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Administrativo
2º semestre
Carolina Pereira Roriz
Licenciatura em Direito – 2º ano
2022/2023
VIII. O Poder Administrativo
1. Enquadramento
Vamos agora estudar o poder administrativo, começando por alguns conceitos fundamentais. O primeiro do qual
temos de partir é o conceito de separação de poderes. Esta expressão tanto designa uma doutrina política, que
tem por objeto a estruturação do poder político do Estado, como um princípio constitucional característico da
forma de governo democrático representativa e pluralista ocidental. Aquele princípio obteve a sua primeira
consagração positiva importante na Constituição dos EUA e teve também destaque na legislação francesa, em que
se destaca o art.º 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Pode dizer-se que o princípio encontrou uma tradução no plano do Direito Constitucional e outra no campo do
Direito Administrativo.
No plano do direito constitucional, visou a separação entre o legislativo e o executivo, para evitar o arbítrio e o
despotismo de autoridade.
No campo do direito administrativo, visou a separação entre a administração e a justiça, retirar à Administração
Pública o poder judicial e retirar aos tribunais a função administrativa. Em França estatuiu-se que “as funções
judiciárias são distintas e permanecerão separadas das funções administrativas. Isto resultou da desconfiança do
poder revolucionário face aos tribunais judiciais, que representavam ainda a continuação do antigo regime. Deste
modo, os revolucionários procuraram retirar aos órgãos judiciais a competência para decidir dos litígios em matéria
administrativa. Em Portugal, a reforma mais importante da separação entre a administração e a justiça foi
introduzida em 1832 por Mouzinho da Silveira.
Sendo certo que a CRP acolhe o princípio da separação dos poderes (art.º 2º e 111º), quais os corolários atuais,
no que respeita à relação entre administração e justiça?
1. Separação dos órgãos administrativos e judiciais, devendo haver órgãos administrativos dedicados ao exercício
da função administrativa e órgãos judiciais dedicados ao exercício da função jurisdicional.
2. Incompatibilidade das magistraturas, sendo necessário estabelecer que nenhuma pessoa possa
simultaneamente desempenhar funções em órgãos administrativos e judiciais (art.º 216º/2 CRP).
a) A independência da justiça perante a administração, que significa que a autoridade administrativa não pode
dar ordens à autoridade judiciária, nem pode invadir a sua esfera de jurisdição decidindo questões de
competência dos tribunais. Para garantir este postulado existe, por um lado, um sistema de garantias e
independência de magistratura (art.º 203º e 216º da CRP); e, por outro, a regra legal de que os atos
praticados pela AP em matéria de competência dos tribunais judiciais são nulos por estarem viciados de
usurpação de poder (art.º 161º/2/a) CPA).
b) A independência da administração perante a justiça, que não significa proibição absoluta ao juiz de
influenciar comportamentos da administração (art.º 268º/4 CRP), mas a proibição funcional de o juiz
afetar a essência do sistema de administração executiva – não pode ofender a autonomia do poder
administrativo (a lei dá aos órgãos da AP poderes próprios de apreciação e decisão) nem a autoridade do
ato administrativo (força de caso decidido passado o prazo de impugnação).
Por outro lado, a referida independência significa que os tribunais comuns não são os competentes para conhecer
dos litígios em que esteja em causa a atuação da AP no exercício de uma atividade de gestão pública (212º/3 CRP).
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2. Uma aproximação ao conceito de poder administrativo
Resulta do exposto anteriormente que a AP é, nos nossos dias, um poder público (23º/1 CRP).
Poder executivo é só um dos 3 três poderes do Estado. Se só houvesse AP estadual, poderia chamar-se poder
executivo ao poder administrativo, porém, existem outras administrações públicas além da estadual (autarquias
locais, regiões autónomas, associações públicas). Assim, é antes preferível utilizar a expressão poder administrativo
que compreende o poder executivo do Estado e do outro poder público das entidades administrativas não
estaduais.
Assim, o poder administrativo abrange o poder executivo do estado, acrescido do poder público, conferido às
restantes PCP, que integram a organização administrativa.
O poder administrativo é um dos 3 poderes públicos que a CRP consagra para assegurar a prossecução das tarefas
fundamentais da comunidade e coincide com a noção de Administração Pública.
Segundo Freitas do Amaral, o poder administrativo é o sistema de órgãos do Estado e das entidades públicas
menores que se caracteriza pela faculdade de, com base nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes,
estabelecer normas jurídicas e tomar decisões, em termos obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-
lhe confiado o monopólio do uso legítimo da força pública a fim de assegurar a execução coerciva quer das suas
próprias normas e decisões quer das normas e decisões dos outros poderes do estado.
2. Poder de decisão unilateral: enquanto no regulamento a AP nos surge a elaborar normas gerais e abstratas,
embora inferiores à lei, aqui a AP aparece-nos a decidir casos individuais e concretos, tendo o poder de decidir
unilateralmente o direito aplicável. É unilateral pois a AP pode exercê-lo por exclusiva autoridade sua, sem
necessidade de obter acordo do interessado ou de pedir uma autorização ou validação judicial. Estamos a
encarar a Administração na sua possibilidade de traçar a sua conduta ou a conduta alheia independentemente
do recurso aos tribunais. A definição unilateral é obrigatória para os particulares. Por exemplo, é a AP que
determina unilateralmente o montante do imposto devido por cada contribuinte.
Os particulares devem obediência aos atos administrativos. Pode a lei exigir, e regra geral exige (art.º 121º e ss.
CPA), que os interessados sejam ouvidos pela Administração antes de esta tomar a sua decisão final, mas
depois decide sozinha. Pode também a lei facultar aos particulares a possibilidade de apresentarem reclamações
ou recursos hierárquicos contra as decisões da AP (184º e ss. CPA) – garantias administrativas impugnatórias.
Por último, a lei permite que os interessados impugnem as decisões unilaterais da AP perante os tribunais
administrativos, a fim de obterem a sua anulação ou declaração de nulidade. Porém, a administração decide e
só depois é que o particular pode recorrer da decisão.
3. O poder de execução coerciva (176º/1 CPA): a lei dá à AP a faculdade (ulterior) de impor coativamente aos
particulares as decisões unilaterais constitutivas de deveres ou encargos que tiver tomado e que não sejam por
eles voluntariamente cumpridas.
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A força da história e o caráter urgente das decisões levaram a que num sistema de tipo francês as Constituição
e as leis confiram à AP, por via de regra o referido poder de decisão unilateral, e de execução coerciva, apenas
sujeito (em regra) a controlo jurisdicional a posteriori.
Assim, as coisas passam-se deste modo: A AP decide unilateralmente e, a partir daí, pode exigir do particular que
cumpra o dever que lhe foi definido. O particular tem o dever de obedecer à definição que a AP fez. Se não
cumprir, a AP tem o direito de executar coativamente (sem recurso prévio a tribunais) a declaração que ela própria
efetuou, embora só possa fazer pela forma e nos termos previstos no CPA ou na lei (176º/1 CPA). O particular
tem depois disto o poder de recorrer aos tribunais para impugnar a definição feita, pedindo a anulação do ato
administrativo. Este recurso não tem normalmente efeito suspensivo. Então, podemos concluir que a AP dispõe
de dois poderes especiais: por um lado na fase declaratória, o poder de definir unilateralmente o direito no caso
concreto, sem necessidade de declaração judicial; por outro, na fase executória o poder de executar o direito por
via administrativa, sem qualquer intervenção prévia do tribunal.
4. Conjunto de poderes especiais do contraente público nos contratos administrativos: a forma típica de
agir da AP é o ato administrativo, decisão unilateral que impõe um dever ou um encargo, podendo ser depois
imposta pela força por via administrativa. Por vezes, a lei considera que não é conveniente que a AP atue por
via autoritária e unilateral, pois há certos comportamentos que só se conseguem por via do contrato entre os
interessados: a lei prevê que nesses casos a AP lance mão da figura contrato – contrato administrativo, que é
um acordo de vontades celebrado entre contraentes públicos e cocontratantes ou somente entre contraentes
públicos (200º/2 CPA).
Esse regime é diferente do regime do direito privado porque a AP fica a dispor de direitos ou poderes que as
partes nos contratos civis não dispõem mas também fica sujeita a restrições e a deveres especiais.
5. Poderes especiais das autoridades de polícia: são várias e muito importantes as autoridades policiais no
estado contemporâneo. Defendem a legalidade democrática, mantêm a ordem pública e procedem à prevenção
e investigação criminal.
Os poderes de polícia incluem a faculdade de elaborar regulamentos policiais, o poder de praticar e executar
atos administrativos de polícia, o poder de aplicar sanções administrativas, os poderes de vigilância geral e
especiais e, enfim, os poderes de ação direta. Toda esta atividade é informal, urgente, tecnicamente delicada e
humanamente exigente. Decisão e execução são aqui praticamente simultâneas.
Antes de prosseguir, convém ter presente a distinção entre regras e princípios. As diferenças
básicas são: enquanto as regras são normas que exigem, proíbem ou permitem algo em
termos definitivos, sem expressões vagas ou elásticas; os princípios são normas que exigem
a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e
jurídicas.
Por outro lado, enquanto a convivência dos princípios é conflitual, a convivência das regras
é antinómica, pelo que os princípios coexistem e as regras antinómicas excluem-se.
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Este princípio é um dos mais importantes e está hoje, desde logo, no nosso texto constitucional no art.º 266º/2.
Por seu turno, o art.º 3º/1 CPA também o estatui.
O princípio da legalidade era tradicionalmente definido, por Marcello Caetano, por exemplo, como uma proibição:
a proibição de a AP lesar os direitos ou os interesses dos particulares, salvo com base na lei. O princípio da
legalidade aparecia, assim, encarado como um limite à ação administrativa, limite esse estabelecido no interesse
dos particulares.
Porém, a doutrina mais recente entende o princípio da legalidade de outra maneira, podendo-se defini-lo da
seguinte forma: os órgãos e agentes da AP só podem agir com fundamento na leu e dentro dos limites por ela
impostos.
Sendo assim, o princípio da legalidade aparece agora definido de uma forma positiva e não já de uma forma
negativa. A lei diz o que a AP deve ou pode fazer e não apenas aquilo que está proibida de fazer.
Em segundo lugar, verifica-se que o princípio da legalidade cobre e abarca todos os aspetos da atividade
administrativa e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses ou interesses dos
particulares.
Em terceiro lugar, na conceção moderna, a lei não é apenas um limite à atuação da Administração, é também o
fundamento da ação administrativa. Vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe
permitir que faça. Por outras palavras, vigora o princípio da competência, segundo o qual pode fazer-se apenas
aquilo que a lei permite, porque aquilo que não for permitido é proibido. Tem-se como oposição a este princípio
o princípio da liberdade que vigora no direito privado, segundo o qual pode fazer-se tudo aquilo que a lei não
proíbe.
Esta diferença entre a formulação antiga e a mais recente é resultado de uma longa evolução histórica.
Numa primeira fase, na época da monarquia absoluta – Estado de polícia –, o poder é absoluto e não está limitado
pela lei, nem pelos direitos subjetivos dos particulares, traduzindo uma situação de arbítrio.
Esta situação conheceu uma certa atenuação antes da Revolução Francesa com o Estado-Fisco, para efeitos
patrimoniais, devendo obediência à lei.
Com a Revolução Francesa entra-se na fase do Estado de Direito liberal, estabelecendo-se o princípio da
subordinação à lei. É aqui que a lei aparece como um limite da ação administrativa – é o princípio da legalidade
na sua formulação negativa. Por outro lado, aparece o princípio nesta fase dirigido à proteção dos direitos dos
particulares, como vimos. Este período é marcado pela ideia de monarquia limitada.
Assim, no Estado liberal a AP continua a depender do rei e a ter por fundamento a sua vontade, mas encontra-se
limitada negativamente pela lei no interesse dos particulares.
Depois, os tempos evoluem e entra-se na fase em que a monarquia liberal dá origem a três regimes diferentes:
regimes autoritários de direita, regimes comunistas e os regimes democráticos de tipo ocidental.
Nos regimes democráticos de tipo ocidental vigora, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, o Estado Social de Direito,
em que o princípio da legalidade sofre algumas alterações importantes. A ideia de subordinação à lei é completada
pela ideia de subordinação ao Direito, no sentido em que existe sobretudo um dever de obediência a mais
qualquer coisa do que à lei ordinária. A AP deve respeitar a lei ordinária, sem dúvida, mas também a Constituição,
o Direito Internacional que tenha sido recebido na ordem interna, os princípios gerais de Direito, os regulamentos
em vigor e ainda os atos constitutivos de direitos que a Administração tenha praticado e os contratos
administrativos e de direito privado que ela tenha celebrado.
Portanto, fala-se já não de legalidade, mas de bloco de juridicidade para significar todo este conjunto de fontes
que vão para além da simples lei positiva ordinária – princípio da juridicidade. “Do original princípio da
legalidade evolui-se para o princípio da juridicidade” (Pedro Gonçalves). Não se trata de uma substituição do
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princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade, mas sim de uma adequada compreensão da exigência da
submissão da AP à lei, acrescida da submissão ao Direito (a dupla vinculação)
Enfim, a legalidade aparece-nos como o verdadeiro fundamento da ação administrativa. A AP só pode agir se e
na medida em que a norma jurídica lho permitir.
De tudo resulta que são duas as funções do princípio da legalidade: assegurar o primado do poder legislativo sobre
o executivo e garantir os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
O conteúdo do princípio da legalidade, como deixámos entender com o exposto anteriormente, abrange não
apenas o respeito da lei, em sentido formal ou em sentido material, mas a subordinação da AP a todo o bloco
legal. A violação deste bloco implica violação da legalidade e constitui, por conseguinte, ilegalidade.
Por seu turno, o princípio da legalidade tem por objeto todos os tipos de comportamento da AP: o regulamento,
o ato administrativo, o contrato administrativo, o contrato de direito privado, os simples factos jurídicos.
Além disso, o princípio da legalidade comporta duas modalidades: a preferência de lei e a reserva de lei:
A preferência de lei (ou legalidade limite) consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei pode contrariar
o bloco de legalidade, sob pena de ilegalidade.
A reserva de lei (ou legalidade fundamento) consiste em que nenhum ato de categoria inferior à lei pode ser
praticado sem fundamento no bloco de legalidade.
A maior parte da doutrina administrativa entende tradicionalmente que o princípio da legalidade comporta três
exceções: a teoria do estado de necessidade; a teoria dos atos políticos; e o poder discricionário da Administração.
A teoria do estado de necessidade diz-nos que, em verdadeira situação de necessidade pública, a AP, se tanto for
exigido pela situação, fica dispensada de seguir o processo legal estabelecido para circunstâncias normais. Porém,
pode tratar-se esta questão como um quadro de legalidade excecional, pois a atuação administrativa em estado de
necessidade não dispensa uma habilitação legal prévia, que consta do art.º 3º/2 CPA.
Também a teoria dos atos políticos não é, em rigor, uma exceção ao princípio da legalidade. Segundo ela, os atos
políticos, não sendo suscetíveis de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, poderiam ser
ilegais. Ora, não é correto dizer que os atos políticos não devem obediência à Constituição e à lei, o que acontece
é que não existe sanção jurisdicional com fins de anulação mas pode haver outra sanção.
Quanto ao poder discricionário da Administração, também não se afigura como uma exceção ao princípio da
legalidade, mas sim um modo especial de configuração da legalidade administrativa. Com efeito, só há poderes
discricionários onde a lei os confere como tais. E neles há sempre pelos menos dois elementos vinculados por lei
– a competência e o fim. Existem importantes normas e princípios jurídicos que enquadram e condicionam
normativamente o exercício do poder discricionário.
Cabe aqui perceber se a AP deve obediência à lei, no sentido amplo ou, pelo contrário, deve obediência à legalidade
apenas quando esteja em causa o sacrifício de direitos ou interesses dos particulares.
Isto coloca-nos perante a distinção entre administração agressiva e administração constitutiva:
Administração agressiva: AP como autoridade, como poder, a impor sacrifícios aos particulares, chama-se
agressiva porque agride os interesses e direito dos particulares. (quando expropria, nacionaliza, revoga uma
licença, etc.).
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Administração constitutiva: a AP aparece-nos como constitutiva de direitos ou vantagens económicas e sociais,
ou como prestadora de serviços ou bens, nomeadamente quando funciona como serviço público. Não agride
a esfera jurídica dos particulares, mas protege-a, beneficia-a, constituindo vantagens.
Ora, uma determinada corrente de opinião entende que o princípio da legalidade cobre todas as manifestações da
atividade administrativa, enquanto uma outra corrente entende que este princípio só se aplica à administração
agressiva.
Face ao direito português, o princípio da legalidade cobre todas as manifestações da AP. Para aí aponta o art.º
266º/2 CRP e nesse sentido apontam a ratio legis e os princípios gerais.
Cabe ainda referir que a ideia de administração constitutiva também não é inteiramente dissociável da ideia de
sacrifício de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, pois nem sempre pode beneficiar todos
os cidadãos ou beneficiá-los por igual e precisa muitas vezes de sacrificar os direitos ou interesses dos particulares.
Entende-se ainda que prescindir da submissão ao princípio da legalidade, na sua aceção moderna, seria abandonar
uma das mais importantes e antigas regras de ouro do Direito Administrativo, de que só a lei deve poder definir
o interesse público a cargo da Administração.
Em jeito de conclusão, podemos deixar as palavras de Rogério Soares no que toca à vinculação da AP à
juridicidade: “Tem de reconhecer-se que o que está agora em causa não é a dependência umbilical da
Administração à lei, nos esquemas do princípio do século; mais importante é postular uma subordinação da
Administração ao Direito.[...] Por isso é que se torna indispensável manter vivos princípios fundamentais que se
impõem à Administração” [...] Assim, esta nova situação exige da parte da doutrina uma sensibilidade mais aguda;
e disposição para não se comprometer com soluções geométricas. E pede à jurisprudência a coragem de tomar
decisões sem o arrimo total num preceito legislado, que aplique como receita de farmácia; mas, ao mesmo tempo,
a humildade de reconhecer que, ao seu lado, a Administração é também um poder a quem igualmente cabe uma
parte importante da realidade da ideia de Direito”.
Na perspetiva dos poderes da Administração (teoria da organização) diz-se que o poder é vinculado quando a
lei não remete para o critério do respetivo titular a escolha da solução concreta adequada; e será discricionário
quando o seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a
adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.
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Na perspetiva dos atos da Administração (teoria da atividade) os atos são vinculados quando praticados pela
AP no exercício de poderes vinculados e são discricionários quando praticados no exercício de poderes
discricionários.
Importa desde já fazer uma prevenção da maior importância de que, em bom rigor, não há atos totalmente
vinculados nem atos totalmente discricionários. Os atos administrativos são sempre o resultado de uma mistura
entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários.
Por exemplo, no caso do ato tributário a vinculação é, como vimos, quase total mas há mesmo assim uma pequena
zona em que existe discricionariedade, designadamente o prazo. No segundo exemplo (nomeação do gestor
público), a autonomia é bastante ampla mas a lei estabelece diversas condicionantes, uma vez que a competência
é sempre vinculada, mesmo nos atos discricionários, bem como o fim do ato administrativo – a discricionariedade
não é total.
Ora, para haver discricionariedade é necessário que a lei atribua à Administração o poder de escolha entre várias
alternativas diferentes de decisão.
O órgão administrativo escolhe tendo em conta a sua própria competência, o fim legal e tendo em conta princípios
e regras que vinculam a AP, estando o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse
público. Isto demonstra que o poder discricionário não é um poder livre, dentro dos limites da lei, mas um poder
jurídico delimitado pela lei.
Assim, temos de ver a discricionariedade administrativa como um poder conferido por lei e condicionado pela
ordem jurídica – o bloco de juridicidade –, não um poder arbitrário, nem uma liberdade, pois ela é uma tarefa, da
responsabilidade da AP, que lhe foi legalmente conferida.
O exercício do poder discricionário não se traduz na liberdade de escolher qualquer solução que respeite as
vinculações mínimas existentes (competência e o fim), antes obriga à tomada da solução que melhor concretize o
interesse público em conformidade com o bloco de juridicidade, com os princípios administrativos.
É claro que a melhor solução do ponto de vista d agente não é necessariamente uma única decisão possível: sempre
há de ficar para a AP uma margem de apreciação e de decisão.
Cabe agora perceber porque é que em certos casos a lei regula o exercício dos poderes administrativos com grande
minúcia e noutros casos remete a decisão para o órgão administrativo.
Tal acontece por razões práticas, pois, na maioria dos casos, o legislador reconhece que não lhe é possível prever
antecipadamente todas as circunstâncias em que a AP vai ter de atuar, nem lhe é possível dispor acerca das
melhores soluções para prosseguir o interesse público.
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A estas razões práticas acrescem razões jurídicas, pois o poder discricionário visa assegurar o tratamento equitativo
dos casos individuais. Fundamenta-se, no princípio da separação de poderes e na conceção do estado social de
direito, enquanto estado prestador e constitutivo de deveres positivos para a AP, bem como os direitos ou
interesses legítimos para os particulares.
E significará o poder discricionário uma exceção ao princípio da legalidade? Não, pois só há poder
discricionário quando e na medida em que a lei o confere. É um poder derivado da lei. Para além de existir só com
fundamento na lei, só pode ser exercido por aqueles a quem a lei o atribuir, para o fim com que a lei o confere, e
deve ser exercido de acordo com certos princípios jurídicos de atuação.
Ademais, o poder discricionário é controlável jurisdicionalmente, há meios jurisdicionais para controlar o exercício
do poder discricionário.
Por todas estas razões, o poder discricionário não é uma exceção ao princípio da legalidade, mas uma das formas
possíveis de estabelecer a subordinação da administração à lei.
Cabe agora analisar quais os aspetos que a discricionariedade pode abranger, na atuação da AP. Já sabemos que a
competência e o fim são sempre aspetos vinculados no ato administrativo, então o que é que pode ser
discricionário num ato da Administração?
Assim, pode-se distinguir entre aspetos que são sempre vinculativos:
O momento da prática do ato (art.º 151º/1/f) CPA) – a Administração terá a faculdade de praticar o ato
agora ou mais tarde, conforme melhor entender.
A decisão de praticar ou não um certo ato administrativo – muitas vezes este aspeto é vinculado, mas
também pode ser discricionário.
A determinação dos factos e interesses relevantes para a decisão – num número cada vez maior de casos o
legislador não define ou programa abstratamente os pressupostos de que depende a atuação administrativa.
Assim, a hipótese legal tem de ser concretizada em cada caso pelo agente, para determinar, em regra através
de avaliações próprias, se se verificam os pressupostos reais de aplicação da medida estabelecida ou de
escolha da solução adequada.
A determinação do conteúdo concreto da decisão a tomar – trata-se daquilo que é designado por
discricionariedade de escolha de uma entre várias condutas positivas possíveis.
A fundamentação ou não da decisão – nos casos em que a lei não imponha tal obrigação, é discricionária a
decisão de fundamentar ou não o ato (art.º 268º/3 CRP; art.º 151º/1/d) CPA).
A faculdade de apor, ou não, no ato administrativo, condições, termos, modos, ou outras cláusulas
acessórias (art.º 149º CPA).
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Limites da discricionariedade
O poder discricionário pode ser limitado através do estabelecimento de limites legais ou através da chamada
autovinculação.
Os limites legais são aqueles que resultam da própria lei. Os aspetos acima referidos são aspetos em que a lei pode
conferir discricionariedade à AP ou pode não a conferir, impondo uma vinculação. Também os princípios
constitucionais relativos ao exercício da atividade administrativa (266º/1) limitam qualquer decisão administrativa
discricionária.
Por outro lado, pode haver limites que decorram de autovinculação. A AP pode exercer os seus poderes
discricionários de duas maneiras diversas:
Pode exercê-los caso a caso, adotando em cada um a solução que lhe parecer mais ajustada ao interesse publico;
Pode proceder na base de uma previsão do que poderá vir a acontecer ou na base de uma experiência
sedimentada ao longo de vários anos de exercício dos seus poderes, pode elaborar normas genéricas em que
enuncie os critérios a que ela própria obedecerá na apreciação de cada caso futuro.
A AP anuncia previamente os critérios de acordo com os quais vai exercer o seu poder discricionário. A AP
decidindo autovincular-se, fica obrigada por essa autovinculação. Se praticar um ato que contrarie as normas
que ela própria elaborou, esse ato será ilegal porque viola normas estabelecidas pela AP que constituem uma
autovinculação do seu poder discricionário – é o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Pelo facto de a Administração estar vinculada ao respeito das normas que ela própria elaborou, ela não fica
absolutamente impedida de fundamentadamente mudar de critério na apreciação de casos semelhantes.
A autovinculação da AP deve respeitar os preceitos legais que conferem o poder discricionário (112º/5 CRP). Em
suma, o poder discricionário só pode ser exercido dentro dos limites que a lei para ele estabelecer (limites legais),
ou dentro dos limites que a administração se tenha validamente imposto a si mesma (autovinculação).
A atividade administrativa está sujeita a vários tipos de controlo que podem ser classificados, por um lado, em
controlos de legalidade e controlos de mérito e, por outro, em controlos administrativos e controlos jurisdicionais.
Os controlos de legalidade são aqueles que visam determinar se a AP respeitou a lei ou a violou.
Os controlos de mérito são aqueles que visam avaliar o bem fundado das decisões da AP, independentemente da
legalidade – apurar se foram financeiramente convenientes ou não, socialmente oportunas ou não, etc.
Os controlos administrativos são aqueles que são realizados por órgãos da Administração.
Os controlos jurisdicionais são aqueles que são efetuados por tribunais.
O controlo da legalidade tanto pode ser feito pelos tribunais como pela própria Administração, mas em última
análise compete aos tribunais. Já o controlo de mérito só pode ser feito pela Administração.
Com efeito, os tribunais administrativos não podem apreciar o mérito de uma decisão administrativa. Os tribunais
podem somente exercer o controlo de legalidade.
O que é o mérito dos atos administrativos? No mérito do ato administrativo compreendem-se 2 ideias:
Justiça – adequação de um ato administrativo ato à necessária harmonia entre o interesse público específico
que ele deve prosseguir, e os direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos dos particulares
eventualmente afetados pelo ato. O artigo 266º/2 CRP passa a proclamar como princípio geral de direito o
princípio da justiça, já não fazendo parte do mérito, mas do campo da legalidade.
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Conveniência – adequação do ato administrativo ao interesse público específico que justifica a sua prática ou
à necessária harmonia entre tal interesse e os demais interesses públicos eventualmente afetados pelo ato.
Como é que estes vários controlos incidem sobre o poder discricionário da administração?
Os poderes conferidos por lei à administração ou são vinculados ou discricionários.
O uso de poderes vinculados que tenham sido exercidos contra a lei é objeto dos controlos de legalidade. O uso
de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo inconveniente é objeto dos controlos de mérito.
Quando os poderes utilizados sejam em parte vinculados e em parte discricionários, o seu exercício ilegal
(contrário à lei) é suscetível do controlo de legalidade; o seu mau uso (inconveniente, em toda a medida em que
houver discricionariedade) é suscetível do controlo de mérito.
Impugnação de atos discricionários: com que fundamento pode ser atacado um ato administrativo
discricionário?
Entende-se hoje pacificamente que os atos discricionários, que são sempre em certa medida praticados no uso de
poderes vinculados, podem ser atacados contenciosamente com fundamento em qualquer dos vícios do ato
administrativo:
Conceitos indeterminados são aqueles cujo conteúdo e extensão são incertos. A sua utilização pelo legislador é
hoje em dia frequentíssima.
Importa saber aqui é se a interpretação de conceitos indeterminados é uma atividade vinculada ou discricionária,
e, por conseguinte, sindicável ou não pelos tribunais.
Antigamente, sustentou-se que a interpretação de conceitos indeterminados era uma figura afim/distinta da
discricionariedade, atualmente defende-se que alguns conceitos indeterminados são claramente um instrumento
de que a lei se serve para atribuir discricionariedade. Mas há de facto que distinguir situações.
Temos, por um lado, o caso dos conceitos indeterminados cuja concretização envolve apenas operações de
interpretação de lei e de subsunção (conceitos cuja indeterminação é apenas condicionada pela linguagem porque
a lei que os prevê não atribui qualquer autonomia à vontade do órgão decisor).
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Por outro lado, temos conceitos indeterminados cuja concretização apela já para preenchimentos valorativos por
parte do órgão administrativo aplicador do direito. Nesta sede devem ainda distinguir-se duas hipóteses: em
primeiro lugar, existem conceitos cuja concretização não exige do órgão administrativo uma valoração pessoal,
mas sim uma valoração objetiva, ou seja, o órgão administrativo deve procurar saber sobre mais sobre a matéria
em concreto e depois deve procurar e determinar as valorações pré-existentes no setor social relevante. Em
segundo lugar, temos aquelas hipóteses em que o legislador remete para a AP o encargo de encontrar a solução
mais adequada, segundo o seu critério, considerando as circunstâncias de interesse público.
Em suma: se a concretização administrativa de conceitos indeterminados traduz muitas vezes o exercício de uma
atividade de interpretação da lei, noutras, traduz o exercício de uma verdadeira discricionariedade, sendo que,
quando assim sucede, o tribunal não pode anular o ato da administração. Se o fizesse estaria a apreciar o mérito
do ato e por conseguinte a desempenhar a função administrativa, e não a função jurisdicional – haveria a dupla
administração, que seria contrário ao princípio da separação de poderes, e portanto, inconstitucional.
Frequentemente, a lei remete de modo expresso nos seus dispositivos para normas extrajurídicas. Quando assim
sucede, deve entender-se que não estamos no terreno da discricionariedade, mas sim no campo da vinculação.
Isto porque, ao remeter para normas extrajurídicas, a lei fá-las suas, e, portanto, torna-as juridicamente
obrigatórias. Há uma vinculação jurídica a normas extrajurídicas sendo estas relevantes e obrigatórias para a AP
porque a lei as fez suas, as incorporou na ordem jurídica, e impôs à AP que as respeitasse.
2. A noção de interesse público é de conteúdo variável, não sendo possível definir de forma rígida e inflexível;
3. Definido o interesse público pela lei, a sua prossecução pela administração é obrigatória, pois é a razão de ser
da existência da AP;
4. O interesse publico delimita a capacidade jurídica das pessoas coletivas públicas e a competência dos respetivos
órgãos – princípio da especialidade.
5. Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo determinante de qualquer ato da administração.
Assim, se um órgão da AP praticar um ato que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse
público posto por lei a seu cargo, esse ato estará viciado por desvio de poder, sendo ilegal e inválido;
6. A prossecução de interesses privados em vez de interesses públicos por parte de qualquer órgão ou agente
administrativo no exercício das suas funções representa corrupção e acarreta um conjunto de sanções;
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DA – Carolina Roriz
7. A obrigação de prosseguir o interesse público exige da AP que adote em relação ao caso concreto as melhores
soluções possíveis, do ponto de vista administrativo – dever de boa administração.
Sustenta-se que tanto na figura do direito subjetivo como na do interesse legítimo existe um interesse privado
reconhecido e protegido pela lei.
O direito subjetivo consubstancia uma situação jurídica que permite a satisfação de um interesse próprio do seu
titular – a proteção jurídica conferida é direta, imediata e plena. o particular pode exigir à AP um ou mais
comportamentos que satisfaçam integralmente o seu interesse privado, e tem o poder de obter a sua completa
realização em juízo. O particular pode obter, através dos tribunais, na íntegra, os bens ou serviços que a AP lhe
deva, ou pelo menos uma indeminização justa que elimine o dano sofrido.
O interesse legítimo, ao invés, não possibilita a satisfação de um interesse próprio do titular, mas apenas a
satisfação de um interesse público. A satisfação do interesse público acarreta também a satisfação do interesse
privado conexo – a proteção jurídica que é conferida ao titular de um interesse legítimo é meramente indireta,
acoplada à satisfação do interesse público. Existe uma garantia da legalidade das decisões que versem sobre um
interesse próprio: o particular pode obter em tribunal, a eliminação do ato ilegal, não com um fim de se lhe atribuir
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DA – Carolina Roriz
o bem ou serviço que pretende, mas apenas com a finalidade de obrigar a AP a reexaminar o assunto e a decidir
de novo, sem repetir a ilegalidade cometida.
Por outro lado, deve ter-se presente que, ao lado dos direitos subjetivos e dos interesses legítimos, existem outros
tipos de situações jurídico-públicas (de vantagem) dos particulares em face da Administração.
A distinção entre as figuras do direito subjetivo e do interesse legítimo, apesar de clara e significativa, tende
atualmente a esbater-se em alguns casos especiais, por enquanto raros e atípicos.
6. O Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade constitui uma manifestação essencial do princípio do Estado de Direito
Democrático, onde as decisões ou medidas tomadas pelos poderes públicos não devem exceder o estritamente
necessário para a realização do interesse público.
O princípio expandiu-se, foi acolhido pelo Direito Constitucional e assume a natureza de um princípio geral de
direito.
É especificamente enunciado no art.º 266º/2 CRP e no art.º 7º CPA como padrão de todo a atividade
administrativa. É o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes
públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando
confrontada com aqueles fins. Esta definição evidencia as três dimensões essenciais:
A adequação, que significa que a medida tomada deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir.
O meio deve ser o mais adequado/idóneo para atingir o fim.
A necessidade (exigibilidade), que significa que para além de idónea, a medida deve ser aquela que em concreto
lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares – a menos onerosa para os particulares.
O equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito exige que os benefícios que se esperam alcançar com a
medida administrativa adequada e necessária, suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que
ela por certo acarretará.
Em suma, se uma medida concreta não for simultaneamente adequada, necessária e equilibrada, em relação ao fim
tido em vista com a sua adoção, ela será ilegal por desrespeito do princípio da proporcionalidade.
7. O Princípio da igualdade
O princípio da igualdade constitui um dos elementos estruturantes do constitucionalismo moderno, assumindo
um lugar de destaque. Surge expressamente consagrado no Virginia Bill of Rights, de 1776, e em França na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. O constitucionalismo português teve também desde
o início perceção da importância fundamental do princípio da igualdade, sendo sem surpresas que, na atual CRP,
se proclama inequivocamente no art.º 13º/1.
Tanto hoje como ontem, o princípio da igualdade constitui um importante limite que não só os tribunais como as
próprias autoridades administrativas devem observar na sua atividade. Não surpreende, pois, também a sua
inclusão no art.º 266º/2 da CRP e no art.º 6º CPA.
A igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o que é
juridicamente diferente, na medida da diferença. Desta forma, podemos verificar que o princípio da igualdade se
projeta em duas direções:
8. O Princípio da imparcialidade
Ser imparcial é não tomar partido de nenhuma das partes em contenda – o terceiro tem de estar numa posição
fora e acima das partes.
Está presente no art.º 266º/2 CRP e no art.º 9º CPA.
Densificando, pode dizer-se que o princípio da imparcialidade significa que a AP deve tomar decisões
determinadas exclusivamente com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento
das suas funções específicas. Numa formulação mais sintética, impõe que os órgãos e agentes administrativos ajam
de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as
quais se pronunciem sem caráter decisório.
Este princípio protege o interesse público nas suas relações com interesses privados e protege em abstrato. Isto
significa que a imparcialidade dos órgãos administrativos e que se estende aos trabalhadores é protegida em
abstrato – ignoram-se as hipóteses de violação da imparcialidade em concreto. A imparcialidade é protegida em
abstrato, independentemente de no caso concreto se aferir se houve violação ou não, isso não releva.
Vertente positiva: dever, por parte da AP, de ponderar todos os interesses públicos secundários e os
interesses privados legítimos, equacionáveis para o efeito de certa decisão, antes da sua adoção. Consideram-
se parciais os atos ou comportamentos que manifestamente não resultem de uma exaustiva ponderação dos
interesses juridicamente protegidos.
Esta obrigação de ponderação comparativa implica um apreciável limite à discricionariedade administrativa. Nesta
vertente positiva, encontrará o juiz o a via para anular os atos que se demonstre terem sido praticados sem a
ponderação de interesses nos termos mencionados.
O legislador do CPA determina também que, por força deste princípio, a AP deve adotar as soluções organizatórias
e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.
9. O Princípio da boa-fé
Exprime hoje um vetor geral de todo o ordenamento jurídico, como reflete a sua inscrição na CRP no art.º 266º/2
e no CPA no art.º 10º/1.
A ideia da sua autonomização foi satisfazer a necessidade de criar um clima de confiança e previsibilidade no seio
da AP.
A sua concretização é possibilitada através de 2 princípios básicos:
Tutela da confiança legítima – proteção da confiança, que não é arvorada em princípio absoluto, devendo
respeitar 4 pressupostos: a existência de uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança
(elementos capazes de provocar crença), investimento da confiança (desenvolvimento de atividades jurídicas
assentes sobre a crença), e imputação a um autor da situação de confiança.
A falta de um pressuposto pode ser compensada pela intensidade especial que assumam outros.
Princípio da materialidade subjacente – impõe que se ponderem os valores em jogo e não apenas as
formalidades.
A AP não deve realizar o procedimento legalmente previsto para alcançar um determinado objetivo com a
intenção de alcançar um objetivo diverso, ainda que de interesse público – vício de desvio de poder.
A boa-fé determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade material – não apenas
formal – das condutas aos objetivos do ordenamento jurídico.
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Tem sido discutida a (duvidosa) relevância deste dever de boa administração e o alcance da sua positivação, pois
é o reforço da prossecução do interesse público e implica boas práticas, incluindo boa gestão dos recursos públicos
na concretização de diversas oolíticas públicas. É um princípio relativo à organização e à atividade da AP.
Refere-se que o dever de boa administração é um dever jurídico, mas é um dever jurídico que não integra o espaço
da justiciabilidade, em virtude de não comportar uma proteção jurisdicional. Porém, a sua violação pode ter
consequências jurídicas.
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O exercício do poder administrativo
Modos de exercício do poder administrativo:
1. Regulamento administrativo: a AP edita normas jurídicas, regras de conduta gerais e abstratas, com
fundamento na lei.
2. Ato administrativo: a AP é muitas vezes solicitada a resolver situações específicas, problemas individuais,
casos concretos, tomando decisões. E quando tal sucede, ela atua procedendo à aplicação da lei e dos
regulamentos às situações da vida real – atividade esta que se consubstancia na prática de atos administrativos.
3. Contrato administrativo: as entidades administrativas, em vez de atuarem unilateralmente impondo pela via
da autoridade as suas decisões, celebram acordos bilaterais, seja entre si, seja com entidades privadas.
Ex: empresa pública celebra um contrato de empreitada para uma obra pública. Aqui a administração não faz
normas gerais e abstratas (regulamento), nem toma decisões concretas de modo unilateral (ato administrativo),
atua em colaboração com os particulares na base de um contrato.
X. O Ato Administrativo
1. Introdução
Hoje, na sequência da subordinação plena da Administração ao Direito, o conceito de ato administrativo, no plano
processual, já só desempenha a função de delimitar o âmbito de aplicação de certos meios processuais, como a
açã administrativa de impugnação de atos administrativos e a ação administrativa de condenação à prática de atos
devidos. Isto resulta muito claro do art.º 268º/4 CRP.
Mas o conceito de ato administrativo não reveste apenas a mencionada função no plano da justiça administrativa.
Cumpre também uma função substantiva e uma função procedimental.
Tal significa que transpõem para a vida real os preceitos jurídicos gerais e abstratos constantes da lei, do
regulamento ou de qualquer outra fonte de Direito Administrativo, conformando juridicamente as situações
concretas da vida em função daquilo que se dispõe nesses preceitos. A aplicação, num caso concreto, da norma
jurídica geral e abstrata, seja ela vinculada ou discricionária, é, pois, a função substantiva da categoria do ato
administrativo.
Por outro lado, é esta a função procedimental: quando a AO estiver perante uma situação de facto ou de direito
que lhe imponha ou aconselhe a tomada de uma decisão, que se traduza na prática de um ato com as características
correspondentes às da noção de ato administrativo do art.º 148º CPA (que analisaremos), deve a AP respeitar a
disciplina fixada neste diploma para o preparar, praticar e exteriorizar.
As conceções teóricas acerca do conceito de ato administrativo têm variado muito e ainda hoje não são
coincidentes. Há quem entenda que são atos administrativos apenas os atos jurídicos e quem entenda que o podem
ser também as operações materiais ou meros factos involuntários ou naturais. Há quem pense que são atos
administrativos apenas os atos organicamente administrativos e há quem diga que o podem ser também os atos
apenas materialmente administrativos. Há quem defenda que é possível construir uma noção material de ato
administrativo e há quem defenda que isso é impossível. Há quem sustente que só é ato administrativo o aro que
versa sobre uma situação individual num caso concreto e há quem sustente que também o são os regulamentos.
Vamos primeiro proceder à delimitação do conceito de AA.
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DA – Carolina Roriz
2. Definição de Ato Administrativo
O ato administrativo é o ato jurídico unilateral praticado no exercício do poder administrativo, por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um
caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
Esta definição corresponde à definição legal do art.º 148º, em que o legislador veio clarificar que somente em
relação aos atos com eficácia externa se justifica a aplicação do regime próprio procedimental e substantivo do ato
administrativo fixado no CPA.
Analisemos agora a definição, referindo cada um dos seus elementos.
1. Ato jurídico: é uma conduta voluntária produtora de efeitos jurídicos. Dentro dos factos jurídicos figuram
várias realidades, sendo uma delas os atos jurídicos. O ato administrativo é, pois, um ato jurídico, sendo-lhe
aplicável os princípios gerais de direito referentes a todos os atos jurídicos.
Ficam fora deste conceito as atividades juridicamente irrelevantes; os factos involuntários juridicamente relevantes;
as operações materiais. Daqui resulta que nenhuma destas categorias de factos ou atividades é suscetível de ação
impugnatória perante os tribunais administrativos, nem está submetida ao regime da figura do ato administrativo.
2. Ato unilateral: ao dizer-se que o ato administrativo é unilateral pretende referir-se que ele é um ato jurídico
que provém de um só autor, cuja declaração é perfeita independentemente do concurso de vontades de outros
órgãos ou sujeitos de direito. Distingue-se, neste aspeto, do contrato, que é bilateral, ou seja, que pressupõe a
concordância dos demais sujeitos.
Por vezes, a eficácia do ato administrativo depende da aceitação de um particular interessado, mas essa aceitação
funciona apenas como condição de eficácia do ato – não integra o conteúdo do próprio ato nem é condição da
sua existência ou validade.
O que acaba de se referir não significa que não haja atos bilaterais em Direito Administrativo, e, por outro lado,
não descaracteriza a ampla participação dos particulares no procedimento administrativo, pois tais formas (como
a audiência prévia) não transformam o ato administrativo em contrato bi ou plurilateral.
3. Exercício do poder administrativo: só os atos praticados no exercício de um poder público, isto é, ao abrigo
de normas de direito público, para o desempenho de uma atividade administrativa de gestão pública, é que são
atos administrativos.
Daqui resulta que não são atos administrativos os atos jurídicos praticados pela AP no desempenho de atividades
de gestão privada, pois esses, sendo atos da Administração, são atos de direito privado, não são atos
administrativos.
Também não são atos administrativos os atos políticos, os atos legislativos e os atos jurisdicionais, ainda que
praticados por atos da Administração.
4. Ato praticado por um órgão administrativo: órgão da AP em sentido orgânico ou órgão de uma pessoa
coletiva privada, ou por um órgão do Estado não integrado no poder executivo, por leu habilitados a praticar
atos administrativos.
5. Ato decisório: são decisórios os atos que visam produzir efeitos jurídicos diretos no ordenamento e aqueles
que expressamente recusam a produção de tais efeitos. Visa inovar, de forma positiva ou negativa, na ordem
jurídica. Trata-se de uma decisão, que produz uma transformação jurídica externa.
6. Ato produtor de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta: tem em vista estabelecer a
distinção entre os atos administrativos, que têm conteúdo individual e concreto, e as normas jurídicas
emanadas da AP, nomeadamente os regulamentos, que têm conteúdo geral e abstrato. Tem destinatários
individualizáveis, esgotando os seus efeitos numa situação em concreto.
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DA – Carolina Roriz
Por vezes, surgem dificuldades práticas de aplicação no que toca à distinção entre atos genéricos ou normativos e
atos administrativos:
Atos coletivos: atos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas, isto é, um determinado
conjunto orgânico de pessoas. Freitas do Amaral considera que a dissolução de um órgão colegial é um ato
administrativo, visto que se dissolve um determinado órgão colegial sendo o destinatário visto como uma
unidade.
Atos plurais: são aqueles em que a Administração Pública toma uma decisão aplicável por igual a várias
pessoas diferentes. A nomeação de vinte funcionários para vinte vagas é um conjunto de vinte atos
administrativos, sujeitos ao regime do CPA.
Atos gerais: atos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos bem determinados
ou determináveis no local (ex. ordem de um polícia para dispersar quando várias pessoas estão a ver a
montra). Os destinatários são identificáveis individualmente, sendo um feixe de decisões concretas e
individuais, e, portanto, de atos administrativos.
Atos genéricos: comando administrativo que se dirige a categorias, classes ou grupos de sujeitos mesmo
restritos, como é um comando geral não é um ato administrativo, seguindo o regime do CPA relativo aos
regulamentos.
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2. Elementos formais: Relacionados com a forma do ato, no art.º 150º do CPA, e com as formalidades a
respeitar no procedimento, com vista à formação do ato administrativo.
Todo o ato administrativo tem necessariamente uma forma, isto é, um modo pelo qual se exterioriza ou manifesta
a decisão voluntária em que o ato consiste. São ainda relevantes as formalidades prescritas pela lei para serem
respeitadas na fase de preparação da decisão ou na própria fase de decisão, consistindo estas nos trâmites que a
lei manda observar com vista a garantir a correta formação da decisão administrativa à luz do interesse público,
bem como o respeito pelos direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares.
As formalidades, ao contrário da forma, não são elementos do ato, sendo-lhe anteriores, posteriores ou
contemporâneas. No entanto, segundo o princípio da impugnação unitária, a lei admite para além da
impugnabilidade autónoma de atos procedimentais lesivos, a possibilidade de os interessados impugnarem o ato
final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.
3. Elementos objetivos: Relacionados com o conteúdo e objeto do ato. Ao nível do conteúdo, podemos
distinguir entre conteúdo principal (decisão em si) e conteúdo acessório (cláusulas acessórias, previstas no 149º
do CPA), nomeadamente a condição, termo, modo e reserva. O ato tem sempre de ter conteúdo
principal/decisório, mas não tem de ter obrigatoriamente conteúdo acessório.
Termo e Condição: cláusulas acessórias que fazem depender a produção de efeitos de um ato ou a cessação dos
mesmos de um acontecimento futuro. Distinguem-se porque, no termo, o acontecimento futuro é certo (sabe-se
a data em que vai acontecer), enquanto, na condição, o acontecimento é incerto (não se sabe precisar quando vai
acontecer).
Modo: encargo ou obrigação que é posta num ato administrativo, que cria uma vantagem para o particular. Ex:
O Sr. António quer abrir uma fábrica e requer uma licença à AP para o exercício da atividade em causa. A AP
difere a licença, mas fica condicionada ao seguinte encargo: “no exercício da atividade, tem de adotar todos os
meios necessários e possíveis para minimizar os impactos daquela atividade no ambiente”.
Reserva: confere uma natureza precária ao ato administrativo, porque, através dela, a Administração Pública
reserva a si o direito de revogar, a qualquer momento, o AA. Ex. A AP confere licença a um particular, mas reserva
a si o direito de revogar essa licença, quando o interesse público assim o justificar.
4. Elementos funcionais: São de 3 tipos. A causa, que é o acontecimento que origina a necessidade de praticar
o ato; os motivos, que são as razões que conduzem o órgão a decidir de uma determinada forma e que devem
constar da fundamentação do ato (152º); e o fim, que é o objetivo a atingir pelo ato.
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5. Menções obrigatórias do Ato Administrativo
O CPA enumera de forma sistematizada, o conjunto de menções obrigatórias do ato administrativo, isto é, as
referências ou indicações que devem sempre constar do ato praticado sob forma escrita, para melhor identificar e
esclarecer (art.º 151º).
Há 5 menções que a lei exige em todo e qualquer ato administrativo: indicação do autor do ato, dos destinatários,
do conteúdo da decisão, da data da decisão e a assinatura do seu autor ou representante.
Há, por outro lado, 3 menções que só são exigidas quando for caso disso: menção da delegação ou subdelegação
de poderes, enunciação dos antecedentes de facto que estiverem na origem da prática do ato quando relevantes e
a fundamentação da decisão quando exigida por lei.
A finalidade deste conjunto de exigências legais é tripla: permitir uma correta identificação de cada ato
administrativo; facilitar a respetiva interpretação: proporcionar aos particulares afetados os elementos de
informação necessários à organização da sua defesa perante eventuais ilegalidades.
Os atos que omitam a totalidade das menções obrigatórias e aqueles que falte a indicação do conteúdo ou sentido
da decisão são nulos, por carência absoluta de forma legal (161º/2, alínea g) CPA). Se ocultarem elementos
necessários à boa compreensão do ato pelos seus destinatários ou à determinação da legislação aplicável e do prazo
de impugnação administrativa ou jurisdicional estão feridos de violação da lei ou de vício de forma, sendo por isso
anuláveis (163º CPA). Se dificultarem a organização da defesa, administrativa ou jurisdicional, dos destinatários,
sem a inviabilizarem são irregulares, produzindo os seus efeitos típicos embora possam gerar alguns efeitos
diferentes dos comuns, como a responsabilidade civil e disciplinar, como no caso da existência de delegação de
poderes sem que essa seja mencionada.
São aqueles que determinam a alguém que adote uma certa concuta ou que colocam o seu destinatário em situação
de sujeição a um ou mais efeitos jurídicos. Há que distinguir quatro espécies principais de atos impositivos:
Atos de comando: aqueles que impõe a um particular a adoção de uma conduta positiva (implica uma
atuação) ou negativa (proibir o destinatário ou destinatários do ato de adotarem uma determinada conduta).
Pretende-se sublinhar que estes atos de conduta tanto podem ser ordens, como proibições.
Ex. Ato administrativo praticado pela câmara municipal, de demolição de um edifício construído em local
proibido (ex. de ato positivo). Proibição de circulação em determinadas zonas fechadas ao trânsito. Por
exemplo no caso das festas de são João (ex. ato primário impositivo de comando e natureza negativa, uma
proibição).
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DA – Carolina Roriz
Atos sancionatórios: estamos perante atos que impõe uma sanção de natureza administrativa. Tal como a
aplicação de uma sanção disciplinar.
Ex. estatuto disciplinar dos médicos, proibição de exercer uma determinada atividade comercial, estacionar
num local proibido implica a aplicação de uma sanção (coima, que trará o pagamento de uma quantia e que
correspondem a contraordenações que não possuem validade para serem consideradas como crimes).
Há diversas espécies de sanções administrativas que podem ser aplicadas através de um ato administrativo
punitivo:
→ Sanções disciplinares internas: às quais estão sujeitos os trabalhadores que exercem funções públicas e
fazem parte da organização administrativa. São impugnáveis perante os tribunais administrativos.
→ Sanções disciplinares externas: às quais estão sujeitos por lei alguns particulares, enquanto utentes de certo
tipo de serviços públicos (ex. alunos das escolas, visitantes de museus e presos nas prisões).
→ Sanções administrativas institucionais e corporativas: estão sujeitas por lei as empresas abrangidas pela
supervisão ou fiscalização de determinados institutos públicos bem como os cidadãos inscritos em certas
associações corporações públicas.
→ Sanções administrativas municipais: às quais estão sujeitos por lei todos os residentes em cada concelho ou
município do país, e por vezes os indivíduos que lá passem ou que aí se encontrem, se violam as normas
contidas nos regulamentos e posturas municipais.
→ Sanções administrativas previstas no Direito de Mera Ordenação Social, como as coimas (sanção
pecuniária) para a transgressão à legislação administrativa que não revistam gravidade criminal, não sendo
reguladas pelo Código Penal.
Atos ablativos: são aqueles que impõem a extinção ou a compressão do conteúdo de um direito (ex.
expropriações de terrenos). Em contrapartida da prática deste tipo de atos, a Administração deverá compensar
os particulares afetados através de o pagamento de uma indemnização pecuniária (62º/2 CRP), a qual não
pode ser meramente nominal, simbólica ou irrisória, mas “determinada através de uma avaliação concreta em
dinheiro correspondente ao valor que o bem sacrificado tinha no património lesado”. A justa indemnização é
aquela que tem um caráter reequilibrador, em benefício do sujeito lesado por atos dos poderes públicos; deve
substituir-se uma coisa pelo seu valor monetário no mercado, de tal modo que a situação líquida do património
do lesado antes e depois da operação há de ser a mesma.
Ex. É o caso das expropriações de terrenos, das nacionalizações de empresas, das servidões impostas sobre
prédios privados (p.e. para efeitos da colocação e montagem de gasodutos de gás natural), da requisição de
bens ou serviços, da ocupação temporária de terrenos, do abete de árvores ou de animais, etc.
Juízos: atos pelos quais um órgão da Administração qualifica, segundo valores de justiça ou critérios técnicos,
pessoas, coisas ou atos submetidos à sua apreciação. Como exemplos destes juízos podem citar-se as
classificações, as graduações, as valorações, as notações, etc. São atos impositivos porque sujeitam os seus
destinatários a determinados efeitos jurídicos, independentemente de eles aceitarem ou não esse ato, e de
estarem ou não de acordo com o respetivo conteúdo.
b) Atos permissivos
São aqueles que possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que de
outro modo lhe estariam vedados. Os atos permissivos distribuem-se por dois grandes grupos: 1) atos que
conferem ou ampliam vantagens; 2) atos que eliminam ou reduzem encargos.
1) Dentro da primeira categoria, há a considerar seis espécies principais: a autorização, a licença, a concessão, a
delegação, a admissão e a subvenção.
Autorização: ato pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou de uma
competência preexistente. O caso aqui presente é o seguinte: alguém é titular de um direito subjetivo, mas a
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DA – Carolina Roriz
lei estabelece que esse direito só pode ser exercido mediante autorização prévia, dada caso a caso pela
autoridade administrativa competente, pelo que o particular, se pretende exercer o seu direito, tem de dirigir-
se à Administração Pública, requerendo que lhe seja conferida autorização para esse fim. O direito pertence
ao particular, não é a autorização que lho confere: ele já é titular do direito, mas o respetivo exercício está
condicionado pela necessidade de obter uma autorização prévia da Administração Pública.
O que se diz acerca do exercício de direitos por particulares vale também, mutatis mutandis, para o exercício de
competências por autoridades administrativas, o qual também pode ser condicionado a uma autorização de um
órgão administrativo de categoria mais elevada.
Rogério Soares escreve que com a autorização consideramos que o exercício de certos poderes por um sujeito
privado vai potencialmente entrar em conflito com um interesse público e que se torna indispensável que uma
autoridade pese os dois termos da contraposição para garantir que a satisfação do interesse privado só possa ter
lugar se for possível equilibrá-lo com a realização de grau diverso, cuja possibilidade concreta de conciliação deve
ser averiguada por um certo órgão administrativo.
Licença: ato pelo qual um órgão da Administração atribui a alguém o direito de exercer uma atividade privada
que é por lei relativamente proibida.
A licença distingue-se da autorização na medida em que, no caso da autorização, o particular já é titular do direito
e apenas o exercício desse direito está dependente da autorização administrativa. Na licença, o particular não é
titular de nenhum direito face à Administração: a atividade que ele se propõe desenvolver é até, em princípio,
proibida pela lei; mas a própria lei admite que, em certos casos, e a título excecional, a Administração Pública
possa permitir o exercício dessa atividade; o ato que, a esse título, permite o exercício de uma atividade em
princípio proibida (por exemplo, o porte de arma de fogo, ou a exploração de um canal privado de televisão)
chama-se licença.
Concessão: é o ato pelo qual um órgão da Administração transfere para uma entidade privada o exercício de
uma atividade pública, que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral.
Trata-se de uma situação diferente da licença. Na licença, a Administração permite ao particular o exercício de
uma atividade privada, que, em princípio, é proibida, mas que nem por isso deixa de ser uma atividade privada; na
concessão o que se transfere para o concessionário é o direito de exercer uma atividade pública – por exemplo, a
exploração de um serviço público, a construção e exploração de uma obra pública, ou a exploração de um bem de
domínio público. A atividade de transferir para a esfera privada (em princípio) é uma atividade pública, mas que
vai ser desempenhada por entidades privadas. É o caso, que já foi apreciado noutra ótica, do exercício privado de
funções públicas.
A concessão é muito frequentemente formalizada por contrato administrativo (art.º 278º CPP). Atualmente, a
regra geral, segundo o princípio da liberdade do uso do contrato pode-se utilizar o contrato para as concessões
em geral e, obrigatoriamente, para as concessões de maior envergadura: como de obras públicas e serviços
públicos. Esta liberdade de escolha entre a utilização do ato e do contrato está prevista no art.º 200º/3 CPA.
Delegação: é o ato pelo qual um órgão Administrativo, normalmente competente para decidir em
determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos
sobre a mesma matéria. Importa sublinhar que, diferentemente do que acontece com as três primeiras
categorias, aqui tudo se passa na esfera própria da Administração Pública. Não há uma relação (externa) entre
a Administração e o particular, há uma relação (interna) entre órgãos e agentes da Administração.
Admissão: é o ato pelo qual um órgão da Administração investe um particular numa determinada categoria
legal, de que decorre a atribuição de certos direitos e deveres. É, por exemplo, o que acontece com o ato de
matrícula num estabelecimento de ensino, através do qual uma pessoa é admitida na categoria legal de aluno
desse estabelecimento. É o que acontece também com os atos de admissão dos utentes nos mais diversos
estabelecimentos públicos (hospitais, bibliotecas, museus, etc.).
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DA – Carolina Roriz
Subvenção: ato pelo qual um órgão da Administração Pública atribui a um particular uma quantia em dinheiro
destinada a cobrir os custos inerentes à prossecução de uma atividade privada, reconhecida de interesse
público. É, por exemplo, o que sucede com a atribuição pelo Instituto Português de Cinema de um subsídio
para financiar a produção de um filme português.
2) Vamos agora ver os atos permissivos que eliminam ou reduzem encargos: dispensa, renúncia.
Dispensa: é o ato administrativo que permite a alguém, nos termos da lei, o não cumprimento de uma
obrigação geral. A dispensa pode, por sua vez, revestir duas modalidades: a isenção e a escusa. A isenção é
concedida pela Administração a particulares para a prossecução de um interesse público relevante (ex. isenções
fiscais). Por outro lado, a escusa é concedida por um órgão da Administração a outro órgão ou agente
administrativo a fim de garantir a imparcialidade da Administração.
Renúncia: consiste no ato pelo qual um órgão da Administração se despoja da titularidade de um direito
legalmente disponível. A renúncia equivale, pois, à perda do direito. Não confundir, no entanto, esses casos
com os de promessa do não exercício de um direito (aqui a administração não renuncia ao seu direito, apenas
se limita a prometer que não o irá exercer numa certa situação, mantendo-se, no entanto, na sua titularidade,
podendo ser exercido em todos os outros casos).
São os que visam completar atos administrativos anteriores. Não estão previstos no CPA, mas por regra em
legislação avulsa, designadamente legislação de natureza orgânica relativa às relações sejam interorgânicas, sejam
intersubjetivas. O ato de integração não se confunde com o tipo de ato de primeiro grau de autorização, aqui
falamos de um ato distinto, sendo um ato de segundo grau designado por ato de aprovação. Consiste numa
autorização, não sendo esta prévia, como sucede no ato de primeiro grau, mas sim posterior à prática desse ato.
Dentro destes, temos que distinguir quatro categorias principais: a aprovação, o visto, o ato confirmativo e a
ratificação-confirmativa.
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Aprovação: ato pelo qual um órgão da Administração exprime a sua concordância com um ato anterior
existente, já praticado por outro órgão administrativo, e lhe confere eficácia.
Ex. certos atos praticados por institutos públicos dependem da aprovação tutelar do Governo; outros
dependem da aprovação posterior de uma Assembleia, Conselho ou Senado da mesma pessoa coletiva.
Estamos perante atos administrativos que, embora já praticados e perfeitos, só se tornam eficazes quando
sobrevier a aprovação, que é dada por outro órgão. Pode ser uma aprovação tutelar ou não tutelar. A aprovação
não é o mesmo que homologação: é o ato administrativo que absorve os fundamentos e conclusões de uma
proposta ou de um parecer apresentados por outro órgão. Por outro lado, no caso da aprovação, antes desta ser
dada, já existe um ato administrativo, só que ele não é eficaz. Aquilo que a aprovação vem fazer é conferir eficácia
a um ato administrativo que não era eficaz.
O ato principal é o ato aprovado, não é o ato de aprovação, pois esse só precisava de aprovação para se tornar
eficaz (CPA art.º 157º/a)). A aprovação confere-lhe eficácia, mas não o absorve nem fica a aprovação a ser o ato
principal naquela situação.
Como se distingue a aprovação da autorização? A autorização (condição de validade da prática do ato) é um ato
permissivo e prévio, enquanto a aprovação (é um ato integrativo e posterior ao ato aprovado. Há ainda a dizer
que a autorização permite a prática futura de um ato, enquanto a aprovação refere-se a um ato já praticado no
passado. Do ponto de vista jurídico o ponto de vista essencial é o seguinte: enquanto a aprovação é uma condição
de eficácia de um ato administrativo, a autorização é uma condição de validade da prática do ato.
Visto: ato pelo qual um órgão competente declara ter tomado conhecimento de outro ato (ou documento),
sem saber se pronunciar sobre o seu conteúdo (visto meramente cognitivo), ou declara não ter objeções, de
legalidade ou de mérito, sobre o ato examinador e por isso lhe confere eficácia (visto volitivo).
Ato confirmativo: ato administrativo pelo qual o órgão da Administração reitera e mantém em vigor um ato
administrativo anterior.
Ratificação confirmativa: chama-se assim porque há um outro tipo de ratificação, que é a ratificação sanção.
A ratificação confirmativa é o ato pelo qual o órgão normalmente competente para dispor sobre certa matéria
exprime a sua concordância relativamente aos atos praticados, em circunstâncias extraordinárias, por um órgão
excecionalmente competente.
Ex. Competência excecional atribuída ao Presidente da Câmara pelo art.º 35º/3 RJAL: atos praticados pelo
órgão excecionalmente competente ficam sujeitos a ratificação (ratificação confirmativa) pelo órgão
normalmente competente. Nestes casos pode acontecer que o órgão normalmente competente ratifique ou
não ratifique. Quando ratifica o ato ratificado mantém-se inalterado (o que não era ato definitivo, torna-se
definitivo, já que o ato apesar de eficaz e imediatamente executório, por motivo de urgência, não era
definitivo); se o órgão normalmente competente não ratifica, o ato primário torna-se anulável.
b) Atos saneadores
Art.º 164º CPA – atos de sanação, curam as patologias ou vícios do ato administrativo primário inválido.
Ratificação: procura-se manter o ato na sua integridade, apenas eliminado as invalidades do mesmo; o
objetivo é transformá-lo num ato legal, torna-se impugnável (inatacável junto dos tribunais). São modificações
introduzidas num ato de 1º grau e que resultam do princípio do aproveitamento dos atos administrativos.
Reforma: através da qual se conserva a parte legal do ato e nessa medida o ato deixa de estar ferido de
ilegalidade. Expurgamos a parte inválida do ato inválido e aproveitamos o que é válido.
Ex. concedida uma licença sem vencimento a um trabalhador que exerce funções publicas de 3 anos, quando
nos termos da lei só podia ser de um ano, através da reforma conserva-se a parte do ato que tem a ver com a
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atribuição da licença, e se adicionarmos o ato de segundo grau relacionado com a conversão, acrescenta-se um
novo elemento que vem substituir o elemento ilegal. Aqui o ato é sujeito a reforma e conversão.
Conversão: converte-se o ato administrativo inválido num outro ato administrativo, aproveitando-se a parte
válida do AA primário inválido.
Retificação: ato pelo qual se corrigem erros materiais no ato administrativo, como erros ortográficos ou de
cálculo na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos. A expressão mais frequente
ocorre quando o ato de 1º grau e de subvenção em que estão em causa quantias pecuniárias, sendo muitas
vezes cometidos erros de cálculo. O remédio utilizado é o ato de 2º grau de retificação, previsto no artigo
174º. Estão previstos no art.º 173º outros atos de alteração e substituição de atos administrativos.
c) Atos desintegrativos
Atos de anulação administrativa: ato desintegrativo mais frequente (destrói o ato de primeiro grau), uma
vez que a anulabilidade é o regime regra de invalidade aplicável aos atos que não se apresentam em
conformidade com a ordem jurídica. A anulação administrativa – art.º 165º/2, pode e deve ter efeitos
retroativos (165º, 166º, 168º, 169º, 170º, 171º e 172º CPA).
Atos de revogação administrativa: definido no art.º 165º/1, sendo também este o ato de segundo grau
desintegrativo ou destruidor. Tem uma dose relevante de discricionariedade, não sendo aplicável para atos
cuja irrevogabilidade resulte de invocação legal, ou dos atos de primeiro grau de que resultem direitos
irrenunciáveis (165º, 166º, 167º, 169º, 170º e 171º).
São as pronúncias administrativas que não envolvem uma decisão de autoridade, antes são auxiliares relativamente
a atos decisórios.
a) Simples declarações
São atos auxiliares pelos quais um órgão ou agente da Administração exprime oficialmente o conhecimento que
tem de certos factos ou situações. É o caso das participações (atos pelos quais um agente da autoridade participa
um crime de que tomou conhecimento), certificados e certidões (atos pelas quais a Administração declara ao
público quais são os factos ou situações de que tem conhecimento oficial por se encontrarem documentados nos
seus registos ou nos seus arquivos próprios), atestados e informações prestadas ao público- são todos declarações
de conhecimento.
O CPA chama a estes atos certificativos (161º/1 alínea j)), mas que podem ser meras informações verbais que
esclarecem apenas. Estes atos limitam-se a verificar a existência ou a reconhecer a validade de factos ou situações
que já existiam. Têm em princípio eficácia retroativa, valendo o reconhecimento a partir do momento em que os
direitos ou situações reconhecidas nasceram.
b) Atos opiniativos
Atos pelos quais um órgão da administração emite o seu ponto de vista fundamentado acerca de uma questão
técnica ou jurídica.
Informações burocráticas: opiniões prestadas pelos serviços ao superior hierárquico competente para
decidir.
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Recomendações: atos pelos quais se emite uma opinião, consubstanciando um apelo a que o órgão
competente ou outro destinatário decida de certa maneira, mas que não o obrigam a tal. São opiniões
reforçadas, na medida em que não apresentam apenas uma opinião, propõem que ela seja seguida,
incentivando ou apelando ao órgão decisório que resolva no sentido apresentado ou que o órgão ou outro
destinatário atue de certo modo. Não são opiniões vinculativas, mas o destinatário delas acarreta com a
responsabilidade de as ter ignorado.
Pareceres: são atos opiniativos elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber ou por órgãos
colegiais de natureza consultiva. Estes poderão ser obrigatórios ou facultativos, consoante a lei imponha ou
não a necessidade de eles serem emitidos e poderão ser vinculativos ou não vinculativos, conforme a lei
imponha ou não a necessidade de as suas conclusões serem seguidas pelo órgão decisório competente.
A regra apresentada no artigo 91º/2 CPA é a de que, salvo disposição expressa em contrário, os pareceres
legalmente previstos são obrigatórios e não vinculativos. Aos pareceres falta autonomia para, sem mediatização
de um outro ato jurídico produzirem efeitos jurídicos numa esfera externa ao órgão emitente. No entanto, se os
pareceres forem vinculativos, o órgão que emite o parecer é que realmente decide, sendo o ato posterior apenas
uma formalização do que já estava pré-determinado.
Se o parecer for obrigatório e não existir gera um vício de forma; se for obrigatório e também vinculativo, a sua
falta gera uma dupla ilegalidade: vício de forma e incompetência (a competência era conjunta e um dos órgãos não
se pronunciou).
Os pareceres devem sempre ser fundamentados e concluir de um modo expresso e claro sobre todas as questões
indicadas na consulta, sob pena de serem nulos (92º/1 e 161º/2 alínea c), segunda parte CPA). Os números 2, 5
e 6 do artigo 92º CPA apresentam que em regra a lentidão da administração consultiva não deve bloquear a
eficiência da administração ativa.
Procedimento Administrativo
A atividade administrativa não se esgota na tomada de decisões, visto que antes e depois de cada decisão há sempre
um conjunto de passos a tomar. A atividade da Administração Pública é em larga medida uma atividade processual,
isto é, sobre cada assunto, começa num determinado ponto e depois caminha por fases, desenrola-se de acordo
com um certo modelo, avança pela prática de atos que se encadeiam uns nos outros e pela observância de certos
trâmites, de certas formalidades e de certos prazos que se sucedem numa determinada sequência – esta que se
denomina procedimento administrativo.
Procedimento administrativo é a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à preparação
e exteriorização da prática de um ato da Administração ou à sua execução (ver também definição do 1º/1 CPA).
Objetivos da regulamentação do procedimento administrativo (267º CRP):
Esclarecer o melhor possível a vontade da Administração, de modo que sejam sempre tomadas decisões
legais e adequadas ao dever de a Administração prosseguir da melhor forma o interesse público (princípios
da legalidade e da boa administração);
Salvaguardar os direitos subjetivos e os interesses legítimos dos particulares, tendo à Administração que ser
impostas cautelas. E mesmo que hajam de ser sacrificados, evitando que sejam de forma ilegal ou excessiva
(princípio do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos);
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Assegurar a participação dos cidadãos na formação de decisões que lhes digam respeito (democracia
participativa).
Em suma, a regulamentação visa garantir a melhor ponderação da decisão a tomar à luz da lei e do interesse
público e, por outro lado, assegurar o respeito pelos interesses e direitos legítimos dos particulares. São típicas
normas do Direito Administrativo que procuram conciliar as exigências do interesse coletivo com as exigências
legitimas dos interesses individuais.
Inicia-se o procedimento de ato administrativo por virtude de apresentação de um requerimento do particular,
com vista à satisfação de uma determinada pretensão. No decurso daquele procedimento, a Administração Pública
deverá adotar certas formalidades, de modo a acautelar os direitos e interesses legalmente protegidos desse
particular, ao mesmo tempo que zela pela prossecução do interesse público traduzido no princípio de boa
administração.
Procedimentos decisórios: têm por objeto preparar a prática de um ato da administração. Poderão ser de 1º
grau ou de 2º grau, conforme visem preparar a prática de um ato primário ou de um ato secundário.
Procedimentos executivos: têm por objeto executar um ato da Administração.
Quanto a lei que os regula:
Procedimentos especiais: regulados por leis especiais, subordinando-se também aos princípios gerais da
atividade administrativa que se encontram no CPA e às normas deste que concretizam preceitos
constitucionais (2º/3 CPA).
Procedimento comum: regulado pelo CPA, devendo este ser seguido em todos os casos em que não haja
procedimento especial aplicável.
Quanto à natureza punitiva ou não punitiva do ato final do procedimento (32º/10 CRP):
Procedimentos Administrativos Sancionatórios: podem dar lugar à prática de um ato punitivo, razão por que
a posição do arguido é objeto de especiais garantias.
Procedimentos Administrativos Não Sancionatórios: são aqueles cujo final não reveste, em caso algum,
natureza sancionatória.
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lhe seja dirigido, a Administração Pública fica constituída no dever de decidir desde que se preencham alguns
pressupostos.
Trata-se dos denominados “pressupostos procedimentais”, a que a lei condiciona o desenvolvimento regular do
procedimento e que podem ser: a) Pressupostos subjetivos (competência do órgão que recebe o pedido e
legitimidade do requerente); b) Pressupostos objetivos (inteligibilidade, unidade e tempestividade do pedido,
atualidade do direito que se pretende exercer; inexistência da decisão sobre pedido igual do requerente há pelo
menos dois anos). Não se encontrando preenchidos esses pressupostos, também não existe o dever de decidir.
Contudo, manter-se-á sempre o dever genérico de pronúncia.
Como referido anteriormente, o procedimento administrativo pode igualmente partir da iniciativa da
Administração Pública com vista a satisfazer necessidades da comunidade. No caso em que a iniciativa
procedimental pertence à Administração Pública, por meio de ato público de iniciativa devem distinguir-se duas
situações:
Primeira: a iniciativa pode pertencer ao órgão competente para a decisão (procedimento oficioso).
Segunda: a iniciativa pode pertencer a outro órgão, o qual dirige ao órgão competente para a decisão, uma
proposta, requisição ou pedido. Nesta situação, já se revela fundamental a participação dos particulares.
2. A fase instrutória
Esta fase procedimental tem por objetivo apresentar ao agente responsável os vários interesses envolvidos na
decisão que vai tomar (interesse público) de modo a permitir a avaliação do seu peso e relevância. A instrução
permite criar as condições para que o agente possa determinar o conteúdo do ato principal do procedimento do
melhor modo com vista à prossecução do interesse público concretamente visado.
Esta fase consiste na recolha dos elementos probatórios (como estudos, avaliações técnicas, pareceres, vistorias,
etc.) que irão determinar a formação da vontade da Administração Pública. Nesta etapa, é competente o “órgão
instrutor”, sendo prevista a possibilidade de o órgão competente para a decisão delegar a competência para a
direção da instrução num subordinado seu, passando o órgão instrutor a ser diferente do órgão a quem cabe tomar
a decisão final. A instrução segue o princípio do inquisitório, de acordo com o preceituado no artigo 58º do CPA.
Nos termos do artigo 115º/1 do CPA, devem ser averiguados todos os factos cujo conhecimento seja necessário
para a tomada de decisão. Por sua vez, o artigo 117º/1 do CPA prevê a colaboração dos interessados no
fornecimento dos meios probatórios. Importa ainda trazer à colação o artigo 120º/1, do CPA, para a eventualidade
de existir perigo ou frustração na recolha de elementos essenciais à formação da vontade administrativa, podendo
esta recolha, nesse caso, ser feita antecipadamente.
As diligências podem ser probatórias (recolhas de provas, como peritagens) ou consultivas (pareceres). De acordo
com o princípio do ónus da prova, os particulares podem ter um papel determinante na instrução apresentando
provas, pareceres ou documentos adicionais, podendo dirigir reclamações à Administração Pública e nomear
peritos, exercendo um papel de coadjuvante. Cabe-lhes o ónus de provar todos os factos que aleguem.
3. A fase da audiência prévia ou audiência dos interessados
O direito do administrado a ser ouvido num procedimento a que lhe diz respeito, sobretudo perante a hipótese
de a decisão futura vir a ser-lhe desvantajosa, ainda que parcialmente é um dos principais direitos de defesa do
cidadão perante os poderes públicos. Relaciona-se com o princípio de participação dos particulares na formação
das decisões que lhes digam respeito, art.º 12º do CPA e 268º da CRP e com a tutela dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos, individuais ou coletivos, em conformidade com a legitimidade estabelecida no art.º 68º
CPA.
Nesta fase procedimental, resulta para a Administração Pública o cumprimento dos deveres de notificar,
comunicar o projeto da decisão e de ouvir o cidadão antes da tomada de decisão de indeferimento, logo a audiência
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dos interessados é a fase antecedente à fase da decisão propriamente dita. O interessado poderá ainda juntar
documentos e requerer diligências complementares, com utilidade e pertinência para a decisão (art.º 121º CPA).
O TJUE assume um posicionamento forte no sentido de ser assegurado o direito de audição do particular, sempre
que a sua esfera jurídica e patrimonial possa vir a ser afetada com a decisão do ente público. Este órgão jurisdicional
assume claramente que a fase de audiência prévia é uma formalidade essencial que deverá reunir os seguintes
requisitos cumulativos:
1. Permitir conhecer toda a informação relevante para o exercício efetivo o direito de defesa, desde logo, o
projeto da decisão futura desfavorável;
2. Concessão de um prazo razoável para exposição de argumentos, factuais e jurídicos (art.º 122º/1 CPA).
No artigo 124º/1 CPA encontramos um conjunto de situações em que pode ser dispensada a audiência prévia,
como, por exemplo, motivos imperiosos relacionados com o interesse público e de urgência, ou quando o número
de interessados seja tão elevado que seja incomportável a sua realização, optando-se pela “consulta pública”.
Não obstante estes casos de dispensa da audiência dos interessados, a verdade é que, em nome da boa
administração e das exigências crescentes de transparência, o dever de fundamentação para a não realização da
audiência dos interessados, aparece como que um dever reforçado, tendo de ser escrupulosamente acatado e
cumprido, sob pena de invalidade da decisão final. Para Sérvulo Correia e Vasco Pereira Da Silva, a decisão final
padecerá de nulidade, atenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias do direito fundamental atípico
(direito subjetivo público de participação procedimental). Para Freitas Do Amaral e Pedro Machete aplica-se o
vício-regra da anulabilidade.
O art.º 121º/1 CPA estabelece o direito de os interessados serem ouvidos antes de ser tomada decisão final. A sua
participação é uma forte garantia constitucionalmente consagrada dos direitos e interesses legalmente protegidos
do interessado, art.º 267º/5 CRP, garantindo também princípios gerais da atividade administrativa como é o caso
do princípio da participação, art.º 12 CPA.
O grande objetivo desta audiência é o de influenciar a tomada de decisão por parte da AP a favor da pretensão
manifestada pelo particular no seu requerimento.
Preparação direta da decisão: quando não for o órgão competente para a decisão a realizar a instrução, deve ainda
o órgão instrutor elaborar um relatório “no qual indica o pedido do interessado, resume o conteúdo do
procedimento e elabora uma proposta de decisão, sintetizando as razões de facto e de direito que a justificam”,
art.º 125º CPA.
4. A fase da decisão
Nesta fase procede-se à ponderação e avaliação do quadro fáctico fornecido pela fase de instrução e pela audiência
dos interessados. Em regra, o procedimento termina com uma decisão final expressa praticada por escrito, art.º
150º/1 CPA, com as menções do art.º 151 e devidamente fundamentada nos termos do art.º 151º/1/d) articulado
com o art.º 152º a 154º.
A existência de fundamentação clara, congruente, objetiva e taxativa consiste, de igual modo, num direito
fundamental dos administrados para a defesa dos seus direitos, na medida em que permite determinar o verdadeiro
alcance da decisão, através da reconstituição do pensamento do seu autor. Na verdade, é a fundamentação do ato
administrativo que possibilita perscrutar a intenção, as verdadeiras motivações do órgão administrativo.
A fundamentação da decisão revela se se trilhou o caminho da prossecução do interesse público ou não, impelindo
a AP, desse modo, a cumprir os desideratos da boa administração, da imparcialidade e igualdade.
É perante a fundamentação que poderá ser averiguada a (i)legalidade da conduta administrativa, sendo esta
formalidade essencial para a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do interessado.
A fundamentação carece de obedecer a certos requisitos para que seja considerada validamente prestada, desde
logo, deverá ser exata ou verdadeira e congruente ou coerente. O conteúdo da fundamentação tem de ser
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DA – Carolina Roriz
objetivamente apreensível ao cidadão “médio”, possuidor de razoáveis conhecimentos e de um “normal” grau de
literacia e entendimento. Um teor confuso, lacónico, genérico e obscuro equivalerá à falta de fundamentação.
O princípio da fundamentação da decisão aparece, pois, indissociável do princípio da boa administração, art.º 5º
CPA porque traz consigo os imperativos da transparência e da objetividade.
5. A fase complementar integrativa de eficácia
Importa, previamente, distinguir entre atos cuja eficácia dependa de aceitação expressa ou tácita da outra parte na
relação jurídico-administrativa, daqueloutros atos que são eficazes independentemente dessa aceitação.
Se o ato for receptício, a eficácia depende do consentimento do interessado e, enquanto tal, deverá sempre ser
conhecido por este. Se, pelo contrário, o ato administrativo não for receptício, a sua eficácia não depende da
aceitação do interessado.
Por conseguinte, é curial afirmar que o problema da notificação apenas se coloca neste segundo tipo de ato
administrativo (recepiendo), revelando-se decisiva a distinção entre os casos em que a lei impõe a publicação do
ato ou não como formalidade essencial ou como condição de eficácia.
Se o ato administrativo reconhecer ao interessado, algum direito, poder ou faculdade, é suficiente que aquele venha
a conhecer a existência do ato, por qualquer forma. Pelo contrário, se o ato for desfavorável ao interessado,
impondo-lhe encargos, ónus ou deveres, então, nesse caso o interessado apenas fica vinculado ao mesmo, sendo
o ato eficaz, quando o respetivo conhecimento lhe tiver sido dado oficialmente. Neste último caso, como condição
da eficácia e operatividade da decisão administrativa na ordem jurídica, a lei exige a sua publicação em Diário da
República ou a sua notificação ao interessado que é, em concreto, direta e imediatamente afetado por esse ato
administrativo. Apenas a partir deste momento, é que se inicia a contagem dos prazos para efeitos de impugnação
graciosa e contenciosa. Por conseguinte, o dever de “dar conhecimento” do ato administrativo também constitui
uma garantia dos direitos e interesses do administrado.
Após a fase constitutiva ou de tomada de decisão em sentido desfavorável à pretensão do interessado, a mesma
terá de ser levada ao conhecimento do seu interessado, por via da “notificação”, sem a qual aquela não produzirá
os seus efeitos jurídicos.
Em nome dos valores essenciais da certeza e da segurança jurídicas, uma decisão que não seja comunicada ao seu
destinatário é-lhe inoponível, sendo ineficaz. Não poderá ser invocado contra si o desrespeito ou não acatamento
da decisão, não lhe sendo exigível o seu conhecimento e necessária obediência, quando por causa imputável à
Administração Pública, aquela decisão não tenha sido notificada ao interessado.
Em síntese, podemos dizer que a comunicação não é condição de eficácia do ato administrativo, pois a regra geral
é a de que o ato administrativo não carece do conhecimento do particular para produzir os seus efeitos. A
publicidade dos atos só é obrigatória quando exigida por lei e a falta de publicidade do ato quando legalmente
exigida implica a sua ineficácia.
Nos termos do artigo 160.º, do CPA, “os atos que constituam deveres ou encargos para os particulares e não
estejam sujeitos a publicação começam a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários ou de outra
forma de conhecimento oficial pelos mesmos”.
São as exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos do ato, para que este possa ser válido –
sujeito, forma e formalidades, conteúdo, objeto e fim.
O ato tem de se inscrever no âmbito das atribuições da entidade a que pertence o órgão seu autor, o órgão tem de
ter competência para a prática do ato administrativo e o órgão tem de ser concretamente legitimado para o
exercício dessa competência (ex. órgão colegial esteja regularmente constituído). A autoria real é do órgão (do seu
titular), mas a autoria jurídica é imputada por lei à pessoa coletiva.
Quanto aos destinatários do ato administrativo, a lei existe que sejam identificados de forma adequada (151º/1/b)
CPA), tendo este ato que assegurar o conhecimento claro e certo de quem é seu destinatário, para permitir a
imputação subjetiva dos respetivos efeitos a uma determinada pessoa.
A regra no direito português é a de que todas as formalidades prescritas por lei são essenciais, sendo a sua omissão
causa de ilegalidade do ato administrativo.
Esta regra tem como exceções: as formalidades que a lei declarar indispensáveis; as cuja omissão ou preterição
não tenha impedido a consecução do objetivo visado pela lei ao exigi-las (degradação das formalidades essenciais
em formalidades não essenciais); formalidades meramente burocráticas, de caráter interno, tendentes a assegurar
apenas a boa marcha dos serviços.
A preterição em certas formalidades pode ser suprível, isto é, se forem cumpridas em momento posterior ainda
vão a tempo de garantir os objetivos para que foram estabelecidas. Por outro lado, a preterição de certas
formalidades pode ser insuprível, ou seja, têm de ter lugar no momento em que lei exige que sejam observadas
(ex. audiência do arguido antes de ser punido).
Uma formalidade essencial é a obrigação de fundamentar o ato (remissão para a fase da decisão do procedimento
administrativo).
Quanto à forma do ato, os atos dos órgãos singulares devem ser praticados sob forma escrita, desde que outra
não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato (150º/1 CPA). Os atos dos órgãos
colegiais, sem estipulação em contrário, são praticados oralmente (150º/2), visto que a vontade do órgão colegial
é apurada e declarada verbalmente pelo respetivo presidente, reduzindo-se depois o teor das respetivas
deliberações a ata, sob pena de ineficácia. De entre os atos que devem ser praticados sob forma escrita devemos
distinguir entre os sujeitos a forma simples e os sujeitos a formas solenes. As formas simples são aquelas em que
para a exteriorização da vontade do órgão administrativo a lei não exige a adoção de um escrito sujeito a um
modelo especial. As formas solenes são aquelas em que o escrito tem de obedecer a um certo modelo legalmente
estabelecido.
Tanto o conteúdo como o objeto do ato administrativo têm de obedecer aos requisitos de certeza, legalidade e
possibilidade, ou seja, o objeto (quid sobre o qual incidem os seus efeitos) tem de ser possível, determinado, idóneo
e deve estar legitimado para suportar os efeitos do ato.
O conteúdo (efeitos produzidos pelo ato) terá de ser determinado, possível e lícito e no caso de atos certificativos
terá de ser verdadeiro. A lei exige que a vontade em que o ato administrativo se traduz seja esclarecida e livre.
Poderão ser apostas ao ato administrativo cláusulas acessórias, sendo estas válidas se não contrariarem a lei ou o
fim a que o ato se destina, se tiverem uma relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitarem os
princípios jurídicos aplicáveis, nomeadamente o da proporcionalidade. No entanto, a aposição de cláusulas
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DA – Carolina Roriz
acessórias a atos administrativos de caráter vinculativo só é admissível quando a lei o preveja ou quando vise
assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática do ato (149º/2
CPA). Se a cláusula teve um peso preponderante e exprime o motivo determinante da prática do ato, a invalidade
dessa acarreta a invalidade do próprio ato, pois presume-se que a Administração não o teria praticado
independentemente da condição. Na situação diversa, o ato é válido e a cláusula tem-se como não escrita.
A lei exige que o fim efetivamente prosseguido pelo órgão da administração coincida com o fim legal, isto é, com
o fim que a lei teve em vista ao conferir os poderes para a prática do ato, isto é, aquele interesse público cuja
realização o legislador pretende quando confere à Administração um determinado poder de agir. No domínio dos
atos vinculados, o fim não tem autonomia, não sendo relevante. O critério prático para a determinação do fim do
ato é o do motivo principalmente determinante: exige-se que o motivo principalmente determinante da prática de
um ato administrativo coincida com o fim tendo em vista pela lei ao conferir o poder discricionário. Caso não seja
assim, o ato é ilegal e inválido. Se apenas os motivos secundários não coincidirem com o fim legal, o ato não será
inválido, a menos que algum desses motivos seja causa de nulidade.
Exigências que a lei faz para que o ato administrativo, uma vez praticado, possa produzir efeitos jurídicos. A regra
no direito português é a de que o ato administrativo produz efeitos desde o momento da sua prática (princípio da
imediatividade dos efeitos jurídicos).
O artigo 155º/2 CPA apresenta-nos que o ato administrativo se considera praticado logo que se encontrem
reunidos, nos termos definidos pela lei, os seus elementos essenciais. Este princípio da imediatividade comporta
duas exceções: o ato pode produzir efeitos a partir de um momento anterior ao da sua prática, tendo eficácia
retroativa (156º); ou poderá produzir apenas os seus efeitos em momento posterior ao da sua prática, tendo eficácia
diferida ou condicionada (157º).
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administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vicio (caráter residual). Qualquer um dos casos de violação
de lei previstos no 161º/2 CPA gera nulidade, nos restantes casos gera anulabilidade.
O desvio de poder: vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente
determinante que não condigna com o fim que a lei visou ao conferir tal poder.
Pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real. Existe desvio de poder tanto no caso em que haja um
erro de direito (interpretou mal a lei) como no caso de má-fé (quis mesmo prosseguir um fim contrário à lei).
O desvio de poder pode ser para fins de interesse público, isto é, quando o órgão visa alcançar um fim de interesse
público, embora diverso daquele que a lei impõe. O desvio de poder pode ser ainda para fins de interesse privado,
ou seja, o órgão não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado, sendo este nulo
segundo o artigo 161º/2, alínea e). O desvio de poder para fins de interesse público gera a anulabilidade.
Um ato pode estar ferido simultaneamente de várias ilegalidades: os vícios são cumuláveis. Pode inclusivamente
acontecer que haja mais do que um vício do mesmo tipo: pode haver, no mesmo ato administrativo, duas
incompetências, três vícios de forma, quatro violações de lei, etc.
O ato pode ser inválido, e, portanto, nulo ou anulável, por razões que nada tem a ver com a sua ilegalidade. Ou
seja, o ato pode ser legal, mas ser inválido.
A ilicitude do ato administrativo: normalmente o ato é ilícito por ser ilegal, mas existem casos em que um ato
é lícito sem ser ilegal. Os casos são aqueles em que o ato administrativo, sem violar a lei, ofende um direito
subjetivo ou um interesse legítimo de um particular; em que o ato viole um contrato não administrativo; em que
o ato ofenda a ordem pública ou os bons costumes; e em que o ato contenha uma forma de usura.
Os vícios da vontade do ato administrativo: falta um requisito de validade que a lei exige, qual seja o de que os
atos jurídicos da Administração provenham de uma vontade esclarecida e livre.
Se a vontade da Administração não for esclarecida ou não for livre, porque foi determinada por erro, dolo ou
coação, há um vício de vontade – vontade inquinada que fundamenta a invalidade do ato. O ato viciado com erro
ou dolo causa a anulabilidade do ato e o ato viciado por coação causa a sua nulidade (161º/2 alínea f) CPA). A
problemática dos vícios de vontade não tem autonomia no caso dos atos vinculados, mas tem-na por completo
no caso dos atos discricionários.
Cumpre agora fazer uma referência às consequências da ilegalidade, ou da ilicitude, ou dos defeitos da vontade.
Temos de indagar quais as sanções que a ordem jurídica determina para os atos administrativos ilegais, ilícitos ou
viciados na vontade – art.º 161º a 163º CPA.
A nulidade: é a forma mais grave da invalidade.
Tem como características principais:
1. O ato nulo é totalmente ineficaz desde o início, independentemente de declaração de nulidade (162º/1);
2. Nulidade é insanável quer por decurso do tempo (pode ser invocável a todo o tempo) quer por ratificação
(164º/1);
3. Podem ser objeto de reforma ou conversão (164º/4);
4. Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de
um ato nulo, visto que não produz efeitos;
5. Têm ainda direito de resistência passiva, podendo legitimamente resistir à execução do ato nulo;
6. Um ato nulo pode ser impugnado a todo o tempo (162º/2 e 58º/1 CPTA);
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7. Nulidade pode ser conhecida por qualquer autoridade administrativa ou por qualquer tribunal (162º/2),
significando um conhecimento incidental que tem como consequência a desconsideração dos seus efeitos
numa dada situação e com apenas referência a essa situação;
8. Nulidade pode também ser declarada a todo o tempo com efeitos erga omnes pelos tribunais administrativos
ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação (162º/2). No primeiro caso, a declaração
jurisdicional de nulidade constitui uma ação especial de impugnação de ato administrativo (50º/1 CPTA).
No segundo caso, a declaração administrativa de nulidade constitui um novo ato administrativo.
9. Pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo (134º/2), mas só pode ser declarada
apenas pelos órgãos administrativos com poderes de controlo no caso;
10. O reconhecimento judicial da nulidade tem a forma de declaração de nulidade e tem natureza meramente
declarativa.
Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade: a nulidade tem caráter excecional (161º/1 CPA) e a
anulabilidade é a regra geral (163º/1 CPA). Assim, o ato administrativo inválido é anulável, a menos que faça parte
das situações descritas como nulas. Isto justifica-se pela necessidade de certeza e segurança da ordem jurídica, para
que não paire indefinidamente a dúvida sobre se os atos da Administração são legais ou ilegais, se válidos ou
inválidos. São nulos os atos que, exemplificativamente, são apresentados no artigo 161º/2 CPA.
Cumulação de formas de invalidade: se uma ou mais fontes de invalidade gerarem anulabilidade e outra ou
outras determinarem nulidade, prevalece a sanção mais forte, isto é, nulidade.
Inexistência: o ato administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer passar por ato
administrativo, mas a que faltam certos elementos estruturais constituídos que permitam identificar um
tipo legal de ato administrativo. São também inexistentes as decisões administrativas aplicadoras de leis
feridas de inexistência jurídica. Aplica-se o regime da nulidade em grande parte à inexistência, exceto:
134º/3 e a possibilidade de reforma ou conversão.
Irregularidade: o incumprimento de certas normas de procedimento não acarreta a invalidade, quer por
se tratar de normas meramente indicativas (formalidades não essenciais) quer por tal incumprimento não
importar no caso concreto uma lesão efetiva dos valores e interesses protegidos pela norma violada, por
estes alcançarem a sua realização por outra via. Estes são casos de irregularidade, e o ato irregular é sempre
um ato existente e válido. A lei pode, no entanto, impor uma sanção criminal ou disciplinar ao agente
infrator. O conceito de irregularidade desdobra-se em dois tipos: vicio não afeta a validade do ato; vício
afeta a validade, diminuindo-a ou alterando-a, mas não a impedindo.
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Correspondência entre vícios e formas de invalidade
Usurpação de poder
Todos os casos: nulidade
Incompetência
Incompetência por falta de atribuições (absoluta): nulidade;
Incompetência por falta de competências (relativa): anulabilidade.
Vício de forma
Carência absoluta de forma legal: nulidade;
Preterição total do procedimento legalmente exigido: nulidade;
Deliberações tomadas tumultuosamente: nulidade;
Deliberações tomadas sem quórum: nulidade;
Deliberações tomadas sem ser pela maioria exigida por lei: nulidade;
Outros vícios de forma: anulabilidade.
Violação de lei
Casos de violação de lei referidos no 161º/2 CPA: nulidade
Quaisquer outros casos de violação de lei: anulabilidade;
Desvio de poder
Casos de desvio de poder para fins de interesse público: anulabilidade;
Casos de desvio de poder para fins de interesse privado: nulidade.
Sanação de atos administrativos ilegais: a sanação consiste na transformação jurídica de um ato ilegal num ato
inatacável contenciosamente.
Esta tem como razão a necessidade de certeza e segurança na ordem jurídica, não sendo possível suportar durante
anos a incerteza sobre se cada ato administrativo é legal ou ilegal, válido ou inválido. A sanação pode ocorrer por
ato administrativo secundário (Ex. ratificação, reforma e conversão de atos administrativos) ou pelo decurso do
tempo (se o particular tem um prazo para anular o ato anulável e não o faz, o ato anulável fica sanado pelo prazo
legal ter terminado).
A sanação do ato anulável por decurso do tempo impede que o ato seja anulado pela Administração, seja
contenciosamente impugnado ou seja ratificado, reformado ou convertido. A sanação não afasta a obrigação de
indemnizar que em princípio recai sobre o autor do ato no caso de esse ato ter sido ilícito e ter causado prejuízos
a outrem.
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Para além destas situações, um órgão administrativo pode praticar atos expressamente destinados a extinguir os
efeitos de um ato anterior, quer fazendo cessar esses efeitos para o futuro, quer destruindo-os desde o momento
da sua prática. Neste sentido, importa atender à revogação (165º/1 CPA) e anulação administrativa (165º/2 CPA).
A modificação do ato administrativo pode ocorrer por diversas razões, mas na maior parte dos casos, modificar
um ato interfere sempre com todos ou partes dos efeitos jurídicos de um ato anterior.
Revogação: é o ato administrativo que decide extinguir, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade, no
todo ou em parte, os efeitos de um ato administrativo anterior.
O órgão que exerce a revogação elimina a disciplina resultante do ato revogado abstendo-se de introduzir uma
nova disciplina.
A finalidade é a melhor prossecução do interesse público atual. O ato revogatório praticado com vista à
prossecução de outros fins que não sejam estes padece de desvio de poder.
Tem na sua base um juízo de mérito, sendo uma nova valoração administrativa dos efeitos atuais ou potenciais de
um ato administrativo anterior, à luz do interesse público.
Será admitida a revogação sancionatória, isto é, impõe-se a revogação como sanção administrativa pelo
incumprimento, pelo particular, de cláusulas, deveres ou obrigações que o ato primário lhe impusera, tendo como
finalidades o impedimento da ocorrência de uma transformação do ato administrativo em decisão pública mantida
para fins exclusivos de caráter privado e a efetivação da função sancionatória do Direito.
A revogação, em regra, apenas produz efeitos para o futuro – eficácia ex nunc (“desde agora”) (171º/1, primeira
parte). A atribuição de eficácia ex tunc à revogação não pode ser feita livremente, sob pena de se prejudicar a tutela
da confiança dos particulares. Assim, a revogação com eficácia ex nunc ocorrerá quando o órgão administrativo
competente mude de critério e resolva extinguir um ato anterior, que primeiro julgou conveniente ao interesse
público, mas que agora considera inconveniente.
A eficácia ex tunc poderá ser utilizada nos casos em que não seja afetada a confiança que os particulares depositaram
na Administração (171º/1, segunda parte CPA). A base da eficácia da revogação é a ideia de que as mudanças de
critério dos órgãos administrativos só podem afetar o futuro, não o passado, só o afetando a título excecional (ex.
particulares concordam). Salvo se a lei dispuser de forma diferente, seguindo o princípio geral de direito, as
revogações sancionatórias não têm caráter retroativo.
Anulação administrativa: ato administrativo que, fundado na invalidade de um ato administrativo anterior, se
destina a destruir os seus efeitos. Poder de controlo em vista da reposição da legalidade, suprimindo-se o ato que
a ofende.
A anulação administrativa, em regram reporta a sua eficácia ao momento da prática do ato invalido – eficácia ex
tunc (“desde então”) (171º/3, primeira parte).
Bem se compreende esta diversidade de regimes: com efeito, se o ato a extinguir era originariamente inválido,
justifica-se plenamente que o órgão administrativo decida anulá-lo, destruindo a plenitude das suas consequências,
consideradas desde a data em que se começaram a produzir; mas já se o ato a extinguir, sendo originariamente
válido e continuando a sê-lo, se revela agora meramente inoportuno, mal seria que pudessem ser retroativamente
destruídos os seus efeitos jurídicos já produzidos, uma vez que a prática do ato revogado há de ter sido como
suporte a melhor apreciação à data do interesse público.
Distinguem-se quanto aos efeitos e quanto ao fundamento. No que toca aos efeitos, enquanto a anulação, em
regra, produz efeitos jurídicos retroativos, a revogação produz efeitos apenas para o futuro. Há, no entanto,
exceções e esta regra, pelo que não é a melhor forma de distinguir estes atos. Assim, a melhor forma de o fazer é
quanto ao fundamento. Neste caso, a anulação tem por fundamento a invalidade do ato primário, enquanto a
revogação tem por fundamento a inconveniência, inoportunidade ou o demérito do ato anterior.
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Ditas as coisas desta forma, torna-se claro que a revogação e a anulação pertencem à categoria dos atos
secundários/2º grau, pois os seus efeitos jurídicos recaem sobre um ato anteriormente praticado, não se
concebendo a sua existência desligada desse ato preexistente. Estas figuras têm como conteúdo a decisão de
extinguir os efeitos do ato anterior que é seu objeto. Note-se que são atos administrativos e por isso seguem o
regime desses.
Figuras afins:
Atos administrativos de conteúdo contrário ou oposto ao de um ato anteriormente praticado (ex. demissão):
os poderes exercidos não se destinam imediatamente a atuar sobre um ato administrativo anterior, antes
representam o exercício de uma competência dirigida à prática de atos pertencentes a um tipo legal diferente.
Não revogam nem anulam o ato primário, apenas extinguem a situação jurídica por ele criada.
Suspensão de um ato administrativo anterior: o conteúdo do ato de suspensão é a mera paralisação temporária
da eficácia de um ato administrativo anterior.
Retificação: explica-se melhor o sentido do ato ou corrige-se erros ou imprecisões, o que não tem implicações
com os efeitos jurídicos do ato.
Alteração ou Substituição de atos administrativos: o órgão administrativo exerce a sua competência dispositiva
como na revogação, mas não prescinde de disciplinar de outra maneira a situação da vida regulada pelo ato
administrativo anterior, fazendo isso através de um ato cujos efeitos de direito são parcialmente, quanto à
alteração, ou totalmente, quanto à substituição, distintos dos do ato alterado ou substituído. Estas figuras, tal
como a revogação, também importam a extinção dos efeitos produzidos por ato administrativo anterior. O
artigo 173º/1 CPA impede que se use estas figuras como fraude à lei, para não ter de seguir o regime da
revogação, quando na realidade o fim é esse.
Ratificação, reforma e conversão: nestas visa-se salvaguardar alguns ou a totalidade dos efeitos já produzidos
por um ato anulável anterior, sanando-os assim como os respetivos atos consequentes, ao contrário do que
acontece com a anulação administrativa que elimina os efeitos de um ato administrativo anterior.
Regra da modificabilidade dos atos administrativos: os atos administrativos são em regra e por natureza
modificáveis, tendo os órgãos administrativos a faculdade de, respeitados certos limites, extinguir os efeitos dos
atos que anteriormente praticaram, desde que os reputem como inválidos ou inconvenientes. Ora, a
modificabilidade é uma característica própria do ato administrativo, pois a função administrativa visa regular
situações presentes ou futuras em regra.
2. Atos cujos efeitos já tenham sido destruídos através de anulação contenciosa ou de revogação com eficácia
retroativa (166º/1, alíneas b) e c) CPA), visto que faltam os efeitos sobre os quais possa recair o ato revogatório
ou anulatório;
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3. Atos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem todos produzidos ou esgotados, não podendo estes ser
alvo de revogação com eficácia ex nunc, pois já não estão a produzir efeitos. Podem, no entanto, ser alvo de
anulação administrativa ou revogação com eficácia retroativa, pois pode eliminar-se os efeitos já produzidos
pelo ato e que perdurem na ordem jurídica (166º/2).
O artigo 167º estabelece regimes diferentes para os atos livremente revogáveis, atos de revogação proibida e atos
de revogação condicionada.
Atos Livremente Revogáveis: ora, os atos administrativos são por norma livremente revogáveis, produzindo a
revogação em regra efeitos para o futuro. Tudo se percebendo atendendo ao princípio constitucional da
prossecução do interesse público a que a administração está vinculada. Contudo, a revogação deve ser sempre
tomada com precaução e não de forma completamente descondicionada (ex. princípio da igualdade pode excluir
a revogação de um ato válido desfavorável).
Atos de Revogação Proibida: existem situações em que o órgão administrativo, não deparando com uma
impossibilidade absoluta de revogação, não deve, todavia, sob pena de ilegalidade, revogar atos que haja
anteriormente praticado.
1) Não podem revogar-se atos que tenham sido praticados no exercício de poderes vinculados ou de estrita
obediência a uma imposição legal (167º/1, primeira parte CPA), sob pena de ser praticada uma revogação
ilegal, por se gerar uma violação da lei inicialmente acatada.
2) Também não podem ser revogados os atos válidos de que resultem para o seu autor obrigações legais ou
direitos irrenunciáveis (167º/1, segunda parte), pois revogar esse ato seria ignorar a obrigação imposta por
uma lei, e consequentemente violar essa lei ou renunciar a um direito que a lei considera irrenunciável, sendo,
portanto, uma revogação ilegal.
Atos constitutivos de direitos: podem ser revogáveis, mas dentro de certas condições, atendendo ao princípio
da segurança jurídica e proteção da confiança.
Para este efeito consideram-se atos constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam
situações jurídicas de vantagem ou eliminem ou limitem deveres, ónus, encargos ou sujeições, salvo quando a sua
precariedade decorra da lei ou da natureza do ato (167º/3 CPA).
Estes atos atribuem posições jurídicas subjetivas de vantagem a particulares, e, portanto, à luz do princípio da
confiança, os cidadãos têm o direito de poder confiar que as decisões incidentes sobre os seus direitos ou posições
jurídicas, alicerçadas em normas jurídicas e válidas, produzem efeitos previstos e prescritos pelas mesmas.
Existe, por isso, uma tendencial irrevogabilidade dos atos constitutivos de direitos. São excluídos desses atos
constitutivos de direitos, os atos precários que são praticados em cenários de incerteza ou de risco e atendendo
que surgem da necessidade de salvaguarda da capacidade de reagir perante novas circunstâncias objetivas ou tendo
em conta novas informações ou conhecimentos entretanto adquiridos pela Administração.
Os atos constitutivos de direitos podem, segundo o artigo 167º/2 CPA, alíneas a) e b), ser revogados na parte em
que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários ou no caso de todos os interessados darem a sua
concordância à revogação do ato, desde que não se trate de direitos ou interesses indisponíveis. Estes dois casos
têm em comum o facto de a revogação não prejudicar as posições subjetivas dos particulares, no todo ou então
com consentimento dos interessados.
A revogação de atos constitutivos de direitos torna-se possível ainda nos casos em que nem sequer existe razão
de ser para a criação de uma situação de confiança legítima, ou seja, se tiver sido imposta uma reserva de revogação
(167º/1, alínea d) e 149º CPA), visto que o seu destinatário sabe desde início que o ato pode ser revogado.
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Por último, este género de atos pode ser revogado para garantir a prevalência do interesse público, isto é, mesmo
que exista uma situação de confiança legitima, entende-se que o interesse público deve prevalecer face aos
interesses privados, exigindo-se que a lei pague ao particular uma indemnização. Assim, desde que seja
demonstrada, fundamentadamente, a existência de um interesse público cuja satisfação à luz de um juízo de
ponderação deva prevalecer sobre o interesse privado de um particular na manutenção do ato e desde que se
garanta ao particular uma justa indemnização pecuniária, deve ser possível a revogação de um ato constitutivo de
direitos, apesar de termos de atender que esta situação é claramente excecional.
Ainda podemos referir os casos da alínea c) do artigo 167º/1 CPA, em que será possível a revogação dos atos
constitutivos de direitos, quando supervenientemente surgem conhecimentos técnicos e científicos ou existe uma
alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais não seriam praticados os atos. O prazo para a
revogação fundada nestas razões é de 1 ano (ou dois fundadamente) a contar do conhecimento ou da alteração.
A revogação leva a que os particulares tenham direito a uma indemnização por sacrifício, salvo nos casos em que
a afetação do direito, elimine ou restrinja o conteúdo essencial desse direito, tendo o beneficiário de boa-fé do ato
revogado direito a uma indemnização correspondente ao valor económico do direito eliminado ou da parte do
direito que tiver sido restringida.
O único fundamento da anulação administrativa é a invalidade do ato anterior (165º/2 CPA). Se o fundamento
invocado para a anulação administrativa for de inconveniência ou pretensa ilegalidade, este ato de anulação sofre
de violação de lei.
Quanto à generalidade de atos administrativos, a anulação administrativa, segundo o artigo 168º/1 CPA, pode
ocorrer no prazo de 6 meses a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade ou
desde o momento da cessação do erro, quando a invalidade resulta de erro, desde que não tenham passado 5 anos
da emissão do erro.
Se estiverem em causa atos constitutivos de direitos, o prazo será de um ano a contar da data da respetiva emissão
(168º/2 CPA), salvo nas circunstâncias do art.º 168º/4 CPA (se a lei ou o DUE não fixarem prazo diferente) em
que o prazo é de 5 anos a contar da respetiva emissão. A anulação de atos constitutivos de direitos atribui aos
beneficiários que desconhecessem sem culpa a existência da invalidade e tenham auferido, tirado partido ou feito
uso da vantagem em que o ato os colocava, o direito de serem indemnizados pelos danos anormais que sofram
em consequência da anulação (168º/6 CPA).
Como se articula a anulação administrativa de atos administrativos com a impugnação administrativa dos mesmos?
Quando o ato a anular pela administração tenha sido objeto de impugnação contenciosa, a anulação só pode ter
lugar até ao encerramento da discussão (168º/3 CPA). Se o ato a anular administrativamente se tiver tornado
inimpugnável por via jurisdicional (prazos no artigo 58º/2 CPTA), tal ato só pode ser objeto de anulação oficiosa
(168º/5 CPA). O ato ilegal que não for objeto de anulação administrativa por decurso do tempo, poderá ser
revogado mais tarde com fundamento na sua inconveniência, visto que não podem ter um regime de maior
garantia de irrevogabilidade que os atos válidos.
Os efeitos da anulação administrativa estão presentes nos artigos 171º e 172º CPA, apresentando que os efeitos
do ato anulado se têm como não produzidos, tornando-se os atos de execução e os atos consequentes do ato
renovado ilegais e as operações materiais desencadeadas ao abrigo do ato revogado tornam-se ilícitas. Tudo se
passa como se o ato nunca tivesse existido. A administração tem o dever de reconstituir a situação que existiria se
o ato anulado não tivesse sido praticado.
Autor do ato (169º/2/3 CPA): No que toca à revogação, o seu fundamento é a competência dispositiva do autor
do ato sobre a matéria a decidir.
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Quanto à anulação administrativa, o seu fundamento é o poder de autocontrolo associado à competência
dispositiva, visto que quem pratica o ato está obrigado a controlar a legalidade desse ato.
O art.º 169º/6 dispõe que os atos administrativos praticados por órgão incompetente podem ser objeto de
anulação administrativa pelo órgão competente para a sua prática, mas não podem ser por este revogados, porque
o dever de anular atos ilegais não inclui o poder de os revogar por motivos de mérito.
Superior Hierárquico: o superior hierárquico tem competência para revogar e anular administrativamente o ato
praticado pelo seu subalterno, com a ressalva de que não pode revogar atos praticados ao abrigo da competência
exclusiva do subalterno, ou seja, esta faculdade do superior hierárquico só existe nos casos de competência comum
(fundamento é a competência dispositiva) e competência própria (fundamento é o poder de supervisão). O
exercício desta faculdade pode resultar da avocação do superior hierárquico ou da interposição de recurso
hierárquico por parte do interessado (169º/1 CPA e 197º/1 CPA).
Delegante/Subdelegante: este tem poderes de revogar ou anular administrativamente os atos praticados pelo
delegado ou pelo subdelegado, no âmbito dos poderes cujo exercício lhes foi transferido (169º/4 CPA). O
fundamento é a ideia de que se o delegante pode a qualquer momento revogar o ato de delegação, pode também
anular ou revogar os atos praticados ao abrigo dessa delegação, desde que os considere ilegais ou inconvenientes.
Órgão com poderes de superintendência e tutela: a competência de revogar e anular os atos praticados pelos
órgãos sujeitos a superintendência e tutela só existe a título excecional, quando é expressamente incluída nos
poderes e superintendência e tutela, não sendo uma competência geral dos órgãos que exercem poderes de
superintendência e tutela (169º/5 CPA).
Forma e formalidades da revogação e da anulação administrativa: importa ter em mente que “os atos se
desfazem pela mesma forma por que são feitos”, não figurante neste âmbito um princípio de liberdade de forma,
mas sim um princípio de identidade das formas, ou seja, a forma e formalidades do ato revogatório ou anulatório
devem seguir a forma e formalidades do ato revogado ou ato anulado.
Quanto às formalidades, apresenta o artigo 170º/3 CPA, que deverão ser observadas na revogação e anulação as
formalidades exigidas para a prática do ato revogado ou anulado que se mostrem indispensáveis à garantia do
interesse público ou dos direitos e interesses legalmente protegidos dos interessados.
Quanto à forma, a regra é a de que o ato revogatório e anulatório deve revestir a forma prevista para o ato revogado
ou anulado, salvo disposição especial em contrário (170º/1 CPA). Existem 2 exceções a esta regra (170º/2 CPA):
quando a lei não estabelecer forma especial alguma para a prática do ato anulado ou revogado; quando o ato
revogado ou anulado tiver revestido forma mais solene do que a legalmente prevista.
2. Principais classificações
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DA – Carolina Roriz
As espécies de regulamentos administrativos podem ser apuradas à luz de quatro critérios fundamentais: um
primeiro, que atende à sua relação com a lei, um segundo que atende ao seu objeto, um terceiro que atende ao
âmbito da sua aplicação e um quarto que atende à projeção da sua eficácia.
Quanto à sua relação com a lei, poderão ser de duas espécies: complementares ou de execução e independentes
ou autónomos (expresso no artigo 112º/6/7), consoante sejam aqueles que desenvolvem ou aprofundam a
disciplina jurídica constante de uma lei ou sejam aqueles que os órgãos administrativos elaboram no exercício da
sua competência para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou
complementar nenhuma lei em especial.
Os regulamentos complementares têm como tarefa a pormenorização, detalhe e complemento do comando
legislativo, sendo o desenvolvimento da previsão legislativa tornando assim possível a aplicação desta a situações
concretas de vida. Estes poderão ser espontâneos ou devidos, consoante a lei nada diga sobre a necessidade da
sua complementarização ou no caso de a adoção do regulamento ser necessária para dar exequibilidade à própria
lei, sendo imposta à Administração a tarefa de o fazer, no prazo de 90 dias no silêncio da lei. Sendo os regulamentos
de execução secundum legem, serão ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei.
Por outro lado, os regulamentos independentes têm como missão estabelecer autonomamente a disciplina jurídica
que há de pautar a realização das atribuições específicas cometidas pelo legislador às entidades consideradas.
Nestes regulamentos a lei apenas se limita a definir a competência objetiva e subjetiva, sem necessidade de
definição do conteúdo dos comandos normativos a emitir pelo regulamento, existindo, portanto, uma liberdade
de definição desse conteúdo.
O artigo 112º CRP expressa requisitos formais tanto para os regulamentos complementares como para os
independentes: os primeiros devem indicar expressamente a lei que visa complementar e os segundos devem
indicar expressamente a lei ou leis que atribuem especificamente competência para a emissão desse regulamento
– lei habilitante.
Quanto ao seu objeto, podem ser regulamentos de organização, de funcionamento e de polícia.
Os regulamentos de organização são aqueles que procedem à distribuição das funções pelos vários departamentos
e unidades de uma pessoa coletiva pública, bem como à repartição de tarefas pelos diversos agentes que lá
trabalham.
Os regulamentos de funcionamento são aqueles que disciplinam a vida quotidiana dos serviços públicos.
Os regulamentos de polícia são aqueles que impõe limitações à liberdade individual com vista a evitar que, em
consequência da conduta perigosa dos indivíduos, se produzam danos sociais (ex. regulamento de transito) – são
sempre externos. Estes últimos assumem diversa relevância no domínio da administração local, no qual se
distingue posturas (regulamentos de polícia locais independentes) e regulamentos policiais (regulamentos de
polícia locais complementares).
Quanto ao âmbito da sua aplicação, podem ser regulamentos gerais, locais e institucionais, consoante se
destinem a vigorar em todo o território nacional, o seu âmbito de aplicação seja limitado a uma dada circunscrição
territorial ou sejam emanados de institutos públicos ou associações públicas, para terem aplicação apenas às
pessoas que se encontrem sob sua jurisdição.
Quanto à projeção da sua eficácia, podem ser regulamentos internos ou externos. Os primeiros produzem seus
efeitos jurídicos unicamente no interior da esfera jurídica da entidade de que emanam. Os segundos (únicos
considerados no artigo 135º CPA) são aqueles que produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos de
direito diferentes, isto é, em relação a outras pessoas coletivas públicas ou a particulares. Apenas vale para os
regulamentos externos o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.
Distinção entre regulamento e a lei: estas figuras só podem ser distinguidas em aspetos orgânicos e formais,
isto é, será uma lei todo o ato normativo que provenha de um órgão com competência legislativa e que assuma a
forma de lei, e será um regulamento o ato normativo emanado por um órgão com competência regulamentar e
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DA – Carolina Roriz
que revista a forma de regulamento. Importa perceber que o regulamento só é válido se uma lei de habilitação
conferir competência para a sua emissão. O regulamento contrário à lei é ilegal. A lei só pode ser impugnada
diretamente com fundamento em inconstitucionalidade junto do TC. Por outro lado, o regulamento ilegal é, em
regra, impugnável administrativa e contenciosamente com fundamento em ilegalidade, podendo excecionalmente
ser impugnado diretamente perante o TC.
Distinção entre regulamento e ato administrativo: ambos são atos unilaterais, contudo, o primeiro é um ato
normativo geral e abstrato e o segundo é um ato individual e concreto, reportando-se a uma pessoa ou pessoas
perfeitamente identificadas e visa regular uma certa situação bem caracterizada.
Esta distinção ganha relevância nas matérias de interpretação e integração (regulamento segue o regime das normas
jurídicas e o ato administrativo não), de vício e formas de invalidade (o regulamento segue o regime das leis e o
ato administrativo, em regra, o do negócio jurídico) e de impugnação contenciosa (os regulamentos podem ser
impugnados em quaisquer tribunais, ao contrário dos atos administrativos que, salvo nos casos de nulidade, só
pode ser anulado pelos tribunais administrativos ou órgãos competentes para a anulação administrativa. Por outro
lado, os termos da impugnação contenciosa são diferentes).
4. O procedimento regulamentar
A lei geral disciplina a tramitação procedimental da elaboração dps regulamentos administrativos, no quadro de
um regime geral do procedimento administrativo, aplicável tanto a regulamentos como a atos administrativos (art.º
97º e ss. CPA).
O art.º 97º CPA apresenta o direito de petição em matéria regulamentar, ficando o particular obrigado a
fundamentar a sua petição e a Administração a informar o particular do destino dado à petição bem como os
fundamentos da posição que tomar em relação a ela.
Importa distinguir 3 situações: (1) regras regulamentares em falta são necessárias para dar exequibilidade a certos
atos legislativos carentes de regulamentação: a Administração é obrigada a tornar a lei exequível, sob pena de
incorrer em ilegalidade por omissão sancionável jurisdicionalmente; (2) aquelas estão em causa normas
regulamentares diretamente lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares: a lei reconhece
expressamente aos interessados o direito a solicitar a modificação, suspensão, revogação ou declaração de
invalidade de regulamentos administrativos diretamente lesivos (137º e 147º)); (3) restantes: a Administração
conserva a sua autonomia em matéria de exercício do poder regulamentar, sendo por isso, a petição do interessado,
só por si, insuficiente para desencadear o procedimento regulamentar, necessitando de uma decisão para isso de
um órgão competente (ex. 98º/1 – apresenta a forma do inicio do procedimento).
No art.º 99º, o CPA apresenta a imposição de os regulamentos serem aprovados com base num projeto,
acompanhado por uma nota justificativa fundamentada, a qual deve incluir uma ponderação dos custos e
benefícios (princípio da boa administração) das medidas projetadas, pretendendo-se proporcionar ao órgão com
competência regulamentar o conhecimento de todos os aspetos merecedores de ponderação e ajudar a esclarecer
dúvidas de interpretação.
O art.º 100º CPA apresenta o princípio da audiência prévia dos interessados (que é obrigatória quando o
regulamento afete de modo direto e imediato direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares,
podendo em certos casos ser dispensada) e o artigo 101º apresenta o princípio da consulta pública dos projetos
de regulamento, estando estes em harmonia com os princípios de colaboração dos particulares e da participação.
O artigo 139º apresenta que a eficácia dos regulamentos externos depende da sua publicação.
Os regulamentos iniciam a sua vigência na data que neles estiver fixada ou, nada sendo fixado, 5 dias após a
publicação (art.º 140º).
Inderrogabilidade singular dos regulamentos: Os órgãos com competência regulamentar podem modificar,
suspender ou revogar um regulamento anterior por via geral e abstrata. Contudo, não lhes é permitido derrogar
os regulamentos externos sem mais em casos isolados, mantendo-se esse regulamento em vigor para os restantes
casos. O regulamento que derroga outro num caso concreto e individual não é realmente um regulamento, mas
sim um ato administrativo que, violando um regulamento, é ilegal (142º/2 CPA).
Esta regra é justificada pelo princípio da legalidade, visto que a Administração está subordinada a todo o
ordenamento jurídico e, portanto, também às regras que ela própria elabora, até porque os regulamentos não
teriam função útil se a Administração os pudesse deixar de observar. O princípio da igualdade também exige esta
figura, na medida em que aplicar o regulamento a todos os casos excetuando um ou dois pode levar a desigualdade.
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Os regulamentos podem cessar a sua vigência por: caducidade (art.º 145º CPA), revogação (art.º 146º), declaração
administrativa (art.º 144º) ou contenciosa de ilegalidade com força obrigatória geral (art.º 72º e ss. CPTA).
1. Reclamação
É o meio de impugnação de um ato administrativo perante o seu próprio autor, fundamentando-se na competência
dispositiva que o autor do ato tem para revogar, anular, substituir ou modificar um ato por si praticado
anteriormente.
Em regra, pode reclamar-se de qualquer ato administrativo, exceto de um ato que decida anterior reclamação ou
recurso administrativo, salvo com fundamento em omissão de pronúncia (191º/2 CPA).
A impugnação contenciosa não depende, em regra, de reclamação administrativa prévia e a reclamação é sempre
facultativa. Veja-se que a reclamação, quando proposta, suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato
administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação
administrativa ou com o decurso de respetivo prazo legal (190º/3 CPA). Mas a suspensão não impede o
interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa nem de
requerer a adoção de providências cautelares (190º/4 CPA).
O prazo regra é de 15 dias para apresentar uma reclamação (191º/3 CPA) e de 30 dias para o órgão competente
decidir sobre a reclamação (192º/2 CPA). Em caso de silêncio do órgão competente, segue-se o recurso
administrativo ou ação de condenação à prática do ato devido.
2. Recurso hierárquico
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Garantia dos particulares que consiste em requerer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação
ou anulação de um ato administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um ato ilegalmente omitido pelo
mesmo.
Em princípio, o superior hierárquico pode substituir-se ao subalterno, exceto se este dispuser de competência
exclusiva, caso em que, havendo recurso hierárquico, só pode o superior ordenar ao subalterno a prática de atos
que lhe afigurarem adequados (197º/1 CPA).
O recurso hierárquico pressupõe sempre uma estrutura tripartida: o recorrente – particular que interpõe recurso;
recorrido – órgão subalterno de cuja decisão se recorre; órgão decisório – órgão superior para quem se recorre e
que deve decidir o recurso.
Pressupostos do recurso hierárquico: que haja hierarquia, que tenha sido praticado ou omitido um ato
administrativo por um subalterno e esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva.
São contratos administrativos todos os contratos que, à luz do direito administrativo, criem, modifiquem
ou extingam relações jurídico-administrativas;
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São contratos públicos os contratos celebrados pela AP (entidades adjudicantes referidas no CCP) que, sendo
regulados pelo direito administrativo ou pelo direito privado, sejam submetidos por lei a um especial
procedimento de formação, regulado por normas decorrentes do DUE.
Daqui resulta que quase todos os contratos administrativos são contratos públicos, mas nem todos os contratos
públicos são contratos administrativos, pois também cabem na noção dada alguns contratos de direito privado
celebrados pela AP.
Em resumo, há três categorias de contratos que interessam ao Direito Administrativo:
1. Contratos administrativos que são contratos públicos;
2. Contratos administrativos que não são contratos públicos;
3. Contratos públicos que não são contratos administrativos, em especial os contratos de direito privado da AP,
não regulados pelo CCP.
Art.º 2º/1: Estado; Regiões Autónomas; Autarquias locais; Institutos públicos; Entidades administrativas
independentes; Banco de Portugal; Fundações públicas; Associações públicas; Associações destas entidades
adjudicantes (verificados determinados requisitos) – Setor Público tradicional.
Nos termos do art.º 2º/2 são ainda entidades adjudicantes os “organismos de direito público”. Aqui integram-
se quaisquer pessoas coletivas que, independentemente da sua natureza pública ou privada tenham sido criadas
especificamente para satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial. São aquelas
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cuja atividade económica não se submete à lógica concorrencial do mercado, designadamente por não terem fins
lucrativos ou por não assumirem os prejuízos resultantes da sua atividade.
São ainda organismos de direito público as entidades que demonstrem uma dependência funcional, a aferir por
uma de entre estas situações: financiamento maioritário, controlo da gestão, designação da maioria dos titulares
dos órgãos de administração ou fiscalização pelas entidades adjudicantes do setor público tradicional ou por outros
organismos de direito público.
Art.º 7º - Setores especiais gozam de uma aplicação diferenciada do regime da contratação pública, em função
da entidade adjudicante. Referimo-nos aqui às atividades exercidas nos setores da água, energia, transportes e
serviços postais. Estas entidades só se submetem ao regime dos contratos públicos em relação aos contratos que
estão abrangidos em relação ao objeto e valor pelas diretivas.
A notar: regime mais “generoso” abrangendo apenas contratos de valor igual ou superior aos limiares de aplicação
das diretivas – art.º 474º – para as entidades adjudicantes previstas no art.º 7 º/1 e para os “organismos de direito
público” do art.º 2 º/2.
Temos ainda uma extensão do âmbito de aplicação aos contratos subsidiados – celebrados por pessoas coletivas
de direito privado, que não reúnem as condições para ser de direito público, mas que do DUE obriga a que
cumpram as regras relativas aos contratos públicos. Isto acontece quando se utiliza direitos públicos (ex. bazuca
europeia).
Outra situação de extensão tem a ver com os concessionários de obras públicas que não sejam entidades
adjudicantes, que não pertencem ao grupo 1 (não são entidades da AP), nem ao grupo 2 (não são de direito
público), no entanto, celebraram um contrato de concessão de obras públicas, em que o Estado lhes transferiu
um conjunto de competências, inclusive o direito de expropriação por utilidade pública, ficando abrangidos, pelo
art.º 2º CPA.
Dito isto, fica definido o âmbito de aplicação objetivo e subjetivo, em termos muito gerais, não entrando em
especificidades que se colocam nesta matéria.
Os princípios têm um especial âmbito de aplicação, porque, designadamente na fixação prévia das regras e ao
longo da avaliação que é feita da capacidade dos concorrentes, há uma ampla margem de discricionariedade,
discricionariedade essa que é reduzida ao impor-se que as entidades divulguem previamente as “regras do jogo”,
havendo uma autovinculação.
Estamos numa matéria em que o direito tem vindo a reduzir a discricionariedade, quer através de regras mais
pormenorizadas e densificadas, quer através da imposição de autovinculação das entidades adjudicantes, através
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da fixação e divulgação prévia das “regras do jogo”, nos regulamentos. O regulamento é um instrumento da
autovinculação da entidade adjudicante. Tal não fica preceituado no código porque varia de acordo com os casos.
6. Diálogo concorrencial – procedimento no qual a entidade adjudicante publicita a sua intenção de celebrar
um determinado contrato nos meios oficiais nacionais, e eventualmente também nos meios internacionais,
podendo qualquer operador económico solicitar participar, mas em que só os operadores económicos
qualificados são posteriormente convidados pela entidade adjudicante a apresentar uma solução.
Após diálogo sobre as soluções apresentadas, é selecionada a solução suscetível de satisfazer as necessidades e
exigências da entidade adjudicante, sendo então os candidatos qualificados convidados a apresentar a proposta –
art.º 204º.
Difere porque não há apresentação de uma proposta, mas sim de uma solução, pois a entidade adjudicante não
tem conhecimento do que o mercado está disponível para oferecer para resolver um problema e pretende uma
solução. Só depois de escolhida a solução é que pode haver uma proposta.
7. Parceria para a inovação – procedimento no qual a entidade adjudicante publicita a sua intenção de celebrar
um determinado contrato nos meios oficiais nacionais, e eventualmente também nos meios internacionais,
podendo incluir a qualificação prévia dos candidatos a apresentar uma proposta de projeto de investigação e
desenvolvimento
Após a análise dos projetos, é celebrado o contrato de parceria com um só concorrente ou com vários
concorrentes – art.º 218º-A.
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De notar que, utilizando o critério do potencial universo subjetivo abrangido, é possível distinguir entre:
1. Procedimentos pré-contratuais abertos – todos aqueles que estão abertos à apresentação de proposta por
todos os interessados que preencham as condições exigidas, característica que apenas se verifica no concurso
público.
* Conformidade plena e mais intensa com os princípios
2. Procedimentos pré-contratuais semiabertos – todos aqueles que aqueles que, num primeiro momento, estão
abertos a todos os interessados que preencham as condições fixadas pela entidade adjudicante, mas onde só
podem apresentar proposta os operadores económicos que sejam posteriormente convidados pela entidade
adjudicante, após uma fase de qualificação característica que se verifica no concurso limitado por prévia
qualificação, procedimento de negociação, diálogo concorrencial e na parceria para a inovação.
*Conformidade com os princípios, conjugando em especial, o interesse público na garantia da aptidão para
contratar dos operadores económicos mais qualificados, em função do mérito / a igualdade de tratamento como
“igualdade na diferença” ou material.
3. Procedimentos pré-contratuais fechados – todos aqueles em que aqueles em que só podem apresentar
proposta os operadores económicos convidados e escolhidos pela entidade adjudicante característica que se
verifica no ajuste direto e no procedimento de consulta prévia.
* Prevalência do princípio da prossecução do interesse público, designadamente de celeridade/procedimento
“inimigo” do princípio da igualdade e das liberdades de circulação, mas aceite em situações excecionais, de
interpretação restritiva [TJUE] ou em valores contratuais reduzidos.
Critérios de escolha do procedimento pré-contratual – art.º 17º a 33º: em função do valor do contrato, em
função de critérios materiais, outros.
Se o critério for o do valor contratual: consoante cada tipo de procedimento, não se pode ultrapassar um
determinado valor do contrato – consagração do princípio da igualdade e dos objetivos de abertura à concorrência.
Quanto maior for o impacto financeiro do contrato (para o mercado europeu e internacional), maiores são as
exigências da liberalização e abertura à concorrência e mais formalizado deverá ser o procedimento, em ordem a
respeitar os princípios aplicáveis.
Quanto ao ajuste direto, pode ser escolhido a título excecional, por motivos de interesse público ou das
características do mercado: para quaisquer contratos (art.º 24º); para empreitadas de obras públicas (art.º 25º); para
aquisição ou locação de bens móveis (art.º 26º); para aquisição de serviços (art.º 27º) (art.º 27º-A: preferência pelo
procedimento de consulta prévia).
Pode adotar-se o concurso público ou o concurso limitado sem publicação de anúncio no JOUE nos casos em
que é permitido o recurso ao ajuste direto, com exceção dos casos em que: só é possível convidar um operador
económico; quando não é possível definir especificações contratuais suficientemente precisas, em especial quando
se trate de serviços de natureza intelectual (art.º 28º).
No procedimento de negociação a escolha depende sempre de critérios materiais e não do valor do contrato (art.º
29º), bem como no diálogo concorrencial (art.º 29º) e na parceria para a inovação (art.º 30º-A).
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Principais peças do procedimento: anúncio/convite; programa do procedimento; caderno de encargos.
Programa do procedimento – art.º 41º: Regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação
do contrato até à sua celebração, o procedimento pré contratual, incluindo as “regras do jogo”.
Caderno de encargos – art.º 42º: peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a
celebrar.
Preço base (art.º 47º) – preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas
as prestações que constituem objeto do contrato e que foi tido em conta para a escolha do procedimento,
caso o critério tenha sido o do valor do contrato.
Deve ainda referir-se os impedimentos/motivos de exclusão – art.º 55º, 55º-A e 57º e os conflitos de interesse
art.º 1º-A/3/4. Tem inteira aplicação aqui o regime do CPA.
Proposta – Declaração negocial pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de
contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo.
Atributo da proposta – qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um “aspeto de execução
do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos”. A proposta visa preencher os espaços deixados
em branco pelo caderno de encargos. O caderno de encargos não estabelece regras para certos aspetos e espera-
se que seja o operador económico a preencher estes atributos – corresponde aos critérios ou subcritérios de
adjudicação. São esses critérios que são alvo de avaliação e justificam a escolha da proposta.
Exclusão das propostas:
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