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Margarida Gonçalves

ECONOMIA II
Regente: Fernando Araújo

CAPÍTULO XI – OUTROS OBJETIVOS QUE NÃO A MAXIMIZAÇÃO DO LUCRO


O modelo microeconómico clássico presume que as empresas produtoras se comportam
como maximizadoras de lucros e do seu próprio valor de mercado. Contudo, na realidade isso não
ocorre – a coesão formal das organizações empresariais não impede tensões internas na formação
da vontade coletiva, o que suscita problemas relativamente ao controlo das empresas.
Excecionalmente, os produtores-vendedores resolvem afastar o objetivo da maximização do
lucro.
O produtor-vendedor não consegue maximizar o lucro, devido a determinadas circunstâncias.
Este capítulo centra-se numa circunstância que é a separação entre titularidade (propriedade)
e controlo da empresa (gestão).
No 1º semestre, presumia-se que o produtor-vendedor era o único responsável pela empresa, não
havendo a separação entre a titularidade e o controlo da empresa.
Tese “Berle-Means”
Estes dois autores refletiram de forma consistente e aprofundada sobre os problemas relacionados
com os problemas da separação da titularidade e controlo da empresa – onde as empresas passam
a ganhar uma maior dimensão. Mais facilmente se verificava que havia uma passagem de alguns
deveres e do próprio controlo da empresa dos proprietários para os gestores da empresa, o que
problematiza a maximização do lucro (uma vez que o gestor mal-intencionado pode fazer coisas
que prejudicam significativamente a empresa).

a) A separação entre titularidade e controlo da empresa


Os proprietários de uma grande empresa ganham em dividir o trabalho com gestores
especializados porque conseguem repartir o trabalho. Contudo, coloca-se um problema porque os
proprietários são obrigados a confiar nos gestores especialistas. Para além disso, os gestores
acabam por ganhar um conhecimento mais amplo relativamente ao funcionamento da empresa, o
que é prejudicial para os proprietários, perdendo estes o contacto com a empresa e o conhecimento
adicional.
Exercendo o controlo da empresa, os gestores ficam colocados numa situação de assimetria
informativa que os favorece. A partir do momento em que existe uma situação de assimetria
informativa, surge também o perigo do “risco moral” (o gestor, agindo de má vontade, prejudica
a empresa). Esta divergência pode não ser detetada de imediato devido à incapacidade de os
proprietários fazerem uma vigilância eficaz.

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i) Incentivos e alinhamento de interesses


Como podemos harmonizar/alinhar interesses entre proprietários e gestores?

• Via do endividamento – se a empresa tiver assumido uma carga de endividamento


relativamente significativa, o proprietário percebe que o gestor pode estar a fazer algo que
provoca o endividamento.
• A “venda da empresa” – forma de o proprietário, através da remuneração, dar a sensação ao
gestor de que é proprietário da empresa, mesmo que não o seja, através do estabelecimento da
remuneração exclusivamente em função dos resultados apresentados.
Em princípio, esta solução não resolve o problema apresentado porque como os gestores têm
conhecimentos adicionais, eles podem manipular as contas, apresentando resultados que não
correspondem à realidade.
Para além disso, isto só ocorre se existir um gestor qualificado disposto a aceitar este contrato.
Quando o proprietário procura obter este contrato, provavelmente não vão existir gestores
séniores a quererem candidatar-se a esses contratos, pelo que só se iriam candidatar gestores
iniciantes – estes, devido à falta de experiência, vão prejudicar sem qualquer intenção a empresa.
O que se pode fazer é a remuneração à peça – a venda da empresa poderia desencadear a gestão
com total liberdade da empresa; neste caso, o proprietário diz o que pretende que o gestor faça,
sendo este pago se os objetivos que o proprietário apresentou foram cumpridos.

• Venda parcial da empresa/simulação de mercado/sistema de incentivos – é mais frequente.


Nesta forma, a remuneração do gestor é feita em parte em termos fixos e em parte em termos
variáveis, resultando das vendas da empresa. Essa parte variável pode ser remunerada de
diferentes formas – pode ser em dinheiro, em bónus, comissões, principalmente em ações ou
em compra de opções de ações. Esta modalidade também não resolve o problema.

• Sistema de controlo/comando – sistema que tem em vista a supervisão, a fiscalização, a


auditoria da conduta e das contas apresentadas pelo gestor, com recurso a entidades idóneas.
Auditoria interna – se o gestor aceitar isto, teríamos um primeiro nível próximo da identidade
da empresa. Contudo, pode eventualmente haver um conluio entre fiscal (que não vê o que está
a acontecer, porque pode ganhar um extra do gestor) e gestor.
Auditoria externa – contrata-se uma equipa que fiscalizará a gestão do gestor da empresa por
uma questão de mercado, (pode haver uma concorrência do mercado). Às vezes os próprios
proprietários do mercado podem fazer um conluio entre proprietários e gestores para contratar
equipas de gestão que não se preocupam em realizar de facto a sua função.
Revisor oficial de contas – é um auditor que é uma figura pública, tem um estatuto e obrigações
de ordem pública, que não depende do jogo do mercado. Este revisor é importante porque tem
um estatuto e uma remuneração que o coloca na margem de (…). Contudo, este não tem total
acesso.

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b) A limitação do controlo da empresa pelo mercado


Controlo acionista: resulta da titularidade do número de ações suficientes para assegurarem a
vitoria nas deliberações das assembleias gerais. Ou seja, em sociedades onde há separação entre
titularidade e o controlo, o capital está dividido em ações (porque são empresas complexas), sendo
necessário existir um ou vários controlos acionistas.
O surgimento de sócios poderosos e controladores nas grandes empresas significará o aumento
da probabilidade de deteção de risco moral da probabilidade de afastamento do cargo.

Inside trading
É uma das formas possíveis de abuso de informação privilegiada – quando os administradores
não conseguem evadir-se completamente da supervisão dos acionistas controladores, tentam
suborná-los, fornecendo-lhes informação que levará a uma significativa alteração dos valores das
ações da empresa.

A imposição de transparência visa proteger os investidores “externos” contra os conluios


“internos” que se formam entre as administrações e os acionistas controladores.
Dispondo do controlo acionista, os detentores da maioria das ações podem (controlo informal
ou “mafioso):

• Nomear-se para administradores, podendo agir como comissários abusivos enquanto esse
controlo durar;
• Eleger administradores e permitir que eles atuem de forma divergente relativamente aos
interesses e objetivos da sociedade, desde que eles sejam cúmplices beneficiários dessa atitude
abusiva.
Qual é o objetivo deste controlo informal? À partida, eles pretendem expropriar os sócios
controladores e explorar os ganhos de uma empresa, beneficiando os gestores.

Como podemos resolver estas situações?

• O regente questionou se poderíamos inserir a possibilidade da intervenção do Estado. Isso iria


ferir o princípio da liberdade do funcionamento interno das empresas porque a intervenção do
Estado provocaria o seu controlo total da empresa. Aliás, a empresa até poderia ser concorrente
do Estado, pelo que seria imprudente que este se intrometesse no funcionamento interno da
empresa.
Para além disso, para o Estado sustentar a empresa, tem de adquirir uma série de contribuintes
que nunca conheceriam esse mercado específico.

• Aquisições de domínio ou “take-overs”: consiste na mudança do controlo da empresa através


de regras internas de legitimação desse controlo. Através dessas regras, obtendo uma maioria
de votos, com a aquisição de um número importante de ações que provoquem o domínio das
assembleias gerais, ele designa e legitima a estrutura gestora da empresa.

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O objetivo é retirar aquele controlo informal e substitui-lo por um controlo “normal”. Podem
existir outros fatores que não o controlo mafioso (como o aproveitamento das forças do mercado)
que resultam na adoção desta solução.
Podem resolver se:
– De uma forma amigável;
– Através de tomadas hostis (dificilmente facilitam). Normalmente interpretam aquela oferta de
uma maneira violenta/hostil.

Contudo, não devemos subestimar a diversidade de efeitos perversos que podem ocorrer na luta
pelo poder dentro das empresas. O próprio “assaltante” pode não ter a intenção real de adquirir a
empresa, mas apenas ter o intuito de realizar ganhos especulativos:
− Adquirindo ações da sociedade, anunciando a sua intenção de proceder a compras maciças
(para obter o controlo da empresa), obter a valorização dos títulos subsequentes ao anúncio
e revender com lucro as únicas ações que adquiriu.
− Greenmail – adquirindo ações significativas da empresa, ameaçando os controladores com
a possibilidade de avançar para uma aquisição de domínio, pretendendo somente revender
as ações aos controladores a um preço especulativo.
Isto pode desencadear o colapso da “canibalização” ditada pelo endividamento excessivo,
agravado pela própria degradação do valor das ações da empresa “assaltante”.
Reação dos controladores ameaçados – eles reagem mal, tomando medidas que dificultem ou
impeçam a tomada de poder. Exemplos de medidas:

• Podem desistir de medidas de gestão, privilegiando a rentabilidade de curto-prazo em


detrimento dos investimentos a longo prazo (os controladores ameaçados já sabem que
existe uma possibilidade de deixarem de ser gestores da empresa, começando assim a desistir
de medidas que estão relacionadas com a sua saúde a longo prazo).

• Desmantelamento parcial de património – vender ativos (imobiliário e outros ativos que


possam obter rendimentos a curto prazo), para obterem lucros, o que desincentiva potenciais
concorrentes ao controlo da empresa.

• Pílula envenenada – os controladores ameaçados podem fazer perder valor de mercado às


empresas ou proceder a investimentos que se perderão no caso de eles serem afastados da
empresa, com o intuito de desencorajar as aquisições sustentadas através de endividamento.
Ou seja, estes investimentos só ocorrerão se eles continuarem na empresa.

• Pára-quedas dourados – os controladores ameaçados podem salvaguardar os seus


rendimentos pessoais estabelecendo indemnizações milionárias para o caso de perderem o
controlo.
• A contra aquisição do domínio – é pouco frequente, mas pode ocorrer. Tem de haver uma
dimensão das empresas equiparada. Contudo, se houver uma grande desproporção, isto não
ocorre.

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CAPÍTULO XII – A REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO E O MERCADO DOS


FATORES

Fatores produtivos – trabalho, terra e capital


Formas de remuneração associadas:

• Ao trabalho – o trabalhador disponibiliza a um terceiro o seu trabalho. A prestação do trabalho


tem como contrapartida a remuneração, ou seja, o salário.
• À terra – renda fundiária (trabalhador).
• Ao capital – a sua forma de remuneração é o juro.
• Fator empresarial – demonstra contribuir para a produção de bens/serviços finais. O
empresário realiza atividades de gestão da empresa que podem ser relevantes. A remuneração
associada a este fator é o lucro.

FA faz apreciações gerais sobre as questões de justiça. Não há dúvida que a justiça é uma questão
relevante até porque há ou deve haver alguma cautela com os critérios de repartição social da
riqueza.
O Estado deve ter a capacidade para corrigir determinadas assimetrias, na medida em que, se se
ferir um núcleo fundamental como a Justiça e a igualdade, este deve intervir com a capacidade de
correção dessas assimetrias. As retificações institucionais permitem, de alguma maneira, que o
Estado tenha esta capacidade de intervenção para corrigir as assimetrias associadas às diferenças
decorrentes desta remuneração: justiça e igualdade.
Contudo, é importante não cair no extremo oposto, ou seja, não deve haver uma intervenção no
sentido do igualitarismo puro. A perfeita igualdade impede uma função básica dos preços – a
de assinalarem, através do mercado, a relativa escassez ou a abundancia dos recursos –, impede a
especialização da complementaridade dos agentes, desincentivando o investimento em capital
humano. P.E: se houvesse um incentivo associado a uma nota administrativa (remuneração
igualitária). Quem tivesse capacidade para ter 16, não se iriam esforçar porque já sabia que ia
receber apenas 12. E quem não conseguisse ter 12 também não se iria esforçar porque iria receber
12.

O que está por trás das diferenças remuneratórias?


O elemento essencial que explica as diferenças remuneratórias entre indivíduos, por exemplo, no
fator trabalho, é a avaliação social do esforço – é uma das bases para as diferenças/assimetrias
remuneratórias.
O mercado atua de acordo com uma racionalidade procedimental, ou seja, ele faz uma avaliação
neutra do esforço dos fatores produtivos perante os valores – não estão guiados pelos valores, até
podem ser contra os valores.
P.E: comparação entre a remuneração atribuída a uma cantora lírica e a uma cantora pimba, em
que a primeira, apesar das capacidades e formação, não consegue obter um emprego; já a cantora
pimba acaba por ter uma maior remuneração e mais facilidade em obter emprego.

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Para que não se caia na tentação de atribuir a uma causalidade injusta a existência de diferenciais
remuneratórios, temos que perceber que o próprio mercado causa esse processo, atribuindo
remunerações de acordo com as suas simples e habituais regras de funcionamento. Poderá
afirmar-se que este processo é injusto, mas poucos tomarão a iniciativa de o mudar.
A remuneração dos fatores
A remuneração dos fatores produtivos está dependente da oferta e da procura. Os fatores serão
tanto melhor remunerados quanto mais escassa for a respetiva oferta, ou quanto mais intensa
for a procura, e inversamente, serão tanto pior remunerados quanto mais abundantemente
forem oferecidos ou quanto mais escassamente forem procurados, visto que a remuneração dos
fatores é essencialmente um preço que lhes corresponde.
Os meios de produção sendo meramente instrumentais na produção de bens e serviços, não são
procurados por eles próprios, visto que a configuração que os torna úteis com os fatores
produtivos os inutiliza, na maior parte dos casos, para satisfazerem diretamente as necessidades
dos consumidores – são simultaneamente os últimos destinatários do processo produtivo e a
primeira fonte de remuneração, no momento em que pagam os produtos que adquirem.
Se um bem/serviço desaparecer, deixar de ser utilizado ou procurado, haverá o desaparecimento
da oferta e da procura dos fatores produtivos. Há então, uma procura derivada, uma vez que
quem vai ao mercado, não espera que determinada necessidade seja satisfeita diretamente.

Capital e fatores naturais


Capital – é o conjunto de bens que foram produzidos com vista a auxiliar a produção de outros
bens, ou seja, em conjunto com os bens instrumentais que coadjuvam o esforço laboral,
potenciando-o.
O valor do capital varia conforme a decisão do empresário que se dirija à utilização do mesmo
por via da respetiva aquisição ou da sua mera locação. O detentor de bens de capital pode fazer
uma avaliação prévia e saber se é melhor fazer uma utilização própria do capital ou não. Se não
for vantajoso, ele disponibilizará esses produtos a terceiros (capitalistas), através da compra e
venda de capital (passar a titularidade daqueles bens de capital a um terceiro) ou ceder esse bem
de capital (o capitalista continua a ser proprietário, contudo, cede esse bem de capital
temporariamente a terceiro a título de locação). A locação “dura” até que a remuneração requerida
pelo uso desse capital iguale ou exceda o rendimento marginal que se espera do respetivo
emprego, o que equivale a dizer que a curva da procura do fator de produção capital espelha
a respetiva produtividade marginal, a sua suscetibilidade de incrementar o rendimento. Ou seja,
enquanto o beneficio marginal > custo marginal.
Ora, a racionalidade de uma empresa competitiva e maximizadora dos lucros é o de recorrer à
locação de bens de capital até que a remuneração requerida pelo uso do mesmo iguale ou exceda
o rendimento marginal que se espera do respetivo emprego. Se porventura, optar pela aquisição
do capital, o seu cálculo é mais complexo, uma vez que a igualdade entre o preço e o valor do
produto marginal tem que se “espraiar” por sucessivos períodos, tantos quanto os da vida útil dos
bens adquiridos, envolvendo uma previsão/projeção quanto ao valor esperado no futuro para o
produto marginal correspondente aos bens de capital.
A procura de capitais por um empresário num mercado competitivo dependerá apenas da
determinação do ponto em que a produtividade marginal decrescente do capital se cruza com
o preço de mercado desses capitais.

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O capitalista que não disponha de poder de mercado venderá ou cederá temporariamente os seus
capitais em função do correspondente custo marginal.

A compra e venda de um bem de capital, por exemplo, uma máquina, tem de avaliar as
vantagens/desvantagens futuras da vida da máquina e das despesas. Os bens de capital, com o
passar do tempo tendem a acarretar mais custos, mais despesas. A partir de determinada altura, o
rendimento marginal dos bens de capital é decrescente.

Na maior parte dos mercados, os custos marginais dos bens de capital são crescentes, o que
justifica o rendimento marginal decrescente.

− No curto prazo, o capitalista estará disposto a ceder todos os seus capitais aos juros
correntes, se eles excederem os custos marginais. Caso não excedam, a cedência de bens de
capital ficará de fora e o capitalista estará disposto a vender os equipamentos como usados,
saindo do mercado – oferta relativamente inelástica.

− No longo prazo, o capitalista adquirirá novos equipamentos com vista à sua cedência em
função do CDO (o capitalista pretende maximizar o lucro e poderá ser mais eficiente mudar
de atividade, passando por exemplo, a exercer uma atividade que comporte melhores riscos
e tenha um maior lucro), da depreciação do bem, dos custos de transporte, da manutenção,
da reparação.

Todos estes custos totais têm de ser periodificados, devendo ser aplicada a taxa de desconto,
permitindo assim a comparação com os juros que poderiam ser recebidos em cada período. Ora,
se a empresa decide investir na aquisição de capitais próprios, ela terá que fazer os cálculos
necessários correspondentes à ponderação entre o custo marginal e o rendimento marginal
esperado dessa decisão de investimento.
A durabilidade dos bens de capital adquiridos pela empresa pode ser avaliada de acordo com
dois métodos:
1. A conversão em valores presentes dos ganhos totais que possam derivar da decisão de
compra – é conseguido através da aplicação da taxa de desconto ao valor futuro dos ganhos
esperados que equivale aos juros compostos que se obteriam numa aplicação financeira
sucedânea.

2. O da taxa de retorno de investimento – consiste em saber com precisão qual a taxa de


desconto que faria equilibrar as receitas e os custos de investimento, concluindo-se assim
que o investimento é vantajoso se a taxa de juro praticada no mercado de capitais for inferior
àquela taxa de desconto.

Remuneração da terra
FA diz que quando falamos de renda fundiária estamos perante um fator produtivo fixo ou
tendencialmente fixo, que resulta do encontro da procura e da oferta com a especialidade da
imobilidade desses fatores – tende para determinar alguma inelasticidade da respetiva oferta, uma
vez que o fator terra está limitado).

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Isso faz com que a sua remuneração seja especial. A remuneração deste fator depende de duas
variáveis:

• Da remuneração dos capitais aplicados na exploração fundiária – corresponde à


produtividade terra, ou seja, à relação entre aquilo que se colocou lá e os resultados que podem
ser obtidos dela.
• Da renda económica/renda de David Ricardo –diferencial decorrente da produtividade
natural da terra, da localização geográfica e das oscilações no rendimento marginal dessas
terras, derivadas das variações na procura dos bens finais produzidos com esses fatores
naturais, contrapostas a uma oferta inelástica.

A oferta e a procura de trabalho


O fator trabalho é um fator preponderante na economia. Contudo, não é correto afirmar que seja
remunerado de forma superior aos restantes fatores de produção.
A procura pelas empresas, do fator de produção trabalho é uma procura derivada. A procura
de mão de obra depende dos preços dos fatores de produção que devam ser combinados com o
trabalho e, mais genericamente, da estrutura de custos que seja possibilitada pelo estádio
tecnológico em que se encontra a produção.

Custo marginal
A decisão de empregar/despedir mais trabalhadores é essencialmente um resultado colateral do
esforço fundamental da maximização do lucro. Enquanto o valor do produto marginal for
superior ao nível de mercado dos salários, justifica-se a contratação, devendo esta procura
terminar quando o produto marginal for já inferior ao nível salarial.
Ponto maximizador de lucro – encontra-se na interseção das curvas que representam o valor
decrescente do produto marginal e o valor (constante) de mercado dos salários. Isto significa a
quantidade de trabalho que a empresa deve contratar com vista a maximizar o lucro.
A curva do rendimento marginal é a que ditará a curva da procura de mão de obra: enquanto o
nível salarial for inferior ao rendimento marginal, a admissão de mais trabalhadores contribuirá
para aumentar os lucros do empregador.
Ora, uma subida de preços de produtos significa maior nível de emprego, uma descida implicará
quebra de emprego.
Uma diminuição de trabalhadores tenderá para o aumento do nível de salários, o que provocará
um aumento proporcional do valor do produto marginal. Claro que, começa aqui a entrever-se o
interesse que os trabalhadores têm de colocar barreiras corporativas á entrada de outros, uma vez
que menos trabalhadores significa maiores salários.

Produtividade laboral
Os salários têm tendência para acompanhar a produtividade. Mais produtividade gera salários
mais elevados. Um incremento da produtividade no trabalho que explica uma subida de salários
reais, do poder de compra propiciado e uma melhoria do bem-estar dos consumidores.
A produtividade determina-se através de três tipos de dotações:
1. Capital humano

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2. Físico
3. Tecnologia
A remuneração, de fatores naturais e de capital acompanha o valor do produto marginal que cada
um determina no processo produtivo. O produto marginal de qualquer fator produtivo depende da
quantidade disponível desse fator.
O rendimento das pessoas é maioritariamente fixado em função do valor dos recursos produtivos
que fornecem ao mercado. A elasticidade da procura da mão de obra depende:

− Do caráter mais ou menos intensivo do recurso “trabalho”.


− Da substituibilidade de trabalho por capital.
− Da própria elasticidade dos produtos para os quais a mão de obra contribui.

Diferenciais compensatórios
O diferencial de compensação é a designação para a disparidade salarial que resulta da
diversidade de características não monetárias de diversos empregos.
Uma coisa são os diferenciais remuneratórios – há agentes que são mais remunerados porque
têm mais apetências, habilitações, talento natural para determinadas atividades, sendo estas
diferenças ditadas por exemplo, pelo investimento no capital humano.
Contudo, quando falamos de diferenciais compensatórios, referimo-nos a acréscimos aos
salários – p.e: subsídios de risco, deslocação, de turno, que sirvam para atenuar o desprazer
causado pessoalmente pelo desempenho das correspondentes funções, atribuindo-os de acordo
com o trabalho em si.

Sinalização e seleção adversa


O que justifica essa diferença de remunerações é uma multiplicidade de fatores que poderão
resultar de talento, esforço, acasos, assimetrias informativas, injustiças puras, modo de persuasão
dos destinatários dos seus serviços. Esta teoria da sinalização parte da constatação de que existe
uma assimetria informativa entre aquele que se oferece para trabalhar e o empregador.
O empregador sabe menos do que o trabalhador.
A sinalização acaba por ser a forma mais comum de combate a esta assimetria informativa. A
sinalização é essencialmente a formação de dados objetivados que possam ser apreciados por um
destinatário relativamente ignorante das características que esses dados simbolizam, sem custo ou
a custo mínimo para aquele destinatário, razão pela qual a sinalização deve ser suportada pelo
próprio candidato ao qual os “ganhos de idoneidade” e a reputação aproveitam (valoriza-se mais
as aptidões cognitivas).

Vencimento de transferência
O vencimento de transferência é a expressão utilizada para indicar o que é o vencimento de
equilíbrio num determinado setor de atividade.
Num mesmo ramo de atividade, dois trabalhadores com as mesas aptidões podem estar a ser
remunerados de modo muito distinto. Contudo, existe uma remuneração mínima sem a qual

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ninguém se entregaria a uma atividade, ou seja, há uma remuneração abaixo da qual as pessoas
alterariam a sua atividade.
No caso de se receber um valor superior/adicional ao valor de vencimento de transferência, devido
às capacidades do trabalhador, ou em caso em que a procura supera a oferta de trabalho, significa
que há algo que se recebe a mais – a renda económica.

Renda económica
A renda económica é tudo aquilo que o trabalhador recebe para lá do vencimento de transferência
(por força do excesso de procura do fator trabalho relativamente à oferta de trabalho disponível,
ou por fatores gerais de desequilíbrio).
A renda económica depende de três requisitos:
1. Todos os clientes quererem o bem ou serviço produzido por aquele trabalhador, cujo trabalho
fica, por isso, com elevado rendimento marginal (espelhado pela pressão da procura)
2. O bem/serviço prestado pelo trabalhador tem de ser acessível a baixo custo a todos os
interessados.
3. A prestação do bem tem de ser apropriável pelo produtor, ou seja, o trabalhador deve ter a
capacidade de poder excluir de forma eficiente aquele/s que não conseguem pagar o preço.
Podemos ter vários resultados decorrentes da procura do trabalho. Quando o trabalho não tem
qualificações ou quando o trabalho por ele mesmo não exige qualquer qualificação, a elasticidade
da oferta é quase perfeita, pelo que o trabalhador não pode exigir grande coisa. Não se pode
receber mais que o vencimento de transferência.
A segunda possibilidade é, relativamente à maioria das atividades, vamos encontrar trabalhos
qualificados, e por isso com pouca ou alguma elasticidade, pelo que o trabalhador já pode exigir
mais coisas (porque é mais difícil encontrar substitutos). A remuneração será também maior.
A terceira hipótese é a possibilidade de haver inelasticidade absoluta da oferta. P.E: quando o
trabalho é infungível. Neste caso existe um mercado especial que só tem um trabalhador. Há uma
concentração máxima do lado da procura. A sua remuneração é classificada como renda
económica porque só há um trabalhador e não da para fazer média com ninguém – renda pura.
P.E: os casos de trabalho artístico, um músico.
Há também um risco – como o trabalhador representa o mercado, se o trabalho do trabalhador
deixar de ser procurado no mercado, a remuneração desaparecia.

Quase renda económica


A quase renda económica corresponde a toda a remuneração que, sendo paga acima do
vencimento de transferência, para ele converge a longo prazo. Esta coloca-se em quase todos os
casos, exceto nos casos em que há uma máxima renda económica ou não há nenhuma – são
aqueles casos em que o trabalhador, no curto prazo, recebe renda económica, mas o longo do
tempo, se não se faz mais esforços, corre o risco das suas características serem ultrapassadas. P.E:
os concorrentes monopolistas a longo prazo.

Capital humano
É fruto do investimento feito na formação pessoal, do qual se espera um resultado em termos de
aumento de produtividade conexa com o incremento das aptidões em cada pessoa que beneficia

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daquele investimento. O investimento na educação é compensado por incrementos


remuneratórios.
Além disso, mantém-se válida a noção de que o desemprego tende a atingir mais pesadamente
trabalhadores com menos formação.
É praticamente unânime a opinião de que o investimento em capital humano, produz resultados
líquidos positivos na aceleração das taxas de crescimento económico.
A mundialização e o progresso tecnológico são fatores tanto de discriminação e desigualdade
remuneratória como de incentivo à educação, ao investimento em capital humano, agravando as
clivagens económicas e sociais entre aqueles que obtiveram e aqueles que não obtiveram
educação.

Práticas discriminatórias ilícitas no mercado


Distinto destes aspetos de diferenciação remuneratória é o fenómeno da discriminação no sentido
de manifestação, no mercado dos fatores, de uma procura de trabalhadores condicionada pelos
critérios sexo, raça, etnia, convicções religiosas, políticas, etc.
A discriminação que seja praticada para limitar a entrada no mercado do trabalho é condenável,
a menos que essa discriminação esteja fundada em efetivos diferenciais produtivos (p.e: idade).
No setor público isto não pode ocorrer; já no setor privado isto pode acontecer.

CAPÍTULO XIII – A DESIGUALDADE E A POBREZA


A desigualdade até poderá ser útil, uma vez que o igualitarismo puro é mau. Contudo há níveis
de desigualdade que exigem intervenção estadual para diminuir a desigualdade e administrar a
justiça. Hoje pode falar-se em “Economia social” que insiste na retificação das leis de mercado
em nome do “bem comum”.
A riqueza que se dispõe a cada momento é o património (riqueza estática) e a riqueza (riqueza
dinâmica).
Há quem não aufira rendimentos e não se queira inserir no jogo de mercado – o Estado não o pode
obrigar. Gera-se então uma situação de pobreza voluntária – não é atribuível pela falta de
oportunidades, desigualdades, falhas de mercado, mas resulta de escolhas livres.

Medição da pobreza
Curva de Lorenz – forma de representar a desigualdade numa economia. Representa a correlação
entre a fração cumulativa do rendimento e a fração cumulativa da população a que esse
rendimento cabe (maior desigualdade – linha reta mais afastada).
Coeficiente de Gini – medida de desigualdade de distribuição de uma qualquer variável pelo total
da população.
0 – Perfeita igualdade
1 – Completa desigualdade
Calcula-se como o quociente entre a área situada entre a curva de Lorenz e a diagonal, e por outro
lado, a área total do triangulo abaixo da diagonal.

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Esta curva permite determinar a desigualdade entre países ricos e pobres.


Curva de Kuznets
Assistimos a uma fase de crescimento das desigualdades, seguindo-se uma fase de
aproximação de um igualitarismo puro. Esta teoria, aplicada atualmente, só faz sentido no que
toca à fase de crescimento, uma vez que se torna questionável se realmente seria possível uma
pessoa, após a fase de viragem, fazer com que o coeficiente de Gini desca até se aproximar de um
igualitarismo puro.
O tracejado simboliza um cenário mais realista que demonstra que é possível a alguns países
diminuírem o coeficiente de Gini, enquanto que outros não.

Limiar da pobreza
A pobreza é um conceito relativo e variável.
Mas prende-se sempre com uma situação extrema, em que se é incapaz de adquirir a alimentação,
o vestuário, habitação, ou seja, os mínimos indispensáveis para uma integração digna no meio
social.
Fronteira de pobreza – rendimento diário inferior a 2 dólares/dia.

FA salienta alguns pontos que nos permitem perceber as dificuldades inerentes à definição de
pobreza:

• É perfeitamente possível que a solidariedade social se expresse através de formas diretas e em


benefício aos pobres (serviços de saúde, de educação, habitação social a indivíduos que são
considerados pobres) – esses indivíduos podem ser pobres relativamente ao rendimento, mas
se observarmos as ajudas que recebem, estes não são considerados pobres (já sabemos que a
qualidade dessas ajudas não é a melhor, mas isso também já é o esperado). Há, portanto, uma
dificuldade na definição de pobreza, devendo avaliar todos os pormenores.

• A avaliação instantânea da riqueza pode não ter em consideração a circunstância de haver uma
variação ao longo da sua vida.

• Um indivíduo pode ficar desempregado, mas isso não implica que ele seja de imediato
considerado pobre.

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• Nem todos os casos são casos irremediáveis. Muitos indivíduos têm possibilidades de saírem
de condições de pobreza. (choques transitórios)

• Há a tendência para criar uma cadeia sucessiva de pobreza (como o pai é pobre, o filho também
o é) de forma hereditária.

É um pouco redutora a concentração exclusiva na transmissão do património e de capital humano,


que é própria da análise económica.
Outro ponto é que os fatores de pobreza se transmitem e perpetuam de geração em geração. A
pobreza tem uma viscosidade inter-temporal (possibilidade de a pobreza ser algo que se “agarra”
às pessoas e elas não se conseguem libertar). Esta perpetuação da desigualdade e da pobreza
resultam de uma colaboração de alguns efeitos socioeconómicos como:

• Sub-representação política dos pobres;


• Inexistência ou escassez de instituições que, com imparcialidade, prossigam os valores da
coesão social, visto que elas não conseguiriam ser financiadas pelos seus principais
beneficiários;
• Existência de um “mercado a favor dos políticos” nos quais os “ricos” dispõem de mais
argumentos e mais capacidade de resistência.

Atitudes perante a pobreza

A pobreza é um problema direto não apenas para os pobres para a sociedade em geral, na medida
em que ela exclui os pobres tanto do mercado de produtos como do mercado de consumo.

Justiça dos resultados


1. A visão da justiça social pelo resultado material (justiça dos resultados ou perspetiva
utilitarista) – olha para os resultados da repartição e atua de acordo com a mesma. Pode ser:
− A perspetiva maximalista de distribuição ou redistribuição de rendimentos que afete o
conjunto de todas as classes desses rendimentos – correção da desigualdade desses
rendimentos.
− A perspetiva minimalista (Rawls) – só tem em vista a repartição dos rendimentos ou
alteração dos resultados dos indivíduos pobres.

Justiça dos meios (desinteresse dos resultados)


2. Campo da justiça social pelo procedimento da repartição/ perspetiva igualitária/formalista –
coloca acima de tudo a liberdade do indivíduo.

O que interessa é o meio ser justo. A justiça não se vê pelo resultado, mas sim pelo processo que
leva ao resultado. Neste caso, se o processo não foi justo, corrige-se o processo. Mas se o processo
foi justo e o resultado foi injusto, Nozick defende que se deve dar uma segunda oportunidade ao
indivíduo.

Combate à pobreza
A repartição dos rendimentos pode seguir uma de 3 vias básicas:

− Tributação do rendimento;

13
Margarida Gonçalves

− Estabelecimento de medidas de combate direto à pobreza (subsídios);


− Prestação de serviços subsidiados ou em espécie a favor dos pobres (transferências em espécie)
– apoios à habitação, frequência escolar, alimentação, entre outros. Este tipo de transferência
tem aspetos positivos (diminuição da hipótese da existência de fraudes); mas estes serviços
também podem ser de má qualidade. Os sistemas de segurança social deixam de ser
autossuficientes com as contribuições dos mutuantes.

Outras medidas que visem o combate direto à pobreza:

− Subsídios sociais de desemprego;


− Rendimento mínimo;
− Incentivos ao emprego;
− Subsídios pensados para situações especiais ou de pura indolência parasitária;
− Aumento de transferências em espécie, tentando reduzir tanto quanto possível no montante e
na duração dos subsídios monetários.

Outras soluções:

− Imposto negativo sobre o rendimento (os indivíduos mais pobres pagam, mas recebem mais
daquilo que pagaram) – a todos os indivíduos seriam formalmente tributados, não havendo
isenção de um mínimo de existência. Contudo, a todos também seria concedido um crédito de
imposto que, deduzindo ao imposto devido, materialmente corresponderia à atribuição de um
subsídio às classes de rendimento mais pobres. Esse crédito de imposto não seria mais do que
um rendimento mínimo garantido, acima do qual todo o rendimento seria tributado à mesma
taxa marginal.

− Microcrédito – as instituições financeiras não gostam de dar dinheiro aos pobres.

− Subsídios pensados para situações de pobreza, tendo em consideração o contexto familiar.

Armadilha da pobreza: efeitos em que o agente incorre ao sair da situação de pobreza uma vez
que isso pode desencadear uma maior situação de pobreza. Esta armadilha perpetua-se uma vez
que os indivíduos que saem do mercado de trabalho por medo da primeira armadilha agravam
esta situação.
Transferências em espécie: são a forma mais direta e mais eficiente de proceder a redistribuições
para os mais desfavorecidos. Contudo, essas transferências a favor dos mais pobres podem gerar
problemas, como a desmotivação para trabalhar resultante do acesso a serviços gratuitos,
estigmatização e discriminação que possam acompanhar o acesso aos serviços sociais.

CAPÍTULO XIV – REDISTRIBUIÇÃO E TRIBUTAÇÃO

a) A função económica dos impostos


Impostos – são meios de arrecadação de receitas públicas através dos quais as entidades públicas
encontram cobertura financeira para as despesas inerentes às atividades que desenvolvem.
Contabilidade geracional

14
Margarida Gonçalves

É uma via que pode permitir analisar se a carga tributaria suportada por uma geração e igual face
aquela suportada por outra geração. O objetivo é de manter uma linha de igualdade. Neste cálculo
analisam-se as taxas liquidas de imposto.

A justificação económica da tributação resulta do equilíbrio entre dois valores:

• A constatação de que existe um domínio de intervenção pública indispensável ao


funcionamento saudável da economia e que é preciso financiar.
• A verificação das perdas de eficiência que aquela intervenção e o respetivo suporte tributário
necessariamente acarretam.
• A insuficiência do património do Estado para cobrir as suas despesas.

Que serviços estão associados aos impostos? Há receita pública para cobrir a despesa pública.
Sem receitas públicas, existem muitas falhas de mercado que comprometem um nível mínimo
de satisfação coletiva. P.E: os bens públicos.
A tributação causa uma retração da atividade económica e uma perda de bem-estar relativa ou
absoluta, o que leva a que, por vezes, a extensão da perda absoluta ultrapasse as receitas marginais
resultantes do agravamento fiscal – isto não ocorre se estivermos perante situações de
inelasticidade.
Um mesmo nível de oneração tributária pode provocar ineficiências – um agravamento
tributário pode ajudar no crescimento económico se reduzir o endividamento público; um
desagravamento tributário constitui um incentivo a esse crescimento, resultando num
rendimento mais líquido de imposto nas mãos do produtor e do consumidor.
Problemas da aplicação/agravamento do imposto

• A questão das perdas de bem-estar – relativas (transferíveis dos produtores ou consumidores


para o Estado) e absolutas (aquelas que, pela aplicação ou agravamento do imposto, não vão
parar às mãos do Estado porque correspondem a ações que deixaram de ser realizadas).

• Injustiça da tributação dos bens essenciais – o Estado pode aplicar impostos em mercados
onde existem maiores ou menores perdas de bem-estar. O estado está a direcionar-se para os
mercados de procura e oferta inelástica (uma vez que se tratam de bens essenciais que não
podem ser substituídos), e influencia tanto indivíduos com grandes possibilidades, como
indivíduos mais pobres, que vão ter de suportar este imposto – injustiça. Quando falamos da
tributação, estas pessoas mais pobres sofrem uma grande perda de bem-estar que se traduz
num problema de justiça.

• Dificuldade para conseguir o nível de oneração tributária ideal – é difícil sabermos em


que ponto devemos colocar a tributação, por exemplo, qual a taxa do imposto que devemos
aplicar e qual a sua justiça.

• Desigualdade no tratamento dos contribuintes – a justificação na desigualdade do


tratamento de indivíduos.

15
Margarida Gonçalves

Se existir agravamento de impostos, isso será prejudicial ao investimento. Mas em contrapartida,


indiretamente, existe um aumento do investimento do Estado, o que desencadeia uma diminuição
do défice e uma baixa das taxas de juro.

Os sistemas fiscais assentam na tributação do rendimento da riqueza nova gerada durante


um período, na despesa e no património.
Um problema da tributação global do rendimento consiste na duplicação que provoca na
tributação da poupança, desincentivando-a, seja sob a forma de património, de poupança
acumulada, ou como rendimento obtido pela remuneração do capital aforrado.

A tributação do rendimento assenta na consideração de núcleos geradores de riqueza em três


áreas:

• Tributação sobre o rendimento das pessoas singulares (família) ou coletiva (realidade


empresarial);
• Tributação sobre o consumo;
• Tributação sobre o património do agente económico.

A tributação do rendimento das pessoas coletivas demonstra que todos os impostos são
suportados, em última análise, por pessoas individuais. Esta poderá ser justificada para
simplificar os procedimentos tributários ou por razões puramente políticas, pretendendo
aliviar parcialmente os contribuintes individuais do peso dos tributos. Contudo, é necessário
desmascararmos duas ilusões de ótica:

• A ideia de que o que é pago pelas empresas parece não ser pago por ninguém em particular;
• Flypaper theory – as empresas parecem absorver essa carga fiscal sem a repercutirem sobre
os indivíduos com os quais têm relações económicas.

A tributação global do rendimento costuma vir acompanhada de uma teia de isenções,


deduções, abatimentos e benefícios que normalmente visam a consideração do rendimento
efetivo, retirando do rendimento bruto as despesas:

• Indispensáveis;
• Que correspondem às transferências em espécie a favor dos pobres;
• Cujo mérito seja tão inequívoco que a tributação abandone os propósitos da neutralidade.

Eficácia da máquina tributária – se quisermos melhorar a sua eficiência, teremos de avaliar a


máquina de acordo com certos critérios:

• Avaliação dos custos no bem-estar (avaliação prévia do impacto no bem-estar).


• Custos de acatamento e fiscalização (obriga o estado a muitas despesas para colocar muitos
controladores para verificarem se os particulares pagam os impostos) – sistema deve estar
pensado para que estes custos sejam os mais baixos possíveis.
• Custos de burocracia – a máquina tem de acartar o mínimo de custos para evitar abusos.
• O sistema fiscal deve estar pensado para evitar a complexidade da lei.

16
Margarida Gonçalves

• Aligeiramento da máquina – quanto menos impostos melhor. Mas, menos impostos implica
menos arrecação (o mercado pode produzir mais riqueza).

b) Os custos de eficiência
A eficiência de um sistema fiscal mede-se pelo nível de custos que provoca nos contribuintes,
em função de um nº de receitas, e pelas distorções da atividade económica provocadas pela não-
neutralidade do imposto.
Custos da tributação

• Custo direto decorrente dos contribuintes – é o imposto que leva a perdas de bem-estar,
uma vez que este retira, parcial ou totalmente, o incentivo que as partes possam ter para
concluírem transações.

• Custo de oportunidade inerente ao acatamento dos deveres - não é só o valor do imposto,


mas também todas as obrigações ou deveres acessórios a este mesmo imposto. Quanto maior
for o volume das obrigações, maior a quantidade de tempo que os agentes terão de despender,
não dirigindo o seu tempo para outras atividades.

Há também problemas relativamente a um maior dispêndio de recursos, o que pode colocar


em causa toda a tributação.
P.E: se a tributação for complexa e se for necessário recorrer a um profissional de tributação,
aqueles que tiverem um menor rendimento vão ser mais prejudicados – os contribuintes ricos
conseguem explorar em seu benefício essa complexidade, reduzindo a sua oneração principal,
explorando lacunas nos regimes fiscais para encontrarem “abrigos” de benefícios e isenções
em detrimento dos contribuintes maus pobres.

Existe aqui um problema de justiça e de corrupção. Para minimizar estes problemas, deve-
se diminuir a carga fiscal e impor um sistema fiscal menos complexo.

c) A justiça fiscal
A maior parte das formas de tributação do rendimento adotam a solução da progressividade das
taxas – discriminação das pessoas com maiores rendimentos, fazendo-as pagar um montante de
imposto que é mais do que proporcional àquilo que pagam aqueles que têm rendimentos menores.
A progressividade das taxas é tão praticada por se tratar de uma ideia apelativa para o “eleitor
mediano”, que muitas vezes está disposto a aceitar a pior das onerações tributárias com a ilusão
de quem há quem pague mais do que eles. É por causa desta ilusão de favorecimento de eleitor
mediano que se lança mão à tributação das pessoas coletivas, uma outra forma da tributação
profundamente ineficiente– uma pessoa singular estará sempre ligada ao pagamento do imposto.
Os acionistas suportam os impostos e os lucros vão ser tributados, retirando dividendos a estes.
P.E: na ótica dos trabalhadores, pode haver um cenário em que estes suportam a carga fiscal,
retirando-se-lhes regalias.
Existe ainda o problema da coexistência de uma redistribuição justa com os efeitos mais ou
menos desincentivadores e ineficientes de qualquer mecanismo redistributivo.

17
Margarida Gonçalves

i) Capitação, proporcionalidade, progressividade, regressividade


Taxa média vs taxa marginal

Taxa média: analisa-se a tributação que uma pessoa suportou e faz-se média com o seu
rendimento. A taxa média denota o sacrifício suportado pelo contribuinte com o pagamento dos
impostos.
rendimento total
Taxa média = total imposto
>> sacrifício do contribuinte

Taxa marginal: as variações da tributação que incidiram sobre aquela pessoa consoante a
variação do seu rendimento. A taxa marginal reporta-se aos incentivos que aumentam ou
diminuem o rendimento.
variação do rendimento
Taxa marginal = variação do imposto
>> incentivos a aumentar ou a diminuir o rendimento

Como a taxa marginal afeta os incentivos, a tributação por um montante uniforma (típica dos
impostos de “capitação” – valor fixo, em que todos pagam o mesmo) é a mais eficiente:

• Não provoca quaisquer perdas absolutas de bem-estar;


• Não envolve custos administrativos, uma vez que qualquer adulto vivo deveria a mesma
quantidade de imposto.

Apesar de ser a forma mais eficiente, a taxa de marginal desencadeia bastantes injustiças,
devido à sua regressividade.
Quando se pretende distribuir o peso total da carga tributária, são apontados vários critérios
de justiça na tributação para o fazer:

• A tributação de todos os contribuintes pela mesma soma/por soma fixa/única –


aparentemente parece injusto. Exige de todos os contribuintes o pagamento da mesma soma,
o que favorece os mais ricos e prejudica os mais pobres. Vantagens – completa ausência de
recursos administrativos porque todos sabem o que cada um vai pagar. Problema – se exigimos
a todos que se pague o mesmo, é evidente que isso coloca em causa o problema da justiça.

• A tributação proporcional ao rendimento de cada contribuinte – é utilizada no rendimento


de pessoas singulares. A taxa média é igual à taxa marginal, não havendo escalões. Todos os
indivíduos, independentemente da sua contribuição, sujeitam-se todos à mesma taxa.
Normalmente esta taxa é baixa.
• A tributação proporcional com isenção dos rendimentos mais baixos (com progressividade
limitada às classes inferiores de rendimento) – desencadeia a armadilha da pobreza (o pobre
conclui que deve ficar na condição de pobreza porque paga menos impostos).

18
Margarida Gonçalves

• A tributação com progressividade de taxas (as taxas vão aumentando mais do que
proporcionalmente ao aumento do rendimento – a taxa marginal > taxa média) – é utilizada
no rendimento de pessoas singulares. Dá a possibilidade de cada um aplicar a progressividade
que necessitar – os indivíduos que têm menor rendimento têm uma taxa mais baixa e vice-
versa. A introdução de escalões introduz problemas e dificuldades que não existiam na
tributação proporcional, nomeadamente a gestão do imposto.

• Degressividade – espécie de variante da tributação proporcional.

• Regressividade – taxas mais elevadas praticadas pelos indivíduos com menor declaração de
impostos.

O imposto progressivo consiste no aumento das taxas cobradas em função do aumento do


rendimento dos contribuintes. Do ponto de vista inverso, temos o imposto regressivo.
No sistema progressivo, existe um desincentivo ao aumento do rendimento, uma vez que isso
iria desencadear uma maior taxa. Assim, a tributação progressiva acaba por ser a menos eficiente
porque há incentivos a criar lacunas na declaração dos rendimentos.

ii) Capacidade e benefício


Capacidade contributiva – cada agente económico deve pagar um imposto de acordo com a sua
capacidade económica. A oneração dos impostos deve ser distribuída de acordo com a aptidão de
cada um para a suportar com o seu rendimento, ou seja, cada um deve sujeitar-se à oneração de
imposto e pagar com o seu rendimento de acordo com a sua capacidade contributiva
A igualdade de sacrifícios pressupõe que as situações subjetivas dos contribuintes sejam
comparáveis. Assim sendo, a capacidade contributiva remete para dois princípios:
1. Princípio da igualdade horizontal – 2 contribuintes com a mesma capacidade contributiva,
devem pagar o mesmo montante de imposto (igual rendimento líquido depois de despesas
dedutivas).
Este princípio é um pouco vago no que diz respeito ao grau de igualdade.

2. Princípio da igualdade vertical – um contribuinte que demonstre ter uma maior capacidade
contributiva do que outro, deve pagar mais impostos do que este.
Este princípio nada esclarece relativamente à adoção de uma solução concreta – isto faz com
que um contribuinte rico pague mais do que um pobre, o que pode ocorrer em sistemas
progressivos ou regressivos.

Princípio do benefício – as pessoas devem ser tributadas proporcionalmente à utilização que


fazem dos bens públicos.
Como é que se controla a utilização de cada agente? À partida, quem tem mais propriedades faz
uma maior utilização dos bens públicos e por isso, serão as primeiras pessoas a contribuir para a
preservação desses mesmos bens.
Este princípio é aquele que é unicamente aceite como legítimo para os libertários – os impostos
seriam uma espécie de preço pela proteção dos bens; mas estes impostos diminuiriam bastante se
os indivíduos prescindissem da maioria dos seus bens públicos.

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Margarida Gonçalves

d) Redistribuição e taxa plena


As graves injustiças resultantes dos custos administrativos da discriminação favorável aos
contribuintes mais ricos e da corrupção que se abriga na ilusão da tributação do rendimento real
tem levado à generalização da convicção de que muitos dos desígnios de justiça tenham sido
gravemente pervertidos.
Solução – simplificação das leis de imposto e dos deveres acessórios da obrigação tributária.
Muitos dos critérios que permitem aferir a qualidade de um sistema tributário prendem-se com a
necessidade de facilitar os esforços de acatamento por parte dos contribuintes. O aumento da
qualidade do sistema tributário através da simplificação diminuirá os custos de acatamento e os
custos administrativos.
Uma das medidas de simplificação é a do imposto de taxa uniforme/plana (flat tax) – aplica-
se a mesma taxa a qualquer montante de rendimento, desencadeando a invariabilidade da taxa
marginal (não havia desincentivo ao enriquecimento). Não se trata de um puro imposto de taxa
proporcional por se admitir uma progressividade para os escalões inferiores de rendimento (p.e:
um mecanismo semelhante ao do imposto negativo – não é verdadeiramente um imposto, mas
sim um rendimento ou benefício).
Existem variações muito pronunciadas na taxa média das classes mais baixas do rendimento
bruto, mas estas vão-se aproximando da taxa marginal fixa à medida que consideramos classes
mais elevadas de rendimentos.
A inovação surge com a eliminação absoluta, pura e simples de qualquer dedução de despesas
pessoais (com a exceção da isenção-benefício). Deveria abandonar-se qualquer propósito de
igualdade horizontal por se julgar ser mais aquilo que ganharia:

• Em custos de acatamento e administrativos;


• Em alargamento da base tributária;
• Em recurso a formas expeditas e quase impercetíveis de cobrança.
O aumento da base tributária e a diminuição dos custos administrativas desencadeava a
possibilidade de manutenção da receita fiscal (apesar de um forte desagravamento fiscal para
quem paga os impostos de taxa progressiva).
Existe depois a ideia da flat rate que nas pessoas coletivas, pode ser proveitoso para o Estado
eliminar a tributação destas. Há o problema de se estar a eliminar uma fonte de rendimento fiscal
destas pessoas, mas que poderia ser compensada com mais investimento por parte destas pessoas.
A flat tax constitui um entrave mínimo ao esforço de enriquecimento, pelo que esta via seria de
prever um aumento da riqueza tributável mais do que compensar das perdas resultantes do
desagravamento das taxas médias dos atuais contribuintes.

CAPÍTULO XV – O PROBLEMA AMBIENTAL


a) Ineficiência causada pelas externalidades

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Margarida Gonçalves

A produção de um bem ou serviço dá-se num contexto de proximidade e de interdependência


social, que faz com que os efeitos secundários comuns possam espraiar-se sobre interesses de
terceiros ou sobre interesses comuns, causando custos que dificilmente são calculados e
ressarcidos se não se tiver formado um mercado no qual se transacionam esses efeitos secundários
– externalidades.
Tem competido à Economia indicar soluções eficientes para os problemas ambientais, apontando
para os limites impostos pelos constrangimentos ambientais à atividade produtiva e para os limites
da eficácia interventiva na preservação e otimização das condições ambientais.
As externalidades são causadoras de “falhas de mercado” – elas constituem um problema
pelo facto de não existir um mercado para elas. Ou seja, elas não entram na dinâmica do mercado,
uma vez que não há “oferta” nem “procura” como no mercado normal.
Mas o facto de o problema das externalidades emergir da falta de um mercado para elas, deve
chamar-nos a atenção para o facto de esta envolver necessariamente dois lados – um causador e
uma vítima.
Na maioria das situações de conflito, não existe apenas um externalizador e uma vítima, ou um
externalizador e um beneficiário, mas sim dois externalizadores que reciprocamente impõem
custos ou se proporcionam benefícios através das decisões que tomam.
Isto implica uma relação estritamente bilateral – o poluidor não externaliza verdadeiramente
enquanto não houver pelo menos uma vítima cuja proximidade seja suficiente para constituir um
entrave ao irrestrito desenvolvimento da atividade do primeiro.

As externalidades podem ser positivas – se consistem num benefício; situações de


subprodução (abaixo do nível que otimizaria) – ou negativas – se provocam um custo; situações
de sobreprodução (acima do nível que otimizaria) –, podendo isto ocorrer tanto na produção
como no consumo.
P.E: externalidade negativa na produção – poluição sonora e atmosférica causada por uma fábrica.
Externalidade negativa no consumo – o hábito de fumar na presença de outras pessoas.
Externalidade positiva na produção – a decisão patronal para estabelecer horários diferenciados
aos seus trabalhadores.
Externalidade positiva no consumo – adesão aos serviços de uma operadora telefónica.

Na presença de externalidades, o bem-estar social e o equilíbrio de mercado deixam de


coincidir, uma vez que há interesses relevantemente afetados e que não encontram expressão
nesse equilíbrio:

• Externalidades negativas – o mercado falha na medida em que produz mais do que aquilo
que otimizaria o bem-estar social.

• Externalidades positivas – a falha de mercado consiste em se produzir menos do que aquilo


que otimizaria o bem-estar social.
Para combater as situações de sobreprodução, devemos utilizar meios que retraiam a oferta, tais
como:

21
Margarida Gonçalves

• O imposto à produção, ou agravamento sobre a produção – diminui a produção, de forma a


não haver excesso.
• O imposto ambiental – se se alterar esse comportamento, não existe imposto.
Se nas externalidades positivas o problema é produção abaixo do desejável, devemos fazer tudo
para aumentar a produção.
b) A perspetiva e o Teorema de Coase
O carácter bilateral do fenómeno das externalidades apresenta a possibilidade de uma solução
negociada, não imposta, das externalidades.
Muitas externalidades são internalizadas por práticas sociais reiteradas, por hábitos coletivamente
adotados ou proscritos. Outras externalidades podem ser internalizadas por via contratual.
Qualquer destas soluções permitiria encarar uma compatibilização dos interesses de ambas as
partes – trata-se sempre de compatibilização, exceto nos casos extremos de incompatibilidade
radical, como o das externalidades perigosas, que devem ser simplesmente eliminadas. Em
todos os outros casos, não se encara a possibilidade do sacrifício total dos interesses dos
externalizadores.
Havendo compatibilização de interesses, o contrato tenderá a fixar relações “preços-
quantidades” que se aproximam do ótimo social.

O que impede a formação de mercados é a solução espontânea, negociada, de muitos dos aspetos
relativos às externalidades é a onerosidade dos procedimentos, que resulta da existência de
custos de transação. Esta perceção está inserida no Teorema de Coase.
Segundo Ronald Coase, os custos de transação são todos aqueles em que se incorre na troca de
utilidades e na afetação comutativa de recursos, quando se busca uma contraparte, se negoceia
com ela, se preveem e supervisionam as contingências do cumprimento, etc.
Esta ideia veio permitir a alteração dos dados em que tinham assentado a justificação
microeconómica para a intervenção do Estado nos mercados.

O Teorema de Coase implica que as afetações iniciais de recursos se tornem irrelevantes num
contexto hipotético em que não haja custos de transação. Contudo, estes custos não são
irrelevantes para o mundo real, sendo bastante significativos.
Se, hipoteticamente, estivéssemos isentos de custos de transação, a solução eficiente formar-se-
ia sempre através da negociação.
Este teorema refere-se apenas à formação espontânea de um máximo de eficiência e não
necessariamente à produção do resultado abstratamente mais justo.
A atribuição dos direitos de apropriação (property rights) garante a reação espontânea do titular
desses direitos contra as externalidades negativas e facilita a identificação dos beneficiários das
externalidades positivas.
A apropriação e a existência de baixos custos de transação evitam a formação de externalidades
negativas, ou promovem a sua rápida correção.
No mundo real, existem custos de transação que dificulta na espontânea formação de soluções
eficientes para o problema das externalidades.

22
Margarida Gonçalves

Teorema de Coase – duas atividades reciprocamente externalizadoras podem chegar a um


equilíbrio através de compensações mútuas, sinalizando o compromisso entre a disposição se
suportar os custos de internalização da externalidade e disposição para suportar uma
externalidade mediante uma compensação.
O corolário de laisse-faire (deriva do teorema) é bi-direcional, uma vez que, se os custos de
transação forem baixos, o Teorema de Coase também preconiza a desintervenção do Estado no
apoio às atividades geradoras de externalidades positivas.
Só quando houver custos de transação mais elevados do que o valor das externalidades
a internalizar é que passa a fazer sentido recorrer a uma instância vocacionada para a tomada
de decisões coletivas com um mínimo de eficiência – Estado.
O Estado apresenta três vantagens:

• Assenta numa legitimidade que, sendo representativa, contudo dispensa a auscultação


individual para a solução dos problemas coletivos correntes;
• Tem um modo de funcionamento hierarquizado, pelo que uma decisão única pode ser acatada
pelos seus funcionários e agentes com um mínimo de resistência – custos de execução;
• Tem a força para impor soluções do interesse mais relevante, de acordo com critérios de
justiça e de eficiência coletivamente aceites.

Havendo custos de transação elevados, as trocas voluntárias que iriam assegurar a maximização
do bem-estar poder dar lugar a trocas involuntárias promovidas pelo Estado (uma solução
sucedânea e com riscos), mas preferível a uma ausência de trocas.
Numa economia de mercado há lugar à intervenção do Estado, desde que esta se justifique
em termos de eficiência política e jurídica – que por sua vez, se justifica pela existência de
externalidades e pela verificação de custos de transação > custos da regulação.

c) A correção das externalidades


Se existir uma ineficiência do mercado na promoção do ótimo social, dada a presença de
externalidades e verificada a impossibilidade ou ineficiência das negociações particulares no que
toca à retificação daquela falha de mercado, compete ao Estado contribuir para o aumento da
eficiência social do mercado. Pode fazê-lo através de 3 vias:
1. Substitui-se àqueles que promovem atividades externalizadoras – ele faz os seus próprios
recursos, expropria e controla o externalizador porque existem razões ponderosas que afetam
o interesse público;
Esta opção raramente se afigura como necessária, aplicando-se apenas quando se trata de
monopólios naturais (embora promovam a produção de bens e serviços socialmente úteis,
recusam-se a acatar as mais persuasivas determinações reguladoras).

2. Regulamentação das principais atividades externalizadoras – ele impõe limites máximos


ou mínimos ao externalizador, proíbe ou extingue certas práticas, estabelece diretrizes, de
forma a existir uma supervisão constante do acatamento da regulação.

23
Margarida Gonçalves

Esta opção é a mais comum, essencialmente na preservação ambiental e justifica-se quando as


considerações de eficiência e de liberdade económica devam ceder perante desígnios superiores,
como os da saúde, segurança ou da própria preservação ambiental.

Esta opção também se justifica quando o número de externalizadores é tão vasto que se torna
impossível discriminar incidências particulares, havendo a necessidade de estabelecer limites
máximos e mínimos ao nível de externalização que seja consentido, ou quando é preciso “criar
mercado” para novas tecnologias que constituam contributos para a solução do problema (contra
tecnologias obsoletas).

3. Políticas de incentivos e desincentivos económicos às atividades externalizadoras –


preserva a liberdade de iniciativa, mas incentiva-a ou desincentiva-a, através de uma
inferência no plano dos custos e ganhos que possam corresponder a essa atividade.
A principal vantagem desta opção resulta do facto de não se tratar de erradicar a produção de
externalidades, o que seria em muitos casos impossível, mas apenas de modular um grau de
externalização que compatibilize a eficiência do mercado com o bem-estar social, por
aproximações e cedências recíprocas.
As pessoas respondem de um modo previsível a incentivos, tanto positivos como negativos.

i) Impostos ambientais
Impostos pigouvianos (Alfred Cecil Pigou) – são impostos que visam internalizar as
externalidades negativas.
Na medida em que esses impostos recaiam sobre os autores dessas externalidades negativas e eles
não possam repercuti-los inteiramente sobre terceiros, eles provocarão um agravamento de custos
e, portanto, um incentivo à redução dos níveis de produção e da externalização.
Talvez não devessem ser considerados impostos porque não provocam perdas de bem-estar
nem desvios do ótimo social que podem resultar da afetação de recursos através do mercado, antes
promovem uma aproximação a esse ótimo social; são impostos na medida em que, através deles
se obtém uma receita pública ao mesmo tempo que se promove a coincidência dos valores do
custo social marginal e do benefício social marginal.

Duplo benefício: pode conceber-se que a aplicação de alguns impostos ambientais permita não
apenas alguma internalização da poluição como também a diminuição do recurso a impostos mais
suscetíveis de distorcerem os incentivos económicos para a criação de riqueza.
Os impostos pigouvianos incentivam a eficiência das atividades externalizadoras – paga-se
mais imposto quanto mais se poluir e deixa de se pagar tanto importo quando nível de poluição
for compatível com a maximização do bem-estar. As empresas mais eficientes pagarão menos
imposto do que as demais, até que fiquem isoladas aquelas empresas menos eficientes que
continuarão a poluir acima do nível socialmente ótimo e a pagar por isso.
Assim, em vez de todos continuaram sujeitos à mesma oneração e custos (como sucedia na
regulação), os produtores ficarão tanto menos onerados quanto mais eficientes forem – o

24
Margarida Gonçalves

incentivo consistirá na poupança fiscal que corresponde à adoção de medidas eficientes de


diminuição da externalização negativa.

De acordo com uma perspetiva coaseana, os impostos pigouvianos são essencialmente


preços associados à atribuição inicial de um direito a poluir – preços que surgem e se agravam à
medida que uma atividade ultrapassa o nível ótimo de externalização negativa.
Sendo assim, abre-se a possibilidade da regulação refletir uma maior flexibilidade, que
permita incentivar a eficiência, premiando os progressos tecnológicos que permitam reduzir a
poluição a baixo custo (a um custo inferior ao imposto pigouviano), tornando vantajoso optar
pelo investimento em inovação – isto pode alcançar-se se se recorrer a formas de regulamentação
através de licenciamento (atribuição a cada poluidor de uma quota máxima permitida) associado
a livre negociabilidade das quotas atribuídas.
Num contexto de plena negociabilidade de quotas e no pressuposto de os custos de
transação não serem elevados, pode-se aplicar o Teorema de Coase e concluir que a atribuição
inicial de quotas não é condicionante de um resultado eficiente.
Poderá questionar-se se em termos puramente económicos a questão da poluição e da qualidade
ambiental não é extremamente redutor. Trata-se somente de reconhecer um facto inerradicável de
toda a vida económica – a geração de externalidades negativas.

d) Bens públicos e recursos comuns


A natureza dos bens públicos e dos recursos comuns torná-los-ia insuscetíveis de análise
económica – se o seu consumo não é exclusivo ou competitivo, então a escassez parece que não
os atinge, não havendo lugar para que estes sejam procurados e trocados num mercado, não sendo
estes sujeitos ao mecanismo da afetação e otimização de preços.
Na falta de sinalização que os preços propiciam, a otimização de que o mercado é capaz fica
irremediavelmente comprometida, por mais sucedâneos que se tente encontrar para aos preços do
mercado – sem preços, temos inevitavelmente uma falha de mercado, ou mesmo, no limite,
uma ausência de mercado.

Bens públicos – são casos extremos de externalidades positivas. Eles não são passíveis de
exclusão (ninguém consegue ser eficientemente afastado da fruição direta e integral do bem) e
não são passíveis de rivalidade ou exclusividade no uso (as outras pessoas podem retirar tantas
vantagens como aqueles que desfrutaram desses bens em primeiro lugar).
P.E: um candeeiro – se disséssemos que só as pessoas com mais de 1,5m poderiam usufruir deste,
iriamos estar a limitar a sua utilização.

Bens privados – são bens que são passíveis de exclusão e sofrem exclusividade ou rivalidade na
sua utilização.
P.E: é fácil excluir alguém do uso de um par de sapatos que seja nosso.

Bens semipúblicos – bens que partilham uma das características, mas não partilham a outra.
Podem ser:

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Margarida Gonçalves

1. Recursos comuns/bens coletivos – bens que não são suscetíveis de exclusão, mas sofrem
rivalidade/exclusividade com o seu uso.
P.E: a maioria dos recursos piscícolas.

2. Monopólios naturais/bens de clube – bens que não sofrem rivalidade/exclusividade com o


seu uso, mas são suscetíveis de exclusão.
P.E: rede telefónica fixa.

Em absoluto rigor conceptual, um bem público puro seria aquele em relação ao qual, para além
de se verificar a impossibilidade de exclusão, o custo marginal de proporcionar o seu gozo a mais
um utente seria zero.
Uma mesma externalidade pode afetar terceiros de formas tão diversas como desigualmente
importantes.

A utilização dos bens públicos e os recursos comuns não são suscetíveis de uma exclusão
eficiente, o que, por um lado, retira o incentivo à produção de bens públicos e por outro, não
coloca um travão à degradação dos recursos comuns. Em ambos os caos, a ausência de mercado
pode gerar resultados ineficientes a reclamarem a intervenção retificadora do Estado.
O problema essencial que determina a falha de produção dos bens públicos é o efeito de
boleia – as características do bem público tornam racional, para cada um, esperar pela respetiva
produção pelos demais, para depois retirar benefícios da sua existência sem ter de suportar os
custos correspondentes. Apesar dos benefícios totais poderem exceder em muito os custos totais,
a falta de produção do bem prejudicará todos. O benefício total dilui-se pelo nº de beneficiários
potenciais, enquanto que o custo total poderá vir a recair inteiramente sobre um só.
P.E: exemplo do candeeiro – uma pessoa pode tomar a iniciativa de promover por ela mesma a
colocação de um candeeiro que alumia a via pública; o candeeiro e a sua instalação custaram 500
euros e o dispêndio de energia é de 100 euros por ano e essa pessoa propõe uma repartição das
despesas aos seus vizinhos. Aquele que tenha a perceção do que irá suceder não tem a iniciativa
de custear a instalação do candeeiro e esperará que outro o faça. Como a externalidade positiva
excede em muito o benefício privado de uma iniciativa dessas e a internalização dessa
externalidade positiva não é viável por qualquer meio óbvio, essa iniciativa deixa de ocorrer,
ficando muito aquém daquilo que poderia ser uma medida de otimização do bem-estar social.

e) O financiamento dos bens públicos


Aceitar-se que cabe ao Estado providenciar a produção de bens públicos coloca outro problema
que consiste na dificuldade de determinação de prioridades na produção daqueles bens e de
fixação dos níveis quantitativos adequados.
Na ausência dessa sinalização de preços, os planificadores estaduais produzem uma certa
quantidade com base na “análise custo-benefício” – comparação de estimativas entre o custo
total que uma determinada decisão comporta para uma sociedade com os ganhos totais que essa
decisão traz para potenciais utentes. Desta análise resultam os preços sombra – preços não-
pecuniários que correspondem a uma avaliação de custos e benefícios num contexto em que não
há preços espontaneamente fornecidos pelo mercado.

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Margarida Gonçalves

Na ausência do mecanismo de preços, poderia recorrer-se a um inquérito a todos os potenciais


interessados na decisão de produzir, mas cair-se-ia num vício – as pessoas não são penalizadas
pelas suas preferências declaradas, tendo poucos entraves à insinceridade das suas declarações.
Para além disso, existem dificuldades adicionais, nomeadamente o facto de muitos valores que
devem ser salvaguardados através de bens e serviços públicos não são suscetíveis de
contabilização fácil.
As decisões concretas reclamam a ponderação de custos e benefícios adicionais resultantes
de cada uma das alternativas.

f) Esgotamento e apropriação dos recursos comuns


Ao contrário do que acontece nos bens públicos, existe rivalidade no uso dos recursos comuns,
suscitando-se problemas na gestão desses recursos, uma vez que o seu uso por uns pode obstar ao
seu uso por outros e pode haver abuso desses recursos – qualquer um pode tirar partido do acesso
irrestrito a esses recursos e maximizar o seu uso, criando para os outros um facto consumado de
externalização negativa.
Este problema é abordado através da tragédia dos baldios (resultante do esgotamento dos recursos
comuns devido à saturação do seu uso). P.E: imaginemos que temos uma vasta área dedicada à
pastagem e esta vai ser utilizada por vários pastores. Inicialmente, aquela área até poderia ser
configurada como um bem público. Mas se existir um aumento do nº de pastores que utilizem
esse bem público, esse transforma-se num recurso comum.
Quando existe um recurso comum, todos têm incentivos para o explorar, mas ninguém tem
incentivos para cuidar deles. P.E: se todos estes pastores podem retirar benefícios da utilização
desses recursos comuns, eles não têm qualquer incentivo para realizarem a manutenção desses
mesmos recursos; se a hipótese for o desaparecimento daquele recurso, os agentes terão incentivos
para financiar a manutenção de outros recursos.
Nesta situação, pode ocorrer um esgotamento dos recursos comuns e um empobrecimento
coletivo (tragédia dos baldios). Para que isto ocorra tem de existir uma divergência entre a
perspetiva individual e a coletiva.
Cada proprietário de rebanho minimiza os seus custos porque em larga medida os externaliza para
os recursos comuns, não se apercebendo que está a caminhar para a destruição do seu próprio
sustento.
O que justifica a propriedade privada é essencialmente o ganho de eficiência que com ela
se consegue relativamente a situações de propriedade comum ou de não-apropriação.
Neste caso, a falha de mercado reclama a intervenção coordenadora do Estado (através
de proibições estaduais ou limitações das quantidades capturadas) para que a tragédia não ocorra
em detrimento do interesse coletivo e posteriormente, em detrimento do interesse individual – é
com essa disciplina pública que se espera contrariar a taxa social de desconto que acelere a
exaustão dos recursos e evitar a sobrevalorização de valores futuros em detrimento de benefícios
económicos presentes, evitando então a tragédia do esgotamento de alguns recursos comuns
como:

• A qualidade ambiental – evitando formas de congestionamento com as principais


atividades externalizadoras;
• A sustentabilidade da exploração dos recursos renováveis (recursos piscícolas ou
venatórios);

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Margarida Gonçalves

• A manutenção de reservas de recursos não-renováveis (fontes de energia).


Contudo, nem tudo se resolve privadamente e nem sempre existem meios privados que permitem
impor eficientemente a exclusão do acesso e do uso, pelo que os problemas de coordenação e
de coercibilidade continuarão a reclamar a presença interventora e optimizadora do Estado.
Outra forma de resolver este problema seria, segundo Coast, através da atribuição de
direitos de apropriação aos agentes económicos (ficariam mais preocupados com a manutenção
dos recursos). Mas será que esta “solução” poderia resolver o problema da subprodução de
recursos?
A atribuição desta propriedade de recursos pode não levar à garantia da sustentabilidade
dos mesmos. Podem existir discrepâncias entre a taxa individual de desconto e a taxa social de
desconto (a taxa de desconto permitiria uma melhor sustentabilidade dos recursos), uma vez que
a taxa individual de desconto seria superior. Isto leva a que o agente económico seja conduzido
à exploração dos recursos no presente e deixe de querer saber do direito de apropriação e da
manutenção que deveria ter com esses mesmos recursos.
P.E: um proprietário de um recurso não renovável pondera o momento ideal de exploração desse
recurso e conclui que daqui a 50 anos terá um valor muito elevado, superior ao seu valor no
presente. A taxa social de desconto é relativamente baixa, valendo a pena esperar os 50 anos;
contudo, a taxa individual de desconto ultrapassa a primeira, justificando-se um eventual
sacrifício da propriedade privada aos desígnios da preservação ambiental.
Também existe um problema relativamente ao cumprimento das metas estabelecidas pelos
vários Estados envolvidos e à sua vinculação.
Se um Estado não cumprir com determinadas obrigações estabelecidas, o que se deve fazer? Se
um estado decidir abandonar essas obrigações, será que pode fazê-lo? O grande problema é
perceber qual a estratégia dominante. Neste caso, se todos os restantes países estivessem a
cumprir com as regras do acordo, a estratégia dominante poderia ser o não cumprimento das
obrigações, o que traria benefícios.

g) Crescimento e qualidade ambiental


Julian Simon sustenta que o crescimento económico e a expansão demográfica são suscetíveis
de induzir uma evolução tecnológica capaz de resolver muitos problemas ambientais.
Curva de Kuznets Ambiental (em forma de U invertido) – é uma espécie de curva de Kuznets
aplicada à proteção ambiental. Um maior crescimento económico poderia levar a uma maior
proteção ambiental, mas a partir de um certo momento, a proteção ambiental seria posta em causa
pela tecnologia.
Numa primeira fase do crescimento, a poluição tenderia a
crescer mais rapidamente do que o nível de produção (p.e:
numa fase de intensa industrialização), até se chegar a um
cume a partir do qual a poluição desceria, chegando
mesmo, numa fase de máximo desenvolvimento (p.e:
evolução da industrialização para a predominância de
uma economia de serviços), a níveis de poluição inferiores aos da fase inicial de maior pobreza.

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Margarida Gonçalves

De certa maneira, a hipótese dessa curva inverteria a convicção comum sobre o combate à
poluição; ao contrário desta convicção (que defende que esse combate depende de uma
determinação política prévia), é a evolução tecnológica que torna evidente o custo social da
persistência nas opções mais poluentes.

CAPÍTULO XVI – A INTERVENÇÃO DO ESTADO E A ESCOLHA PÚBLICA


a) Ineficiência e captação de renda
A intervenção do Estado tem como objetivo combater as ineficiências e injustiças que resultam
do funcionamento dos mercados imperfeitamente concorrenciais e combater as desigualdades, as
externalidades, o abuso de bens públicos.
A concorrência imperfeita tende a causar o desvio de meios para fins improdutivos (como
aqueles que são exigidos pela conquista e preservação de rendas económicas através de atividades
de captação de renda) por duas razões:
1. Há uma restrição das quantidades – o preço excede o custo marginal, e torna-se possível
aumentar a produção e o bem-estar dos consumidores, sem comprometer a obtenção de lucro
pelo produtor, ou seja, há uma transferência do bem-estar dos consumidores para os
produtores devido ao aumento do preço.
Por outro lado, ocorrem perdas absolutas de bem-estar (deadweight losses), representadas
pela quantidade de transações que deixam de ocorrer devido ao aumento do preço ou pelo
facto de os consumidores terem uma menor disposição para pagar pelo produto devido a
estarem a consumi-lo num mercado de concorrência imperfeita (e não num mercado de
concorrência perfeita).

2. Existe a perda de incentivos de competitividade – uma empresa com poder de mercado


capaz de sustentar lucros extraordinários no longo prazo não sente a mesma pressão para
reduzir os seus custos médios e adotar novas tecnologias, uma vez que o mercado não ameaça
a erosão rápida dos seus lucros.

A intervenção do estado junto dos mercados orienta-se para duas áreas particulares – ou para
o contexto em que um ou alguns empresários presentes no mercado resolvem seguir a captura
de renda; ou para as situações de monopólios naturais.
A captação de renda (rent-seeking) é todo o esforço de desvio, para proveito próprio, de
uma remuneração que deveria ser direcionada para a procura de produção. Os consumidores não
ganham nada; os produtores ficam com uma renda líquida. Essa captação realiza-se através da:

• Compra de direitos exclusivos ou de atividades protegidas por barreiras anti-concorrenciais;


• Pressão sobre os poderes políticos e jurídicos, no sentido da criação desses direitos e
proteções (lobbying, corrupção).
Como o mercado de captação de renda não está protegido por barreiras de entrada, pode haver
uma forte pressão concorrencial e muitos recursos sociais são despendidos no esforço da
captação de renda; mas esta pressão concorrencial gera um equilíbrio nesse mercado – uma
subida de preços que contrabalança os ganhos extraordinários que constituem essa renda
económica, aumentando os custos fios de captação, até não haver mais lucro económico.

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Margarida Gonçalves

Esse equilíbrio de rent-seeking tem repercussões no mercado, havendo uma perda absoluta de
bem-estar típica do monopólio e uma perda absoluta de bem-estar resultante dos custos da busca
e captação de rendas económicas.

b) O problema do monopólio natural


Monopólio natural – a imperfeição da concorrência é inevitável e não se traduz em qualquer
perda de eficiência face à situação de mercado de que ela emerge.
O monopólio natural surge quando é possível a um produtor saturar o mercado, satisfazer toda
a procura ao preço de equilíbrio, quando os seus custos médios são ainda descendentes, quando
não foi ainda atingida a escala mínima de eficiência.
Neste caso, a exigência de que o monopolista natural imitasse a atitude dos price takers, fixando
o preço ao nível do custo marginal, prejudicaria o produtor. Isso dificulta a intervenção
supervisora ou reguladora do Estado quanto a possíveis abusos da posição em que o monopolista
natural se coloca.
Uma das possíveis formas de relacionamento com os monopólios naturais seria o da atribuição
de subsídios maciços em compensação pela imposição de preços próximos do custo marginal –
mas o que os consumidores ganhassem em bem-estar iam perder em impostos necessário.
Por esta razão, o Estado tende a lidar com situações de monopólio natural por outras vias:

− A apropriação estadual dos monopólios naturais – suscita problemas relativos à eficiência


produtiva do setor público, que são resolvidos através da criação de entidades autónomas
dotadas de dinâmica empresarial, ou através da concessão da exploração desses monopólios a
produtores privados, ainda que sob supervisão estadual.

− A regulação – permite que a propriedade de monopólios naturais permaneça em mãos


privadas, sujeitando-se a que o monopolista fixe o preço mais baixo possível, o preço mínimo
compatível com a rentabilidade do monopolista, ou seja, um preço que tenda a aproximar-se
do custo médio, deixando alguma margem de lucro (mas esta não corresponde ao lucro do
monopolista).
Contudo, esta solução apresenta dificuldades, uma vez que o monopolista pode manipula a sua
curva de custos médios e fixar preços elevados, disfarçando a captação de renda sob a capa de
simples recuperação dos custos.

Por outro lado, o monopolista também consegue “captar o regulador”:


❖ Convencendo-o a adotar a sua própria perspetiva relativamente ao interesse público;
❖ Colocando-o em situações de assimetria informativa, confiando o regulador nos dados
que são apresentados pelo produtor;
❖ Criando uma relação de amizade e cumplicidade;
❖ Recorrendo à corrupção, ao aliciamento;
❖ Tentando infiltrar-se na entidade supervisora.

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Margarida Gonçalves

− A desregulação como forma de manter a pressão e a contestação do mercado.


Existem vários argumentos a favor desta solução.
Em primeiro lugar, a aparente invulnerabilidade do monopolista desmorona-se se ele tentar
cobrar preços muito superiores aos seus custos médios. Depois, porque a desregulação permite
a entrada de concorrentes que podem estar tecnologicamente mais “desenvolvidos” do
que o monopolista natural, e por isso baixam os custos e a obtenção de economias de escala,
causando danos aos monopolistas naturais.

− A concorrência potencial ou efetiva – permite desmascarar as áreas para as quais o


monopolista natural tenha tentado alastrar o seu poder de monopólio, mas que não constituem
verdadeiramente monopólios naturais.
P.E: o concessionário que presta serviços telefónicos numa rede fixa tem o monopólio natural
– a rede fixa –, mas isso não o autoriza a cobrar preços de monopólio nos próprios serviços,
uma vez que estes podem ser prestados em termos concorrenciais – nestes casos o Estado deve
desregular, “criando mercado” concorrente à prestação de serviços telefónicos.

c) Regulação
A teoria económica da regulação – controlo da entrada ou saída dos preços do mercada, da
extensão do domínio de atividade de empresas concorrentes, de questões de qualidade produtiva
ou ambiental – pode-se considerar como um subcapítulo da teoria da escolha pública.
Assim, considera-se que existe um mercado da regulação, no qual:

• Os agentes económicos privados procuram a regulação através do pagamento de votos,


da troca de favores, de contribuições para os partidos, ou do pagamento da corrupção, se
entenderem que o excedente de bem-estar daí resultante for elevado.

• Os políticos e os burocratas oferecem regulação, motivados pelo escopo de maximização


dos benefícios percebidos pelo “eleitor mediano” e pela possível captação orçamental por
parte das estruturas burocráticas que têm a seu cargo.

Numa situação de equilíbrio no mercado da regulação, haveria uma maximização do bem-estar


das trocas reguladas, mas ninguém teria incentivos para utilizar recursos adicionais porque a
alteração de uma situação de regulação desencadearia uma série de custos que os agentes
económicos não estariam dispostos a suportar.
Em resultado de uma licitação entre produtores e consumidores pelo “bem único”, existe a captura
do regulador pelos produtores, passando a estabelecer-se o equilíbrio num ponto de maximização
do produtor (do seu lucro).
Só depois da desregulação da atividade em vários setores é que se percebeu que a regulação ou
lesava ambos os lados do mercado de regulação, ou beneficiava um dos lados à custa do outro;
com a desregulação obtinha-se preços mais baixos e lucros médios mais elevados.
É de prever que ocorra uma “captura do regulador” sempre que, no “mercado da regulação” a
oferta seja menos atomística do que a procura – maior eficiência na pressão e no aliciamento, na
substituição de votos por financiamento dos políticos e dos burocratas reguladores.

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Margarida Gonçalves

A regulação permite a adoção de esquemas de incentivos, como o do estabelecimento de um preço


máximo invariável (price cap) que permitisse ao produtor regulado obter lucros extraordinário na
medida em que conseguisse baixar a sua escala de eficiência ou da limitação automática dos lucros
através do abaixamento dos preços – se um determinado montante de lucros fosse atingido, o
produtor seria obrigado a baixar os preços, aumentando o excedente do bem-estar dos
consumidores.

d) Preservação da concorrência
Algumas das iniciativas anti-trust são autênticas imposições de um nível mínimo de concorrência
a que politicamente se recorre quando a presença de incentivos é insuficientemente estimuladora
da concorrência e dissuasora do uso e abuso de poder de mercado por parte dos produtores.
Para saber se existe domínio de mercado, uma das dificuldades apresentadas é a de definir as
fronteiras do mercado relevante – dificuldade em estabelecer a fronteira entre a diferenciação de
produtos num mesmo mercado e, por outro lado, entre a situação de coexistência de tantos
mercados.

e) A escolha pública
Existem diversas razões pelas quais o Estado pode intervir na economia:

− A promoção de eficiência comprometida por falhas de mercado – imperfeições


concorrenciais, abusos de poder económico, assimetrias informativas;
− A disparidade entre a eficiência e o bem-estar social – é causada por externalidades quando
a existência de elevados custos de transação impede a solução privada;
− A injustiça das preferências dos consumidores ou das regras distributivas – conduzem
tanto à subprodução de bens de mérito, como a sobreprodução de males de mérito,
desencadeando desigualdades de riqueza para lá das fronteiras do socialmente aceitável.
Contudo, a multiplicação de falhas de intervenção do Estado reclama uma ponderação adequada.
James Buchanan e Gordon Tullock são os autores da teoria da escolha pública – estuda os
modos de agir do Estado. Esta teoria apresenta uma desvalorização desencantada dos
arrebatamentos ideológicos relativos à existência e à necessidade de uma “vontade geral”
que pretende o “bem comum”, encarando o fenómeno político como uma confluência de
interesses particulares irreconciliáveis, que o Estado se limita a gerir marginalmente através do
estabelecimento de escalas de preferências neutras a quaisquer valorações prévias.
A teoria da escolha pública liga a ciência económica (porque há cenários económicos que
requerem a intervenção do estado) e a ciência política.
A base ideológica da “escolha pública” é essencialmente libertária (defensora da propriedade
privada e da justiça procedimental dos mercados).
O ceticismo com que a “escolha pública” encara o fenómeno político resulta do facto de não
existir uma solução espontânea que promova de forma eficiente o bem-estar coletivo, pelo que
o esforço da decisão coletiva resulta de custos de interdependência (custos de persuasão e custos
externos) que não se equilibram da forma adequada.

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Margarida Gonçalves

Os custos de persuasão são aqueles em que é preciso incorrer para que os grupos de interesses
transijam e apoiem o programa político que pode não ser inteiramente conforme os interesses
genuínos (a compra de votos, a troca “caciquista” de favores, a chantagem política em véspera de
eleições). Estes custos serão tanto maiores quanto maior for a heterogeneidade populacional e a
independência dos grupos de interesses.
Os custos externos são aqueles em que alguns votantes incorrem por se encontrarem do lado
minoritário daas decisões que acabam por ser tomadas. Estes custos serão tanto maiores quanto
mais vitais forem os interesses sujeitos a um processo de decisão coletiva.
Maior a insatisfação de uma atividade governativa > maiores custos de persuasão e
menores custos externos.
A eficiência da escolha pública verifica-se quando os benefícios advindos da produção
pública superam o total dos custos da interdependência, pelo que, na perspetiva da escolha
pública, a produção pública deve prosseguir e apresentará vantagens sobre a privatização,
somente no caso de existir uma faixa maioritária de votantes para os quais os custos de
interdependência são menores do que os da produção privada os mesmos bens e serviços.
Por essa razão, a legitimação da produção pública deverá assentar numa base eleitoral
amplamente representativa e expressiva, sob pena de os baixos custos de persuasão serem
compensados pelos elevados custos externos.
Uma principal dificuldade inerente à atuação do Estado assenta no facto de esta resultar de
uma escolha pública e não de uma mera opção individual – o comportamento do Estado reflete
os interesses e escolhas de um grande número de pessoas, pelo que a possibilidade de formação
de uma escala de preferências fica bastante comprometida no plano coletivo.
Suponha-se uma situação democrática na qual o voto é decisivo para serem tomadas opções. Se
se tratar de decidir em que grau uma opção prevalece sobre outras, a teoria do eleitor mediano
prevê que será a posição mediana que prevalecerá numa decisão democrática.
P.E: imagine-se uma biblioteca que é dirigida por um órgão coletivo composto por 11 membros
e que se tem de decidir o orçamento para a compra de livros no próximo ano.
5 membros optam por gastar 100 mil euros ou mais; outros 5 membros opõem-se a gastos
superiores a 90 mil euros; existe 1 membro a ocupar uma posição intermédia, preferindo um nível
de gastos nos 95 mil euros. Em princípio, é esta a posição dos 95 mil euros que prevalece.
O votante mediano consegue decidir sempre a seu favor as votações em alternativa e os dois
grupos opostos não têm alternativa para vencer a votação a não ser se se aproximarem da posição
do votante mediano.

f) Votação e indecibilidade
A teoria do votante/eleitor mediano explica porque é que as democracias tendem para a
bipolarização partidária e porque é que os dois partidos que vão alternando no poder tendem a
convergir para posições centrais – quanto mais cada um desses partidos se afastar de uma posição
central, mais se arrisca a concitar contra si maiorias de oposição (Harold Hotelling).
Assim sendo, o partido democrático que assegura os melhores resultados eleitorais é aquele que
mais se aproxima do apoio de 50%, evitando a formação de intervalos de decisão que permitam
a captação pelo eleitor mediano.

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Margarida Gonçalves

A ideia da prevalência do votante mediano resulta de duas observações:

• A restrição de preferências tene a concentrar os votos em torno de valores centrais;


• Os partidos políticos maximizadores e votações tomarão por alvo o eleitor mediano, se puder
haver programas demarcados e se as preferências dos eleitores puderem ser identificadas.

Contudo, este bipartidarismo e a importância dada ao eleitor mediano poderão ser colocadas
em causa no cenário em que o equilíbrio de forças que se verifica nas opções extremas deixe de
ocorrer – se uma dessas opções for apoiada por um número significativo de eleitores.
Existem outros casos nos quais esta teoria pode ser posta em causa:

• Ela será inadequada para justificar as decisões eleitorais que tenham como finalidade os
efeitos distributivos da atuação do Estado (p.e: a tributação). O eleitor mediano, muitas vezes
tem uma maior capacidade económica do que outros agentes económicos na mesma sociedade,
pelo que poderá enfrentar uma maior carga tributária.

• Se o eleitor mediano pode influenciar as decisões e com isso aumentar o bem-estar da produção
de bens públicos, ele conseguiria captar um máximo de informação possível e com isso,
sustentar as suas decisões da melhor forma.
Mas, muitas vezes, ele não consegue captar um voto com uma informação exaustiva – mesmo
que, à partida, houvesse a possibilidade deste eleitor obter uma informação eficiente, ele
poderia não reconhecer a importância do seu voto (por falta de consciencialização, por
ignorância racional).

Paradoxo do voto – a escolha política e o processo de tomada de decisão pública muitas vezes
não assentam numa graduação clara e cristalina das diversas opções e ponderações que estão em
jogo. Estamos, portanto, perante situações complexas sobre interesses muito difusos que podem
alterar a visão política, pelo que o voto deveria ser o mais difícil para explicar esta graduação de
preferências por parte dos eleitores e dos decisores.
Ou seja, a legitimação através do voto pode impedir a formação de opções coerentes e estáveis,
uma vez que um voto maioritário pode impossibilitar a chegada a uma preferência agregada
a partir de preferências estáveis dos votantes.
Temos aqui uma indecidibilidade que permite a comparação de pares de preferências, mas não
permite o escalonamento dessas preferências num todo agregado que denote a vontade geral.
Kenneth Arrow tentou solucionar este problema, apresentando o teorema da impossibilidade,
no qual defende que, para que não se caia nesta indecidibilidade sempre que esteja envolvida mais
do que uma simples alternativa binária, é preciso haver um votante decisivo – ele acaba por ter
poderes ditatoriais, pelo que os resultados seriam perfeitamente manipuláveis, não
representando as preferências reais dos votantes.
Assim, a dificuldade de se encontrar unanimidade e de a preservar contra oportunismos
estratégicos, torna inevitável o recurso a regras maioritárias – mas estas regras estão sujeitas a
paradoxos de voto, inconsistências coletivas resultantes do agrupamento de preferências
individuais consistentes, o que pode resultar num círculo vicioso ou permitir completas
distorções sempre que haja mais do que duas escolhas.

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Margarida Gonçalves

g) Os grupos de interesses
Existe outra dificuldade inerente à atuação do Estado. A atuação política raramente se norteia por
uma ponderação objetiva e igualitária dos interesses em presença, antes se desvia para o
favorecimento de interesses particulares.
A redução do Governo a mero gestor inigualitário dos interesses particulares resulta das
atividades de captação de renda dos grupos organizados que, a troco de apoios financeiros
concedidos à classe políticos, obtêm ganhos extraordinários à custa da eficiência do mercado – é
essa a principal razão pela qual as propostas de reforma fiscal suscitam tanta agitação política;
por cada um desses grupos procura maximizar, no mercado dos fatores políticos, os ganhos
permanentes que qualquer regime de exceção tributária pode assegurar.
Mas como é que pequenos grupos de interesses conseguem ser tao eficientes em termos de
captação de renda? A resposta baseia-se no efeito de boleia – quanto menor for o grupo, maior é
a parte do benefício que acresce àqueles que tomam iniciativa de pressionar o grupo e vice-versa.
A teoria da escolha pública concebe que a atuação do Estado se assemelha ao funcionamento do
mercado político, composto por:

• Procura – composto por votantes que manifestam as suas preferências através do voto, da
pressão dos lobbies, dos contributos financeiros para os partidos, da troca de favores e da
corrupção ativa.
• Oferta – composto por:
− Políticos motivados pela maximização do seu lucro (maximização dos votos e dos ganhos
políticos);
− Burocratas que maximizam o seu lucro, tentando captar o máximo de dotações orçamentais.

h) Limitações orçamentais
Quando falamos da atuação pública, esta poderá ser conduzida ao facto de intervenção pelas
próprias limitações procedimentais que estão ao redor da tomada da decisão pública:

− Critério da legalidade – a decisão pública tem de respeitar determinados procedimentos


complexos e rígidos que estão subordinados à legalidade.
− A dificuldade de um agente, a longo prazo, subjacente à atividade pública – a atuação política
é feita num prazo relativamente curto (prazos eleitorais), pelo que dificilmente se vai orientar
para um longo prazo.
− As regras de anualização orçamental podem dificultar o lançamento de uma iniciativa que
requere investimentos iniciais muito vultuosos, que ultrapassam aquilo que esta disponível
para um ano.
− As assimetrias informativas que resultam a própria dimensão do Estado.

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