. Estes atos
fazem com que os órgãos da Administração Pública não precisem de se reunir fisicamente, já o podem fazer
por videoconferência.

Perigos:

a) Desumanização da Administração Pública- em sentido contrário à CRP. Já não interessa a aproximação


dos serviços às pessoas. Os cidadãos deixam de encontrar um rosto, um nome para o seu contacto
junto das estruturas administrativas;
b) Desconfiança face às novas tecnologias- nunca temos a certeza se a mensagem chegou efetivamente
ao destinatário, há uma desconfiança face a uma realidade administrativa que se desconhece.
c) Risco de maiores desigualdades entre os cidadãos- entre quem domina e quem não domina estas
novas tecnologias. Entre os que estão incluídos na Administração Pública eletrónica e os que não
estão.

Vinculações que resultam desta Administração Pública eletrónica:

Cada um tem a faculdade de controlar a informação que lhe diz respeito, garantindo o seu estatuto como
cidadão e não mero objeto de informações- direito à autodeterminação informacional.

14º CPA e 35º/1 CRP:

i. Direito de acesso a todos os dados informatizados que sejam respeitantes ao cidadão;


ii. Direito a exigir a retificação e a atualização dos dados informatizados;

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

iii. Direito a conhecer a finalidade a que se destinam os dados informatizados, incluindo a possibilidade de
questionar a necessidade de estarem ou serem recolhidos e de obter as inerentes respostas;
iv. Direito a ser esclarecidos sobre a natureza obrigatória ou facultativa da recolha dos dados solicitada;
v. Direito a consentir expressamente a recolha de certos dados pessoais para efeitos identificados em lei ou
para mero processamento de dados estatísticos;
vi. O direito à salvaguarda da confidencialidade dos dados pessoais face a terceiros.

O direito tem de estabelecer a paridade entre a forma escrita e a tecnológica; o direito tem sempre de
salvaguardar uma alternativa aos meios tecnológicos. Ou seja,

Será que temos o direito a exigir da Administração Pública a que nos relacionemos apenas por meios
eletrónicos? Será este um direito fundamental? É certo que, nos termos do art. 35º/6 CRP “a todos é garantido
livre acesso às redes informáticas de uso público”. Trata-se, no entanto, de um direito inserido no contexto da
liberdade de expressão, sendo possível falar-se numa “liberdade de expressão via internet”. Não está aqui em
causa, diretamente, a afirmação de uma posição jusfundamental dos cidadãos enquanto administrados
perante a Administração Pública.

A existência de um direito de cada cidadão a relacionar-se por meios eletrónicos com a Administração Pública
terá sempre um objeto ou conteúdo material bem mais vasto, compreendendo todas as formas possíveis de
relacionamento dos cidadãos com a Administração Pública: tratar-se-á, em qualquer caso, de um direito
sempre dependente do financeira e tecnicamente possível face a cada estrutura administrativa.

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A Desterritorialização da Administração Pública

Administração Pública descentrada do Estado

As exigências da vida contemporânea envolvem que haja hoje setores da Administração Pública que não
passem pelo Estado- que haja uma abertura de fronteiras e dos espaços económicos, um desenvolvimento do
comércio internacional e a progressiva aceleração do movimento de circulação de pessoas; tudo isto numa
“sociedade mundial do risco”.

A globalização faz com que cada vez mais existam relações administrativas atravessadas por fronteiras.

Isto projeta-se em duas vertentes:

1) Crise do princípio da territorialidade e do princípio da soberania- uma vez que no território do Estado
é possível aplicar direito estrangeiro que goza de uma aplicação ou eficácia extraterritorial;
2) Há cada vez mais interesses transnacionais, comuns a diversos Estados- cada vez mais problemas
nacionais são problemas que extravasam o território do país; por exemplo, os direitos fundamentais,
a segurança, a defesa, a saúde, o ambiente, etc.

Isto também leva a um acentuar do protagonismo do Governo, por via do aumento das matérias integrantes
da política externa e da importância crescente da negociação e conclusão de convenções internacionais
reguladoras dos interesses transnacionais.

A ideia de uma Administração Pública territorializada, fazendo do Estado o seu centro gravitacional, mostra-
se incompatível ou pelo menos incoerente com uma conceção personalista do fenómeno administrativo.

Entidades no plano superior ao Estado:

Hoje há uma Administração Pública sem Estado e fora do Estado- Direito administrativo global. A
Administração Pública tornou-se uma realidade independente do Estado: pode existir Administração Pública
sem qualquer Estado na sua base, tal como existem administrações públicas comuns a diversos Estados.

◊ Administrações de Estados estrangeiros que têm relevância no nosso território;


◊ Administrações de organizações internacionais;
◊ Administrações provenientes de entidades privadas.

 Espaços Administrativos Comuns: os condomínios de Administrações: Exercício partilhado de


poderes- há 3 espaços de Administração Pública:

 Há zonas de administração exclusiva do Estado;


 Há zonas de exercício em comum da função administrativa;
 Há zonas de administração exclusiva de entidades supraestaduais- o exemplo paradigmático é a União
Europeia.

A existência de espaços administrativos comuns, revelando também a existência de fenómenos de


transterritorialidade administrativa, não pode deixar de envolver uma erosão do Estado e uma inevitável
internacionalização da Administração Pública.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Administração Pública sem Estado- exemplos:

- Administração Pública das uniões internacionais- a génese das organizações internacionais. Desde o século
XIX que os Estados compreenderam que existiam matérias de natureza administrativa relativamente às quais,
sem uma ação concertada com outros Estados, se mostravam insuscetíveis de uma eficaz regulação unilateral
ou exclusiva por cada um deles- surgiram então as uniões administrativas internacionais. As uniões
administrativas internacionais pouco mais representam do que uma “coligação” internacional de uma
pluralidade de Administrações nacionais;

- Organizações internacionais do séc. XX- o século XX veio aprofundar as estruturas internacionais encarregues
da gestão e prossecução de interesses públicos transnacionais, fazendo emergir as organizações
internacionais. O evoluir dos tempos veio mostrar a insuficiência e a ineficácia da ação isolada dos Estados: a
transnacionalidade dos interesses públicos determinou a imperatividade de se encontrarem respostas
internacionais e as organizações internacionais foram a resposta encontrada pelos Estados;

- Administração Pública da União Europeia- tem um interesse próprio (interesse público comunitário) e uma
estrutura administrativa própria, autónoma dos seus Estados-membros. Ela pode ser prosseguida por
estruturas próprias da UE, mas há hoje o fenómeno de europeização das administrações públicas nacionais.
Isto significa que a Administração Pública da UE decide mas que em regra quem executa as decisões são as
administrações dos Estados Membros.

Os Estados membros da UE aplicam o direito da UE, funcionando como Administração Indireta da UE. Os
Estados membros harmonizam o seu direito interno com o direito da UE.

A Administração Pública portuguesa é também Administração Pública da UE quando executa o direito da UE,
com duas particularidades: quando executa o direito da UE, o órgão superior é a Comissão Europeia e não o
Governo português; para além disto, podem existir conflitos entre o direito português e o direito da UE,
prevalecendo nestes casos o direito da UE.

A Administração Pública da UE revela um curioso fenómeno de recíproca interdependência ou de influência


cruzada face às Administrações Públicas dos Estados-membros:

1) Num primeiro momento, existe uma clara influência da organização e funcionamento das
Administrações Públicas dos Estados-membros e dos respetivos ordenamentos jurídicos na
formação e desenvolvimento da Administração Pública comunitária e do inerente Direito
administrativo Europeu, em termos substantivos e contenciosos;
2) Num segundo momento, sem que o anterior desapareça, regista-se o desenvolvimento autónomo
da Administração Pública comunitária, criando estruturas próprias e regras procedimentais privadas,
incluindo a formação jurisprudencial de princípios jurídicos específicos, reforçando a autonomia da
instituição supranacional face aos Estados-membros;
3) Num terceiro momento, sem que os anteriores se tinham extinguido, observa-se a repercussão da
Administração Pública da UE e do seu ordenamento jurídico junto dos Estados-membros,
reformulando e reconfigurando a organização, o funcionamento e a atividade administrativa destes
últimos, à luz de um relacionamento vertical de integração ou convergência.

A UE emite atos que são vinculativos para os Estados. Tem o propósito de harmonização das legislações dos
Estados Membros. O Direito da UE tem primado sobre o direito ordinário dos seus Estados membros. As
Administrações Públicas dos Estados membros funcionam como administrações federadas da UE. Para além
disto, o direito da UE também tem como fonte princípios comuns aos Estados membros, havendo aqui um
fenómeno: o direito da UE não só influencia verticalmente a decisão dos Estados membros, como estes têm
um direito que integra a UE. Há aqui por isso um fenómeno em dois sentidos diferentes.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Há ainda Administrações Públicas de Organizações Não Governamentais (pessoas coletivas sem fins
lucrativos), como é o caso da Cruz Vermelha nacional. Estas organizações, tendo um propósito de atuação na
cena internacional, são criadas por iniciativa privada ou público-privada, através de ato de Direito interno de
um Estado, possuindo uma personalidade jurídica privada, prossegindo propósitos transnacionais. Também
elas têm uma administração e podem exercer funções em termos globais.

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Dimensão Intertemporal da Administração Pública

A regra é a da liberdade conformadora; uma vez que o legislador pode sempre mudar as suas opções
(mutabilidade intencional), a atuação administrativa pode também sempre mudar. Isto com base no princípio
democrático: uma maioria tem uma nova ideia que expressa em leis que a Administração Pública vai executar;
e também com base no princípio da prossecução do interesse público e ainda no princípio da segurança
jurídica e da proteção da confiança.

A conformação jurídica da organização, funcionamento e relacionamento da Administração, se se excetuar a


intervenção reguladora da Constituição, pode ser feita através dos seguintes instrumentos:

i. Por via legislativa, exercendo o legislador uma liberdade conformadora na normatividade referente à
Administração Pública, naturalmente dentro dos limites impostos pela Constituição e demais
juridicidade vinculativa;
ii. Por via administrativa, encontrando-se a Administração Pública habilitada a definir a sua própria
conformação jurídica, respeitando o quadro das vinculações constitucionais e legais estabelecidas,
segundo duas diferentes modalidades:
- Através de um instrumento normativo: o regulamento;
- Mediante instrumentos que, por via unilateral ou bilateral, configuram relações jurídicas concretas:
o ato administrativo e o contrato.

Há, todavia, dois limites:

1) Configuração do futuro- deve obedecer à regra de previsibilidade e à regra da calculabilidade. Quando


se muda para o futuro uma solução, essa solução não pode ser completamente inesperada, tem de
haver um mínimo de previsibilidade.

Como é que a Administração Pública pode definir o futuro? Há o princípio base de que ninguém tem o direito
à manutenção de uma lei, ninguém pode invocar um direito à imutabilidade do sistema jurídico (salvo se se
atribuir relevância jurídica a promessas eleitorais de governantes ou ao conteúdo do programa de governo).
Isto porque se uma lei não puder ser modificada por outra lei, teria um valor absoluto que, em termos
jurídicos, teria um valor constitucional. O direito ordinário passaria de ser ordinário para ser direito
constitucional, para uma constituição rígida. Existe um princípio geral de autorevisibilidade das leis. Tem de
ter sempre presente o limite do princípio da segurança e da tutela da confiança, é juridicamente inadmissível
que as mudanças, pela sua frequência ou grau de radicalidade, lesem a segurança e a confiança.

Respeitado que seja o “espírito do sistema”, o exercício da liberdade conformadora do decisor na configuração
do futuro da Administração Pública determina, desde que não se projete em relação ao passado, que os
princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança cedem perante os princípios democrático e da
melhor prossecução do interesse público.

Todos os atos jurídicos têm a ideia da alteração das circunstâncias: uma modificação anormal dos
pressupostos de facto em que assentou uma decisão pode justificar a alteração dessa decisão. O passado
torna-se presente para reconfigurar o futuro.

2) Atendibilidade do passado- Tem de haver respeito pelos efeitos já existentes. Por força dos princípios
da separação de poderes, da tutela da segurança e da proteção da confiança, o respeito pelo princípio
da intangibilidade do caso julgado é um limite intransponível a qualquer regulação envolvendo a
Administração Pública que procure antender ao passado.

Temos de ter presente a diferença entre a retroatividade e a retroconexão.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

A propósito da atendibilidade do passado, temos de ter em conta três grandes princípios:

- Princípio da Intangibilidade do caso julgado- não podemos alterar aquilo que transitou em julgado. Mas há
exceções: é possível mudar o caso julgado quando ele é inconstitucional ou quando é mais favorável aos
destinatários.

- Princípio da Não retroatividade lesiva- lesiva em termos de sacrifícios pessoais ou patrimoniais.

- Princípio da Não Retroconexão- o legislador pode até modificar os efeitos, mas tem de consagrar um direito
transitório ou cláusulas de equidade.

Há casos de obrigatoriedade de retroatividade:

i. Decisões sancionatórias de conteúdo favorável ao destinatário;


ii. Se está em causa a execução de uma norma retroativa ou a decisão judicial;
iii. Na interpretação de decisões anteriores- as normas interpretativas têm sempre efeito retroativo;
iv. A declaração de invalidade de um ato, por via de regra, tem efeitos retroativos até ao momento em
que surgiu essa invalidade.

Invalidade da Conformação e Modulação Judicial de Efeitos

O reconhecimento judicial da invalidade de ato jurídico relativo à organização, funcionamento ou


relacionamento da Administração Pública determina a sua “destruição”retroativa.

» Limites da apreciação da invalidade:

Depende se estamos perante anulabilidade ou nulidade:

a. Anulabilidade: os atos anuláveis produzem efeitos até serem anulados e a anulação tem efeitos
retroativos;
b. Nulidade: os atos nulos não produzem efeitos e a sua declaração não suscita a questão de se é ou não
retroativa, apenas informa que aquele ato nunca produziu efeitos.

Contudo, não é assim tão simples:

Os atos anuláveis podem consolidar-se na ordem jurídica e, assim, já não podem ser destruídos
retroativamente. Para além disto, a ordem jurídica permite que aos atos nulos possam ser reconhecidos
efeitos jurídicos quando se verificam dois requisitos: o decurso do tempo e a tutela da confiança e da boa fé
das pessoas.

Art. 282º- a inconstitucionalidade não obsta a que as normas produzam efeitos nos casos de:

- Interesse público de excecional relevo;

- Razões de segurança jurídica;

- Razões de equidade.

Qualquer um destes valores pode prevalecer sobre o princípio da constitucionalidade. Se assim é, também
podem prevalecer sobre o princípio da legalidade.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Invalidade

Como se projeta no tempo a conformação da invalidade?

A destruição retroativa dos atos inválidos é a regra geral. Assim sucede com o Tribunal Constitucional- 282º/1
e 2- com os Tribunais Administrativos.

Limites à retroatividade da destruição destes atos:

1. Decisões judiciais já transitadas em julgado;


2. Decisões administrativas já consolidadas na ordem jurídica- já foram anuláveis mas nada foi feito;
3. 282º/4 CRP- este limite significa que a norma é inconstitucional, mas não obstante ser
inconstitucional, permanecem os efeitos inconstitucionais dessa norma, com base em uma de três
razões (as já referidas no 282º).

Isto que acontece em sede de inconstitucionalidade, também pode acontecer em sede de ilegalidade- 144º
CPA e 76º/2 CPTA (Código do Processo dos Tribunais Administrativos): a declaração de ilegalidade de um
regulamento não impede que continue a produzir efeitos em nome das mesmas três razões. Quando a
Administração Pública aplica o 282º/4 CRP, está a agir contra constitutionem, mas só à primeira face, visto que
o nº 4 ainda é uma disposição da própria Constituição. No entanto, se o TC já se pronunciou pela
inconstitucionalidade da norma, temos uma Administração Pública contra constitutionem.

Pode acontecer que o TC nos venha dizer que a norma é hoje considerada declarada inconstitucional, mas que
se mantém em vigor até dia 30 de dezembro, o que significa que não só os efeitos do passado se mantêm na
ordem jurídica, mas também que a Administração Pública está obrigada a aplicar, desde hoje até dia 30 de
dezembro, a lei inconstitucional.

Qual o âmbito de aplicação destas normas?

O 282º/4 é uma norma excecional ou é um afloramento de um princípio geral? Esta disposição é aplicável aos
casos de inconstitucionalidade mas também aos casos de ilegalidade equiparada à inconstitucionalidade.

Também na fiscalização sucessiva concreta os tribunais podem aplicar este artigo e na difusa também.

Se atos cujos efeitos são inconstitucionais podem ser aplicados, por maioria de razão temos de admitir que os
atos cujos efeitos são meramente ilegais também estarão sujeitos a este regime. Se se permite o mais,
também se deve permitir o menos.

Art. 163º/5 CPA- os atos são anuláveis mas não produzem efeito anulatório: a própria lei transforma o ato
numa mera ilegalidade.

Casos de aplicabilidade para o futuro:

Há normas que foram declaradas inconstitucionais mas que mantêm a a produção dos seus efeitos (no caso
das três razões já referidas).

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

O poder judicial tem o poder de, perante atos que são ilegais, modelar os seus efeitos. Então, se pode fazer
isto em casos de ilegalidade, mantendo efeitos ilegais na ordem jurídica, não poderá também a ordem jurídica
permitir o mesmo em casos de atos válidos, em nome do princípio da segurança?

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Organização da Administração Pública

A Administração Pública também pode ser vista como uma estrutura organizativa.

◊ Estruturas Subjetivas Públicas

O que é uma pessoa coletiva pública? Há uma multiplicidade de critérios:

i. Entidades públicas por natureza;


ii. Entidades públicas por definição legal- aquelas que a lei qualifica como tal;
iii. Critérios da doutrina.

Mas a verdade é que nenhum deles responde hoje à pergunta “o que é uma pessoa coletiva?”, por isso surge
outra pergunta: se nenhum destes critérios responde como é que podemos responder à 1ª pergunta?

As pessoas coletivas de direito público são então aquelas que reúnem dois traços:

1. A atividade prossegue fins primariamente de natureza pública- são fins primariamente mas não
exclusivamente públicos. Uma entidade pública também pode prosseguir fins que não são
exclusivamente públicos. O bem comum define a natureza pública dos fins.

2. Prosseguem esses fins com base num título jurídico do poder político- tem a ver com a fonte que
habilita a prossecução dos fins públicos. Esse título é sempre concebido pelo poder público, e pode
ser a Constituição (ex: tarefas fundamentais do Estado- art. 9º), pode ser a lei ordinária, pode ser uma
Convenção Internacional, pode ser um ato da UE ou de uma Organização Internacional, pode ainda
ser um regulamento, um contrato administrativo, um ato administrativo ou até uma sentença judicial.

Espécies de Pessoas Coletivas Públicas:

 De base territorial- o seu substrato assenta num território e numa comunidade humana:
- Estado;
- Regiões Autónomas;
- Autarquias Locais- o município e a freguesia.

 De base institucional- assentam numa instituição, traduzindo um instituto público. Recortam-se pela
negativa: são todas aquelas que não são de base territorial ou associativa. Podem ter duas naturezas
diferentes:
- Institutos Públicos sem caráter empresarial- por exemplo, a Universidade de Lisboa ou os Institutos
Politécnicos Públicos.
- Institutos Públicos com caráter empresarial- por exemplo, as designadas empresas públicas.

 De base associativa- assentam numa associação de pessoas, que pode ser:


- Associação pública de entidades privadas- por exemplo, a Ordem dos Advogados.
- Associação pública de entidades públicas- por exemplo, as associações de municípios.
- Associação pública de caráter misto- integram estruturas associativas entre entidades públicas e
entidades privadas- por exemplo, um consórcio que junte a Universidade de Lisboa e a Empresa X,
com vista ao desenvolvimento de uma parceria no âmbito da investigação em aeronáutica).

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Traços Comuns:

a) Titularidade de fins próprios- cada pessoa coletiva prossegue sempre fins próprios, que se designam
por atribuições. Se uma pessoa coletiva invade as atribuições de outras pessoas coletivas, estamos
perante uma incompetência absoluta. Não será usurpação de poderes, uma vez que não estamos no
âmbito de um problema de separação de poderes, estamos dentro do mesmo poder, o poder
administrativo. Só haverá usurpação de poderes se alguém que não faz parte da Administração
pratica um ato administrativo ou quando alguém da Administração pratica um ato de outro órgão de
soberania.

Como poderemos diferenciar os fins de uma entidade coletiva pública de outra? Através do critério territorial,
porque é o território que delimita a área de atuação de cada fim.

b) Cada pessoa coletiva pública tem uma capacidade jurídica de direito público e também uma
capacidade jurídica de direito privado- normalmente a capacidade jurídica de direito privado é mais
restrita que a de direito pública. O que as diferencia é o direito que as regula.

c) Titularidade de património próprio- podem ter mais ou menos, mas todas as entidades públicas têm
um património próprio.

d) Autonomia administrativa e autonomia financeira- não há pessoas coletivas públicas sem o mínimo
de autonomia; autonomia administrativa significa competência para elaborar normas e também
competência para decisão concreta. A autonomia finaceira pode significar autonomia orçamental,
autonomia para a prática de atos que envolvam dinheiros públicos (aqui há um grau mínimo de
autonomia).

e) Poder de auto-organização interna- cada entidade pública tem sempre competência para definir
regras de organização e funcionamento dos seus órgãos e serviços.

f) Submissão a regras de contratação pública- as entidades públicas estão sujeitas a regras especiais para
a contratação, não podem ir aos CC e escolher o tipo de contrato que melhor lhe convier ou inventar
tipos de contratos.

g) Personalidade judiciária e legitimidade processual- todas as pessoas coletivas públicas podem


desencadear ações nos tribunais e podem contra elas ser desencadeadas ações no tribunal. Podem
ser sujeitos de uma relação processual, podendo ser sujeitos ativos ou sujeitos passivos.

h) Sujeição de todas as entidades públicas a mecanismos de responsabilidade civil, financeira e política-


a regra no Direito português é a da responsabilidade.

i) Toda a entidade das pessoas coletivas públicas está sujeita ao controlo pelos tribunais administrativos.

Observações:

1. Desconsideração ou levantamento da personalidade coletiva- casos em que a OJ ultrapassa a figura


da pessoa coletiva para atingir os titulares dos seus órgãos. A responsabilidade é aferida através das
pessoas singulares que compõem a pessoa coletiva. Um exemplo é a responsabilidade pessoal dos
funcionários e agentes da administração: quando um funcionário administrativo age de forma dolosa

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

ou com uma diligência manifestamente inferior à que deveria ter tido, há responsabilidade pessoal
desse titular do órgão. Outro caso será o da responsabilidade criminal dos titulares dos órgãos por
condutas de ação ou de omissão. Quando um titular é acionado judicialmente para responder em sede
de responsabilidade civil ou penal, quando este contrata um advogado, quem deverá suportar os
honorários? O titular do órgão ou a própria pessoa coletiva?

2. A personalização de estruturas orgânicas- órgãos públicos que são tratados pelo Direito como se
tivessem personalidade jurídica, mas na realidade não têm. Há uma personificação funcional se órgãos
públicos. Por exemplo: o PR quando pratica atos em matéria administrativa.

Isto tem relevância em sede de auto-organização interna, em sede de autonomia patrimonial e


responsabilidade civil e em sede de personalidade judiciária e legitimidade processual.

◊ Estruturas Subjetivas Coletivas Privadas

Não é feita ao abrigo do CC. Há uma influência do direito da UE, há um conceito de organismo de direito
público, que é todo aquele que está sujeito ao direito público.

Critérios:

1. Entidades privadas maioritariamente financiadas por dinheiro público- é um organismo de direito


público;
2. Entidades que estão sujeitas ao controlo ou gestão de uma entidade pública;
3. Quando um órgão da pessoa privada é maioritariamente composto por órgãos direta ou
indiretamente eleitos pela Administração Pública;

Podem existir associações privadas de entidades públicas. Também podem existir fundações privadas
integradas por entidades públicas, o que determina o risco de as pessoas coletivas privadas em cascata: há
uma entidade pública lá em cima que cria uma entidade privada, que por sua vez cria outra entidade privada,
que participa noutras entidade privada.

 Traços do regime de criação de entidades privadas por entidades públicas:

a) Não há uma liberdade descricionária pelas entidades públicas, sendo sempre necessária uma lei
habilitante;
b) Os institutos têm de respeitar três condições para criarem entidades privadas:
- Existência de previsão legal ou estatutária;
- Indispensabilidade e prova da criação da entidade privada para se prosseguirem as nomeações da
entidade pública;
- Autorização prévia do ministro das finanças e do ministro competente sobre a respetiva área.

A criação de empresas locais por parte de municípios obedece a exigências legais.

Estas entidades privadas criadas por entidades públicas fazem parte da Administração Pública sob forma
privada. Ou seja, há duas Administrações Públicas:

1. Uma Administração sob forma pública, a tradicional;

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2. Uma Administração sob forma privada- pessoas coletivas de direito privado e sujeitas a uma influência
pública, sendo por isso também públicas.

 Capacidade Jurídica das Entidades Públicas

Engloba as posições jurídicas ativas e passivas das entidades públicas.

Todas as pessoas jurídicas têm uma capacidade jurídica pública, mas também têm, em maior ou menor grau,
uma capacidade de direito privado.

Princípios Operativos:

» Princípio da especialidade- têm poder apenas para os fins para que foram criadas.
» Princípio da reserva de lei- tem de ser uma lei a atribuir as posições jurídicas das entidades públicas.
» Teoria dos Poderes Implícitos- pode-se extrair das atribuições das entidades públicas uma regra
implícita de meios: se elas têm determinados fins, significa que a OJ lhes atribui os meios necessários
para a sua prossecução.

Concorrência da Capacidade de Direito Privado- como se conjuga com a Capacidade de Direito Público? Há
que obedecer à precedência da lei.

Tipos de Capacidade Jurídica das Entidades Públicas

 Capacidade Jurídica Substantiva/Material.


 Capacidade Jurídica Processual, junto dos tribunais, tendo uma legitimidade ativa ou passiva (na
posição de réu).
 Capacidade Jurídica Interna, que envolve posições jurídicas no âmbito do território português.
 Capacidade Jurídica Externa- serão apenas os estados que têm capacidade externa/internacional?
Não, ao lado dos estados existem um conjunto diversificado de sujeitos de direito internacional com
capacidade internacional. Pode não existir personalidade internacional mas existir capacidade
internacional. Por exemplo: a universidade de lisboa que pode celebrar um protocolo com a
universidade de Madrid, estes protocolos não são convenções internacionais, mas são atos bilaterais
no âmbito do direito administrativo e que expressam uma capacidade internacional. Ou a Região
Autónoma da Madeira celebrar um acordo com a Região Autónoma das Canárias. Está patente, nestes
dois exemplos, uma capacidade externa das pessoas coletivas públicas.

Figuras Características das Entidades Públicas

 Representação- a capacidade jurídica das entidades públicas não exclui o fenómeno da


representação. É a possibilidade conferida pela OJ de uma entidade pública utilizar o instituto geral
de representação. Por exemplo, há situações de representação dentro da própria organização
administrativa: o presidente da câmara representa o município no tribunal; ou ainda a representação
de terceios alheios à atuação administrativa: advogado contratado por uma entidade pública, que
presta um serviço cujos efeitos são transpostos para a entidade pública.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Gestão de negócios- pode configurar-se de duas maneiras: ou os particulares como gestores de


negócios da Administração ou a gestão de negócios dos particulares por entidades públicas. A gestão
de negócios obedece sempre ao princípio da competência. Não é possível a gestão de negócios entre
entidades públicas: ou há lei a permitir e não há gestão de negócios (há competência comum), ou não
há lei e por isso há incompetência absoluta.

 Relações Interssubjetivas- Relações entre Entidades Públicas

o Natureza das normas que conferem atribuições às entidades públicas- duas conceções:

1. Tese da incomunicabilidade- Freitas do Amaral- cada pessoa coletiva tem as suas próprias atribuições
e não há qualquer sobreposição entre as atribuições da entidade A e da entidade B. Há um sistema de
fronteira rígida.

2. Tese da comunicabilidade de atribuições:

1º Argumento: muitas vezes, o legislador utiliza critérios abertos e conceitos vagos para identificar as
atribuições das entidades públicas e isto consubstancia um elemento de incerteza.

2º Argumento: há matérias em que, sobre elas, podem intervir em níveis ou em graus diferentes, diversas
entidades públicas, de forma que não podemos dizer a priori que há matérias que são exclusivas de uma única
entidade pública. Por exemplo, o ambiente ou o ordenamento do território: sobre estas duas matérias pode
ser competente o Estado, ou a Região Autónoma, ou o município; a disciplina do ensino superior: a quem
compete? Compete indiscutivelmente ao Estado, mas também às Universidades e, dentro de cada
Universidade, há matérias que pertencem a cada faculdade. Esta é a tese defendida pelo Prof. Paulo Otero.

o Estas normas de atribuições são dotadas de elasticidade:

Há cada vez mais uma divisão vertical das atribuições, o que significa que há atribuições que pertencem ao
Estado, outras que pertencem às RA, outras que pertencem às autarquias locais e outras que eventualmente
pertencem a outras entidades públicas.

Fenómenos de Elasticidade das Normas de Atribuições:

 Princípio da subsidariedade ao nível da competência- aquilo que puder ser feito pelas entidades
menores ou mais próximas, não deve ser feito pelas entidades mais distantes ou mais elevadas. Mas
aquilo que as entidades menores não conseguirem fazer com tanta eficiência, pode e deve subir essa
competência para as entidades maiores.
 Princípio da supletividade do Direito do Estado- a competência primária pode pertencer a uma
entidade infraestadual; mas se ela não age ou, se age, age ilicitamente, é o Direito do Estado que vem
preencher este vazio, tendo assim o Estado uma competência de intervenção permanente.
 Princípio da prevalência do Direito do Estado- há casos em que, em conflito entre a vontade de uma
entidade infraestadual e a vontade do Estado, é esta última que prevalece.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

o Existência de Relações Jurídicas entre as entidades públicas:

Significa poderes de intervenção de uma entidade pública sobre a esfera das atribuições de outras entidades
públicas. Estes poderes de intervenção podem ser sobre entidades públicas sob forma pública ou podem ser
poderes de intervenção sobre entidades públicas sob forma privada.

a) Poderes de intervenção sobre entidades públicas de forma pública:

Todos estes poderes concretizam um princípio de organização, o princípio da unidade. Isto significa que tem
de haver sintonia e mecanismos que assegurem esta unidade. Por outro lado, a estrela que garante a unidade
da administração é, à luz da CRP, o Governo. Isto está intimamente relacionado com a responsabilidade
política: o Governo só é responsável politicamente pelos poderes administrativos. No âmbito dos poderes de
intervenção administrativos, o governo marca a amplitude da responsabilidade política.

1. Superintendência- uma entidade pública pode orientar a atividade de outras entidades públicas. É um
poder de orientar, que significa definir os fins, as metas, mas dar liberdade de meios para se atingirem
essas metas. É através da superintendência que o Governo fixa as grandes orientações a que deve
obedecer o agir das entidades infraestaduais (administração indireta), através de diretivas ou de
recomendações. Este poder, nos termos do art. 199º/d), só existe sobre a Administração Indireta.

Precisará este poder de lei para poder ser exercido ou basta o artigo referido? Na opinião de PO, o Governo
pode sempre exercer um poder de orientação sobre as entidades da Administração Indireta,
independentemente de previsão legal.

2. Tutela (Lei nº 27/96)- a tutela administrativa surge no âmbito da descentralização: um sistema


descentralizado é aquele em que a função administrativa está confiada não apenas ao Estado, mas
também a outras pessoas coletivas territoriais, designadamente as autarquias locais. Contudo, esta
descentralização tem limites e a intervenção do Estado na gestão das autarquias locais é um desses
limites. O Estado intervém sob forma de tutela administrativa.

A tutela administrativa é o poder de controlar, fiscalizar, a atividade desenvolvida por outra entidade pública.
Este controlo pode ser um controlo que envolve emitir juízos de legalidade ou pode envolver emitir juízos de
mérito, que é mais intenso que o juízo de legalidade, ou envolver os dois. Ou seja, o fim da tutela é assegurar,
em nome da entidade tutelada, que esta cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adotadas soluções
convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público.

A regra, no direito português, é a de que a tutela só existe nos casos expressamente previstos na lei e, por
isso, não se presume. Pode existir, por isso mesmo, uma tutela de legalidade ou uma tutela de mérito ou,
dentro destas, uma tutela financeira. Pode ainda existir uma tutela inspetiva (quanto ao conteúdo; é a tutela
mínima) ou uma tutela integrativa (vem dar eficácia ao ato), uma tutela sancionatória, uma tutela revogatória
ou anulatória (visa destruir efeitos jurídicos produzidos por outras entidades públicas), ou ainda uma tutela
substitutiva (agir no lugar da entidade tutelada). Discute-se ainda a existência de uma tutela contratual- PO
diz que é admissível se existir uma norma legal habilitante desta cláusula de intervenção.

Regime Jurídico da Tutela Administrativa:

◊ A tutela administrativa não se presume, pelo que só existe quando a lei expressamente a prevê e na
modalidade que a lei prevê;

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

◊ A tutela administrativa sobre as autarquias locais é hoje uma simples tutela de legalidade, não há
tutela de mérito sobre as autarquias locais;
◊ A autoridade tutelar tem o poder de dar instruções à entidade tutelada quanto à interpretação de leis
e regulamentos em vigor ou quanto ao modo de a entidade tutelada exercer a sua competência?
◊ A resposta é não. A entidade tutelada pode consultar o Governo sobre dúvidas de interpretação de
diplomas em vigor. Mas as respostas do Governo não são ordens, nem instruções, nem diretivas, são
meros pareceres e de caráter não vinculativo. Algo contrário seria violador do princípio da autonomia
das autarquia locais e da descentralização democrática da AP;
◊ A entidade tutelada tem legitimidade para impugnar, quer administrativa quer contenciosamente, os
atos pelos quais a entidade tutelar exerça os seus poderes de tutela. Por isso, se a entidade tutelar
exercer um poder de tutela em termos que prejudiquem a entidade tutelada, esta tem o direito de
impugnar esses atos junto dos tribunais administrativos.

3. Coordenação- tem o propósito de harmonizar interesses de diferentes entidades públicas, interesses


que podem estar ou já estão em colisão. Tem como objetivo definir soluções de harmonização,
compatibilização que evitem os conflitos e as contradições. Pressupõe uma diferença entre a entidade
coordenadora e a entidade coordenada- não há uma situação de paridade. Estão sujeitas a
coordenação governamental todas as entidades públicas, com exceções: (i) estão fora as entidades
que estão sujeitas a mecanismos de cooperação, (ii) e também não estão incluídas as entidades a
quem a coordenação pertence ao governo regional: se pertence a este, não pode pertencer ao
Governo da República.

4. Cooperação- existe num cenário de paridade. Pressupõe um esforço de colaboração conjunta, que
tem o propósito de consertar, por via consensual, os interesses em descrepância, porque podem
existir fins comuns. O princípio geral é o dever de cooperação entre as entidades administrativas.
Deveres acessórios: (i) dever recíproco de auxílio, (ii) dever recíproco de informação, (iii) dever
recíproco de lealdade, (iv) dever recíproco de colaboração, (v) dever recíproco de não criar obstáculos.

Exemplos: cooperação entre a UE e os Estados-Membros e o inverso, cooperação entre os próprios Estados


membros, cooperação entre o Estado e as RA (229º/1 e 4).

 Relações envolvendo entidades públicas de natureza privada:

Influência dominante que significa mecanismos de intervenção de quem a tem sobre a atuação de quem está
sujeito a influência dominante.

Esses mecanismos traduzem-se na designada função accionista. Pode envolver:

- O controlo da maioria do capital- designar a totalidade dos membros dos órgãos;

- A definição das suas linhas estratégicas;

- Apenas um poder de participar- partilha com entidades privadas o capital social.

As entidades públicas podem recorrer aos mecanismos de direito privado.

As entidades públicas têm mais meios por vezes de intervenção sobre as entidades privadas sujeitas à sua
influência dominante do que tem sobre outras entidades públicas.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

◊ Estruturas orgânicas

Órgãos decisórios (definem o direito no caso concreto) e órgãos consultivos (emitem um juízo que pode ser
tido ou não em conta pelo órgão decisório- exceto se for vinculativo-, fazem um estudo da decisão, preparam
a decisão, mas não determinam o conteúdo da mesma).

A especificidade dos órgãos no agir administrativo: artigos 21º a 35º do CPA, resumem o regime jurídico dos
órgãos colegiais. A colegialidade administrativa tem diversas especificidades:

1. Um órgão colegial, para poder funcionar, necessita de um número mínimo de membros, que é metade
+1- quórum;

2. O processo jurídico mais frequente pelo qual os órgãos colegiais deliberam chama-se votação há,
porém, certos órgãos colegiais que podem deliberar sem ser através de votação, por exemplo o
Conselho de Ministros que delibera por consenso.

3. Um órgão colegial, estando regularmente constituído, ou seja, existindo quórum, para deliberar como
é que se apura o sentido decisório? Apura-se através da pluralidade de votos, sendo o critério para
determinar a pluralidade de votos a maioria absoluta – artigo 32º/1 do CPA. Em direito administrativo
a regra é a maioria absoluta, contrariamente à CRP que determina que o critério é a maioria simples.

Quanto à aprovação de decisões é necessário fazer 3 passos:

 Verificar a composição do órgão;


 Analisar quantos membros têm de estar presentes para se poder deliberar;
 Analisar quantos têm de votar num determinado sentido para que haja aprovação.

O que acontece quando não há maioria absoluta nem existe empate? Aplica-se o artigo 32º/2 do CPA: repete-
se a votação, se a situação da 1ª votação se mantiver, a votação é adiada para votação seguinte, sendo neste
caso suficiente a aprovação da maioria simples/relativa.

4. A deliberação só ganha eficácia quando está exarada em ata e a ata está aprovada ou, em alternativa,
quando está aprovado um extrato da ata- 34º/6 CPA.

5. A ata admite votos vencidos, quando a aprovação não for por escrutínio secreto. O voto vencido não
sombra o exercício da liberdade do titular em causa, a liberdade de discordar e de indicar as razões
pelas quais discorda. Como o voto vencido tem a particularidade de isentar de responsabilidade civil,
financeira e criminal o titular que tendo votado contra, faz exarar em ata o respetivo voto de
discordância – artigo 35º do CPA.

NOTAS:

a) A convocatória da reunião deve dizer, com antecedência, o dia, o local, a hora, bem como o objeto da
reunião, ou seja, a ordem do dia, para evitar decisões que apanhem os membros de surpresa e para
que eles se possam preparar minimamente para aquilo que vai ser decidido.

b) Formas de Votação: a regra é a da votação pública (nominal), em que todos os presentes ficam a saber
o sentido dos votos dos restantes, sendo nominal, ou seja, de braços no ar, por exemplo. Mas pode
acontecer que a votação seja por escrutínio secreto/ votação secreta, nestes casos o sentido do voto

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

de cada um, não é conhecido pelos demais, aplica-se por exemplo quando a votação seja sobre
qualidade de pessoas, isto por razões de transparência - artigo 31º do CPA.
» Quando há empates (artigo 33º do CPA), a regra é a de que se repete a votação. Se na 2ª votação
também há empate e a votação é por escrutínio secreto, passa-se a escrutínio aberto, ou seja, a uma
votação nominal, onde basta haver maioria relativa/simples. E se na votação nominal se continua a
verificar empate? Há dois métodos:
 Regra geral: o presidente tem voto de qualidade, significa que se o presidente vota num
determinado sentido e há empate no sentido em que o presidente vota e que os outros votam,
automaticamente se entende que o sentido aprovado é aquele onde o presidente votou (o
voto do Presidente vale por dois).
 Há situações em que o presidente tem voto de desempate. Qual a diferença deste voto com
o voto de qualidade? O voto de desempate do presidente só ocorre quando se verifica um
empate numa votação na qual não participou.

 Titulares de Órgãos da Administração

3 tipos:

i. Órgãos em situação normal- podem exercer as suas atividades como titulares a título profissional
(ex: professores) ou a título não profissional. Não se pode dizer que um ministro, um vereador,
um presidente da câmara exerça a sua atividade a título profissional.

ii. Órgãos em situação especial- são por exemplo os casos de acumulação: o titular do órgão é
simultaneamente titular de outro órgão. Ou ainda como exemplo, as situações de prorogatio:
quando exercem funções para além do seu mandato, ou após a renúncia ao cargo até à tomada
de posse do outro titular. A regra geral: o titular mantém funções até ao termo do mandato,
contudo podem haver exceções e a titularidade terminar antes do decurso do mandato, por
exemplo por morte do mesmo. Nestes casos de exceção pode acontecer que o titular seja
substituído por outra pessoa, ou então um titular de outro órgão acumula funções, adquirindo
mais a titularidade deste órgão renunciado.

iii. Órgãos em situação anómala- a primeira situação são os funcionários de facto: aparentam ser
funcionários mas, na realidade, não o são (ex: numa situação de calamidade pública, uma pessoa
resolve dar o comando de tomar providências públicas, sem ser o funcionário com competências
para isso). Outra situação de funcionários de facto é quando uma pessoa exerce funções com base
numa lei que depois vem a ser destruída com efeitos retroativos ou é considerada
inconstitucional. Outra situação é do usurpador de funções públicas: aquele que conscientemente
resolve assumir funções públicas.

Exercício de Funções Públicas Administrativas:

Princípios Constitucionais- 47º/2 CRP:

 Liberdade de acesso, sendo o acesso feito por concurso público;


 Vínculo de emprego público, contrato de trabalho em funções públicas, nomeação ou a comissão de
serviço.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Princípios Gerais dos Titulares dos Órgãos:

 Vinculação ao fim da prossecução do interesse público;


 Imparcialidade;
 Proibição da acumulação de empregos ou cargos públicos;
 Existência de incompatibilidades- alguém, por exercer certo tipo de funções, não pode exercer outras;
 Responsabilidade- pode ser civil, financeira, disciplinar, criminal ou política.

 Serviços Administrativos:

Serviços administrativos são uma organização de pessoas singulares que existem no interior das pessoas
coletivas e que visam satisfazer as atribuições dessas entidades, através de funções de apoio, de colaboração,
de execução ou de prestação, sempre sob a iniciativa dos órgãos. Por exemplo, a Divisão Académica da FDL.

Espécies de serviços administrativos:

1. Principais e auxiliares;
2. Centrais e locais;
3. Hierarquizados em termos verticais e serviços em rede, organizados horizontalmente.

A gestão dos serviços administrativos pode ser pública ou privada (por exemplo, o Hospital de Loures). A
gestão pública pode ser feita à luz do direito público ou do direito privado, por entidades públicas.

O regime jurídico dos serviços públicos resume-se em quatro ideias:

(1) Cada serviço tem um poder de organização administrativa interna- cada serviço pode configurar a
melhor forma de se estruturar e de funcionar;
(2) Princípio da continuidade dos serviços públicos- a regra é que os serviços públicos prestam um
serviço todos os dias do ano. Com duas particularidades: (i) com a administração eletrónica isto é
cada vez mais verdade, mesmo fora do horário de serviço, nos feriados e nos fins de semana, (ii) o
tema de saber se a continuidade dos serviços públicos limita ou não o direito à greve, distinguindo
os serviços públicos essenciais e os acessórios;
(3) Igualdade e onerosidade na utilização dos serviços públicos- os serviços públicos envolvem uma
contrapartida pela sua prestação: a taxa. A administração não pode fundamentar a discriminação, as
taxas têm de ser acessíveis a todos;
(4) Os serviços públicos podem criar relações especiais de poder em relação aos beneficiários e também
em relação aos funcionários da Administração.

» Teoria da Competência:

Cada órgão tem sempre o conjunto de poderes apto a prosseguir os fins da entidade pública em que se integra.

Já sabemos que as pessoas coletivas públicas são compostas por diferentes órgãos. Sendo que a lei confere
um conjunto de poderes funcionais aos órgãos para que eles possam prosseguir as atribuições da pessoa
coletiva de que fazem parte. Este conjunto de poderes funcionais é a competência desse mesmo órgão.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Surge então o princípio da legalidade da competência: a competência só pode ser conferida, delimitada ou
retirada pela lei, ou seja, é sempre a lei ou um regulamento que fixa a competência de cada órgão da AP –
artigo 36º/1 do CPA.

Deste princípio surgem 3 corolários:

A. A competência não se presume: só há competência quando a lei inequivocamente a confere, com


exceção da competência implícita;
B. A competência é imodificável: nem a Administração Pública nem os particulares podem alterar o
conteúdo da competência estabelecido por lei;
C. A competência é irrenunciável e inalienável: os órgãos administrativos não podem em caso algum
renunciar aos seus poderes ou transmiti-los para outro órgão da Administração Pública ou para
entidades privadas. Com exceção da delegação de poderes e da concessão.

Tipos de competência:

o Competência explícita ou implícita: é explícita quando a lei a confere por forma clara e direta, é
implícita quando é deduzida de outras determinações legais, por exemplo: “quem pode o mais pode
o menos”;
o Competência dispositiva ou revogatória: é dispositiva quando permite construir soluções, pondo e
dispondo acerca do assunto, é revogatória quando permite destruir efeitos das soluções já dadas, ou
seja, revogar ou anular a primeira solução dada. Assim também se verifica a existência de uma
competência primária que envolve a prática de atos primários sobre certa matéria e de uma
competência secundária que envolve a prática de atos secundários, como a revogação;
o Competência firme ou precária: é firme quando é atribuída por lei e só por lei pode cessar, é precária
quando pode cessar por decisão administrativa, não necessitando de ser uma decisão legislativa;
o Competência singular ou comum: é singular quando pertence a um único órgão que a exerce sozinho,
é comum quando é exercida simultaneamente por dois ou mais órgãos. A competência comum pode
estar atribuída de duas formas diferentes: pode ser conjunta (exige a intervenção de todos os órgãos
competentes para a perfeição do ato) ou pode ser alternativa (fica perfeita com a intervenção apenas
de um único órgão de entre os quais são competentes, é o caso da competência delegada, que tanto
pode ser feita pelo delegado como pelo delegante);
o Competência de exercício normal ou de exercício adormecido: é de exercício normal, quando é uma
competência ordinária, da gestão corrente dos assuntos, é de exercício adormecido só em
circunstâncias extraordinárias pode ser exercida);
o Competência própria ou delegada: é própria quando os poderes exercidos por esse órgão são poderes
cuja titularidade lhe pertence, é delegada quando um órgão exerce nos termos da lei uma parte da
competência de outro órgão, cujo exercício lhe foi transferido por delegação ou concessão.

Como se delimita a competência?

o Em função da matéria;
o Em função da hierarquia- ex: se a competência permite ao ministro, não pode um secretário geral
invadir essa competência;
o Em função do território- se está em causa uma competência que é da direção geral da agricultura de
Santarém, não pode a DG da Agricultura de Leiria intervir;
o Em função do tempo- a competência é para ser exercida no presente, o que significa dois limites: (i)
limite quanto à retroatividade da competência administrativa: é ilegal a prática de atos que visem

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

produzir efeitos sobre o passado, (ii) limite contra a ultra-atividade da competência administrativa: é
ilegal o ato que vise regular situações que não se sabe se, ou quando ocorrerão no futuro.

Um certo ato administrativo praticado por um órgão da AP contra as regras que delimitam a sua competência
dir-se-á ferido de incompetência (incompetência em razão de matéria, em razão de hierarquia, em razão de
território ou em razão de tempo).

Estes 4 critérios são cumuláveis e têm de atuar em simultâneo, ou seja, um órgão administrativo que tome
uma decisão só não incorrerá no vício da incompetência se for, ao mesmo tempo, o órgão competente para
tal decisão em razão de matéria, de hierarquia, de território e de tempo. Bastará que não o seja à luz de um
só desses critérios para se tornar automaticamente num órgão incompetente para a prática do ato pretendido.

O regime da competência vem no CPA: arts. 36º, 37º, 38º, 39º, 51º e 52º.

 Competência Delegada- 44º a 50º do CPA.

O órgão que delega é o delegante e o órgão que recebe é o delegado e o ato de delegar chama-se delegação
de poderes.

Especificidades da Delegação de Poderes:

1) Poderes Delegáveis e Não Delegáveis- A não pode delegar no B todos os poderes que tem- há poderes
que são delegáveis e poderes que não o são. Só se pode delegar os poderes delegáveis.
2) Competência Comum- A, durante o período em que B tem os poderes delegados, nunca perde a
competência sobre aquelas matérias, pode sempre exercê-la, sem que B possa dizer ao A que não o
pode fazer porque não é competente. Ou seja, durante esse período, A e B são os dois competentes
na mesma matéria- há uma competência comum.
3) Supremacia do delegante que lhe permite definir os termos como o delegado exerce os poderes- A,
para além de poder exercer os poderes que delegou em B, ainda pode orientar o modo como queira
que B os exerça, ou seja, o A tem uma supremacia que lhe permite definir os termos como o B exercerá
esses mesmos poderes.
4) O delegante pode revogar os atos do delegado- A pode revogar os atos praticados por B, se não
concordar com o modo como B exerceu esses poderes.
5) Revogação do ato de delegação de poderes- A pode também, no limite, revogar o ato de delegação
de poderes. A partir do momento que A revoga a delegação dos poderes, passa a ser A o único e
exclusivo detentor do poder. Significa isto que a competência de B está nas mãos de A. A tem um
poder discricionário tanto para delegar como para revogar a delegação. É por isto que há órgãos que
têm uma competência precária, porque dependem da vontade de outro órgão administrativo: os
órgãos delegados têm sempre uma competência precária porque o delegante nunca está obrigado a
delegar e porque a qualquer momento o delegante pode revogar a delegação de poderes. É o caso do
B quando o A revoga a delegação dos poderes.
6) Eficácia da delegação depende da sua publicidade- se não for publicada haverá uma situação de
ineficácia, isto tem como consequência a incompetência do delegado.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Historicamente, há várias explicações para a delegação de poderes:

i. A aliena os poderes em B- fenómeno de alienação de poderes. Esta tese não é verdadeira porque A
não perde os poderes durante a delegação.
ii. Tese da Autorização- A limita-se a autorizar que o B exerça os poderes. A delegação de poderes é
afinal um ato autorizativo do B poder exercer os poderes. Mas se fosse uma autorização, sempre
que o B agisse sobre poderes delegáveis que não tivessem sido delegados, o vício seria de forma,
por falta de formalidade (a autorização) e o que toda a gente entende é que se B age sobre poderes
delegáveis que não foram delegados, o que há é incompetência.
iii. Tese do Prof. Freitas do Amaral- em direito público podemos diferenciar entre a titularidade do
poder e o exercício do poder. O Prof. diz que o delegante recebe da lei uma competência perfeita,
porque recebe a titularidade e o exercício dos poderes. A delegação de poderes é assim o ato através
do qual o delegante transfere o exercício dos poderes para o delegado. O delegado exerce os
poderes mas nunca tem a titularidade dos poderes. Já o delegante passa a ter uma titularidade vazia
quando transfere para o delegado o exercício dos poderes- titularidade nula.

Como críticas a esta tese, há que toda a gente entende que durante a vigência da delegação de poderes, o
delegante pode continuar a delegar os poderes, ou seja, mantém a titularidade do exercício. Para além disto,
esta tese admite que o órgão possa exercer os poderes apenas com fundamento num ato administrativo:
como é possível que um órgão possa exercer poderes sem ter a titularidade desses poderes? “A delegação de
poderes faz com que o delegado exerça em nome próprio poderes alheios (do delegante)”, é o que diz o Prof.
Freitas do Amaral. A crítica centra-se no facto de um órgão que exerça em seu nome poderes alheios é a
melhor definição de órgão incompetente.

iv. Tese do Prof. PO- para que o órgão possa delegar poderes noutro órgão é preciso:
a) Lei de habilitação- só que a lei de habilitação produz um duplo efeito: tanto habilita o
delegante a exercer os poderes como permite que o delegante os delegue no delegado. A lei
simultaneamente diz que o delegado pode exercer esses poderes se o delegante os conferir.

O que distingue esta tese com a do Prof. Freitas do Amaral é que não há uma transferência dos poderes, mas
sim um alargamento. A alarga os seus poderes sem que veja perdida a sua competência. É um fenómeno de
elasticidade da competência. O exercício da competência que estava inicialmente só nas mãos do A, através
da delegação de poderes é esticado/alargado/comunicado ao B. Durante a vigência da delegação de poderes
ambos são competentes sobre a mesma matéria.

Esta tese não gera uma confusão de poderes, havendo dois órgãos competentes sobre a mesma matéria? O
Direito assenta aqui duas regras para que não haja confusão:

1. Se o delegante exercer primeiro a competência, ele impossibilita que sobre aquela matéria o delegado
possa decidir. O delegante tem uma supremacia.

A eficácia da delegação depende da sua publicidade. Se não for publicada, haverá uma situação de ineficácia.
Isto tem uma consequência: uma incompetência do delegado.

Pode ainda existir uma subdelegação de poderes: introduz-se C, que é subdelegado de B, que é delegado de
A. O B exerce sobre o C todos os poderes, tal como A os exerce sobre B. B é simultaneamente delegado de A
e delegante de C. Durante o período de delegação, todos (A, B e C) são competentes sobre a mesma matéria.
Se A revogar o ato de delegação a B, cessam todas as subdelegações.

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A Delegação de Poderes distingue-se de:

 Transferência legal de competência: é a lei que diz diretamente que a competência do órgão A passa
para o órgão B. O que significa que o órgão A deixa de poder decidir sobre aquela competência, por
isso há um novo órgão competente, o B. A perfeição da competência de B não depende da vontade
de A.
 Delegação de assinatura: há uma permissão para uma mera operação material que se consubstancia
numa assinatura. Quem decide não é quem assina, assina uma decisão tomada por outro órgão. Aqui
os atos não são imputados a quem assina, por o ato foi decidido por outro órgão. Na delegação de
poderes, os atos do órgão delegado são-lhe imputados.
 Coadjuvação: relação de auxílio entre órgãos administrativos. Um auxílio interno que significa prestar
um serviço acessório. Traduz-se na prática de atos internos.
 Substituição: um órgão age no lugar de outro órgão. Na delegação de poderes cada órgão age no seu
lugar.
Na substituição o órgão A tem como substituto o órgão B. O titular de B passa a assumir a posição
jurídica de A. Na substituição é o titular que se desloca, na delegação de poderes é o exercício jurídico
é transferido de A para B.

Tipos de Delegação de Poderes

o Delegação intrasubjetiva: se ocorre entre órgãos da mesma pessoa coletiva. Por exemplo: o ministro
delega poderes no secretário de Estado; a câmara municipal de Lisboa delega poderes no presidente
da câmara de Lisboa.
o Delegação intersubjetiva: entre órgãos de diferentes pessoas coletivas. Ex: o município delega
poderes na freguesia.

O grande poder jurídico que se coloca no âmbito desta distinção:

Regra geral: se o ato de delegação não é publicado gera ineficácia e incompetência.

Mas e quando se trata de uma delegação intersubjetiva? Quando o delegado age sobre poderes delegáveis
mas que não foram delegados? Ou tendo sido delegados, a delegação não foi publicada sendo, por isso,
ineficaz? Que tipo de incompetência se gera?

Resposta, segundo a opinião do Prof Paulo Otero: os atos que o delegado pratica na delegação intersubjetiva
quando a delegação não foi publicada, são atos feridos de incompetência relativa porque, se há lei de
habilitação e os poderes eram delegáveis, então a lei de habilitação conferiu a titularidade a um e a outro
órgão. Se assim, foi não pode ser uma incompetência absoluta, mas sim relativa porque ambos os órgãos de
diferentes pessoas coletivas, são competentes na mesma matéria, apenas não se verificam os requisitos.

Resposta da maioria da doutrina: incompetência absoluta porque é entre dois órgãos de pessoas coletivas
distintas.

 Delegação tácita: o órgão delegante tem a possibilidade de escolher ser ele a exercer o próprio poder
ou escolher que seja o delegado a exercê-lo. Mas há casos em que o delegante não tem o poder de
escolher, porque a lei diretamente confere competência a B mas diz que essa competência está
tacitamente conferida por A, estes são os casos da delegação tácita

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Há casos em que a lei investe A e B da titularidade e do exercício mas diz também que os poderes de B podem
cessar a qualquer momento pela intervenção de A. Isto significa que A continua a ter o poder discricionário de
a qualquer momento fazer cessar/revogar a delegação de poderes.

É uma delegação tácita porque é a lei tacitamente que faz presumir que o A quer delegar os poderes a B, se
ele não quiser, então que revogue a delegação tácita. Em qualquer dos casos a competência de B é sempre
precária, porque a continuação do exercício desses poderes está sempre nas mãos de A, ou seja, do órgão
delegante.

NOTA: Art. 48º CPA- nº1: o delegado deve sempre mencionar que agiu ao abrigo da delegação de poderes. O
nº 2 vem dizer que se não o fizer, isso não afeta a validade do ato e acarreta apenas mera irregularidade.

◊ Relações Orgânicas

Há 5 tipos de relações entre órgãos:

1. Relações de competência comum- dois ou mais órgãos são competentes para a mesma matéria. Pode
ser uma competência conjunta, quando os dois órgãos têm de praticar o mesmo ato para que ele seja
válido, os dois têm de intervir para a validade do ato. Ou pode ser uma competência alternativa,
quando tanto A como B podem celebrar o ato que ele será sempre perfeito, basta que um deles
pratique o ato para que ele seja perfeito, não é necessária a intervenção conjunta para a perfeição do
ato.

2. Relações de substituição- quando um órgão age no lugar ou em vez de outro órgão. Há situações em
que o titular do órgão substituído não existe, porque por exemplo morreu ou está impedido- situações
vicariais- nestes casos há um órgão cujo titular vai substituir o titular do órgão impedido.

Há ainda casos de substituição dispositiva, em que um órgão não quer exercer a competência, porque
por exemplo acha que não é competente.

Pode acontecer que a substituição tenha natureza revogatória- por exemplo, há um órgão que decide x e
o superior hierárquico vem decidir que se deve optar por outra solução.

Pode ainda acontecer que a substituição seja extraordinária, por exemplo em caso de estado de
emergência.

3. Relações de complementaridade- são as que opõem por exemplo os órgãos principais e os órgãos
auxiliares. Pode ainda ser a relação entre os órgãos propulsores (que apresentam propostas) e os
órgãos decisórios (a quem cabe a decisão); ou ainda entre os órgãos deliberativos e os órgãos de
execução, que passam à ação aquilo que os deliberativos decidiram.

4. Relações de cooperação- entre entidades públicas, mas também dentro da mesma entidade pública.
Por exemplo, as relações entre o Estado e as RA; ou ainda a cooperação entre órgãos da mesma
entidade pública.

5. Relações de subordinação- há formas que permitem verificar que nem todos os órgãos da
Administração estão no mesmo plano, desde logo porque há órgãos que têm poder sancionatório e
órgãos que estão sujeitos a sanções. Também porque há órgãos com poder de supervisão e órgãos
que estão sujeitos a ser supervisionados. E ainda porque há órgãos com o poder de orientar e órgãos

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

que estão submetidos a orientação. E, por último, órgãos que têm o poder de direção e órgãos que
estão sujeitos ao dever de obediência.

Hierarquia Administrativa:

Modelo de organização vertical- entre órgãos da mesma pessoa coletiva.

Há um vínculo jurídico entre os órgãos, que confere a um deles o poder de dispor da vontade de outros órgãos
que se encontram vinculados ao dever legal de obediência. O poder de dispor da vontade dos outros órgãos
não é apenas em relação a atos válidos, mas também em relação a atos inválidos.

Poder de Direção- art. 199º/d) da CRP. É aqui que está o cerne da hierarquia administrativa.

Não há hierarquia sem poder de direção e, onde há poder de direção entre os órgãos administrativos, há
hierarquia.

O poder de direção pode manifestar-se em ordens e instruções:

 Ordem é um comando individual e concreto. Através da ordem o superior pode ditar palavra por
palavra o conteúdo da atuação decisória do subalterno.
 Instrução é um instrumento geral e abstrato. O propósito das instruções é fazer interpretação da lei
(função interpretativa), integrar lacunas (função integrativa) e preencher o espaço de
discricionariedade administrativa: a lei dá duas ou várias opções ao decisor, o superior hierárquico
escolhe uma delas.

Através do poder de direção, o superior hierárquico pode esgotar a discricionariedade decisória do subalterno-
disponibilidade da vontade do subalterno.

Este poder tem, contudo, um correlativo: a este corresponde uma transferência do conteúdo decisório do
subalterno para o superior hierárquico. Isto significa que, se da conduta do subalterno resultarem danos, o
responsável é o superior hierárquico. Quem emite as ordens, o superior hierárquico, é responsável
politicamente pelo conteúdo dos comandos hierárquicos que emana.

Princípio da responsabilidade política da administração: quem emite as ordens é responsável politicamente


pelos comandos hierárquicos que emana. E tanto é responsável por aquilo que diz, como por aquilo que não
diz e devia ter dito.

 Casos em que a interpretação do superior hierárquico é ilegal: o que deve fazer o subalterno?

No direito português, a regra geral é a de que há o dever de obediência às instruções e ordens ilegais.

1. Tese moderada- Só há dever de obediência quando a ordem ou instrução ilegal se consubstanciar em


atos anuláveis: se a anulabilidade produz efeitos até ser declarada, significa que a ordem ou a
instrução produz os seus efeitos até prova em contrário. PO defende esta.
2. Há quem defenda que há dever de obediência mesmo a instruções e ordens que se consubstanciem
em atos nulos, exceto em casos de crimes (art. 271º/3 CRP).

Para o prof Paulo Otero, obedecer a comandos ilegais não se traduz numa exceção ao princípio da legalidade,
porque resulta da lei ser legal o cumprimento de uma ordem ilegal – 271º/3 da CRP.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Para o prof Freitas do Amaral, obedecer a comandos ilegais é uma exceção ao princípio da legalidade, mas é
uma exceção legitimada pela CRP, nomeadamente no artigo 271º/3.

Conclusão: todos estão de acordo que mesmo quando as ordens e instruções são anuláveis, o subalterno
ainda deve obedecer. Por isso, só não deve obedecer sempre que o cumprimento das ordens implique a
prática de um crime ou quando as ordens provenham de ato nulo.

O que deve então fazer o subalterno perante uma ordem/instrução que ele considere ilegal?

Dever respeitoso de obediência - deve alertar o superior que tem suspeitas de ilegalidade sobre o comando
e pedir-lhe que mande por escrito se deve ou não obedecer. O superior hierárquico, se escrever que tem o
dever de obedecer, o subalterno não tem outra opção se não obedecer. O subalterno que não obedeça à
ordem, é responsabilizado.

Um subalterno que não proceda à respeitosa obediência pode ser corresponsabilizado pela sua conduta. Ele
pode eximir-se à responsabilidade se pedir ao superior que passe a escrito a sua decisão de o subalterno ter
de obedecer a ordens/instruções ilegais. Mas se não pedir que o superior passe a escrito e acatar
voluntariamente a ordem/instrução ilegal, ele é corresponsável com o superior.

O subalterno tem também o dever de respeito, de pontualidade, de respeito da legalidade, de prossecução


do interesse público, etc.

Isto não ofenderá o artigo 112º nº5, parte final da CRP? A parte que nos interessa é: nenhuma lei pode criar
outros atos com o poder de, com eficácia externa, modificar ou revogar. A contrario, uma lei pode conferir a
atos de natureza diferente o poder de, com eficácia interna, afastar preceitos legais. As ordens e as instruções
são atos com natureza diferente a uma lei, com eficácia interna, que têm o poder de fazer tudo aquilo que o
artigo 122º nº5 nega aos atos normativos.

Nota: quando, porém, tenha sido dada uma ordem ao subalterno com menção de cumprimento imediato,
será suficiente para a exclusão da sua responsabilidade pela prática desse ato ilícito, que reclame e alerte o
superior da ilegalidade da sua ordem, logo após a execução da mesma.

Poderes do superior hierárquico:

Poder de Controlo- poder de inspecionar como o subalterno acata e não acata as instruções. . Quando o
superior hierárquico verifica que o subalterno não agiu em conformidade com as suas ordens/instruções,
assistem-lhe os seguintes poderes:

» Poder de Supervisão- faculdade que o superior hierárquico tem de revogar, anular ou modificar os
atos produzidos pelo subalterno. Poder de agir sobre a conduta decisória do subalterno.
» Poder Disciplinar- poder de aplicar sanções ao subalterno, tanto por não ter cumprido a legalidade,
tanto por não ter cumprido as instruções ou ordens que recebeu, mesmo sendo estas ilegais.

Poder Dispositivo da Competência:

- poder de resolução conflitos de competência entre subalternos.


- poder de delegação- pode delegar parte dos seus poderes, segundo a lei, nos seus subalternos.
- poder de substituição primária: o superior hierárquico pode, em via de regra, substituir-se ao
subalterno. No entanto, quando a lei atribui ao subalterno uma competência exclusiva, o superior não
pode agir em substituição deste.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Conclusão: a hierarquia é, para além de um modelo de organização da administração, é também um processo


de decisão que tem estas particularidades:

 Há desconcentração da decisão (há vários órgãos que podem decidir), mas há concentração da
vontade, porque a vontade que prevalece é a do superior hierárquico.
 Há uma competência interna comum entre o superior e os seus subalternos.

A vontade decisória do subalterno pode assim ser sempre substituída pelo conteúdo da vontade de decisão
do superior hierárquico.

 Limites da obediência:

A obediência pressupõe que seja sobre matéria de serviço.

 Delimitação da hierarquia

Há limites orgânicos- órgãos que não estão sujeitos a vinculação hierárquica:

i. Órgãos constitucionais- não estão sujeitos com duas exceções: o MP e as Forças Armadas.
ii. Órgãos colegiais- também estes estão excluídos da hierarquia administrativa, uma vez que o critério
de decisão dos órgãos administrativos é o princípio maioritário então nunca podem obedecer a ordens
ou a instruções. Mas com uma exceção: se dentro de órgão colegial está um representante de uma
estrutura administrativa hierarquizada, esse representante pode lá ter um voto condicionado pelo seu
superior hierárquico (o superior hierárquico pode-lhe ter dito qual devia ser o sentido do seu voto).
iii. Órgãos singulares a quem a lei dê um poder de não estarem subordinados a direção, de não estarem
sujeitos a hierarquia nos termos da lei. Estes órgãos denominam-se independentes.

Contudo, no silêncio da lei, a hierarquia é o modelo normal de organização intra-administrativa.

Há também matérias excluídas do vínculo da hierarquia:

i. Competência delegada- cria uma outra relação, a relação de delegação. O delegante não pode dar
uma ordem ao delegado. Quando há hierarquia entre A e B, a delegação suspende a delegação.
ii. Atividade contratual- baseia-se no princípio do consenso e não no princípio da autoridade.
iii. Atividade técnica e material- esta atividade não está sujeita a hierarquia. É feita por especialistas e
não está sujeita a ordens e instruções, mas pode estar sujeita a critérios de orientação.

 Relação entre hierarquia e competência

Hierarquia pressupõe uma igual competência material interna entre superiores e subalternos. Quanto à
competência exterior, há dois modelos: há casos em que há uma competência comum (a do superior engloba
a do subalterno) e casos em que o subalterno tem uma competência própria (mas o superior pode na mesma
dar ordens e instruções).

Limites ao dever de obediência: a obediência pressupõe que seja sobre matéria de serviço, não podem ser
sobre a vida privada. Por exemplo: os militares durante algum tempo para casarem tinham de obter
autorização dos superiores para tal.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Este dever tem 3 requisitos: 1. Que as ordens provenham do legítimo superior hierárquico do subalterno; 2.
Que sejam ordens sobre matérias de serviço; 3. Que a ordem revista a forma legalmente prevista.

◊ Entidades privadas que exercem funções administrativas

Há casos de exercício privado de poderes públicos, que pode envolver ou não poderes de autoridade. Por
exemplo:

1. Caso de funções públicas transferidas por concessão a entidades privadas;


2. Funções públicas que são objeto normal e por vezes exclusivo de atividades exercidas pelas entidades
privadas- ex: notário, solicitadores;
3. Funções públicas acessoriamente confiadas a entidades privadas- não é objeto principal das duas
funções- ex: o médico de clínica privada que passa atestados médicos ou atestados de óbitos;
4. Funções públicas confiadas ocasionalmente a entidades privas- ex: cada um de nós, perante um crime
a que assistimos, pode deter essa pessoa até que chegue a autoridade a quem é confiada a custódia
dessa pessoa.

Há limites: a regra é a de que as entidades privadas não podem exercer poderes de autoridade, salvo norma
legal habilitante.

Título jurídico- os privados só podem exercer funções públicas com base num título jurídico público. De acordo
com PO, estes encontram-se dentro da estrutura da AP- 267º/6.

◊ Formas de colaboração dos privados com a Administração

Três figuras:

a. Pessoas coletivas de utilidade pública administrativa- aquelas a quem a lei diretamente confere esse
título.
b. Instituições privadas de solidariedade social (IPSS)- entidades privadas que colaboram com a
Administração.
c. Pessoas coletivas de mera utilidade pública- recebem essa utilidade pública por ato administrativo.

73
Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Administração Pública Portuguesa

Fins do Estado- art. 9º CRP:

i. Segurança;
ii. Bem estar;
iii. Justiça.

As finalidades do Estado têm sofrido movimentos em sentido contrário:

1. O Estado tem conduzido a que fins da natureza administrativa sejam atribuídos a outras entidades
públicas;
2. O Estado tem sido chamado a ser protagonista de fins que, sendo primariamente da UE, está a cargo
do Estado a execução desses mesmos fins.

Há vários fins:

Há fins que são do próprio Estado enquanto pessoa coletiva (Administração Direta e Indireta do Estado) e há
fins de natureza administrativa que já não são do Estado, mas relativamente aos quais o Estado tem uma
palavra a dizer (Administração Autónoma e Administração Independente).

$ Administração do Estado

Visa prosseguir fins do Estado, só que este pode prossegui-los através de dois mecanismos:

1) Através da pessoa coletiva Estado- Administração Direta do Estado;


2) Através de entidades que são criadas pelo Estado, instrumentalizadas por este, ao serviço dos seus
fins- Administração Indireta do Estado. O Estado tem aqui três grandes contributos:

- É o Estado que cria estas entidades;

- Elas existem para prosseguir os fins do Estado;

- Elas estão sujeitas a uma permanente intervenção do Estado.

1) Administração Direta

O Estado pode prosseguir a sua atividade através de órgãos que exercem poderes sobre todo o território
nacional (administração central) ou através de órgãos que exercem os seus poderes em termos
territorialmente limitados (administração periférica), que pode ser dentro do território nacional
(administração periférica interna) ou fora do território nacional (embaixadas e consulados- administração
periférica externa).

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

i. Administração Central

Tem como órgão central o Governo. Toda a estrutura da Administração Central, dirigida pelo Governo, está
estruturada em ministérios, organizados em função da matéria.

É possível encontrar órgãos desta administração que não são dirigidos pelo Governo, isto é, não estão sujeitos
a ordens do Estado, que podem ser serviços autónomos (ex: escolas secundárias), ou autoridades
independentes sem personalidade jurídica (ex: Provedor de Justiça).

2) Administração Indireta

Não é o Estado, mas completa o Estado, não é o Estado, mas prossegue os fins do Estado, não é o Estado, mas
está sujeito à intervenção do Estado.

Este tipo de Administração pode-se estruturar sob forma jurídica pública, ou ser pessoas coletivas de direito
privado (entidades de direito privada instrumentalizadas pelo Estado).

i. Administração Indireta sob Forma Pública:

- Serviços personalizados- pessoas coletivas que eram estruturas de natureza burocrática ou prestadora, às
quais a OJ conferiu personalidade;

- Fundações públicas- podem ser de direito público ou de direito privado, com exceção às que dizem respeito
ao ensino superior;

- Entidades públicas empresariais (EPE)- empresas públicas com uma particularidade: têm personalidade
jurídica de direito público.

Poderes do estado sob esta administração: o estado tem sob a administração indireta sob forma pública dois
grandes poderes de intervenção: a superintendência e a tutela. Porque o estado pode definir os fins,
orientando o modo como devem ser atingidos (superintendência) e o estado também pode controlar os meios
utilizados para atingir esses fins (tutela).

O estado não tem poder de direção sobre esta administração, porque são entidades que o estado cria e
autonomiza pelo que só poderá ter os poderes em cima referidos, pois os fins de raiz são do Estado.

ii. Administração Indireta sob Forma Privada:

- Entidades privadas de tipo empresarial (empresas públicas).

- Entidades privadas de tipo não empresarial- têm personalidade jurídica de direito privado, são juridicamente
pessoas coletivas privadas, que obedecem a três hipóteses: (i) sociedades de capitais integralmente públicos,
(ii) sociedades de capitais maioritariamente públicos, (iii) empresas sujeitas a outras formas de influência
dominante.

Estas duas formam o setor empresarial do Estado. Hoje, a esmagadora maioria do setor empresarial do Estado
é composto pelas entidades privadas de tipo não empresarial.

O Estado tanto pode utilizar mecanismos de Direito público como de direito privado.

Poderes do estado sobre esta administração: o estado sob a sua administração indireta sob forma privada
tem todos os poderes que um acionista privado tem sobre essas mesmas entidades, o estado utiliza os

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

mecanismos do direito comercial para poder desenvolver poderes de intervenção sobre estas entidades. No
âmbito desta forma de administração o estado até tem mais poderes do que a superintendência e a tutela.

$ Administração Autónoma

Prossegue fins que se autonomizaram do Estado, mas que estão sujeitos a um poder de intervenção do Estado-
poder de tutela

Há aqui dois grandes grupos:

i. Administração Autónoma típica- Entidades que estão sujeitas a uma influência pública dominante.
ii. Entidades privadas que exercem funções públicas- São privados que colaboram com a Administração,
mas que estão sujeitos a poderes de intervenção dessa Administração.

Os fins são da administração autónoma, mas quem atribuiu esses fins à administração foi o Estado, ou por via
constitucional ou por via legislativa.

Os fins já não são do estado, mas o estado tem sempre o poder de intervenção sobre esta administração. Essa
intervenção do Estado é sob forma de tutela administrativa.

Conclusão: embora os fins sejam da própria administração autónoma, o estado pode controlar/fiscalizar os
meios como os fins são prosseguidos. Por isso, esta administração está apenas sujeita ao poder de tutela do
Estado.

Entidades que fazem parte desta Administração:

1) Autarquias Locais- pessoas coletivas de base territorial e populacional. Existem num determinado
território, e a população desse território define os seus interesses.

Há três tipos de autarquias locais: regiões administrativas, municípios e freguesias. Estas obedecem ao
princípio da tipicidade.

A categoria mais importante é a dos municípios, porque historicamente estes vêm do Direito Romano, porque
é a única autarquia local que tem paralelo com outras experiências jurídicas e porque é aquela que concentra
em si as mais importantes atribuições autárquicas e mais meios financeiros. Isso explica que dentro do
município se possa encontrar uma estrutura organizativa complexa: também é possível haver uma
administração municipal direta e uma administração municipal indireta.

2) Instituições Públicas de Ensino Superior- são hoje um verdadeiro mundo dentro do mundo da
Administração. Há quatro tipos:

i. Universidades- são entidades no ensino superior público que têm a seu cargo a criação e divulgação
da cultura ao mais alto nível e têm o monopólio da atribuição do grau de Doutor.

Dentro destas também é possível encontrar uma administração direta e uma administração indireta, sob
forma pública ou privada.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

As Universidades podem funcionar como uma federação. Por exemplo, a Universidade de Lisboa tem dentro
de si a Faculdade de Direito e a Faculdade de Letras, por exemplo, que são pessoas coletivas públicas e que
funcionam como estruturas federadas.

ii. Institutos politécnicos- as Universidades têm uma legitimidade direta pela Constituição, ao contrário
dos institutos politécnicos.

iii. Fundações públicas de direito privado- são pessoas coletivas de direito público que se regem por
direito privado, com a diferença de que se regem pelo direito privado porque existiu uma norma
administrativa que o permitiu.

iv. Consórcios personificados- são uma forma de associação que pode ser entre entidades universidades
ou entre uma Universidade e uma Fundação ou uma empresa que queira desenvolver determinado
projeto na área das ciências.

3) Associações Públicas- entidades que têm um elemento humano que resolve criar uma estrutura
distinta de cada uma delas. Visa prosseguir fins próprios, de natureza pública.

Estas podem ser associações de entidades públicas, ou associações de entidades privadas ou ainda associações
de entidades públicas e de entidades privadas (mistas).

A autonomia de todas estas entidades é assegurada pela Constituição. O legislador pode aumentar ou diminuir
a esfera de poderes, mas não pode negar a sua autonomia.

$ Administração Independente

A administração independente é diferente da administração autónoma: a independente não está sujeita à


tutela do governo e, por isso, o governo não tem poderes de intervenção intra-administrativa, não tem
poderes de intervenção vertical, pode ter poderes de colaboração. Dentro desta estão:

1) Regiões Autónomas- são instituídas pela CRP, sendo que só podem existir duas. Dentro destas há uma
administração direta, central e periférica, e também há uma administração indireta e, por último,
pode existir ainda administração autónoma (autarquias locais, sujeitas a fiscalização pelo Governo
regional e não da república);
2) Entidades Administrativas Independentes- dentro destas há algumas que têm uma especial
proximidade com o Direito da UE, por ex: Banco de Portugal. São independentes do Governo e dos
seus poderes de fiscalização. Na verdade, contudo, não são tão independentes quanto isso:
nomeadamente, a regra é dentro destas entidades é que quem traça o seu quadro jurídico é o
Governo por via legislativa, assim como é o Governo que nomeia os seus membros;
3) Exercício Privado de Funções Públicas.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Administração Pública Portuguesa como Administração da União Europeia

i. A Administração é hoje uma Administração partilhada entre a UE e os Estados-membros- há hoje áreas


de decisão onde há uma coadministração- federação administrativa europeia. Há certas matérias em
que os Estados-membros deixaram de ter poder decisório- há uma transferência de poder (que é
reversível). Há ainda matérias em que o Estado perdeu o monopólio decisório, só intervém a posteriori
ou a priori.

Por um lado, o princípio da subsidariedade prende-se com a ideia do mínimo de intervenção da UE dentro dos
Estados-membros.

A execução das decisões da UE, por via de regra, não pertencem aos órgãos da UE, mas sim aos Estados-
membros, competindo-lhes dar execução às decisões.

Isto levanta um problema: qual a natureza pública dos Estados-membros?

Existem três explicações possíveis:

o A Administração nacional é uma Administração indireta da UE- significa que os fins pertencem à UE e
os Estados-membros são instrumentos ao serviço dos fins da UE;
o A Administração nacional como Administração delegada da UE- significa que o titular de raiz não é o
Estado-membro mas a UE: o Estado-membro limita-se a executar, a título de delegado, aquilo que
pertence de raiz à própria UE;
o A Administração nacional não é mais que uma Administração federada da UE- UE como administração
federal e cada estado membro tem a sua administração que é uma administração federada.

Opinião do Paulo Otero: Qualquer uma destas explicações parece aceitável porque todas partem de uma
perspetiva diferente mas com o culminar da posição dos estados membros em relação à UE. Em qualquer
delas há que ter em consideração que: seja como administração indireta, delegada ou federada, a posição de
supremacia é sempre da administração da UE.

Princípios da aplicação do Direito da UE:

◊ Princípio do primado do Direito da UE- em caso de conflito entre duas normas jurídicas, uma
proveniente do Direito da UE e outra do Direito do Estado-membro, deve ser a solução apresentada
pela UE que deve prevalecer.

Está relacionado com este princípio o princípio da efetividade do Direito da UE: os órgãos da Administração
Pública devem sempre dar prevalência ao direito da UE.

 A efetividade e o efeito útil do Direito da UE pode traduzir-se no seguinte: por exemplo, se houver
uma diretiva da UE, que tem um prazo para ser transposta, e se o Estado não cumprir este prazo, o
que é que diz o princípio do efeito direto? A partir do decurso do prazo, o Estado está numa posição
incumprimento porque deveria ter transposto a diretiva e não o fez. Contudo, à luz da jurisprudência
da UE, os particulares podem invocar diretamente a diretiva, mesmo que não tenha sido transposta
pelo Estado, apenas se lhe for favorável.

◊ Princípio da Cooperação Leal- o Estado deve lealmente colaborar/cooperar na execução do Direito


da UE.
◊ Princípio da Autonomia- os Estados-membros não deixam de ser soberanos, estes não são
subalternos da UE. Há, contudo, um dever de respeito das vinculações resultantes do Direito da UE.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Transformações para o funcionamento interno da Administração:

1. Transformação material- parte das competências do Estado transitaram para a UE ou passaram a ser
comuns. Contudo, apesar de o Estado ter perdido matérias decisórias para a UE, viu ampliadas as suas
competências de execução das decisões. Assim, os órgãos administrativos internos são
simultaneamente órgãos da Administração nacional e órgãos da Administração indireta ou delegada
da UE. A UE transformou a Administração Pública dos Estados-membros em Administrações satélite
da UE.

2. Transformação orgânicas:
i. Criou-se um ministério que tem apenas competência relativa aos assuntos da UE;
ii. Distribuiram-se os assuntos pelos diversos ministérios competentes.

Isto acarreta consequências:

o Complexidade do Procedimento Administrativo: muitas vezes a decisão pertence a Lisboa mas só


pode ser decidida depois de Bruxelas se pronunciar sobre as matérias. Ou em alternativa, Lisboa
decide mas a eficácia da decisão está dependente de intervenção de Bruxelas.
o Duplicação dos Mecanismos de Controlo: quando o estado membro executa o direito da UE, está
sujeito a mecanismos internos de controlo (Tribunais Administrativos e Tribunais Constitucionais)
mas também está sujeito ao controlo jurídico do tribunal de justiça da UE, comissão da UE.

Posto tudo isto, resta saber se o Governo ainda é o órgão superior de toda a Administração Pública? É o órgão
superior da Administração Pública nacional, mas quando o Governo/Administração Pública Portuguesa
executa o direito da UE, aí é a Comissão Europeia o órgão superior e não o Governo.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

Ordenamento Regulador da Administração Pública

Vulgarmente, pode reduzir-se à expressão de fontes de Direito Administrativo.

 Identificação das Fontes Reguladoras:

- Constituição- princípio da constitucionalidade;

- Lei- princípio da legalidade;

- Direito que ela própria produz (autovinculação) ou a um Direito que se lhe impõe externamente
(heterovinculação)- princípio da constitucionalidade + princípio da legalidade = princípio da juridicidade.

Historicamente, existem três modelos de regulação da Administração:

- Modelo Britânico- a Administração está sujeita ao Direito a que os cidadãos normalmente também estão
sujeitos (Direito comum). Com a UE deixou de ser assim: o direito da UE publicitou direito comum britânico.
As normas da UE concorriam em número e ganhavam face às leis do parlamento britânico e aos costumes, à
common law.

- Modelo Francês- cria um direito específico e próprio para a Administração. O Conselho de Estado produziu,
os parlamentos e os governos legislaram e criaram o direito administrativo. O direito administrativo começou
por ser o direito de uma instituição: o direito da Administração Pública. Ainda hoje o direito administrativo é
o direito comum da Administração..

- Modelo Alemão- tem uma particularidade: para o direito alemão, Direito é só aquele que envolve as relações
entre a Administração e os particulares, porque tradicionalmente para o modelo alemão, a regulação interna
da Administração não é jurídico, é um setor esquecido da Administração e o que se passa dentro da
Administração, está fora do domínio do jurídico.

Hoje em dia há uma pluralidade de fontes reguladoras da Administração e uma pluralidade de fontes a
regularem a mesma matéria. Por exemplo: a regulação do ensino superior encontra-se não só na Constituição,
mas também em diplomas governamentais.

Ao facto de existir uma pluralidade de fontes reguladoras da matéria, chama-se floresta normativa, que nos
diz:

 Existe uma pluralidade de normas;


 Existem dúvidas sobre as que estão ou não em vigor;
 Há fenómenos de aplicação no tempo de leis antigas;
 Quando existem vários atos jurídicos de entidades diferentes a disciplinar a mesma matéria, muito
dificilmente são convergentes.

Para saber qual a norma que se deve aplicar é extremamente importante o poder do superior hierárquico de
emanar as tais instruções e circulares. Pois estas dizem qual é o direito vigente e a partir daí não há dúvida e
não se discute, devido ao dever da respeitosa obediência.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 O problema da pluralidade de fontes reguladoras tem duas vertentes:

1. Ao lado das normas jurídicas, existem ainda normas de natureza extrajurídica, como por exemplo as
normas de natureza técnica- a ciência ultrapassa muitas vezes aquilo que é o Direito. Temos ainda
normas de natureza ética ou deontológica, cujo desrespeito pode levar a sanções disciplinares.

2. A factualidade também tem capacidade reguladora- Se hoje decido uma questão de uma maneira,
esta maneira como decido essa questão em relação a A, deve ser a mesma maneira que eu decido
uma questão idêntica em relação a B. É desta forma por força do precedente, porque na verdade a
maneira como decido é um facto mas toma relevância em nome do princípio da igualdade, a
imparcialidade e da segurança material.

 Paralelamente ao Direito Administrativo, há outros ramos do Direito que regulam a Administração:

Há uma gestão pública, que aplica o Direito Administrativo e uma gestão privada da Adiministração Pública
que aplica o Direito Privado.

Mas atente-se que a definição do direito aplicável à Administração não pode estar no arbítrio do decisor. Não
pode haver arbitrariedade na Administração. Não podendo haver arbitrariedade, a margem decisória do
legislador é limitada: ainda assim, há uma reserva constitucional de Direito Administrativo: há matérias da
função administrativa que obrigatoriamente têm de estar sujeitas ao Direito Administrativo.

1. Qual é então o fundamento da reserva constitucional de Direito Administrativo?

a. Competência contenciosa dos Tribunais Administrativos- A CRP define que estes têm a seu cargo a
resolução dos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas. Uma relação jurídico-
administrativa é aquela que é regulada pelo direito administrativo e os tribunais administrativos têm
existência obrigatória logo, se toda a administração se regesse pelo direito privado, haveria um
esvaziamento do conteúdo dos tribunais administrativos.
b. Configuração constitucional da garantia dos administrativos- o que vem no art. 268º só se
compreende porque os administrados têm, na sua relação com a Administração, um direito diferente
ao direito privado, que lhes concede garantias contra a atuação da Administração.
c. Valores e interesses que estão na base do direito privado- são eles o princípio da autonomia e o
princípio da igualdade das partes. Há uma lógica axiológica diferente entre o direito privado e o direito
administrativo, que se pauta pelo princípio da autoridade e pelo princípio da prossecução do interesse
público. Isto justifica que haja dois direitos reguladores, consoante a matéria.

2. Quais as matérias desta reserva?

1. Toda a atividade que envolva o exercício de poderes de autoridade. Quando não está em causa o
exercício de poderes de autoridade, poderá ser o legislador a escolher se aplica o direito
administrativo ou direito privado. E se a lei nada disser? No silêncio da lei, a regra é a de que o direito
administrativo é o direito típico da Administração, pelo que deve ser este o direito a aplicar.

Pode existir uma reserva de direito privado da administração: quando está em causa o exercício de uma
atividade administrativa que não envolva poderes de autoridade, se essa atividade for de natureza empresarial
(seja ela de tipo comercial ou industrial), essa atividade é prosseguida no âmbito de uma atuação

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

concorrencial, isto é, em mercado. Aí a regra é que a atuação administrativa deve pautar-se pelo direito
privado, é este que regula a igualdade e a concorrência; administração quando age num âmbito empresarial,
prestando serviços e produzindo meios, ela tem de ser igual a um privado que exerça as mesmas funções em
mercado concorrencial.

NOTA: O direito privado aplicado pela Administração Pública não é igual ao direito privado aplicado pelos
particulares:

» Vinculação Agravada das Entidades Públicas- Quando as entidades públicas aplicam o direito privado,
estão vinculadas aos direitos fundamentais do art. 18º/1 CRP. A intensidade da vinculação das
entidades públicas é maior do que as entidades privadas, porque as entidades privadas não deixam
de ser parte da AP quando aplicam o direito público.
» As entidades públicas, mesmo quando aplicam o direito privado, não deixam de ser entidades
públicas, e por isso vinculadas ao disposto no art. 266º/2 CRP.

Então que é hoje o Direito Administrativo? O Direito Administrativo é o direito que regula a atividade de
gestão pública e de gestão privada publicizada da Administração Pública. O Direito Administrativo hoje é
mais do que o clássico Direito Administrativo, porque este também compreende o direito privado da
Administração Pública, este direito é o que fica a meio caminho entre o típico Direito Administrativo e o Direito
Privado.

Há hoje a emergência de um Direito Administrativo Global, ou à escala europeia- a UE permitiu a


uniformização de direitos de todos os seus estados membros, com uma particularidade: há estados da europa,
que não sendo membros da UE estão a ser contagiados pelo Direito da UE.

Podemos ainda falar em Direito Administrativo Multinível: há um Direito Administrativo interno, mas
também há um Direito Administrativo europeu, de incidência europeia- o Direito Administrativo deixou de ser
um mero direito interno.

No Ordenamento Jurídico português, como já afirmado, não é apenas o Direito Administrativo que regula a
Administração Pública; em primeiro lugar, podem existir parcelas da atuação administrativa reguladas pelo
direito penal, pelo processo penal e pelo processo civil. Ex: a aplicação de sanções disciplinares a funcionários
pauta-se a título subsidiário pelo direito penal, e em termos de procedimento de decisão até se pode afastar
o CPA para se aplicar o Código de Processo Penal.

Em segundo lugar, porque há um conjunto de normas extrajurídicas que podem regular a atuação da
Administração Pública:

Factualidade como Critério Regulador da Administração:

a) Juridificação de factos emergentes da atuação administrativa- tornar jurídicos atos emergentes da


atuação administrativa. Há atos da Administração Pública que criam critérios de decisão. Por exemplo,
ao lado das normas oficiais pode surgir uma normatividade administrativa não oficial, que
corresponde a uma conduta da Administração Pública que pode:
- Ser reiterada, com convicção de obrigatoriedade- Costume Administrativo;
- Ser reiterada, mas sem convicção de obrigatoriedade- Uso Administrativo;

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

- Ser um precedente administrativo- para a decisão de um caso concreto, a Administração Pública


adotou uma determinada conduta: poderá a Administração Pública, depois disso, para a resolução de
um caso semelhante, adotar uma conduta diferente? Há aqui verdadeiramente um conflito/colisão
entre dois princípios, o princípio da segurança e da tutela da confiança, que diz que deve decidir
sempre da mesma maneira e o princípio da igualdade e da imparcialidade.

O princípio do poder descricionário e o princípio da melhor prossecução do interesse público ditam se se deve
ou não adotar o precedente.

A regra geral é a de que a Administração Pública está vinculada ao precedente, mas admite-se que esta se
possa afastar do precedente, fundamentadamente, para se conseguir uma flexibilidade das decisões
administrativas, respeitando-se o princípio da segurança, da tutela da confiança e ainda o princípio da
igualdade e da imparciabilidade. A fundamentação é importante porque retira arbitrariedade, tem de ser uma
razão racional e adequada a explicar o afastamento da decisão anterior. Se não fundamentar, a Administração
está vinculada ao precedente.

É mais fácil a Administração Pública desvincular-se do regulamento do que do precedente, uma vez que no
regulamento basta este ser modificado, e já em relação ao precedente a Administração Pública tem de se
esforçar para mostrar que o segundo caso é diferente e por isso não se deve aplicar o precedente.

Na prática, o precedente tem mais força que o costume, porque no costume é necessária uma prática
reiterada, não basta um, têm de ser várias práticas, enquanto no precedente basta uma prática.

QUESTÃO: Se a Administração Pública decidiu, no caso concreto, criando o precedente, mas esse precedente
é inválido, mas a invalidade era uma anulabilidade que se consolidou na OJ, não tendo nenhum Tribunal tê-lo
destruído, pode amanhã alguém invocar que quer um tratamento igual àquele que foi aplicado ao Senhor A,
sendo esse um precedente inválido? O PO inclina-se a dizer que também o precedente inválido tem força
vinculativa, mas só se já tiver passado 1 ano desde o precedente inválido, que já se tenha consolidado na OJ.

b) Juridificação de factos alheios da atuação administrativa- juridificação de factos alheios que não se
passam no Direito da Administração Pública, mas que a influenciam:

◊ Normatividade não oficial extra-administrativa:

- Casos de necessidade constitucional não incorporada- casos materialmente de necessidade constitucional


mas que não foram objeto de estado de sítio, estado de emergência.

- Casos dos fenómenos revolucionários, que ditam uma lei que não é uma lei escrita.

- Prática judicial reiterada- não obriga, mas o decisor tem de a ter em conta.

c) Fenómenos de uma factualidade não juridificada que regulam a atuação administrativa:

- Normas de Organizações Internacionais Não Governamentais- ex: FIFA, UEFA, porque os seus regulamentos
vão condicionar a atuação da FPF.

- Acordos de Governo de incidência parlamentar- atos de natureza política que podem envolver regras que
não são jurídicas, mas que pautam a atuação governamental com incidência administrativa.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Pode o Direito Administrativo ser aplicado nas relações entre particulares?

Dois exemplos em que o Direito Administrativo pode ter relevância na relação entre particulares:

(i) Contrato de empreitada civil- imagine-se que A pretende fazer uma obra na sua casa e contrata o
empreiteiro B para levantar o soalho e pintar as paredes. O Direito Administrativo pode aqui ter
relevância se uma das cláusulas do contrato estipular que os casos omissos são resolvidos de acordo
com o contrato de empreitada de obras públicas, regulado no Código dos Contratos.
(ii) Uma Universidade privada que resolve aplicar nas relações entre os alunos e os professores um
regulamento de avaliação da FDL. Teríamos normas de direito administrativo a reger relações de
direito privado no âmbito de uma faculdade privada.

A resposta será: Sempre que o Direito Administrativo envolva a aplicação de poderes de autoridade e poderes
exorbitantes (que põem em causa o equilíbrio da relação jurídico-privada ou que fazem desaparecer direitos
indisponíveis de direito privado), não é possível a sua aplicação nas relações entre particulares. A sua
aplicação levará a invalidade.

Se, mesmo existindo poderes de autoridade e poderes exorbitantes, aplicam o DA nas relações privadas, as
consequências são as seguintes: O contrato de Direito Privado deve ser reduzido: expurgando ou afastando a
cláusula ou parte da cláusula que remete para o DA.

Se não estiver em causa direitos indisponíveis ou prerrogativas de poderes de autoridade será possível a
aplicação do Direito Administrativo.

 Normas Administrativas

São as fontes da normatividade administrativa. As normas que regulam a Administração podem ser de dois
tipos:

1. Normas que heterovinculam a Administração:

São normas que se impõem à Administração, que não é esta que cria. Estamos perante uma juridicidade
heterovinculativa da Administração.

Há normas escritas e normas não escritas que heterovinculam a Administração.

◊ Normas não escritas: por exemplo, (i) princípios jurídicos fundamentais, que não estão na
disponibilidade do legislador ou do constituinte, que têm valor supraconstitucional, (ii) os princípios
gerais de Direito que não estão consagrados positivamente, ou os princípios gerais de Direito
Internacional Público que também não estão escritos, ou os princípios gerais do Direito da UE que não
estejam escritos ou ainda os princípios gerais administrativos que também não estejam consagrados
positivamente, (iii) pode ainda ser o costume não proveniente da Administração (interno ou externo),
(iv) os precedentes judiciais.

◊ Norma escritas: (i) Constituição Formal, (ii) Direito da UE, (iii) o Direito Internacional Público
Convencional, (iv) atos legislativos internos e ainda (v) o direito estrangeiro, sempre que se trate de
aplicar pela Administração o direito estrangeiro.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

2. Normas que autovinculam a Administração:

◊ Autovinculação unilateral- só a vontade da Administração importa. É o caso do:

- Regulamento: norma emanada pela Administração no exercício da função administrativa. É uma lei de
sentido material proveniente da Administração.

O regulamento pode ser:

 Externo: ultrapassa as fronteiras da Administração:


i. Regulamentos de execução das leis: pormenorizam a lei, dão-lhe operatividade;
ii. Regulamentos independentes: não executam uma lei, podem executar várias leis ou podem ser
diretamente fundados na Constituição, que são aqueles a que se refere o art. 199º/g).

 Interno: esgota os seus efeitos dentro da Administração.


 Regulamentos do Estado: os mais importantes são os decretos regulamentares do Governo.
 Regulamentos de outras estruturas orgânicas do Estado que não o Governo;
 Regulamentos provenientes das RA;
 Regulamentos provenientes das Autarquias Locais.

Pode haver regulamentos provenientes de qualquer entidade pública- todas as entidades públicas têm
competência regulamentar.

O fundamento do poder regulamentar é:

1. Fundamento Histórico- a impossibilidade de levar às últimas consequências a separação de poderes:


se isto acontecesse, fazer normas seria sempre da competência do legislador.
2. Fundamento Lógico- o legislador, porque não pode, ou porque não conhece ou porque não domina
com todos os detalhes, só pode definir as linhas gerais, os grandes princípios da competência da
função administrativa.
3. Fundamento na lei ou na CRP, ninguém pode exercer o poder regulamentar se a lei ou a CRP não o
habilita para tal.

Quais os limites do poder regulamentar?

- Todas as fontes que heterovinculam a Administração são limites ao poder regulamentar;

- Limitam ainda o poder regulamentar os regulamentos provenientes de entidades de nível superior ou de


âmbito mais amplo de competência.

PARTICULARIDADE: Princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos- o regulamento não pode ser
afastado no caso concreto, não é possível abrir exceções porque assim se violaria o princípio da igualdade e
da imparcialidade da aplicação da norma.

- Costume;

- Precedente- é derrogável o precedente? A lei permite que através da fundamentação se possa afastar o
precedente- art. 152º/1 d) CPA.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

- Diretivas da Administração- expressão do poder de orientação: a Administração fixa os fins e dá os meios


para que se possam prosseguir os fins.

- Promessa Unilateral- vincula a Administração. A vinculação é garantida pelo princípio da tutela da confiança.

◊ Autovinculação bilateral- contratualização da vinculação administrativa. A Administração vincula-


se, mas nesta há uma conjugação com as vontades dos destinatários desta vinculação: há uma
vinculação reforçada.

É o caso de:

 Contratos públicos.
 Acordos de concertação social- acordos que resultam de sentar à mesma mesa o Governo e os
parceiros sociais.
 Acordos no Procedimento administrativo.
 Convenções jurídicas interadministrativas.
 Convenções de Arbitragem.

Posição do Governo no âmbito da Normatividade Vinculativa da Administração:

1. Tem o Governo um papel central na formação da normatividade vinculativa da Administração?

Para responder é necessário recordar qual a regra na competência legislativa entre o Governo e a AR- a regra
é a de, o que não está na reserva do Governo e da AR, é competência concorrencial: tanto tem competência
para emanar normas legislativas o Governo, como tem competência a AR. A lei e o DL têm igual força jurídica-
tanto a lei pode revogar um DL anterior, como um DL posterior pode revogar uma lei anterior.

Há ainda quem defenda que mesmo na área concorrencial, o Governo domina o exercício da função legislativa.
O Governo tem assim um papel central na formação da normatividade que vincula o agir administrativo. Mais,
na área concorrencial, o Governo pode, por exemplo, querer resolver o caso concreto de A sem violar a lei e
quer criar uma lei favorável aos interesses de A: o Governo pode fixar, em termos gerais e abstratos o critério
que quer adotar para resolver todos os casos futuros idênticos ao de A, isto é, o Governo tem o poder de
decidir o critério normativo de acordo com o qual vai definir os casos concretos.

Para além disto:

a) O Governo tem competência exclusiva para a negociação e ajuste de convenções internacionais;


b) Em sede de Direito da UE, é o Governo que tem intervenção da condução da política externa do país,
é o Governo que participa nos conselhos. O Governo tem aprovado soluções contrárias à CRP, o que
leva a que a CRP tenha de ser alterada e não as soluções aprovadas.
c) O Governo é o órgão que tem o poder de garantir a boa execução de todas as leis e pode fazer decretos
regulamentares diretamente fundados na Constituição- 199º/g) o que permite a um governo
minoritário fugir ao art. 172º em sede de apreciação parlamentar e permite ainda fugir à fiscalização
da constitucionalidade destes regulamentos independentes.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

O Governo é assim o eixo da definição da normatividade aplicada pela Administração. A isto acrescenta-se
que em matérias que envolvam o aumento de despesas ou a diminuição de receitas, o Parlamento só pode
aprovar leis que produzam efeitos no ano económico seguinte.

QUESTÃO: Pode a competência regulamentar do Governo da República limitar a competência legislativa da


RA? Se através da competência regulamentar, o Governo implementa o bem estar, o princípio da igualdade
não deve permitir que as pessoas residentes nas RA não beneficiem desse bem estar?

 Como determinar qual a norma a aplicar no caso concreto, de entre a pluralidade de normas
reguladoras existentes? Qual o critério normativo?

A aplicação de uma norma pressupõe a sua interpretação.

Surgem outras questões:

1. Há perfeição ou imperfeição da normatividade reguladora da Administração?

Há que desmistificar o mito liberal da perfeição da lei: a característica da lei hoje é a imperfeição pela sua
incompletude, porque quem a faz não é quem está mais preparado e porque a lei não responde a todos os
problemas.

2. Há hoje uma transformação material da legalidade:

- Há uma neofeudalização normativa, o que significa que há uma pluralidade de centros que emanam ordens,
que advém do facto de cada pessoa coletiva pública ter competência regulamentar.

- Há uma normatividade principialista: se as normas são regras, há um princípio do tudo-nada; se as normas


são princípios (as que mais se multiplicam hoje em dia), estas dão ao aplicador um espaço de flexibilidade. A
normatividade principialista aumenta o espaço de autonomia decisória da Administração Pública, o que põe
em causa a segurança jurídica.

Isto significa que legislador, para evitar a invalidade das suas soluções, entre uma norma regra e uma norma
princípio, este prefere a norma princípio.

- Relatividade da intensidade vinculativa das normas- nem todas as normas têm igual força vinculativa. É
possível recortar em algumas áreas do Direito Administrativo normas de soft law- normas de valor
enfranquecido.

Todos estão vinculados à juridicidade, mas a juridicidade não é sempre igual, conclui-se.

3. Erosão da Legalidade do Agir da Administração:

A legalidade é cada vez menos uma norma certa de decisão. Cada vez menos a Administração fica na dúvida,
perante uma norma, qual é o critério a adotar.

- Há hoje normas legais em branco- normas aprovadas pelo legislador, mas sem conteúdo, porque recorre a
critérios indeterminados, cujo concretizador é a Administração.

- Há ainda casos de deslegalização: Formalmente, é uma lei, mas na realidade, o legislador afirma que
materialmente não é lei e sim regulamento, e assim o parâmetro pode ser pode ser alterado pela
Administração.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

- Derrogação administrativa- a lei, para uma determinada previsão normativa, tem duas estatuições: uma
delas é identificada pela própria lei, a outra é remetida para a decisão da Administração. Por exemplo: o
material de contrabando apreendido deve ser destruído, salvo se o Governo lhe der outra utilização- a
estatuição regra ou preferencial do legislador é o material ser apreendido; a estatuição alternativa é o
aproveitamento pela Administração.

A solução preferencial é, assim, meramente supletiva: só é aplicada na falta de uma decisão administrativa
em sentido contrário. Mais uma vez, a protagonista é a Administração.

4. Há também um enfraquecimento da vinculatividade das normas:

É visível:

- Nas situações de soft law- são orientações de conduta, boas práticas, e não são normas vinculativas: se forem
violadas não geram invalidade;

- Atuação informal da Administração- a que não está regulada pelo Direito, corresponde a uma prática
concertada: “a lei diz isto, mas vamos antes fazer desta maneira”.

- Casos em que há dispensa de cumprimento da normatividade:

» Objeção de consciência- onde existe, há uma permissão para o objetor não cumprir a normatividade;
» Direito de resistência.

Nestas duas situações, estamos perante situações de incumprimento lícito da normatividade. Este tema não
é visto apenas na perspetiva dos particulares, mas também na perspetiva dos funcionários da Administração.

5. Princípio da Contracorrente:

É a inversão da lógica do princípio da legalidade, ou seja:

o Há casos em que a lei está vinculada a regulamentos- regulamentos que têm na sua mão a
predeterminação vinculativa da lei. São os casos dos decretos legislativos regionais que se encontram
vinculados a regulamentos da República. Discute-se ainda se há leis da República vinculadas a
regulamentos do Governo, designadamente regulamentos que atribuam direitos sociais, se pode uma
lei posterior fazer “marcha atrás”.
o Casos em que a contratualização administrativa vincula o legislador- ex: 105º/1.
o Saber se os atos administrativos vinculam o legislador- a lei é que vincula a feitura dos atos
administrativos, mas aqui discute-se o contrário: por exemplo- A obteve a licenciatura em Direito em
2016 e vem hoje um DL dizer que é revogada a licenciatura de A. Obviamente não é possível, assim a
lei tem de respeitar um ato administrativo.

 Hierarquia das Normas

Há hoje uma complexidade da estrutura hierárquica do ordenamento:

1º 1º- CRP,
2º 2º Lei,
3º 3º Regulamento.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

 Há, em primeiro lugar, uma fragmentação hierárquica das normas da CRP e uma concorrência de
normas fundamentais: não há uma norma fundamental, mas várias.
 Há ainda uma plurilocalização hierárquica do DIP e do Direito da UE.
 Há uma maior complexidade ainda entre os regulamentos.

A Administração tem um dever de coerência, deve procurar fazer a conciliação entre as normas. Mas às vezes
pode não ser possível- o que fazer nestes casos?

- Se a antinomia é de natureza constitucional, o juíz tem o dever de recusar a norma inconstitucional.

- Se há um conflito entre um regulamento e uma lei, o juíz tem o dever de aplicar a lei.

A postura da Administração, contudo, não é esta. Estará a Administração vinculada ao critério hierárquico
para a resolução de antinomias? Só a título excecional é que a Administração pode recorrer ao critério
hierárquico:

- Perante uma norma que é inconstitucional, a Administração deve por via de regra aplicar essa mesma norma.
Só há três exceções:

1. Quando a CRP sanciona a inconstitucionalidade com a inexistência jurídica ou com a ineficácia;


2. Quando uma norma viola em termos flagrantes direitos, liberdades e garantias;
3. Quando são normas que violam a consciência jurídica universal.

Se a norma for sancionada com mera ilegalidade, a Administração deve aplicar a norma que mais perto de si
está.

Mas também aqui há exceções:

1- O Direito Europeu tem sempre prevalência sobre o direito ordinário, mesmo que este seja posterior;
2- Em matéria legislativa, a Administração deve aplicar a norma posterior.

Daqui conclui-se que a Administração tem um protagonismo único no controlo da normatividade:

» Protagonismo na determinação da norma aplicável;


» Protagonismo na aplicação da norma, isto é, na interpretação e, se necessário, na integração;
» Protagonismo na resolução de antinomias jurídicas.

A OJ está, por isso, obrigada a aplicar atos inválidos e critérios normativos inválidos, sendo tal para garantir
dois valores: segurança jurídica e proibição de anarquia administrativa. Logo, não há atos jurídicos perfeitos.

Para se saber os casos excecionais em que a Administração pode desaplicar a norma: a administração tem
uma competência genérica para fiscalizar a validade das normas.
Para ela dizer “nestes casos não aplico” significa que previamente tem de analisar todos os casos, só que nos
outros casos todos ela analisa e mesmo que chegue à conclusão que há invalidade na norma, ela tem um
comando do ordenamento jurídico que diz “obedece aos atos inconstitucionais, obedece as leis inválidas”.

Consequência: perante atos que aplicam normas inválidas abre-se o acesso à via judicial.

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

» Momento da Aplicação da Normatividade

Não há uma aplicação subsuntiva da normatividade. Quando aplica a lei, a Administração tem sempre uma
posição ativa, um papel que não é meramente passivo.

Este papel ativo significa que a Administração tem um espaço de autonomia pública, que se diferencia do
espaço de autonomia privada:

 Autonomia das entidades privadas: expressão de um direito fundamental, de uma liberdade;


 Autonomia das entidades públicas: expressão de uma competência.

Este espaço de autonomia é variável, tal como o espaço de vinculação:

1. Não há poderes totalmente vinculados- toda a área de vinculação tem sempre uma área de
autonomia;
2. Não há espaços de autonomia completa- todos os espaços de autonomia têm também espaço de
vinculação.

Há no entanto casos de vinculação mais intensa:

a) Caso em que o espaço de autonomia pode ser reduzido a 0- o superior hierárquico dita o conteúdo de
decisão do subalterno.
b) A distinção entre regras e princípios também tem significado nesta dicotomia- os princípios conferem
maior autonomia decisória à Administração, enquanto as regras conferem uma maior vinculação.

 Precedência de lei:

A Administração só pode agir com fundamento na lei, de tal forma que ou há lei e ela pode agir, ou não há lei
e a Administração deve não agir. A tese tradicional diz-nos que esta lei significa reserva total de lei.

O PO não concorda porque:

1. No Direito português vigora o princípio da tipicidade constitucional da reserva de lei: só se impõe que
a matéria seja objeto de tratamento por via legislativa nos casos indicados na Constituição, que são
três:
a) Sempre que estamos perante atuações administrativas que privam, restringem ou medidas que
lesam posições subjetivas;
b) Casos em que expressamente a Administração constitutiva (prestadora) desenvolve uma
atividade sensível ao princípio da igualdade;
c) Todas as restantes situações expressamente indicadas na CRP.

Fora estes três casos, a Administração pode agir com fundamento direto na CRP, sem necessidade de
precedência de lei, porque a lei para a Administração deixa de ser o ato legislativo e passa a ser a CRP.

Ou seja, a Administração pode agir, ou com fundamento na lei ou, em alternativa, com fundamento direto na
própria CRP.

Casos em que a Administração pode agir com fundamento direto na CRP:

1. Quando a CRP define a competência subjetiva;


2. Quando a CRP define o critério teleológico da ação;

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Direito Administrativo I Leonor Branco Jaleco

3. Matéria que não esteja abrangida pela reserva de lei- o caso típico é o art. 199º/g) CRP, em que
permite ao Governo a prática de todos os atos necessários ao desenvolvimento económico-social.

Atente-se, esta será uma competência praeter legem.

NOTA: O Direito português consagra a possibilidade de existir uma vinculação dentro da Administração
contrária à legalidade exterior. Ou seja, casos em que a Administração está habilitada a agir contra legem- o
caso típico é o dever de obediência hierárquica.

Erro sobre a vinculação- é um erro de direito. É uma falsa representação da realidade. Neste caso, a falsa
representação é que a Administração age pensando que está vinculada quando na verdade tem um espaço de
autonomia.

$ Espaço de autonomia Pública

É um espaço de “liberdade” da Administração, em que a Administração é chamada a adotar uma postura


criativa, apesar de se pressupor competência.

No Direito português, a autonomia administrativa concretiza-se em três casos:

1. Integração concretizadora de conceitos indeterminados- há três tipos de conceitos indeterminados:


i. Aqueles que envolvem um juízo jurídico-discricionário: operação intelectual da Administração em que
esta procede a uma valoração subjetiva que não é passível de controlo judicial no seu núcleo, e este
núcleo destes juízos:
i. - pode incidir sobre uma realidade presente ou passada
ii. - pode incidir sobre uma realidade futura- juízo de prognose: que atira para o futuro
a base desse mesmo juízo.
ii. Aqueles que envolvem um juízo jurídico-interpretativo: interpretação de uma norma que é sempre
passível de controlo judicial.
iii. Aqueles que apelam a juízos técnico-científicos: baseiam-se vinculações extrajurídicas.

2. Discricionariedade administrativa- a Administração tem a possibilidade de escolher uma de entre


várias condutas possíveis. Há dois tipos:
a) Discricionariedade opativa- a lei diz que ou se tem a solução A ou a solução B.
b) Discricionariedade critativa- a lei remete para a Administração a definição da decisão do caso
concreto, sem lhe impor soluções.

Quais os limites à discricionariedade:

» Todas as fontes de heterovinculação administrativa;


» Casos de autovinculação administrativa.

Quando a lei confere poder discricionário à Administração, poderá a Administração criar uma autovinculação
regulamentar? A lei está a dizer, ao conferir poder discricionário à Administração, “deves resolver o caso de
acordo com as circunstâncias e deves procurar encontrar a melhor solução para cada caso concreto”. Ora,
quando a Administração elabora um regulamento, abdica de decidir a melhor solução para cada caso concreto,
porque ao criar um regulamento está a criar uma solução fixa para todos os casos semelhantes, sem ter em
conta as circunstâncias do caso concreto. O que fazer?

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1. Garantir a igualdade e imparcialidade, ao criar uma solução fixa?


2. Ter em consideração as circunstâncias do caso concreto?

Será então válida a autovinculação normativa da Administração no seu espaço de discricionariedade?

PO- é válida, porque exercer o poder regulamentar ainda é uma forma de exercer a discricionariedade. Não é
a discricionariedade no caso, mas é-o de forma geral e abstrata. Isto proporcionará uma maior confiança,
segurança e igualdade.

3. Derrogação administrativa- para uma determinada previsão, a lei tem duas estatuições:
1) Estatuição regra, a preferida do legislador.
2) Estatuição que remete para a Administração decidir. Compete à Administração escolher.

Será admissível a derrogação administrativa de natureza normativa? Poderá a Administração emanar uma
norma que concretize a derrogação, afastando a solução preferencial da lei, a estatuição regra expressa na
lei? A resposta só pode ser não, porque a lei não pode conferir a atos de natureza diferente o poder de com
eficácia externa interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos– art.
112º/5.

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