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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Curso de Direito Administrativo


Volume II
Diogo Freitas do Amaral
2º Semestre
2º Ano

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Exercício do Poder Administrativo

Existem vários modos de exercício do poder administrativo:

a) Legislador pretende que sejam os órgãos administrativos a disciplinar certas situações,


emitindo por isso a administração pública normas jurídicas com fundamento na lei-
regulamentos administrativos.
b) A Administração pode proceder à aplicação da lei e dos regulamentos às situações da
vida real, dando-lhes uma nova definição jurídica- atos administrativos.
c) As entidades administrativas em certos casos, em vez de atuarem unilateralmente,
celebram acordos bilaterais seja entre si, conjugando os seus recursos para
prosseguirem mais eficientemente os seus fins, ou com entidades privadas, atuando em
colaboração com os particulares- contratos administrativos.
d) A administração pode atuar sem que essa atuação produza quaisquer alterações na
ordem jurídica- operações materiais.

Regulamento Administrativo

Os regulamentos administrativos são normas jurídicas (dotadas de generalidade1 e abstração2,


que podem ser impostas mediante a ameaça de coação e cuja violação leva, em geral, à
aplicação de sanções) emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada3 para tal habilitada por lei. O
regulamento, portanto, não se esgota normalmente numa aplicação, aplicando-se sempre que
se verificarem as situações típicas que nele se encontram previstas. A atividade regulamentar é
uma atividade secundária, dependente e subordinada à atividade legislativa. Nesse sentido,
subordina-se à Constituição e ao exercício das funções legislativa e política (atividades
primárias).

Apesar de serem fonte do Direito Administrativo, apresentam-se como fonte secundária, visto
que são precedidos pelas normas e princípios de Direito Internacional e Direito da União
Europeia, pelas normas e princípios constitucionais e pela lei ordinária.

Espécies:

a) Quanto à sua relação com a lei, poderão ser complementares ou de execução e


independentes ou autónomos (expresso no artigo 112º/6 e 7), consoante sejam aqueles
que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei ou sejam
aqueles que os órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência para
assegurar a realização das suas atribuições especificas, sem cuidar de desenvolver ou
complementar nenhuma lei em especial. Os regulamentos complementares têm como
tarefa a pormenorização, detalhe e complemento do comando legislativo, sendo o
desenvolvimento da previsão legislativa tornando assim possível a aplicação desta a
situações concretas de vida. Estes poderão ser espontâneos ou devidos, consoante a lei
nada diga sobre a necessidade da sua complementarização ou no caso de a adoção do
regulamento ser necessária para dar exequibilidade à própria lei, sendo imposta à
Administração a tarefa de o fazer, no prazo de 90 dias no silêncio da lei. Sendo os

1 O comando aplica-se a uma pluralidade de destinatários.


2 O comando aplica-se a uma ou mais situações definidas por elementos típicos constantes da previsão normativa.
3 A função administrativa pode ser exercida por pessoas coletivas públicas que não integram a Administração e por

entidades de direito privado e associado ao exercício dessa função está a possibilidade de emanar regulamentos, cujo
regime é regulado também pelo CPA (2º/1 CPA).

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regulamentos de execução “secundum legem”, serão ilegais se colidirem com a


disciplina fixada na lei. Por outro lado, os regulamentos independentes tem como
missão estabelecer autonomamente a disciplina jurídica que há de pautar a realização
das atribuições especificas cometidas pelo legislador às entidades consideradas. Nestes
regulamentos a lei apenas se limita a definir a competência objetiva (“podes fazer um
regulamento sobre certa matéria”) e subjetiva (“certo órgão pode fazer um
regulamento”), sem necessidade de definição do conteúdo dos comandos normativos a
emitir pelo regulamento, existindo, portanto, uma liberdade de definição desse
conteúdo. O artigo 112º CRP expressa requisitos formais tanto para os regulamentos
complementares como para os independentes: os primeiros devem indicar
expressamente a lei que visa complementar e os segundos devem indicar
expressamente a lei ou leis que atribuem especificamente competência para a emissão
desse regulamento- lei habilitante.
b) Quanto ao seu objeto, podem ser regulamentos de organização, de funcionamento e
de polícia. Os regulamentos de organização são aqueles que procedem à distribuição
das funções pelos vários departamentos e unidades de uma pessoa coletiva pública,
bem como à repartição de tarefas pelos diversos agentes que lá trabalham. Os
regulamentos de funcionamento são aqueles que disciplinam a vida quotidiana dos
serviços públicos. Os regulamentos de polícia são aqueles que impõe limitações à
liberdade individual com vista a evitar que, em consequência da conduta perigosa dos
indivíduos, se produzam danos sociais (ex. regulamento de transito)- são sempre
externos. Estes últimos assumem diversa relevância no domínio da administração local,
no qual se distingue posturas (regulamentos de polícia locais independentes) e
regulamentos policiais (regulamentos de polícia locais complementares).
c) Quanto ao âmbito da sua aplicação, podem ser regulamentos gerais, locais e
institucionais, consoante se destinem a vigorar em todo o território nacional, o seu
âmbito de aplicação seja limitado a uma dada circunscrição territorial ou sejam
emanados de institutos públicos ou associações públicos, para terem aplicação apenas
às pessoas que se encontrem sob sua jurisdição.
d) Quanto à projeção da sua eficácia, podem ser regulamentos internos ou externos. Os
primeiros produzem seus efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da
entidade de que emanam. Os segundos (únicos considerados no artigo 135º CPA) são
aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de direito
diferentes, isto é, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou a particulares.
Apenas vale para os regulamentos externos o princípio da inderrogabilidade singular
dos regulamentos.

Distinção entre regulamento e a lei: estas figuras só podem ser distinguidas em aspetos
orgânicos e formais, isto é, será uma lei todo o ato normativo que provenha de um órgão com
competência legislativa e que assuma a forma de lei, e será um regulamento o ato normativo
emanado por um órgão com competência regulamentar e que revista a forma de regulamento.
Importa perceber que o regulamento só é válido se uma lei de habilitação conferir competência
para a sua emissão. O regulamento contrário à lei é ilegal. A lei só pode ser impugnada
diretamente com fundamento em inconstitucionalidade junto do TC. Por outro lado, o
regulamento ilegal é, em regra, impugnável administrativa e contenciosamente com
fundamento em ilegalidade, podendo excecionalmente ser impugnado diretamente perante o
TC.

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Distinção entre regulamento e ato administrativo: ambos são atos unilaterais, contudo, o
primeiro é um ato normativo geral e abstrato e o segundo é um ato individual e concreto,
reportando-se a uma pessoa ou pessoas perfeitamente identificadas e visa regular uma certa
situação bem caracterizada. Esta distinção ganha relevância nas matérias de interpretação e
integração (regulamento segue o regime das normas jurídicas e o ato administrativo não), de
vício e formas de invalidade (o regulamento segue o regime das leis e o ato administrativo, em
regra, o do negócio jurídico) e de impugnação contenciosa (os regulamentos podem ser
impugnados em quaisquer tribunais, ao contrário dos atos administrativos que, salvo nos casos
de nulidade, só pode ser anulado pelos tribunais administrativos ou órgãos competentes para a
anulação administrativa. Por outro lado, os termos da impugnação contenciosa são diferentes).

Fundamento do Poder Regulamentar:

 Distanciamento do legislador face aos casos concretos da vida social e a impossibilidade


de previsão absoluta ou na inconveniência de previsão absoluta, sendo necessário que a
Administração intervenha, num segundo momento para criar normativamente as
condições para aplicar a lei aos casos da vida.
 Historicamente o poder regulamentar resulta da impossibilidade prática de aplicação do
princípio da separação de poderes, na sua pureza.
 O fundamento do poder regulamentar reside hoje na Constituição, com a particularidade
de cada regulamento em particular tem como fundamento a lei habilitante.
 Existe, no entanto, dois casos em que o poder regulamentar existe mesmo sem a
previsão da Constituição e da lei:
➢ Regulamentos Internos: os órgãos das diferentes pessoas coletivas públicas que
compõem a administração têm, por natureza, o poder de fazer regulamentos
internos. O fundamento jurídico é o poder de direção, próprio do superior
hierárquico, visto que quem pode dar ordens concretas e individuais, deve
também poder formular instruções genéricas.
➢ Regimentos de Órgãos Colegiais: órgãos colegiais existentes no seio da
Administração Pública têm o poder de elaborar e aprovar os seus próprios
regulamentos de organização e de funcionamento-regimentos. O fundamento
deste poder é o poder de auto-organização que é condição do bom funcionamento
dos órgãos colegiais, até porque se podem decidir como atuar em certa situação
concreta, deverão poder determinar as atuações em norma geral e abstrata.

Limites do Poder Regulamentar (143º e 138º CPA):

 Princípios Gerais de Direito;


 Constituição que consagra as regras sobre a competência e forma dos regulamentos
administrativos, cuja inobservância gerará inconstitucionalidade. A CRP reserva ainda
matérias à lei, sendo impossível a invasão por parte dos regulamentos dessa área.
Mesmo nas matérias que não são reservadas à lei, o regulamento não pode estabelecer
uma disciplinas eu viole princípios ou normas constitucionais;
 Princípios Gerais de Direito Administrativo, que apesar de poderem ser violados pela lei,
não podem ser violados por regulamentos;
 Lei (princípio da legalidade): o regulamento não pode contrariar a lei, existindo uma
preferência de lei. O artigo 112º/5 proíbe expressamente a existência de regulamento
delegados derrogatórios, modificativos, suspensivos e revogatórios. No entanto, a
deslegalização, isto é, uma matéria de lei passar a lei regulada por regulamento, com a

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permissão da lei, é constitucionalmente admitido com os limites de reserva de lei. O


princípio de legalidade para além da vertente de preferência de lei, tem uma vertente
de reserva de lei, visto que o regulamento não se pode desenvolver naquelas áreas que
constitucionalmente estejam reservadas à lei (princípio da reserva material da lei),
sendo que só se admitem regulamento de execução. Existem ainda domínios em que
esses regulamentos não são sequer possíveis: matéria de restrições aos direitos
fundamentais, tipificação legal de crimes e respetivas penas e definição dos limites
essenciais dos impostos- reserva integral ou absoluta de lei. Por outro lado, o princípio
da legalidade exige a precedência de lei, isto é, um regulamento depende de uma lei
habilitante. Podem ser criados regulamentos independentes diretamente fundados na
CRP? Não! O artigo 112º/7 (e 136º/2 CPA) exige formalidades que não fariam sentido se
tal fosse possível, até porque sem essas formalidades está ausente um elemento formal
e por isso, os regulamentos padecem de inconstitucionalidade formal, e ao mesmo
tempo, reconhecer ao Governo uma competência regulamentar absolutamente
independente equivaleria a tornar em larga medida desnecessária admissibilidade da
emanação de decretos-lei.
 Disciplina Jurídica constante de regulamentos editados por órgãos que se situem num
plano superior ao do órgão que editou o regulamento: os regulamentos do Governo
prevalecem sobre as normas administrativas, mesmo posteriores, sem prejuízo da
competência regulamentar especial da AL das RA quando as leis emanadas dos órgãos
de soberania não reservem para o Governo a sua regulamentação. Quanto às autarquias
locais, prevalecem os regulamentos emanados da autarquia de grau superior (municipal
prevalece sobre freguesia).
 O artigo 141º/1 CPA: proíbe os regulamentos de impor, com efeitos retroativos,
deveres, encargos, ónus, sujeições e sanções, que causem prejuízos ou restrinjam
direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício.
Contudo, os regulamentos não podem reportar-se a data anterior àquela a que reporta
a lei habilitante.
 Limites de competência e forma, visto que a CRP e a lei determinam as regras sobre a
competência e forma, e portanto, o regulamento que não as respeitar sofrerá de
ilegalidade ou inconstitucionalidade.

Competência e Forma:

O Governo tem competência regulamentar de acordo com o artigo 199º alíneas c) e g), sendo
esta exercida em regra pelo Ministro da pasta respetiva, só intervindo o Conselho de Ministros
quando a lei expressamente o preveja (ou por decorrer da circunstância de um assunto ser
levado a Conselho de Ministros e o Conselho entender que deve pronunciar-se sobre ele). Os
regulamentos podem revestir a forma de decreto regulamentar (como os regulamentos
independentes- impedido, com um regime mais exigente, que ao Governo e Administração
recorram a regulamentos independentes em vez de utilizarem diretamente um regulamento um
instrumento legislativo), resolução de Conselho de Ministros (mas estas não têm
necessariamente a natureza de regulamento). Quando o regulamento é emanado por um ou
mais ministros em nome do governo estamos presentes de uma portaria, não sendo esta
aprovada em Conselho de Ministros. Quando o regulamento é emanado por um ministro em
nome do seu ministério e não em nome do Governo, estamos perante um despacho normativo.

Nas Regiões Autónomas, tanto a AL como o GR têm competência regulamentar (227º/1 d) CRP).
O artigo 232º/1 CRP apresenta que a AL tem a competência exclusiva de emanar regulamentos

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que desenvolvam leis emanadas pelos órgãos de soberania, quando esses não reservem para si
essa competência. Pode ainda elaborar regulamentos de execução dos decretos legislativos
regionais. O artigo 231º/6 CRP define que compete exclusivamente ao GR regulamentar a
matéria relativa à sua organização e funcionamento. Este órgão tem ainda uma posição de
excelência em elaborar regulamentos de execução de decretos legislativos regionais. A CRP não
define a forma dos regulamentos, mas os Estatutos político-administrativos das RA definem que
os regulamentos emanados pela AR para executar leis dos órgãos de soberania têm de revestir
a forma de decreto legislativo regional (o que os subtrai do 112º/7 CRP e assumem força de lei
passando a não estar subordinados à lei que regulamentam) e que os regulamentos do GR
assumem a forma de decreto regulamentar regional.

O artigo 241º CRP atribui às autarquias locais o poder regulamentar, sendo este justificado pela
necessidade de responder às especificidades locais e materiais, às quais nem o legislador nem
os regulamentos governamentais estariam em condições de responder. As autarquias locais não
necessitam de uma lei prévia individualizada para cada caso no exercício do seu poder
regulamentar. Normalmente, os regulamentos locais são regulamentos independentes em que
a lei habilitante é a que define as atribuições de cada categoria de autarquias locais e o órgão
competente para os emitir. A forma mais corrente dos regulamentos das autarquias é a postura.
O poder regulamentar pertence à assembleia de freguesia e à assembleia municipal,
necessitando ambas da iniciativa do órgão executivo colegial correspondente (junta de freguesia
e câmara municipal). ´

Os institutos públicos, associações públicas e entidades administrativas independentes têm


poder regulamentar nos termos das respetivas leis orgânicas ou estatutos.

Processo de elaboração de regulamentos (97º e ss. CPA):

 Artigo 97º CPA apresenta o direito de petição em matéria regulamentar, ficando o


particular obrigado a fundamentar a sua petição e a Administração a informar o
particular do destino dado à petição bem como os fundamentos da posição que tomar
em relação a ela. Importa distinguir 3 situações: (1) regras regulamentares em falta são
necessárias para dar exequibilidade a certos atos legislativos carentes de
regulamentação: a Administração é obrigada a tonar a lei exequível, sob pena de
incorrer em ilegalidade por omissão sancionável jurisdicionalmente; (2) estão em causa
normas regulamentares diretamente lesivas de direitos ou interesses legalmente
protegidos dos particulares: a lei reconhece expressamente aos interessados o direito a
solicitar a modificação, suspensão, revogação ou declaração de invalidade de
regulamentos administrativos diretamente lesivos (137º e 147º); (3) restantes: a
Administração conserva a sua autonomia em matéria de exercício do poder
regulamentar, sendo por isso, a petição do interessado, só por si, insuficiente para
desencadear o procedimento regulamentar, necessitando de uma decisão para isso de
um órgão competente (ex. 98º/1-apresenta a forma do inicio do procedimento).
 Artigo 99º apresenta a imposição de os regulamentos serem aprovados com base num
projeto, acompanhado por uma nota justificativa fundamentada, a qual deve incluir
uma ponderação dos custos e benefícios (princípio da boa administração) das medidas
projetadas, pretendendo-se proporcionar ao órgão com competência regulamentar o
conhecimento de todos os aspetos merecedores de ponderação e ajudar a esclarecer
dúvidas de interpretação.
 O artigo 100º apresenta o princípio da audiência prévia dos interessados (que é
obrigatória quando o regulamento afete de modo direto e imediato direitos ou

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interesses legalmente protegidos dos particulares, podendo em certos casos ser


dispensada) e o artigo 101º apresenta o princípio da consulta pública dos projetos de
regulamento, estando estes em harmonia com os princípios de colaboração dos
particulares e da participação.
 O artigo 139º apresenta que a eficácia dos regulamentos externos depende da sua
publicação.
 Os regulamentos iniciam a sua vigência na data que neles estiver fixada ou, nada sendo
fixado, 5 dias após a publicação.

Modificação e Suspensão de Regulamentos (142º/1 CPA): a modificação ou suspensão dos


regulamentos cabe: aos órgãos que os elaboraram (devendo o processo ser igual ao da sua
elaboração), órgãos hierarquicamente superiores com poder de supervisão e órgãos que nos
termos da lei assumam poderes tutelares com esse conteúdo. O legislador também pode
modificar e suspender os regulamentos. Os regulamentos necessários à execução de leis em
vigor ou direito da União Europeia não podem ser modificados sem que sejam editadas novas
regras que assegurem a aplicabilidade das normas e, no mesmo sentido, não podem
simplesmente suspensos.

Inderrogabilidade singular dos regulamentos: Os órgãos com competência regulamentar


podem modificar, suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e abstrata.
Contudo, não lhes é permitido fazer é derrogar os regulamentos externos sem mais em casos
isolados, mantendo-se esse regulamento em vigor para os restantes casos. O regulamento que
derroga outro num caso concreto e individual não é realmente um regulamento, mas sim um
ato administrativo que, violando um regulamento, é ilegal (142º/2 CPA). Esta regra é justificada
pelo princípio da legalidade, visto que a Administração está subordinada a todo o ordenamento
jurídico e, portanto, também às regras que ela própria elabora, até porque os regulamentos não
teriam função útil se a Administração os pudesse deixar de observar. O princípio da igualdade
também exige esta figura, na medida em que aplicar o regulamento a todos os casos excetuando
um ou dois pode levar a desigualdade.

Caducidade dos Regulamentos (145º CPA): o regulamento caduca por ocorrerem determinados
factos que produzem esse efeito jurídico, sendo os principais casos de caducidade: o
regulamento ter sido feito para vigorar durante certo período (regulamento temporário ou
sujeito a termo) ou sujeito a uma condição resolutiva; e quando for revogada a lei que se
destinava a executar, sendo que por força do principio da eficiência administrativa, o
regulamento antigo pode subsistir na parte que se mostre materialmente conforme à nova
disciplina apresentada no caso de substituição da lei até um novo regulamento.

Revogação do Regulamento: deixa de vigorar quando um ato voluntário praticado no exercício


de poderes públicos impõe a cessação dos seus efeitos, total ou parcial: revogação expressa ou
tácita operada por outro regulamento de força hierárquica superior e forma idêntica; revogação
expressa ou tácita por regulamento de autoridade hierarquicamente superior ou por
regulamento de forma legal mais solene; e revogação expressa ou tácita por lei. Segundo o
artigo 146º/2, nos dois primeiros casos, é proibida a revogação de regulamentos de execução
das leis em vigor ou de direito da União Europeia se não for acompanhada de emissão
simultânea de novo regulamento. Com esta proibição pretende-se impedir que existam vazios
em matéria regulamentar que inviabilizem a efetiva aplicação das leis.

Declaração administrativa ou contenciosa de ilegalidade com força obrigatória geral: os


regulamentos deixam de vigorar, total ou parcialmente, sempre e na medida em que forem

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objeto de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos do CPA (144º) ou
do CPTA (72º e ss.).

Ato Administrativo

Definição: ato unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da


Administração ou por uma outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que
traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos
numa situação individual e concreta. Esta definição é semelhante ao do artigo 148º CPA, com a
ressalva de o artigo incluir apenas ao atos com eficácia externa à sujeição a este regime do CPA.
Exclui-se deste conceito as atividades juridicamente irrelevantes, factos involuntários
juridicamente relevantes e as operações materiais (não visam a produção de efeitos jurídicos),
e, portanto, não são suscetíveis de ação impugnatória perante tribunais administrativos, nem
estão submetidos ao regime do CPA, ainda que as operações materiais devam seguir os
princípios e normas do CPA que concretizem preceitos constitucionais, pois estes aplicam-se a
toda a atuação administrativa. Mesmo sendo um ato unilateral e, portanto, nem necessitar da
vontade de mais ninguém para ser perfeito, por vezes, o ato administrativo necessita da
aceitação do particular como condição de eficácia (atos sujeitos a consentimento- ex. nomeação
de funcionário público) ou de legalidade (atos dependentes de requerimento). Sendo verdade
que o ato administrativo é aquele que é praticado no exercício do poder administrativo, não é
um ato administrativo aquele que é praticado pela Administração no desempenho de gestão
privada, não deixando esta atuação de estar sujeita aos princípios gerais da atividade
administrativa nem às disposições do CPA que concretizem preceitos constitucionais; nem é ato
administrativo os atos políticos, legislativos e jurisdicionais ainda que praticados por órgãos da
Administração. São atos administrativos não só aqueles praticados pelos órgãos das pessoas
coletivas públicas que compõem a Administração Pública (sendo dentro desta diversidade de
sujeitos apenas um número restrito para tal habilitado por lei ou por delegação de poderes-
autoridades administrativas, mas também, por força da lei, os atos praticados por pessoas
coletivas privada no exercício de poderes públicos e ainda certos atos praticados por órgãos do
Estado que não pertençam ao poder executivo (2º/1 CPA e ETAF 4º/1 alínea d) e 24º/1 alínea
a)). Não se incluem no conceito de ato administrativo os atos jurídicos da Administração que
que não sejam decisões em sentido estrito, isto é, que visem afetar imediata ou potencialmente
a esfera jurídica dos particulares, produzindo (ou recusando a produção) efeitos jurídicos numa
situação individual e concreta. Esses atos não decisórios que desempenham uma função auxiliar
(ex. chamar alguém ao procedimento para se pronunciar) são atos instrumentais e não são
produtores de efeitos jurídicos diretos no ordenamento geral.

Atos coletivos: atos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas, isto é, um
determinado conjunto orgânico de pessoas. Freitas do Amaral considera que a dissolução de um
órgão colegial é um ato administrativo, visto que se dissolve um determinado órgão colegial
sendo o destinatário visto como uma unidade.

Atos plurais: são aqueles em que a Administração Pública toma uma decisão aplicável por igual
a várias pessoas diferentes. A nomeação de vinte funcionários para vinte vagas é um conjunto
de vinte atos administrativos, sujeitos ao regime do CPA.

Atos gerais: atos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem
determinados ou determináveis no local (ex. ordem de um polícia para dispersar quando várias
pessoas estão a ver a montra). Os destinatários são identificáveis individualmente, sendo um
feixe de decisões concretas e individuais, e, portanto, de atos administrativos.

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Atos genéricos: comando administrativo que se dirige a categorias, classes ou grupos de sujeitos
mesmo restritos, como é um comando geral não é um ato administrativo, seguindo o regime do
CPA relativo aos regulamentos.

Natureza Jurídica do ato administrativo: o regime jurídico estabelecido por lei e adotado pela
jurisprudência para o ato administrativo não é, nos traços essenciais, suscetível de ser
reconduzido em bloco ao regime característico do negócio jurídico nem do regime típico da
sentença, na medida em que a atividade administrativa se distingue da atividade privada e das
demais atividades públicas, nomeadamente a jurisdicional. Assim, o ato administrativo é uma
figura com natureza própria e especifica sendo “um ato unilateral de autoridade ao serviços de
um fim da administração pública”. O género ato administrativo compreende duas espécies: atos
discricionários (exercício de poderes discricionários dentro dos limites da lei- semelhante com
negócio jurídico) e atos vinculados (exercício de poderes vinculados, sem liberdade de
conformação do conteúdo da decisão por parte do órgão decisório-semelhante sentença).
Assim, a estas duas espécies devem ser aplicadas se outra coisa não resultar da natureza
especifica do ato administrativo, respetivamente as regras do negócio jurídico e da sentença. O
papel da vontade no ato administrativo não é idêntico ao papel da vontade no negócio jurídico
ou na sentença e por isso reclama uma consideração própria e singular devido à sua natureza,
aplicando-se mais uma vez esses regimes às duas espécies de atos administrativos nos termos
apresentados quanto ao papel da vontade.

Estrutura do Ato Administrativo:

 Elementos Subjetivos: o ato administrativo típico pôr em relação dois sujeitos de direito:
Administração e um particular; dois sujeitos de direito, podendo ser duas pessoas
coletivas públicas ou duas pessoas coletivas privadas. Poderá ainda ocorrer que o ato
ponha em relação mais que duas pessoas: atos multipolares, direcionados erga omnes
com eficácia em relação a terceiros, suscetíveis de afetar múltiplos particulares; e os
atos reais, sendo todos os sujeitos destinatários, pois o ato é dirigido erga omnes.
 Elementos Formais: todo o ato administrativo tem necessariamente uma forma, isto é,
um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a decisão voluntária em que o ato
consiste. São ainda relevantes as formalidades prescritas pela lei para serem respeitadas
na fase de preparação da decisão ou na própria fase de decisão, consistindo estas nos
trâmites que a lei manda observar com vista a garantir a correta formação da decisão
administrativa à luz do interesse público, bem como o respeito pelos direitos subjetivos
e interesses legítimos dos particulares. As formalidades, ao contrário da forma, não são
elementos do ato, sendo-lhe anteriores, posteriores ou contemporâneas. No entanto,
segundo o princípio da impugnação unitária, a lei admite para além da impugnabilidade
autónoma de atos procedimentais lesivos, a possibilidade de os interessados
impugnarem o ato final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do
procedimento.
 Elementos Objetivos: são o objeto e o conteúdo. O conteúdo é a substância da decisão
voluntária em que o ato consiste, fazendo dele parte a decisão principal tomada
(conteúdo principal, necessário, que permite identificar o ato) e as clausulas acessórias
(conteúdo acessório que é facultativo). O objeto é a realidade exterior sobre a qual o
ato incide.
 Elementos Funcionais: são a causa, os motivos e o fim. A causa é a função jurídico-social
de cada tipo de ato administrativo e, por outro lado, o motivo típico imediato de cada
ato administrativo (ex. a causa de nomeação é o preenchimento de lugares vagos). Os

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motivos são todas as razões de agir que impelem o órgão da administração a praticar
um certo ato administrativo ou dotá-lo de um determinado conteúdo. Os motivos
(porquê?) distinguem-se da causa, por esta ser o motivo típico imediato e os motivos
englobam os motivos mediatos e atípicos. Nos motivos determinantes destacam-se os
fundamentos da decisão, isto é, as razões de facto e de direito que determinaram a
decisão. O fim (para quê?) é o objetivo ou finalidade a prosseguir através da prática do
ato administrativo. Devemos distinguir entre o fim legal, isto é, o fim visado pela lei na
atribuição de certa competência a determinado órgão e o fim efetivo, ou seja, o que
seja prosseguido de facto pelo órgão num determinado caso.

Elementos do Ato Administrativo: são as realidades que integram o próprio ato, em si mesmo
considerado, podendo ser essenciais (aqueles sem os quais o ato não existe enquanto tal e nem
é sequer qualificável como ato administrativo) e elementos acessórios (podem ou não ser
introduzidos no ato pela Administração).

Requisitos do Ato Administrativo: exigências que a lei formula em relação a cada um dos
elementos do ato administrativo, dividindo-se em requisitos de validade, sem os quais o ato será
inválido e os requisitos de eficácia, sem os quais o ato será ineficaz.

Pressupostos do Ato Administrativo: situações de facto de cuja ocorrência depende a


possibilidade ou o dever legal de praticar certo ato administrativo ou de o dotar com um
determinado conteúdo (ex. existência de vaga é um pressuposto do ato de nomeação).

Menções Obrigatórias no ato administrativo: isto é, referências ou indicações que devem


sempre constar do ato praticado sob forma escrita, para melhor o identificar e esclarecer. Estas
são determinadas no artigo 151º do CPA, podendo estas ser exigidas em todo e qualquer ato:
indicação do autor do ato, dos destinatários, do conteúdo da decisão, da data da decisão e a
assinatura do seu autor ou representante; ou apenas quando for caso disso: menção da
delegação ou subdelegação de poderes, enunciação dos antecedentes de facto que estiverem
na origem da prática do ato quando relevantes; e a fundamentação da decisão quando exigida
por lei. Os aos que omitam a totalidade das menções obrigatórias e aqueles que falte a indicação
do conteúdo ou sentido da decisão são nulos, por carência absoluta de forma legal (161º/2
alínea g) CPA). Se ocultarem elementos necessários à boa compreensão do ato pelos seus
destinatários ou à determinação da legislação aplicável e do prazo de impugnação
administrativa ou jurisdicional estão feridos de violação da lei ou de vício de forma, sendo por
isso anuláveis (163º CPA)- alínea a), b), c), d) e g). Se dificultarem a organização da defesa,
administrativa ou jurisdicional, dos destinatários, sem a inviabilizarem são irregulares-
produzem os seus efeitos típicos embora possam gerar alguns efeitos diferentes dos comuns,
como a responsabilidade civil e disciplinar- como no caso da existência de delegação de poderes
sem que essa seja mencionada.

Tipologia de atos administrativos:

• Atos Primários: são aqueles que versam pela primeira vez sobre uma determinada
situação da vida.
 Atos Impositivos: são aqueles que impõem a alguém que adote uma conduta
ou que colocam o seu destinatário em situação de sujeição a um ou mais efeitos
jurídicos.
▪ Atos de comando: são aqueles que impõem a um particular a adoção
de uma conduta positiva (ordens) ou negativa (proibições).

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▪ Atos punitivos: são aqueles que impõem a alguém (individuo ou pessoa


coletiva) uma sanção de caráter administrativo. Em todos os casos
apresentados de seguinte estamos presentes de um comportamento
ilícito de particulares que violam as normas de Direito Administrativo e,
por isso, ficam sujeitos ao poder sancionatório da Administração
Pública. Importa reter que as coimas em consequência de ilícitos de
mera ordenação social já só são impugnáveis perante os tribunais
comuns.
➢ Sanções disciplinares internas: às quais estão sujeitas os
trabalhadores que exercem funções públicas e fazem parte da
organização administrativa. São impugnáveis perante os
tribunais administrativos.
➢ Sanções disciplinares externas: às quais estão sujeitos por lei
alguns particulares, enquanto utentes de certo tipo de serviços
públicos (ex. alunos das escolas, visitantes de museus e presos
nas prisões).
➢ Sanções administrativas institucionais e corporativas: estão
sujeitas por lei as empresas abrangidas pela supervisão ou
fiscalização de determinados institutos públicos bem como os
cidadãos inscritos em certas associações corporações públicas.
➢ Sanções administrativas municipais: às quais estão sujeitos por
lei todos os residentes em cada concelho ou município do país,
e por vezes os indivíduos que lá passem ou que aí se encontrem,
se violam as normas contidas nos regulamentos e posturas
municipais.
➢ Sanções administrativas previstas no Direito de Mera
Ordenação Social, como as coimas (sanção pecuniária) para a
transgressão à legislação administrativa que não revistam
gravidade criminal, não sendo reguladas pelo Código Penal.
▪ Atos ablativos: são aqueles que impõem a extinção ou a compressão do
conteúdo de um direito (ex. expropriações de terrenos). Em
contrapartida da prática deste tipo de atos a administração deverá
compensar os particulares afetados através de o pagamento de uma
indemnização pecuniária (62º/2 CRP).
▪ Juízos: são atos pelos quais um órgão da Administração qualifica,
segundo valores de justiça ou critérios técnicos, pessoas, coisas ou atos
submetidos à sua apreciação (ex. classificações, valorações). Estes atos
sujeitam os seus destinatários a determinados efeitos jurídicos,
independentemente de eles aceitarem ou não o ato e de estarem ou
não de acordo com o seu conteúdo.
 Atos Permissivos: são aqueles que possibilitam a alguém a adoção de uma
conduta ou a omissão de um comportamento que de outro modo lhe estariam
vedados.
▪ Atos que conferem ou ampliam vantagens:
➢ Autorização: ato pelo qual um órgão da administração permite
a alguém o exercício de um direito ou de uma competência
preexistente. Alguém é titular de um direito subjetivo, mas a lei
estabelece que esse direito só pode ser exercido mediante

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

autorização prévia, dado caso a caso pela autoridade


administrativa competente. O que está condicionado é o
exercício do direito. Também o exercício de competências por
certos órgãos da administração pode ser condicionado por a
necessidade de autorização de uma categoria mais elevada.
➢ Licença: é o ato pelo qual um órgão da Administração atribui a
alguém o direito de exercer uma atividade privada que é por lei
relativamente proibida. Nesta situação o particular não é titular
de nenhum direito face à Administração Pública, até porque a
atividade que ele se propõe a desenvolver é proibida pela lei
em princípio. Contudo, a própria lei permite a título excecional
que a Administração possa permitir o exercício dessa atividade.
➢ Concessão: ato pelo qual o órgão da administração transfere
para um entidade privada o exercício de uma atividade pública,
que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas
no interesse geral. É transferido para o concessionário o direito
de exercer uma atividade pública. Apesar de o mais comum
serem os contratos administrativos de concessão, aqui falamos
de concessões unilaterais atribuídas por ato administrativo,
sendo que este carece de aceitação do particular.
➢ Delegação: ato pelo qual um órgão da administração,
normalmente competente para decidir em determinada
matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou
agente pratiquem atos administrativos sobre a mesma matéria.
➢ Admissão: ato pelo qual um órgão da Administração investe em
particular numa determinada categoria legal, de que decorre a
atribuição de certos direitos e deveres (ex. matrícula na
faculdade).
➢ Subvenção: ato pelo qual um órgão da Administração Pública
atribui a um particular uma quantia em dinheiro destinada a
cobrir custos inerentes à prossecução de uma atividade privada
reconhecida de interesse público (ex. atribuição de um subsídio
ao Instituto Português de Cinema para financiar a produção de
um filme português).
▪ Atos que eliminam ou reduzem encargos:
➢ Dispensa: ato administrativo que permite a alguém, nos termos
da lei, o não cumprimento de uma obrigação geral. Esta poderá
ser uma isenção, se concedida pela Administração a
particulares para a prossecução de um interesse público
relevante, ou uma escusa, se é concedida por um órgão da
Administração a outro órgão ou agente administrativo a fim de
garantir a imparcialidade.
➢ Renúncia: ato pelo qual o órgão da administração se despoja da
titularidade de um direito legalmente disponível. Esta figura
diferencia-se da promessa de não exercício de um direito, visto
que esta não afasta a titularidade do direito, apenas promete
que não será exercido esse direito em certas situações.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

• Atos Secundários: são aqueles que versam sobre um ato primário anteriormente
publicado, tendo por objeto um ato primário preexistente ou versando sobre uma
situação que já tinha sido regulada através de ato primário.
 Atos Integrativos: são os que visam completar atos administrativos anteriores.
▪ Aprovação: ato pelo qual um órgão da Administração exprime a sua
concordância com um ato anterior existente, já praticado por outro
órgão administrativo, e lhe confere eficácia. Esta aprovação pode ser ou
não tutelar. O ato principal é o ato aprovado, que apenas necessita do
ato de aprovação para lhe atribuir eficácia. Esta difere da autorização
por esta ser prévia, permitir a prática de atos futuros e ser uma
condição de validade (sendo inválido o ato não autorizado). O ato não
aprovado é ineficaz. Esta figura distingue-se da homologação na medida
em que, antes de esta ser praticada, não existe nenhum ato
administrativo, mas sim apenas um parecer ou uma proposta. Assim, a
homologação é um ato administrativo que absorve os fundamentos e
conclusões de uma proposta ou de um parecer apresentados por um
órgão.
▪ Visto: ato pelo qual um órgão competente declara ter tomado
conhecimento de outro ato, sem se pronunciar sobre o seu conteúdo
(visto cognitivo) ou declara não ter objeções de legalidade ou de mérito,
sobre o ato examinado e por isso lhe confere eficácia (visto volitivo). Ao
contrário de na aprovação em que se exprime uma concordância com o
conteúdo e oportunidade do ato, no visto volitivo apenas se expressa a
não objeção, não manifestando a sua opinião de fundo.
▪ Ato Confirmativo: ato administrativo pelo qual um órgão da
Administração reitera e mantém em vigor um ato administrativo
anterior (ex. recurso hierárquico que apenas confirma a decisão do
subalterno).
▪ Ratificação-confirmativa: é o ato pelo qual o órgão normalmente
competente para dispor sobre certa matéria exprime a sua
concordância relativamente a atos praticados, em circunstâncias
extraordinárias, por um órgão excecionalmente competente (ex.
competência excecional atribuída ao Presidente da Câmara). Se o órgão
não ratifica, o ato primário torna-se anulável. Este ato primário é eficaz,
mas não é definitivo (diverso do ato primário que será aprovado, visto
ser definitivo, mas não eficaz).
 Atos Saneadores
 Atos Desintegrativos
• Atos Instrumentais: são as pronúncias administrativas que não envolvem uma decisão
de autoridade, antes são auxiliares relativamente a atos decisórios.
 Simples Declarações: são atos auxiliares pelos quais um órgão ou agente da
Administração exprime oficialmente o conhecimento que tem de certos factos
ou situações. É o caso das participações (atos pelos quais um agente da
autoridade participa um crime de que tomou conhecimento), certificados e
certidões (atos pelas quais a Administração declara ao público quais são os
factos ou situações de que tem conhecimento oficial por se encontrarem
documentados nos seus registos ou nos seus arquivos próprios), atestados e
informações prestadas ao público- são todos declarações de conhecimento. O

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

CPA chama a estes atos certificativos (161º/1 alínea j)), mas que podem ser
meras informações verbais que esclarecem apenas. Estes atos limitam-se a
verificar a existência ou a reconhecer a validade de factos ou situações que já
existiam. Têm em princípio eficácia retroativa, valendo o reconhecimento a
partir do momento em que os direitos ou situações reconhecidas nasceram.
 Atos Opinativos: atos pelos quais um órgão da administração emite o seu ponto
de vista fundamentado acerca de uma questão técnica ou jurídica.
▪ Informações Burocráticas: opiniões prestadas pelos serviços ao superior
hierárquico competente para decidir.
▪ Recomendações: atos pelos quais se emite uma opinião,
consubstanciando um apelo a que o órgão competente ou outro
destinatário decida de certa maneira, mas que não o obrigam a tal. São
opiniões reforçadas, na medida em que não apresentam apenas uma
opinião, propõem que ela seja seguida, incentivando ou apelando ao
órgão decisório que resolva no sentido apresentado ou que o órgão ou
outro destinatário atue de certo modo. Não são opiniões vinculativas,
mas o destinatário delas acarreta com a responsabilidade de as ter
ignorado.
▪ Pareceres: são atos opinativos elaborados por peritos especializados em
certos ramos do saber ou por órgãos colegiais de natureza consultiva.
Estes poderão ser obrigatórios ou facultativos, consoante a lei imponha
ou não a necessidade de eles serem emitidos e poderão ser vinculativos
ou não vinculativos, conforme a lei imponha ou não a necessidade de
as suas conclusões serem seguidas pelo órgão decisório competente. A
regra apresentada no artigo 91º/2 CPA é a de que, salvo disposição
expressa em contrário, os pareceres legalmente previstos são
obrigatórios e não vinculativos. Aos pareceres falta autonomia para,
sem mediatização de um outro ato jurídico produzirem efeitos jurídicos
numa esfera externa ao órgão emitente. No entanto, se os pareceres
forem vinculativos, o órgão que emite o parecer é que realmente
decide, sendo o ato posterior apenas uma formalização do que já estava
pré-determinado- o ato administrativo passa a ter dois autores. Se o
parecer for obrigatório e não existir gera um vício de forma; se for
obrigatório e também vinculativo, a sua falta gera uma dupla
ilegalidade: vicio de forma e incompetência (a competência era
conjunta e um dos órgãos não se pronunciou). Os pareceres devem
sempre ser fundamentados e concluir de um modo expresso e claro
sobre todas as questões indicadas na consulta, sob pena de serem nulos
(92º/1 e 161º/2 alínea c), segunda parte CPA). Os números 2, 5 e 6 do
artigo 92º CPA apresentam que em regra a lentidão da administração
consultiva não deve bloquear a eficiência da administração ativa.

Classificação dos atos administrativos:

• Quanto ao autor:
 Decisão: todo o ato administrativo (148º CPA). As decisões individuais são
aquelas que são praticadas por atos individuais.
 Deliberação: apenas as decisões (coletivas) tomadas por órgãos colegiais,
mediante um procedimento deliberativo.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Atos Simples: aqueles que provém de um só órgão administrativo.


 Atos Complexos: aqueles em que cuja feitura intervêm dois ou mais órgãos
administrativos. Poderemos falar numa complexidade igual, quando o grau de
participação dos vários autores na prática do ato é o mesmo (Coautoria, ex.
despacho conjunto de 2 ministros), ou numa complexidade desigual quando o
grau de participação dos vários intervenientes não é o mesmo (as partes são
corresponsáveis e não coautores).
• Quanto aos destinatários:
 Atos singulares
 Atos coletivos
 Atos plurais
 Atos gerais
• Quanto ao conteúdo: permite obter conhecimento no plano da competência, forma,
procedimento pré-decisório, no plano do direito substantivo e no plano da impugnação
contenciosa dos atos.
 Atos Administrativos com conteúdo de Direito Administrativo: são os mais
frequentes, sendo atos que fazem aplicação de normas de Direito
Administrativo a questões reguladas por este.
 Atos administrativos de conteúdo de Direito Privado: incorporam, ou dão forma
legal, a atos ou contratos privados, que aplicam normas de Direito Privado a
questões reguladas por este, sendo o que ocorre na generalidade de casos de
administração pública do direito privado.
 Atos administrativos com duplo conteúdo: para poder ser tomada uma decisão
da sua competência legal, um órgão da administração tem de, simultaneamente
fazer aplicação de normas de Direito Administrativo e de Direito Privado, pois é
composto por, pelo menos, uma questão administrativa e uma questão de
natureza civil.
• Quanto aos efeitos
 Atos de execução instantânea: cumprimento esgota-se num só momento,
através de um ato ou facto isolado (ex. decisão de encerrar um estabelecimento
comercial). Em princípio, estes atos não podem ser revogados a partir do
momento em que foram executados, visto que a revogação é destinada a
paralisar definitivamente a eficácia atual ou potencial de um ato e não a destruir
os efeitos por ele produzidos.
 Atos de execução continuada: a sua execução perdura no tempo, podendo
tratar-se de uma atividade de natureza continua, de um comportamento
contraente ou de uma série de atos ou factos sucessivos (ex. autorização para o
exercício de uma atividade).
 Atos positivos: produzem uma alteração na ordem jurídica. A destruição destes
atos por anulação ou revogação implica a eliminação dos efeitos dele
decorrentes.
 Atos negativos: consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem
jurídica, como por exemplo, a omissão de comportamento devido, silêncio
voluntário perante um pedido apresentado à Administração por um particular
e o indeferimento expresso de uma pretensão. A destruição por anulação ou
revogação de um ato negativo acarreta a necessidade de praticar atos positivos
que deveriam ser produzido legalmente e não foram. Certos atos podem ser

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

parcialmente positivos ou negativos- atos de recusa ou indeferimento parcial-


como por exemplo solicitação de uma bolsa em que só é concedida metade.
• Quanto à localização do ato no procedimento e hierarquia administrativos
 Atos Definitivos: em sentido horizontal são a conclusão de todo um processo
que se vai desenrolando no tempo (procedimento administrativo). Em sentido
vertical, o ato é definitivo quando, por ser praticado por um órgão que ocupa a
posição suprema na hierarquia ou por um órgão independente, ou, ainda, ao
abrigo de uma competência exclusiva ou reservada, é impugnável
contenciosamente ou não pode ser sujeito a recurso hierárquico necessário.
Atos que em principio são verticalmente definitivos os praticados: por órgãos
máximos de qualquer hierarquia do Estado, órgãos do estado que tenham
natureza independente, órgãos subalternos que tenham competência
reservada ou competência exclusiva, dirigentes máximos das RA, AL, Institutos
Públicos e Associações Públicas e atos praticados por delegação de poderes ou
por subdelegação nos casos em que a lei os considera definitivos. São atos
definitivos os atos administrativos que têm por conteúdo uma decisão
horizontal e verticalmente final.
 Atos Não Definitivos: em sentido horizontal são os atos anteriores ao ato
definitivo (atos preparatórios), atos transformáveis em atos definitivos (atos
sujeitos a ratificação-confirmação) e atos posteriores ao ato definitivo (atos
meramente confirmativos). Em sentido vertical, o ato é não definitivo se for
praticado por qualquer órgão subalterno inserido numa hierarquia ao abrigo de
uma competência meramente separada, estando, como tal, sujeito a recurso
hierárquico necessário. São em princípio atos não definitivos verticalmente os
praticados por órgãos subalternos sujeitos a recurso hierárquico necessário e os
praticados por delegação ou subdelegação de poderes. São atos não definitivos
aqueles que não contenham uma resolução final ou que não estejam praticados
pelo órgão máximo de certa hierárquica, por órgão dotado de competência
própria, exclusiva ou reservada ou por órgão independente.
• Quanto à suscetibilidade de execução administrativa
 Atos Executórios: atos administrativos que sejam simultaneamente exequíveis
(atos impositivos de deveres ou encargos estruturalmente suscetíveis de
execução coerciva contra os particulares) e eficazes (produzem efeitos
característicos do seu tipo legal ou outros que a lei lhes atribui) e cuja execução
coerciva por via administrativa seja permita ou não seja vedada por lei
(privilégio da execução prévia). Todo o ato administrativo definitivo é
executório em regra. Contudo, existem casos de atos definitivos não
executórios: ato sujeito a aprovação ou a visto, enquanto não lhe for dada a
aprovação ou concedido o visto. E, por outro lado, existem atos executórios que
não são definitivos, como certos atos preparatórios e os atos sujeitos a
impugnação administrativa necessária.
 Atos Não Executórios

Procedimento Administrativo

A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, visto que antes e depois de
cada decisão há sempre um conjunto de passos a tomar. A atividade da Administração Pública
é em larga medida uma atividade processual, isto é, sobre cada assunto, começa num
determinado ponto e depois caminha por fases, desenrola-se de acordo com um certo modelo,

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

avança pela prática de atos que se encadeiam uns nos outros e pela observância de certos
trâmites, de certas formalidades e de certos prazos que se sucedem numa determinada
sequência- esta que se denomina procedimento administrativo.

Noção: procedimento administrativo é a sequência juridicamente ordenada de atos e


formalidades tendentes à preparação e exteriorização da prática de um ato da Administração
ou à sua execução (ver também definição do 1º/1 CPA).

Objetivos da regulamentação do procedimento administrativo (267º CRP):

 Disciplinar o desenvolvimento da atividade administrativa, procurando assegurar uma


racionalização dos meios, evitando a burocratização e aproximar os serviços públicos
das populações (princípio da eficiência);
 Esclarecer o melhor possível a vontade da Administração, de modo a que sejam sempre
tomadas decisões legais e adequadas ao dever de a Administração prosseguir da melhor
forma o interesse público (princípios da legalidade e da boa administração);
 Salvaguardar os direitos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares, tendo à
Administração que ser impostas cautelas. E mesmo que hajam de ser sacrificados,
evitando que sejam de forma ilegal ou excessiva (princípio do respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos);
 Assegurar a participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes digam respeito
(democracia participativa).

Em suma, a regulamentação visa garantir a melhor ponderação da decisão a tomar à luz da lei e
do interesse público e, por outro lado, assegurar o respeito pelos interesses e direitos legítimos
dos particulares (ver acórdão do STA de 1950). São típicas normas do Direito Administrativo que
procuram conciliar as exigências do interesse coletivo com as exigências legitimas dos interesses
individuais.

Natureza Jurídica do Procedimento Administrativo:

 Tese Processualista (Marcello Caetano, Marques Guedes, Rui Manchete, Alberto Xavier
e Freitas do Amaral): o procedimento administrativo é um autêntico processo,
considerando que o procedimento administrativo e o processo judicial são espécies do
mesmo género. Freitas do Amaral apresenta que, apesar de não ter dúvidas da distinção
entre o procedimento administrativo e o processo judicial, considera que são duas
espécies diferentes, mas no mesmo género- o processo, isto é, a sucessão ordenada de
atos e formalidades tendentes à formação ou à execução de uma vontade funcional.
 Tese Anti Processualista (Afonso Queiró e Rogério Soares): o procedimento não é um
processo, considerando que o processo judicial e o procedimento administrativo são
géneros diversos.

Princípios Fundamentais do Procedimento Administrativo:

a) Caráter Documental: em regra o procedimento assume uma forma escrita ou eletrónica,


sendo que o próprio artigo 64º/1 do CPA exige que as diligências realizadas oralmente
sejam lavradas em autos e termos, fazendo menção dos elementos essenciais e da data
e lugar da realização. Esta exigência formulada em razão de necessidade de as decisões
serem suficientemente ponderadas, como form de conservar para o futuro o registo
completo e seguro do que foi feito, do que se votou ou do que se disse. Portanto, a cada
procedimento administrativo corresponde um processo administrativo, pois existe um

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

conjunto de documentos em que se traduzem os atos e formalidades que integram o


procedimento administrativo.
b) Simplificação do formalismo: salvo certas linhas gerais de atuação e formalidades
essenciais, compete à Administração conduzir o procedimento pelas formas que julgar
mais adequadas, dentro do respeito devido pelas regras legais e constitucionais. Nesse
âmbito deve ser seguido o princípio da adequação procedimental, isto é, na ausência de
normas jurídicas injuntivas, o responsável pelo procedimento goza de
discricionariedade na respetiva estruturação, que deverá ser orientada pelos interesses
públicos da participação, da eficiência, da economicidade e da celeridade na preparação
da decisão (56º CPA).
c) Natureza Inquisitória (58º CPA): a Administração é ativa, goza do direito de iniciativa
para promover a satisfação dos interesses públicos postos por lei a seu cargo, não
estando em regra condicionada pelas posições dos particulares. Os artigos 115º e 117º
do CPA constituem manifestações deste princípio.
d) Princípio da desburocratização e eficiência: implica que a Administração se organize,
tanto quanto possível, de modo a possibilitar uma utilização racional dos meios ao seu
dispor, simplificando o mais possível tanto as suas operações próprias como o
relacionamento com os particulares. A eficácia e eficiência da Administração requerem
que se concretize diversos aspetos: garantir a eficácia da ação administrativa; evitar a
burocratização (simplificar ao máximo os métodos e formalidades inúteis e reduzir ao
mínimo as exigências e formalidades desnecessárias; aproximar os serviços públicos das
populações (localizá-los perto da residência e do local de trabalho de cada cidadão e
ouvir as suas queixas, atendendo-as na medida do possível ou dizer porque não podem
ser atendidas); assegurar a celeridade das decisões administrativas (decisões tomadas
rapidamente, ou pelo menos, dentro do prazo, e logo que tomadas sejam rapidamente
executadas); garantir a economia das decisões administrativas (será a decisão que gasta
o menos possível ou a que é mais correta analisando o custo-benefício?).
e) Colaboração da Administração com os particulares: a melhor prossecução das tarefas
assumidas pela Administração impõe a colaboração permanente daquela com os
particulares. Este princípio está consagrado no artigo 11º do CPA. Apesar do
apresentado no número 2 desse artigo, quando houver o dever jurídico dar informação,
a Administração é responsabilizada mesmo que preste a informação oralmente, devido
ao princípio da responsabilidade das entidades públicas e da confiança nas relações com
os particulares. Desde que haja danos indemnizáveis, e se conseguir provar que a
Administração não agiu em estreita colaboração com o cidadão, esta responde
civilmente, bem como o agente que agiu contra legem responde disciplinarmente. Já é
mais duvidoso que isso possa levar à invalidade do ato definitivo.
f) Direito de informação dos particulares: este princípio está presente no artigo 268º/1,
sendo uma exigência a publicidade e transparência da Administração Pública. O artigo
apresenta como requisitos: o particular requerer a informação e ser diretamente
interessado no processo. O direito à informação procedimental constitucionalmente
consagrado, está presente nos artigos 82º a 85º do CPA: direito à prestação de
informações, direito à consulta do processo e o direito à passagem de certidões.
Segundo o artigo 17º/1 do CPA, existe um direito de acesso aos documentos
administrativos, independentemente de estar em curso qualquer procedimento
administrativo, pertencendo esse direito a todos os que demonstrem ter um interesse
legitimo em obter a informação- princípio da administração aberta. Quando não seja

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

dada integral satisfação destes direitos, o interessado pode requerer uma intimação da
autoridade administrativa competente (104º-108º CPTA).
g) Participação dos particulares na formação das decisões que lhes respeitem: este
princípio está presente no artigo 267º/5 da CRP e no artigo 12º do CPA. Este manifesta-
se de diversas formas (direito de formular sugestões à Administração Pública, direitos
de lhe prestar informações e o ónus dos interessados durante a fase da instrução do
procedimento), sendo a mais relevante o direito de audiência prévia dos particulares
relativamente à tomada de qualquer decisão administrativa que lhes diga respeito. A Lei
nº 83/95 define os casos e termos em que é conferido e pode ser exercido o direito de
participação popular em procedimentos administrativos.
h) Principio da decisão: vem estabelecido no artigo 13º do CPA, tendo como conteúdo a
pretensão de que a administração se pronuncie sempre que para tanto é solicitada pelos
particulares e também facilitar a proteção dos particulares (ou qualquer pessoa pública
ou privada cuja posição jurídica esteja dependente de uma decisão procedimental da
competência de um órgão administrativo) em face a omissões administrativas ilegais,
garantindo, por exemplo, o direito de reagir em tribunal contra a passividade
administrativa pela existência de um dever legal de decidir.
i) Princípio da gratuitidade: presente no artigo 15º do CPA.
j) Proteção de dados pessoais: presente no artigo 18º do CPA.
k) Cooperação leal com a União Europeia: presente no artigo 19º do CPA, explicado pela
crescente participação da União Europeia no processo de decisão da Administração
Nacional e pela participação de instituições e organismos da primeira em
procedimentos administrativos nacionais. Assim, a Administração Nacional está
vinculada a prestar informações que forem solicitadas pela União Europeia, bem como
apresentar propostas ou colaborar com a Administração Pública de outros estados.

Espécies de Procedimentos Administrativos:

• Quanto a quem toma a iniciativa de desencadear o início do procedimento (53º CPA):


 Procedimentos de iniciativa pública: a Administração toma a iniciativa de
desencadear os procedimentos.
 Procedimentos de iniciativa particular: os particulares tomam a iniciativa de
desencadear os procedimentos.
• Quanto ao objeto do procedimento:
 Procedimentos decisórios: têm por objeto preparar a prática de um ato da
administração. Poderão ser de 1º grau ou de 2º grau, conforme visem preparar
a prática de um ato primário ou de um ato secundário.
 Procedimentos executivos: têm por objeto executar um ato da Administração.
• Quanto a lei que os regula:
 Procedimentos especiais: regulados por leis especiais, subordinando-se
também aos princípios gerais da atividade administrativa que se encontram no
CPA e às normas deste que concretizam preceitos constitucionais (2º/3 CPA).
 Procedimento comum: regulado pelo CPA, devendo este ser seguido em todos
os casos em que não haja procedimento especial aplicável.
• Quanto à natureza punitiva ou não punitiva do ato final do procedimento (32º/10 CRP):
 Procedimentos Administrativos Sancionatórios: podem dar lugar à prática de
um ato punitivo, razão por que a posição do arguido é objeto de especiais
garantias.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

 Procedimentos Administrativos Não Sancionatórios: são aqueles cujo final não


reveste em caso algum natureza sancionatória.

Procedimento decisório de 1º grau:

Este procedimento tem 6 fases:

a) Fase inicial: se é a Administração que inicia o procedimento, deverá comunicá-lo aos


interessados (pessoas cujos direitos ou interesses legalmente protegidos possam ser
lesados pelos atos a praticar no decurso do procedimento e que possam ser
identificadas desde logo)- 110º/1 CPA. Se for o particular a tomar iniciativa, deverá fazê-
lo através da apresentação de um requerimento escrito ou enviado por correio
eletrónico, do qual constem as menções indicadas no artigo 102º/1 CPA.
Excecionalmente pode ser admitido um pedido verbal. Esta fase poderá ainda incluir a
tomada de medidas provisórias, isto é, medidas que se mostrem necessárias, se houver
justo receio de, sem tais medidas, se constituir uma situação de facto consumado ou se
produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses em presença, e desde que
uma vez ponderados os interesses, os danos que resultariam da medida se não mostrem
superiores aos que se pretendam evitar com a respetiva adoção (89º/1 CPA)- sempre
que a Administração tenha justo receio de que a situação se degrade antes de se chegar
à decisão final, pode no decurso do procedimento, tomar medidas provisórias que
acautelem o efeito útil que se pretende obter com o ato definitivo. A decisão de ordenar
ou alterar qualquer medida provisória (ato administrativo impugnável
contenciosamente)não carece de audiência prévia, deve ser fundamentada e fixar prazo
da sua vigência, a revogação deverá ser fundamentada e caducam segundo o artigo 90º
do CPA.
b) Fase da instrução: destina-se a averiguar os fatos que se interessem à decisão final e,
nomeadamente, a recolher as provas que se mostrarem necessárias (115º a 120º). É
uma fase largamente dominada pelo princípio inquisitório. Em matéria de prova podem
ser resumidas as seguintes regras: dever de averiguação dos factos por parte da
Administração; admissão ampla de meios probatórios; livre apreciação da prova;
desnecessidade de prova ou alegação de factos públicos ou notórios ou dos que o
diretor do procedimento, por força do exercício de funções, tenha conhecimento; ónus
da prova a cargo dos interessados relativamente a factos que aleguem, sem prejuízo do
dever geral de averiguação a cargo da Administração.
c) Fase da audiência dos interessados: expressa o princípio da colaboração da
Administração com os particulares e o princípio da participação. A audiência prévia tem
dignidade constitucional (expressão do princípio da democracia participativa e 267º/5).
Consiste no direito de os interessados participarem na formação de decisões que lhes
digam respeito. A audiência prévia poderá ser dispensada nos casos previstos no artigo
124º CPA. A falta de audição prévia é considerada uma ilegalidade e traduz-se num vício
de forma, por preterição de uma formalidade essencial: será nula se o direito de
audiência prévia for concebido como um direito fundamental (161º/2 d) e anulável se
não o for (163º/1). O autor considera que o regime devera ser o da anulabilidade, visto
que apesar de a audição prévia ser um direito de grande importância, não está incluído
no elenco dos direitos fundamentais (sendo esses os mais ligados à proteção da
dignidade da pessoa humana)- posição seguida pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Administrativo.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

d) Fase da preparação da decisão: fase em que a administração pondera adequadamente


o quadro traçado na fase inicial, a prova recolhida na fase de instrução e os argumentos
aduzidos pelos particulares na fase da audiência dos interessados.
e) Fase da decisão: aplicam-se à decisão final do procedimentos regras de Direito
Administrativo presentes na Parte IV do CPA. A decisão tácita do procedimento: hoje
poderá existir um ato tácito positivo nos casos em que a lei expressamente o preveja
(130º/1 CPA), sendo que o Código prevê esta ideia para a produção de deferimento
tácito apenas nas relações interorgânicas (130º/4 e 5). O artigo 130º/1,2 e 3 apresenta
as condições para a produção de um ato tácito: o órgão da Administração competente
seja legalmente solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto; que
o órgão tenha sobre a matéria em causa o dever legal de decidir através de um ato
administrativo; que tenha decorrido o prazo legal sem que tenha sido tomada uma
decisão expressa sobre o assunto; e que a lei ou regulamento atribua ao silêncio da
Administração o significado de deferimento. Atenção: o artigo 66º e seguintes do CPTA
consagram a ação administrativa especial de condenação À prática do ato devido,
permitindo que o interessado, perante a inércia da Administração, acione em tribunal,
pedido a sua condenação à prática, dentro de determinado prazo do ato administrativo
ilegalmente omitido.
f) Fase complementar: aquela em que são praticados certos atos e formalidades
posteriores à decisão final do procedimento (registos, arquivamento de documentos,
publicação…).

A Atuação da Administração Pública sem pleno respeito pelas formas legais do procedimento:

 Estado de Necessidade: por vezes ocorrem situações nas quais a lei permite à
Administração uma atuação imediata e urgente com vista à salvaguarda de bens
essenciais, mesmo que para isso os agentes administrativos tenham de ignorar o
respeito de regras estabelecidas para circunstâncias normais. Este é regulado no artigo
3º/2 do CPA e conjugando com os artigos 19º e 266º/2 CRP, surge um afloramento de
um princípio geral de direito administrativo que considera o estado de necessidade
como causa de exclusão da ilicitude. O Estado de Necessidade deverá ter como
pressupostos: situação de autêntica necessidade a resolver; natureza imperiosa do
interesse público a defender; excecionalidade da situação; ausência de alternativas
menos gravosas.
 Urgência: todas as situações da vida real em que, pela sua especial gravidade ou
perigosidade, a Administração Pública tem o poder legal de efetuar uma intervenção
imediata, sob pena de, se for mais demorada, se frustrar a possibilidade de atingir os
fins de interesse público postos por lei a seu cargo. A urgência é uma realidade ordinária,
ainda que eventual da ação da administração pública, visto que está prevista na lei para
situações em que ocorra um perigo atual e iminente que ameace a satisfação de um
interesse publico legalmente protegido e imponha uma atuação imediata e inadiável,
mas apenas tem lugar quando se verifiquem situações de perigo. Por outro lado, os
procedimentos em urgência traduzem formas simplificadas de agir (ex. 26º/2 CPA) e a
atuação administrativa urgente está em qualquer caso prevista na lei- é uma atuação
legal especial, e não uma atuação excecional. Tanto a urgência como o estado de
necessidade se mostram enquadrados na ideia de exigência pública de ação imediata
da Administração e importam a legitimação de atuações que, à luz das normas
consagradas, seriam inválidas. A urgência e o estado de necessidade são, no entanto,
figuras distintas: existem situações de estado de necessidade que não dão lugar a

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

intervenções urgentes e existem situações de urgência que não ocorrem em estados de


necessidade. Noutro sentido, a atuação em estado de necessidade tem como finalidade
primária a reposição da situação de normalidade legal ou de facto, enquanto que a
atuação urgente tem como finalidade primeira o agir sem delongas para a satisfação de
finalidades especificas definidas pela lei. A determinação dos pressupostos de
verificação do estado de necessidade é mais rigorosa que a atuação urgente, pois a
administração passa a ter poderes extraordinários, devendo estes ser utilizados na
medida exta do necessário para restabelecer a posição (na urgência a lei é que
determina os poderes especiais e tendo como finalidade satisfazer de modo imediato o
interesse público, há menos restrição quanto à atuação).

Validade, Eficácia e Interpretação

Validade: aptidão intrínseca do ato administrativo para produzir os efeitos jurídicos


correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a
ordem jurídica. A invalidade será, portanto, a inaptidão intrínseca para a produção de efeitos,
decorrente de uma ofensa à ordem jurídica.

Requisitos de Validade do Ato Jurídico, isto é, exigências que a lei faz relativamente a cada um
dos elementos deste para que o ato possa ser válido.

• Quanto aos sujeitos: o ato tem de inscrever no âmbito das atribuições da entidade a
que pertence o órgão seu autor, o órgão tem de ter competência para a prática do ato
administrativo e o órgão tem de ser concretamente legitimado para o exercício dessa
competência (ex. órgão colegial esteja regularmente constituído). A autoria real é do
órgão (do seu titular), mas a autoria jurídica é imputada por lei à pessoa coletiva. Quanto
aos destinatários do ato administrativa, a lei existe que sejam identificados de forma
adequada (151º/1 b) CPA), tendo este ato que assegurar o conhecimento claro e certo
de quem é seu destinatário, para permitir a imputação subjetiva dos respetivos efeitos
a uma determinada pessoa.
• Quanto à forma e às formalidades: a regra no direito português é a de que todas as
formalidades prescritas por lei são essenciais, sendo a sua omissão causa de ilegalidade
do ato administrativo. Esta regra tem como exceções: as formalidades que a lei declarar
indispensáveis: as cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do
objetivo visado pela lei ao exigi-las (degradação das formalidades essenciais em
formalidades não essenciais); formalidades meramente burocráticas, de caráter
interno, tendentes a assegurar apenas a boa marcha dos serviços. A preterição em
certas formalidades pode ser suprível, isto é, se forem cumpridas em momento
posterior ainda vão a tempo de garantir os objetivos para que foram estabelecidas. Por
outro lado, a preterição de certas formalidades pode ser insuprível, ou seja, têm de ter
lugar no momento em que lei exige que sejam observadas (ex. audiência do arguido
antes de ser punido).
 Obrigação de fundamentar o ato (formalidade essencial-152º a 154º CPA): a
fundamentação de um ato administrativo consiste na enunciação explicita das
razões que levaram o seu autor da praticar esse ato ou a dotá-lo de certo
conteúdo. O artigo 152º/1 apresenta-nos o elenco de atos que devem ser
fundamentados, sendo aqueles que são lesivos de interesses de terceiros. Qual
a razão de ser do dever de fundamentar? Esclarecer concretamente a motivação
do ato, permitindo a reconstrução do iter cognoscitivo que levou à adoção de
um ato com determinado conteúdo. Permite ainda a defesa do particular, que

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

só consegue estrutural uma impugnação administrativa ou contenciosa se


conhecer todos os motivos que levaram a administração a decidir em certo
sentido, assim como permite controlar a administração, visto que essa tem a
necessidade de ponderar todos os fatores que influenciam a decisão e facilita o
controlo pelos atos dotados de supervisão. Por outro lado, permite clarificar e
provar os factos sobre os quais assenta a decisão. Segundo o artigo 152º/2 CPA
existem atos que não carecem de ser fundamentados: atos de homologação de
deliberações tomadas por júris (o ato homologado é absorvido e esse já é
fundamentado, sendo o ato de homologação automaticamente fundamentado)
e as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em
matéria de serviço e com a forma legal. Requisitos da fundamentação (153º
CPA): tem de ser expressa, isto é enunciada de forma explicita; tem de consistir
na exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão (disciplina
jurídica com base na qual se decidiu), tendo de ser presentado o quadro jurídico
que habilita a Administração a decidir de certo modo; a fundamentação terá de
ser clara, coerente e completa (suficiente). Casos Especiais: (1) ato
administrativo que consiste numa declaração de concordância com os
fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta: o dever de
fundamentação considera-se cumprido com a mera declaração não sendo
necessário enunciar expressamente os fundamentos da decisão; (2) atos orais
que não contém em regra fundamentação, portanto, ou são reduzidos a escrito
numa ata onde deverá constar a fundamentação sob pena de ilegalidade, ou
não havendo ata, a lei dá aos interessados o direito de requerer a redução a
escrito da fundamentação dos atos, cabendo ao órgão competente o dever de
satisfazer o pedido no prazo de 10 dias (154º/1). Note-se que o não exercício
dos interessados dessa faculdade, não prejudica os efeitos da eventual falta de
fundamentação do ato (154º/2); deliberações sujeitas ao dever de
fundamentação tomadas por escrutínio secreto, sendo a fundamentação feita
pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão
que a precede (31º/3). Consequências da falta de fundamentação ou do não
cumprimento dos requisitos exigidos pela lei: ato administrativo é ilegal por
vício de forma, sendo anulável (163º/1 CPA).
 Forma do ato: os atos dos órgãos singulares devem ser praticados sob forma
escrita, desde que outra não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e
circunstâncias do ato (150º/1 CPA). Os atos dos órgãos colegiais, sem
estipulação em contrário, são praticados oralmente, visto eu a vontade do
órgãos colegial é apurada e declarada verbalmente pelo respetivo presidente,
reduzindo-se depois o teor das respetivas deliberação a ata, sob pena de
ineficácia. De entre os atos que devem ser praticados sob forma escrita
devemos distinguir entre os sujeitos a forma simples e os sujeitos a formas
solenes. As formas simples são aquelas em que para a exteriorização da vontade
do órgão administrativo a lei não exige a adoção de um escrito sujeito a um
modelo especial. As formas solenes são aquelas em que o escrito tem de
obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido.
• Quanto ao conteúdo e objeto: tanto o conteúdo como o objeto do ato administrativo
têm de obedecer aos requisitos de certeza, legalidade e possibilidade, ou seja, o objeto
(quid sobre o qual incidem os seus efeitos) tem de ser possível, determinado, idóneo e
deve estar legitimado para suportar os efeitos do ato. O conteúdo (efeitos produzidos

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

pelo ato) terá de ser determinado, possível e lícito e no caso de atos certificativos terá
de ser verdadeiro. A lei exige que a vontade em que o ato administrativo se traduz seja
esclarecida e livre. Poderão ser apostas ao ato administrativo clausulas acessórias,
sendo estas válidas se não contrariarem a lei ou o fim a que o ato se destina, se tiverem
uma relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitarem os princípios jurídicos
aplicáveis, nomeadamente o da proporcionalidade. No entanto, a aposição de clausulas
acessórias a atoa administrativos de caráter vinculativo só é admissível quando a lei o
preveja ou quando vise assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato (149º/2 CPA). Se a clausula teve um peso
preponderante e exprime o motivo determinante da prática do ato, a invalidade dessa
acarreta a invalidade do próprio ato, pois presume-se que a Administração não o teria
praticado independentemente da condição. Na situação diversa, o ato é válido e a
clausula tem-se como não escrita.
• Quanto ao fim: a lei exige que o fim efetivamente prosseguido pelo órgão da
administração coincida com o fim legal, isto é, com o fim que a lei teve em vista ao
conferir os poderes para a prática do ato, isto é, aquele interesse público cuja realização
o legislador pretende quando confere à Administração um determinado poder de agir.
No domínio dos atos vinculados, o fim não tem autonomia, não sendo relevante. O
critério prático para a determinação do fim do ato é o do motivo principalmente
determinante: exige-se que o motivo principalmente determinante da prática de um ato
administrativo coincida com o fim tendo em vista pela lei ao conferir o poder
discricionário. Caso não seja assim, o ato é ilegal e inválido. Se apenas os motivos
secundários não coincidirem com o fim legal, o ato não será inválido, a menos que algum
desses motivos seja causa de nulidade.

Eficácia: efetiva produção de efeitos jurídicos pelo ato, a projeção na realidade da vida dos
efeitos jurídicos que integram o conteúdo de um ato administrativo. A eficácia será o fenómeno
de não-produção de efeitos num dado momento, qualquer que seja a sua causa.

Requisitos de eficácia de um ato administrativo, isto é, aquelas exigências que a lei faz para que
o ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir efeitos jurídicos. A regra no direito
português é a de que o ato administrativo produz efeitos desde o momento da sua prática
(princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos). O artigo 155º/2 CPA apresenta-nos que o ato
administrativo se considera praticado logo que se encontrem reunidos, nos termos definidos
pela lei, os seus elementos essenciais. Este princípio da imediatividade comporta duas exceções:
o ato pode produzir efeitos a partir de um momento anterior ao da sua prática, tendo eficácia
retroativa (156º); ou poderá produzir apenas os seus efeitos em momento posterior ao da sua
prática, tendo eficácia diferida ou condicionada (157º).

• Casos de Eficácia Retroativa: este tipo de eficácia é regra quando, pela sua própria
natureza, os atos administrativos se reportem a atos anteriores. Esta eficácia surge
como uma faculdade do autor do ato quando não ponha em causa a segurança jurídica
e confiança na Administração. Têm eficácia retroativa os atos administrativos que se
limitem a interpretar atos anteriores e aqueles a que a lei atribua efeito retroativa
(156º/1). No artigo 156º/2 enumera-se as situações em que o autor do ato pode
atribuir-lhe eficácia retroativa: quando a retroatividade seja favorável aos interessados
e não lese direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, desde que à data
a que se pretende remontar a eficácia do ato já existissem pressupostos justificativos
dos efeitos a produzir, isto é, que o autor já fosse competente para tomar a decisão e

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

se objetivamente fosse possível praticar o mesmo ato; quando estejam em causa


decisões revogatórias de atos tomados por órgãos ou agentes que os praticaram, na
sequencia de reclamação ou recurso hierárquico, contudo, a eficácia retroativa da
decisão não tem justificação para além dos casos mencionados no artigo 171º/1 CPA;
quando seja devido para dar cumprimento a deveres, encargos, ónus ou sujeições
constituídos no passado, designadamente em execução de decisões de tribunais ou na
sequencia de anulação administrativa e não envolva a imposição de deveres, aplicação
de sanções ou a restrição de direitos ou deveres legalmente protegidos, visto que os
atos da administração praticados com vista a reconstruir a situação atual hipotética,
em conformidade com a decisão judicial, devem remontar os seus efeitos à data a partir
do qual o ato anulado começou a ser eficaz; ou quando a lei o permitir.
• Casos de eficácia diferida ou condicionada: quando o ato estiver sujeito a aprovação ou
a referendo; quando os seus efeitos ficarem dependentes de condição ou termos
suspensivos; quando os seus efeitos, pela natureza do ato ou por disposição legal,
dependerem de trâmite procedimental ou da verificação de qualquer requisito que não
respeite à validade do próprio ato (formalidades, por exemplo, redução a ata das
deliberações colegais (34º/6), publicação (158º/2), a notificação (160º) ou visto do
Tribunal de Contas).

Interpretação e integração do ato administrativo: a interpretação é o conjunto de operações


jurídicas que se traduzem na determinação do sentido e do alcance juridicamente relevante de
um ato administrativo. O interprete deve ter em conta 9 elementos: texto da decisão, respetivos
fundamentos, elementos constantes do procedimento administrativo, comportamento
posterior da Administração ou do particular, tipo legal de ato, normas aplicáveis, interesse
público a prosseguir, bem como os direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares que
hajam de ser respeitados, praxes administrativas e princípios gerais de direito administrativo.
Deverá ter-se em conta ainda algumas presunções ilidíveis: o autor do ato soube exprimir
corretamente o seu pensamento nas palavras que escreveu; o órgão administrativo não quis
afastar-se do tipo legal do ato que praticou; a administração não terá querido decidir de modo
diferente da sua prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes ou na
interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos, salva expressa indicação em
contrário. Cabe aos tribunais administrativos a última palavra sobre a interpretação dos atos,
mas a Administração também pode interpretar os seu atos através de atos administrativos ou
aclarações. Se a interpretação excede os limites do ato interpretado, então estamos presentes
uma aclaração revogatória ou modificativa, pois dá a um ato um sentido que nele não se
comportava de acordo com as regras gerais de interpretação. No caso dos atos vinculados
importa sobretudo apurar o disposto na lei, por outro lado, nos atos discricionários, interessa
sobretudo apurar a vontade real ou psicológica do órgão administrativo, ou na falta dela, a
vontade hipotética. Os mesmos princípios se aplicam para a integração de lacunas

Invalidade

Noção: valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão
intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que deveria produzir. Existem outras fontes de
invalidade para além da ilegalidade.

• Ilegalidade do ato administrativo: o ato administrativo é ilegal por ser contrário à lei
(que inclui a Constituição, lei ordinária, regulamentos, contratos administrativos,
clausulas de caráter normativo, atos normativos constitutivos de direitos com força de
“caso decidido”). A ilegalidade pode revestir diversas formas, sendo essas os vícios do

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

ato administrativo. As ilegalidades podem ser fundamentalmente de natureza orgânica


(usurpação de poder e incompetência), natureza formal (vicio de forma) ou de natureza
material (violação de lei e desvio de poder). Impõem-se aos interessados o ónus de
discriminar ou especificar, na ação impugnatória, qual o vicio ou quais os vícios que em
sem entender inquinam o ato impugnado. Mas note-se que o tribunal pode corrigir a
qualificação jurídica dos vícios alegados e nenhum ilegalidade fica excluída de
fiscalização contenciosa pelo facto de a lei estabelecer uma tipologia oficial dos vícios.
O ato administrativo pode estar ferido de diversas ilegalidades, visto que os vícios são
cumuláveis.
 Usurpação de Poder: vicio que consiste na prática por um órgão administrativo
de um ato incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou
do poder judicial. Este vicio traduz a violação do princípio da separação de
poderes (111º/2 CRP). É, na realidade, uma incompetência agravada. Este vício
produz a nulidade do ato administrativo.
 Incompetência: vicio que consiste na prática, por um órgão administrativo, de
um ato incluído nas atribuições ou competência de outro órgão administrativo.
Pode ser uma incompetência absoluta quando um órgão administrativo pratica
um ato fora das atribuições da pessoa coletiva ou do ministério a que pertence,
ou uma incompetência relativa, quando um órgão administrativo pratica um
ato que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de
outro órgão da mesma pessoa coletiva. Podemos ainda distinguir a
incompetência: em relação da matéria, isto é, um órgão invade os poderes
conferidos a outro órgão em função da natureza dos assuntos; em razão da
hierarquia, quando se invadem poderes conferidos a outro órgão em função do
grau hierárquico (ex. subalterno invade a competência do superior hierárquico
ou vice versa); em razão do lugar, quando um órgão administrativo invade os
poderes conferidos a outro órgão em função do território; em razão do tempo,
quando um órgão administrativo exerce os seus poderes legais praticando um
ato administrativo antes ou depois do momento ou período em que se encontra
legalmente habilitado para o fazer. A incompetência absoluta gera nulidade e a
incompetência relativa gera anulabilidade.
 Vício de Forma: vicio que consiste na preterição de formalidades essenciais
(vício procedimental) ou na carência de forma legal (vício de forma em sentido
restrito). Tem 3 modalidades: preterição de formalidades anteriores à prática
do ato, preterição de formalidades relativas à prática do ato e carência de forma
legal. A preterição de formalidades posteriores à prática do ato administrativo
não produz ilegalidade do ato, apenas ineficácia, visto que a validade de um ato
administrativo é aferida sempre pela conformidade desse ato com o
ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado. Quanto às sanções
deste vicio: a carência absoluta de forma legal gera nulidade; a preterição do
procedimento legalmente exigido gera nulidade; deliberações tomadas
tumultuosamente gera nulidade; deliberações tomadas sem quórum gera
nulidade; deliberações tomadas sem ser pela maioria exigida por lei gera
nulidade; outros vícios de forma gera anulabilidade.
 Violação de lei: vicio que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objeto
do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. Esta ilegalidade é de
natureza material, visto que é a própria substância do ato que contraria a lei,
isto é, o conteúdo ou objeto. Este vicio produz-se normalmente quando, no

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

exercício de poderes vinculados a administração decida coisa diversa do que a


lei estabelece ou nada decida quando a lei manda decidir algo. Mas, também
poderá ocorrer violação de lei quando no exercício de poderes discricionários,
quando sejam infringidos princípios gerais que limitam ou condicionam, de
forma genérica, a discricionariedade administrativa, designadamente os
princípios constitucionais. Assim, se é verdade que o desvio de poder só se pode
verificar no exercício de poderes discricionários, já não é verdade que não possa
verificar-se violação de lei no exercício de poderes discricionários. Violação de
lei comporta várias modalidades: falta de base legal para a prática do ato; erro
de direito cometido pela Administração na interpretação, integração ou
aplicação de normas jurídicas; incerteza, ilegalidade ou impossibilidade de
conteúdo do ato administrativo; inexistência ou ilegalidade dos pressupostos,
de facto ou de direito, relativos ao conteúdo ou ao objeto do ato administrativo;
ilegalidade dos elementos acessórios incluídos pela administração no conteúdo
do ato se essa ilegalidade for relevante; qualquer outra ilegalidade do ato
administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vicio (caráter residual).
Em qualquer dos casos de violação de lei previstos no 161º/2 CPA gera nulidade,
nos restantes casos gera anulabilidade.
 Desvio de poder: vicio que consiste no exercício de um poder discricionário por
um motivo principalmente determinante que não condigna com o fim que a lei
visou ao conferir tal poder. Pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim
real. Existe desvio de poder tanto no caso em que haja um erro de direito
(interpretou mal a lei) como no caso de má fé (quis mesmo prosseguir um fim
contrário à lei). O desvio de poder pode ser para fins de interesse público, isto
é, quando o órgão visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso
daquele que a lei impõe. O desvio de poder pode ser ainda para fins de interesse
privado, ou seja, o órgão não prossegue um fim de interesse público, mas um
fim de interesse privado, sendo este nulo segundo o artigo 161º/2 alínea e). O
desvio de poder para fins de interesse público gera a anulabilidade.
• Outras fontes de invalidade: o ato pode ser inválidos, e, portanto, nulo ou anulável, por
razões que nada tem a ver com a sua ilegalidade. Ou seja, o ato pode ser legal, mas ser
inválido.
 Ilicitude do ato administrativo: normalmente o ato é ilícito por ser ilegal, mas
existem casos em que um ato é lícito sem ser ilegal. Os casos são aqueles: em
que o ato administrativo, sem violar a lei, ofende um direito subjetivo ou um
interesse legitimo de um particular; em que o ato viole um contrato não
administrativo; em que o ato ofenda a ordem pública ou os bons costumes; e
em que o ato contenha uma forma de usura.
 Vícios de vontade: falta um requisito de validade que a lei exige, qual seja o e
que os atos jurídicos da Administração provenham de uma vontade esclarecida
e livre. Se a vontade da administração não for esclarecida ou não for livre,
porque foi determinada por erro, colo ou coação, há um vicio de vontade-
vontade inquina que fundamenta a invalidade do ato. O ato viciado com erro ou
dolo causa a anulação do ato e o ato viciado por coação causa a sua nulidade
(161º/2 alínea f) CPA). A problemática dos vícios de vontade não tem autonomia
no caso dos atos vinculados, mas tem-na por completo no caso dos atos
discricionários.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

• Formas de invalidade: nulidade e anulabilidade, isto é, quais as sanções que a ordem


jurídica determina para atos ilegais, ilícitos ou viciados na vontade (161º a 163º CPA).
 Nulidade tem como características principais: o ato nulo é totalmente ineficaz
desde o inicio, independentemente de declaração de nulidade (162º/1);
nulidade é insanável quer por decurso do tempo (pode ser invocável a todo o
tempo- 162º/1) quer por ratificação (164º/1); podem ser objeto de reforma ou
conversão (164º/4); os particulares e os funcionários públicos têm o direito de
desobedecer a quaisquer ordens que constem de um ato nulo, visto que não
produz efeitos; têm ainda direito de resistência passiva, podendo
legitimamente resistir à execução do ato nulo; um ato nulo pode ser impugnado
a todo o tempo (162º/2 e 58º/1 CPTA); nulidade pode ser conhecida por
qualquer autoridade administrativa ou por qualquer tribunal (162º/2),
significando um conhecimento incidental que tem como consequência a
desconsideração dos seus efeitos numa dada situação e com apenas referência
a essa situação; nulidade pode também ser declarada a todo o tempo com
efeitos erga omnes pelos tribunais administrativos- nulidade é objeto de uma
ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo (50º/1
CPTA)- ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação- a
declaração de nulidade é um ato administrativo a reconhecer prante todos que
o ato é nulo e não produziu quaisquer efeitos- (162º/2); pode ser conhecida a
todo o tempo por qualquer órgão administrativo (134º/2), mas só pode ser
declarada apenas pelos órgãos administrativos com poderes de controlo no
caso; o reconhecimento judicial da nulidade tem a forma de declaração de
nulidade e tem natureza meramente declarativa.
 Anulabilidade é uma sanção menos grave do que a nulidade e tem como
características: o ato anulável é juridicamente eficaz até ao momento em que
venha a ser anulado (163º/2); anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do
tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão; o ato anulável é obrigatório,
quer para os funcionários públicos quer para os destinatários, enquanto não for
anulado; o ato só pode ser anulado dentro de certo prazo que a lei estabelece;
o pedido de anulação só pode ser feito perante tribunal administrativo, só
podendo estes anular o ato administrativo, sendo a sentença proferida uma
sentença de anulação com natureza constitutiva, que tem eficácia retroativa,
“tudo se passa, na ordem jurídica, como se o ato nunca tivesse acontecido”;
existe, por vezes, afastamento legal do efeito anulatório (163º/5 alíneas a) a c)).
Se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação, nem o mesmo for
anulado por iniciativa própria da Administração, ele converte-se num ato válido,
isto é, fica sanado.
 Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade: a nulidade tem caráter
excecional (161º/1 CPA) e a anulabilidade é a regra geral (163º/1 CPA). Assim, o
ato administrativo inválido é anulável, a menos que faça parte das situações
descritas como nulas. Isto justifica-se pela necessidade de certeza e segurança
da ordem jurídica, para que não paire indefinidamente a dúvida sobre se os atos
da Administração são legais ou ilegais, se válidos ou inválidos. São nulos os atos
que, exemplificativamente, são apresentados no artigo 162º/2 CPA.
 Inexistência: o ato administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer
passar por ato administrativo, mas a que faltam certos elementos estruturais
constituídos que permitam identificar um tipo legal de ato administrativo. São

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

também inexistentes as decisões administrativas aplicadoras de leis feridas de


inexistência jurídica. Aplica-se o regime da nulidade em grande parte à
inexistência, exceto: 134º/3 e a possibilidade de reforma ou conversão.
 Irregularidade: o incumprimento de certas normas de procedimento não
acarreta a invalidade, quer por se tratar de normas meramente indicativas
(formalidades não essenciais) quer por tal incumprimento, não importar no caso
concreto, uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pela norma
violada, por estes alcançarem a sua realização por outra via (degradação das
formalidades essenciais em não essenciais). Estes são casos de irregularidade, e
o ato irregular é sempre um ato existente e válido. A lei pode, no entanto, impor
uma sanção criminal ou disciplinar ao agente infrator. O conceito de
irregularidade desdobra-se em dois tipos: vicio não afeta a validade do ato; vício
afeta a validade, diminuindo-a ou alterando-a, mas não a impedindo. Exemplos
de atos irregulares: não cumprimento do 48º/2, emissão de um parecer depois
do termo estabelecido ou a pura e simples omissão do parecer, ainda que possa
acarretar responsabilidade do funcionário causadores da demora.
 Cumulação de forma de invalidade: se uma ou mais fontes de invalidade
gerarem anulabilidade e outra ou outras determinarem nulidade, prevalece a
sanção mais forte, isto é, nulidade. Note-se, no entanto, que fora do prazo legal
para invocar a anulabilidade, a ação impugnatória só poderá ter fundamento
causas de nulidade e não já causas de anulabilidade.
 Sanação de atos administrativos ilegais: a sanação é consiste na transformação
jurídica de um ato ilegal num ato inatacável contenciosamente. Esta tem como
razão a necessidade de certeza e segurança na ordem jurídica, não sendo
possível suportar durante anos a incerteza sobre se cada ato administrativo é
legal ou ilegal, válido ou inválido. A sanação pode ocorrer por ato
administrativo secundário (Ex. ratificação, reforma e conversão de atos
administrativos) ou pelo decurso do tempo (se o particular tem um prazo para
anular o ato anulável e não o faz, o ato anulável fica sanado pelo prazo legal ter
terminado). A sanação do ato anulável impede que o ato seja anulado pela
Administração, seja contenciosamente impugnado ou seja ratificado,
reformado ou convertido. A sanação não afasta a obrigação de indemnizar que
em princípio recai sobre o autor do ato no caso de esse ato ter sido ilícito e ter
causado prejuízos a outrem.

Extinção e Modificação

Os atos administrativos podem ser extintos ou modificados.

Nos atos de execução instantânea os efeitos cesso imediatamente com a prática do ato. Nos
atos de execução continuada os efeitos perduram no tempo, só se extinguido decorrido certo
período. A certos atos podem ser apostos um termo final ou uma condição resolutiva, cessando
os efeitos do ato quando se atinge esse termo ou verificada a condição. Para além destas
situações, um órgão administrativo pode praticar atos expressamente destinados a extinguir os
efeitos de um ato anterior, quer fazendo cessar esses efeitos para o futuro, quer destruindo-os
desde o momento da sua prática. Neste sentido, importa atender à revogação (165º/1 CPA) e
anulação administrativa (165º/2 CPA). A modificação do ato administrativo pode ocorrer por
diversas razões, mas na maior parte dos casos, modificar um ato interfere sempre com todos ou
partes dos efeitos jurídicos de um ato anterior.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Revogação: é o ato administrativo que decide extinguir, por razões de mérito, conveniência ou
oportunidade, no todo ou em parte, os efeitos de um ato administrativo anterior. O órgão que
exerce a revogação elimina a disciplina resultante do ato revogado abstendo-se de introduzir
uma nova disciplina. A finalidade é a melhor prossecução do interesse público atual. Tem na sua
base um juízo de mérito, sendo uma nova valoração administrativa dos efeitos atuais ou
potenciais de um ato administrativo anterior, à luz do interesse público. Será ainda admitida a
revogação sancionatória, isto é, impõem-se a revogação como sanção administrativa pelo
incumprimento, pelo particular, de clausulas, deveres ou obrigações que o ato primário lhe
impusera, tendo como finalidades o impedimento da ocorrência de uma transformação do ato
administração em decisão pública mantida para fins exclusivos de caráter privado e a efetivação
da função sancionatória do Direito. Se um ato revogatório não tiver estas finalidades, carece de
desvio de poder. A revogação, em regra, apenas produz efeitos para o futuro- eficácia ex nunc
(“desde agora”) (171º/1 primeira parte). A atribuição de eficácia ex tunc à revogação não pode
ser feita livremente, sob pena de se prejudicar a tutela da confiança dos particulares. Assim, a
revogação com eficácia ex nunc ocorrerá quando o órgão administrativo competente mude de
critério e resolva extinguir um ato anterior, que primeiro julgou conveniente ao interesse
público, mas que agora considera inconveniente. A eficácia ex tunc poderá ser utilizada nos
casos em que não seja afetada a confiança que os particulares depositaram na Administração
(171º/1 segunda parte CPA). A base da eficácia da revogação é a ideia de que as mudanças de
critério dos órgãos administrativos só podem afetar o futuro, não o passado, só o afetando a
título excecional (ex. particulares concordam). Salvo se a lei dispuser de forma diferente,
seguindo o princípio geral de direito, as revogações sancionatórias não têm caráter retroativo.

Anulação administrativa: ato administrativo que, fundado na invalidade de um ato


administrativo anterior, se destina a destruir os seus efeitos. Poder de controlo em vista da
reposição da legalidade, suprimindo-se o ato que a ofende. A anulação administrativa, em
regram reporta a sua eficácia ao momento da prática do ato invalido- eficácia ex tunc (“desde
então”) (171º/3 primeira parte).

A revogação e anulação administrativas são atos secundários, visto que os seus efeitos jurídicos
recaem sobre um ato anteriormente praticado, não se concebendo a sua existência desligada
desse ato preexistente. Estas figuras têm como conteúdo a decisão de extinguir os efeitos do
ato anterior que é seu objeto. Note-se que são atos administrativos e por isso seguem o regime
desses.

Figuras afins:

 Atos administrativos de conteúdo contrário ou oposto ao de um ato anteriormente


praticado (ex. demissão): os poderes exercidos não se destinam imediatamente a atuar
sobre um ato administrativo anterior, antes representam o exercício de uma
competência dirigida à prática de atos pertencentes a um tipo legal diferente. Não
revogam nem anulam o ato primário, apenas extinguem a situação jurídica por ele
criada.
 Suspensão de um ato administrativo anterior: o conteúdo do ato de suspensão é a mera
paralisação temporária da eficácia de um ato administrativo anterior.
 Retificação: explica-se melhor o sentido do ato ou corrige-se erros ou imprecisões, o
que não tem implicações com os efeitos jurídicos do ato.
 Alteração ou Substituição de atos administrativos: o órgão administrativo exerce a sua
competência dispositiva como na revogação, mas não prescinde de disciplinar de outra
maneira a situação da vida regulada pelo ato administrativo anterior, fazendo isso

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

através de um ato cujos efeitos de direito são parcialmente, quanto à alteração, ou


totalmente, quanto à substituição, distintos dos do ato alterado ou substituído. Estas
figuras, tal como a revogação, também importam a extinção dos efeitos produzidos por
ato administrativo anterior. O artigo 173º/1 CPA impede que se use estas figuras como
fraude à lei, para não ter de seguir o regime da revogação, quando na realidade o fim é
esse.
 Ratificação, reforma e conversão: nestas visa-se salvaguardar alguns ou a totalidade
dos efeitos já produzidos por um ato anulável anterior, sanando-os assim como os
respetivos atos consequentes, ao contrário do que acontece com a anulação
administrativa que elimina os efeitos de um ato administrativo anterior.

Espécies de Revogação e Anulação Administrativa

a) Quanto à iniciativa: podem ser espontâneas (revogação e anulação oficiosas- praticadas


pelo órgão competente independentemente de qualquer solicitação) ou provocadas
(motivadas por um requerimento do interessado, em vida de reclamação ou recurso
administrativo).
b) Quanto ao autor: podem ser feitas pelo próprio órgão autor do ato revogado
(retratação) ou anulado ou por órgão administrativo diferente (superior hierárquico,
delegante, órgão com poder de superintendência ou tutela).

Regra da modificabilidade dos atos administrativos: os atos administrativos são em regra e por
natureza modificáveis, tendo os órgãos administrativos a faculdade de, respeitados, certos
limites, extinguir os efeitos dos atos que anteriormente praticaram, desde que os reputem como
inválidos ou inconvenientes. Ora, a modificabilidade é uma característica própria do ato
administrativo, pois a função administrativa visa regular situações presentes ou futuras em
regra.

Atos insuscetíveis de revogação ou anulação administrativa: atos nulos (166º/1 alínea a) CPA),
visto que não se pode destruir efeitos inexistentes; atos cujos efeitos já tenham sido destruídos
através de anulação contenciosa ou de revogação com eficácia retroativa (166º/1 alíneas b) e c)
CPA), visto que faltam os efeitos obre os quais possa recair o ato revogatório ou anulatório; e
atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem todos produzidos ou esgotados, não
podendo estes ser alvo de revogação com eficácia ex nunc, pois já não estão a produzir efeitos.
Podem, no entanto, ser alvo de anulação administrativa ou revogação com eficácia retroativa,
pois pode eliminar-se os efeitos já produzidos pelo ato e que perdurem na ordem jurídica
(166º/2).

Condicionalismos aplicáveis à revogação: o artigo 167º estabelece regimes diferentes para os


atos livremente revogáveis, atos de revogação proibida e atos de revogação condicionada.

(1) Atos Livremente Revogáveis: ora, os atos administrativos são por norma livremente
revogáveis, produzindo a revogação em regra efeitos para o futuro. Tudo se percebendo
atendendo ao princípio constitucional da prossecução do interesse público a que a
administração está vinculada. Contudo, a revogação deve ser sempre tomada com
precaução e não de forma completamente descondicionada (ex. princípio da igualdade
pode excluir a revogação de um ato válido desfavorável).
(2) Atos de Revogação Proibida: o ato administrativa, face a impossibilidade de revogação,
mas deve revogar o ato, sob pena de ilegalidade por violação de lei. Não podem revogar-
se atos que tenham sido praticados no exercício de poderes vinculativos ou de estrita
obediência a uma imposição legal (167º/1 primeira parte CPA), sob pena de ser

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

praticada por revogação ilegal por se gerar uma violação da lei inicialmente acatada.
Também não podem ser revogados os atos válidos de que resultem para o seu autor
obrigações legais ou direitos irrenunciáveis (167º/1 segunda parte), pois revogar esse
ato seria ignorar a obrigação importa por uma lei, e consequentemente violar essa lei
ou renunciar a um direito que a lei considera irrenunciável, sendo, portanto, uma
revogação ilegal.
(3) Atos constitutivos de direitos: podem ser revogáveis, mas dentro de certas condições,
atendendo ao princípio da segurança jurídica e proteção da confiança. Para este efeito
consideram-se atos constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou
reconheçam situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus,
encargos ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza
do ato (167º/3 CPA). Estes atos atribuem posições jurídicas subjetivas de vantagem a
particulares, e, portanto, à luz do princípio da confiança, os cidadãos têm o direito de
poder confiar que as decisões incidentes sobre os seus direitos ou posições jurídicas,
alicerçadas normas jurídicas e válidas, produzem efeitos previstos e prescritos pelas
normas jurídicas e válidas. Existe, por isso, uma tendencial irrevogabilidade dos atos
constitutivos de direitos. São excluídos desses atos constitutivos de direitos, os atos
precários que são praticados em cenários de incerteza ou de risco e atendendo que
surgem da necessidade de salvaguarda da capacidade de reagir perante novas
circunstâncias objetivas ou tendo em conta novas informações ou conhecimentos
entretanto adquiridos pela Administração. Os atos constitutivos de direitos podem,
segundo o artigo 167º/2 CPA alíneas a) e b), ser revogados na parte em que seja
desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários ou no caso de todos os interessados
darem a sua concordância à revogação do ato, desde que não se trate de direitos ou
interesses indisponível. Estes dois casos têm em comum o facto de a revogação não
prejudicar as posições subjetivas dos particulares, no todo ou então com consentimento
dos interessados. A revogação de atos constitutivos de direitos torna-se possível ainda
nos casos em que nem sequer existe razão de ser para a criação de uma situação de
confiança legitima, ou seja, se tiver sido imposta uma reserva de revogação (167º/1
alínea d) e 149º CPA), visto que o seu destinatário sabe desde inicio que o ato pode ser
revogado. Por último, este género de atos pode ser revogado para garantir a prevalência
do interesse público, isto é, mesmo que exista uma situação de confiança legitima,
entendesse que o interesse público deve prevalecer face aos interesses privados,
exigindo-se que a lei pague ao particular uma indemnização. Assim, desde que seja
demonstrada, fundamentadamente, a existência de um interesse público cuja
satisfação à luz de um juízo de ponderação deva prevalecer sobre o interesse privado
de um particular na manutenção do ato e desde que se garanta ao particular uma justa
indemnização pecuniária, deve ser possível a revogação de um ato constitutivo de
direitos, apesar de termos que atender que esta situação é claramente excecional.
Ainda, podemos referir os casos da alínea c) do artigo 167º/1 CPA, em que será possível
a revogação dos atos constitutivos de direitos, quando supervenientemente surgem
conhecimentos técnicos e científicos ou existe uma alteração objetiva das circunstâncias
de facto, em face das quais não seriam praticados os atos. O prazo para a revogação
fundada nestas razões é de 1 ano (ou dois fundadamente) a contar do conhecimento ou
da alteração. A revogação leva a que os particulares tenham direito a uma indemnização
por sacrifício, salvo nos casos em que a afetação do direito, elimine ou restrinja o
conteúdo essencial desse direito, tendo o beneficiário de boa fé do ato revogado direito

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da


parte do direito que tiver sido restringida.

Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa: o único fundamento da anulação


administrativa é a invalidade do ato anterior (165º/2 CPA). Se o fundamento invocado para a
anulação administrativa for de inconveniência ou pretensa ilegalidade, este ato de anulação
sofre de violação de lei.

Quanto à generalidade de atos administrativos, a anulação administrativa, segundo o artigo


168º/1 CPA, pode ocorrer no prazo de 6 meses a contar da data do conhecimento pelo órgão
competente da causa de invalidade ou desde o momento da cessação do erro, quando a
invalidade resulta de erro, desde que não tenham passado 5 anos da emissão do erro.

Se estiverem em causa atos constitutivos de direitos, o prazo será de um ano a contar da data
da respetiva emissão (168º/2 CPA), salvo nas seguintes circunstâncias (se a lei ou o DUE não
fixarem prazo diferente) em que o prazo é de 5 anos a contar da respetiva emissão (168º/4 CPA):
a) quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artificio fraudulento com vista à obtenção da
sua prática; b) apenas com eficácia para o futuro, quando se trate de atos constitutivos de
direitos à obtenção de prestações periódicas, no âmbito de uma relação continuada; c) quando
se trate de atos constitutivos de direito cuja legalidade possa ser objeto de fiscalização
administrativa para além do prazo de 1 ano com imposição do dever de restituição das quantias
indevidamente auferidas. A anulação de atos constitutivos de direito atribui aos beneficiários
que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e tenham auferido, tirado partido ou
feito uso da vantagem em que o ato os colocava, o direito de serem indemnizados pelo danos
anormais que sofram em consequência da anulação (168º/6 CPA).

Como se articula a anulação administrativa de atos administrativos com a impugnação


administrativa dos mesmos? 1. Quanto o ato a anular pela administração tenha sido objeto de
impugnação contenciosa, a anulação só pode ter lugar até ao encerramento da discussão
(168º/3 CPA); 2. Se o ato a anular administrativamente se tiver tornado inimpugnável por via
jurisdicional (prazos no artigo 58º/2 CPTA), tal ato só pode ser objeto de anulação oficiosa
(168º/5 CPA). O ato ilegal que não for objeto de anulação administrativa por decurso do tempo,
poderá ser revogado mais tarde com fundamento na sua inconveniência, visto que não podem
ter um regime de maior garantia de irrevogabilidade que os atos válidos.

Os efeitos da anulação administrativa estão presentes nos artigos 171º e 172º CPA,
apresentando que os efeitos do ato anulado têm-se como não produzidos, tornando-se os atos
de execução e os atos consequentes do ato renovado ilegais e as operações materiais
desencadeadas ao abrigo do ato revogado tornam-se ilícitas. Tudo se passa como se o ato nunca
tivesse existido. A administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se o ato
anulado não tivesse sido praticado.

Competência para a revogação e para a anulação administrativa:

 Autor do ato (169º/ 2 e 3 CPA): no que toca à revogação, o seu fundamento é a


competência dispositiva do autor do ato (modificações de competência dispositiva são
relevantes para o apuramento do órgão que tem poder de revogação ou anulação) que
dispõe da sobre a matéria a decidir, estando, portanto, habilitado a resolver acerca do
assunto. Quanto à anulação administrativa, o seu fundamento é o poder de
autocontrolo associado à competência dispositiva, visto que quem pratica o ato está
obrigado a controlar a legalidade desse ato. O artigo 169º/6 apresenta que, no caso de

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

um órgão incompetente praticar um ato, o órgão competente sobre essa matéria pode
anular administrativamente o ato, mas não pode revogá-los, visto que o dever de anular
atos ilegais não inclui o poder de revogar por motivos de mérito. O órgão incompetente
não pode nem revogar nem anular o ato, visto que o autocontrolo da validade do ato e
a revogação estão associados à competência dispositiva, a qual o órgão não tem.
 Superior Hierárquico: o superior hierárquico tem competência para revogar a anular
administrativamente o ato praticado pelo seu subalterno, com a ressalva de que não
pode revogar atos praticados ao abrigo da competência exclusiva do subalterno, ou seja,
esta faculdade do superior hierárquico só existe nos casos de competência comum
(fundamento é a competência dispositiva) e competência própria (fundamento é o
poder de supervisão). O exercício desta faculdade pode resultar da avocação do superior
hierárquico ou da interposição de recurso hierárquico por parte do interessado (169º/1
CPA e 197º/1 CPA).
 Delegante/ Subdelegante: este tem poderes de revogar ou anular administrativamente
os atos praticados pelo delegado ou pelo subdelegado, no âmbito dos poderes cujo
exercício lhes foi transferido (169º/4 CPA). O fundamento é a ideia de que se o
delegante pode a qualquer momento revogar o ato de delegação, pode também anular
ou revogar os atos praticados ao abrigo dessa delegação, desde que os considere ilegais
ou inconvenientes.
 Órgão com poderes de superintendência e tutela: a competência de revogar e anular os
atos praticados pelo órgãos sujeitos a superintendência e tutela só existe a título
excecional, quando é expressamente incluída nos poderes e superintendência e tutela,
não sendo uma competência geral dos órgãos que exercem poderes de
superintendência e tutela (169º/5 CPA).

Forma e formalidades da revogação e da anulação administrativa: importa ter em mente que


“os atos desfazem-se pela mesma forma por que são feitos”, não figurante neste âmbito um
princípio de liberdade de forma, mas sim um princípio de identidade/ paralelismo das formas,
ou seja, a forma e formalidades do ato revogatório ou anulatório devem seguir a forma e
formalidades do ato revogado ou ato anulado. O critério a seguir é a forma e formalidades
previstas na lei ou as que foram realmente adotadas pelo ato? Quanto às formalidades,
apresenta o artigo 170º/3 CPA, que deverão ser observadas na revogação e anulação as
formalidades exigidas para a prática do ato revogado ou anulado que se mostrem indispensáveis
à garantia do interesse público ou dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
interessados. Quanto à forma, a regra é a de que o ato revogatório e anulatório deve revestir a
forma devida/ prevista para o ato revogado ou anulado, salvo disposição especial em contrário
(170º/1 CPA). Existem 2 exceções a esta regra (170º/2 CPA): a) quando a lei não estabelecer
forma especial alguma para a prática do ato anulado ou revogado; b) quando o ato revogado ou
anulado tiver revestido forma mais solene do que a legalmente prevista.

Obrigatoriedade de anulação administrativa de atos ilegais: importa perceber se os órgãos


administrativos estão obrigados por lei a anular atos ilegalmente praticados, podendo a
anulação ser exigida judicialmente por ser um ato legalmente devido, ou se tais órgãos dispõem
de discricionariedade, não existindo um dever legal de pronuncia a uma requisição de anulação.

A revogação dos atos ilegais é um poder vinculado, existindo um dever de revogar. Existem
certos casos em que atendendo ao princípio da legalidade e a um dever de justiça a
administração tem de anular os atos que considera ilegais: A) atos ilegais apreciados em sede
de reclamação; B) atos ilegais apreciados em sede de recurso hierárquico; C) atos ilegais

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

apreciados em sede de recurso hierárquico impróprio ou de recurso tutelar. Nestes casos,


estamos presentes de garantias não contenciosas dos particulares (52º/1 CRP), que sendo
acionadas pelos particulares exigem que esse receba uma decisão justa, que só pode ser anular
o ato que é ilegal. Nos casos em que a Administração se percebe por si mesma ou por denúncia
de alguém que praticou um ato ilegal, esta tem na mesma um dever de anular. Este dever de
anular não é incompatível com a possibilidade de sanar o ato, o que não poderá ocorrer é uma
atividade passiva da Administração quanto a um ato ilegal, até porque a própria sanação
depreende uma ação perante um ato ilegal. Assim, os órgãos administrativos têm o dever
jurídico de anular os atos ilegais que tiverem sido praticados, salvo se puderem e decidirem
saná-los expressamente, dentro do prazo legal. Até mesmo nas revogações sancionatórias existe
um dever de revogar (salvo se a lei ou o próprio ato dispuserem de forma diferente), visto que
o respeito das normas jurídicas depende de sanções e em principio os atos favoráveis atribuídos
a particulares com um encargo por eles a ter de ser pratico, tem um caráter sinalagmático, em
regra, ou seja, só faz sentido atribuir a vantagem ao particular se esse cumprir o encargo em
prol do interesse público, portanto, se ele não cumprir esse encargo/obrigação, deverá o ato ser
revogado, até porque não o revogar permitiria que um ato administrativo deixasse de prosseguir
o fim de interesse público, para prosseguir na totalidade um fim de interesse privado (desvio de
poder superveniente).

Natureza Jurídica da revogação e anulação administrativa:

 Natureza negativa ou destrutiva: o ato revogatório ou anulatório extingue os efeitos de


um ato anterior, por ilegalidade ou inconveniência, ou a título de sanção. Ao de
revogação e anulação poderá ser acrescentada no momento ou posteriormente uma
nova decisão sobre o mesmo caso concreto, mas esta será já outro ato administrativo
diferente.
 Natureza positiva ou construtiva: o órgão administrativo não se limita a extinguir ou
eliminar a decisão tomada, mas substitui certa decisão por outra. Se o órgão
competente não fizer acompanhar a extinção do ato com uma nova decisão sobre o
caso concreto, estes autores defendem que a revogação e anulação acarretam um
efeito repristinatório, ou seja, a revogação ou anulação de um dado ato tem como
consequência a reposição em vigor do ato que inicialmente regulava o caso concreto e
que tinha sido revogado ou anulado pelo ato revogado ou anulado agora.

O efeito repristinatório só faz sentido ser colocado nos casos em que existam duas revogações
e/ou anulações consecutivas, e, portanto, na maioria dos casos a revogação e anulação não têm
efeito repristinatório.

Nas situações em que o efeito repristinatório faz sentido ponderar teremos duas situações: (1)
quanto à revogação (171º/2 CPA), tratando-se de um ato de carater discricionário, a produção
ou não deste efeito depende da vontade que o órgão administrativo manifestar quanto a isso,
existindo se houver declaração do órgão, não sendo possível presumi-lo no seu silêncio; (2)
quanto à anulação, ela produz efeito repristinatórios e, quando tenha por objeto a anulação de
um ato revogatório, só não determina a repristinação do ato revogado se a lei ou o ato de
anulação assim expressamente dispuserem (171º/4 CPA). Podemos concluir que, em regra, a
revogação e anulação administrativa têm uma natureza negativa ou destrutiva, visando
extinguir e não repor em vigor atos anteriormente circunstâncias, não obstante as circunstâncias
em que podem ter natureza constitutiva ou repristinatório.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Suspensão, Retificação e Sanação

Suspensão do ato administrativo

A suspensão paralisa temporariamente os efeitos jurídicos de um ato, podendo esta ter como
fonte a lei, ato administrativo ou decisão de um tribunal administrativo. A suspensão legal
ocorre quando certos factos, nos termos da lei, produzem automaticamente o efeito suspensivo
(ex. subordinação de um ato a condição suspensiva ou a termo inicial e impugnação contenciosa
administrativa de atos insuscetíveis de imediata impugnação contenciosa- 189º/1 CPA). A
suspensão administrativa ocorre sempre um órgão para o efeito competente decida, por ato
administrativo, suspender um ato administrativo anterior. Que órgão podem proceder a essa
suspensão: órgãos a quem a lei confere expressamente esse poder; órgão competente para a
decisão final, enquanto medida provisória requerida pelos interessados ou ordenada
oficiosamente no quadro de um procedimento de revogação ou anulação administrativa (89º e
90º); e o órgão competente para apreciar a impugnação administrativa facultativa (189º/2). A
suspensão jurisdicional é aquela que pode ser decidida pelo tribunal administrativo competente,
através da adoção de uma providência cautelar conservatória , destinada a assegurar a utilidade
da sentença que haja de ser proferida numa ação de impugnação de atos administrativos (ex.
CPTA 112º/2 alínea a)).

Retificação do ato administrativo

A retificação é o ato administrativo secundário que visa emendar os erros de calculo (operações
matemáticas) ou os erros materiais (redação) contidos num ato administrativo primário
anterior. Ocorre quando existem erros na expressão da vontade do órgão administrativo
(174º/1 CPA). Se os erros forem manifestos, ou seja óbvios, evidentes e ostensivos, aplica-se o
regime especial (174º CPA). Se não forem manifestos, segue-se o regime geral da revogação. O
artigo 174º CPA apresenta: os erros manifestos podem ser retificados pelo órgão competente
para a revogação do ato; pode ser retificado a todo o tempo, mesmo depois de expirado o tempo
mais longo que existisse para a revogação; pode ser lugar oficiosamente ou a pedido dos
interessados; tem efeitos retroativos; e deve ser feita sob a forma e com publicidade usadas
para a prática do ato retificado. A administração quando toma conta do erro tem o dever jurídico
de o ratificar.

Ratificação, Reforma e Conversão do ato administrativo

O órgão administrativo, ao aperceber-se da ilegalidade que cometeu, em vez de anular ou


declarar nulo o ato anterior ilegal, pode pretender recuperar esse ato, expurgando o vício eu o
afetava ou reutilizar alguns dos seus elementos, em obediência ao princípio do aproveitamento
dos atos jurídicos. A ratificação, reforma e conversão retroagem à data da prática do ato ilegal
anterior, tendo efeitos sobre esse. Estas formas de sanação dos atos administrativos ilegais são
uma forma de modificação desses, mas o seu regime está baseado no regime jurídico da
anulação administrativa (164º/1 CPA).

Ratificação: ato pelo qual o órgão competente decide sanar um ato inválido anteriormente
praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia.

Reforma; ato administrativo pelo qual se conserva de um ato anterior a parte não afetada de
ilegalidade.

Conversão: ato administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um ato ilegal
para com eles se compor um outro ato que seja legal.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Como podemos caracterizar o regime destas figuras?

 Atos nulos só podem ser objeto de reforma ou conversão.


 Normas de competência e tempestividade aplicáveis são as da anulação administrativa
dos atos inválidos.
 A reforma e conversão obedecem às normas procedimentais aplicáveis ao novo ato.
 Em casa de incompetência, o pode ser ratificar o ato ilegal cabe ao órgão com
competência para a sua prática.
 Desde que não tenha existido alteração ao regime legal, a ratificação, reforma e
conversão retroagem os seus efeitos à data dos atos a que respeitam.
 A eficácia retroativa não prejudica a possibilidade de anulação dos efeitos lesivos
produzidos durante o que período que os tiver precedido, quando os mesmos sejam
praticados na pendência de processo impugnatório e respeitem a atos que envolvam a
imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição
de direitos e interesses legalmente protegidos.

Os atos nulos são insanáveis, ou seja, não se pode suprir a ilegalidade que os vicia, mas através
da reforma e conversão, é possível que se elimine a ilegalidade da parte do ato viciada ou que
se elimine os elementos viciados e com os elementos sãos se pratique um ato de tipo diferente.

Execução

A Administração goza da possibilidade de definir imperativamente o direito aplicável no caso


concreto, criando, modificando e extinguido situações de outras entidades, cujos efeitos se
projetam imediatamente nas suas esferas jurídicas, com plena força obrigatória e independente
de qualquer decisão judicial- princípio da autotutela declarativa.

Para que ocorra execução coerciva é necessário que: a) exista um ato administrativo que de
forma imediata, crie ou estabeleça deveres ou encargos para um particular, obrigando-o a uma
determinada prestação; b) verifique a recusa do destinatário do ato de efetuar o seu
cumprimento voluntário; c) a lei não se oponha à execução por via administrativa.

Se o incumprimento for da parte da própria Administração não existe execução de um ato


administrativo, mas segue-se o processo executivo previsto no CPTA.

O artigo 176º/1 CPA regula os casos em que a Administração pode exercer a execução, mas esse
artigo ainda não se encontra em vigor, vigorando o artigo 149º/2 CPA de 1991 (que determina
que a Administração pode sempre executar coercitivamente os seus atos executórios por via
administrativa, mas ao executar, só pode fazê-lo pelas formas e nos termos previstos no CPA ou
admitidos por outras leis), visto que necessidade que sejam determinados os casos de
habilitação especifica da Administração para executar os seus próprios atos, o que ainda não
ocorreu.

Princípios Gerais de Execução: (1) princípio da legalidade da execução, isto é, toda a execução
coativa por via administrativa terá de ser feita com base em habilitação legal especifica e pelas
formas e nos termos por ela previstos, salvo os casos de urgente necessidade pública e nos casos
e medidas policiais de coação direta. A execução coerciva de obrigações pecuniárias é sempre
possível nos termos do processo de execução fiscal, ou seja, quando por força de um ato
administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por
ordem desta, segue-se na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de
execução fiscal (176º/2 e 179º CPA); (2) principio do ato administrativo prévio: a administração

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

não pode realizar operações materiais e executivas sem ser com base um ato administrativo
anterior que as legitime (ato exequendo- 177º/1 CPA); (3) principio da procedimentalização da
execução: a execução segue sempre um procedimento próprio e autónomo, que se inicia com a
emissão de uma decisão fundada de proceder à execução, na qual o órgão competente
determina o conteúdo e os termos da execução (177º/2 CPA); (4) principio da subsidiariedade:
a administração apenas pode impor as suas decisões pela força, se esgotou a possibilidade de
as mesmas serem voluntariamente cumpridas pelos destinatários, sendo a execução notificada
ao destinatário que tem um prazo para o cumprimento da obrigação (177º/3 CPA); (5) principio
da proporcionalidade: na execução devem ser usados meios que envolvam um melhor prejuízo
para direitos e interesses dos particulares (178º/1 CPA); (6) principio da humanidade da
execução: a administração não pode utilizar meios de coação que violem direitos fundamentais
ou sejam contrários ao respeito pela pessoa humana.

Regime da execução:

 Ordem de proceder à execução: corresponde a um ato administrativo autónomo


relativamente ao ato exequendo e deve ser devidamente fundamentada, sendo nela
que se determina o conteúdo e os termos da execução, devendo constar neste um prazo
razoável para o cumprimento da obrigação, findo o qual a administração executará
coercivamente o ato exequendo através de meios especificamente determinados. O ato
exequendo fica os limites e execução e para ser executado, tem de ser eficaz. Se os atos
de execução forem praticados a descoberto de qualquer ato exequendo prévio, ou
excedendo os seus limites, poderão ser objeto de impugnação administrativa
contenciosa. O ato exequendo não é, contudo, condição suficiente para a execução,
sendo necessária uma decisão de proceder à execução. Os atos materiais e jurídicos da
execução administrativa, se o procedimento administrativo não for notificado ao
particular, são ilegais por vício do respeito procedimento. A notificação tem como
objetivo informar o particular da consequência de execução se este não praticar a
obrigação voluntariamente. Por outro lado, a notificação permite ao particular a
possibilidade de desencadear mecanismos que obstem à execução administrativa, como
a impugnação da sua legalidade e o pedido de suspensão da sua eficácia.
 Verificação do incumprimento da obrigação exequenda e a aplicação dos meios
coercivos: se passado o prazo previsto o particular não cumpriu a obrigação, serão
desencadeados os meios coercivos em conformidade com o determinado na ordem.
 Garantias dos executados: a decisão de proceder à execução administrativa ou outros
atos praticados no âmbito do procedimento de execução podem ser impugnados
administrativa e contenciosamente por vícios próprios (não por vícios derivados do ato
exequendo), e pode ainda ser requerida a suspensão contenciosa dos efeitos da
execução (182º/1 CPA). Os executados podem também propor ações administrativas
comuns e requerer providências para prevenir a adoção de operações materiais de
execução ou promover a remoção das respeitas consequências, quando tais operações
sejam ilegais por serem adotadas nas condições previstas no artigo 182º/3 CPA.

Fins e formas da Execução (175º/1 CPA)

a) Pagamento de quantia certa (179º/1 CPA): a lei portuguesa não autoriza a execução
forçada por via administrativa nestes casos, sendo o único caminho a seguir o da via
judicial, através do processo de execução fiscal nos tribunais tributários, nos termos da
lei tributária, sendo isto uma exceção ao privilégio da execução prévia.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

b) Entrega de coisa certa: se o particular não fizer a entrega da coisa devida à


administração, esta pode proceder às diligências necessárias para tomar posse
administrativa de um bem, ou seja, através de uma declaração do seu direito a essa
posse, investir-se da propriedade da coisa, podendo recorrer à forma se necessário.
c) Prestação de um facto, ou o respeito por ações ou omissões em cumprimento de
limitações impostas por atos administrativos: (A) prestação de facto positivo fungível: a
administração pode optar entre a execução direta dos seus próprios meios e a execução
por terceiro por si contratado para o efeito, ficando em qualquer dos casos as despesas
a cargo do particular faltoso- execução sub-rogatória; (B) prestação de facto positivo
infungível: a administração pode utilizar coação direta sobre o obrigado, só podendo
esta ter lugar nos casos expressamente previstos na lei e sempre com observância dos
direito fundamentais previstos na CRP e do respeito devido à pessoa humana (176º/1 e
178º/2 CPA); (C) prestação de facto negativo fungível: segue o mesmo regime
apresentado para a prestação de facto positivo fungível; (D) prestação de facto negativo
infungível: execução pode ser eventualmente impossível, podendo existir quanto muito
algum tipo de sanção, mas também pode ocorrer que a administração possa e deva
fazer cessar pela força o incumprimento das obrigações correspondentes; (D) prestação
de pati infungível: pode a obrigação ser coativamente imposta, desde que tal se
encontre previsto em lei especifica, devendo ser respeitados os limites constitucionais
da proporcionalidade em matéria de restrições aos direitos fundamentais. Só pode ter
lugar nos casos expressamente previstos na lei e sempre com observância dos direito
fundamentais previstos na CRP e do respeito devido à pessoa humana.

Operações Materiais Administrativas

As operações materiais são uma categoria de atuação administrativa, que consistem em


quaisquer tipos de atuação física levada a cabo pela Administração Pública, em seu nome ou por
sua conta, para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real. São excluídos
deste conceito os atos de execução administrativa, declarações negociais no âmbito da
execução de contratos, atos judicial típicos do processo executivo e as operações materiais
levadas a cabo por particulares que não atuem em nome ou por conta da administração ou
efetuadas por entidades públicas estrangeiras ou internacionais em território português.

Espécies:

 Em razão da estrutura, as operações materiais podem ser instantâneas ou continuadas


(assumem o nome de atividade), consoante ocorram num único momento ou se
prolongam no tempo, quer através de uma atuação única quer de prestações
periódicas.
 Em razão do fim, as operações materiais podem visar a conservação de uma dada
situação de facto ou a modificação de uma situação existente, podendo a modificação
ser parcial ou total.
 Em razão do regime jurídico, as operações materiais podem incluir no âmbito da
atividade administrativa de gestão pública ou gestão privada, consoante sejam
efetuadas no exercício de poderes públicos ou no cumprimento de deveres públicos ou
impliquem o exercício de poderes de execução coerciva (operações materiais coativas);
ou decorram sob a égide do direito privado.
 Em razão do significado e alcance, as operações materiais podem ser internas, se se
efetivam dentro do âmbito da entidade pública que as promove ou externas, se

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

atingem fisicamente a pessoa ou património de outro ou outros sujeitos de direito,


podendo estas ser favoráveis ou desfavoráveis aos particulares.
 Em razão da conformidade com as leis em vigor, as operações materiais podem ser
legais ou ilegais, consoante respeitem as leis aplicáveis ou as ofendam. As operações
ilegais podem ser também ilícitas, se violarem ou sacrificarem, sem fundamento
jurídico, os direitos de terceiro. A ilegalidade, se não causar danos a ninguém, gera
apenas em regra consequências disciplinares, mas se a operação for ilícita por ter
causado danos, gera responsabilidade civil, não obstante outras formas de
responsabilidade que existam no caso.

Regime jurídico substantivo das operações materiais administrativas: as operações materiais


estão submetidas ao princípio da prossecução do interesse público, princípio da legalidade e o
princípio do respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares. Assim, as operações
materiais devem assentar numa habilitação legal prévia e desenvolver-se em obediência à lei,
respeitando os atos e contratos que devam ser tidos em conta. Por outro lado, as operações só
podem ser ordenadas e efetuadas pelos órgãos competentes. Os agentes da administração não
podem imiscuir-se na resolução de conflitos entre particulares que careçam de intervenção do
poder judicial, nem realizar operações materiais de execução de sentenças que devam ter lugar
no quadro de processos judicial executivos. Por fim, a licitude de quaisquer operação depende
da estrita obediência das normas técnicas e das regras de prudência comum, que devem ser
tidas em conta atendendo aos tipos de operação em causa. As operações materiais são
consideradas operações da pessoa coletiva pública de que o individuo que as pratica é órgão ou
agente.

Regime Jurídico Procedimental das operações materiais administrativas: as operações


materiais podem ser efetuadas no quadro de um procedimento administrativo destinado à
execução coerciva de um ato administrativo ou no quadro de execução de um contrato da
administração. No entanto, pode também ser necessário que a Administração esteja habilitada
a efetuar operações materiais pelo dever legal de prosseguir os seus fins de interesse público,
sem que tenha ou possa adotar qualquer procedimento administrativo: a) atuação em estado
de necessidade, em que a Administração efetua operações materiais, sem serem precedidas de
ato administrativo nem efetuadas segundo um procedimento regulado por lei; b) medidas
policiais de ação direta, por se estar presente de uma situação de urgência; c) operações de
prestação de serviços públicos, pois as operações materiais que acompanham estas atividades
não estão precedidas de atos administrativos, nem se enquadram em modelos lealmente
aprovados de atuação, obedecendo a regras técnicas.

Responsabilidade Civil da Administração

Sabemos que a responsabilidade civil consiste na obrigação de responder pelos danos causados
a outrem (obrigação de indemnizar). Embora a responsabilidade da Administração tenha
algumas particularidades, não é inteiramente diversa da responsabilidade do direito privado, na
medida em que a Administração responde tanto extracontratualmente como contratualmente.
Por outro lado, sempre que a Administração atue ao abrigo de normas de direito privado, fora
do âmbito do próprio exercício da função administrativa também poderá ficar constituída no
direito de indemnizar danos causados a terceiros (501º CC, 22º CRP), assim como fica incumbida
de responder pelos prejuízos causados no âmbito do incumprimento dos contratos de direito
privado celebrados pela Administração (406º/1, 798º e 800º/1). Quanto ao exercício da função
administrativa, isto é, no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas
por disposições ou princípios de direito administrativo, aplica-se o Regime da Responsabilidade

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Civil Extracontratual do Estado e das demais Entidades Públicas (RCEEP), mesmo às pessoas
coletivas de direito privado e respetivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais,
representantes legais ou auxiliares. Quanto aos contratos administrativos deverá ter-se em
conta o Código dos Contratos Públicos (CCP).

A responsabilidade civil tem como principal função ressarcir ou indemnizar prejuízos que,
segundo o curso normal dos acontecimentos, não deveriam ter ocorrido, isto é, colocar o lesado
na situação em que o mesmo se encontraria, caso tudo se tivesse passado como seria de esperar
de acordo com o que é habitual ocorrer. O exercício da função administrativa implica
frequentemente o uso de poderes de autoridade, que podem levar a que em consequência de
tal exercício sejam causados prejuízos aos particulares. No caso de a administração atuar de
forma ilegal ou ilícita parece bastante obvio que irá recair sobre si a obrigação de indemnizar os
prejuízos causados por essa atuação. No entanto, a Administração pode ser obrigada a
indemnizar prejuízos causados por condutas licitas, devido ao risco inerente ao exercício de
certas atividades especialmente perigosas ou devido ao facto de tal ato lícito impor aos
particulares um sacrifício especial dos seus direitos (ex. estado de necessidade).

O princípio da legalidade exige que a Administração exerça a função administrativa de acordo


com a lei e a CRP. No caso de tal não ocorrer, os particulares têm como tutela jurídica primária
a possibilidade de, através de ação administrativa especial, impor a eliminação dos atos de
autoridade indevidamente praticados ou a prática de atos indevidamente omitidos. Na maioria
dos casos, esta tutela será suficiente para permitir que os particulares se coloquem na situação
em que se encontrariam no caso de não existir qualquer ilegalidade (veja-se 173º/1 CPA).
Contudo, quando tal não aconteça pode o particular, através de uma ação administrativa
comum, exigir a constituição de obrigação de indemnizar, sendo, portanto, a responsabilidade
civil da Administração um último recurso.

A responsabilidade civil pressupõe uma indemnização (3º RCEEP; 562º e 566º/1 CC), ou seja, o
direito à eliminação ou reparação, na medida do possível do dano real, e não uma compensação,
isto é, o direito a uma prestação patrimonial de valor correspondente ao de certo bem que a
prestação vai substituir no património do credor. Veja-se que pode haver responsabilidade
direta da Administração sem concomitante responsabilidade dos titulares dos seus órgãos,
agentes ou representantes, e vice-versa. A responsabilidade da Administração é, portanto, a
obrigação jurídica que recai sobre qualquer pessoa coletiva pública de indemnizar os danos que
tiver causado aos particulares, seja no exercício da função administrativa seja no exercício de
atividades de gestão privada.

A CRP no artigo 22º apresenta expressamente a responsabilidade do Estado e das demais


entidades públicas da responsabilidade dos seus funcionários e agentes, estabelecendo que os
primeiros respondem em forma solidária com os segundos por ações e omissões praticadas no
exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos,
liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. As leis sobre as atribuições e competências das
autarquias reiteram a responsabilidade civil da administração local por atos de gestão pública
ilícitos, assentando numa distinção entre responsabilidade funcional e responsabilidade
pessoal. A reforma do contencioso administrativo de 2002-2003 remeteu o tratamento de todas
as questões relativas à responsabilidade civil da Administração para os tribunais administrativos
através da ação administrativa comum. O ETAF concentra nos tribunais administrativos para
conhecer da responsabilidade civil contratual por incumprimento de contratos públicos e de
contratos administrativos e a responsabilidade civil extracontratual. Em 2007 é aprovado o
RCEEP permitindo aproximar o quadro normativo legislado à jurisprudência dos tribunais

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

administrativos e dar cumprimento à obrigação de transposição de diretivas comunitárias em


matéria de responsabilidade pré-contratual.

A responsabilidade direta da Administração Pública: sem prejuízo de as entidades públicas


garantirem os lesados contra eventuais insuficiências patrimoniais dos titulares de órgãos,
funcionários ou agentes lesantes por factos destes (responsabilidade indireta), as entidades
respondem também a título principal pelas ações ou omissões lesivas que lhes sejam
juridicamente imputáveis e praticadas em vista da prossecução do interesse público. Veja-se
que neste último caso o autor da lesão é a própria administração no exercício da função
administrativa por via unilateral (22º CRP só se aplica à responsabilidade extracontratual-
acórdão TC 340/87)., o que significa que o vínculo jurídico constituído por tal facto lesivo se
constitui entre o lesado e a administração diretamente. O âmbito objetivo do 22º CRP respeita
a toda a qualquer atuação inserida no exercício da função administrativa, independentemente
do ramo de direito aplicável, que cause danos aos particulares, sendo o direito À indemnização
um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, abrangendo tanto a
responsabilidade civil por facto ilícito como pelo risco e facto lícito. O artigo 22º CRP aplicar-se-
á sempre que a Administração desemprenhe as suas tarefas especificas, isto é, a sua atividade
da prossecução do interesse público, ainda que o faça no âmbito da gestão privada, na medida
em que a manipulação da forma jurídica utilizada através da “fuga para o direito privado” não
pode subverter os princípios constitucionais da responsabilidade dos poderes públicos. Assim,
os atos praticados por tais entidades, enquanto estiverem integradas na administração indireta
do Estado e esses atos se direcionarem à satisfação do interesse público, devem ser qualificados
como atos de gestão pública e, portanto, praticados a coberto das normas de direito
administrativo.

Solidariedade da Administração Pública quanto á responsabilidade funcional dos titulares dos


órgãos, funcionários e agentes: no plano das relações externas existe irresponsabilidade dos
funcionários em todos os casos de culpa leve ou grave e a responsabilidade solidária dos
mesmos com a administração, caso tivessem excedido as suas funções ou tivessem procedido
com dolo. Por outro lado, no plano das relações internas, a Administração goza de direito de
regresso nos casos de culpa grave e sempre e na medida em que tivesse pagado indemnizações
com base na solidariedade de obrigação de indemnização fundada em atuações dolosas. Veja-
se que nos casos de culpa leve, assegura-se que só a Administração responda para garantia a
eficiência administrativa.

Síntese e apreciação global do direito vigente:

 Pelos factos ilícitos e culposos, praticados por um órgão, agente ou representante da


Administração, fota do âmbito e do exercício das suas funções: responsabilidade
exclusiva do órgão, agente ou representante.
 Pelos factos ilícitos e culposos, praticados pelo órgão, agente ou representante da
Administração, dentro do âmbito e do exercício das suas funções: responsabilidade
solidária da Administração e dos indivíduos que tenham atuado em nome dela.
o Se o órgão, agente ou representante da Administração atuou com dolo, a
Administração goza do direito de regresso contra ele.
o Se atuou com mera culpa, há responsabilidade exclusiva da Administração. ´
 Nos casos de responsabilidade objetiva, há também responsabilidade exclusiva da
Administração.
 Para percebermos se um ato causador de prejuízos pertence à gestão privada ou
pública, devemos saber se o ato se encontra numa atividade regulada por direito

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

privado ou direito administrativo. Assim, se a administração atua segundo o direito


privado (gestão privada) fica submetida às regras de direito civil (Código Civil) e se atua
segundo o direito administrativo (gestão pública) fica submetida às regras do RCEEP e
CCP.
 Facilmente entendemos se um ato jurídico e uma atividade jurídica se enquadra na
gestão privada ou gestão pública bastando determinar que normas regulam essa
atividade, se privadas ou públicas. No entanto, quanto a atos materiais ou atividades
não jurídicas da Administração é mais complexo essa distinção, podendo ser adotado o
critério, segundo o qual se qualifica como gestão pública se na sua prática ou no seu
exercício forem influenciados pela prossecução do interesse coletivo, ou por o agente
estar a exercer poderes de autoridade ou porque se encontra a cumprir deveres ou
sujeito a restrições especificamente administrativas.

Responsabilidade por Atos de Gestão Privada: segue o regime geral de responsabilidade


contratual do código civil (406º/1, 798º, 799º, 800º/1, 804º) e ainda o regime geral da
responsabilidade pré-contratual, ou seja, a responsabilização que emerge da violação de
deveres anteriores à própria celebração do contrato, nomeadamente os deveres de conduta
decorrentes do princípio da boa fé negocial (227º CC- viola-se o interesse contratual negativo,
ou seja, o interesse preterido em virtude de não chegar a haver contrato ou de o contrato
celebrado não ser válido, pretendendo-se indemnizar o prejuízo que o lesado evitaria se não
tivesse, sem culpa sua, confiado em que, durante as negociações, o responsável cumpriria os
requisitos a elas inerentes e derivados da boa fé). Veja-se que este último regime aplica-se a
contratação por parte de empresas públicas não sujeitas ao CCP e para os contratos celebrados
por entidades públicas a que não seja aplicável o CCP. Atendendo ao nexo teleológico entre as
relações fundadas na boa fé e a futura relação contratual, parece haver fundamento para
aplicar, em caso de violação de tais regras, o regime da responsabilidade contratual. Quanto à
responsabilidade extracontratual por atos de gestão privada, está regulada nos artigos 500º e
501º, determinado que o Estado é solidariamente responsável com os seus órgãos, agentes e
representantes pelos danos por estes causados aos particulares no exercício das suas funções.
A lei parte da responsabilidade dos órgãos, agentes ou representantes para responsabilizar a
pessoa coletiva pública, considerando-a solidariamente obrigada à indemnização. Veja-se que a
responsabilidade da administração é objetiva, funcionando como um garante da obrigação de
indemnizar (na medida em que existe direito de regresso), mas a responsabilidade dos
representantes, órgãos e agentes é, em regra, subjetiva. Veja-se que no domínio da gestão
privada, a responsabilidade da Administração segue o regime da responsabilidade de qualquer
particular, podendo, ainda assim, na prática suportar o prejuízo indemnizável se o património
dos representantes, agentes ou órgãos não for suficiente para suportar o prejuízo.

Responsabilidade Extracontratual por atos de gestão pública:

a) Responsabilidade por ação ou omissão ilícita e culposa praticada pelos titulares de


órgãos da administração, seus funcionários, agentes ou representantes: para existir
responsabilização é necessário que se verifiquem 5 pressupostos: (i) facto voluntário:
ação ou omissão que são objetivamente controláveis ou domináveis pela vontade,
excluindo-se os danos provocados por causas de força maior ou pela atuação irresistível
de circunstâncias fortuitas; (ii) ilicitude do facto (9º RCEEP), que se traduz em agir
quando não se deve agir, não agir quando se deve agir, e também na produção de danos
ou prejuízos na esfera jurídica de terceiros por violação da norma por ação ou omissão-
a ilegalidade é uma condição necessária mas não suficiente da ilicitude; (iii) culpa do

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

agente, ou seja, é necessário imputar a culpa a um ou mais indivíduos que tenham


atuado ou omitido atuações, no exercício das suas funções ao serviço dessa pessoa
coletiva, na medida em que a culpa é uma noção subjetiva (só agem com culpa
indivíduos) implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente. A
culpa será apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das
circunstancias de cada caso de um individuo zeloso e cumpridor; (iv) prejuízo; (v) nexo
de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo, de tal modo que se possa concluir que
o facto foi a causa adequada do prejuízo. É necessário estabelecer um equilíbrio entre a
eficácia da ação administrativa e a responsabilidade pelas suas eventuais consequências
danosas para os particulares, sendo esse equilíbrio estabelecido pelo legislador ao
distinguir factos funcionais e factos pessoais e culpa leve e culpa grave ou o dolo.
a. Factos funcionais são aqueles que são praticados no exercício das funções do
seu aturo e por causa daquele exercício, sendo esse incluído no desempenho da
função, representando a atuação não só do individuo, mas também da
Administração na prossecução de um dado interesse público. Impõem-se,
portanto uma relação de conexidade entre o exercício de funções e as ações ou
omissões, não sendo suficiente que a ação ou omissão tenha sido praticada por
ocasião da função (critério da mera ocasionalidade) ou que este exercício
constitua a condição necessária para a prática de ações ou omissões sem
qualquer ligação funcional (critério da ocasionalidade necessária). Verificado
um facto funcional, é responsabilizada a Administração enquanto pessoa
coletiva. Se o facto foi praticado com culpa leve, isto é, o individuo embora
culpado, não procedeu com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles
a que se achavam obrigados em razão das funções exercidas, a responsabilidade
é exclusiva da pessoa coletiva pública, sem ter direito de regresso contra o
individuo (7º/1 RCEEP). Se existe dolo (intenção) ou culpa grave (diligência e
zelo manifestamente inferiores aos exigidos para o exercício das funções
concretamente em causa), há responsabilidade solidária da Administração e do
agente (8º RCEEP), podendo o lesado demandar contenciosamente só a
Administração, só o agente ou ambos. Neste caso, a Administração tem direito
de regresso obrigatório contra o individuo, ou seja, tem o dever de exigir ao seu
servidor tudo o que por causa dele teve de pagar ao lesado. Se existir uma
pluralidade de responsáveis, o artigo 10º/4 RCEEP remete para o artigo 497º CC,
e, portanto, o direito de regresso da Administração é exercido atendendo a este
facto, assim como os direitos de regressos entre os responsáveis. O artigo 10º/2
e 3 do RCEEP determina presunções legais ilidíveis de culpa leve, quando à
prática de atos jurídico ilícitos e sempre que tenha havido deveres de vigilância,
respetivamente, o que significa que, a menos que se prove a existência de dolo
ou culpa grave por parte dos responsáveis, só a Administração responde pelos
prejuízos causados. Note-se que tanto o direito do particular à indemnização
como os direitos de regressos prescrevem no prazo de 3 anos, aplicando-se-lhes
as regras quando à suspensão e interrupção da prescrição do CC.
b. Se, no entanto, o facto danoso for praticado fora do exercício das funções do
seu autor, ou durante o exercício delas, mas não por causa desse exercício,
estamos perante o chamado facto pessoal, sendo a responsabilidade
meramente pessoal, exclusiva do autor, não podendo a pessoa pública ser
responsabilizada, visto que não se está perante o exercício da função
administrativa.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

b) Responsabilidade no âmbito de procedimento da formação de certos contratos


administrativos (7º/2 RCEEP): a legislação (DL nº 48 051 de 1967) previa a possibilidade
de obter indemnização por violação do direito comunitário em matérias de contratos
do direito público ou das normas nacionais do direito público. Mas, esta possibilidade
não parecia ser meio de tutela jurisdicional adequado, na medida em que exige a prova
da existência de dolo ou culpa por parte dos indivíduos. Note-se que este facto
demonstra que Portugal não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da
Diretiva 89/665/CE, por não revogar esse DL, iniciando a Comissão um processo por
incumprimento do Acórdão de 2004, que condenava Portugal por não cumprir a
obrigação consignada no artigo 2º/1 alínea c) da Diretiva Recursos (acima referida). O
TJUE pronunciou-se num acórdão de 2008(C275-03), verificando o incumprimento. O
que justificou a autonomização do artigo 7º/2 RCEEP, que consagra o princípio da
responsabilidade objetiva da Administração quanto à indemnização de prejuízos
causados pela violação das normas constantes do CCP que regem a formação de
determinados contratos. Nestes casos, a culpa leve, mesmo que presumida, não é
pressuposto da responsabilidade exclusiva da Administração no âmbito dos
procedimento pré-contratuais em causa. Assim, a mera ilegalidade objetiva, sem culpa
do agente decisor, desencadeia a responsabilidade da Administração perante o lesado.
Contudo, nada obsta a que exista responsabilidade solidária entre a Administração e
o(s) indivíduo(s) que praticam o ato, desde que o lesado prove o dolo ou a culpa grave
do autor.

Responsabilidade Objetiva:

a) Responsabilidade por funcionamento anormal do serviço (“culpa do serviço”): esta


responsabilidade está associada a um facto anónimo e coletivo de administração em
geral mal gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores. O que
acontece é que o facto ilícito e culposo causador dos danos é imputado ao serviço
público globalmente considerado, por não poder ser imputado a um autor determinado.
Os artigos 7º e 9º do RCEEP determinam este tipo de responsabilidade objetiva, estando
na sua base a ilicitude que advém do mau funcionamento dos serviços.
b) Responsabilidade pelo risco (11º RCEEP): a lei adota um estabelecimento em termos
genéricos do âmbito da responsabilidade objetiva pelo risco, não sendo necessário um
preceito específico para cada situação ou caso, existindo responsabilidade pelo risco em
todos os casos que integrem a previsão abstrata da lei. Exemplos de fonte de
responsabilidade pelo risco da Administração são os danos causados por manobras,
exercícios ou treinos com armas de fogo por parte das Forças Armadas ou forças de
polícia, danos causados pela explosão de paióis militares ou centrais nucleares e danos
causados involuntariamente por agentes da política em operações de manutenção da
ordem pública ou de captura de suspeitos da prática de um crime.
c) Responsabilidade por facto lícito (16º e 2º do RCEEP): a obrigação de indemnizar
objetiva está limitada aos casos em que os prejuízos são especiais ou anormais,
excluindo-se aqueles danos comuns que recaiam genericamente sobre todos cidadãos
ou sobre categorias amplas e abstratas de pessoas e os danos normais que se possam
considerar habituais e aceitáveis dentro do mínimo de risco que é próprio da vida em
sociedade. São exemplos desta responsabilidade: expropriação da utilidade pública,
requisição por utilidade pública, servidões administrativas, ocupação temporária de
terrenos adjacentes às estradas para execução de ordens públicas e exercício do poder
de modificação unilateral do contrato administrativo.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Garantias dos Particulares

São os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações do
direito objetivo, as ofensas dos direitos subjetivos ou dos interesses legítimos dos particulares,
ou o demérito da ação administrativa, por parte da Administração Pública.

Podemos distinguir entre: garantias preventivas e reparadoras, consoante se destinam a evitar


violações por parte da Administração Pública ou a repará-las, eliminando atos ilegais, aplicando
sanções ou impondo indemnizações ou outras condutas que sejam devidas; garantias do direito
objetivo ou dos particulares, consoante tenham por objeto primacial defender o ordenamento
jurídico contra atos ilegais da Administração ou defender os direitos subjetivos ou interesses
legítimos dos particulares contra as atuações da Administração que os violem ou prejudiquem;
garantias de legalidade e de mérito, consoante visem prevenir ou reparar ofensas ao bloco de
legalidade ou aos critérios e regras de boa administração que hajam de ser adotados.

As garantias dos particulares poderão ser garantias políticas (órgãos políticos do Estado),
garantias administrativas (órgãos da administração pública) e garantias contenciosas (tribunais),
sendo o critério de distinção destas o dos órgãos a quem é confiada a efetivação das garantias.

Garantias Políticas: não constituem uma forma eficaz de proteção dos direitos dos particulares,
por não serem inteiramente suficientes (não abrangem muitos casos e dentro dos que
abrangem, não englobam todos os aspetos relevantes) nem inteiramente seguras (vão ser
apreciadas segundo critérios de conveniência política.

 Direito de Petição, quando exercido perante qualquer órgão de soberania (52º/1 CRP).
 Direito de Resistência (21º CRP).

Garantias Administrativas: são aquelas que se efetivam através da atuação e decisão de órgãos
da administração pública. Estas existem como forma de mecanismos de controlo da atividade
da própria administração, para assegurar o respeito da legalidade e da observância do dever de
boa administração, e, também, para assegurar o respeito pelos direitos subjetivos ou os
interesses legítimos dos particulares. Apesar de mais efetivas que as garantias políticas, as
garantias administrativas não são inteiramente satisfatórias, visto que, por vezes, os órgãos da
administração também se movem por preocupações políticas e, por outro lado, guiam-se em
certos casos por critérios de eficiência na prossecução do interesse público do que pelo desejo
rigoroso e escrupuloso de respeitar a legalidade e os direitos subjetivos ou os interesses
legítimos dos particulares.

Espécies de Garantias Administrativas: estas poderão visar apreciar a legalidade de um ato


(garantias de legalidade) ou visam apreciar o mérito ou merecimento de um ponto de vista não
jurídico de um ato (garantias de mérito). Por outro lado, podem ter por base um pedido
(garantias de tipo petitório) ou ter por base a impugnação de um ato administrativo já praticado
(garantias de tipo impugnatório).

 Garantias Petitórias
o Direito de Petição: consiste na faculdade de dirigir pedidos à Administração
Pública para que tome determinadas decisões, preste informações ou permita
o acesso a arquivos seus ou a processos pendentes. Visa obter da Administração
Pública algo. Neste direito cabem: o direito de reagir contra a omissão legal de
atos administrativos, solicitando a emissão do ato pretendido (184º/1 alínea b)
CPA); direito à informação dos interessados sobre procedimentos que lhe digam

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

respeito (82º CPA) ou que provem ter interesse legítimo na matéria (85º CPA)-
direito à informação procedimental; direito de consulta do processo e de obter
passagem de certidões (83º e 85º CPA); direito de todas as pessoas de acesso
aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso
qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito- direito à
informação não procedimental que resulta do principio da administração
aberta, com as exceções do artigo 83º CPA; direito à informação pública geral
(48º/2 CRP), que é um direito fundamental de cidadania.
o Direito de Representação: facultade de pedir ao órgão administrativo que
tomou uma decisão que a reconsidere ou a confirme, em vista de previsíveis
consequências negativas da sua execução. O particular exerce este direito para
que a Administração responda, atendendo às consequências da decisão e, se
for esse o caso que confirme em forma escrita a decisão em causa, de modo a
excluir a responsabilidade de quem executa o ato (ex. funcionários exercem
direito de representação contra ordens dos superiores hierárquicos que
considerem ilegais, para excluir a sua responsabilidade).
o Direito de Queixa: faculdade de promover a abertura de um processo que
culminará na aplicação de uma sanção a qualquer entidade sujeita ao poder
sancionatório da Administração. A queixa desencadeia o poder sancionatório,
isto é, o poder de aplicar sanções administrativas a alguém. A queixa incide
exclusivamente no comportamento de certa pessoa, não sobre atos jurídicos.
o Direito de Denúncia: ato pelo qual o particular leva ao conhecimento de certa
autoridade a ocorrência de um determinado facto ou a existência de uma certa
situação sobre os quais aquela autoridade tenha, por dever de ofício, a
obrigação de investigar. Veja-se que toda a queixa é uma denúncia, mas nem
toda a denúncia é uma queixa, pois em toda a queixa se faz a denúncia de um
comportamento de alguém, mas só há queixa quando ela tem por objeto o
comportamento de uma certa unidade, podendo haver denuncias que tenham
por objeto outras realidades que não o comportamento de pessoas singulares
ou coletivas.
o Direito de Oposição Administrativa: contestação que em certos procedimentos
administrativos os contrainteressados têm o direito de apresentar para
combater quer os pedidos formulados por outrem à Administração quer as
iniciativas da Administração que esta tenha resolvido divulgar ao público. Não
há obrigação de a Administração decidir de acordo com as oposições
formuladas, mas tem obrigação de as ouvir, de as ponderar e explicar
fundadamente os motivos por que considera, se for esse o caso, que tais
oposições não têm razão de ser. Consiste num pedido dirigido à Administração
Pública para que considere as razões ou pontos de vista de um particular.
 Garantias Impugnatórias: aqueles em que, perante um ato já praticado, os particulares
são admitidos por lei a impugnar (atos administrativos perante órgãos da
Administração) esse ato, ou seja, atacá-lo com determinados fundamentos com vista à
sua revogação, anulação administrativa ou modificação (184º/ 1 e 2). A legitimidade de
impugnação é reconhecida aos particulares que se considerem lesados nos seus direitos
subjetivos ou interesses legítimos pelo ato em causa e ainda a todos quantos possam
intervir procedimentalmente na defesa de interesses difusos (186º/1 CPA). Já não
podem recorrer administrativamente aqueles que tenham aceitado, sem reserva,
expressa ou tacitamente, um ato administrativo depois de praticado (186º/2 CPA).

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o Reclamação: é o meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu


próprio autor, fundamentando-se na competência dispositiva que o autor do
ato tem para revogar, anular, substituir ou modificar um ato por si praticado
anteriormente. Em regra, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo,
exceto de um ato que decida anterior reclamação ou recurso administrativo,
salvo com fundamento em omissão de pronúncia (191º/2 CPA). A impugnação
contenciosa não depende, em regra, de reclamação administrativa prévia e a
reclamação é sempre facultativa. Veja-se que a reclamação, quando proposta,
suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só
retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação
administrativa ou com o decurso de respetivo prazo legal (190º/3 CPA). Mas a
suspensão não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do
ato na pendência da impugnação administrativa nem de requerer a adoção de
providências cautelares (190º/4 CPA). O prazo regra é de 15 dias para
apresentar uma reclamação (191º/3 CPA) e de 30 dias para o órgão competente
decidir sobre a reclamação (192º/2 CPA). Em caso de silencio do órgão
competente, segue-se o recurso administrativo ou ação de condenação à
prática do ato devido. Os artigos 189º e 190º CPA.
o Recurso Hierárquico: garantia dos particulares que consiste em requerer ao
superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação ou anulação de um
ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente
omitido pelo mesmo. Em princípio, o superior hierárquico pode substituir-se ao
subalterno, exceto se este dispuser de competência exclusiva, caso em que,
havendo recurso hierárquico, só pode o superior ordenar ao subalterno a
prática de atos que lhe afigurarem adequados (197º/1 CPA). O recurso
hierárquico pressupõe sempre uma estrutura tripartida: a) o recorrente-
particular que interpõe recurso; b) recorrido- órgão subalterno de cuja decisão
se recorre; c) órgão decisório- órgão superior para quem se recorre e que deve
decidir o recurso. Pressupostos do recurso hierárquico: hierárquica, tenha sido
praticado ou omitido um ato administrativo por um subalterno e esse
subalterno não goze por lei de competência exclusiva.
Espécies de recursos hierárquicos: (i) quanto aos fundamentos: legalidade (o
partilhar alega a ilegalidade do ato ou da omissão como fundamento do
recurso), mérito (particular alega como fundamento a inconveniência do ato
impugnado ou da omissão do ato requerido) ou misto (particular alega
simultaneamente a ilegalidade e a inconveniência do ato, ou então uma delas à
sua escolha)- a regra é que os recursos hierárquicos tenham caráter misto
(185º/3 CPA); (ii) recursos hierárquicos necessários e recursos hierárquicos
facultativos: a distinção atende à existência ou não de definitividade vertical do
ato administrativo, ou seja, se o ato praticado não pode ou pode ser
diretamente impugnável perante um tribunal administrativo. O CPA admite nos
artigos 189º e 190º recursos hierárquicos necessários, mas a regra é a
facultatividade, ou seja, na ausência de imposição expressa de um recurso
hierárquico necessário, os atos administrativos têm-se como verticalmente
definitivo. No caso de os atos não verticalmente definitivos praticados por
subalternos, para que o particular possa atingir a via contenciosa é necessário
que interponha primeiro um recurso hierárquico do ato do subalterno, para,
depois de o superior se pronunciar sobre esse recurso, o interessado puder

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então impugnar no tribunal a decisão do superior hierárquico- o recurso


hierárquico necessário é aquele que é indispensável para se atingir um ato
verticalmente definitivo que possa ser impugnado contenciosamente. Por outro
lado, o recurso hierárquico facultativo é o que respeita a um ato verticalmente
definitivo ou à omissão ilegal dele de que já cabe ação contenciosa, não sendo
o recurso hierárquico um intermédio indispensável para atingir a via
contenciosa.
Regime Jurídico: o recurso hierárquico é dirigido ao mais elevado superior
hierárquico do autor do ato ou da omissão, se a competência para a decisão se
encontrar delegada ou subdelegada, mas deverá ser apresentado ao órgão que
emitiu o ato que o fará seguir para o órgão competente para decidir (194º/1 e
2 CPA). Se o recurso tiver por objeto a impugnação de um ato , e este tiver de
ser notificado ao interessado o prazo de recurso só corre a partir da data da
notificação (188º/1 CPA), sendo que nos demais casos, o prazo conta-se a partir
da publicação, notificação ou conhecimento do ato ou da execução, conforme
o que ocorra primeiro. No artigo 198º/1 CPA apresenta-se o prazo de 30 dias
supletivamente para a interposição do recurso hierárquico necessário. Se esse
prazo for passado, a impugnação contenciosa que venha a ser interposta é
rejeitada por ter sido proposta fora de prazo- a extemporaneidade do recurso
hierárquico implica automaticamente a extemporaneidade da impugnação
contenciosa subsequente. Se o recurso tiver por objeto contestar a omissão
ilegal de um ato, o prazo conta-se da data do incumprimento do dever de
decisão. O recurso hierárquico pode produzir o efeito suspensivo, ou seja,
suspende-se automaticamente a eficácia do ato recorrido até à decisão final do
recurso- o ato deixa de poder ser executado contra o particular até que o
superior hierárquico o reaprecie e se pronuncie sobre ele. A regra é que os
recursos necessários têm efeito suspensivo, mas os recursos facultativos não
têm, exceto se a lei ou o órgão competente para decidir o recurso considerarem
o contrário (189º CPA). Se o recurso não tiver efeito suspensivo, mantém a sua
eficácia enquanto o órgão competente decide sobre ele. Se for interposto um
recurso e a autoridade não se pronunciar no prazo normal, aplica-se o disposto
no CPTA (66º e seguintes) em matéria de ação administrativa à prática de ato
devido. A decisão do recurso hierárquico pode ter 3 tipos: a) rejeição do recurso,
isto é, recusa receber e apreciar o recurso por questões de forma (196º CPA); b)
negação de provimento, ou seja, o julgamento do recurso é desfavorável ao
ponto de vista do recorrente, mantendo-se o ato recorrido; c) concessão de
provimento, isto é, a questão de fundo é julgada favoravelmente ao pedido do
recorrente, podendo implicar a revogação, anulação,
modificação ou substituição do ato recorrido. Se o órgão subalterno tiver
competência exclusiva, o superior ordena-lhe a prática do ato ilegalmente
omitido, estando obrigado a obedecer, devido à hierarquia existente. Se não
houver competência exclusiva o órgão competente para decidir pode
substituir-se ao órgão omisso. O prazo de decisão é, em regra 30 dias, podendo
ser prorrogado até ao máximo de 90 dias (198º CPA).
Importa perceber que vigora no direito administrativo a figura da “reformatio
in pejus”, ou seja, quem interpuser recurso hierárquico sabe que arrisca a que
a decisão de que vai recorrer possa ser alterada para pior. Portanto, a função
essencial do recurso é mais a de garantia objetiva da legalidade e do interesse

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público do que a garantia subjetiva dos direitos ou interesses legítimos dos


particulares, o que significa que o recurso só é uma garantia dos particulares
dentro dos limites da legalidade e do interesse público.
Na medida em que o superior hierárquico controla o mérito e a legalidade, não
pode considerar-se que o recurso hierárquico seja o exercício da função
jurisdicional, até porque faltam as principais características: intervenção de um
tribunal e a produção de caso julgado.
o Recursos Hierárquicos Impróprios: recursos administrativos mediante os quais
se impugna um ato praticado por um órgão de certa pessoa coletiva perante
outro órgão da mesma pessoa coletiva que, não sendo superior do primeiro,
exerça sobre ele poderes de supervisão, expresso no 199º/1 a) CPA. Só existem
nos casos expressamente na lei (199º/1 CPA). Como não há hierarquia entre os
órgãos colegiais, se um órgão puder recorrer para outro, estamos perante um
recurso hierárquico impróprio.
o Recurso Tutelar: é o recurso administrativo interposto de um ato ou omissão
de uma pessoa coletiva autónoma, perante um órgão de outra pessoa coletiva
pública que sobre ela exerça poderes de tutela ou de superintendência (199º/1
alínea c), 199º/3, 4 e 5 CPA). Este tem natureza excecional, só existindo quando
a lei expressamente o previr (199º/1 CPA), por isso não se pode extrair de uma
relação de tutela ou superintendência automaticamente o direito de recurso
tutelar. Este recurso só pode ter como fundamento a inconveniência ou a
inoportunidade do ato recorrido nos casos em que a lei estabeleça uma tutela
de mérito (199º/3 CPA). A entidade tutelar só pode modificar ou substituir o ato
recorrido se a lei conferir poderes de tutela substitutiva e no âmbito destes
(199º/4 CPA). Na parte em que não contrariem a sua natureza e o devido
respeito à autonomia da entidade tutelada, são aplicáveis ao recurso tutelar as
regras do recurso hierárquico (199º/5 CPA).
 Queixas ao Provedor de Justiça: a figura do Provedor de Justiça está presente no artigo
23º CRP e este pode ocupar-se de quaisquer questões que sejam levadas perante ele
relativamente às atividades dos poderes públicos, por ação ou omissão, podendo ele
ocupar-se tanto de questões de legalidade como de questões de mérito. Contudo, é na
zona de mérito da ação administrativa que a sua atuação se revela mais útil, pois
sabemos que para a questão de legalidade existem meios contenciosos. Mas veja-se que
na prática o Provedor de Justiça funcione como um órgão de controlo da legalidade
administrativa, de caráter gratuito e mais rápido que os tribunais administrativos. Esta
figura não tem poderes decisórios, mas sim apenas poderes persuasórios, dirigindo
recomendações às autoridades competentes se considerar que o particular tem razão
na sua queixa. No uso da teoria dos poderes implícitos, o Provedor de Justiça pode ainda
dialogar com as autoridades administrativas postas em causa e até certo ponto
pressioná-las para que cumpram a lei ou corrijam os seus erros ou omissões. Esta
entidade é independente e inamovível, assumindo um elevado prestígio na hierarquia
do Estado que fazem com que na grande maioria dos casos a Administração acabe por
seguir as suas recomendações. No caso de as recomendações não serem seguidas, o
Provedor tem o direito de dar conta desses casos através de novas oficiosas ou de
conferências de imprensa, denunciando as autoridades administrativas, ou tornar
pública a existência desses casos através do seu relatório anual que é objeto de
publicação e enviado à AR. O Provedor de Justiça é um órgão da administração central
do Estado, com caráter de órgão independente.

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Inês Godinho Turma A 2019/2020

Garantias Contenciosas: são garantias dos particulares que se efetivam através dos tribunais,
sendo a forma mais eficaz de defesa dos direitos subjetivos e interesses legítimos dos
particulares. A expressão “contencioso administrativo” utilizada na lei pode referir-se: ao
conjunto de tribunais administrativos (sentido orgânico); à atividade desenvolvida pelos
tribunais administrativos (sentido funcional); à matéria da competência dos tribunais
administrativos (sentido material); como sinónimo dos meios processuais que os particulares
podem utilizar contra a Administração através de tribunais administrativos (sentido
instrumental); conjunto de normas jurídicas reguladoras da intervenção dos tribunais
administrativos ao serviço da garantia dos particulares (sentido normativo). Só o sentido
material é que é corretamente denominado de “contencioso administrativo”, pois este
corresponde ao conjunto de litígios que envolvem a administração pública e que hajam de ser
solucionados pelos tribunais administrativos ao abrigo da legislação aplicável, em especial a que
é constituída por normas de direito administrativo.

Após as reformas de 2002-2004, existem 8 espécies de garantias contenciosas em matéria de


gestão pública:

 Quanto aos regulamentos administrativos: direito à declaração da ilegalidade de


normas regulamentares, direito à suspensão cautelar de normas regulamentares
aparentemente ilegais e direito à declaração da omissão ilegal de normas
regulamentares, com subsequente direito à emissão dessas normas em certo prazo.
 Quanto aos atos administrativos: direto à anulação, declaração de nulidade ou
declaração de inexistência de atos administrativos ilegais ou inexistentes, direito à
suspensão cautelar de atos administrativos aparentemente ilegais e direito à
condenação da Administração à prática de atos legalmente devidos.
 Quanto aos contratos administrativos e/ou contratos públicos: direito à decisão
judicial de quaisquer questões sobre contratos válidos, tais como a sua interpretação,
modificação ou extinção, direito à anulação, declaração de nulidade ou declaração de
inexistência de contratos ilegais ou inexistentes, direito à suspensão cautelar de
contatos aparentemente ilegais ou da respetiva execução e direito de condenação da
Administração à celebração ou execução de contrato legalmente devidos.
 Quanto ao reconhecimento de direitos, qualidades ou situações: direito ao
reconhecimento de situações jurídicas subjetivas ou qualidades, direito ao
reconhecimento de se encontrarem determinadas condições, direito à condenação da
Administração de indemnização por prejuízos causados a particulares e direito à
condenação da Administração ao pagamento de quantias, entrega de coisas ou à adoção
de condutas materiais, positivas ou omissivas.
 Quanto às operações materiais da Administração: direito de suspensão provisória da
sua prática, por meio de uma providência cautelar não especificada, bem como direito
à indemnização pelos prejuízos sofridos, sem prejuízo do direito de intimação da
Administração para que abstenha de adotar um certo comportamento.
 De caráter urgente: direito à intimação da Administração para que adote ou se abstenha
de adotar um certo comportamento, como forma de proteção de direitos, liberdades e
garantias individuais, direito à intimação da Administração para prestação de
informações, consulta de processos ou passagens de certidões, direito à impugnação de
atos pré-contratuais e direito à impugnação de atos administrativos em matéria de
eleições administrativas.
 Outras garantias contenciosas: direito à obtenção, em certos casos, de providências
cautelares, direito à obtenção das medidas e decisões jurisdicionais que sejam
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necessárias e suficientes para a plena execução das sentenças dos tribunais


administrativos, favoráveis aos particulares, contra a administração, direito à decisão
dos conflitos de atribuições e competências entre órgãos da administração pública,
direito de decisão dos conflitos de jurisdição entre tribunais administrativos e outros
tribunais e direito aos recursos ordinários e extraordinários a interpor de sentenças de
tribunais administrativos desfavoráveis aos particulares, perante os respetivos tribunais
superiores.

Hoje, após as reformas de 2002-2004, é muito ampla a faculdade de proceder a cumulação de


pedidos diferentes, mas conexos (4º CPTA).

Note-se os artigos 3º/1 e 71º/2 CPTA que expressam a ideia de que aos tribunais não compete
apreciar o mérito da ação administrativa, mas a respetiva legalidade, quer no domínio de
poderes inteiramente vinculados, quer no dos contornos vinculados do poder discricionário,
devendo existir sempre um respeito pelo princípio da separação de poderes.

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