Você está na página 1de 7

Laert Nascimento Araújo <laertaraujo@gmail.

com>

A ilusão do "Novo Mercado"


Ricardo Schweitzer <contato@schweitzer.com.br> dom., 15 de out. 20:41
Responder para: Ricardo Schweitzer <contato@schweitzer.com.br>
Para: <laertaraujo@gmail.com>

View this email in your browser

15/10/23

A ilusão do "Novo Mercado"

Triste coincidência

A Caixa de Pandora do mercado financeiro foi aberta em 2023. Problemas


entre controladores e investidores minoritários sempre existiram, infelizmente.
Mas, particularmente neste ano, ficou nítido como a governança nas empresas
de capital aberto ainda é fraca e insuficiente para fazer resguardar os
interesses os pequenos. Inúmeros episódios recentes carregam indícios de
favorecimento de determinados acionistas em detrimento de outros.

Temos casos como o da Eletromídia (ELMD3), onde foi feita uma alteração-
relâmpago do estatuto para beneficiar a Globo, permitindo que o conglomerado
de mídia aumentasse sua participação na empresa a toque de caixa, sem que
os demais acionistas sequer soubessem os termos da transação anteriormente
firmada com o acionista controlador. A medida privou investidores minoritários
de vender os seus papéis com prêmio em relação ao preço de mercado.

Houve também o embate entre minoritários e a holding imobiliária Nexpe


(NEXP3), antiga BR Brokers. Pouco antes de pedir recuperação judicial, a
empresa levantou empréstimo junto a seu acionista controlador, o fundo
Cerberus Capital Management, dando como garantia as quotas de participação
na única empresa saudável do grupo – a Credimorar. Enquanto o controlador
reservou a empresa saudável para si, os minoritários sofreram fortes perdas ao
se deparar um uma empresa esvaziada.

Para completar o leque de absurdos, temos o caso da Mitre (MTRE3), que


recentemente queimou sua reputação no mercado em apenas um dia,
aprovando quase na marra em seu Conselho a aquisição de imóveis de
propriedade do acionista controlador cujas características fogem
completamente do escopo de atuação da empresa.

Não podemos esquecer também do polêmico caso da GetNinjas (NINJ3): dois


anos após ter feito IPO, o CEO e fundador decidiu devolver quase todo o caixa
aos acionistas por meio de uma redução de capital. Mas não se engane: o
próprio CEO seria francamente beneficiado com a operação. Após ter
embolsado pouco mais de R$40 milhões entre ações vendidas no IPO e a
remuneração por seu cargo executivo desde então, Eduardo L’Hotellier, levaria
mais R$42 milhões para casa. Dinheiro injetado na empresa por acionistas
minoritários, que para ele esperavam melhores destinações do que o bolso do
fundador.

Além de serem casos de deixar a qualquer um boquiaberto, todos esses


episódios têm algo extremamente desconfortável em comum: Eletromídia,
Nexpe, Mitre e GetNinjas são todas empresas originalmente listadas no
famigerado Novo Mercado da B3.
Falácias para encobrir preguiça
Parece uma contradição que tantos escândalos e abusos de minoritários
tenham sido gestados em um grupo tão seleto da bolsa. A realidade é que,
embora o Novo Mercado represente avanços na governança corporativa, é um
erro acreditar que estas medidas se traduzem em um nirvana corporativo onde
não existem mais problemas.

Faço uma analogia com o cinto de segurança: no passado o seu uso era
facultativo, atualmente é obrigatório usar o cinto, o airbag e o freio ABS, mas
continuam existindo acidentes e vítimas. Da mesma forma, mesmo com as
exigências do Novo Mercado, minoritários continuarão sendo lesados.

Outra falácia do mercado é o famoso tag along – direito que o acionista


minoritário tem de vender sua participação pelo mesmo preço e condições que
o acionista controlador em um cenário de alienação de controle da companhia.
Na teoria, muito bonito, mas na prática as já usaram de diversas artimanhas
para burlar tal obrigatoriedade.

Na mesma direção vai a turma que acredita que “sócio é ON” – ou seja, que a
detenção de ações ordinárias garante alguma proteção adicional em relação
às preferenciais. Pois bem, meus amigos: todos os casos que trago nesse
artigo envolvem empresas cuja base acionária é exclusivamente ON.

No final do dia, todos esses jargões apenas encobrem uma enorme preguiça
de fazer o trabalho de verdade: averiguar a real eficácia das estruturas de
governança das empresas e o histórico de conduta dos envolvidos. E ressalto:
esse trabalho mitiga riscos, mas também não representa garantia de
absolutamente nada.

INVESTINDO NAS EMPRESAS MAIS SÓLIDAS DO PAÍS

Em meio a tantas opções duvidosas, temos uma seleção


de empresas com bom histórico no trato com o minoritário -
inclusive na sua remuneração na forma de dividendos.

QUERO INVESTIR EM DIVIDENDOS

A culpa também é sua

Ter uma transformação significativa na governança das empresas listadas


requer um esforço conjunto da sociedade, da CVM, dos agentes de mercado e
investidores. Mas isso não exclui a possibilidade de que os minoritários tenham
certas posturas para fugir de situações abusivas, onde o elo mais fraco é
sempre o mais prejudicado.

A discussão de governança passa em primeiro lugar por acompanhar


atentamente a condução dos negócios da companhia investida - seja lendo as
decisões das assembleias ou monitorando as atas de reuniões do conselho de
administração e fiscal. Poucos investidores têm o hábito de acompanhar com
profundidade as empresas, se limitando a ser informados pelo que sai na
mídia, analistas e “influenciadores”.

A presença em assembleia geral de acionistas, quando é permitida a


participação online e o voto à distância, também é muito relevante para fazer
valer os seus direitos como minoritários. Esse mecanismo existe, mas
infelizmente a adesão ainda é baixa – e, em sua maioria, as companhias não
fazem questão de promover a prática.

Acionista bom é acionista quieto. Só se lembra dele quando é necessário


quórum para levar a frente alguma medida mais ousada.

Um exemplo recente foi a assembleia geral de acionistas da Wiz (WIZS3) para


reduzir o payout obrigatório de 50% para 25%. A reunião foi pautada para
ocorrer apenas no formato presencial, em Brasília, e não teve quórum.
Pergunto-me: uma reunião para determinar o payout de uma empresa não
deveria ser de interesse de todos os minoritários e ter a possibilidade de voto a
distância?
Situações como esta levaram a CVM a abrir uma consulta pública sobre as
normas para assembleias de acionistas. A tentativa é aprimorar os
mecanismos de participação e votação a distância. Entre as principais
alterações propostas estão a obrigatoriedade de divulgar o boletim de voto à
distância para todas as assembleias de acionistas, gerais, especiais, ordinárias
e extraordinárias.

Há ainda um outro instrumento que é pouco utilizado pelos minoritários, o


Pedido Público de Procuração (PPP), que é uma alternativa adicional para
investidores que desejam exercer seu direito de voto em assembleias e não
podem estar presentes nem online e nem virtualmente. Eles têm a
possibilidade de nomear um representante legal por meio de uma procuração.

Em suma investidor, há muitos meios para poder exercer o seu direito de sócio
minoritário de uma companhia. A união de esforços poderia melhorar de
alguma forma essa triste realidade que vemos hoje no mercado.
Mas tem que fazer. Está disposto?

Confraria dos conselheiros independentes


No caso da Mitre, que mencionei anteriormente, ganhou bastante destaque o
posicionamento público do conselheiro Burkhard Otto Cordes. Ele colocou-se
com firmeza frente à ausência de materiais de suporte e justificativas
coerentes para a compra dos imóveis em Trancoso. Burkhard estava
exercendo o seu papel, defendendo os interesses da empresa – nem dos
controladores, nem dos minoritários.

Infelizmente, hoje temos poucos Burkhards no mercado. A profissão de


conselheiro independente também tem sido sucateada e desvirtuada no capital
aberto nos últimos anos. Como o próprio nome sugere, um conselheiro
independente deveria ser alguém que não tem vínculos com a empresa, ou
com seus acionistas de referência, e que pode contribuir com a governança da
companhia, com base na sua experiência no setor ou vivência corporativa. Na
prática, o cargo foi banalizado, dando espaço a figurões que tem feito da
cadeira de “independente” um excelente negócio.
Tem conselheiro independente que integra tantos Conselhos de Administração,
de segmentos tão diversos, que fica difícil imaginar que possa efetivamente
contribuir de forma construtiva com todas essas companhias. E muitos acabam
inclusive se encontrando em diferentes colegiados – dá até pra fazer uma
confraria!

Outro problema nesta profissão é a escolha de medalhões para o cargo de


conselheiros, que parecem mais emprestar seu nome para dar legitimidade ao
órgão deliberativo, mas efetivamente não podem contribuir com a governança
da companhia. O passado não me deixa mentir, já tivemos até famosos em
vários Conselhos de Administração de empresas brasileiras. Em certa época, a
moda era chamar ex-ministros do STF. Muitos atuaram nas infames empresas
do “Grupo X”. O resultado é história.

Sobre os ministros recentemente indicados para o conselho de uma fundição


catarinense, acho que nem preciso comentar. A piada já vem pronta.

O mercado precisa de conselheiros realmente comprometidos com as


empresas. Qualificados. Que sejam alçados ao cargo para efetivamente fazer
diferença, e não somente recolher honorários, tirar o corpo fora em situações
difíceis e renunciar quando há algo podre no radar.

Se cada um de nós fizesse a sua parte, talvez vivenciássemos um mercado de


capitais mais justo e onde houvesse respeito.

Mas sabemos perfeitamente que isso não vai acontecer tão cedo. Então,
enquanto mudanças não acontecem por milagre, mantenha-se de olho aberto
e confira se a carteira continua no bolso.

Um abraço,

Ricardo Schweitzer

Copyright © 2023 R S de Paula Dias Ltda, Todos os direitos reservados.


Você está recebendo este e-mail porque se inscreveu em nossa lista
Nosso endereço:
R S de Paula Dias Ltda
Av. Engenheiro Luís Carlos Berrini, 1748, Cj 1710
Cidade Monções
Sao Paulo, SP 04571-000
Brazil

Adicione o nosso contato na sua agenda de endereços

Você está recebendo este e-mail porque se inscreveu em uma lista promovida por Ricardo Schweitzer.
Caso não deseje mais receber nossos conteúdos, basta informar aqui.

Você também pode gostar