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Paulo Otero
❖ Pressupostos terminológicos
O objeto da cadeira de Direito Administrativo I consiste no estudo da
Administração Pública e na sua relação com os particulares, isto é, com os cidadãos
em geral. É, pois, o estudo da função administrativa.
Neste sentido, uma vez que trata da concretização ou não concretização dos
parâmetros constitucionais, a Administração Pública surge ligada com o Direito
Constitucional. Por exemplo, na situação atual de pandemia, passa pelo Governo e
pelo poder executivo uma resposta imediata, onde, esta pode ou não estar de acordo
com os parâmetros constitucionais.
Primeiramente, o objeto da cadeira de Direito Administrativo incide sobre três
grandes partes:
● Fundamentos/bases jurídicas e identidade da Administração Pública;
● Organização administrativa, especialmente como se configura a
Administração Pública no caso português;
● Ordenamento regulador da Administração Pública, isto é, as fontes de direito
administrativo.
❖ Noção de administrar
Na ideia do que consiste administrar, esta é uma atividade humana que se
caracteriza por se desenvolver no âmbito de uma organização, envolvendo a gestão
de recursos e visando a satisfação de interesses.
Por outro lado, na ótica das funções do Estado, podemos dizer que administrar é
um agir sujeito a responsabilidade, isto é, agir em termos delegados do poder pelo
titular dos interesses – vínculo de prevalência funcional.
Assim sendo, de acordo com o professor Paulo Otero, a palavra “administrar”
consiste essencialmente num agir direcionado a um fim ou propósito, isto é,
administrar pressupõe um planeamento e racionalização da afetação de meios a
determinados objetivos.
Com isto, tendo em vista um propósito, não existe autonomia primária na definição
dos meios a alcançar, uma vez que se servem interesses alheios. Há, pois, uma
subordinação a algo, daí a necessidade de se prestar contas, uma vez que existe o
titular dos interesses cuja gestão se encontra em causa.
Ação Rumo Subordinação
Assim sendo, surge o conceito de administração num sentido subjetivo ou
orgânico, onde, na ótica de quem o faz, administrar tem que ver com o sujeito e a
administração. Há, pois, uma administração enquanto estrutura orgânica.
Em suma, uma vez que administrar é uma atividade humana, comportam-se três
elementos estruturantes, nomeadamente:
● Numa administração em sentido objetivo ou material, esta consiste em gerir
os recursos tendo em vista a satisfação de necessidades em função da pessoa
humana;
● Envolvendo a gestão de recursos, administrar compreende cinco tarefas,
nomeadamente planear, obedecendo a um plano, organizar, dispondo de meios
à prossecução dos propósitos definidos, conformar, com uma intervenção sobre
a realidade existente, controlar, fiscalizando o que foi feito ou deveria ter sido
feito, e informar, onde a informação tem de ser condição de eficácia das
decisões tomadas;
● Satisfação de interesses que pertencem a uma pessoa diferente daquele que os
administra.
Neste sentido, embora não sendo regra, também pode haver atuação administrativa
pública regulada no direito privado;
● Existência de dois princípios estruturantes distintos, onde, na administração
privada, é lícito tudo aquilo que não é proibido (regra da liberdade) enquanto na
Administração Pública só é lícito aquilo que a lei permite (regra da legalidade ou
de competência);
● Tribunal competente para resolver litígios, onde, em regra, os litígios que
sucedem no âmbito do setor privado, são regulados pelos tribunais comuns,
enquanto que as resoluções dos litígios no âmbito do setor público são reguladas nos
tribunais administrativos e fiscais, embora havendo exceções. Há, pois, uma
distinção de jurisdições;
● Desvalor regra da atuação, onde, em direito privado, um ato contrário à lei, em
regra, é um ato nulo, onde, em direito administrativo, um ato da administração
pública contrário à lei é anulável.
Nesta distinção, há uma ideia da flexibilidade das fronteiras, uma vez que há
movimentos migratórios de necessidades coletivas, ou seja, há necessidades coletivas
que num certo momento podem ser objeto de satisfação pelo setor privado, mas também
pode ocorrer que sejam apenas satisfeitas no âmbito do setor público.
Na flexibilidade das fronteiras, o legislador tem, assim, a liberdade para ir definindo
tais fronteiras, onde esta liberdade é dada pela Constituição da República
Portuguesa.
Há, pois, uma liberdade conformadora do legislador que passa por três elementos
centrais, nomeadamente:
● As opções constitucionais no âmbito da organização económica, onde o Estado
deve ser mais interventivo, limitando o setor privado e a iniciativa económica,
ou ter uma função supletiva, deixando o essencial para o setor privado, de
acordo com o princípio da subsidiariedade;
● As opções políticas, que dependem da luta política-ideológica, o que permite
justificar que um Governo resolva recorrer à nacionalização ou coletivização,
transferindo do setor privado para o setor público – reforço do setor público –,
ou à privatização ou reprivatização– reforço do setor privado;
● Existência de zonas de miscigenação entre necessidades coletivas objeto de
satisfação pública de satisfação privada, como por exemplo no âmbito da
educação social.
❖ Administração Pública
Primeiramente, o direito regulador da Administração Pública é o direito
administrativo, que tem que ver com a organização do poder.
Com a Revolução Francesa, no século XIX, surge a igualdade dos cidadãos
perante a lei, dando-se a introdução do princípio da separação de poderes, onde o
executivo surge nas mãos dos revolucionários, mas os tribunais permaneciam fiéis ao
regime absolutista.
Assim sendo, os litígios entre o executivo e os particulares não poderiam ser
julgados pelos tribunais, pois estes iriam colocar termo à vontade do executivo.
Nisto, com a separação de poderes, uma vez que julgar a administração ainda é
julgar, os tribunais não o poderiam fazer, pois iriam violar este princípio da separação
de poderes.
Contudo, houve uma diminuição das garantias dos particulares, mas, por outro
lado, deu-se o fenómeno do conceito de Estado Francês.
Com este órgão da administração, à luz do direito comum, criou-se um conjunto de
especificidades próprias para justificar a atuação da administração. Surge, pois, o
direito administração como direito especialmente regulador do agir da administração.
Assim sendo, o direito administrativo surge historicamente não para garantir a
igualdade dos particulares e da administração, mas para justificar os privilégios da
administração perante os particulares.
Com isto, mesmo quando a Administração Pública age ao abrigo do direito privado,
não o aplica de forma igual ao direito privado que é aplicado pelos particulares. Há,
pois, um direito privado admnistrativizado ou publicizado aplicado pela
Administração Pública.
Neste sentido, a publicização deste direito privado vinculava ao respeito pelos
princípios fundamentais da Constituição, de acordo com o art. 256º da CRP, e às
normas dos direitos fundamentais, de acordo com o art. 18º da CRP.
Assim sendo, o direito privado publicizado não é igual ao direito privado que os
particulares aplicam nas suas relações, onde há quem diga que estamos perante um
terceiro género de direito.
Independentemente do grau de administração de direito privado aplicável pela
Administração Pública, o direito administrativo não é o único direito regulador
desta, mas um dos seus ordenamentos reguladores.
Contudo, apesar do direito administrativo não ter o exclusivo de regulação da
Administração Pública, é, pois, o direito típico e comum desta, sendo aplicável na
ausência de norma.
Assim sendo, não é possível colocar toda a Administração Pública a ser regulada
pelo direito privado, pois existe uma reserva constitucional de direito administrativo.
No século XVI, os traços identitários do direito administrativo português
resumem-se pelo facto de:
● Atribuição de poderes de autoridade da Administração Pública, quando a
prossecução de interesses públicos o exija;
● Reconhecimento de uma posição jurídica de supremacia da Administração
Pública face aos destinatários das suas decisões, sem prejuízo afirmação de
posições jurídicas de vantagem dos cidadãos perante a Administração;
● Sujeição do exercício dos poderes de autoridade da Administração Pública ao
princípio da legalidade, onde só pode agir nos termos em que a lei o permite, e
ao controlo judicial, onde os tribunais podem controlar a legalidade do agir da
administração;
● O estatuto reforçado do poder executivo como órgão superior da
Administração, onde este possui um papel primordial;
● Inserção das instituições administrativas no âmbito do sistema administração
de modelo francês no desenvolvimento do direito administrativo português, sem
prejuízo da influência alemã e da UE.
Assim sendo, uma mudança da matriz identitária do sistema administrativo
poderá encontrar-se ferida de inconstitucionalidade, limitando, pois, a margem de
liberdade conformadora do legislador.
❖ Pressupostos terminológicos
Nos pressupostos terminológicos, temos o vocabulário da Administração Pública
e o vocabulário dos administrados.
No vocabulário funcional da Administração Pública, encontramos três conceitos
centrais:
● Interesse público;
● Vinculação;
● Responsabilidade.
o Interesse público
o Vinculação
Tem, pois, um conjunto de regras e princípios a que deve obedecer, onde podemos
dizer que a vinculação tem diversas matrizes.
Assim sendo, a vinculação pode ser:
● Absoluta ou rígida, caso estejamos diante de normas jurídicas;
● Relativa ou flexível, se tiver como parâmetro subordinante princípios jurídicos.
No entanto, toda a vinculação possui uma margem de liberdade concebida pela lei,
que se traduz na discricionariedade administrativa – margem de autonomia decisória
dentro dos parâmetros da lei –, possibilitando a escolha de uma solução dentro dos
parâmetros da normatividade.
Neste sentido, o agir vinculado pode conduzir a uma dualidade de juízos,
nomeadamente:
● Juízo de legalidade, onde se emite uma apreciação sobre a conformidade
jurídica da conduta administrativa com a juridicidade vinculativa;
● Juízo de mérito, onde o juízo que se faz é sobre a conveniência da respetiva
decisão, pois caso contrário a decisão sofre um juízo de ausência de mérito.
● Relação administrativa, que tem que ver com o vínculo que se estabelece
entre os particulares e a Administração, assumindo relevância administrativa
sempre que envolva a intervenção da Administração Pública – conexão entre
a Administração Pública e o particular;
● Pretensão, que tem que ver com o conteúdo do pedido formulado pelo
particular à Administração ou contra esta, como por exemplo o pedido de
reapreciação do exame;
● Garantias, que são posições jurídicas de vantagem dos particulares face à
Administração, perante ações ou omissões, colocando-a numa posição
jurídica passiva.
De acordo com o professor Paulo Otero, não é possível reconduzir a análise de todo
o direito administrativo apenas à relação jurídico-administrativa, uma vez que nem
sempre a realidade administrativa se pode reconduzir a uma relação jurídica.
Contudo, alguma doutrina portuguesa tende a responder em sentido afirmativo, como
por exemplo o professor Guilherme Fonseca.
Apesar disto, todas as relações jurídicas são comportas por situações jurídicas.
Uma vez que nem todas as relações jurídicas envolvem o exercício de poderes de
autoridade por parte da Administração Pública junto dos particulares, podem
verificar-se três diferentes situações:
● Envolver poderes de autoridade por parte da Administração face aos
particulares;
● Envolver situações de paridade ou de igualdade entre a Administração e os
particulares;
● Envolver uma posição de supremacia do particular face à Administração.
Uma vez que a pretensão surge como situação jurídica autónoma, esta pode ser:
● Processual ou objetiva, que é o pedido de obter uma decisão, onde esta pode
ser meramente formal ou incidir sobre o mérito da pretensão formulada –
princípio da decisão;
● Material ou substantiva, que se alicerça numa norma impositiva onde se
expressa o dever de a administração decidir favoravelmente, o que significa que
o particular é titular de um direito subjetivo, como por exemplo ter direito a
um subsídio.
o Garantias
Assim sendo, sem Estado não garantida efetiva da liberdade na medida em que,
sem liberdade, nenhuma autoridade do Estado se mostra legítima.
Com isto, assiste-se ao surgimento de um novo modelo de Administração
Pública.
Nos efeitos da revolução administrativa, por outro lado, continua a existir uma
crise financeira, nomeadamente na sustentabilidade das prestações sociais e na crise de
receitas de todos os Estados, devido à crise da Covid-19.
Assim sendo, a curso prazo, crise económica gera uma crise financeira e, por isso
mesmo, por exemplo, a crise de 2008 pode verificar-se numa dimensão muito maior, se
acompanhar uma crise sanitária, económica e social.
Nisto, a progressiva internacionalização e europeização das matérias leva a que
se tenha assistido a uma expropriação dos Estados e das administrações estaduais,
onde cada vez mais existem Estados com políticas protecionistas e nacionalistas, e,
assim, mais uma vez, a crise da Covid-19 vem acentuar estas tendências.
Nesta base, assistem-se ainda a Constituições de natureza compromissória, que
refletem um pluralismo de interesses e contra interesses e, por isso mesmo, a
consequência é a de uma Administração constantemente questionada devido à
constitucionalidade do seu agir.
Assim sendo, em termos constitucionais, a Administração é frequentemente
questionada.
Nisto, podemos concluir que, da mesma forma que o Direito Constitucional muda,
também o mesmo pode acontecer com o Direito Administrativo.
Nesta base, com o estado de necessidade económico-financeiro, torna-se necessário
adotar algumas medidas, nomeadamente:
● Ponderar a redução de remunerações resultantes da prestação de trabalho
público;
● Repensar os montantes a pagar pelo Estado no âmbito das indemnizações
contratuais.
❖ Imperialismo administrativo
No imperialismo administrativo, há uma vocação imperialista evidente do Direito
Administrativo, nomeadamente através do número de atos jurídicos publicados no
Diário da República, onde, muito do Direito da União Europeia, é, materialmente,
Direito Administrativo.
Com isto, verifica-se que o sucesso ou insucesso do modelo constitucional de
bem-estar está nas mãos da Administração Pública, pois se houver uma garantia do
direito à saúde, se não existirem hospitais públicos, de nada servirá existirem estes
direitos.
Nesta base, que tem a responsabilidade de decisão sobre o equipamento e construção
dos hospitais, etc. é a Administração Pública e, por isso, a Constituição encontra-se
“refém” à Administração Pública.
Por outro lado, também se verifica uma projeção do Direito Administrativo ao nível
da terminologia jurídica, onde, apesar do Direito Civil ser o direito comum, há
conceitos legais e pré-constitucionais com projeção no Direito Administrativo, o
que significa que são próprios deste tipo de direito e que, por isso, não são transponíveis
ao Direito Civil e vice-versa. Há, pois, conceitos que têm fundamento na lei e outros
na Constituição.
Assim sendo, tem-se verificado uma intervenção legislativa na definição de
conceitos administrativos.
Na qualificação de conceitos administrativos, pode acontecer que haja realidades
que têm um sentido em Portugal, mas, que, no entanto, podem ter uma terminologia
idêntica noutros Estados, correspondendo a conceitos diferentes em Portugal.
Nesta base, na questão terminológica, num contexto administrativo globalizado,
internacionalizado e europeizado, leva a que o direito estrangeiro e o direito da
União Europeia utilizem certos conceitos e, por isso, torna-se necessário verificar se
esses conceitos correspondem aos conceitos idênticos no direito português.
Nisto, dentro do Direito Administrativo existem elementos que permitem verificar
que por este direito passa uma identidade cultural de um Estado, ou seja, uma
identidade cultural administrativa, onde o sistema administrativo é parte do
património cultural e imaterial de um povo, com três particularidades:
● A Constituição portuguesa é elemento que permite identificar os traços
caracterizadores desta identidade imaterial que o Direito Administrativo
consubstancia em termos culturais;
● O respeito e defesa da língua e dos traços identificativos do sistema
administrativo português é algo que passa pela Constituição;
● Existência de limites que excluem uma colonização científica externa, isto é,
se da Constituição resultam traços identitários do Direito administrativo como
elemento integrante da identidade cultural nacional, significa que existem
limites à entrada científica de ideias estrangeiras para serem integradas no
sistema administrativo português.
❖ Tarefas da Administração
Nas tarefas da Administração, visando a satisfação de necessidades coletivas, estas
expressam a atualidade de uma Administração ampla no exercício das suas funções,
nomeadamente:
● Gerir informação, com meios humanos e técnicos especializados, a
Administração recolhe e trata a informação, sendo esta um elemento nuclear da
decisão. Quem tem a informação, tem, pois, o poder efeito de decisão.
Por isso, a Administração Pública tem de prever e antecipar riscos das gerações
presentes e futuras, influenciando condutas dos cidadãos;
● Regulação ordenadora, que pode ser unilateral ou bilateral, concreta ou
normativa, onde a Administração prepara medidas de natureza exta
administrativas, fornecendo o material técnico que permite a melhor decisão no
âmbito político/legislativo;
● Execução de decisões anteriores, onde, sendo a Administração uma expressão
executiva da vontade do legislador, executa a Constituição, a lei, sentenças
judiciais, etc., tendo, pois, um papel metodologicamente ativo;
● Controlo da atuação, onde se a Administração desenvolve uma tarefa de
fiscalização da sua própria conduta e dos privados que exercem ou não
funções públicas, como por exemplo se os restaurantes estão a respeitar as
regras impostas pela DGS.
Assim sendo, a Administração não pode sair do seu hemisfério sem uma norma
legal que o habilite;
● Normas de divisão ou separação de funções, onde, no domínio público,
procede-se à distribuição da satisfação das necessidades pelos vários poderes
e, por isso, existem decisões que são da competência do poder legislativo, do
poder judicial e do poder administrativo, onde há, pois, o princípio da
separação de poderes.
Também aqui, se a Administração Pública agir sobre a esfera do poder legislativo ou
do poder judicial, a atuação administração viola esta separação de poderes, onde os atos
estão aferidos de usurpação de poderes e, por isso, são nulos;
● Normas de atribuições, onde, dentro do poder administrativo, são normas que
definem os fins e os interesses que estão a cargo da entidade pública, onde cada
uma destas possui fins próprios.
Neste tipo de normas, se a pessoa coletiva A decidir sobre os fins da pessoa coletiva
B, o ato está aferido de incompetência absoluta e nulidade, que onde uma entidade
pública administrativa invade a esfera de atribuições de uma outra entidade.
● Normas de competência, onde se definem os poderes que cada órgão dentro da
pessoa coletiva tem para a prossecução dos fins próprios, por exemplo, no
município de Lisboa definem-se os poderes da câmara municipal.
Contudo, se em vez de se passar uma multa para sancionar o desrespeito pelas regras
de trânsito, se se multar para obter mais receitas para a Administração, este é um fim
que nada tem que ver com a competência que a lei atribuiu. Há, pois, desvio de
poder.
● Normas que estabelecem limites materiais ao exercício da competência,
impondo requisitos ao objeto de decisão a adotar, por exemplo, alguém pode
conceder um subsídio a um grupo teatral até um montante de 1000€ nos termos
da lei, mas, se em vez disso conceder 2000€, ultrapassa-se o limite material que
a lei impõe. Há, pois, uma violação de lei, onde esta determina a nulidade ou
anulabilidade;
● Normas que prescrevem o procedimento e a forma de exercício da
competência, onde se tem de saber qual a forma exterior da decisão e, por isso,
estas são regras de natureza formal.
Assim sendo, esta revolução dos meios do agir administração tem-se verificado
devido a alguns fatores, nomeadamente o fator financeiro, que faz reequacionar as
atividades que o Estado deve prestar, com recurso a meios privados, como forma de
reduzir custos e aumentar as receitas.
Contudo, esta tipologia não é exaustiva, onde, por isso, pode haver uma
complementaridade e sobreposição entre as várias classificações.
No entanto, podemos ainda ter uma Administração institucional, que tem na base
uma instituição que não tem um substrato territorial nem associativo, onde se
prosseguem interesses públicos específicos, como por exemplo as Universidades
Públicas;
● Numa terceira dicotomia, podemos distinguir a Administração central, que é
aquela cuja atuação se estende a todo o território nacional, da Administração
periférica, que é aquela em que o substrato da sua atuação se limita a uma
determinada localidade, onde esta pode ser interna ou externa.
Por exemplo o comando distrital da PSP do Porto tem a sua atuação restrita ao
distrito do Porto;
● Numa quarta dicotomia, podemos diferenciar a Administração geral, onde se
visa a prossecução de interesses comuns, da Administração corporativa, onde
estão em causa interesses públicos relativos a um grupo específico de pessoas;
● Numa quinta dicotomia, podemos diferenciar a Administração dependente,
onde as estruturas administrativas estão submetidas a poderes de intervenção
conformadora sobre a sua esfera decisória, da Administração independente,
onde as estruturas administrativas exercem os seus poderes sem qualquer
sujeição;
● Numa sexta dicotomia, podemos diferenciar a Administração do Estado, que
visa a prossecução de interesses gerais de coletividade, da Administração infra
estadual, que prossegue interesses públicos de âmbito circunscrito, como por
exemplo as regiões autónomas, da Administração supraestadual, que
prossegue interesses comuns a vários Estados, como por exemplo a
Administração da União Europeia;
● Numa sétima dicotomia, podemos diferenciar a Administração sob forma
pública, onde a prossecução dos interesses é feita por estruturas de Direito
Público, da Administração sob forma privada, se a prossecução de interesses
é feita por estruturas de Direito Privado.
o Atividade desenvolvida
● Administração neutra, como por exemplo a Administração Liberal, ou
Administração intervencionista, como por exemplo a Administração do
Estado Social;
● Administração produtora de bens, onde presta serviços, ou Administração
reguladora, que se limita a elaborar normas jurídicas que definem as regras do
jogo no mercado.
Neste sentido, nos últimos anos, de acordo com o professor Paulo Otero, a
tendência em Portugal é a de um reforço da Administração judiciária e diminuição
da Administração executiva;
● Administração eletrónica e Administração tradicional, onde, devido à
pandemia, verifica-se o reforço da Administração eletrónica, reduzindo, pois,
a força da Administração tradicional.
o Efeitos produzidos
● Administração de assistência, como a Administração de sacrifício, ou
Administração agressiva, como a Administração de assistência;
● Administração constitutiva, que é aquela que introduz alterações na ordem
jurídica, ou Administração declarativa, que é aquela que se limita a verificar
factos.
Por exemplo, quando alguém pede um certificado de cadeiras feitas, esta ação é
meramente declarativa;
● Administração decisória, que é aquela que introduz uma inovação na ordem
jurídica, uma vez que decide favorável ou desfavoravelmente um determinado
caso, ou Administração consultiva, que é aquela que se limita a emitir um
parecer, sem que a opinião se consubstancie numa decisão;
● Administração preventiva, que visa evitar o dano, procurando acautelar o
risco, como por exemplo as medidas preventivas de combate ao Covid-19, ou
Administração repressiva, que vem atuar depois dos factos terem ocorrido,
visando, pois, esclarecer, sancionar e evitar a continuação;
● Administração nacional, que esgota os seus efeitos no território nacional, ou
Administração transnacional, que é aquela em que as suas decisões são
atravessadas por fronteiras.
❖ Posições jurídicas dos particulares face à Administração
Nesse sentido, procura-se entender se aquilo que se pode pedir à Administração,
sabendo que esta, consoante a força do meu pedido, tem mais ou menos margem para
decidir aquilo que lhe é pedido.
Por outro lado, existem formas de intervenção económica do Estado, onde surge a
dúvida de saber se o rei está subordinado à lei por ele criada;
● Administração renascentista ou barroca, que vai do século XV ao XVII,
caracterizando-se por ser uma Administração da expansão ultramarina, onde
surge a ideia de que a Administração é projetada para além de Portugal Continental.
Para além disto, surge ainda a ideia da intervenção económica, social, cultural –
ideia do estado de polícia –, a ausência da ideia de separação de poderes e a
aplicação das regras de processo dos tribunais na atuação da Administração.
Assim sendo, com a Revolução Liberal de 1820, a Administração Liberal é
caracterizada por vários aspetos com inovações revolucionárias, que se ligam com o
novo paradigma desta Administração, nomeadamente:
● Separação de poderes, onde, contrariamente, existe uma concentração de
poderes;
● Supremacia da lei, que, afinal, é a vontade do chefe do executivo;
● Igualdade de todos perante a lei, onde, apesar disto, existem privilégios da
Administração;
● Tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos, onde há uma ilusão de direitos
dos administrados;
● Abstencionismo do Estado, que, muitas vezes, é apagado por um paternalismo
de intervenção do Estado.
❖ Administração pós-liberal
o Administração do Estado intervencionista
❖ Administração neoliberal
Com isto, poder-se-á perguntar se estamos perante uma Administração Pública em
transição para um Estado neoliberal, onde houve uma redução do peso da
Administração, nomeadamente:
● Crise do hiperintervencionismo do Estado;
● Privatização de tarefas e serviços públicos;
● Redução da função pública e do aparelho administrativo;
● Substituição dos instrumentos de coação e de comando;
● Introdução da boa governação administrativa;
● Compulsão pela modificação e pela invocação.
Contudo, importa realçar a opção política dos últimos dois governos no sentido de
reforço da intervenção do Estado, onde o Covid-19 e a sua crise sanitária,
determinaram o reforço desta intervenção, com a sua Administração no combate à
pandemia.
Assim sendo, o Estado é o melhor instrumento para a garantia dos direitos das
pessoas.
Com isto, à semelhança dos tempos anteriores, à emergência financeira decorrente
da crise financeira de 2008, podemos, atualmente, ter uma emergência sanitária,
agravando os seus efeitos, o que poderá levar a uma relativização da força normativa
da Constituição.
De acordo com o professor Paulo Otero, esta conceção é excluída pela Constituição
República Portuguesa, uma vez que não é possível recorrer à tortura em função dos fins,
por exemplo;
● Conceção compromissória, onde, de acordo com o professor Diogo Freitas do
Amaral, em que o art. 266º da CRP procura conciliar a prossecução do
interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos
dos particulares.
Contudo, de acordo com o professor Paulo Otero, o art. 266º da CRP não pode
deixar de ser interpretado fora do art. 1º da CRP, pois este impõe a dignidade da
pessoa humana e o respeito pela vontade popular;
● Conceção personalista, onde o interesse público não pode prevalecer sobre o
núcleo indisponível da dignidade humana, isto é, há casos em que não é
possível conciliar o interesse público e os direitos das pessoas.
Assim sendo, o ser humano nunca pode ser tratado com indignidade pela
Administração Pública, uma vez que a dignidade humana é um elemento integrante do
personalismo da administrativo.
Por exemplo, com o Covid-19, há uma defesa mais acrescida perante as pessoas
mais vulneráveis.
Por isso, a violação da dignidade humana nunca poderá assumir relevância
positiva, onde, de acordo com o professor Paulo Otero, a responsabilidade civil de
atos contrários à dignidade humana é imprescritível.
Todavia, na reserva de lei, a dignidade é fonte de deveres e de direitos.
Assim, numa outra ótica, discute-se a relação entre a legalidade e igualdade, onde,
da Constituição, não resulta uma prevalência absoluta da legalidade face à igualdade, o
que levanta o problema de saber se haverá um direito à igualdade na legalidade.
Por exemplo, imaginemos que A foi tratado em sentido contrário à lei numa situação
concreta de vantagem, onde a sua atuação se consolidou na ordem jurídica.
Nisto, pergunta-se se B poderá exigir que a Administração tenha uma conduta igual à
que teve em relação a A, apesar de contrária à lei, ou se a Administração agiu
ilegalmente, não sendo invocável.
Assim sendo, quanto a esta questão, existem divergências doutrinárias, onde na
conceção tradicional, não há direito à igualdade na legalidade, mas, onde, de acordo
com o professor Paulo Otero, haverá igualdade na legalidade.
❖ Cidadania administrativa
Na cidadania administrativa, entende-se que a conceção personalista é
incompatível com o entendimento de que o particular é um súbdito, mas, pelo
contrário, o particular é um cidadão com liberdade, igualdade e participação, de acordo
com o art. 266º/1 da CRP.
Assim sendo, os cidadãos administrativos são todas as pessoas singulares e
coletivas.
Na reserva de lei, esta diz respeito a matérias sobre as quais apenas a função
legislativa pode operar e, por isso, há uma área de exclusão de intervenção decisória
dos tribunais e da Administração.
De acordo com o acordo com o professor Paulo Otero, defende-se que a reserva de
lei obedece a uma regra de tipicidade constitucional, onde só é reserva de lei o que
direta ou indiretamente é identificado como tal pela Constituição.
o Princípio da preferência de lei
Na preferência de lei, a lei tem um primado em relação aos demais atos jurídicos,
mas com exceções, que se prendem com as decisões judiciais, pois nos termos do art.
205º da CRP, prevalecem sobre as decisões de quaisquer outras autoridades e, por
isso, estas estão acima da lei.
Há, pois, situações em que a violação da lei não gera invalidade, mas sim uma
mera irregularidade.
No âmbito dos requisitos da Constituição e da lei, qualquer pessoa pode ter acesso
à função pública, podendo candidatar-se.
Nesta base, a regra de acesso à função pública e a cargos públicos é o concurso
público, que garante maior transparência e satisfação do interesse público, pois pode
haver a hipótese de a Administração escolher os melhores para os respetivos cargos.
o Princípio da liberdade de petição
Este princípio significa que estamos perante uma Administração que não tem
segredos, isto é, há uma regra de transparência de acesso a essa mesma Administração,
onde esta faculta aos particulares o conhecimento das decisões e do processo que leva a
essas decisões.
Este princípio diz-nos que qualquer cidadão que se dirija à Administração, deve
ter uma resposta, onde esta resposta corresponde a uma decisão.
Nisto, o cidadão tem o direito a obter uma resposta, mas não tem o direito a obter
uma resposta favorável à sua pretensão.
Assim sendo, temos a diferença entre direito subjetivo – que é o direito a obter
uma resposta –, e interesse legalmente protegido – que é o direito de obter uma
resposta em sentido favorável.
o Princípio da informação
o Princípio da fundamentação
Neste princípio, traduz-se na ideia de que quem causa um dano, deve reparar esse
dano, onde, se não for possível a reconstituição natural, temos a indemnização
pecuniária.
Assim, esta responsabilidade civil da Administração tanto pode ocorrer por
condutas de ação como por condutas por omissão perante os particulares.
Neste sentido, a responsabilidade civil pode ter por base um facto ilícito ou um
facto lícito, uma responsabilidade por efeito de risco – responsabilidade
extracontratual – ou uma responsabilidade de incumprimento contratual.
o Princípio da intervenção moderadora do provedor de justiça
O provedor de justiça não decide, pois perante uma queixa que o particular lhe
dirige, limita-se a analisar essa mesma queixa, verificando que se há uma razão ou
não que justifica e que permita dar acolhimento à queixa que foi formulada pelo
particular.
Se o provedor de justiça verifica que não há acolhimento, informa o particular,
pondo termo ao procedimento.
Por outro lado, se o provedor de justiça achar que o particular tem razão, deve
ouvir, formulando uma recomendação.
No entanto, a recomendação não é uma decisão, mas sim um alertar da entidade
competente que deve tomar as providências necessárias relativamente à queixa
apresentada.
Assim sendo, o provedor de justiça possui uma função moderadora, onde um
particular pode tomar providências junto deste.
o Princípio da responsabilidade política da Administração Pública
Nisto, os cidadãos não podem ter diminuído o seu grau de proteção o seu grau
de garantia contra a Administração pelo facto de esta usar novas vias e novos
processos eletrónicos;
● Reserva de lei, onde todas as exigências de utilização de meios informáticos ou
eletrónicos deve ser com fundamento na lei.
Nisto, esta crise dá-se pela abertura de fronteiras, espaços económicos, pela
circulação de pessoas, pelo desenvolvimento do comércio internacional, etc.
Neste sentido, a mundialização, enquanto fenómeno sociológico e económico,
também tem projeção no mundo administrativo.
Por isso, atualmente, há uma pluralidade de situações jurídico-administrativas
atravessadas por fronteiras que têm ligações com vários Estados, o que justifica
crise do princípio da territorialidade e do princípio da soberania, onde a crise da
pandemia veio demonstrar a importância destas mesmas fronteiras.
Nesta base, nos últimos tempos, tem havido uma valorização do território, do
Estado e da consequente administração do mesmo, onde este é um fenómeno
meramente circunstancial.
Normalmente, a regra é a da abertura das relações jurídico-administrativas a
fenómenos transnacionais atravessados por fronteiras, o que significa há interesses
públicos transnacionais e uma internacionalização dos problemas nacionais.
Esta internacionalização dos problemas nacionais manifesta-se através da tutela e
garantia dos direitos humanos, onde deixou de ser um problema da fronteira dentro
cada Estado para passar a ser um problema de toda a comunidade internacional.
Nisto, verifica-se a insuficiência do Estado para fazer face aos vários fenómenos
que ocorrem.
Por outro lado, tráfico de pessoas e de mercadorias levam no fundo ao
reconhecimento de que tem de existir atos administrativos transnacionais em matéria
de transportes, de correios, telecomunicações, títulos académicos, etc.
Nisto, o acesso tecnológico a novas riquezas exige regulamentação internacional,
onde se verificam tentativas de regulação de realidades que são informais, como por
exemplo as agências de rating.
Portanto, atualmente, há uma sociedade global em rede e, por isso mesmo, um
espaço jurídico global, onde cada Estado partilha poderes decisórios com outros
Estados, com organizações internacionais, com entidades privadas, etc.
Nessa partilha de poderes decisórios, também está presente a partilha de poderes no
âmbito administrativo e, por isso mesmo, a criação de formas de Administração
Pública sem Estado.
Há, pois, a emergência de um direito administrativo sem Estado, o que significa
existe espaços administrativos comuns, onde há três tipos de espaços administrativos,
nomeadamente:
● Zonas de Administração exclusiva do Estado, onde o Estado continua a ser titular
dos poderes decisórios;
● Zonas de exercício comum da função administrativa, onde não é apenas o Estado
português, mas com outras entidades;
● Zonas de Administração exclusiva de estruturas supraestaduais, como por
exemplo o caso típico da União Europeia, que tem matérias que só ela decide.
Temos, pois, uma zona de decisão exclusiva de uma entidade supranacional.
Na Administração das uniões internacionais, esta surge no século XIX, com a génese
de um direito administrativo internacional.
Assim, os Estados eram os protagonistas não isolados, mas em conjunto no
âmbito destas uniões internacionais. Por exemplo, no âmbito da exploração de rios na
Europa central.
Nesta base, este exemplo foi um dos embriões das organizações internacionais.
Assim, verifica-se a existência de interesses transnacionais, com organizações
internacionais de vocação universal e vocação regional, que têm estruturas
administrativas e funcionários próprios.
Contudo, apesar de existirem problemas financeiros, têm uma projeção da sua
atividade junto dos Estados, onde a ONU é o exemplo de uma organização
internacional à escala mundial, que tem uma estrutura administrativa própria, o significa
que existe uma Administração Pública da ONU.
Nisto, a Administração Pública nacional pode ter que dar cumprimento a atos
provenientes de organizações internacionais e da União Europeia.
Assim, levanta-se o problema da responsabilidade política dos órgãos
administrativos portugueses, não apenas perante o Parlamento nacional, mas também
perante estruturas extranacionais;
● A Administração Pública nacional está condicionada por interesses
transnacionais, que têm de ser ponderados nas decisões administrativas
nacionais;
● Pode ocorrer cenários em que a Administração Pública nacional aparece em
situação de protetorado internacional, isto é, como uma Administração
Pública subordinada na sua globalidade, como por exemplo o que aconteceu
com a Troika;
● Atualmente, a Administração Pública nacional é um enclave de reduzida
dimensão territorial e de liberdade decisória por força deste descentrar
do centro da Administração Pública nacional para estruturas internacionais e
supranacionais.
Nisto, podem acontecer a situações jurídicas pretéritas que ainda estão em vigor
– retro conexão – ou o direito pode pretender reconfigurar o passado face a situações
jurídicas que já não estão em vigor – retroatividade extrema.
Contudo, estas situações de reconfiguração do passado levantam problemas de
ponderação com outros princípios jurídicos, designadamente o princípio da
segurança jurídica.
Nisto, o fundamento que leva à mutação intencional do direito tem dois
alicerces, nomeadamente:
● Prossecução do interesse público, isto é, a ideia de que há novas visões que
justificam mudança;
● O princípio democrático, ou seja, uma nova linha política pode ter uma
visão diferente da solução normativa.
Contudo, esta nova visão levanta questões de saber se apenas pode produzir
efeitos para o futuro, onde, por isso, surge o limite fundamental, que é o princípio da
segurança jurídica e o princípio da tutela da confiança, que se prende com a
configuração do futuro e o a atendibilidade do passado.
❖ Configuração do futuro
Com a configuração do futuro, ninguém tem o direito à manutenção de uma lei,
pois o princípio é o da mutabilidade intencional.
Nisto, os limites são o princípio da segurança jurídica e o princípio da tutela da
confiança, o que significa que a liberdade de configurar o futuro deve ser sempre feita
dentro do espírito do sistema.
Contudo, em situações jurídicas continuadas, pode ocorrer uma alteração anormal
dos pressupostos de factos que estavam subjacentes, isto é, quando as situações
foram constituídas, havia um cenário de facto que se alterou com o decurso do tempo.
Nisto, a alteração das circunstâncias é uma cláusula implícita em todos os atos
jurídicos, pois é uma exigência de justiça material com uma relevância bilateral, tanto
de justiça material para a Administração, como de justiça material para os cidadãos.
Através desta cláusula, a alteração das circunstâncias torna presente o passado
para se reconfigurar o futuro.
Assim sendo, a questão de justiça material não é possível manter a solução hoje
vigente, o que justifica a configuração do futuro.
Face a isto, num primeiro momento o Tribunal Constitucional, pode dizer que a
declaração de inconstitucional só ocorre, por exemplo, a partir de hoje, o que significa
que todos os efeitos produzidos desde que entrou em vigor até ao momento presente,
mantêm-se na ordem jurídica;
● O Tribunal Constitucional tem a jurisprudência que permite que a norma
continue a produzir efeitos, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral – projeção para o futuro.
Se há quem entenda que isto pode acontecer, isto significa que há uma extensão da
ideia do art. 282º/4 da CRP e do poder de modelação de efeitos em sede de
fiscalização difusa;
● Se nas situações de inconstitucionalidade, que são as mais gravosas do
ordenamento jurídico, se permite modelar efeitos, coloca-se a questão do porquê
de não se permitir o mesmo em situações de nulidade administrativa;
● Nas situações de mera anulabilidade, que são é a forma menos gravosa de
violação de legalidade, pergunta-se se não se deve permitir modelação dos
efeitos.
Nisto, temos uma afloração da ideia do art. 163º/5 do CPA, onde se exclui o efeito
anulatório, onde isto tem que ver com o passado, mas também pode ter que ver com o
futuro;
● Por outro lado, coloca-se a questão de saber se a justiça do caso concreto não
permitirá ao Tribunal afastar a solução da Administração mesmo em
situações de validade.
❖ Administração Pública
De acordo com o professor Diogo Freitas do Amaral, quando se fala em
Administração Pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades coletivas
cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela coletividade, através de
serviços por esta organizados e mantidos.
Assim, para a sua correta utilização, os serviços têm de funcionar com
regularidade e eficiência.
Por isso, onde quer que exista e se manifeste uma necessidade coletiva, aí surgirá
um serviço público destinado a satisfazê-la em nome e no interesse da coletividade.
No entanto, nem todos estes serviços têm a mesma origem ou a mesma natureza,
pois uns são criados e geridos pelo Estado, enquanto outros são entregues a
organismos autónomos, mas, no entanto, todos funcionam para a satisfação das
necessidades coletivas.
Contudo, apesar de a Administração Pública ser o conjunto de atividades e
organismos, esta possui mais do que um significado, nomeadamente a Administração
em sentido orgânico ou subjetivo e Administração em sentido material ou objetivo.
No entanto, poderemos ainda encontrar um terceiro sentido, que prende com a
Administração Pública em sentido formal, que tem que ver com o modo próprio de
agir que caracteriza a Administração Pública em determinado tipo de sistemas de
administração.
o Administração em sentido orgânico
Nisto, esta é uma questão de organização administrativa, mas que possui uma
opção de natureza política.
Assim sendo, as vertentes do poder de organização administrativa são:
● Vertente exterior à Administração Pública, de acordo com o art. 267º da
CRP, onde se possuem normas sobre a estrutura da Administração;
Nisto, também a lei define a estrutura de cada entidade pública, onde, por outro
lado, também se destaca a convenção internacional, onde existem atos de Direito
Internacional e de Direito da União Europeia que têm fortes repercussões em sede de
organização administrativa;
● Vertente interna à Administração Pública, onde há um poder de
auto-organização administrativa, em que a própria Administração estabelece
regras sobre a sua organização e funcionamento, que podem ser regras entre
entidades públicas – auto-organização intersubjetiva –, regras no interior de
cada entidade pública – auto-organização intrasubjetiva –, regras dentro de
cada sujeito – relações entre órgãos –, ou regras de organização interna dos
próprios órgãos, como por exemplo os órgãos colegiais.
Nisto, o fim público é aferido pela ideia de bem comum da coletividade, onde é
esta que densifica a natureza pública dos fins;
● Têm um título jurídico do poder político, onde é essencial que o fim da
entidade pública tenha um título jurídico na base, que se liga com a fonte
pública que define o fim da entidade coletiva em causa.
Na fonte pública que pode estar na base na definição dos fins de uma entidade
pública, temos a Constituição, lei ordinária, convenção internacional, ato de Direito
da União Europeia, regulamento, contrato, ato da Administração ou uma sentença
judicial.
Assim, estas são fontes que permitem criar títulos do poder público, definido a
prossecução de fins públicos.
No entanto, de acordo com o professor Paulo Otero, existem três espécies de
pessoas coletivas públicas:
● De base territorial, onde há um território e uma população que estão no
substrato da pessoa coletiva pública, como por exemplo o Estado;
● De base associativa, onde existem associações públicas de entidades públicas,
como por exemplo associações de municípios, de entidades privadas, como
por exemplo a Ordem dos Advogados, ou entidades mistas;
● De base institucional, onde está em causa uma instituição que se distingue de
todas as demais, como os institutos públicos, nomeadamente aqueles que têm
natureza empresarial, como por exemplo as entidades públicas empresariais
das Regiões Autónomas, ou de natureza não empresarial, como por exemplo
as Universidades Públicas.
Com isto, os princípios gerais que estão na base de todas as entidades públicas
obedecem a várias ideias, nomeadamente à titularidade de fins próprios, onde cada
pessoa coletiva pública tem sempre fins próprios, o que significa que tem atribuições.
Nisto, a entidade pública A não pode invadir a esfera das atribuições da
entidade pública B, pois caso contrário, haverá incompetência absoluta, onde os atos
são nulos.
Por outro lado, cada entidade pública tem sempre uma capacidade jurídica de
direito público, mas também de direito privado, uma vez que tem de ser conferida
por um título jurídico do poder público.
Assim sendo, todas as entidades públicas podem agir ao abrigo do Direito
Administrativo, mas também podem agir ao abrigo do Direito Privado se para tal
estiverem habilitadas.
Todavia, todas as entidades públicas têm património próprio, onde, por outro
lado, possuem ainda uma autonomia administrativa, o que significa que cada entidade
publica pode emanar normas e atos administrativos e ser acompanhada de autonomia
financeira.
No poder da auto-organização interna, cada entidade pública tem sempre a
faculdade de, dentro dos limites da lei, definir as melhores regras para a própria
organização e funcionamento.
Na submissão a normas da contratação pública, a entidade pública sujeita-se à
intervenção do tribunal de contas, onde, no entanto, todas as entidades públicas têm
personalidade judiciária, isto é, pode ser sujeita num tribunal, desencadeando uma
ação, tendo, pois, legitimidade processual para utilizar os meios aptos à defesa das
suas posições jurídicas.
Nesta medida, há uma sujeição de todas as entidades públicas a mecanismos de
responsabilidade civil, financeira e política e a um controlo por parte dos tribunais
administrativos.
Contudo, surge o problema da desconsideração ou levantamento da personalidade
jurídica pública, onde a ordem jurídica pode fazer “apagar” esta mesma personalidade,
dando relevância a outras realidades.
Nisto, pode existir a hipótese de litígios de conflitos judiciais entre órgãos da
mesma entidade pública.
Contudo, poderão ainda ocorrer litígios que envolvam a responsabilidade civil
pessoal dos titulares dos funcionários e agentes da Administração por condutas
dolosas, atingindo, pois, a pessoa do titular e não a pessoa coletiva.
Por outro lado, há a possibilidade da personalização funcional de estruturas de
orgânicas públicas, isto é, órgãos que são tratados como se fossem pessoas coletivas,
que surge em sentido oposto ao levantamento da pessoa coletiva, como por exemplo o
Presidente da República.
Assim, isto significa que, apesar de muitas entidades terem uma personalidade
jurídica de Direito Privado, desde que se verifique um destes três critérios
mencionados, estas devem ser tratadas como organismos de Direito Público.
Nisto, estes três critérios provenientes do Direito da União Europeia têm receção
no direito português, quer no código dos contratos públicos, quer no regime do setor
público empresarial.
No âmbito das entidades privadas criadas e controladas por entidades públicas, as
principais manifestações são a existência de associações privadas de entidades
públicas, desde logo sociedades que integram o setor empresarial público sob forma
privada.
Por outro lado, ainda dentro das associações privadas de entidades públicas, podem
ainda existir associações não lucrativas, isto é, que não são sociedades.
Todavia, também existem fundações privadas criadas por entidades públicas,
onde, se estas não tiverem influência dominante de entidades públicas, estão excluídas
da Administração Pública.
Contudo, se forem fundações privadas sujeitas em influência pública dominante,
fazem parte da Administração.
Nesta base, estamos perante um risco, onde há a existência de uma
Administração Pública sob forma privada, ou seja, esta é pública porque é controlada
e está sujeita a uma influência pública dominante, mas tem uma forma jurídica
privada porque é composta por pessoas coletivas de Direito Privado.
Por exemplo, a entidade pública A cria entidade privada B e, esta, por sua vez, cria a
entidade privada C, onde esta cria ou participa no capital social da entidade privada D,
verificando-se que o capital D é detido pela entidade privada C.
No entanto, a montante de tudo está uma entidade pública que é a entidade
pública A – “cascata” –, onde esta entidade A cria várias entidades privadas, mas
que estão sujeitas a influencia pública dominante.
Assim, isto pode levar a uma debilitação do setor privado dos meios de produção,
uma vez que este setor tem entidades privadas, mas nem todas o são
verdadeiramente, pois muitas delas esta sujeitas a influência dominante pública.
Na criação de entidades privadas por entidades públicas, anteriormente, estas
estavam sujeitas ao regime da total ausência de normas, o que levava ao uso e ao abuso
de criação de entidades privadas por entidades públicas.
Por isso, a lei procurou limitar a criação de entidades privadas por entidades
públicas, exigindo sempre uma lei habilitante, ou seja, a precedência de uma lei
habilitante, o que significa que as entidades públicas só podem criar entidades
privadas se existir norma habilitante para o efeito.
Nisto, o princípio geral é o da proibição das entidades publicas criarem ou
participarem em novas fundações ou associações de Direito Privado.
Nesta base, isto significa que ao lado das entidades públicas, a Administração
Pública também pode ter entidades privadas, onde estas criam uma Administração
Pública sob forma jurídica privada. Esta é, pois, uma nova configuração no âmbito da
Administração.
Assim, temos uma Administração Pública sob forma pública, como por exemplo
a Administração tradicional, e uma Administração Pública sob forma jurídica
privada.
Nisto, a forma jurídica privada significa que são juridicamente pessoas
coletivas de Direito Privado, mas que fazem parte da Administração Pública porque
fazem parte da influência pública dominante.
❖ Capacidade jurídica das entidades públicas
Na capacidade jurídica, esta é a medida de posições jurídicas ativas e passivas
de cada entidade, onde, ao invés, a personalidade jurídica é a suscetibilidade de ser
titular de direitos e estar vinculado a obrigações.
Nisto, os princípios operativos em matéria da capacidade jurídica das entidades
públicas são, desde logo, o princípio da especialidade, onde as entidades públicas
existem para prosseguir determinados fins – atribuições da entidade pública.
Por outro lado, os fins estão sujeitos à reserva de lei, onde é a lei que define em
cada caso concreto quais são os fins da entidade pública, mas pode, todavia, existir
poderes implícitos.
Assim, sempre que a lei define os fins ou atribuições de uma entidade pública,
presume-se que dá os meios para se desenvolverem esses fins, onde esta presunção
tem que ver com a teoria dos poderes implícitos, isto é, de poderes expressamente
atribuído onde se podem extrair os meios auxiliares necessários para a concretização
das normas de competência expressamente atribuídas.
Nesta base, cada pessoa coletiva pública tem, por isso, uma capacidade jurídica de
Direito Público e, na medida em que a lei o permita, uma capacidade jurídica de
Direito Privado.
Nisto, tem ainda uma capacidade jurídica de direito substantivo e uma
capacidade processual judiciária.
Além disto, é possível a representação de entidades públicas, onde, no âmbito de
uma pessoa jurídica pública, a ordem jurídica atribui a faculdade de usar o instituto da
representação.
Os exemplos de representação são, por um lado, a competência dos titulares de
certos órgãos no âmbito de relações entre entidades públicas, como por exemplo a
Faculdade de Direito de Lisboa, que é representada no seu relacionamento com a
Faculdade de Direito de Coimbra através do respetivo diretor.
Por outro lado, a representação em juízo em tribunal, o Presidente da câmara
representa o município em tribunal, onde também podem existir situações de
empréstimo legal de órgãos, onde um órgão é emprestado a uma outra entidade.
Por exemplo, a cobrança de determinado tipo de imposto municipal pode ser feita
pelas repartições de finanças do Estado.
Pode existir ainda a representação por terceiros alheios à organização
administrativa, como por exemplo uma entidade pública quer mover um processo
judicial, podendo constituir como seu representante o advogado A.
No limite, é possível a gestão de negócios no âmbito da atuação administrativa,
desde que seja ao abrigo do Direito Privado.
o Tutela
Na tutela, esta é menos intensiva que a superintendência, onde aqui se fiscaliza, pois
a tutela é o poder de uma entidade pública controlar e fiscalizar a atividade
desenvolvida por outras entidades públicas menores, emitindo juízos de legalidade
ou de mérito sobre a gestão da entidade pública tutelada.
Nisto, a tutela pode ter vários fins, nomeadamente:
✔ Tutela de legalidade, onde se controla se a lei está a ser cumprida;
✔ Tutela de mérito, onde se controla a oportunidade da decisão administrativa;
✔ Tutela financeira, onde se pergunta se esta é de acordo com a lei;
✔ Tutela integrativa, no sentido de acrescentar eficácia ao ato sujeito à
aprovação;
✔ Tutela inspetiva se indicar a conduta e os atos da entidade tutelada;
✔ Tutela sancionatória, se o seu papel for aplicar sanções pelo incumprimento
das orientações ou das leis;
✔ Tutela revogatória ou anulatória, onde o propósito é destruir os efeitos dos
atos praticados;
✔ Tutela substitutiva, em caso de omissão, onde a entidade tutelada devia ter
agido e não o fez, onde a entidade de tutela poderá agir no lugar da entidade
tutelada.
Para além disto, discute-se ainda se é possível uma tutela contratual, como por
exemplo emprestar dinheiro a uma entidade pública, onde o Estado estabelece
cláusulas que lhe permita controlar o modo como está a ser gerido esse mesmo
dinheiro, criando uma figura autónoma de tutela.
De acordo com o professor Paulo Otero, esta tutela só será admissível se a
Constituição não criar obstáculos e da existência de uma lei que permita um contrato
com esse conteúdo.
Nisto, a tutela administrativa está sujeita a um regime que se estabelece nas
seguintes ideias:
● Só há tutela quando a lei o permite nas modalidades permitidas, não
havendo, pois, tutela sem lei.
No entanto, de acordo com o professor Paulo Otero, existe uma exceção, que se
prende com o art. 52º/1 da CRP, onde se permite o exercício do direito de petição dos
cidadãos de um ato praticado por uma entidade pública tutelada menor perante a
entidade pública tutelar.
Assim, este recurso administrativo tem o propósito de revogar ou anular o ato
praticado pela entidade tutelada, onde esta tutela não careca de expressa consagração
legal, pois o art. 52º/1 da CRP tem aplicabilidade direta, concebendo um direito aos
cidadãos, que resulta do art. 18º/1 da CRP.
Por outro lado, a tutela ainda diferentes áreas de incidência, nomeadamente na
Administração indireta ou na Administração autónoma, onde não há poder de
superintendência, mas pode existir tutela.
o Coordenação administrativa
Na coordenação administrativa, esta é um poder que tem o propósito de
harmonizar interesses que estão eme feita em potencial conflito, definindo soluções
de coerência ou de compatibilidade de atuação entre duas ou mais entidades.
Nisto, por via da coordenação, evitam-se disfunções e contradições decorrentes da
sobreposição de ação entre as entidades.
Contudo, a coordenação administrativa pressupõe uma diferença entre a
entidade coordenadora e a entidade coordenada, limitando o exercício dos poderes
da entidade coordenada por ação por entidade coordenadora.
Por isso, não há uma paridade, mas uma diferenciação de níveis, onde a entidade
coordenadora tem supremacia sobre a entidade coordenada.
Nisto, regra geral, estão sujeitas à coordenação do Governo todas entidades públicas,
salvo aquelas que se encontram vinculadas a um mecanismo de cooperação ou as
que a cooperação pertence ao Governo das Regiões Autónomas.
o Cooperação administrativa
Nos órgãos ativos, estes são aqueles a quem compete tomar decisões ou
executá-las, ao passo que os órgãos de controlo são aqueles que têm a missão de
fiscalizar a regularidade do funcionamento de outros órgãos;
● Simples ou complexos, onde os primeiros são aqueles que são compostos por
vários órgãos, como por exemplo o Governo;
● Temporários ou permanentes, onde, por exemplo, um júri de exames é um
órgão temporário;
● Representativos ou não representativos, consoante os respetivos titulares
sejam a expressão de uma representação política.
Nos órgãos colegiais, para poder dizer validamente que está constituído e deliberar,
necessita do mínimo legal de titulares presentes, que é o quórum.
Para além disto, na deliberação, esta só pode ocorrer se existir quórum, podendo, no
entanto, ser aprovada por maioria simples, maioria absoluta ou por maioria reforçada.
Contudo, em regra, nos órgãos consultivos, não poderá haver lugar a abstenções.
Nos processos de decisão, estas não poderão acontecer por escrutínio secreto, exceto
nas deliberações que envolvam apreciações sobre qualidades das respetivas pessoas.
Na importância do debate e da fundamentação, estes devem ser elementos
essenciais da deliberação de qualquer órgão colegial, e também a importância da ata,
onde esta é o momento em que se regista o quando, o como e o que foi deliberado.
Nisto, na atua estão também incluídos os votos de quem não acompanha as
respetivas deliberações, designadamente para efeitos de exclusão de responsabilidade
civil.
Assim, por exemplo, se se votou contra, não se poderá ser responsabilizado pelos
prejuízos que decorram do efeito da respetiva deliberação.
Todavia, existem ainda regras sobre a convocatória e os termos em que é possível
decidir em cada reunião.
Por isso, para poderem expressar e manifestar a sua vontade, as pessoas coletivas
necessitam de órgãos, que são suportados por pessoas físicas. Tem, pois,
particularidades.
Com isto, as pessoas coletivas existem para prosseguir determinados fins, onde
as suas atribuições são os fins ou interesses que a lei incumbe às mesmas, sendo, pois,
dotada de poderes funcionais.
Nos titulares normais dos órgãos, estes podem terem dois estatutos diferentes,
nomeadamente:
● Titulares que exerçam as funções a título profissional, como por exemplo ser
professor de um estabelecimento público;
● Titulares que exerçam funções como sendo titulares do órgão, tendo um
título legítimo para o exercício dessas mesmas funções, mas que não é
profissional, como por exemplo ser Presidente de uma Câmara.
Nos titulares anómalos, quem exerce as funções como titular de um órgão, não tem
Nos regimes dos serviços públicos, estes são titulares de um poder de organização
administrativa, onde, para além da regulação fixada pela lei, cada serviço público tem
o poder de auto-organização interna, isto é, de definir regras sobre a melhor forma de
funcionarem os respetivos serviços.
Nisto, de acordo com o professor Diogo Freitas do Amaral, os serviços públicos
são as organizações humanas criadas no seio de cada pessoa coletiva com o fim de
desempenhar as atribuições desta.
Por outro lado, pauta-se a regra de continuidade dos serviços, onde a
Administração Pública não pode “encerrar para férias”, onde, por isso, quando existem
greves, têm de ser garantidos determinados serviços mínimos, nomeadamente na
área da saúde.
Assim sendo, como vimos, verificando-se o termo do mandado do exercício de
funções do titular, este continuará a exercê-las até ser substituído por um novo titular.
No entanto, os serviços públicos também se caracterizam pela igualdade na
utilização desses serviços, onde não podem ser criadas discriminações infundadas para
aqueles que têm acesso ao serviço público.
Por isso, a regra é a da onerosidade da utilização dos serviços públicos, que, em
contrapartida, se traduz no pagamento de taxas pela prestação dos mesmos.
Na existência de relações especiais de poder, estas ligam-se com os particulares,
que estão sujeitos a um conjunto de vinculações por exercerem essas funções, e com os
utentes, que utilizam os serviços.
Assim sendo, quem presta no sentido de fornecer utilidades e quem beneficia das
mesmas, está sujeito a um estatuto que lhe atribui direitos e obrigações.
Nesta base, a competência pode ser delimitada em função da matéria, como por
exemplo o Ministro da Agricultura exercer funções de uma determinada área diferente
do Ministro dos negócios estrangeiros, em função da hierarquia, onde aquilo que
compete ao Ministro decidir, não é o que compete ao Direito Geral, pois há uma
repartição hierárquica da competência.
No entanto, a competência pode ainda ser delimitada em função do território, onde,
aquilo que compete à Direção distrital de Lisboa da PSP não competente à Direção
distrital de Porto da PSP.
Num quarto critério, existe ainda a delimitação em função do tempo, onde a
competência é para ser exercida no presente, não podendo ser exercida em função do
futuro. Por exemplo, não é possível nomear o futuro Ministro dos negócios estrangeiros
quando o atual cessar as suas funções.
Nisto, apenas a título excecional pode ser exercida em função ao passado, se
existir uma lei que permita a prática de decisões administrativas com retroatividade.
❖ Princípios gerais em matéria de competência
Nos princípios gerais em matéria de competência, estes resultam do art. 36º e art.
37º do CPA, onde a competência não é renunciável pelo próprio, pois esta fixa-se no
momento em que se inicia o procedimento.
De acordo com o art. 38º, art. 39º e art. 51º e art. 52º do CPA, os conflitos de
competência podem ser positivos, quando dois ou mais órgãos consideram que são
competentes para decidir uma matéria, ou negativos, quando dois ou mais órgãos
não se consideram competentes para decidir uma matéria.
Nisto, a regra é a de que sempre que um órgão exerce poderes que pertence a um
outro órgão da pessoa coletiva, há uma situação de incompetência relativa, onde se
gera a anulabilidade dos respetivos atos praticados, exceto no âmbito da atuação do
Governo.
Assim, sendo um órgão da pessoa coletiva Estado, cada Ministério tem fins próprios
e, por isso, significa que tem atribuições próprias.
Por isso, se um órgão do Ministério A praticar um ato que se integra nas atribuições
do Ministério B, o ato não é anulável, mas nulo, pois há uma invasão de atribuições,
de acordo com o art. 161º/2 alínea b do CPA.
❖ Competência delegada
Contudo, ao permitir que um órgão delegue poderes a um outro órgão, a lei também
atribui a este a possibilidade de exercer esses mesmos poderes.
Por isso, se toda a competência resulta da lei, a competência do segundo órgão
resulta da conjugação de dois atos, onde, este se subordina ao primeiro órgão.
No entanto, o primeiro órgão tem ainda em relação ao segundo órgão outros
poderes, nomeadamente o de conceder ou não os poderes, revogar a delegação dos
poderes ou os atos e orientar o modo como devem ser exercidos os poderes.
Para além disto, durante a delegação de poderes, o primeiro órgão mantém ainda
a faculdade de exercer esses poderes.
Todavia, na questão de poder existir uma confusão no exercício dos poderes, esta
não será possível, uma vez que estamos perante uma forma de competência de
alterativa, em que os poderes delegados podem ser exercidos por A ou B.
No entanto, se primeiramente forem exercidos pelo órgão delegante, o poder
delegado já não os poderá exercer, pois se ainda assim o fizer, o ato praticado será
inválido, pois deixou de ter competência para o efeito.
Pelo contrário, se os atos forem primeiramente praticados pelo órgão delegante,
o órgão delegado pode revogar esses mesmos atos.
Assim sendo, de acordo com o art. 44º a 50º do CPA, temos a figura da delegação
de poderes.
Nesta base, a delegação de poderes tem de ser publicada, pois caso contrário, esta
será ineficaz.
Por isso, o delegado que esteja a agir ao abrigo de uma delegação de poderes não
publicada, é incompetente, onde, por isso, os seus atos estão aferidos de
incompetência.
Para além disto, é ainda possível uma delegação entre órgãos de pessoas coletivas
distintas, onde, por exemplo, as Câmaras Municipais podem delegar poderes nas Juntas
de Freguesia.
Neste caso, se dentro dos poderes delegáveis a Junta de Freguesia praticar um ato no
âmbito dos poderes delegáveis, mas relativamente aos quais não houve publicação, de
acordo com o professor Paulo Otero, o ato já não será nulo.
Assim, os poderes que inicialmente apenas estavam no exercício do delegante,
são ampliados ao delegante, onde este pode exercer estes poderes sem que o delegante
perca esse mesmo exercício.
No entanto, poderá ainda existir uma subdelegação de poderes, em que o órgão A
delega B e B subdelega em C, onde, a relação de B com C é a de uma subdelegação,
aplicando-se os mesmos princípios que pautam a relação entre A e B.
Há, pois, dois tipos de delegação de poderes, nomeadamente uma delegação
intrasubjetiva, que é dentro da mesma pessoa coletiva, ou uma delegação
intersubjetiva, entre sujeitos diferentes.
Numa outra ideia, de acordo com o art. 50º do CPA, a delegação de poderes
extingue-se por revogação, onde o delegante pode fazer cessar a delegação de poderes,
por caducidade, extinguindo-se o objeto da respetiva delegação.
Por outro lado, uma vez que a delegação assenta numa relação de confiança entre o
titular do órgão delegante e o titular do órgão delegado, basta que um destes mude
para a delegação caduque, de acordo com o art. 50º/alínea b do CPA.
Assim sendo, a delegação é conferida tendo em conta as pessoas dos titulares.
Na natureza jurídica, há quem entenda a delegação de poderes é uma alineação, uma
forma de autorização ou uma forma de transferência do exercício.
No entanto, de acordo com o professor Paulo Otero, como vimos, há um
alargamento dos poderes do delegante em relação ao delegado.
Com isto, coloca-se a questão de saber se, no Direito Português, numa matéria
concreta, a ordem jurídica atribui poderes de decisão apenas a um determinado órgão,
ou se a regra é flexibilidade do exercício da competência.
De acordo com o professor Paulo Otero, predomina a flexibilidade no exercício da
competência, o que significa que a ordem jurídica só a título excecional confere o
exercício de uma determinada competência em exclusivo a um órgão.
Assim, em regra, em momento diferentes, a ordem jurídica atribui a vários órgãos
o exercício da mesma competência decisória sobre a mesma matéria.
Nesta base, o ordenamento jurídico português conhece cláusulas gerais que
habilitam a delegação de poderes, onde existe um órgão típico, que permite que este
possa habilitar um outro órgão a exercer esse poder através de delegação de poderes.
Nisto, estas cláusulas gerais de delegação de poderes encontram-se no art. 44º/3
e 4 e art. 46º/2 do CPA e na Lei orgânica do Governo.
Para além disto, a ordem jurídica portuguesa permite ainda que um órgão que seja
competente a título excecional, possa substituir-se ao exercício da competência que
normalmente pertence a outro órgão.
Com isto, há substituição sempre que um órgão age no lugar ou em vez de outro
órgão, onde, por isso, o Direito português consagra pelo menos três cláusulas gerais
em matéria de substituição, nomeadamente:
● Art. 19º da CRP, onde, em situação de estado de emergência ou estado de sítio,
é possível a titularidade de poderes de substituição no âmbito das autoridades
administrativas;
● Art. 3º/2 do CPA, em sede de necessidade administrativa;
● Art. 199º/ alínea g da CRP, onde se permite ao Governo o exercício de poderes
substitutivos e, por isso, enquanto entidade administrativa, o Estado não é
soberano, pois está subordinado à Constituição e às leis.
❖ Relações interorgânicas
Nas relações interorgânicas, temos cinco tipos de relações entre órgãos da
Administração, nomeadamente:
● Relações de competência comum, onde a mesma competência é atribuída a dois
ou mais órgãos da Administração;
Nisto, pode ainda existir uma competência alternativa entre órgãos, como por
exemplo A ou B, ou competência comum conjunta, onde é preciso a intervenção de A
e B;
● Relações de substituição, onde temos uma relação entre o órgão substituto, que é
aquele que age no lugar, onde o outro órgão é o órgão substituído.
Com isto, temos situações de substituição vicarial, isto é, nos casos em que há
ausência do titular do órgão por impedimento temporário, situações de morte ou por
ausência do próprio território, onde possa validamente deliberar sobre a matéria.
No entanto, pode ainda existir substituição quando está em causa uma nova
regulação na matéria, onde, por exemplo, se o delegante pode agir perante atos
praticados pelo delegado em que este decidiu x, não concordando, o delegante pode
revogar o ato ou substituir a disciplina jurídica da matéria.
Assim, há uma substituição dispositiva no sentido em que a regulação jurídica
daquela situação passa a ter um conteúdo diferente, incidindo sobre a própria
decisão em causa.
Todavia, a substituição poderá ainda ser integrativa dos casos de omissão ou dos
casos de inércia da decisão por parte do órgão normalmente competente.
Na substituição de caráter sancionatório, onde se substitui porque foi aplicada
uma sanção que impede o titular normal do órgão decisório agir sobre aquela matéria,
ou se o órgão normal estiver dissolvido.
Por outro lado, pode haver uma substituição extraordinária, em situações de estado
de exceção constitucional ou estado de necessidade administrativa, ou uma substituição
prejudicial, de acordo com o art. 38º do CPA;
Nisto, podem existem relações de subordinação entre o órgão que têm o poder
sancionatório e o órgão que está sujeito a sanções, como por exemplo o controlo
sobre a conduta e os titulares.
Por outro lado, a relação de subordinação pode ocorrer entre órgãos que têm poder
de supervisão, que é o poder de anular atos práticos por outros órgãos e órgãos que
estão sujeitos a esse poder de supervisão.
Além disto, a relação de subordinação pode acontecer entre órgãos que têm a
faculdade de permitir o exercício de poderes a outros órgãos e entre órgãos cujo
exercício dos poderes estão sujeitos à intervenção de outros órgãos, como por
exemplo a relação entre delegante e delegado.
A quarta hipótese centra-se na relação de subordinação entre os órgãos que têm
poderes de orientação e vinculação genérica e órgãos que estão sujeitos a esses
poderes.
Por último, centra-se na relação de subordinação entre os órgãos que têm poder de
direção, onde têm o poder de emanar ordens e instruções, e os órgãos que estão
sujeitos ao poder de obediência.
Nisto, uma ordem é um comando para uma situação concreta, ao passo que a
instrução é um comando para um conjunto de situações que não estão
determinadas ou que os respetivos destinatários não determináveis.
Assim, através das instruções, há o exercício de um poder regulamentar interno.
Contudo, o poder de direção pode ser:
● Contratual, onde a entidade pública que é parte de um contrato tem poderes de
direção do modo como quer que o cocontratante exerça a respetiva prestação;
● Direção, onde se pode reconduzir à figura da hierarquia administrativa e à
relação hierárquica.
❖ Hierarquia administrativa
De acordo com o professor Diogo Freitas do Amaral, a organização dos serviços
públicos dá origem a uma hierarquia.
Na hierarquia administrativa, esta é um modelo de organização vertical da
Administração, em que os órgãos e as estruturas da administração estão em pirâmide.
Através desta organização vertical, estabelece-se um vínculo jurídico que envolve
uma pluralidade de órgãos dentro da mesma pessoa coletiva.
De acordo com o professor Marcelo Caetano, a hierarquia dos serviços consiste no
seu ordenamento em unidades que compreendem subunidades.
Por isso, a hierarquia é um fenómeno intersubjetivo, ocorrendo no interior de uma
mesma entidade pública onde, por isso, este vínculo jurídico traduz-se no conferir a um
desses órgãos uma competência.
Assim sendo, o órgão do topo tem o poder de dispor da vontade decisória de
todos os restantes órgãos subalternos, que estão vinculados a um dever de obediência
às ordens e instruções do superior hierárquico.
o Poderes de direção
Nos poderes de direção, estes traduzem-se na faculdade de emitir ordens e
instruções, onde a ordem é um comando individual e concreto, ao passo que a
instrução, ao passo de vinculativo, é um comando geral e abstrato.
Contudo, em ambos os casos, há dever de obediência.
Por exemplo, um subalterno pode querer decidir x e o superior diz para decidir y,
onde, estando obrigado a cumprir a ordem o superior hierárquico, terá de dar ao
conteúdo do seu ato, a solução y, pois esta foi ditada pelo superior hierárquico.
Com isto, através do poder de direção e do inerente poder de obediência, a ordem
jurídica prescinde da convergência entre a vontade real e a vontade declarada do
subalterno, onde a vontade deste tem de vontade real do superior.
Assim sendo, esta faculdade que o superior tem, “esvazia” o poder
discricionário do subalterno, onde este deixa de ter poder de escolha, onde, no limite,
o superior hierárquico pode ditar o conteúdo do ato a praticar pelo subalterno.
Nesta base, verificamos que esta é a forma mais intensa de relacionamento entre dois
órgãos da Administração Pública, onde o superior hierárquico é o responsável pela
unidade do respetivo serviço, respondendo politicamente.
Portanto, não só o superior hierárquico tem um poder de direção relativamente
ao qual há dever de obediência do subalterno, como, por outro lado, o superior
hierárquico que emita uma ordem ou uma instrução ilegal, a regra é a que o subalterno
está obrigado a acatar a ordem ou instrução ilegal, salvo se esta for nula, pois os
atos nulos não produzem efeitos e, por isso, não geram dever de obediência.
De acordo com o art. 271º/3 da CRP, cessa o dever de obediência sempre que a
ordem ou instrução envolva a prática de um crime.
Nesta base, de acordo com o professor Paulo Otero, a coerência do sistema jurídico
só pode excluir que, para além dos atos que envolvam crime, também todos os outros
que se consubstanciem na prática de atos nulos, não exista dever de obediência.
Com isto, se o desvalor regra da invalidade é a anulabilidade, sempre que a
ordem e instrução são inválidas, o subalterno está vinculado a obedecer.
Por outro lado, perante uma ordem que é ilegal, mas que não se reconduz a um ato
nulo, questiona-se o que deve fazer o órgão subalterno.
Primeiramente, o subalterno deve alertar de que a ordem ou instrução são
inválidas.
Posteriormente, deve pedir que lhe seja transmitido por escrito que deve
obedecer àquela ordem ou instrução com aquele conteúdo, uma vez que isto o
exonera da responsabilidade civil que decorra dos prejuízos emergentes da prática do
ato que era inválido.
Assim, a responsabilidade civil não é de quem obedece, mas sim de quem
manda, que é o superior hierárquico.
Nisto, através do poder de direção, podemos encontrar um desfasamento entre o
autor material, que é o subalterno, e o autor real do ato, que é o superior
hierárquico.
De acordo com o art. 112º/5 da CRP, em relação à interpretação e aplicação dos
preceitos, atribui-se a faculdade de uma lei poder conferir a atos de natureza
diferente com eficácia interna esse poder de modificar e de alterar.
Por isso, a Administração Pública pode ter no seu interior uma legalidade que é
inversa da legalidade externa, onde os subalternos devem-lhe obediência.
o Poderes de controlo
Assim sendo, o superior hierárquico pode aplicar sanções não apenas quando o
subalterno não cumpre ordens legais, mas também quando não obedece a ordens ilegais
que, quando eram anuláveis, tinham dever de obediência.
o Poderes dispositivos da competência
No poder hierárquico, uma vez que este é o dispor da competência, existem três
tipos, nomeadamente:
● Poder de resolver conflitos de competência, por exemplo, o superior
hierárquico A tem como subalternos B e C, onde estes estão em “guerra” e, por
isso, o superior decide qual o órgão competente;
● Poder de delegação, que é o poder de delegar ou não delegar ou de revogar os
poderes delegados em relação ao subalterno;
● Poder de substituição, em que o superior hierárquico tem um poder de
substituição de se antecipar e de exercer poderes do subalterno.
❖ Deveres do subalterno
Nos deveres do subalterno, temos uma pluralidade de deveres do subalterno,
nomeadamente o dever de zelo, dever de respeito pela legalidade e do dever de
obediência.
De acordo com a hierarquia administrativa, estamos perante um caso de
prevalência da vontade do superior hierárquico, onde há uma prevalência sobre o
poder discricionário do subalterno e sobre a própria lei.
Assim, leva-se a uma disponibilidade da vontade decisória do subalterno pelo
superior hierárquico, o que significa que a hierarquia administrativa encerra uma
forma de substituição imediata do superior ao subalterno.
Nisto, o superior impõe a sua vontade à vontade do subalterno e, neste sentido,
substituindo a vontade do mesmo pela sua própria vontade superior.
❖ Delimitação da hierarquia
Através da hierarquia, existe uma pluralidade de órgãos da Administração, onde
cada órgão tem poderes de decisão onde, no entanto, apesar da hierarquia pressupor a
desconcentração de poderes, mas, no entanto, esta é ilusória.
Nisto, há uma descontração formal, mas, na realidade, há uma concentração da
vontade decisória no superior hierárquico.
Além disso, não há hierarquia entre órgãos constitucionais, entre órgãos
colegiais, uma vez que a sua vontade se apura pelo princípio maioritário e entre órgãos
administrativos singulares, pois são órgãos independentes.
Assim sendo, existem matérias que estão afastadas da hierarquia administrativa,
como por exemplo competência delegada, pois a lei afirma que o delegante pode emitir
diretivas ou recomendações, que estão num patamar abaixo face a ordens e instruções.
Nisto, também estão afastadas da hierarquia a atividade contratual onde pode
haver poder de direção, mas não há hierarquia administrativa.
Por outro lado, também está excluída a atividade técnica e material, que
pressupõe a especialização da respetiva atividade.
No entanto, a hierarquia é compatível com a Constituição, onde se pressupõe o
sistema de Governo de responsabilidade parlamentar, envolvendo uma identidade de
competência material interna entre o superior e o subalterno.
Por isso, a hierarquia administrativa é, pois, um princípio geral de direito não
escrito de natureza consuetudinária, onde, se a lei nada disser em contrário, a
estrutura interna da entidade pública em causa obedece a um princípio hierárquico.
❖ Entidades privadas
Como vimos, as entidades privadas podem ser chamadas a exercer funções
administrativas, correspondendo ao exercício privado da Administração Pública.
Nisto, existem duas categorias deste exercício, nomeadamente:
● Aqueças que exercem poder de autoridade;
● Aqueles que não têm poderes de autoridade, exercendo funções de natureza
administrativa, mas sem envolver o exercício de poderes de autoridade.
Assim sendo, existem quatro vias perante as quais as entidades privadas podem
ser chamadas a exercer funções administrativas, nomeadamente:
● Funções transferidas por concessão, que é um vínculo através do qual as
entidades privadas passam a exercer as funções públicas, como por exemplo as
concessórias das autoestradas;
● Funções que são o objeto normal e exclusiva de uma determinada atividade
desenvolvida por entidades privadas, como por exemplo o caso de notariado
que exerce funções públicas de autenticação;
● Funções que são acessoriamente confiadas a entidades privadas, onde estas
não têm como propósito nuclear exercer funções de natureza pública, mas, no
entanto, a título acessório lhes ser confiado esse exercício, como por exemplo
no caso dos médicos quando fazem atestados de óbitos;
● Funções ocasionalmente atribuídas a entidades privadas, onde, por exemplo,
qualquer um de nós pode deter alguém que pratique um crime, para chamar de
imediato a autoridade pública.
Contudo, existem limites a este exercício dos poderes da autoridade por parte
das entidades privadas, pois deve-se entender que as funções nucleares do Estado não
podem estar confiadas a entidades privadas a título normal, como por exemplo o
exercício da atividade no âmbito das Forças Armadas.
Há, pois, limites que têm que ver com o exercício de funções de soberania, não
podendo ser delegadas.
No entanto, coloca-se o problema do título jurídico do exercício dos poderes
públicos, onde, apesar de estamos perante um caso de delegação de poderes, a raiz dos
poderes pertence às entidades públicas e, por isso, a qualquer momento, podem
chamar a si o exercício direito e imediato desses poderes que haviam confiado às
entidades privadas.
Por outro lado, a título delegado, os poderes exercidos pelas entidades privadas
estão sujeitos a um poder genérico de supremacia das entidades públicas, que
devem conduzir os termos pelos quais querem ver os poderes exercidos pelas entidades
privadas.
Neste sentido, temos de saber estas entidades privadas que exercem funções públicas
integram organicamente a Administração Pública, havendo uma dicotomia de posições,
nomeadamente:
● Integracionistas, que são aqueles que consideram que as entidades privadas são
transferidas e integradas na Administração Pública;
● Não integracionistas, que são aqueles que consideram que as funções privadas
estão fora da Administração Pública.
Nas atribuições do Estado, isto é, nos fins ou objetivos que se propõe a atingir,
estas têm de resultar sempre expressamente da lei, pois o Estado só pode fazer aquilo
que a lei que permita.
Assim, de acordo com o professor Diogo Freitas do Amaral, existem quatro
grupos de atribuições principais, nomeadamente:
● Atribuições de soberania, como por exemplo a defesa nacional;
● Atribuições económicas, como por exemplo o crédito e o imposto;
● Atribuições sociais, como por exemplo a saúde e a habitação;
● Atribuições educativas e culturais, como por exemplo o ensino.
Com isto, podemos dizer que o Governo é o principal órgão permanente e direto
da Administração central do Estado, com carácter administrativo.
Neste sentido, identificam-se várias funções do Governo, nomeadamente:
● Garantir a execução das leis, de acordo com o art. 199º/alínea c e f da CRP;
● Assegurar o funcionamento da Administração Pública, de acordo com o art.
199º/alínea a, b e d da CRP;
● Promoção da satisfação das necessidades coletivas, de acordo com o art.
199º/alínea g da CRP.
Para além disto, o Governo não só dirige a Administração direta do Estado, como
superintende na Administração indireta e tutela a mesma e a Administração autónoma.
Assim, o Governo dirige a Administração do Estado e superintende ou tutela a
Administração não estadual.
o Administração periférica
Enquanto que as Fundações Públicas de Direito Público têm uma gestão pública, as
Fundações Públicas de Direito têm uma gestão privada.
No entanto, há regras específicas a propósito das Fundações públicas que resulta
da Lei Quadro das Fundações;
● Entidades públicas empresariais, que são as antigas empresas públicas (EP), que
se ligam com as pessoas coletivas de Direito Público que têm o propósito de
desenvolver uma atividade de natureza económica e que têm personalidade
jurídica de Direito Público.
Desde modo, têm a ideia de prosseguir os fins dos Estado e, por isso, são
Administração Indireta.
No entanto, as EPE regem-se por uma gestão privada, pois normalmente atuam
em mercado concorrencial.
Nisto, os institutos públicos são uma pessoa coletiva pública de tipo
institucional, que assegura o desempenho de determinadas funções administrativas de
carácter empresarial, de acordo com o art. 3º/4 e art. 4º/1 da LQIP.
Nisto, por serem maioritariamente públicas, a parte pública do capital faz com que
estas sociedades se insiram no âmbito da Administração Indireta sob forma privada.
Com isto, quer nas sociedades de capitais integralmente públicos quer as sociedades
de capitais maioritariamente públicos, estas são formas de privatização desta atuação
empresarial.
No primeiro caso, o Estado privatiza a forma porque são sociedades anónimas,
enquanto no segundo, a privatização vai mais para além da forma, uma vez que é de
parte do capital social;
✔ Sociedades sujeitas a outras formas de influência dominante, o Estado pode
ser minoritário, mas, uma vez que capital das outras entidades privadas é
disperso, com apenas 40%, o Estado pode controlar a respetiva entidade, por
exemplo – sociedades controladas pelo Estado –, onde participação do capital
do Estado é minoritária, mas é concentrada;
● Entidades privadas de tipo não empresarial
Nas entidades privadas de tipo não empresarial, embora sejam criadas no âmbito da
prossecução dos fins do Estado, podem existir associações que não tenham
propósitos comerciais.
Na Administração regional indireta, esta pode ser sob forma pública ou sob forma
privada, onde a Região Autónoma pode criar entidades públicas ou privadas que já não
integradas em si, mas instrumentalizadas para prosseguirem fins da própria Região
Autónoma.
Nisto, na Administração regional indireta sob forma privada, podem existir
estruturas sem natureza empresarial ou com natureza empresarial, onde no último
caso é possível sociedades anónimas controladas pela respetiva Região Autónoma.
No entanto, na Administração regional indireta sob forma pública também se
encontram fundações públicas regionais e empresas públicas regionais.
o Administração regional autónoma
De acordo com o art. 129º do Estatuto político da Região Autónoma dos Açores,
prevê-se a existência de entidades administrativas independentes regionais.
Quanto às entidades administrativas independente em geral que fazem parte da
Administração independente do Estado, estas não estão sujeitas a poder por parte do
Governo.
Por outro lado, estas entidades administrativas independentes têm personalidade
jurídica própria, como por exemplo o Banco de Portugal, onde foram criadas para
estarem livres de uma intervenção intra administrativa por parte do Governo, que
pudesse ter uma supremacia sobre a atuação destas entidades.
Nesta base, surgem ainda as funções no âmbito do mercado, de natureza
regulador ou de natureza técnica e, por isso, é importante para o exercício da
respetiva atividade que fossem pautadas por critérios que a fundamentassem.
Nisto, com a entrada para a União Europeia, além de terem de dar execução ao seu
direito, passaram a ter de dar execução ao direito da União Europeia, o que levou a
uma reconfiguração interna da repartição de poderes;
● Transformações de natureza organizativa, onde a execução do Direito da
União Europeia pelos estados membros veio dar origem à criação de novas
estruturas organizativas, novas entidades e novos órgãos com competência
para executarem o Direito da União Europeia.
Por isso, há, pois, uma sujeição a mecanismos de controlo por parte das autoridades
nacionais, mecanismos de controlo dentro da própria Administração – autocontrolo –,
mecanismos de controlo judicial por parte dos tribunais e mecanismos de controlo
parlamentar.
Além disso, passam a estar sujeitas a um controlo por parte das autoridades das
União Europeia, nomeadamente Comissão Europeia.
Assim, surge um risco de conflitos positivos de controlo, isto é, de duas estruturas
sobre a mesma matéria opinarem em sentido diferente.
Por outro lado, coloca-se a questão de saber se o Governo ainda é o órgão superior
de toda a Administração Pública ou se é apenas o órgão superior da Administração
Pública portuguesa quando esta executa o Direito Nacional.
Nisto, de acordo com a Constituição, o Governo não tem poderes completos de
intervenção sobre as autarquias locais, tendo apenas poderes de controlo de
verificação da legalidade, sem poder emitir juízos sobre o mérito de atuação.
Nessa medida, o Governo não pode revogar um ato da autarquia local, onde, se o
fizer, o ato está ferido de incompetência absoluta, uma vez que há uma invasão por
parte da pessoa coletiva Estado.
Por outro lado, dentro das normas jurídicas, como sabemos, há dois tipos de
normas jurídicas que regulam a atuação administrativa, nomeadamente o Direito
Administrativo e o Direito Privado.
No entanto, existem outros ramos do direito que regulam a atuação
administrativa, nomeadamente:
● Direito Penal, que regula substantivamente parte do direito sancionatório
administrativo;
● Direito Processual Penal, designadamente em matéria de contraordenações ou
inquéritos policiais.
Por exemplo, em matéria de biologia, quando se pretende saber quando morre uma
pessoa, não cabe ao direito averiguar isso, mas sim aos médicos.
Assim sendo, as normas extrajurídicas também têm uma função reguladora do
agir administrativo e a normatividade moral, ética ou deontológica.
Nesta base, quem se sentir lesado pela conduta deontológica, pode apresentar uma
queixa aos órgãos disciplinares da respetiva ordem, onde estes abrirão um processo
disciplinar de natureza administrativa, averiguando se aquela pessoa violou ou não as
regras de natureza deontológica.
Nisto, se se considerar que houve violação, a pessoa pode ser sancionada e
impedida de continuar a exercer a respetiva função, como por exemplo ser expulso
do exercício da atividade, podendo gerar responsabilidade civil;
● Por uma normatividade de trato social, que apela a regras de cortesia, delicadeza,
urbanidade, etc., pautando a conduta no âmbito da atuação administrativa.
Nas fronteiras do Direito Administrativo, este tem fronteiras com quase todos os
outros ramos de direito, nomeadamente:
● Direito Constitucional, onde o Direito Administrativo é o momento da verdade do
Direito Constitucional.
● Direito da União Europeia, onde esta ligação é dupla, uma vez que ninguém
compreender Direito Administrativo se não souber Direito da União Europeia e
vice-versa.
Nisto, normalmente, União Europeia não tem por si mecanismos que executem as
decisões tomadas pela própria União Europeia, pois são as Administrações Públicas
dos Estados-membros a quem compete executar o Direito da União Europeia.
Assim, cada administração pública de um estado-membro é uma estrutura ao serviço
da execução do Direito da União Europeia.
Por isso, cada estrutura da Administração Pública nacional aplica Direito da
União Europeia.
● Direito Privado, como por exemplo o Direito Administrativo, Direito Civil, Direito
Comercial, etc.
Por vezes, uma mesma matéria pode ser objeto destas três diferentes fontes
reguladoras desta matéria, verificando-se um pluralismo e a potencial conflitualidade
entre as soluções normativas.
❖ Normas administrativas
Nas normas administrativas, observa-se que há dois sentidos diferentes na
juridicidade que vinculam a Administração, nomeadamente:
● Normas que vinculam a Administração não sendo produzidas por esta, isto
é, que vêm de fora – fontes da normatividade administrativa em termos de
juridicidade hetero vinculativa;
● Normas produzidas pela própria Administração, onde estamos perante uma
auto vinculação, onde a Administração pode elaborar normas que vinculem a
sua conduta futura.
Neste tipo de normas não escritas, encontramos ainda dois grupos, nomeadamente:
● Normas não escritas hero vinculativas, onde encontramos os princípios
jurídicos fundamentais que têm que ver com as bases constituintes do
ordenamento jurídico, como por exemplo a dignidade da pessoa humana.
Neste tipo de normas, é a própria Administração que elabora as normas que vão
pautar a sua conduta futura.
Assim, encontramos duas situações diferentes, nomeadamente:
● Casos de auto vinculação unilateral da Administração, em que esta se
vincula independentemente da vontade dos destinatários;
● Casos de auto vinculação bilateral Administração, onde esta conjuga a sua
vontade com a vontade de vários parceiros, onde esta conciliação de vontades
faz emergir um novo parâmetro auto vinculativa da sua conduta futura.
Neste sentido, o regulamento está próximo da lei, onde, normalmente, esta possui a
mesma característica.
Por isso, o regulamento é aplicado a uma pluralidade indeterminada de pessoas
face a situações abstratamente configuras na previsão da norma.
Contudo, o regulamento diferencia-se da lei, na medida em que, enquanto o
primeiro é a expressão do exercício da função administrativa, ao passo que a lei é a
expressão do exercício da função legislativa.
Portanto, pelo regulamento, tendencialmente, passam opções subordinadas,
onde, pela lei, passam as opções jurídicas fundamentais dentro do quadro
constitucional.
Neste sentido, diz-se tendencial na medida em, que, o Governo, sendo órgão
legislativo e regulamentar, tem dois tipos de competência regulamentar,
nomeadamente a de regulamentar a execução das leis e a de emanar regulamentos
independente diretamente fundados na Constituição, de acordo com o art. 199º/ alínea
g da CRP.
Nisto, estes diferenciam-se do decreto-lei pela sua forma, onde este é um ato
legislativo, de acordo com o art. 112º/1 da CRP, ao passo que o decreto regulamentar é
praticado no exercício da função administrativa.
Contudo, este ato só pode operar em dois cenários, nomeadamente quando não há
ato legislativo sobre aquela matéria anterior ou quando estamos fora da reserva de lei.
Numa outra diferença, enquanto o decreto regulamentar não necessita de ir a
Conselho de Ministros, o mesmo não acontece com o decreto lei, que tem de ser
aprovado.
Assim, para o decreto regulamentar, basta a assinatura do Primeiro-Ministro e
dos Ministros responsáveis da respetiva matéria, enquanto o decreto lei tem de ter a
concordância de todos os membros.
Por isso, conclui-se que é mais fácil aprovar um decreto regulamentar do que um
decreto lei.
Por outro lado, os regulamentos podem ter duas naturezas distintas,
nomeadamente serem regulamentos de execução de leis ou regulamentos independentes,
não necessitando de uma lei intermediária.
No fundamento do poder regulamentar, historicamente, o princípio da separação de
poderes não conseguiu atribuir toda a competência normativa ao poder legislativo,
onde, por isso, o executivo sempre foi chamado a exercer uma função complementar
das leis por via regulamentar.
Contudo, surge ainda uma segunda razão, que se prende com a lei, onde o
fundamento do poder regulamentar é a lei.
Todavia, este poder regulamentar também encontra limites, que se prendem com
os limites do agir da Administração, nomeadamente a Constituição, a lei, os princípios
gerais, etc.
Por outro lado, na reserva de lei, não é possível a intervenção regulamentar
primária, uma vez não pode ser um regulamento a emanar as primeiras normas sobre
uma data matéria.
Contrariamente, se estivermos perante a reserva parlamentar e da Assembleia da
República, podem existir regulamentos, apenas não podem deixar regulamentos de
execução de leis emanadas pela Assembleia da República ao abrigo da competência
legislativa de reserva absoluta.
Assim, a reserva de lei é um limite à intervenção primária do poder regulamentar,
mas não se exclui que possam existir uma densificação por esta via.
Nisto, há um princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, onde um
regulamento não pode ser afastado num caso concreto, por via do princípio da igualdade
e do princípio da imparcialidade.
Por isso, um regulamento geral e abstrato não pode ser afastado, pois se tal
acontecesse seria violar aqueles princípios.
● Costume proveniente da Administração, onde, no âmbito do seu
relacionamento com a lei, este é um costume praeter legem, costume secundum
legem e costume contra legem.
Nisto, enquanto o costume é uma prática reiterada, onde são necessários vários casos
para existir a convicção de obrigatoriedade, no precedente basta uma decisão de um
caso concreto, sendo baseados no princípio da igualdade e da imparcialidade e na tutela
da confiança.
Por exemplo, se no passado um caso semelhante foi decidido num sentido, se o caso
de alguém foi idêntico, sem haver alteração do quadro normativo e legal, este deve ser
decidido de forma idêntica.
Contudo, a Administração possui o ónus da prova para justificar a diferenciação
pela qual num novo caso não se aplique a solução que anteriormente se aplicou.
Há, pois, um dever de fundamentar que a Administração tem de dizer as razões
de facto e de direito, de acordo com o art. 152º/1 alínea d do CPA.
Todavia, há argumentos que justificam a derrogação do precedente,
nomeadamente o dever da boa administração, onde o critério de decisão pode ser
alterado, se existirem razões para tal.
Por outro lado, pode ainda ser invocada a alteração das circunstâncias, onde se
justifica uma solução diferente.
Nisto, existe uma ideia de ponderação entre argumentos que levam a que o
precedente se mantenha e, por isso, não possa ser derrogado, e argumentos que
justificam que o precedente possa ser derrogado, decidindo um novo caso em sentido
diferente.
Assim, é este equilíbrio que o dever de fundamentação vem colocar do lado da
Administração a argumentação justificativa da modificação do precedente com
base na ideia de que o precedente vincula, salvo se existirem razões para se decidir de
maneira diferente.
No entanto, coloca-se a questão de saber se o precedente inválido vincula.
Por exemplo, imaginemos que a lei só permite que os subsídios sejam dados entre 10
e 15, e a Administração deu um subsídio de 20 que favorece o particular A.
Nisto, o ato consolidou-se na ordem jurídica, onde ninguém o impugnou.
No dia seguinte, aparece B, que faz exatamente o mesmo que A, pedindo um
subsídio de 20. A
Nisto, a Administração deve aplicar a lei e dizer que B só tem direito a 15, ou dar 20.
Nesta base, é este o problema da vinculatividade ao precedente inválido, onde
este é um problema de ponderação de dois princípios constitucionais,
nomeadamente:
● Princípio da legalidade, onde a lei deve ser aplicada a lei, não estando
vinculado relativamente ao precedente ilegal.
● Princípio da igualdade e tutela da confiança, onde, se anteriormente foi
praticado um ato com conteúdo favorável que não foi impugnado, a igualdade
determina que B seja tratado nos mesmos termos de A.
Nisto, de acordo com o professor Paulo Otero, na diretiva, existe uma vinculação
no interior da Administração, que é a vinculação bifrontal, uma vez que a diretiva é a
expressão de uma auto vinculação da entidade emitente.
Por exemplo, se é dito que tem de se atingir X, se X for atingido pelo destinatário
desta diretiva, não se poderá censurar o destinatário por atingir X.
Contudo, se a diretiva auto vincula o emitente, esta também hetero vincula a
entidade destinatária da mesma e, assim, o destinatário está hetero vinculado pelo
exercício do poder de orientação.
Por isso, o carácter bifrontal, sendo auto vinculativa para o emitente, também é
hetero vinculativa para o destinatário dessa diretiva;
● Promessa unilateral da Administração, onde a Administração formula uma
promessa de conduta ou de abstenção unilateral.
Por outro lado, assiste-se cada vez a uma informalidade no agir da Administração,
onde esta atuação informal é marginal à lei.
Além disto, temos os casos de direito à objeção de consciência ou de resistência,
onde há situações em que a lei deixa de ser vinculativa para determinado tipos de
pessoas por razões de convicções, filosóficas, religiosas ou de violação de direitos
fundamentais.
Em ambos os casos, quer na objeção de consciência ou no direito de resistência,
temos situações de incumprimento lícito da normatividade, o que vem demonstrar o
enfraquecimento da própria vinculação dessas mesmas normas.
Por outro lado, existe uma inversão do sentido vinculativo da lei, onde sabemos
que esta é parâmetro de vinculação dos atos administrativos, dos regulamentos e dos
contratos.
Contudo, há casos em que acontece o inverso, sendo o ato administrativo ou o
contrato que vincula a própria lei, havendo aqui o princípio da contracorrente.
Por isso, surge ainda a complexidade da estrutura hierárquica da normatividade,
onde, no entendimento tradicional, temos a visão da pirâmide, onde, no topo, está a
Constituição, a lei e os regulamentos.
No entanto, esta visão está fortemente colocada em causa por quatro fatores.
Primeiramente, existe uma fragmentação da força normativa da Constituição
formal, onde além disto, existe uma concorrência de normas fundamentais, onde se
questiona quem produz as normas fundamentais.
Nisto, existem ainda normas constitucionais provenientes da consciência
jurídica universal, onde também o Direito Internacional acha que produz normas
fundamentais.
Há, por isso mesmo, várias fontes produtoras de normas para regular fenómenos
de natureza constitucional, onde podemos dizer que o constitucionalismo é multinível
ou transnacional.
Assim sendo, a força hierárquica normativa tradicional da Constituição está
posta em causa, nomeadamente pelo primado constitucional.
Contudo, também existem dúvidas sobre a localização hierárquica do Direito
Internacional e do Direito da União Europeia.
Por outro lado, existem ainda dúvidas relativamente à hierarquia dos atos
legislativos, nomeadamente na diferença entre as leis ordinárias com valor reforçado e
as leis ordinárias sem valor reforçado.
O último fator prede-se com a verdadeira encruzilhada que existe na hierarquia
da galáxia regulamentar, o que significa que, uma vez que cada entidade pública pode
emanar regulamentos, há uma pluralidade indeterminada de entidades que os
produzem.
Assim, cada entidade que produz regulamentos tem internamente uma estrutura
hierárquica dos seus próprios regulamentos.
Nisto, surge um problema que se prende com a hierarquia dentro das normas, onde
se assiste a uma conflitualidade normativa, onde várias normas são chamadas em
planos diferentes a regular a mesma matéria.
Por isso mesmo, perante a pluralidade de normas e perante o conflito entre as
normas, coloca-se a questão de saber como é que a Administração pode prevenir ou
resolver estas antinomias.
Nisto, uma solução possível é a ideia da vinculação pelo critério hierárquico de
resolução das antinomias, onde, se há uma antinomia entre um regulamento e uma lei,
o tribunal aplica esta última.
Por outro lado, se houver uma contradição entre a lei e a Constituição, o tribunal
aplica esta última.
Nesta medida, o critério hierárquico é o critério de resolução das antinomias por
parte dos tribunais, mas, perante a Administração Pública, esse não é o critério de
solução, uma vez que esta não tem a competência dos tribunais quando se trata de
aplicar uma norma jurídica.
Assim, por via de regra, a Administração não pode desaplicar uma lei com o
fundamento de que é inconstitucional-
Por isso, para evitar o caos dentro da Administração, optou-se pela excecionalidade
da vinculação da Administração ao critério hierárquico.
Nesta base, se a solução normativa violar normas sobre direitos, liberdades e
garantias da Constituição dotados de aplicabilidade direta, a Administração está
vinculada ao critério hierárquico, de acordo com o art. 18º/1 da CRP.
Além disto, está vinculada se as soluções normativas violam a consciência
jurídica universal, ou está vinculada sempre que se trate de leis que não foram
objeto de promulgação ou se promulgação não foi referendada.
Por isso, perante os conflitos normativos, a Administração deve aplicar o critério
temporal, onde aplica uma norma posterior.
Em suma, a Administração tem um papel nuclear na aplicação do Direito, mas
este papel não lhe permite utilizar o critério hierárquico.
Assim sendo, a Administração deve resolver as antinomias através do critério
temporal, onde, apesar de não ter competência para desaplicar uma lei com fundamento
na sua invalidade, tem uma competência genérica para fiscalizar, mas não poderá
deixar de a aplicar.
Portanto, por via de regra, perante situações de antinomia, a Administração está
obrigada a aplicar normas inconstitucionais e ilegais.
Neste sentido, a Administração sabe que está a aplicar atos ilegais, devolvendo
aos particulares o ónus de contestar a sua solução ilegal junto de um tribunal. Há, pois,
um mecanismo de controlo.
o Discricionariedade administrativa