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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO ADMINISTRATIVO II
Professor Doutor Paulo Otero – baseado nas aulas teóricas e no manual do Prof. Mário Aroso

PARTE ESPECIAL DO PROCEDIMENTO DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA


PROCEDIMENTO DOS REGULAMENTOS
Os regulamentos são actos jurídicos, emanados no exercício da função administrativa,
que contêm normas jurídicas gerais e abstractas. Estes diferenciam-se das demais
manifestações jurídicas da Administração Pública, destacando-se as suas diferenças em
relação ao acto administrativo. Tendo carácter geral e abstracto, o regulamento é fonte
de direito.
A partir do momento em que um regulamento entra em vigor, este passa a integrar o
bloco de legalidade ao qual toda a Administração – inclusivamente aquela que emanou
esse mesmo regulamento – está vinculada. Isto resulta, ainda, do princípio da
legalidade, daí resultando o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
A delimitação conceptual do regulamento não é pacífica na doutrina: apesar de todos
concordar que os comandos gerais e abstractos são regulamentos e que os individuais
e concretos são actos administrativos, a divergência coloca-se quando confrontados
com figuras que não correspondem por inteiro a nenhuma dessas situações. Quanto a
estas manifestações híbridas, exige-se que as mesmas sejam reconduzidas ou a
regulamentos ou a actos administrativos, para que lhes possa ser aplicado, por analogia,
um desses dois regimes. Tradicionalmente, procedia-se à assimilação destas situações
na figura de actos administrativos. Recentemente, no entanto, tem-se acentuado a
tendência para usar o critério da determinabilidade ou indeterminabilidade dos
destinatários como critério definitivo. Assim, tende-se a reconduzir à figura de
regulamento comandos com uma pluralidade indeterminável de destinatários e a
reconduzir à figura de actos administrativos comandos reportados a uma pessoa ou a
um conjunto determinável de pessoas, mesmo que se tratem de comandos abstractos.
Entende-se hoje que todos os regulamentos são jurídicos, distinguindo-se apenas
aqueles cujos efeitos se circunscrevem à Administração Pública – regulamentos
internos – dos que emanam efeitos para fora da mesma – regulamentos externos.
Podem existir regulamentos mistos, sendo esses aqueles que contêm normas de
carácter interno e normas de carácter externo. Os regulamentos internos não carecem
de previsão legal que os habilite, ao contrário do que se passa com os regulamentos
externos (art 136º, nº 1 CPA). Note-se que, resultado do art 135º, o regime estabelecido
no CPA relativamente aos regulamentos apenas diz respeito aos regulamentos
externos.

Titularidade da competência regulamentar


A titularidade da competência regulamentar revela-nos quem pode emanar
regulamentos. Aqui se estabelecem, desde logo, três noções fundamentais: podem
emanar regulamentos todas as entidades públicas, sendo que há estruturas decisórias
com competência conferida directamente pela Constituição e, em sentido diferente,

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estruturas decisórias cuja competência não decorre da Constituição da República


Portuguesa.
ESTRUTURAS DECISÓRIAS COM COMPETÊNCIA CONFERIDA DIRECTAMENTE PELA CRP
São quatro: o Governo, as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais, as Universidades
Públicas e as Associações Públicas.
o Governo – tem competência regulamentar para execução de leis (através da qual visa
completar uma lei) e competência regulamentar independente (através da qual visa
desenvolver um conjunto de leis ou implementar directamente a Constituição – arts
136º, nº 1 e 199º, al g) CRP. Para que o Governo possa emitir um regulamento através
de competência directamente conferida pela Constituição, exige-se que a matéria em
causa esteja fora do âmbito de reserva de lei e, ainda, que essa seja matéria sobre a qual
ainda não foi legislado.
o Regiões Autónomas – têm competência regulamentar associada à emanação dos
Decretos Legislativos Regionais (art 227º, nº 1, al d) CRP), sendo esta concorrencial
entre o Governo Regional e a Assembleia Regional e têm, ainda, competência
regulamentar em sede de leis da República, quando não for estabelecida reserva para o
Governo da República. A competência regulamentar das leis da República é exclusiva da
Assembleia Legislativa Regional, podendo assim ser objecto de fiscalização preventiva
da constitucionalidade. Em sede de Regiões Autónomas, fala-se ainda da competência
regulamentar sobre organização e funcionamento do Governo Regional.
o Autarquias Locais – têm competência regulamentar dependente de uma lei de
atribuição dessa competência. A competência em causa pode ser do Munício (Câmara
Municipal ou Assembleia Municipal) ou ser, antes, da Freguesia (Assembleia de
Freguesia ou Junta de Freguesia).
o Associações Públicas e institutos públicos – têm poder regulamentar próprio, se
conferido pelos respectivos estatutos e demais legislação aplicável.
• Universidades Públicas – têm competência regulamentar, constituindo esta um
direito fundamental (fala-se em autonomia das Universidades Públicas).

ESTRUTURAS DECISÓRIAS SEM COMPETÊNCIA CONFERIDA DIRECTAMENTE PELA CRP


Fica desde logo a questão: será admissível que a lei atribua a entidades administrativas
criadas por lei competências regulamentares que já estão destinadas, pela Constituição,
ao Governo? O Professor Paulo Otero considera que não, por via do principio da
imodificabilidade das competências constitucionais. Não é, então, possível afastar a
intervenção regulamentar do Governo conferindo-a a estruturas decisórias, sejam
órgãos da Administração Pública indirecta ou periférica.
Cabe dizer-se que pode existir uma competência regulamentar por via costumeira,
falando-se de casos como o do superior hierárquico (que pode emanar instruções) e
dos órgãos colegiais (que detêm o poder de autorregulação interna).
Do art 142º, nº 1 CPA resulta o princípio do paralelismo da competência – quem tem
competência para emanar regulamentos, tem também competência para interpelar
suspender ou revogar regulamentos.

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Formalidades e forma
Do art 97º, nº 1 CPA resulta que o procedimento para a produção do regulamento pode
ser desencadeado por particulares ou pela Administração Pública. Note-se que resulta
do nº2 a exigência de existir publicidade e audiência dos interessados, podendo esta
ser feita por audiência prévia ou por consulta pública.
Quanto à forma, esta pode ser mais ou menos solene, sendo a forma de regulamento
mais solene equivalente ao decreto regulamentar. Este é um regulamento proveniente
do Governo, que carece de promulgação pelo Presidente da República, sob pena de
inexistência jurídica.
Pergunta-se: porque não opta o Governo por, em vez de elaborar um regulamento,
elaborar um decreto-lei? A resposta passa por três factores decisivos:
o O regulamento não está sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade;
o O regulamento não é objecto de apreciação parlamentar;
o O regulamento pode ser aprovado pelo Primeiro-Ministro em conjunto com o(s)
ministro(s) associados à matéria em análise, não se exigindo aprovação em
Conselho de Ministros.
Quanto à publicidade, os regulamentos do Governo e das Regiões Autónomas são
publicados na I Série do Diário da República (art 119º, nº 1 CRP) e os regulamentos das
associações públicas, tal como os das ordens profissionais, na II Série do Diário da
República. Tem-se seguido uma interpretação infeliz, da qual resulta que todos os
regulamentos em Portugal têm de ser publicados no Diário da República, incluindo os
regulamentos das autarquias locais, sem prejuízo de poderem também ser publicados
no sítio oficial da Internet e em boletim da autarquia.

Classificação dos regulamentos


Quanto ao grau de dependência do regulamento em relação à lei, podemos falar desde
logo em regulamentos de execução e regulamentos independentes. Alguns Autores
distinguem, nos regulamentos de execução, regulamentos de execução stricto sensu e
regulamentos complementares. Assim:
o Regulamentos de execução – estabelecem condições para aplicação ou prática
de uma lei, respondendo a questões técnicas que a lei deixou em aberto.
• Regulamentos de execução stricto sensu – são aqueles que são
indispensáveis à aplicação prática da lei;
• Regulamentos complementares – são, como o próprio nome indica,
aqueles que completam aspectos que a lei não pormenorizou, mas que
não são necessários para que a lei adquira exequibilidade.
o Regulamentos independentes – são aqueles através dos quais a Adminstração
edita sem referência imediata ao conteúdo de uma lei anterior que se pretenda
executar. Introduz na ordem jurídica disciplina inovadora sobre determinada
matéria. Os mesmos estão habilitados pelo art 112º, nº 6 CRP, encontrando-se
agora também no art 136º, nº 3 CPA. Estes regulamentos têm apenas como
precedente uma lei que se limita a atribuir a certos órgãos competência para os
emanarem. A sua criação, no entanto, encontra limites: o regulamento nunca

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pode derrogar disposições legais anteriores e não pode interferir com as áreas
de reserva de acto legislativo.
• Emanados pelo Governo – a maioria da doutrina entende que só um acto
legislativo pode atribuir ao Governo, caso a caso, competência para
emanar um regulamento independente relativamente a cada tipo de
matéria. A esta posição opõem-se aqueles que acham que o art 199º CRP
é um fundamento jurídico comum para todos os regulamentos
independentes do Governo. Seguindo a doutrina maioritária, entende-se
que o art 112º, nº 6 CRP visa impedir que o Governo fuja ao decreto lei
através da emanação de regulamentos independentes, fugindo assim aos
requisitos específicos da produção legislativa.
• Emanados pelas formas de Administração Autónoma (chamados
regulamentos autónomos) – associam-se, no caso das Regiões
Autónomas, ao seu poder de autorregulamentação. Têm como base legal
as previsões estabelecidas nos Estatutos Político-Administrativos de cada
Região Autónoma. Estes são regulamentos especiais, na medida em que
se sobrepõem aos regulamentos gerais emanadas pelos órgãos da
República. Também as autarquias locais têm garantido um poder de
autonormação (art 241º CRP). A base legal destes está na previsão dos
poderes normativos dos órgãos autárquicos que constam das leis que
regulam o quadro das atribuições e competências das autarquias locais.

Procedimento dos regulamentos


Com a revisão de 2015, foi introduzida uma disciplina base, com o objectivo de dar
expressão aos valores constitucionalmente consagrados da transparência e da
participação dos interessados. Note-se que o art 96º CPA não prejudica a aplicação do
regime geral, presente no Título I do Código. Como fases do procedimento, temos:
1. Iniciativa
2. Projecto de regulamento
3. Audiência dos interessados ou consulta pública
4. Decisão do procedimento e emissão do regulamento
1. A iniciativa está prevista no art 97º CPA, do qual resulta que os interessados podem
apresentar aos órgãos competentes petições que solicitem a elaboração,
modificação ou revogação de regulamentos. Deste artigo se retira o direito a que
esses interessados sejam informados do destino dado às suas petições e ao
respectivo fundamento da decisão tomada sobre as mesmas. Apesar de poderem
ser solicitados por interessados, os regulamentos são sempre de iniciativa oficiosa,
visto que o simples interesse dos interessados não cria na Administração qualquer
dever de proceder.
2. Os regulamentos são aprovados com base num projecto (art 99º CPA). Assim, esse
projecto tem de ser elaborado e aprovado, regendo-se esta fase pelos princípios
gerais do Título I. Do art 55º CPA resulta que a direcção do procedimento cabe ao
órgão competente para a decisão final, apesar de a regra ser que aquele órgão

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delegue o poder de direcção do procedimento num outro órgão. O facto de o


projecto ser elaborado por um órgão e aprovado por outro relaciona-se com
questões de imparcialidade. Os arts 56º e 58º CPA consagram os princípios da
adequação procedimental e do inquisitório, dos quais resulta que o responsável
pela direcção do procedimento goza de discricionariedade na estruturação desta
fase do mesmo, podendo proceder às diligências que considerar necessárias para
que lhe seja possível recolher os elementos precisos. Elaborado o projecto, manda
o art 99º que o mesmo seja acompanhado de uma nota de fundamentação;
3. A audiência dos interessados é obrigatória quando estejam em causa disposições
que afectem directamente direitos ou interesses legalmente protegidos (art 100º
nº 1 CPA). Esta deve ser feita num prazo não inferior a 30 dias, estabelecendo o nº
2 que a mesma pode ser feita sob forma escrita ou oral e obedece aos prazos
estabelecidos a propósito do acto administrativo. Nesta fase, são ouvidos os
interessados que como tal se tenham constituído no procedimento, que devem para
tal ser notificados. Parece resultar do art 68º CPA que poderão ser interessados os
particulares cujos direitos ou interesses legalmente protegidos estejam
directamente envolvidos ou outras pessoas, singulares ou colectivas, que se
tenham constituído como interessados durante o procedimento, quer por defesa de
interesses individuais, quer por defesa de interesses difusos. O mesmo se aplica às
entidades públicas. O direito à audiência foi reforçado com a reforma de 2015.
Agora, a mesma só pode ser afastada mediante decisão devidamente
fundamentada (art 100º, nº 4 CPA) ou quando o número de interessados seja de
tal forma elevado que não seja sustentável o regime de audiência e se tenha de
proceder a uma consulta pública (art 101º CPA). Caso seja necessária uma consulta
pública, o projecto de regulamento deve ser publicado no sítio oficial da entidade
pública na Internet. Eventuais interessados dispõe de um prazo de 30 dias para
apresentar as suas sugestões.
4. A última fase do procedimento é a da decisão e emissão do regulamento. Esta é a
fase constitutiva do procedimento, na qual o regulamento é aprovado. O art 137º,
nº 1 CPA fixa em 90 dias o prazo para a emissão dos regulamentos necessários para
dar aplicabilidade a leis. Se o prazo passar sem que o regulamento seja emitido,
podem os interessados fazer valer a sua pretensão dirigida à emanação do
regulamento, seja pela via administrativa como pela via judicial.

Validade e eficácia das normas regulamentares


A validade dos regulamentos está tratada no art 143º CPA. Desse retiram-se dois
factos:
o A exigência de conformidade dos regulamentos com a ordem jurídica é aferida
quer relativamente à ordem exterior, quer relativamente à legalidade interna
da Administração Pública.
o Os regulamentos podem estabelecer entre si relações de prevalência.
Quanto a este segundo ponto, o mesmo encontra-se clarificado no art 138º CPA. Deste
resulta que, quanto a relações entre regulamentos, podemos falar da prevalência dos

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regulamentos governamentais sobre os restantes, da prevalência de regulamentos a


nível intergovernamental (decretos governamentais → resoluções do Conselho de
Ministros com conteúdo normativo → portarias → despachos) e ainda da prevalência
dos regulamentos emanados pelos Municípios sobre os emanados pelas Freguesias.
As relações de prevalência são limitadas por relações de especialidade – art 138º, nº 2
CPA.
Outro artigo relevante no âmbito da eficácia dos regulamentos administrativos é o art
142º, que trata da aplicação dos regulamentos. Do nº 2 resulta que há prevalência dos
regulamentos sobre os actos administrativos, sendo tal equivalente a um princípio
geral de Direito Administrativo – princípio da inderrogabilidade singular dos
regulamentos. Daqui resulta que um regulamento não pode ser afastado num caso
concreto.
Do art 137º CPA resulta que a lei pode fixar ela própria um prazo para ser
regulamentada, mas pode também verificar-se que ela nada diga a esse respeito. Neste
caso, manda o artigo em apreço que se tenha em consideração o prazo supletivo de
90 dias.
O Professor faz ainda referência à questão da revogação, por análise do art 146º, nº 2
CPA. Do mesmo retira-se que é proibida a revogação não substitutiva de regulamentos
de execução, ou seja, que os regulamentos não podem ser objecto de uma revogação
simples. Os regulamentos não, em si mesmos, retroactivos (art 141º CPA).
INVALIDADE DO REGULAMENTO
A invalidade dos regulamentos pode, desde logo, ser por acção ou por omissão. A
invalidade por acção surge quando há desrespeito pelas proibições; a invalidade por
omissão (art 137º, nº 2 CPA) surge quando o regulamento não é emitido no prazo
suposto, sendo que nesse caso os interessados podem requerer a sua emissão ao órgão
com competência para o emanar ou recorrer aos tribunais.
A regra da invalidade do regulamento é a nulidade – art 144º, nº 1 CPA. Tal resulta do
facto de aí se dizer de forma expressa que a invalidade do regulamento é invocável a
todo o tempo, por qualquer interessado. Do nº 2, no entanto, resulta uma excepção:
se estivermos perante um regulamento cuja invalidade é formal ou procedimental,
então o prazo para invocar essa invalidade é de apenas 6 meses após a data da
publicação do acto.
Quanto aos efeitos produzidos pela declaração de nulidade, os mesmos estão
regulados nos nº 3 e 4 do artigo citado supra. Esta declaração tem efeitos retroactivos
até ao momento em que o regulamento é emitido. A mesma produz efeitos
repristinatórios, salvo quando as normas revogadas sejam ilegais ou tenham por outro
motivo deixado de vigorar (p.e. declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral).
Na prática, temos que:
REG B É
REG A revoga REG B DECLARADO
INVÁLIDO

RENASCE A APLICAÇÃO DE A 6
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A retroactividade não afecta os casos julgados, nem os actos administrativos já


consolidados na ordem jurídica, salvo se se tratarem de actos desfavoráveis ao
particular, à semelhança do que acontece com as normas punitivas.

Cessação de vigência
A cessação de vigência dos regulamentos pode ocorrer por quatro vias:
o Revogação – art 146º CPA
o Declaração administrativa de invalidade – art 144º CPA
o Caducidade – art 145º CPA
o Intervenção do legislador
No âmbito da revogação, vigora o princípio da livre revogabilidade dos regulamentos,
excepto nos casos previstos no nº2 do artigo supracitado. Esta revogação pode ser feita
pelo autor do acto e por quem exerça poderes revogatórios sobre o órgão que emana
o regulamento.
A caducidade, por sua vez, pode ocorrer numa de três situações:
o Verifica-se o termo final ou a condição resolutiva (art 145º, nº 1 CPA)
o Verifica-se o desaparecimento da situação material subjacente, ou seja, esgota-
se o objecto;
o Dá-se a caducidade dos regulamentos de execução quando a lei que estes
visavam regular foi revogada (art 145º, nº 2 CPA)
A este último ponto excepciona-se o caso em que o regulamento já em vigor não seja
incompatível com a lei nova. Assim:

LEI A revoga LEI B

REG a O regulamento a pode executar a


lei B se não for com ela
incompatível, sem prejuízo de se
emanar um regulamento b

Quanto à ultima possibilidade de cessação de vigência – a intervenção do legislador –


pode verificar-se a revogação simples da lei que origina o regulamento. O Professor
Paulo Otero considera isto uma caducidade, apesar de haver sectores da Doutrina que
devem que há, sim, uma invalidade superveniente.

PROCEDIMENTO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS


O art 148º CPA define acto administrativo como “decisão que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação
individual e concreta”
Ver esquema infra
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ACTOS CONSTITUTIVOS: introduzem inovações na ordem jurídica


Actos primários – actos que pela primeira vez traduzem a definição jurídica para o caso concreto
• Impositivos – o conteúdo determina imperativamente uma conduta ou uma sujeição a certos efeitos
Ablativos: impõe-se o sacrifício de um direito a alguém em benefício da colectividade
Obrigacionais: AP impõe a alguém o cumprimento de uma prestação em benefício da colectividade
Sancionatórios: é aplicada uma sanção a alguém, por ter adoptado uma conduta contrária à legalidade
• Permissivos – concedem a faculdade de adoptar determinada conduta (activa ou omissiva) geralmente vedada
Autorização: permite ao destinatário exercer um direito ou poderes legais dos quais era já titular
Licença: permite a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibida
Concessão: AP confere a um sujeito novas posições jurídicas activas
Admissão: acto através do qual alguém ingressa numa categoria, sujeitando-se ao regime específico
Delegação: delegante permite que o delegado actue sobre poderes que estavam na sua esfera jurídica
Dispensa: permite-se a alguém que não cumpra um dever legal
Renúncia: alguém da AP declara que não exerce uma faculdade ou exige uma posição jurídica activa face a terceiro (desde que tal seja
permitido pela margem de discricionariedade)
• Propulsores – visam incitar a acção de outros órgãos da AP ou a actividade dos particulares
Pedido: autoridade solicita a outra ou ao particular determinado comportamento
Proposta: solicita-se um comportamento decisório de outro órgão e exprime-se um juízo sobre o possível conteúdo da decisão
Directiva: autoridade de superintendência instiga órgão superintendido a realizar certo comportamento
Recomendação: órgão apela a que outra estrutura decisória adopte determinada providência ou sentido decisório, sem criar qualquer
obrigação para tal
Advertência: AP convida um particular ou outro órgão a adoptar certa conduta ou a abster-se de agir, tendo em vista a implementação de
uma obrigação
Actos secundários – actos que traduzem uma segunda disciplina jurídica, versando sobre anteriores actos da AP
• Integrativos – visam complementar os actos que têm por objecto, acrescentando-lhes algo
Aprovação: é um juízo de conformidade relativo à legalidade ou mérito de um acto da AP ou de particular
Homologação: órgão decisório aceita a sugestão ou proposta de outro órgão
Confirmação: expressa um juízo de concordância com o conteúdo do acto anterior
Ratificação-confirmativa: manifesta um juízo de mérito sobre acto(s) praticado(s) ao abrigo de uma competência extraordinária
• Desintegrativos – visam destruir os efeitos dos actos que têm por objecto (arts 165º-172º CPA)
Revogação (A)
Anulação administrativa (B)
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• Modificativos – mediante os quais a AP altera um acto anterior


Sem carácter saneador (art 173º/1 CPA)
▪ Alteração stricto sensu: introduz uma modificação não saneadora num acto, sem levar à paralisia de efeitos ou a correcção de erros
▪ Suspensão: paralisam-se, temporariamente, os efeitos de um acto anterior (difere da revogação por ser temporária)
▪ Rectificação: visam corrigir-se erros de cálculo ou materiais de um acto anterior, sem afectar a sua validade
Com carácter saneador (arts 164º e 173º, nº 2 e 3 CPA)
▪ Ratificação-sanação: órgão competente sana a incompetência relativa de um acto praticado por um órgão incompetente
▪ Reforma: conserva-se a parte de um acto anterior não ferida de invalidade
▪ Conversão: aproveitam-se os elementos válidos de um acto inválido, deles emergindo um acto legal
Actos consensuais – assentam num acordo entre a AP e os destinatários, sendo unilaterais de base contractual
• Actos consensuais procedimentais – arts 57º, nº 1 e 2 + 98º, nº 2 CPA
• Actos consensuais substantivos – arts 57º, nº 3 + 77º, nº 4 CPA
Actos tácitos – arts 129º e 130º CPA (deferimento e indeferimento)
ACTOS DECLARATIVOS: não introduzem qualquer alteração, limitando-se a confirmar ou declarar o que já existe
Actos de verificação – envolvem uma prévia apreensão de factos, sendo uma declaração de ciência relativa aos factos observados
• Actos de comprovação – AP verifica interiormente a conformidade de certos factos
Registo: inserção em documento específico de notícias relativas a factos comprovados pela autoridade ou resultantes de declarações proferidas
pelos interessados
Inscrição: inserção de um sujeito ou de uma coisa num elenco respectivo, resultando disso um determinado estatuto jurídico
Atas: art 34º CPA
Reconhecimentos notariais
Actos de valoração – traduzem a enunciação de um juízo de natureza técnica ou de conveniência administrativa sobre o objecto da valoração, após uma prévia
apreensão de factos susceptíveis de avaliação ou juízo valorativo
• Juízos qualificativos: AP procede a uma estimativa avaliativa, segundo critérios técnicos de justiça material, de pessoas, coisas ou factos
• Pareceres: contêm uma opinião expressa por peritos e determinados ramos do conhecimento técnico-científico ou por órgãos consultivos
• Relatórios: expõe-se o resultado de uma apreciação sobre uma situação concreta relacionada com uma actividade desenvolvida pelo seu autor
Actos de transmissão – AP comunica a outro órgão ou aos cidadãos o conhecimento de determinado acto, facto ou situação
• Publicação: arts 139º + 158º + 159º CPA / permite-se o conhecimento geral por parte de toda a colectividade de um acto, facto ou situação
• Notificação: transmite-se individualmente a um destinatário o conteúdo de um acto ou se lhe sabe fazer um facto ou situação do seu interesse próprio
• Intimação: AP convoca formalmente um particular, um titular de um órgão ou o próprio órgão para a cumprimento de uma obrigação
• Comunicação: noticiam-se os factos ou situações entre dois ou mais órgãos da AP.

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Actos desintegrativos – revogação e anulação


A revogação difere da anulação administrativa quanto ao fundamento e quanto aos
efeitos. Quanto ao fundamento, porque a revogação se funda na falta de mérito,
conveniência ou oportunidade, ao passo que a anulação se funda na invalidade.
Quanto aos efeitos, visto que a anulação é geralmente retroactiva, enquanto a
revogação é geralmente não retroactiva.
A revogação difere também da suspensão, visto que na primeira há uma cessação de
efeitos que é definitiva e que, na segunda, essa cessação é meramente temporária.
Note-se, apesar disso, que há situações nas quais a suspensão tem efeitos idênticos
aos da revogação. Fica a ideia: quem pode revogar, pode suspender, mas quem pode
suspender nem sempre pode revogar.
REVOGAÇÃO
O conceito de revogação está presente no art 165º, nº 1 CPA, cabendo desde logo
assinalar a diferença entre o acto revogatório – aquele que revoga – e o acto revogado
– aquele cujos efeitos cessam.
A revogação pode, desde logo, ser oficiosa – desencadeada pela própria Administração
Pública – ou a requerimento dos interessados – sendo o regime comum o disposto nos
arts 184º a 190º e equivalendo isso às possibilidades de reclamação junto do órgão
interessado e de recurso administrativo (chamado recurso gracioso).
Quanto ao conteúdo, a revogação pode, como se sabe, ser simples – propósito é apenas
extinguir efeitos – ou substitutiva – pretende, a par da extinção, uma nova disciplina da
matéria. Agora quanto aos efeitos no tempo, a mesma pode ser abrogatória – produz
efeitos apenas para o futuro (eficácia ex nunc) – ou com efeitos rectroactivos (dotada
de eficácia ex tunc). O mesmo pode ser retirado do art 171º, nº 1 CPA. A regra, em
Direito Administrativo, é a da revogação abrogativa.
Tema importante é o da competência para revogar actos administrativos, estando o
tema tratado no art 169º CPA. Deste resulta que tem competência para revogar:
o O autor do acto, com fundamento na competência dispositiva. Há excepções,
que se verificam se: entre o período da prática do acto e o período da revogação
ocorreu uma vicissitude da competência; o órgão perdeu a competência que era,
por exemplo, delegada (significa isto que um ex-delegado não pode revogar o
acto);
o O superior hierárquico, com base em dois argumentos: poder de supervisão e
princípio da responsabilidade pela totalidade da função – quem exerce poderes
hierárquicos é responsável politicamente pelo que os seus subalternos fazem e
não deviam ter feito ou pelo que não fazem e deviam ter feito (art 169º, nº 2
CPA, que na parte final cria excepção: actos praticados pelo subalterno ao
abrigo da competência exclusiva não podem ser objecto de revogação – superior
hierárquico não poderá revogar por iniciativa própria, mas entende-se que o
poderá fazer se o particular interpuser recurso perante o superior hierárquico do
acto do subalterno, pois que os administrados não podem ficar privados do
direito à impugnação administrativa. Note-se que, apesar de não poder revogar,

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o mesmo pode dar uma ordem nesse sentido, estando o subalterno vinculado a
fazê-lo por via do dever de obediência).
o Órgão delegante ou subdelegante, consoante o caso – quem pode o mais
(revogar a delegação) pode o menos (actos praticados ao abrigo dessa
delegação) – art 169º, nº 4 CPA
o Órgão de superintendência ou órgão tutelar (art 169º, nº 5 CPA) – só existe nos
casos expressamente previstos na lei. O Professor Paulo Otero defende que a
disposição deve ser interpretada em articulação com o art 51º CRP.
o Órgão competente preterido – equivale ao seguinte cenário: CML + Assembleia
Municipal. CML pratica um acto da competência da Assembleia – acto está ferido
de incompetência relativa. Quem pode revogar este acto?
o O órgão competente, que foi preterido? Sim – não faz sentido que ele,
que já foi privado da prática do acto, fosse agora privado da competência
para revogar esse acto. Admitir que ele não poderia revogar era atribuir
relevância positiva à ingerência na esfera de competência do órgão. – art
169º, nº 6 CPA. O Professor Paulo Otero afirma que esta disposição não
é muito feliz: este acto que invade a esfera de competência do órgão
competente é um acto inválido. Se a revogação se diferencia da anulação
por dizer respeito ao mérito e à conveniência, estamos perante um erro
de qualificação – isto nunca é um caso de revogação, mas sim um caso
de anulação.
Quanto ao regime jurídico da revogação, este obedece a três ideias-chave:
1. Existem actos de revogação impossível – actos que não podem ser revogados.
Estes são os actos a que se refere o art 166º, nº 1 CPA:
o Actos nulos, porque são inválidos e porque revogar implica cessar efeitos
e um acto nulo não produz quaisquer efeitos;
o Actos anulados contenciosamente, visto que já estão destruídos por
decisão judicial;
o Actos que já foram revogados com eficácia retroactiva, pois que tal
equivale a um acto de revogação inválido, por falta de objecto – esse acto
está ferido de violação de lei, sendo nulo pelo disposto no art 161º, nº 2,
al c) CPA.
Os actos válidos são livremente revogáveis com fundamento em razões de mérito. Este
é o princípio geral que se retira do art 167º, nº 1, a contrario CPA. Excepcionam-se os
casos em que os actos válidos não podem ser livremente revogados: actos que a lei
impõe que tenham de existir; actos que criam obrigações legais ou direitos
irrenunciáveis para a AP; actos constitutivos de direitos.
revogação dos actos constitutivos de direitos:
consideram-se constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou
reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus,
encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza
do ato. (art 167º, nº 3 CPA)

11
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Falamos de actos que atribuem posições jurídicas activas, bem como que restringem
ou excluem situações jurídicas passivas. Os actos constitutivos de direitos diferem dos
chamados actos precários (estruturalmente constitutivos de direitos), sendo esses
aqueles que atribuem posições jurídicas favoráveis, mas que podem a qualquer
momento ser revogados. Diferem também dos actos verificativos, sendo esses actos
declarativos que seguem o regime dos actos constitutivos – não podem ser livremente
revogáveis (p.e. certidão de cadeiras feitas, certificado de licenciatura).
No regime geral de revogação dos actos constitutivos de direitos, tem-se que os actos
têm de ser, obviamente, válidos. O princípio geral do direito português é que os actos
constitutivos de direitos não podem ser revogáveis – proibição da revogação dos actos
constitutivos de direitos válidos. Essa regra tem excepções, previstas no art 167º, nº 2
CPA (se o acto é parcialmente desfavorável pode ser revogado na parte desfavorável; se
todos os beneficiários manifestam a sua concordância e o direito não é indisponível; se
há superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou uma alteração das
circunstâncias de facto; ou, ainda, se há reserva de revogação – note-se que aí não
estaremos, então, perante um verdadeiro acto constitutivo de direitos).
Este nº 2 (introduzido em 2015) levanta um problema constitucional: podem actos
constitutivos de direitos criados em vigência do outro CPA estar sujeitos a este regime,
ou será que o legislador devia ter previsto um regime transitório, em nome da segurança
jurídica? Se optarmos pela segunda via, há inconstitucionalidade. O Professor refere-
nos o art 167º, nº 4 CPA, do qual resulta que nestes casos (os da alínea c) do nº 2), a
revogação só é possível no prazo de um ano a contar do conhecimento desta nova
causa – mas este ano pode ser estendido por mais dois: tem um limite máximo de 3
anos, o que vem precarizar os actos constitutivos de direitos. O nº 5 do art 167º admite
a revogação, mas se o destinatário estava de boa-fé, há direito a indemnização pela
prática de acto lícito.
Vigora o princípio do paralelismo das formas: acto de revogação deve ter a forma do
acto revogado (art 170º, nº 1) – com excepções, previstas no art 170º/2. Quanto às
formalidades, a revogação obedece às formalidades do acto revogado. Quanto aos
efeitos da revogação, a regra é a não retroactividade da revogação, excepto se esta for
favorável aos interessados ou se os interessados manifestarem concordância (salvo
direitos indisponíveis) – art 171º, nº 1 CPA.

ANULAÇÃO
A anulação fundamenta-se sempre em razões de legalidade – tem como fundamento
a invalidade do acto (art 165º, nº 2 CPA). Esta corresponde a um dever da
Administração Pública, dado que através da anulação a mesma repõe a legalidade –
estamos ainda no âmbito do princípio da legalidade, mesmo que o órgão decisor tenha
competência para anular ou, se possível, sanar as invalidades.
A regra é que a anulação produz efeitos retroactivos, resultando isso do art 163º, nº 3
e 171º, nº 3, primeira parte CPA. Existem, no entanto, casos de anulação administrativa
atípica. Falamos dos casos em que a anulação é ex nunc (art 168º, nº 4, al b) CPA + art
171º, nº 3, 2ª parte), dos casos que envolvem a modelação de efeitos, permitindo que

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o acto anulável produza efeitos (163º nº 5 CPA) e ainda dos casos em que há anulação,
mas há dever de indemnizar (art 168º, nº 6 CPA).
A anulação administrativa difere da declaração de nulidade – a anulação produz
alterações na ordem jurídica, enquanto que a declaração de nulidade ou inexistência é
meramente declarativa.
Quanto à competência para levar a cabo a anulação de actos administrativos, esta é
dividida em três possibilidades:
• O autor que é competente e o autor que é incompetente para a prática do acto
(art 169º, nº 3 CPA), sendo que a competência do autor incompetente se funda
no princípio do autocontrolo da legalidade.
• O superior hierárquico, mesmo que a competência seja exclusiva do subalterno
(art 169º, nº 3 CPA)
• O órgão tutelar ou de superintendência, na sequência de recurso interposto.
Quanto ao regime, à semelhança do que foi já visto para a revogação, existem cinco
ideias a reter:
1. Existem actos de anulação impossível – todos os previstos no art 166º, nº 2 CPA;
2. Se a invalidade dos actos administrativo só fundamenta a sua anulação dentro
de um certo prazo, decorrido esse prazo a anulação já não é válida. Passado
esse prazo, o acto de anulação está ferido de violação de lei, que se reconduz à
anulabilidade. A regra geral é a de 5 anos. Se o órgão tinha conhecimento da
causa da invalidade, ele só tem 6 meses (art 168º, nº 1 CPA). Estes prazos são
relevantes em caso de erro, porque em caso de erro do decisor os 6 meses
contam a partir do momento em que se conhece o erro. Findo o prazo, o acto
consolida-se na ordem jurídica, passando a ser inválido o acto de anulação (por
violação de lei e por incompetência em função do tempo). Todos os prazos
podem ser encurtados mediante impugnação contenciosa.
3. Se o acto inválido é objecto de impugnação contenciosa, só é possível anulação
até ao fim da discussão no tribunal (art 168º, nº 4 CPA);
4. Consolidada a invalidade do acto pelo decurso do tempo, pergunta-se: a que
regime estará sujeito o acto entretanto consolidado? A resposta só pode ser
uma: ele encontra-se sujeito às regras de revogação dos actos válidos (art 167º
CPA). Só podia ser assim: ele não pode ser anulado com base na sua invalidade,
pois que um acto que nasceu inválido e que se consolidou, não pode ser maior
garantia de continuidade na ordem jurídica e um acto válido pode sempre ser
revogado (art 170º CPA);
5. O regime da anulação dos actos administrativos suscita sérias dúvidas de
inconstitucionalidade:
• A propósito da lesão da tutela da confiança e da segurança jurídica, para
os actos praticados antes da entrada em vigor do novo Código e que
estão sujeitos ao regime nesse definidos;
• Princípio da intangibilidade do caso julgado e a sua relação com o art
168º, nº 7 CPA.

13
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

anulação dos actos constitutivos de direitos:


Note-se, desde logo, que só podem estar em causa os actos constitutivos de direitos
ilegais que forem anuláveis – os nulos nunca são passíveis de anulação (são casos de
impossibilidade de anulação).
Um acto constitutivo de direitos apenas pode ser anulado durante determinado prazo,
sendo que esse é inferior ao prazo para anular actos inválidos não constitutivos de
direitos (5 anos). Neste caso, a regra é de 1 ano, a contar da data da emissão do acto,
como disposto no art 168º, nº 2 CPA. Há, no entanto, casos em que a lei sujeita a
anulação dos actos constitutivos de direitos ao prazo de 5 anos:
o Se o beneficiário utilizou artifícios fraudulentos para obter a prática do acto em
causa – se não agiu com boa fé (houve fraude);
o Se estamos no âmbito de uma relação continuada, estão em causa prestações
periódicas. Daí resulta que a anulação pode ocorrer nos 5 anos subsequentes à
prática do acto, com uma particularidade – a anulação só produzirá efeitos para
o futuro;
o Em todos os restantes casos de direitos de conteúdo pecuniário, quando a lei
permita que o prazo de controlo administrativo vá para além de um ano e
impuser o dever de restituir tudo o que tiver sido indevidamente adquirido pelo
particular.
Há uma terceira hipótese relativa aos prazos de anulação – há um caso no qual não há
qualquer prazo de anulação. Essa é a situação prevista no art 168º, nº 7 CPA, que tem
em causa uma situação de Direito da União Europeia. Esta solução, diz o Professor, é
inconstitucional. É-o porque permite que a Administração anule uma decisão de um
tribunal, pondo em causa o art 205º CRP, sendo-o também por violar o princípio da
segurança jurídica. Note-se que esse é também um princípio fundamental da União
Europeia, pelo que a disposição é também inválida aos olhos desse ordenamento.
Antes do Código, note-se, a regra no direito português era a de que estes actos
constitutivos de direitos só podiam ser anulados no prazo de 1 ano. Surge a questão:
imagine-se que à entrada em vigor do novo Código existia um acto administrativo
inválido que se consolidaria na ordem jurídica no prazo de 1 ano, mas que com a entrada
em vigor do novo Código passou a estar sujeito a um prazo de 5 anos. Será constitucional
a solução de alargar o prazo de anulação? Na óptica do Professor Paulo Otero, não. Aos
actos inválidos emanados antes da entrada em vigor do novo Código deve aplicar-se
o prazo anteriormente estabelecido – 1 ano. Tal justifica-se por via do princípio da
protecção da confiança e porque a mudança de regime pressupunha a existência de
regras transitórias, que não existem. Pode ainda discutir-se outra situação: se um acto
inválido produzido em 2014 se tiver consolidado na ordem jurídica em 2015, pode ser
anulado nos 4 anos subsequentes? Na prática, o prazo de 5 anos é apenas aplicável aos
actos praticados após a entrada do novo Código, ou não? Note-se que há milhares de
actos nesta situação, não sendo esta uma questão marginal.
O Código prevê casos de indemnização por anulação quando há boa fé por parte dos
destinatários – art 168º, nº 6 CPA.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A anulação administrativa, diz-nos o art 171º, nº 3, produz efeitos retroactivos. Esta é


uma diferença significativa entre a revogação e a anulação, justificada pelo facto de a
anulação visar apagar a invalidade. Essa regra encontra excepções:
o Se o acto anulado era constitutivo de direitos e envolvia prestações periódicas
no âmbito da relação continuada;
o Se o acto se tornou inimpugnável por via judicial1
Pergunta-se: razoes de equidade, segurança pública, segurança jurídica ou interesse
público excepcional podem justificar a limitação da retroactividade? O Professor Paulo
Otero considera que sim. Se a inconstitucionalidade pode ser modelada nos seus efeitos
retroactivos, por maioria de razão, o mesmo se deve dizer da invalidade. Ainda quanto
aos efeitos no tempo, o art 171º, nº 4 determina que a retroactividade da anulação
envolve efeito repristinatório.
A Administração Pública tem o dever de reconstituir a situação actual hipotética – tem
de tomar como referência a situação de facto e de direito existente no momento em
que devia ter actuado (incluindo os actos que não foram praticados pelo facto de o acto
ter sido anulado) – art 172º, nº 1. Esta regra tem limites por natureza: há casos em que
há uma impossibilidade de reconstituição hipotética, resolvidos através da
responsabilidade civil.
A Administração está também vinculada a criar actos retroactivos para criar a situação
hipotética, sendo que essa reconstrução nem sempre é fácil. A mesma pode alterar
situações de facto que se mostrem incompatíveis com a situação hipotética, tendo isso
efeitos nos particulares envolvidos. Os destinatários dos actos consequentes aos actos
anulados, desde que de boa-fé, podem estar sujeitos a uma protecção especial (art
172º, nº 3 CPA). Se os danos forem de difícil reparação, os particulares podem ver a sua
situação estabilizada. Nem sempre a anulação, assim, conduz à destruição de todos os
efeitos – há um juízo de proporcionalidade2. Quanto à situação de funcionários
públicos, que recebem ordenados durante o período decorrido entre serem
contractados e ser essa contractação considerada inválida, apesar de aquele que foi
contractado estar de boa-fé. O caso resolve-se pelo art 172, nº 4 CPA. Estão aqui em
causa os princípios da legalidade e da protecção da confiança.

Actos declarativos
São actos que não introduzem alterações na ordem jurídica. Podem ser actos de
verificação, actos de valoração ou actos de transmissão, existindo diversas modalidades
destes actos. Nem todos estes actos estão disciplinados no CPA, sendo que há actos
relativamente aos quais o CPA produz um regime desenvolvido (actas, certidões,
pareceres, informações, publicação e notificação).
Os actos de verificação são actos que não introduzem inovações na ordem jurídica,
mas seguem o regime dos actos constitutivos de direitos – não podem ser, por isso,

1
impugnação só pode ser feita no prazo de um ano
2
EXEMPLO: ocorre a expropriação de um terreno, sendo essa declarada inválida 10 anos depois. Como é
feita a reconstituição da situação actual hipotética, tendo em conta que nesses 10 anos se construiu nesse
terreno um bairro social. À luz dos princípios deveria proceder-se à destruição do bairro, mas tal não é
razoável. A questão é assim resolvida por via indemnizatória.

15
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

objecto de revogação ou anulação a qualquer instante, por qualquer motivo. Quanto


aos juízos qualificativos, os mesmos envolvem um juízo material – estão, p.e., na base
das avaliações dos exames. São aqui de relevância máxima os actos de publicidade,
visto que o início da produção de efeitos depende do seu conhecimento por parte dos
destinatários, sobretudo em caso de actos desfavoráveis. Estes necessitam de ser
notificados para que possam produzir efeitos.
MARCHA DO PROCEDIMENTO – PROCEDIMENTO DECLARATIVO TÍPICO
Trata-se do procedimento declarativo de primeiro grau, o que corresponde a uma
primeira decisão por parte da Administração Pública. A marcha deste procedimento
obedece a várias fases:
A primeira fase é a fase de iniciativa do procedimento, cabendo desde logo averiguar
quem tem competência para desencadear o procedimento:
o Administração Pública – fala-se de um procedimento de iniciativa oficiosa (art
53º CPA). Do art 110º resulta que a Administração tem o dever de notificar os
particulares do início do procedimento, devendo identificar: a entidade que
ordenou a instauração do procedimento, o facto que lhe deu origem, a data de
início do processo e o objecto do mesmo. Do nº2 do mesmo artigo resultam
excepções a esta regra geral, justificadas pela necessidade de secretismo de
certas medidas. Essas excepções são definidas por via de conceitos
indeterminados.
o Particulares – art 53º CPA. Note-se que há requisitos para o requerimento inicial
do particular, identificados no art 102º CPA: identificação do órgão destinatário,
de quem requere, do objecto do que se requere e dos factos/normas que
alicerçam o respectivo pedido. Este artigo está pensado para pedidos formulados
em suporte de papel, mas sabe-se que grande parte da Administração funciona
hoje em suporte digital. A preterição dos requisitos formais pode levar a três
cenários
• Indeferimento liminar – a Administração rejeita liminarmente o
requerimento (art 108º/3 CPA)
• Adminstração convida o particular a suprir deficiências (art 108º CPA)
• Administração, ao abrigo de um princípio de interdição do formalismo
excessivo e de um princípio de, em dúvida, prevalecer o mais favorável
ao particular, procede ela mesma à supressão das deficiências (art 108º,
nº 2 CPA)
O particular deve fazer chegar o requerimento à Administração Pública por via
do disposto nos arts 102º, 103º e 104º CPA.
Do art 105º CPA resulta que a Administração tem obrigação de registar o que lhe foi
apresentado. A essa, acresce-se ainda uma garantia complementar – recibo de entrega
(art 106º CPA). Este representa uma garantia do particular para prova do início do
procedimento – prova-se que a Administração recebeu o requerimento, o que é
relevante no momento da contagem do prazo disponível para que a Administração
tome uma decisão. É a partir desse acontecimento que se começam a contar os prazos
do procedimento. Pode também ser relevante a hora que foram entregues os

16
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

requerimentos, essencialmente em situações nas quais determinada ordem dependa da


ordem dessa entrega. EXEMPLO: em concursos públicos, há prazo de hora para a entrega das
propostas. se alguém entregar fora da hora a que nos termos das regras do concurso estava obrigado a
entregar, os demais têm a requerer a exclusão desse particular do concurso.
Acabada a fase da iniciativa, entra-se na fase do início do procedimento. Sobre esta, o
CPA nada diz pela positiva – temos, por isso, de retirar as suas regras, a contrario, do
art 109º CPA. São quatro as exigências fundamentais:
o Competência do órgão da Administração – devo apresentar o requerimento ao
órgão competente na matéria;
o Legitimidade do requerente – quem pede, tem de ter interesse pessoal e directo
naquilo que pede, salvo duas excepções: representação e gestão de negócios;
o Tempestividade do pedido – se há um prazo definido, esse tem de ser cumprido;
o Não caducidade da posição jurídica que se pretende exercer ou reivindicar.
A falta de qualquer um destes aspectos conduz ao indeferimento liminar. Podem existir
as chamadas medidas provisórias (arts 89º e 90º CPA) – para impedir a verificação de
uma situação de facto consumado ou de uma situação em que existam prejuízos de
difícil reparação, a Administração adopta medidas a título provisório.
Segue-se a fase de instrução. Nesta, a Administração levará a cabo um conjunto de
diligências destinadas a apurar a factualidade (factos de ciência ou factos de técnica,
naturalmente indispensáveis para a decisão). Esta fase está contemplada para que a
Administração possa obter certezas factuais. A mesma relaciona-se com o princípio do
inquisitório. A direcção da instrução está tratada no art 115º CPA. São diligências típicas
da Administração:
o Averiguações – a Administração vai averiguar se os factos ocorreram ou não.
Tendo ocorrido, deverá verificar que configuração esses têm;
o Solicitar a apresentação de informações – a Administração solicita informações
aos interessados. Isso pode ser feito junto dos particulares ou junto de outros
serviços da própria Administração (auxílio administrativo – art 66º). É feita sob
de acordo com a forma prevista no art 117º CPA. Podem haver causas legítimas
de recusa destas informações – art 107º/2 e a falta de apresentação das
informações é valorada nos termos do art 119º.
o Determinação de inspecções aos locais
o Solicitar a apresentação de coisas
o Realização de peritagens – art 115º, nº 1 CPA. Estas são sobretudo técnicas.
o Pareceres – opiniões cuja validade/força depende de quem os emite. A regra no
direito português está presente nos arts 91º e 92º CPA: pareceres são
obrigatórios, mas não vinculativos. Disso se retira que estes têm de ser emitidos,
mas que o conteúdo que deles resulta não vincula o órgão decisório. Pode
acontecer que a lei não fixe prazo para a emissão do parecer. Nesse caso, o
parecer deve ser emitido no prazo de 30 dias (art 92º, nº 3 CPA). Se tal não se
verificar no decorrer desse prazo, o órgão decisório não fica impedido de decidir:
o procedimento pode prosseguir e vir a ser decidido sem o parecer. A esta regra
excepciona-se a situação do nº 6.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Cabe agora, portanto, tratar das diligências típicas dos particulares. Do art 116º resulta
que cabe aos interessados provar os factos que são alegados. São meios instrutórios
para esse efeito os que resulta dos arts 107º e 116º, nº 3 CPA:
o Juntar alegações
o Juntar documentos
o Requerer diligências
o Juntar pareceres
Pode existir produção antecipada de prova, quando há risco a prova ser muito difícil
(art 120º CPA).
Segue-se a preparação da decisão final. Aqui, o princípio geral é o da audiência prévia
dos interessados – arts 121º a 124º CC. Todas as decisões de conteúdo negativos estão
sujeitas a audiência prévia, sendo que há também casos de dispensa desta audiência
(art 124º CPA). A audiência pode ser escrita ou oral, reforçando-se aqui o dever de
fundamentação. Se a audiência prévia for preterida, entende o Supremo Tribunal de
Justiça que há vicio de forma. O Professor Paulo Otero discorda – se estiver em causa
a violação de um núcleo essencial de um direito fundamental (como o direito de um
justo procedimento), devemos falar em violação de lei, que leva à nulidade; se não se
atingir esse conteúdo essencial do núcleo, a consequência é a mera anulabilidade.
Chega-se assim à última fase do procedimento: a fase de extinção. Esta começa quando
a Administração tem já uma decisão preparada. A mesma pode ocorrer por sete
maneiras diferentes:
o Decisão expressa – é a que deverá ser a forma normal de extinção do
procedimento (art 93º e 94º CPA). A Administração tem o dever de decidir,
resultando esse dever desde logo do art 13º CPA. A regra é a da forma escrita,
havendo conteúdo dito obrigatório (art 151º CPA).
o acto administrativo normal ou tradicional – art 127º CPA
o acto administrativo consensual – art 57º, nº 3 CPA
o acto contractual – 57º CPA
o Forma de extinção prevista nos arts 129º e 130º CPA
o Acordo substitutivo do procedimento – em vez de continuar o procedimento, a
Administração resolve a situação por acordo (art 77º, nº 4 CPA). Essa situação é
possível fora das conferências procedimentais.
o Desistência e renúncia por parte do particular – art 131º CPA
o Deserção – particular desinteressa-se pelo procedimento (art 132º CPA)
o Impossibilidade ou inutilidade superveniente – art 95º CPA
o Falta de pagamento de taxas ou despesas – art 133º CPA
MARCHA DO PROCEDIMENTO – PROCEDIMENTO DECLARATIVO GRACIOSO
Neste caso, o que se verifica é que o particular não está contente com a decisão da
Administração, resolvendo desencadear um meio gracioso – art 184º a 199º CPA.
Como procedimento típico, o CPA define o recurso hierárquico. Foquemo-nos nesse.
Começa-se pelo requerimento inicial (art 184º, nº 3 CPA) – neste, o particular deve
identificar o recorrente, o objecto do recurso e os fundamentos do recurso. O recurso

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

tanto pode ser de acto expresso como pode ser de omissão, devendo sempre o
particular deve formular um pedido – art 184º CPA.
Os destinatários do recurso hierárquico, sem prejuízo das situações especiais, estão
previstos no art 194º CPA. Do recurso hierárquico resulta a criação de um dever legal
de decidir na esfera jurídica do superior. É com art 189º que se torna possível saber se,
com o recurso hierárquico, há ou não efeito suspensivo. Esta questão consiste em saber
se, com a interposição do recurso, pode ou não a Administração aplicar a decisão. A
lei trata a matéria distinguindo entre dois tipos de recurso hierárquico:
o Necessário – quando é condição para acesso aos tribunais. Nestes casos, a sua
interposição tem sempre efeito suspensivo, visando tal factor proteger os
particulares;
o Facultativo – não tem efeito suspensivo.
Como pressupostos do recurso, temos o disposto no art 196º a contrario. A falta de um
dos pressupostos gera indeferimento liminar. O art 195º, nº 1 CPA impõe a notificação
dos contrainteressados – há decisões em que alguém impugna a decisão, mas a decisão
é favorável a outro destinatário. São contrainteressados aqueles que têm um interesse
contrário aos que procedem à impugnação. O superior hierárquico deve sempre ouvir
o autor do acto, ou seja, aquele que emitiu a decisão que está a ser objecto de recurso.
A decisão do recurso está prevista no art 197º CPA. Esta pode ser o rejeitar
liminarmente, a improcedência do recurso (Administração confirma a decisão do
subalterno) ou, ainda, a procedência do recurso. O prazo de decisão é o previsto no art
198º CPA. É sempre possível reclamar da decisão do recurso em caso de omissão de
pronúncia.
Coloca-se a questão de saber se a resposta ao recurso pode ser pior para o particular
do que foi a primeira decisão tomada pela Administração – fala-se da possível
reformatio para pior. O princípio geral é o de negar a reforma para pior (art 195º, nº 4
CPA). Assim, regra geral, o que resulta da decisão do recurso não pode ser menos
favorável ao recorrente.
MARCHA DO PROCEDIMENTO – PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO
Estamos perante situações em que a Administração Pública formula uma determinada
definição do direito ao caso concreto – exerce a autotutela declarativa –, mas o
destinatário dessa definição não acata voluntariamente a decisão – não implementa o
que a Administração exige dele. Implica passar-se à execução do regime delimitado.
A regra histórica, no Direito Português, é a da autotutela executiva – perante o não
acatamento voluntário de uma decisão administrativa por um particular, a
Administração pode, sem recorrer previamente ao tribunal, usar a força para fazer
cumprir. A Administração Pública, assim, não carece de ir a tribunal para fazer vingar a
sua vontade.
Apesar e ser essa a regra no nosso Ordenamento, o CPA de 2015 veio operar, nas
palavras do Professor, uma “pequena grande revolução”, passando a exigir como via
de regra (princípio geral) a intervenção prévia dos tribunais (arts 175º a 183º CPA).
Cabe avaliar o âmbito de aplicação do art 175º CPA, que trata do objecto da execução
dos actos administrativos. Prevêem-se aqui, fundamentalmente, três hipóteses:

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Obrigações pecuniárias – art 179º


o Entrega de coisa certa – art 180ª
o Prestação de factos – art 181º
Do nº2 do artigo em apreço resulta que a adopção de medidas policiais de coação
directa é objecto de legislação própria. Nesta matéria, o princípio geral é o do art 176º:
a Administração Pública só pode impor coactivamente nos casos e segundo as formas
expressamente previstas na lei. Se os casos não estão expressamente previstos na lei,
exige-se a intervenção dos tribunais. A regra, no entanto, comporta excepções: são
essas as situações de urgente necessidade pública, onde se permite que a
Administração continue a gozar do direito de execução prévia (art 176º, nº 1 CC). Fora
dos casos expressamente previstos na lei e dos casos de urgência e necessidade pública,
essa terá de se fazer valer de um título judicial (art 183º CPA).
Quanto aos momentos do procedimento de execução:
1. Existência de um acto exequendo – aquele que carece de execução (art 177º
CPA).
2. Existência de um segundo acto que determina que esse primeiro deve ser
executado – acto regulado no art 177º, nº 2 CPA. Este acto que decide proceder
à execução fixa os termos e o conteúdo da execução, dando um prazo razoável
para o cumprimento da obrigação.
3. O particular pode impugnar os dois actos em causa – art 182º CPA, visto que
estes dois primeiros actos estão ainda dentro da Administração Pública. Existe
assim um terceiro acto, que notifica o particular de que há uma obrigação que
ele tem de acatar e que determina os termos nos quais este o deve fazer.
4. Aqui começa o quarto momento:
• Após a notificação, o particular acata a decisão – tudo bem;
• Particular não o faz, recusando-se a dar execução à decisão – Administração
coloca-se na posição de ter de passar à execução coerciva. Quando poderá
ela usar a força? Tradicionalmente podia, por via de regra, sempre. Hoje, o
art 176º, nº1 CPA faz com que esta deve recorrer previamente aos tribunais,
só podendo usar a força quando reunir dois títulos (declarativo, que ela já
tem; executivo, que lhe é dado pelo tribunal).
Pergunta-se: a lei que cria mecanismos de execução para a Administração Pública já
existe?
Do art 8º, nº 2 do diploma preambular que aprovou o CPA (DL 4/2015, de 7 de Janeiro)
resulta que o nº 1 do 176º CPA se aplica a partir da data da entrada em vigor do diploma
que define os casos, as formas e os termos em que os actos podem ser impostos
coercivamente pela AP. Visto que esse diploma não foi ainda publicado, a realidade é
que ainda nada disto passou à prática – por isto se fala em “pequena grande revolução”,
na medida em que a mudança é grande, mas não está ainda a produzir efeitos.
Então, enquanto esse regime não surge, qual o regime da execução dos actos
administrativos? O regime em vigor é definido pelo art 6º do DL preambular – o art
149º, nº 2 CPA de 91 mantém-se em vigor até publicado o diploma prometido pelo art

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

8º, nº 2 – vigora o regime velho. Desse artigo resulta que, por via de regra, há privilégio
de execução prévia.
Sublinhe-se ainda que a solução transitória acima mencionada – manter em vigor o CPA
91 no âmbito da execução dos actos administrativos – não tem cobertura na lei de
autorização legislativa que serviu de base ao novo Código: essa falta de autorização
legislativa leva à inconstitucionalidade da manutenção em vigor do CPA de 1991.
Continua hoje a Administração a gozar de autotutela declarativa e executiva, mas agora
de forma inconstitucional.
A falta do título executivo levanta um problema de a Administração Pública agir ao
abrigo do princípio da separação de poderes – ela está a substituir um título executivo
por uma decisão dela própria. Assim, a execução será, nesses casos, um acto nulo – não
há dever de obediência.
Fica a questão: dever-se-á aplicar um regime inconstitucional? Ou um Código nulo?

Os contractos administrativos
Temos, aqui, dois tipos de procedimento:
• O procedimento dos contractos administrativos;
• O procedimento dos contractos de Direito Privado da Administração Pública
O que os distingue não é o procedimento administrativo, já que ambos estão sujeitos ao
regime do Código dos Contractos Públicos – o seu processo está sujeito ao mesmo
regime jurídico. Distingue-os o regime substantivo ou material que regula o contracto:
se o contracto é regulado, em termos substantivos, pelo Direito Administrativo, então
é um contracto administrativo; se o mesmo é regulado pelo Direito Privado, então é
um contracto de Direito Privado da Administração Pública.
O CCP é constituído por um regime geral, composto pelos arts 16º a 277º CCP, aplicável
à formação de todos os contractos públicos (art 1º, nº 2 CCP). Mais, estes mesmos
artigos são aplicáveis aos procedimentos destinados a actos unilaterais se esses
envolvem benefícios ou vantagens aos seus destinatários – art 1º, nº 3 CCP. Já o regime
previsto nos arts 278º a 454º CCP apenas se aplica aos contractos administrativos (art
1º, nº 5 CCP).
Sendo o regime comum, pergunta-se: como se forma um contracto administrativo?
Quais as fases? A decisão de contractar é a primeira decisão administrativa, estando
ela regulada no art 278º CC. O principio nuclear nesta matéria é o seguinte: é possível
a utilização da forma contractual em todos os casos em que a Administração poderia
decidir por acto administrativo. Esta é uma manifestação do princípio da equiparação
entre a forma de contracto e a forma de acto. O mesmo comporta, no entanto,
excepções (situações em que a lei dispõe em contrário e situações em que a natureza
das relações a estabelecer não permite o contracto).
O conteúdo da decisão de contractar exige 4 itens de conteúdo:
o Definição do objecto do futuro contracto;
o Termos do conteúdo e as condições do contracto;
o Regras sobre apresentação, escolha de candidatos e respectivas propostas;
o Condições de validade e de eficácia da própria decisão de contractar.

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Patrícia Carneiro da Silva

Toda a contractação administrativa está especialmente vinculada a três princípios (art


1º, nº 4 CCP):
o Transparência
o Igualdade
o Concorrência
Ainda a propósito da formação do contracto, pergunta-se: como pode a Administração
escolher o cocontratante? Há, nos termos do CCP, 5 processos (art 16º):
• Ajusto directo – art 112º e seguintes;
• Concurso público – art 130º e seguintes;
• Concurso limitado por prévia qualificação – art 166º e seguintes;
• Procedimento de negociação – art 193º e seguintes e art 29º;
• Diálogo concorrencial – art 30º e 204º e seguintes.
Circunscrevendo a análise à forma típica, falemos do concurso público.
Discute-se a questão de saber se é ou não um princípio geral a exigência do concurso
público: o Professor Paulo Otero diz que sim, por via da existência dos três princípios
citados supra e do direito da união europeia.

Fases do concurso público


o Abertura do concurso – feita com o anúncio público, que deve conter o programa de
concurso e o caderno de encargos (arts 40º, 41º e 42º). Estes dois factores assumem a
natureza de regulamentos. Depois de isto ser publicado, a Administração não pode
modificar os termos do concurso. Assim, a Administração Pública define o quadro legal
(regulamentar) em que vai agir, havendo quem entenda que a abertura do concurso é
ou encerra uma proposta contractual preliminar sobre as regras do concurso – “quem
participa, aceita as regras do jogo, celebrando assim um contracto sobre as regras a que
está sujeita a celebração do contracto”; há ainda quem entenda que a abertura do
concurso tem também um convite a contractar, no que se refere ao contracto objecto
dessa abertura de concurso. O legislador resolveu ultrapassar esta discussão,
qualificando estas regras como regulamento (art 41º CCP);
o Entrega das propostas e dos demais documentos – o princípio é o da que a
documentação deve toda ela ser entregue em Língua Portuguesa;
o Acto público do concurso – trata da admissão dos concorrentes (saber se estes têm ou
não dívidas ou fisco, pagamentos em atraso à segurança social…). Só depois de
admitidos os concorrentes podem ser aceites as propostas (exige-se aqui ver se estas
estão escritas em português, se são apresentadas em envelopes lacrados de forma que
seja sigiloso o seu conteúdo… No fundo, analisam-se requisitos de natureza formal que
podem levar à exclusão dessas propostas);
o Análise do conteúdo das propostas – dá-se a hierarquização das propostas e dos
respectivos concorrentes. O relatório provisório que daí resulta vai ser
necessariamente objecto de audiência prévia, em sede de qual cada um poderá dizer
se há erros na análise das propostas. O júri voltará a reunir para analisar os argumentos
saídos da audiência prévia, exigindo-se fundamentação sobre o acolhimento ou não
das posições dos concorrentes em sede de audiência prévia. Em casos de alteração da

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Patrícia Carneiro da Silva

hierarquia das propostas, pode perguntar-se se há aqui novo dever de audiência prévia
(uma coisa é certa, a decisão da Administração será objecto de relatório final, que não
é a decisão final – é uma mera proposta de decisão, que vai ser apresentada ao órgão
administrativo decisor, que detém a última palavra no acto final de adjudicação. Esta
ainda não é a celebração do contracto, mas simplesmente o acto que define com quem
a AP vai contractar);
o Celebração do contracto administrativo – o contracto é celebrado, dando início a uma
nova fase:
o Execução do contracto – caracteriza-se por três princípios nucleares:
o Princípio da estabilidade contractual3 - encontra fundamento no art 279º
CCP. Comporta excepções, presentes no art 311º CCP. A estabilidade não
exclui o poder de modificação unilateral das prestações (art 312º, al b) CCP);
o Princípio do equilíbrio financeiro – art 282º e 314º, nº 1 CCP
o Princípio da intervenção exorbitante da Administração – esta tem poderes
de intervenção exorbitante. São eles: poder de modificação unilateral (art
302º, al c) CCP), poder de dirigir a execução das prestações (art 302º, a),
303º e 304º), poder de fiscalização do modo de execução das prestações
(art 302, b), 303º, 305º e 306º), poder sancionatório (art 302º, b), 329º e
333º) e poder de rescisão unilateral (art 302º, al e) CCP).

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limitada pela alteração das circunstâncias – art 312º, al a) CCP

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