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Margarida Gonçalves

DIREITO CONSTITUCIONAL II

Regente: Jorge Reis Novais

FUNÇÕES DO ESTADO

Há quem divida as funções do Estado em três tipo de poderes – executivo, legislativo e judicial.

Contudo, o professor Reis Novais aponta para uma divisão diferente, concordando com o
professor Blanco de Morais:

• Função política

No contexto de um Estado de direito democrático e soberano, esta atividade supõe que os órgãos
competentes para o seu exercício tomem decisões fundadas no bem comum que definam o
interesse público a prosseguir no preenchimento dos fins do Estado.

A função política constitui uma macro atividade pública com carácter digitado, ou seja, assume-
se como um poder dominante que emerge de entre as funções constituídas e que supõe o exercício
de responsabilidades normativas que visam definir o interesse público de uma coletividade.

O exercício da função política implica a tomada de decisões e de critérios de decisão, inovatórios


ou primários, na medida em que, por regra, é a Constituição a principal fonte dos respetivos
limites jurídicos.

Esta função pode definir-se de acordo com três critérios:

− Materiais: julga-se que o princípio da legalidade democrática (art 3º/3, CRP) e a exigência
da submissão dos tribunais e da Administração Pública (art 203º e 266º/2, CRP) conjugados
com o princípio da tipicidade da lei (art 112º/5), permitem identificar a atividade
legislativa.

− Formais: é possível, nos termos do art 112º/1, CRP, reconduzir a função administrativa à
prática permanente de atos que devem revestir três formas específicas de lei – lei (formal),
decreto-lei e decreto legislativo regional. Não existem outras manifestações de atividade
legislativa que não revistam estes três títulos.

− Orgânico: nos termos da alínea c) dos arts 161º, 198º e 227º, CRP, consiste numa atividade
jurídico-política que se encontra reservada à competência da AR, do Governo e da ALR.

A função política subdivide-se na função legislativa e na função governativa.

Assim, nesta função definem-se objetivos e fins, procurando-se realizar esses fins através da
ordem pública.

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• Função administrativa

Esta função consiste numa atividade traduzida na concretização e execução das leis e na satisfação
permanente das necessidades coletivas legalmente definidas, mediante atos, contratos e atuações
materiais emanados por órgãos dotados de iniciativa e parcialidade na prossecução do interesse
público.

A função administrativa divide-se em três critérios:

− Material: a função administrativa vincula-se à Constituição e à lei, dependendo a validade


dos atos e contratos que dela promanam, não só de uma habilitação legal, mas também da
respetiva conformidade com as leis da República. Os centros de decisão devem exibir
iniciativa e parcialidade na prossecução do interesse público.

− Orgânico: estes elementos traduzem-se na menção aos órgãos e agentes que desenvolvem a
atividade administrativa, nos termos do art 266º/2, CRP.
O Governo é, nos termos do art 182º, CRP, o órgão superior da administração pública,
exercendo poderes de hierarquia ou direção sobre a administração direta, poderes de
orientação sobre a administração indireta e poderes de controlo sobre a administração
autónoma. Também existem outros órgãos executivos de pessoas coletivas territoriais
dotadas de autonomia – governos das RA, das CM e das JF.

− Formais: estes elementos reportam-se às manifestações externas do exercício da atividade


administrativa, importando destacar as que produzem efeitos jurídicos.

Importa ainda distinguir os:

• Atos normativos – assumem a natureza de regulamentos administrativos que são as normas


jurídicas gerais e abstratas que visam produzir efeitos jurídicos externos.

• Atos administrativos – são decisões que visam produzir efeitos jurídicos externos numa
situação individual e concreta.

Função legislativa vs função administrativa

A função legislativa altera o regime e a função administrativa aplica essas leis.

Tanto a função legislativa como a função administrativa podem ser aplicadas com um carácter de
generalidade e abstração, ou seja, têm um carácter normativo (estabelecem um comportamento).

No fundo, a função administrativa subordina-se à função legislativa e esta última subordina-se à


Constituição.

• Função jurisdicional

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LEI NA ORDEM CONSTITUCIONAL DE 1976

Existe uma reserva total de lei em sentido horizontal – a lei pode dispor sobre todas as matérias
que quiser sem exceção. Contudo, segundo a reserva vertical de lei, as leis têm de respeitar a
constituição.

• Lei em sentido material/substancial – tem a característica da generalidade, abstração e


inovação.
• Lei em sentido formal – tem a forma de ato legislativo e é emanada por um órgão de
soberania.

Lei vs regulamento – os regulamentos distinguem-se das leis pelo facto de assumirem a forma
de atos regulamentares.

A jurisprudência do TC coincidem no reconhecimento de uma ausência de uma reserva geral de


regulamento governativo – fora de domínios específicos onde seja suposta uma reserva necessária
de regulamento (autarquias locais, RA e certas autoridades administrativas independentes), a lei
pode dispensar a sua concretização por parte de normas administrativas.

Seguindo uma orientação jurisprudencial, não existindo uma reserva geral de regulamento, a lei
regulamentar pode revogar normas regulamentares e pré-ocupar domínios antes regidos por
regulamentos derivados de um necessário respeito pelo núcleo da função administrativa reservada
ao Governo.

RESERVA DE LEI

Relativamente ao conteúdo

• Reserva de lei geral e abstrata – 18º/3 (direitos, liberdades e garantias);


• Reserva de lei de conteúdo geral – 112º/2 (leis de bases);
• Reserva de lei de conteúdo necessariamente não retroativo – 18º/3 (direitos, liberdades e
garantias).

Relativamente ao órgão

• Reserva absoluta de competência legislativa da AR (algumas alíneas do art 161º e o art 164º);
• Reserva relativa de competência legislativa do Governo (art 165º, CRP);
• Reserva exclusiva de competência legislativa do Governo (art 198º/2, CRP);
• Reservas exclusivas de competência legislativa das RA (227º/1/l), n) e p), CRP).

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Relativamente à natureza do ato legislativo

• Reserva de lei comum – reporta-se a leis aprovadas por maioria simples que esgotam as
matérias englobadas na reserva absoluta ou relativa ao Parlamento (arts 164º/h) e 165º/1/c),
CRP).

• Reservas de lei reforçada pela parametricidade material – bases integradas na reserva


absoluta ou relativa do Parlamento, as quais são regidas por leis de conteúdo subordinante
ao de outras, mas aprovadas por maioria simples (art 164º/i) e 165º/1/f), CRP).

• Reservas de lei reforçada pelo procedimento – caso das leis orgânicas, integradas na reserva
absoluta de competência da AR, mas aprovadas mediante um procedimento legislativo mais
exigente que o comum, o qual aumenta a sua rigidez, ou seja, a resistência à revogação por
outras leis de procedimento diverso (arts 166º/2 e 168º/5, CRP).

Neste tipo de reserva, há que considerar tanto a reserva de lei orgânica, como:

− Reserva de estatuto político-administrativo (226º, 227º e 231º/7, CRP);


− Reserva de lei e de disposições legislativas aprovadas pela maioria de 2/3 (168º/6, CRP);
− Reserva das leis do OE e das leis GOP (161º/g), CRP);
− Domínio reservado da legislação de enquadramento das reprivatizações (293º, CRP).

TIPICIDADE DA LEI

A tipicidade implica que a lei seja reconhecida com base num conjunto de características
estruturais entre os demais atos jurídico-políticos. Trata-se de uma menção a um ato jurídico
público definido essencialmente pela sua forma e força.

No sentido amplo, a forma e a força de lei são valoradas no art 112º/1 e 5, CRP, pelo
princípio da tipicidade da lei, decorrendo que:

1. A fonte da lei reside na Constituição;


2. A lei decompõe-se em três formas específicas – lei, decreto-lei e decreto legislativo
regulamentar (112º/1);
3. A lei não pode ser objeto de interpretação, integração., modificação, suspensão e revogação
com eficácia externa, por atos não legislativos (112º/5) – força geral de lei –, com exceção do
art 169º/4 (resolução) e dos arts 204º e 280º (suspensão pelo tribunal);
4. Nenhuma lei pode criar outras categorias de atos legislativos (lei reforçada a criar outra lei
reforçada – 112º/5), uma vez que é a CRP que determina as formas legais e os seus regimes;

5. Algumas deslegalizações são proibidas:


a. O caso em que leis que desgraduam alguns dos seus preceitos ou preceitos de outras leis,
conferindo-lhes natureza regulamentar;
b. A lei rebaixa alguns dos seus preceitos, ao permitir sem mais a sua revogação ou
modificação por normas regulamentares;

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c. Quando uma lei que deslegalize uma dada matéria se limita a conferir a sua regulação a um
regulamento de execução, como a de uma portaria quando, na verdade, a simples definição
da competência objetiva e subjetiva para a sua emissão reclama a forma de decreto
regulamentar (112º/5, 6 e 7, CRP);
d. No plano regional, os estatutos desempenham um papel importante por serem normas
legais distribuidoras no seio da região, incluindo a função de atribuir a certas matérias uma
reserva de decreto legislativo regional. Assim, no caso de um DLR revogar um regime
inovador contido noutro DLR e que respeite a matéria de reserva de ato legislativo regional
enunciada no estatuto, será uma deslegalização ilegítima.

Considera-se, contudo, admissível que, fora da reserva de lei, um ato legislativo desgradue
algumas das suas nomas para um nível regulamentar ou remeta para um regulamento
administrativo, desde que o faça expressamente e de forma clara.

CRITÉRIOS ESTRUTURANTES DAS RELAÇÕES INTER-LEGISLATIVAS

Princípio da hierarquia
Só a Constituição é que pode produzir leis e a lei superior prevalece sobre a lei inferior. A
hierarquia pode ser:
1. Formal: é uma lei que o ordenamento reconhece como superior e tem anexada uma cláusula
de superioridade.
2. Material: (fixa princípios) existência de normas com capacidade de condicionar o conteúdo de
outras normas, que a estas se encontram submetidas (leis de base, leis desenvolvimento, leis
quadro/atos enquadramento; lei da concorrência autorizada e lei da concorrência alterada –
198º/3). Se o Governo no DL de desenvolvimento não referir a lei de bases, este diploma não
pode revogar a lei de Bases; se referir, então auto vincula-se materialmente.

Princípio da competência
Este princípio relaciona-se com a separação de competência legislativa entre órgãos, de
categorias legais e de esferas materiais, assentando na distribuição de poderes legislativos entre
Governo e AR e na repartição da função legislativa entre órgãos de soberania e as regiões
dotadas de autonomia.
Este princípio tem uma natureza mista – os elementos formais assimilam os órgãos de
poder, os títulos legislativos das normas aprovadas pelos mesmos órgãos (112º/1) e os elementos
substanciais.
Ele tem uma reserva definida pela Constituição relativamente às determinações da competência
legislativa.

OPERATIVIDADE DA LEI

A operatividade da lei pressupõe na ordem jurídica portuguesa, duas dimensões:


1. Dimensão vertical – constitui um reflexo da estrutura hierárquica do ordenamento jurídico
e integra os atributos que concorrem para a própria definição de lei.
2. Dimensão horizontal – diz respeito às relações entre leis ordinárias.

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A forma e o valor normativo são pressupostos permanentes da operatividade da norma legal. Já


a força e a parametricidade material configuram-se como elementos dinâmicos e
consequenciais que se exprimem através dos efeitos que o mesmo projeta sobre outros.

Força de lei/procedimento agravado vs parametricidade material


As leis com procedimento agravado são portadoras de maior rigidez ou força passiva do
que outras em razão da associação entre a exclusividade da reserva parlamentar que envolve o
seu objeto material qualificado e procedimento especial e agravado que a Constituição fixa para
a sua produção.
As leis com parametricidade material são leis dotadas de uma hierarquia material sobre
outras e que têm a aptidão para fixarem princípios, diretrizes, procedimentos e normas gerais
subordinantes relativamente conteúdo das segundas.

CATEGORIAS DE ATOS LEGISLATIVOS

Um ato legislativo é todo o critério político de decisão produzido e revelado sob a forma de lei
pelos órgãos titulares da função legislativa, exprimindo uma supremacia sobre os demais atos
normativos. Podem ser:
• Comuns – atos cujo procedimento formativo corresponde à produção ordinária fixada na
Constituição (critério positivo) e cujas normas estão inseridas numa hierarquia comum
relativamente aos demais atos (critério negativo).
• Com valor reforçado – tudo o que está presente no art 112º/3, CRP.

Leis reforçadas – critérios (112º/3)


a) Em sentido próprio – possuem um procedimento agravado
i. Leis orgânicas (166º/2, 168º/5, 136º/3 e 278º/4, 5);
ii. Leis que carecem de aprovação de 2/3 (168º/6).

b) Em sentido impróprio – obedecem a um critério de parametricidade material, são as leis


que sejam pressuposto normativo necessário de outras leis
i. Leis de bases (da reserva parlamentar – 164º/d), i) e 165º/f), g) n), t), u), z), CRP) – limitam-
se à consagração dos princípios gerais e mais importantes de determinado regime jurídico.
Tem de haver um DL de desenvolvimento que pretende desenvolver as orientações
apresentadas na LB.
ii. Leis de autorização legislativa (165º/2, 3, 4 e 5, CRP) – avaliam o objeto, o sentido, a
extensão e a sua duração.
iii. Leis de enquadramento (p.e: 106º, 255º, 256º) – dispõem acerca da elaboração de outras
leis.

c) Em sentido próprio e sentido impróprio (misto) – conjuga os sentidos próprio e impróprio,


são as leis que por outras devam ser respeitadas
i. Leis que devam fazer-se respeitar nos termos constitucionais por outros atos legislativos
que venham a ser emitidos: leis de bases e leis de enquadramento da esfera concorrencial
quando invocados por DL ou DLR.
ii. Leis duplamente reforçadas – reforçadas quer pelo seu procedimento agravado, como pela
sua parametricidade material: estatutos político-administrativos, lei OE, lei GOP, lei
quadro da privatização.

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Leis orgânicas – procedimento agravado

As leis orgânicas abarcam os seguintes domínios (166º/2 + 164º e 255º):

• Matérias político-institucionais de âmbito nacional;


• Disciplina de direitos fundamentas de natureza política;
• Matérias relativas à autonomia territorial, em domínios de natureza eleitoral, financeira e
organizativa.

Reserva de lei orgânica

A reserva absoluta de competência exclui a possibilidade de DL ou DLR poderem dispor sobre


matéria correspondente, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
A reserva de procedimento agravado predica a inconstitucionalidade formal de qualquer lei
parlamentar aprovada com distinto procedimento que disponha sobre o domínio material
reservado da lei orgânica.

Requisitos formais
Nos termos do art 168º/5, as leis orgânicas carecem da aprovação, na votação final global, por
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.
Em regra, a votação na especialidade ocorre mediante a aprovação das normas por maioria
simples (116º/3). Contudo, é necessário ter atenção às matérias dessa lei, porque se englobar
alguma das presentes no art 168º/6, terá de ser aprovada na especialidade em Plenário por maioria
de 2/3 (alínea d), 168º/6) ou então aprovada na especialidade pela maioria absoluta dos deputados
em efetividade de funções (matéria do art 255º - art 168º/5).

Leis aprovadas por maioria de 2/3 – procedimento agravado


As normas previstas no art 168º/6, CRP dificilmente podem ser designadas como “leis”, uma vez
que temos:
• Leis que carecem de uma aprovação de 2/3 (alíneas a) e c)) – entende-se que como estas são
leis, carecem desta maioria qualificada nas três votações (na generalidade, na especialidade
e na final global).
• Normas ou disposições de leis que regulam diversas coisas (restantes alíneas do nº6) –
entende-se que como são normas ou disposições de leis, apenas carecem desta maioria
qualificada na votação na especialidade.

Leis de bases – parametricidade material (pressuposto normativo necessário de outras leis)


A Constituição não define expressamente em que consistem as leis de bases – os arts 112º/2,
198º/c) e 227º/1/c), CRP referem as leis.

As leis de bases limitam-se à consagração dos princípios gerais e mais importantes de


determinado regime jurídico. Tem de haver um decreto-lei de desenvolvimento que completa as
orientações feitas pela lei de base.

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Assim, as bases legais são:


• Normas primárias de carácter incompleto porque carecem de mediação e desenvolvimento por
uma legislação subordinada (art 198º/1/c), CRP).
• Normas dotadas de supremacia hierárquica material em relação à legislação que procede
ao seu desenvolvimento no âmbito da mesma matéria (art 112º/2, 2ªparte).

Competência para aprovação


Tanto a AR (art 161º/c), 164º e 165º), como o Governo (art 165º, 198º/1/a), CRP) e as ALR (art
227º/1/b), CRP) têm competência para aprovar leis de bases.

A AR dispõe da faculdade de emitir leis de bases:


− No âmbito das matérias de reserva absoluta de competência (art 164º/d) e i), CRP);
− No âmbito das matérias de reserva relativa de compet~encias (art 165º/1/f), g), n), t), u) e
z), CRP);
− No âmbito da sua competência concorrência alternada com o Governo e concorrência
paralela com as ALR sobre matérias não enumeradas na Constituição (art 161º/c), CRP).

O Governo pode aprovar decretos-leis de bases:


− Mediante autorização legislativa, na esfera da reserva relativa de competência legislativa
da AR, no domínio onde esta possa aprovar leis de bases (arts 165º/1 e 198º/1/b), CRP).
− No âmbito da concorrência alternada com a AR e a concorrência paralela com as ALR
(art 198º/1/a), CRP).

As ALR podem aprovar decretos legislativos regionais de bases mediante autorização legislativa
da AR (165º/1), com exclusão de um conjunto determinado de matérias incluídas no art
227º/1/b), CRP.

Competência para o desenvolvimento das leis de bases e os seus pressupostos


O Governo (198º/1/c)) e as ALR (227º/1/c)) dispõem de competência para desenvolver atos
legislativos de bases aprovados pela AR ou por eles próprios.

Contudo, existe uma divergência doutrinária no que toca ao desenvolvimento destes atos pela
AR.
O TC extrai do art 161º/c), CRP a competência genérica para o Parlamento legislar sobre
todas as matérias, incluindo o desenvolvimento de atos legislativos de bases, considerando que a
AR pode desenvolver leis de bases por ela apresentadas ou apresentadas pelo Governo/ALR.
O professor BM considera que existe uma reserva governamental de desenvolvimento ao
Governo.

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Categorias de leis de bases


❖ As bases gerais reservadas à AR
Já sabemos que estas bases podem ser aprovadas pela AR, ou pelo Governo ou ALR, mediante
autorização da AR.
O desenvolvimento de princípios e de bases gerais dos regimes jurídicos tem de ser feito através
de um ato legislativo.
Vigorando uma lei de bases respeitante à reserva parlamentar, o Governo e as ALR devem +
desenvolver essas bases respeitando-as, uma vez que o desenvolvimento das mesmas são um
pressuposto normativo das leis de bases.
− Se o conteúdo deste “decreto-lei” de desenvolvimento for contrário à sua lei de base, existe
um desrespeito pela hierarquia material do conteúdo dessa lei (112º/2, CRP), estando
perante uma ilegalidade.
− Esse “decreto-lei” tem de invocar expressamente as bases a cujo desenvolvimento procede,
sob pena de inconstitucionalidade formal (198º/3 e 227º/4).
− O Governo e os parlamentos regionais não podem emitir legislação sobre matérias
correspondentes à reserva absoluta da AR, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.

❖ As bases gerais da esfera concorrencial


Os atos legislativos da esfera concorrencial podem ser editados pela AR e pelo Governo, ao
abrigo das normas que fundamentam as respetivas competências concorrentes (161º/c) e
198º/1/a)), o que supõe a possibilidade de leis e decretos-leis com esta natureza se poderem
revogar, derrogar ou suspender reciprocamente.

Se um DL se autoqualificar como ato legislativo de desenvolvimento de uma lei de bases deve


respeitar a hierarquia material do conteúdo dessa lei.
A lei de bases da área concorrencial é uma lei de valor reforçado enfraquecido porque:
− Não se encontra protegida por uma reserva de competência parlamentar;
− A legislação não lhe é obrigatoriamente subordinada;
− A sua capacidade de vinculação depende de uma autolimitação do diploma de
desenvolvimento, o qual decide invoca-la como parâmetro material.
Ou seja, estas leis de bases da esfera concorrencial não são pressuposto normativo necessário de
outros diplomas; a sua natureza reforçada decorre do facto de ela dever ser respeitada por outras
(112º/3).

Leis de enquadramento – parametricidade material (pressuposto normativo necessário de


outras leis)
As leis-quadro dispõem sobre a elaboração de outras leis.
P.E: o art 106º dispõe sobre a elaboração do OE.
O ordenamento admite a existência de leis-quadro, seja no âmbito de matérias reservadas à AR,
seja na esfera concorrencial entre este órgão e o Governo, sendo os seus regimes praticamente
idênticos aos das leis de bases da reserva parlamentar e da esfera concorrencial.

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Leis de autorização legislativa– parametricidade material (pressuposto normativo necessário


de outras leis)

Nos termos do art 165º e 227º/2/b), a AR pode conferir autorizações legislativas ao Governo e
algumas à ALR.
Uma lei de autorização legislativa deve definir o objeto (qual a matéria?), o sentido (qual o
motivo?), a extensão (amplitude de autorização – qual a margem de liberdade do órgão
autorizado para mexer nisto?) e a duração (prazo) – art 165º/2, CRP.

Leis duplamente reforçadas


A. Estatutos político-administrativos
Os estatutos político-administrativos das RA têm uma natureza reforçada e uma hierarquia
superior relativamente às demais leis. Consiste numa lei estruturante de organização e
funcionamento das instituições das coletividades regionais insulares.
O TC reconheceu a reserva de estatuto às RA – esta circunscreve o desenvolvimento, a
explicitação e concretização das normas das RA.

A Constituição determina explicitamente e implicitamente o conteúdo necessário dos estatutos:

• A natureza dessa entidade e os princípios estruturantes;


• Os direitos e as obrigações das regiões, enunciados no art 227º, CRP, especialmente as
competências legislativas regionais de natureza comum (227º/1/a) e 228º/1);
• Definir os órgãos do governo próprio das regiões e o estatuto desses órgãos (226º, 227º 232º)
e garantir outros direitos regionais (281º/1/d), CRP).

A ausência de qualquer uma destas matérias envolve inconstitucionalidade por omissão.

A Constituição determina a existência de matérias que acabam por ser necessariamente subtraídas
do seu objeto e diferidas para a disciplina de outras categorias legais.

P.E. as matérias relativas à eleição dos deputados das ALR e od das leis que regulam as finanças
entre a República e as regiões, as quais se integram na reserva de lei orgânica (164º/j), 229º/3
conjugado com o art 164º/t), CRP).

Os cavaleiros estatutários

Por vezes, há presença de disciplinas normativas nos estatutos que nuns casos não integram
matéria intrinsecamente estatutária e noutros suscitam sérias dúvidas sobre essa integração. Este
fenómeno de inclusão de normas “cavaleiros estatutários” gera insegurança jurídica.

Embora uma parte da doutrina defenda a inconstitucionalidade destas normas parasitárias nos
estatutos com fundamento no excesso ou desvio de forma, outra parte da doutrina e o TC invoca
a fluidez das fontes para não as considerar inconstitucionais.

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Os cavaleiros estatutários de lei reforçada

Contudo, existem outras situações em que as normas do estatuto vertem inovadoramente sbre
matérias previamente integradas pela Constituição na reserva de outras leis reforçadas pelo
procedimento, como é o caso da lei orgânica.
Se isto ocorrer, incorre-se numa inconstitucionalidade formal por regular uma matéria que é
reservada à lei orgânica, através de normas cujo o processo de formação é distinto do que resulta
do art 168º/5, CRP.
O mesmo ocorre com a lei-quadro das reprivatizações, as leis aprovadas em votação final global
por 2/3 e a lei do OE.

Hierarquia e rigidez

A hierarquia material e formal deriva da parametricidade erga omnes do estatuto (281º/1/c) e


d), CRP), a qual lhe permite vincular materialmente qualquer outra lei ordinária do ordenamento
português, mesmo a de valor reforçado.
A rigidez destina-se a garantir o valor hierárquico, impedindo a sua subversão através de uma
hipotética revogação das leis estatutárias por parte de outras leis parlamentares sucessivas, de
carácter comum. Essa rigidez é, nos termos do art 226º, consequência de dois tipos de
agravamento procedimental – de ordem geral e de natureza parcial.

B. Lei das GOP


No tocante à sua relação com a lei do OE, existe:
• Uma precedência indicativa das leis das GOP em relação à lei OE, havendo a necessidade da
lei OE dever estar em harmonia com a lei das GOP anual (105º/2, CRP);
• Compatibilização da elaboração da lei OE à lei das GOP.

C. Lei OE
A reserva material da lei do OE encontra-se no art 105º. A reserva orçamental pode ser alargada
a outras áreas materiais conexas, por via da lei de enquadramento orçamental, a qual, vinculando
o conteúdo de lei do OE, fixa regras relativas à sua organização e elaboração.
A geometria variável da reserva da lei do OE não compreende os cavaleiros orçamentais –
normas legais que, sendo integradas por razões de pura oportunidade da lei OE, revestem um
conteúdo completamente anódino ao núcleo orçamental, não podendo assumir valor reforçado.
A lei do OE é uma lei duplamente reforçada pelo procedimento agravado e pelo princípio da
parametricidade material (reserva de iniciativa e norma travão). Mas esta lei é considerada por
alguns como uma lei semirrígida.

A lei OE encontra-se material e procedimentalmente vinculada às leis de GOP (106º/1) –


esta tem de ter um valor reforçado pela circunstância de ser um pressuposto necessário.

D. Lei-quadro reprivatizações
Esta lei constitui uma lei de grandes reformas económica. O seu procedimento produtivo e
agravado deve-se ao facto de, na fase constitutiva haver uma necessidade de aprovação por
maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.
Esta lei não parece harmonizar-se com o princípio da tipicidade da lei (112º/5) ao criar um DL
reforçado respeitante à reprivatização de empresas integradas no património regional.

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ATIVIDADE LEGISLATIVA DOS ÓRGÃOS CONSTITUCIONAIS DA REPÚBLICA

Atividade legislativa da AR
A AR tem um primado legislativo que se consegue identificar por:
• A competência genérica que a AR tem (161º/c)) e que lhe permite legislar horizontalmente
sobre todas as matérias não reservadas a outros órgãos.
• A extensa reserva absoluta e relativa da competência legislativa (161º, 164º e 165º).
• A faculdade de se inserirem na reserva absoluta do Parlamento as leis reforçadas pelo
procedimento.
• O poder de autorizar livremente o Governo e as ALR a exercerem funções legislativas
delegadas no âmbito da sua reserva de competência (165º/1/b) e 227º).
• De acordo com o art 136, o carácter suspensivo do veto presidencial (ao contrário do veto
absoluto sobre DL do Governo), bem como o prazo de 20 dias para a promulgação.

Tipologia das competências legislativas


❖ Competência genérica
Esta competência está prevista no art 161º/c) e é um reflexo do primado da AR no exercício da
função legislativa, traduzindo-se na faculdade de a mesma Assembleia poder legislar sobre todas
as matérias, exceto as reservadas ao Governo.

❖ Competência reservada
− Reserva absoluta
Esta reserva supõe a faculdade exclusiva da AR legislar sobre um conjunto de matérias, com
a exclusão total dos demais órgãos legislativos – art 164º e 161º/b), d), e), f), g) e h).

− Reserva relativa
O Parlamento pode legislar a todo o tempo, independentemente de, a pedido do Governo ou
das ALR, conceder a estes órgãos uma autorização legislativa nos termos do art 165º/2 e ss.

Procedimento legislativo

Ideologia BM:
1. Iniciativa legislativa
2. Instrução
3. Fase constitutiva
4. Fase de controlo de mérito
5. Publicação e entrada em vigor

Ideologia Reis Novais:


1. Iniciativa
2. Discussão/votação
3. Promulgação e referenda
4. Publicação

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1. Iniciativa legislativa – arts 167º, CRP + 119º e ss., RAR


A iniciativa legislativa ocorre mediante a apresentação ao órgão parlamentar de um projeto de lei
ou de uma proposta de lei.

Há uma iniciativa interna se esta for feita por Deputados ou grupos parlamentares que apresentam
um projeto-lei. Estes não possuem uma iniciativa originária sobre as matérias de reserva de
iniciativa ao Governo e às ALR; isto não impede que eles possam ter uma iniciativa derivada,
que assume a forma de projetos-lei que contêm propostas de alteração (127º, RAR).

Há uma iniciativa externa se esta for feita pelo Governo ou pelas ALR e assume a forma de
proposta de lei. Existem certas matérias que só podem ser propostas por estes órgãos:
− As leis de GOP e a lei OE;
− Os estatutos político-administrativos e as suas alterações;
− As leis orgânicas relativas à eleição de deputados para as ALR.

Limites ao ato de iniciativa


• Norma-travão – art 167º/2 (proibição aos deputados, ALR e grupos de cidadãos eleitores de
apresentarem projetos ou propostas de lei que envolvam, no ano económico em curso, um
aumento da despesa ou uma diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento);
• As ALR só podem apresentar propostas de lei que incidam sobre matérias da AR que digam
respeito às mesmas regiões – art 167º/1;
• Existem iniciativas originárias vedadas aos deputados e à AR;
• A iniciativa reconhecida aos cidadãos observa um conjunto fixado na lei – reserva absoluta do
Parlamento e das reservas de competência do Governo e ALR, bem como em matérias fiscais,
financeiras, orçamentais e que envolvam amnistias ou perdões genéricos (art 3º, lei ILC);
respeito pela constituição e pela norma travão (art 4º, lei ILC).

2. Discussão e votação – arts 168º e 116º/2 e 3, CRP


Esta fase é constituída por uma discussão e votação na generalidade; discussão e votação na
especialidade; votação final global (168º/1 e 2, CRP).

Discussão e votação na generalidade

A discussão ocorre em sessão Plenária. Após esta, procede-se à votação em Plenário. Nesta fase,
como nada é referido no art 168º, aplica-se o disposto no art 116º/3, pelo que é exigida uma
maioria simples.

Discussão e votação na especialidade

Supostamente esta votação deveria ter lugar no Plenário (169º/3). Contudo, isto costuma ocorrer
nas comissões (150º, RAR).

Nas situações em que é necessária uma maioria de 2/3 dos deputados na votação da especialidade,
há uma reserva implícita do plenário porque seria impossível obter uma maioria de 2/e em
comissão.

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Margarida Gonçalves

Reserva de plenário

• As leis que regulam matérias previstas no art 168º/4;


• A lei referente ao art 168º/5 carece de maioria absoluta;
• As leis do art 168º/6/a) e c) devem ser aprovadas por 2/3 nas 3 fases;
• As normas legais e disposições do art 168º/6/b), d), e) e f) devem ser aprovadas por 2/3 apenas
na especialidade.

AS LEIS DO ART 168º/6 NECESSITAM DE APROVAÇÃO DE 2/3 NAS TRÊS


VOTAÇÕES.

AS NORMAS LEGAIS E DISPOSIÇÕES NO ART 168º/6 NECESSITAM DE


APROVAÇÃO DE 2/3 APENAS NA ESPECIALIDADE.

Votação final global – art 168º/5

Normalmente a votação na especialidade é feita em Plenário, contudo o que costuma acontecer é


a votação nas comissões.

3. Promulgação e referenda – arts 134º, 136º, 137º e 140º

O ato legislativo é remetido sob a forma de decreto ao PR para promulgação.

Ele vai promulgar ou vetar o diploma (art 134º/b), CRP).

a) O PR dispõe de 20 dias, contados desde a data da receção de qualquer diploma da


Assembleia, para usar a sua faculdade de promulgar ou vetar. Se tiver dúvidas sobre a
conformidade do ato com a Constituição pode, no prazo de 8 dias a contar da receção do
diploma, suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade ao TC (278º/1 e 3).
 Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade, o PR deve vetar o diploma – veto por
inconstitucionalidade. O diploma é devolvido ao Parlamento, seguindo-se o processo
previsto no art 279º.

 Se a pronúncia do TC for no sentido da não inconstitucionalidade, o PR tem um prazo de


20 dias contados da data da publicação dessa decisão jurisdicional para utilizar a sua
faculdade de promulgar ou vetar politicamente (136º/1).

b) Se promulgar, a norma legal passa a ser juridicamente existente (137º) e é enviada para
publicação, restando ao PR exercer a fiscalização sucessiva (281º/2/a)).
Se veta politicamente, o diploma deixa de ter existência jurídica e é devolvido ao Parlamento
com uma mensagem fundamentada (136º/1).
 Se o Parlamento confirmar, forçará o PR a promulgá-lo;
 Se o Parlamento reformular o diploma, é emitida uma nova edição do diploma que poderá
ser vetado mais tarde.

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Margarida Gonçalves

A promulgação pode ser:

• Livre – 136º/1, CRP.


• Obrigatória – em leis de revisão constitucional, em decretos já vetados e confirmados pelo
Parlamento mediante maioria qualificada (136º/2 e 286º/3) e em leis conformes ao ato
referendário de sentido positivo (242º, lei do referendo).
• Vedada – em caso de fiscalização preventiva de decreto sujeito a promulgação como lei
orgânica.

Em caso de veto, existem três condutas alternativas que o Parlamento pode seguir:

1. Desistência do diploma;
2. Confirmação do diploma;
3. Reformulação do diploma vetado.

Veto simples – sempre que incide sobre uma lei que supõe a reversão do mesmo veto pelo voto
de maioria absoluta dos deputados efetivos.

Veto qualificado – quando incide sobre um ato legislativo que reclama uma maioria mais
onerosa, a de 2/3.

Veto jurídico/ por inconstitucionalidade – sanciona atos pré-normativos inconstitucionais


(objeto) e é um veto vinculado a uma pronúncia do TC pela inconstitucionalidade de um ato
(natureza). Isto ocorre após o requerimento da inconstitucionalidade, em que o PR se vê obrigado
a vetar.

Veto político – bloqueia a existência jurídica de atos pré-normativos relativamente aos quais o
PR se limita a discordar da sua oportunidade (objeto) e é um controlo negativo livremente
exercido pelo PR (natureza).

• Suspensivo (AR)
• Absoluto (Governo)

Será admissível que o PR vete politicamente, invocando razões de inconstitucionalidade?

O PR pode vetar um diploma, contudo, os motivos que desencadeiam esta decisão são entendidos
de formas divergentes na doutrina atual.

O professor Reis Novais entende que o PR pode exercer o veto político por razões jurídicas.

O professor Jorge Miranda entende que esta atuação do PR seria uma fraude à Constituição.

O professor Blanco Morais entende que o PR poderia fazê-lo, mas não seria aconselhável porque
isto seria como que uma ofensa ao trabalho do TC.

A referenda ministerial trata-se de um controlo político do Governo sobre os atos do PR –


traduz-se na assinatura do PM e dos ministros competentes em razão da matéria, dos atos políticos
do PR enunciados no art 140º/1. A falta de referenda implica a inexistência jurídica do ato
(140º/2).

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Margarida Gonçalves

A ocorrência da recusa de referenda em sede de promulgação de leis só faria sentido em


situações extremas, como seria o caso de promulgação de leis inconstitucionais de excecional
gravidade (p.e: reinstaurarão da pena de morte) ou da adoção outros atos presidenciais inválidos
ou ilegítimos que pusessem em perigo a ordem constitucional democrática.
A recursa de referenda como controlo ordinário de um Governo minoritário sobre a
promulgação presidencial de leis parlamentares de que o Executivo discorde implicaria um
conflito político, podendo estar em causa o “regular funcionamento das instituições democráticas”
(195º/2).

4. Publicação e data de entrada em vigor


O art 119º/1/c) determina a obrigatoriedade de publicação das leis promulgadas no DR,
determinando no nº2 que a falta dessa publicação implica a ineficácia jurídica do ato.

Atividade legislativa do Governo

O Governo é titular de quatro grandes competências:


• A competência concorrencial alternada – o art 198º/1/a) conjugado com o art 161º/c)
• A competência exclusiva – art 198º/2 (matéria respeitante à sua organização e
funcionamento).
• A competência complementar – art 198º/1/c) e a), faculta o Governo a desenvolver e
concretizar leis de bases mediante DL de conteúdo sub-primário. Os DL desenvolvimento
devem invocar a respetiva lei de base, sob pena de inconstitucionalidade formal (198º/3).
• A competência delegada – art 198º/1/b), compete ao Governo aprovar DL em matérias da
reserva relativa de competência da AR, mediante autorização desta, formalizada em lei.

Atividade legislativa das ALR – 227º e ss.


A competência das ALR é limitada – o art 112º/4 começa por limitar o “âmbito regional”.
A legislação tem de ter âmbito regional e não se pode aplicar em âmbito nacional e as RA não
podem legislar em matéria legislada pelos órgãos de soberania.
As ALR têm uma competência delegada (art 227º/1/b)), uma competência complementar
(227º/1/c) e matérias de competência mínima – 227º/1/i), j), l), n), p) e q), CRP).

a) Primária
b) Delegada – não engloba as que enghlobam todos os cidadãos
c) Complementar
228º - clausula leis + supletividade dos órgãos

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Margarida Gonçalves

REVISÃO CONSTITUCIONAL E LIMITES

Tipos de alterações à constituição (quanto ao modo como a alteração é feita):

• Alterações expressas – tem na sua génese uma intenção de modificação do texto


constitucional; traduz-se na alteração do próprio texto.

• Alterações tácitas – resulta da modificação do sentido normativo da Constituição. Pode ser


alterada mantendo o texto, altera-se o conteúdo/a interpretação, mas mantém-se o texto. Será
o caso de modificações que resultam do costume constitucional ou da interpretação jurídica
de normas anteriores.
P.E: a mesma disposição “Principio da igualdade”, mas o conteúdo mudar de forma tácita;
casamento entre pessoas do mm sexo.

Modo como a alteração ocorre:

− Reforma da constituição – alteração feita de acordo com a previsão constitucional/normas


constitucionais.
Contudo, o alcance da alteração pode ser diferente – pode haver uma alteração em pormenores
mais ou menos relevantes (revisão constitucional); ou grandes alterações, mas seguindo os
próprios requisitos da constituição (transição constitucional).

− Rutura da constituição – são alterações da constituição que não respeitam os requisitos


constitucionalmente previstos. Podem ser:
➢ Revolução – é feita à margem do regime vigente, contra o regime instalado.
➢ Rutura revolucionária – houve uma alteração de aspetos significativos sem respeitar os
limites constitucionais.
➢ Rutura não revolucionária – há alterações que não respeitam os limites constitucionais, mas
são alterações de pormenor.
Considerando o fator substancial, podemos subdividir a reforma constitucional em duas grandes
vicissitudes:

• A revisão constitucional – é uma alteração parcial da Constituição que tem em vista manter
em vigor, conservar, a mesma Constituição, sendo que, para isso, se faz a sua adaptação às
novas condições ou aos novos objetivos, alterando alguns aspetos, mas mantendo em vigor
o cerne da Constituição material;

• A transição constitucional é uma reforma da Constituição que, na medida em que produz


alterações profundas e globais na ordem jurídico-constitucional, acaba por ter como
consequência o surgimento de uma nova Constituição material.

• Consequências materiais da alteração – permite distinguir os tipos de rutura de constituição e


reforma da constituição.
Limites de revisão constitucional – 266º diz que esta matéria está regulada no 284º e ss.
Flexível – se a constituição pudesse ser alterada pelo mesmo processo como é feita uma lei
ordinária.
Rígida – tem vários tipos de limites à revisão constitucional – temporais (284º), formais,
circunstanciais e materiais.

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Margarida Gonçalves

FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE
PARTE I – O SISTEMA PORTUGUÊS DE FISCALIZAÇÃO DE
CONSTITUCIONALIDADE
Capítulo I – Sistema de fiscalização
A constituição portuguesa inclui diferentes modalidades de fiscalização da constitucionalidade:

• Fiscalização preventiva (pronuncia-se) – ocorre antes de uma norma ser promulgada.


• Fiscalização sucessiva – verifica-se após a publicação das normas.
A inconstitucionalidade pode ser por ação (de atos, normas) ou por uma omissão (de atos ou
normas - verifica). Ela subdivide-se em:
− Fiscalização abstrata (declara) – incide sobre uma norma considerada em abstrato,
independentemente da aplicação ao caso concreto.
− Fiscalização concreta (julga) – incide sobre uma norma na sua aplicação a um caso
concreto, a um caso em julgamento. Divide-se ainda na fiscalização difusa (feita pelos
vários tribunais) e na concentrada (feita pelo TC).

Fiscalização preventiva – arts 278º e 279º


Este tipo de fiscalização incide sobre normas que ainda não entraram em vigor, visando evitar
que normas violadoras da Constituição possam entrar a produzir efeitos sem que os órgãos
competentes para proceder à fiscalização sejam chamados a verificar ou a esclarecer as eventuais
dúvidas de constitucionalidade que se possam suscitar.
Se o TC considerar que há inconstitucionalidade:

− O diploma é necessariamente vetado pelo PR (veto jurídico/por inconstitucionalidade),


devolvido ao órgão que o aprovou, não podendo entrar em vigor sem que seja retirada a
“parte” inconstitucional.
− O diploma é vetado pelo PR e pode ser confirmado pela AR (o Governo não pode fazê-lo)
se tiver uma maioria de 2/3. A solução do conflito é remetida para o PR, que vai tomar a
decisão final (promulga ou não o diploma).
− A AR ou o Governo podem introduzir alterações, devendo o diploma ser tratado como um
novo diploma.
PR vs AR > AR ganha
TC (norma inconstitucional) vs AR (quer aprovar) > a opinião do PR prevalece

278º
Na fase da promulgação, o PR pode requerer a fiscalização preventiva ao TC de um diploma que
necessita de ser promulgado como lei ou DL (nº1); tem um prazo de 8 dias para o fazer (278º/3).
Outros membros (nº2) também podem requerer esta fiscalização se se pretender aprovar o
diploma como lei orgânica.

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Margarida Gonçalves

Fiscalização sucessiva abstrata por ação – arts 281º e 282º


Esta fiscalização pretende que o TC aprecie e declare a inconstitucionalidade de normas em
vigor. Não há qualquer limitação de tempo ou qualquer exigência específica quanto ao
fundamento da inconstitucionalidade.
Se o TC declarar a inconstitucionalidade de uma norma, a sua decisão tem efeitos
obrigatórios e gerais, o que significa que a norma declarada inconstitucional é erradicada da
ordem jurídica e todos os efeitos por ela produzidos são anulados (282º/1). Não são atingidos
os casos que já tiverem sido julgados (282º/3), exceto se isso pertencer a matérias penais ou
sancionatórias e isso for mais favorável para quem sofreu a sanção (282º/3, in fine).
O TC pode ainda determinar consequências menos contundentes para os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade (282º/4).
Pode haver uma iniciativa interna (juízes ou MP), em que o TC aprecia e declara com força
obrigatória geral a inconstitucionalidade de qualquer norma – contudo, isto só pode acontecer se
essa norma tiver sido julgada inconstitucional pelo menos 3 vezes em processo de fiscalização
concreta.
282º - se o TC declara inconstitucionalidade, quais os efeitos?
Nº1 – da força obrigatória geral:
L1 (vigora desde 1980) e L2 (2015 – revoga a L1); a L2 levanta duvidas da sua
constitucionalidade e é requerida uma fiscalização da constitucionalidade; L2 é declarada
inconstitucional, desapareceram. Os efeitos produzidos pela L2 também desaparecem, é como se
a norma nunca tivesse existido.

Nº2 – inconstitucionalidade originária vs inconstitucionalidade superveniente


A primeira é a inconstitucionalidade de uma norma, que desde a sua origem é inconstitucional,
pelo que todos os efeitos que esta produziu deixam de existir.

A inconstitucionalidade superveniente (só podemos ter em conta as inconstitucionalidades


materiais) ocorre quando uma lei é aprovada e não tem qualquer inconstitucional. Contudo, por
virtude da entrada em vigor de uma nova norma constitucional, a lei anterior é contrária a esta
nova norma constitucional.
P.E: Constituição em vigor; L1 aprovada em 2015 que não tem problemas de
inconstitucionalidade. Em 2019 há uma RC e por força desta entrada em vigor da revisão, a L1
passa a contrariar o conteúdo das normas aprovadas na RC de 2019.
Os efeitos produzidos desde 2015 até 2019 são válidos; contudo, a partir de 2019, estes efeitos
deixam de se produzir.

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Margarida Gonçalves

Nº3 – os casos julgados no passado pelos TC ao abrigo de uma norma ficam ressalvados mesmo
que entre outra lei em vigor, EXCETO se o TC decidir contrariamente quando a norma respeita
a matérias penais, disciplinares ou de ilícito de mera ordenação social.
Ou seja, a regra geral é que, quando uma norma é inconstitucional, os seus efeitos
desaparecem, exceto quando se trata de casos julgados – mas há alguns casos julgados que
podem ser afetados:

• tem de haver uma decisão do TC;


• tem de se tratar de matéria penal, disciplinar;
• e isto ocorre apenas se esta alteração for mais benéfica para o arguido.
Nº4 – p.e: se o TC nada disser, declara uma norma inconstitucional de 1980, todos os efeitos
produzidos são afetados. No entanto este nº, por questões de segurança jurídica, defende que o
TC pode fixar os efeitos produzidos anteriormente não são anuláveis.

Fiscalização sucessiva abstrata por omissão – art 283º


A pedido do PR ou do Provedor de Justiça, o TC pode ser chamado a verificar a existência
de inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar
exequíveis as normas constitucionais – ou seja, normas que carecem de complemento legislativo
para produzirem a plenitude dos seus efeitos.
Se o TC considerar que há inconstitucionalidade por omissão dá conhecimento do facto ao
órgão legislativo competente para suprir essa omissão. O TC não pode ser chamado a verificar
toda e qualquer inconstitucionalidade por omissão, apenas pode verificar a eventual omissão de
lei que seja necessária para conferir exequibilidade a normas constitucionais.

Nº1 – Só o PR e o Provedor de Justiça podem requerer esta fiscalização. Há normas


constitucionais que podem ser imediatamente aplicadas sem necessitar de certas normas; outras
normas constitucionais necessitam de uma lei posterior que diga em que temos é que estas são
aplicáveis.

Nº2 – nos outros casos, quando o TC se pronunciava pela inconstitucionalidade ou a declarava,


isso tinha imediatos efeitos jurídicos. Neste caso, o TC verifica a existência de
inconstitucionalidade, mas apenas dá conhecimento ao órgão legislativo competente dessa
inconstitucionalidade, não podendo fazer mais nada.

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Margarida Gonçalves

Balanço do nosso sistema de fiscalização da inconstitucionalidade


O nosso sistema de fiscalização de constitucionalidade é diferente do modelo europeu e do
modelo americano. É um sistema único.

• Modelo europeu – Criou-se um tribunal especial com a função de desenvolver esta atividade
de controlo de constitucionalidade – tribunal constitucional. Nasce e desenvolve-se na
europa sobretudo após a 2ª guerra mundial e aplica-se noutros países além da europa.

• Modelo americano – todos os tribunais fazem controlo de constitucionalidade, havendo a


possibilidade de recurso para o STJ. Este processo foi feito após a aprovação da constituição
(séc. XIX).

O sistema português não segue os modelos americano nem europeu. É um sistema diferente e
muito mais complexo que levanta dúvidas relativamente à sua atividade, tem uma singularidade.
A singularidade do sistema português:

• Todos os tribunais fazem fiscalização de constitucionalidade;


• Temos um TC.

Todavia, o sistema atual apresenta insuficiências significativas e distorções funcionais que


requerem essencialmente uma reformulação.
Num Estado de Direito que só se satisfaz com a plenitude de proteção contra todas as violações
significativas dos direitos fundamentais, o sistema atual revela-se deficitário e com desequilíbrios
dificilmente superáveis num quadro de manutenção integral do modelo em vigor.
Estes desequilíbrios impedem que as atuais lacunas possam ser preenchidas através de uma
correção pontual. Reis Novais propõe a racionalização integral do nosso sistema de
fiscalização da constitucionalidade, tendo como único objetivo proporcionar uma proteção
adequada contra as violações da Constituição (afetação sensível dos direitos fundamentais), o que
exige essencialmente a reformulação quase global no acesso dos particulares ao TC na
fiscalização concreta.

A fiscalização sucessiva abstrata é mais comum e pacífica.


A fiscalização preventiva é menos comum. A norma ainda não foi promulgada e chamamos o
tribunal para se pronunciar. Devemos analisar esta fiscalização com alguma delicadeza. Estamos
ainda no momento do debate político, o que obriga o TC a envolver-se na discussão política.
Esta fiscalização depende muito da atuação do PR. No Governo de Cavaco Silva, este promulgou
o OE sem o submeter a fiscalização preventiva – mais tarde, o TC foi obrigado a restringir os
efeitos da inconstitucionalidade numa altura de crise extrema. O atual PR considera que esta
fiscalização não deve ocorrer pelos riscos de interferência no debate político entre o Governo e
oposições.
A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão é pouco útil, uma vez que esta se refere a
um grupo restrito de casos. Há muitas omissões inconstitucionais. Mas isso não pode ser utilizado
no nosso TC.

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Margarida Gonçalves

Fiscalização concreta – 204, 280º(CRP) + 70º, 72º (lei TC)


As partes ou o juiz podem suscitar a questão de inconstitucionalidade da norma aplicável ao
caso – cabe ao juiz decidir. Porém, pode haver recurso para o TC das decisões que os tribunais
tomam. O juízo que o TC fizer vale para o caso concreto.
Em termos teóricos, para analisarmos esta fiscalização, vamos primeiramente analisar o art 204º:
Os tribunais não podem aplicar normas inconstitucionais quando julgam casos.
O problema é que, para sabermos se as normas são inconstitucionais, tem de se fazer um juízo
comparativo entre a norma ordinária e a norma constitucional. Ou seja, o juiz é obrigado a decidir,
expressa ou implicitamente, a questão de constitucionalidade de uma norma.
Assim sendo, em Portugal, todos os juízes dos tribunais de 1ªinstância/superiores são juízes
constitucionais porque conhecem e decidem questões de constitucionalidade. Contudo, como há
a possibilidade ou a obrigação de recurso, os juízes acabam por não tomar nenhuma decisão,
cabendo essa ao TC.

Art 280º - regime de recursos


Requisitos
1. Para que haja recurso, tem de haver previamente uma decisão tomada pelo juiz do tribunal
comum.
2. Só é possível recorrer quando a norma ou a dimensão normativa tiver constituído o
fundamento normativo (ratio decidendi) da resolução do caso com um determinado sentido
por parte do tribunal de que se recorre.
Todavia, admite-se excecionalmente que em certos casos o particular possa recorrer para o TC
sem que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada, discutida e decidida durante o
processo – decisão surpresa.

Podemos então distinguir duas situações:

• Grupo I – um juiz do tribunal comum recusa-se a aplicar certa norma num caso concreto, com
fundamento na sua inconstitucionalidade.
➢ Subtipo 1 – trata-se de uma Lei, DL, DLR ou convenção internacional (mais importante).
Há a possibilidade do prejudicado recorrer e o MP é obrigado a recorrer (280º/3).
➢ Subtipo 2 – trata-se de um diploma menos importante. Há a possibilidade do prejudicado
e do MP recorrerem (facultativo).

• Grupo II – o juiz do tribunal comum aplica a norma.


➢ Subtipo 3 – nesta situação já existia alguma anomalia porque o TC já tinha julgado aquela
norma inconstitucional. Há a possibilidade de o prejudicado recorrer e o MP é obrigado a
recorrer (280º/1/b) + nº5).
➢ Subtipo 4 – é uma situação de plena normalidade, em que o TC nunca tinha julgado aquela
norma inconstitucional. Uma parte só pode recorrer desta decisão se antes tiver suscitado a
inconstitucionalidade (280º/1/b) e nº4) e só pode fazê-lo depois de estarem esgotados os
recursos ordinários (70º/2 e 4, lei TC).

Efeitos da decisão do TC
Os efeitos de uma decisão do TC valem exclusivamente para um caso concreto (80º, lei TC).

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Margarida Gonçalves

Capítulo III – Características do regime português da fiscalização concreta


O que é que em Portugal é diferente na fiscalização concreta?
• O TC só aprecia a constitucionalidade de normas

O recurso de inconstitucionalidade para o TC incide exclusivamente sobre a eventual


inconstitucionalidade de normas em vigor na ordem jurídica – norma ordinária cuja aplicação foi
recusada com fundamento de inconstitucionalidade ou aplicada.
Os particulares ficam habilitados a proteger os seus interesses e direitos junto do TC relativamente
aos efeitos negativos que sobre ele fazem repercutir as normas de aplicação. Contudo, se a lesão
dos seus direitos resultar de atos, decisões ou de sentenças, não pode haver recurso para o TC.
Também não pode ser invocada a inconstitucionalidade pela omissão de normas. A omissão
legislativa pode ser invocada no que diz respeito à fiscalização abstrata, mas não no processo da
fiscalização concreta.

• Os tribunais comuns decidem questões de constitucionalidade de normas, mas com


recurso para o TC
No nosso sistema jurídico, foi criado um TC ao qual compete administrar a justiça em
matérias de natureza jurídico-constitucional. Apesar disso, os tribunais comuns conservaram a
competência de decidir questões de constitucionalidade – ou seja, têm a competência de conhecer
e de decidir questões de constitucionalidade.
No modelo americano todos os tribunais comuns fazem a fiscalização da constitucionalidade.
No modelo europeu, o TC é o único a fazer a fiscalização da constitucionalidade.
Em Portugal, quando está em causa a inconstitucionalidade de normas, os tribunais comuns
podem decidir, mas dessa decisão há a possibilidade de recurso para o TC (sempre que haja a
aplicação ou recusa de aplicação da norma).
Não obstante atribuir formalmente a todos os tribunais a faculdade de decisão, o nosso sistema de
fiscalização concreta assegura que seja o TC a decidir em definitivo as mesmas questões
referentes a eventual inconstitucionalidade de normas.
O nosso sistema confia nos tribunais comuns, mas retira-lhe imediatamente a confiança quando
dá às partes a possibilidade de recurso.
Relativamente a atos, decisões ou omissões legislativas, não existe a possibilidade de recurso.
Mesmo que o TC decida que a norma é inconstitucional, ela só se aplica ao caso concreto.

• Qualquer tipo de inconstitucionalidade de normas pode ser sujeita à fiscalização do TC


a qualquer momento
No nosso sistema, os particulares têm facilidade em chamar o TC a intervir e decidir. Através
do recurso, os particulares têm a possibilidade de fazer chegar e de verem decididas pelo TC
quaisquer questões de constitucionalidade e a todo o tempo.
Assim, a possibilidade de recorrer é independente da existência de qualquer prejuízo relevante da
parte dos interessados é independente do momento em que a inconstitucionalidade tiver sido
cometida, da relevância ou da importância constitucional da questão. Pode ser invocada uma
inconstitucionalidade material, orgânica ou formal.

23
Margarida Gonçalves

• A decisão do TC não erradica a norma julgada inconstitucional nem exclui a sua


aplicabilidade noutros casos
Quando o TC julga uma norma inconstitucional, a sua decisão só produz efeitos para o caso
concreto. Tudo depende do juízo expresso ou implícito de constitucionalidade que sobre essa
norma faça o juiz da causa.
Esta é uma verdadeira anomalia do sistema de fiscalização.
No modelo americano de fiscalização vigora a força do precedente judicial, pelo que se os
tribunais superiores e o STJ julgam uma norma inconstitucional, os outros tribunais estão
vinculados a seguir essa jurisprudência.
No modelo europeu de fiscalização, embora não haja força vinculativa dos precedentes judiciais,
as decisões do TC têm força obrigatória geral.
No nosso sistema, uma norma julgada inconstitucional pelo TC em fiscalização concreta nem
vê a sua vigência ou a sua aplicabilidade afetadas. Uma norma pode ser sucessivamente julgada
inconstitucional pelo TC em casos concretos, mas, se ninguém tomar iniciativa de a levar ao TC
e sede sucessiva abstrata, ela permanecerá pacificamente em vigor e a ser aplicada.
Se o TC julgar 5 vezes uma norma inconstitucional em fiscalização concreta, se for requerida a
inconstitucionalidade dessa norma em fiscalização sucessiva abstrata, o TC pode decidir de forma
diferente – a norma em causa é uma morta viva, mas existem milagres, uma vez que a norma
pode ressuscitar à sexta decisão (BM).

CAPÍTULO IV – SINGULARIDADE DO SISTEMA DE FISCALIZAÇÃO CONCRETA


PORTUGUÊS

O sistema português é um sistema singular porque não se integra em nenhum dos dois modelos.

Modelo Americano – surgiu no início do séc. XIX, momento em que se começou a fazer logo a
fiscalização da constitucionalidade. Este modelo nasceu de forma natural.
Quando as normas – ordinária e constitucional – tinham um sentido interpretativo
diferente, não se sabia qual se aplicava. Decidiu-se aplicar a norma superior – a norma
constitucional prevalece sobre a norma ordinária. Isto obriga a que os juízes verifiquem se as
normas ordinárias contradizem ou não as normas constitucionais, ou seja, que procedam a uma
fiscalização da constitucionalidade a título incidental.
Trata-se também de uma fiscalização difusa porque esta questão integra as funções e
competências de todos os juízes, mas está obviamente sujeita a recurso para os tribunais
superiores e, em última análise, para o STJ.

24
Margarida Gonçalves

Modelo Europeu – desenvolveu-se após a 2ª Guerra Mundial e aplicou-se noutros países não
europeus.
A Constituição só passou a ser generalizadamente considerada norma jurídica na Europa após a
2ª Guerra Mundial. Para além disso, a ausência da regra do precedente judicial nas ordens
jurídicas europeias contribuía para afastar a ideia de importação para a Europa do modelo de
justiça constitucional americano.
Só mais tarde, entre as duas guerras, é que se desenvolveram algumas experiências de fiscalização
constitucional.
Assentava na criação de um tribunal especial com a função de desenvolver a atividade da
fiscalização da constitucionalidade – o Tribunal Constitucional.
Assim, os juízes comuns, embora possam conhecer as questões de constitucionalidade das normas
ordinárias, não as decidem – eles suspendem a instância e remetem a decisão da questão de
constitucionalidade para o TC através do reenvio prejudicial. O TC não pode apreciar ou decidir
o caso concreto, mas apenas a constitucionalidade da norma em causa que é desaplicada no caso
concreto e é erradicada da ordem jurídica.
A proteção dos direitos fundamentais faz-se através do instituto da queixa constitucional ou
do recurso de amparo – os cidadãos, após esgotarem a via judicial comum, acedem diretamente
ao TC para garantir os direitos que estavam a ser violados e desconsiderados.
Porém, existem quatro requisitos:
1. A reserva de possibilidade de acesso só pdoe ser feita para alguns direitos fundamentais;
2. A instituição de limites temporais para a reação contra eventuais violações;
3. O esgotamento de recursos ordinários;
4. A transcendência ou relevância da questão constitucional subjacente à queixa.

O sistema português é um sistema misto e singular devido aos acidentes próprios do tempo
conturbado em que a Constituição foi preparada e aprovada. Os traços essenciais do nosso sistema
têm as suas origens marcadas pelo conteúdo da segunda Plataforma de Acordo Constitucional,
celebrada entre o MFA e os partidos políticos (1976).
Tudo apontava inicialmente para a adoção do modelo europeu e defesa dos direitos fundamentais,
uma vez que este era defendido pelos partidos políticos e pela maioria da doutrina.
*Nota

Conselho da Revolução – era constituído por militares (não quiseram dar tanto “poder” aos militares)

Comissão Constitucional – eram os atuais tribunais comuns.

• Previa-se que, em fiscalização concreta, a competência do Conselho da Revolução para


julgar as questões de constitucionalidade que lhe chegariam através de reenvio prejudicial
depois de serem juridicamente preparadas pela Comissão Constitucional (elaboravam os
projetos de acórdão).
• O TC não ficava limitado exclusivamente a fiscalização de normas, podendo haver recurso
de quaisquer outros atos.

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Margarida Gonçalves

Não foi isto que ocorreu.


Após a proposta do Conselho da Revolução, o PPD opôs-se a esta configuração devido ao receio
de se estar a institucionalizar uma intervenção excessiva do Conselho de Revolução neste
domínio. A proposta do PPD orientou-se para a entrega da decisão das questões de
constitucionalidade aos juízes dos tribunais comuns, ainda que houvesse recurso para um tribunal
especial, mas só nos casos em que houvesse recusa de aplicação de normas fundamentando a sua
inconstitucionalidade.
Foi, portanto, o receio conjuntural de uma intervenção excessiva dos militares por parte de um
partido político que originou o sistema atual. O Conselho da Revolução desapareceu, os militares
retiraram-se, mas o sistema manteve-se até à atualidade.
Surgiu a inovação de colocar todos os tribunais a decidir questões de inconstitucionalidade, mas
com recurso para:
1. Um tribunal especializado;
2. A Comissão Constitucional (na primeira proposta dos partidos, com o MFA);
3. Para o TC (quando o Conselho da Revolução despareceu).

Características principais do sistema


(i) Os tribunais comuns decidem a título definitivo todas as questões de eventual
inconstitucionalidade de atos, incluindo todas as lesões aos direitos fundamentais que
resultem de ações, decisões ou de omissões;
(ii) Os tribunais comuns decidem aparentemente as questões de constitucionalidade respeitantes
a normas, uma vez que normalmente existe recurso para o TC;
(iii) O TC decide a inconstitucionalidade de normas (apenas). No equilíbrio do nosso sistema
teria de ser assim uma vez que, de outro modo, se ampliássemos o controlo do TC a decisões
judiciais, converter-se-ia num novo tribunal de recurso de praticamente toda e qualquer
decisão judicial.

Quem tem a última palavra?


O TC só decide relativamente a atos normativos.
Fiscalização abstrata – o TC só pode verificar se uma norma contraria, por ação, as normas e
princípios constitucionais, ou se, por omissão, a inconstitucionalidade resulta da falta de norma
necessária para dar exequibilidade às normas constitucionais.
Fiscalização concreta – o TC só pode ser chamado a intervir quando um tribunal, num litígio, se
recusou a aplicar uma norma em vigor com fundamento em inconstitucionalidade ou quando
aplicou uma norma que suscitaram dúvidas de constitucionalidade no processo.
Se não se tratar de uma norma, o tipo da inconstitucionalidade, a sua gravidade, a danosidade dos
efeitos ou consequências produzidas são totalmente irrelevantes para determinar a oportunidade
ou obrigatoriedade de intervenção do TC.
A pedra de toque que nos permite avaliar a adequação de um sistema de fiscalização da
constitucionalidade é verificar de que forma ele assegura ou não uma proteção adequada dos
direitos fundamentais. Partindo do princípio que a instituição de uma fiscalização jurisdicional
da constitucionalidade é sempre um constrangimento do governo da maioria, só se justifica fazê-
lo se ele for significativamente compensado no plano dos direitos fundamentais dos cidadãos.

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Margarida Gonçalves

A atribuição dessa última palavra faz-se de forma muito discutível porque se priva o órgão
supremo de jurisdição constitucional da decisão final relativamente aos direitos fundamentais.

 Quanto à violação de direitos fundamentais – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos


(TEDH).
 Fiscalização abstrata – última palavra é do TC.
 Fiscalização concreta
− Se se tratar da violação de direitos fundamentais por atos normativos emanados pela AR,
Governo, ALR, Administração ou outras entidades públicas >> TC.
− Se se tratar da violação de direitos fundamentais por um ato não normativo no âmbito da
relação entre privados, se ocorrer pelo incumprimento do dever de proteção que os
tribunais comuns têm, ou se ocorrer através da atuação dos magistrados >> STJ.
− Se se tratar da violação de direitos fundamentais por atos da Administração, ou derivar de
ato ou omissão dos tribunais administrativos >> STA.

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