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DIREITO ADMINISTRATIVO I – PERGUNTAS FREQUENTES

REGENTE: PAULO OTERO

1. Administração Privada e Administração Privatizada


Há que não confundir administração privada com administração privatizada.
Falamos de administração privada nas situações em que a gestão de recursos tenda à
satisfação de interesses privados, não encontrando a sua origem num título jurídico do
poder público; distingue-se da administração pública por esta visar a prossecução de
interesses públicos, identificados como fins que encontram a sua fonte num título jurídico
do poder público. Sem prejuízo de poder acontecer que 1) os entes privados prossigam
interesses públicos, exercendo poderes administrativos, falando-se nesses casos de
exercício privado de interesses públicos, ou 2) que prossigam interesses privados, mas
com relevante projeção pública pela sua importância social assumindo nesses casos um
estatuto jurídico de pessoas coletivas de utilidade publica administrativa, IPSS ou pessoas
coletivas de utilidade pública.
A satisfação das necessidades coletivas a cargo da Administração Pública mostra-se
passível a sofrer reajustes delimitativos de fronteiras, podendo ocorrer, por mera
preferência da maioria política, movimentos migratórios de categorias de necessidades
coletivas, reconduzindo-se a fenómenos de privatização ou coletivização.
A privatização apresenta-se, aos olhos da comunidade dos séc. XX e XXI, como uma
solução mais económica à prossecução dos interesses públicos, sendo os privados mais
eficazes na gestão dos recursos.
Privatizar pode ser entendido em vários sentidos, mas tem na sua essência “tornar privado
algo que antes o não era”: envolve remeter para o direito privado, transferir para entidades
privadas ou confiar no setor privado matérias ou bens até então excluídos ou mais
limitadamente sujeitos a uma influência dominante privada.
Com especial atenção há que analisar a privatização do Direito regulador da
Administração. A privatização da administração pode ser vista como um fenómeno
referente à alteração do Direito Aplicável à administração, traduzindo a subordinação da
sua atividade ao Direito Privado, havendo mesmo quem fale numa “fuga para o Direito
Privado” da Administração Pública. O Direito privado aplicado à Administração Pública,
assume, porém, na maioria dos casos uma natureza sui generis: trata-se de um Direito
privado administrativizado, isto por força das vinculações públicas a que se encontra
obrigada a Administração Pública, sendo diferente do Direito privado aplicado pelos
particulares nas relações entre si.
Valerá a pena referir também, que sob o âmbito da privatização das formas organizativas
da Administração, ao lado da Administração indireta pública sob forma jurídica publica
desenvolveu-se, entretanto, uma Administração Pública sob forma jurídica privada.

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2. Administração invisível

No que toca à atividade por si desenvolvida, podemos, entre outros, distinguir 2


tipos de Administração: Administração visível e Administração invisível.

A administração visível é, na sua essência, a Administração oficial. Pauta-se pelos


princípios da transparência e do arquivo aberto, não prosseguindo interesses
públicos dominados pelo secretismo, é a expressão de uma legalidade publicada (no
jornal oficial). Pode dizer-se que corresponde ao modelo normal de exercício da
função administrativa.

Pelo contrário, a administração invisível é dominada pelo secretismo da sua


organização, dos seus elementos humanos e, até mesmo, dos termos e do propósito
do seu agir.
Esta administração pode ter 2 formas de agir: a forma clássica – agentes recrutados,
pagos e vinculados ao Estado, mas que não aparecem como agentes secretos de
atuação do mesmo – e a forma mais recente,

No século XXI, nomeadamente perante o clima de insegurança vivido, devido ao


11 de setembro de 2001, foi-se mais longe: privatizaram-se algumas destas tarefas,
passando a existir empresas, sobretudo norte-americanas, cujo único objetivo era
prestar serviços aos Estados. Isto ganha particular relevo no que toca aos “agentes
provocadores” – pessoas que desenvolvem uma atividade com o propósito de defesa
do Estado, infiltrando-se em organizações criminosas, vigiando as suas atuações
(por exemplo: fornece ao Estado a informação de qual o local onde se realizará um
ato terrorista). O problema jurídico surge quando não se limitam a ouvir e transmitir
a informação, mas eles próprios instigam e incentivam a iniciativa, dando até
sugestões (“então e se fizéssemos isto’”).

A sua função meramente passiva passa a ativa, procurando proporcionar e induzir


o efeito criminoso que irão depois denunciar. Há ou não uma visão ilícita na forma
como são recrutados e instigados a participar?

A crescente preocupação relativamente à segurança dos Estados tem conduzido a


um aumento significativo desta Administração Invisível. No entanto, esta
Administração, no fundo, clandestina nunca se mostra legítima, à luz das
coordenadas de um Estado de Direito democrático, não se enquadrando nos
princípios constitucionalmente previstos.

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3. Administração Sustentável
No que toca à forma como a política e inerente ação incide sobre a realidade que nos
cerca, podemos avaliar três postura administrativas diferentes: uma Administração
conservadora (“ o presente surge condicionado pelo passado”), uma Administração
predadora (“o presente consome o futuro” – hipervalorização egoísta e utilitarista dos
direito adquiridos da geração presente, à custa dos recursos económicos futuros, numa
total indiferença face ao destino das gerações futuras), e por último, uma Administração
sustentável (“o presente é ditado pelo futura” – há uma preocupação crescente pela
gerações futuras, isto é, a geração presente não pode esgotar, consumir ou sacrificar as
gerações futuras).
Desde a segunda metade do século XX, que a ideia de desenvolvimento sustentável surge
como verdadeiro princípio de ius cogens. A sustentabilidade consubstancia-se, assim,
num desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração atual, não restringindo a
capacidade da futura. Este princípio não se circunscreve apenas ao âmbito ambiental,
podemos falar de sustentabilidade no domínio social e ainda a nível económico-
financeiro.
Ora, o novo agir da administração assenta em 3 momentos decisivos para a rutura com o
modelo tradicional: ataque de 11 de setembro, em, 2001 (levou a uma sobrevalorização
da segurança), a crise financeira de setembro de 2008 (conduziu a um repensar da noção
de bem comum e do papel a conferir ao Estado), a globalização, nomeadamente no
contexto da União Europeia. Por tudo isto, ocorre um redimensionamento da AP, no qual
a sustentabilidade se torna um limite ao agir administrativo.
É neste contexto que a ponderação surge enquanto método de decisão, uma vez que
opções/realidades devem ser pesadas perante a sustentabilidade das mesmas e os efeitos
que vão produzir a longo prazo. É, ainda, fundamental referir a importância da princípio
da proporcionalidade, que determina a proibição do excesso e da necessidade, não
podendo haver sacrifícios de tudo o que se considere além do indispensável à satisfação
do interesse público. Há, assim, uma exigência de equilíbrio no atuar administrativo, não
inviabilizando o seu atuar no futuro.

4. Derrogação administrativa
A legalidade no campo do direito administrativo é cada vez menos uma norma certa de
decisão. A determinação da norma a aplicar e do sentido a decidir, no âmbito do direito
administrativo, pode revelar-se um problema, dada a multiplicidade de normas conjugada
com a multiplicidade de soluções que as mesmas oferecem.
A derrogação administrativa surge nas situações em que a lei, para uma determinada
previsão, tenha duas estatuições – uma dela é identificada pela própria lei; a outra é
remetida para a decisão da administração, criando uma maior margem para a aplicação
do princípio da igualdade (tratar os casos iguais de forma igual, e os casos diferentes de
forma diferente).

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A derrogação administrativa flexibiliza a estatuição preferencial do legislador. Significa
isto que a estatuição legal é meramente supletiva, sendo apenas aplicada na falta de
disposição administrativa.
Existem, no entanto, certos limites – a derrogação administrativa não pode ser contrária
ao sistema, nem pode ser de natureza normativa, ou seja – geral e abstrata – por força do
112.º/5 da CRP – não pode afastar a solução de todos os futuros casos concretos, podendo
apenas surgir com uma solução alternativa no caso concreto.

5. Autotutela executiva
A administração delimita-se em 3 ângulos diferentes: é uma atividade, pressupõe uma
organização e é a expressão da autoridade. A administração goza de meios de autoridade
que lhe permitem em certas hipóteses definir unilateralmente o direito aplicável às
situações concretas (autotutela declarativa): é um poder unilateral que tanto pode ser uma
definição normativa - um regulamento - ou uma definição de direito para o caso concreto
– como é o caso de contrato de dever (bilateral) ou do ato administrativo (unilateral).
Diferentemente, existe, também, outra prerrogativa (vantagem): em caso de não
acatamento do particular, casos de desobediência dos destinatários, a administração
publica, pode independentemente de intervenção judicial, usar a força para impor a sua
vontade, referindo-me neste caso à autotutela executiva.
Contudo, nem todos os atos são suscetíveis de autotutela executiva, tem como principais
pressupostos a existência de uma decisão administrativa que de forma imediata crie ou
estabeleça deveres para o seu destinatário, obrigando-o à realização de uma prestação de
dare, facere ou non facere e tem de haver uma resistência ativa ou passiva do destinatário
da decisão administrativa ao seu cumprimento voluntário. Como meios usados aquando
da expressão da autotutela executiva referencio: a coação física, execução material
compulsória, execução sub-rogatória, sanções contratuais e sanções não contratuais
(pecuniárias e não pecuniárias). Porém, como condições à sua execução é necessário
existir um título legitimador, uma tipicidade legal da forma e dos termos da execução
assim como a notificação do interessado.
Embora os particulares sejam suscetíveis de aplicação por parte da administração da
autotutela executiva, estes estão munidos de garantias: posições jurídicas de vantagem
(trunfos). São delimitáveis as garantias administrativas ou graciosas, sendo estas meios
para junto da Administração publica acionar o controlo ou fiscalização da sua conduta,
no sentido de conferir uma chance de a administração corrigir o seu agir, em termos de
legalidade ou mérito; as garantias judicias que envolvem o controlo da administração por
via dos tribunais do Estado e arbitrais e, por fim, as garantias políticas que partindo do
estatuto do particular como cidadão, estas emergem do texto constitucional e expressam
uma dimensão politica do controlo administrativo, que pode ser relevante neste caso o
uso do direito de resistência investindo nos particulares a faculdade de não acatarem
ordens que ofendam os seus direitos, liberdade e garantias.

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6. Administrar e julgar!!
Desde sempre existiram normas reguladoras dos ofícios públicos. A estritura orgânica do
poder era e é direito administrativo. O direito administrativo é inerente à natureza do
estado de uma sociedade organizada.
Antes da revolução francesa o direito que regulava as relações entre o poder e os cidadãos
era ao mesmo direito que regulava relações entre os cidadãos. Com a revolução francesa,
houve necessidade de criar um direito que tratasse separadamente a administração e os
cidadãos. Surge, neste sentido, a conceção que quem julga a administração não são os
tribunais do poder judicial, mas sim, os tribunais internos da administração e, assim, é
criado um direito próprio para regular a administração. Estes tribunais são chamados a
julgar um direito que não sendo criado pelo Parlamento. É o Conselho de Estado (a
própria administração) que o cria. A génese do direito administrativo é a diminuição das
garantias dos cidadãos, aquando da atribuição de prerrogativas e privilégios à
administração. É um direito assente na interpretação “estranha” da separação de poderes
“julgar a administração ainda é administrar”.
Atualmente, se o estado de direito envolve a limitação do poder, traduzida ao nível da
administração pela sua subordinação ao princípio da legalidade, a verdade é que a garantia
dessa mesma subordinação reside na justiça administrativa. De nada serviria a
administração estar subordinada à legalidade se, violada essa mesma legalidade pela
administração, não existissem meios de controlo e de reintegração da legalidade violada?
A justiça administrativa surge assim, como corolário de um estado de direito cuja
administração por definição está subordinada à legalidade, e onde a defesa desta é feita
através dos tribunais e do ministério público. Como garantes dos cidadãos face à
administração estão consagrados o direito de acesso aos tribunais (neste caso de recurso
contencioso para a impugnação de atos administrativos, elencado no artigo 268º/4 CRP),
o direito de ação popular, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, visto que todos temos
direito ao acesso aos tribunais (artigo 20º/1).

7. Federação
Um modelo de Administração territorializada e fechada, expressão de uma soberania do
Estado típica da Idade Moderna, não se coaduna, todavia, com as exigências da vida
contemporânea, envolvendo a abertura das fronteiras e dos espaços económicos, o
desenvolvimento do comércio internacional e a progressiva aceleração do movimento de
circulação de pessoas, tudo isto numa “sociedade mundial do risco”.
A administração partilhada entre a união Europeia e os estados-membros significa que há
hoje áreas de decisão onde existe uma coadministração (administração conjunta). Existe
uma verdadeira federação administrativa europeia – matérias sobre as quais os estados-
membros deixaram de ter poder decisório, sendo este transferido para a União Europeia.
Há que explicitar que as matérias não estão integralmente transferidas, mas são matérias
nas quais o Estado perdeu a exclusividade, o monopólio de decisões.

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Ou seja, o Estado só decide com base numa intervenção a posteriori da União Europeia.
Neste âmbito, releva o princípio da subsidiariedade que se prende com a ideia de o
mínimo de intervenção invasiva da União Europeia nos estados-membros. Por outro lado,
a execução das decisões administrativas da EU, em regra, não pertence aos órgãos desta,
o que significa que a execução pertence aos estados-membros. Assim, qual a natureza da
administração pública dos estados-membros?
A administração nacional pode ser considerada uma administração indireta da EU (sendo
que os fins pertencem à UE e os estados são instrumentos ao serviço dos fins da EU).
Pode também ser vista como uma administração delegada da EU (o titular de raiz é a EU
e o estado-membro limita-se a executar a título de delegado aquilo que pertence de raiz à
própria EU). Por fim, há a conceção que a administração de cada estado-membro não é
mais do que a administração federada dentro da UE.
A desterritorialização e a destatização da Administração Pública, permite aferir existirem
interesses públicos transnacionais prosseguidos por entidades sem Estado. Será que
aquilo que resta para a Administração Pública do Estado (prossecução de interesses
públicos nacionais) consubstancia um mero enclave dentro de uma lógica
internacionalista ou transnacional de Administrações Públicas? A AP nacional será o que
resta das estruturas da AP, menos a AP das organizações internacionais, AP da UE e da
AP das organizações não governamentais.

8. Personalismo administrativo
A ideia moderna de personalidade jurídica aplicada a estruturas decisórias publicas
aparece encontrar o seu alicerce histórico em Thomas Hobbes, que parte da distinção
entre pessoas natural e pessoa imaginaria ou artificial, onde “personificar é atuar ou
representar a si mesmo ou a outro”, Hobbes afirma que “poucas coisas existem que não
possam ser representadas por ficção, definindo o Estado como uma pessoa. A noção
hobbesiana de personalidade no âmbito do Estado, decorrendo de uma ideia ficcional de
representação, configura-se como uma abstração produzindo efeitos ao nível da
imputação jurídica da vontade: o Estado é uma pessoa que tem como titular o soberano,
seja ele um monarca ou uma assembleia, sendo o ministro aquele que, empregado do
soberano, tem autorização para representar a personalidade do Estado.
A prossecução do interesse publico e a satisfação das necessidade coletivas pela
Administração pública pode fazer-se, atendendo ao seu relacionamento com as posições
jurídicas subjetivas, à luz de três diferentes conceções: a conceção de matriz totalitária
(prevalência absoluta do interesse público), conceção compromissória (harmonização
entre a prossecução do interesse púbico e respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos
administrados) e a conceção personalista (prevalência absoluta do núcleo essencial da
dignidade da pessoa humana sobre qualquer prossecução do interesse público).

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Esta conceção, envolvendo a interpretação do artigo 266º/1 conjuntamente como artigo
1º alicerça-se em duas ideias estruturantes: o respeito pela dignidade humana nunca pode
ceder e a prossecução do interesse público encontra na dignidade da pessoa humana o seu
fundamento e o seu limite.
Uma conceção personalista da Administração Pública, por força da dignidade humana,
uma fonte de deveres fundamentais: a existência de direitos fundamentais está
diretamente correlacionada com a existência de deveres fundamentais. Este personalismo
permite extrair um conjunto de corolários vinculativos da conduta administrativa: direitos
e deveres fundamentais podem ser fundamento e limite da intervenção administrativa ;
vinculação da aplicabilidade direta do art.18/1; complexificação na conduta decisória
concreta onde a administração deverá adotar condutas positivas que resguardem os
direitos fundamentais de condutas omissivas ou ativas lesivas e que promovam a sua
implementação; as normas sobre direitos fundamentais têm a capacidade geradora de
novos direitos; valorização de uma conduta administrativa alicerçada no princípio geral
da justiça (...)
A conceção personalista da Administração Pública mostra uma radical incompatibilidade
com o entendimento de que o particular que se relaciona com a estrutura administrativa
seja visto como súbdito, administrado, consumidor, utente ou cliente.

9. O precedente administrativo
O precedente administrativo é uma das condutas da administração que cria critérios de
decisão.
Os cidadãos orientam as suas condutas relativamente ao presente e futuro, segundo as
coordenadas resultantes e uma previsibilidade assente na garantia e continuidade do
quadro jurídico vigente e das decisões jurídicas tomadas, surgindo daqui um fundamento
para o princípio de segurança jurídica.
Quando, para a decisão de um caso concreto, a administração adote uma determinada
conduta e decida num determinado sentido, não poderá decidir, numa situação futura e
igual, de maneira diferente, sem prejuízo de o poder fazer salvo fundamente – art. 152.º/1
al. d). É deste mesmo artigo que o professor Paulo Otero retira, interpretando-o, a
positivação da regra do precedente administrativo.
Visto isto, nas situações em que a administração, em caso idêntico pretenda decidir de
forma diferente, surge um conflito entre dois conjuntos de princípios: o da segurança
jurídica, igualdade e imparcialidade e o da norma jurídica que atribui á administração o
poder discricionário, que lhe confere a possibilidade de avaliar cada caso concreto. A
solução deste problema passa pela aplicação do art. 152.º d) devendo a estrutura decisória
fundamentar a sua decisão nos casos em que decida contrariamente ao estabelecido pelo
precedente.

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Surge ainda a questão se um precedente ilegal também ganha força vinculativa. O
professor Paulo Otero defende a existência de um direito á igualdade na ilegalidade
sugerindo ainda a possibilidade de um precedente ilegal derrogar a norma escrita,
tornando-se ele mesmo na norma aplicável.
A desvinculação de um precedente é mais complicada do que de um regulamento, visto
este poder ser modificado pela administração; e tem mais força que o costume visto que
para este é necessária uma prática reiterada, enquanto para a formação de um precedente
basta apenas um caso concreto.

10. Poder Técnico-Científico


As tarefas a cargo do moderno Estado exigem uma administração especializada, e a
moderna AP tem de o ser ou simplesmente não tem razão para existir.
A especialização administrativa provoca uma deslocação do centro decisório para as
estruturas tecno-burocráticas, e, neste sentido, mostra-se debilitadora da legitimação
política da decisão administrativa. Verifica-se que a viabilidade ou efetividade da grande
maioria das opções políticas subjacentes a decisões jurídicas repousa nas mãos dos
técnicos e dos burocratas da AP. visando uma utilização da técnica e da ciência com o
propósito de minimizar ou “domesticar” o risco, a satisfação de amplos setores de
necessidades coletivas de bem-estar a cargo da AP apela, cada vez mais, a critérios
decisórios da natureza técnico-científica.
As decisões de natureza científica não se encontram submetidas ao jogo das regras da
democracia, sendo somente passíveis de estar sujeitas a regras políticas à luz de um
modelo totalitário de Estado: o avanço da ciência não depende de decisões obtidas de
eleições e votações.
Em qualquer das suas manifestações, o poder técnico-científico existente no âmbito de
uma administração especializada, revelando-se imune à fiscalização política e só muito
circunscritamente controlável pelos tribunais, mostra-se limitável pelas normas
constitucionais dotadas de aplicabilidade direta e pela intervenção de outras estruturas
técnico-científicas dotadas de uma legitimidade pericial prevalente ou reforçada.
Apesar disto, a responsabilidade política é objetiva, e, como tal, quem está à frente, com
mais ou menos conhecimentos científicos tem de ser responsável por aquilo que fez e não
deveria ter feito ou por aquilo que não fez e deveria ter feito – o sistema funciona com
base na responsabilidade que é uma forma de legitimação democrática.

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11. Reserva constitucional
Consubstancia-se no conjunto de matérias do âmbito da função administrativa
relativamente as quais a constituição exclui a aplicação do direito privado, impondo que
a respetiva disciplina jurídica seja feita pelo direito administrativo. Este conceito tem
como principais fundamentos o facto de existir uma reserva de competência contenciosa
a favor dos tribunais administrativo, relevar uma configuração constitucional das
garantias contenciosas dos administrados contra a atuação da administração e ainda o
conjunto de valores e interesses constitucionalmente tutelados pelo direito privado.
Existem, de facto, atividades administrativas objeto de reserva absoluta de direito
administrativo e que, por isso, não podem ser objeto de disciplina jurídica através do
direito privado, sendo exemplo disso o exercício de poderes de autoridade. Há que atender
também ao facto de, neste âmbito, se excluírem todas as atividades empresariais de
natureza comercial ou industrial que são prosseguidas por entidades integrantes do setor
empresarial público em mercado concorrencial que, segundo resulta da constituição e do
direito comunitário conjuntamente com questões de justiça, são objeto de uma reserva de
direito privado.
Embora haja uma reserva de direito administrativo garantida pela constituição não exclui
que a administração publica possa escolher a aplicação de um direito privado sui generis
em zonas de atividade que não envolvam o exercício de poderes de autoridade, salvo
tratando-se de atividade empresarial económica desenvolvida em mercado concorrencial,
caso em que se impõe a utilização do direito privado.

12. Ponderação Administrativa


Em termos tradicionais, a atividade administrativa era caracterizada por uma simplicidade
configuradora das situações jurídicas subjacentes ao seu desenvolvimento. O esquema
tradicional era baseado numa estrutura bi-polar, tendo os efeitos um alcance inter-partes.
Aos poucos, tem vindo a ser alterada, devido à pluralidade emergente de conflitos de
interesses, envolvendo múltiplos sujeitos. A Administração tornou-se, então, multilateral
e gestora de conflitos.
A diversidade de interesses públicos particulares conduz a um conceito fragmentado de
interesses público, tonando a arbitragem de conflitos por parte da Administração mais
difícil. A esta complexificação acresce ainda o cruzamento de interesses públicos
nacionais e os de natureza transnacional (da EU, por exemplo).
Assim, o AP decide para uma pluralidade indeterminada de destinatários, com eficácia
erga omnes.
É através da ponderação que a AP é chamada a resolver estes conflitos. A ponderação
funciona não só como procedimento/método, mas também como resultado/conteúdo da
solução decisória. Procura sempre determinar a medida em que cada realidade tem de
ceder perante outra ou cada uma entre si, visando o restabelecimento da paz jurídica.

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Podem ser ponderados/balanceados bens, interesses ou valores. Um bem é todo o
elemento apto à satisfação de uma necessidade, ora, entre bens protegidos
constitucionalmente e os bens jusfundamentais (sem proteção constitucional), em caso de
colisão ou conflito, há uma óbvia prevalência dos primeiros, face a estes últimos.
O interesse é um bem jurídico reivindicado por um sujeito. Por último, os valores são
critérios de avaliação de bens ou condutas, sendo que, numa ponderação, atende-se á
hierarquia a que são passíveis: os valores de nível superior (ex.: dignidade da pessoa
humana) têm primado face aos valores hierarquicamente inferiores.
As fases do procedimento da administração são as seguintes: identificar as realidades em
colisão, atribuição do peso a cada uma das realidades e decisão sobre a prevalência entre
as realidades em colisão. É através deste método que se permite obter uma melhor justiça
na decisão do caso concreto. Porém, tem como efeito o aumento da incerteza e
insegurança do agir administrativo face aos cidadãos, torna-se imprevisível nas decisões
que toma, havendo uma redução no papel garantístico da lei e debilitando o protagonismo
do legislador (redefine o papel do princípio da separação de poderes).

13. Setor empresarial público


A Administração pública pode ser apreciada em três sentidos diferentes: num sentido
material (em que a administração pública é vista como uma atividade), num sentido
orgânico (a AP surge como uma organização) ou num sentido autoritário (a AP, através
do seu poder e autoridade, executa uma autotutela declarativa).
Relativamente ao sentido orgânico, no qual a AP é encarada como a protagonista da
atividade administrativa, este compreende todas as estruturas orgânicas encarregues de
gerir os recursos necessários à satisfação dos interesses públicos, abrangendo estruturas
decisórias de matriz privada e estruturas decisórias de matriz pública – estas últimas
traduzem o exercício público de funções públicas, podendo ou não assumir um propósito
empresarial.
O setor empresarial público reequacionou o conceito de entidade pública, à luz do direito
da união europeia, através da ideia da influência pública dominante ou controlo público.
Com efeito, uma entidade privada está sujeita a uma influência pública dominante quando
uma entidade pública controla a maioria do capital social dessa entidade privada
(situações de sociedades de capitais integralmente ou maioritariamente públicos, ou
situações de empresas sujeitas a outras formas de influência dominante – nestas situações
o Estado pode deter uma pequena percentagem do capital social, por exemplo 20%, mas
a restante percentagem está pulverizada em vários acionistas), quando uma entidade
pública nomeia os membros para os órgãos de gestão de uma entidade privada, ou quando
as opções estratégicas da entidade privada estão sujeitas a uma autorização ou a um poder
de veto de uma entidade pública.

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O setor empresarial público não é uniforme, sendo apreciado tanto em situações de
administração indireta sob forma pública (entidades públicas empresariais, EPE), como
em situações de administração indireta sob forma privada (entidades privadas de tipo
empresarial sujeitas a capitais integralmente e maioritariamente públicos ou sujeitas a
outras formas de influência dominante). Mas este setor ainda é visível em estruturas sem
personalidade jurídica, como são, por exemplo, os serviços municipalizados – são
entidades que pertencem ao município que não têm personalidade jurídica própria, mas
exercem as suas atividades de tipo empresarial em termos autónomos.
Dificilmente podemos defender com firmeza a ideia de que existe um setor empresarial
em todas as administrações públicas, uma vez que as freguesias, as entidades
administrativas independentes e os serviços personalizados de natureza burocrática não o
têm.

14. Situações ativas dos particulares parente a AP


Nem todas as situações jurídicas dos particulares perante a administração são idênticas –
podendo ser ativas ou passivas; no primeiro caso conferem situações de vantagens para a
satisfação dos interesses próprios do titular, pressupondo poderes; no segundo –
traduzem-se em situações de desvantagem que os particulares devem suportar – envolvem
deveres.
Porém, caberá dentro das situações jurídicas ativas distinguir os direitos subjetivos dos
interesses legalmente protegidos.
Os direitos subjetivos são entendidos como permissões normativas genéricas que
conferem ao seu titular um aproveitamento de um bem, conferindo direta e imediatamente
ao seu titular um poder, exigindo a todos os restantes sujeitos uma conduta apta à sua
satisfação (oponibilidade erga omnes), têm, portanto, sempre, fundamento num preceito
legal. Os interesses legalmente protegidos integram uma categoria residual de vantagens,
alicerçada na presunção de que todo o interesse digno de proteção normativa constitui
sempre um interesse legalmente protegido.
A titularidade de um direito subjetivo confere ao particular uma maior proteção jurídica,
vinculando a AP a satisfazer a sua pretensão, afetando-lhe o bem pretendido, sem margem
livre de apreciação decisória entre conceder ou não conceder. Perante um direito subjetivo
de um particular a AP tem apenas duas opções: seguir a lei e afetar-lhe o bem pretendido
ou, violar a lei e negar-lhe o pedido.
Por sua vez, os interesses legalmente protegidos, apesar de não obrigarem a administração
a decidir favoravelmente no sentido pretendido pelo administrado, obrigam-na a ponderar
a pretensão do particular, no respeito pela legalidade. Tem aqui um poder discricionário
de apreciar o pedido e de decidir, se à luz do direito, deve ou não conceder aquilo que o
particular pede – é um poder de livre apreciação administrativa, que se pauta pelo
princípio da ponderação.

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