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A escritora, Hannah Arendt nasceu a 14 de outubro de 1906, na cidade alemã de

Linden, na antiga Prússia Oriental. Era oriunda de uma família de etnia judaica com
passado em Königsberg e seus pais, Paul e Martha haviam estudado Engenharia e
tinham na sua casa uma vasta biblioteca repleta de clássicos.

A família, antes da morte de Paul em 1909, muda-se para Königsberg. Graças à


sua mãe, ingressa na Universidade de Berlim, em condições especiais, onde estudou
latim, grego e teologia. Iniciou os seus estudos universitários em Marburg, em 1924 e é
nesta época em que tem os seus primeiros contactos com a filosofia graças a contactos
com Ernst Grumach, aluno de Heidegger. Em 1929 apresenta a sai tese de
doutoramento dedicada aos pensamentos de Santo Agostinho, casa-se com Günther
Stern e muda-se para Frankfurt. Em meados de 1930, a situação política na Alemanha já
estava a ser consumida pelo Nazismo, e, em 1933, Hannah é detida por oito dias.
Quando saiu em liberdade, ela e o marido abandonam a Alemanha inicialmente para
Praga, mas depois seguiu para Paris. Divorciou-se em 1937, e em 1940 torna a casar,
desta vez com Heinrich Blüncher. Em 1941, após a invasão alemã em França, Hannah e
o marido refugiam-se nos Estados Unidos.

Hannah escreveu num estilo próprio, relacionando os acontecimentos da época


com as teorias que ofereceram uma nova abordagem para lidar com os mesmos. Há um
tema em comum em todas as suas reflexões: a vida política. Analisa acontecimentos
históricos sem partir de conceitos já evidenciados no mundo histórico e filosófico, mas
sim, com base dos fenómenos em si. Deste modo, não só se dedicou a uma abordagem
histórica, mas também à introdução de factos verídicos dos acontecimentos.

O livro Eichmann em Jerusalém foi publicado em maio de 1963. A autora faz a


cobertura do processo do julgamento de Adolf Eichmann em Jersusalém, em 1961, a
convite da revista The New Yorker.

Adolf Eichamnn nasceu a 19 de março de 1906 em Solingen e era o filho mais


velho de cinco irmãos. Graças a isso, não conseguiu acabar a escola secundária, nem
ingressar na escola vocacional de Engenharia. Enquanto Adolf tinha um mau
aproveitamento escolar, o seu pai deixou o seu antigo negócio e comprou uma pequena
empresa de mineração onde determinou que o filho trabalhasse nela como um mineiro
comum só até ele conseguir um emprego no departamento de vendas da Companhia
Oberösterreichischer Elektrobau, onde ficou por pouco mais de 2 anos. A sua proximidade
com a comunidade judaica começa aqui nesta altura porque depois de ter deixado a
Companhia Elektrobau austríaca, consegue um cargo na Companhia de Óleo a Vácuo de
Viena que diz ter sido oferecido, mas na verdade, este trabalho foi-lhe arranjado por um
judeu chamado Weiss. 5 anos passados na Companhia de Óleo, em 1932 filia-se ao
Partido Nacional Socialista e entrou para a SS, a convite de Ernst Kaltenbrunner, e, assim,
Eichmann acabou como chefe de secção do B-4. Desde logo aperceberam-se de que
Eichamnn desempenhava um papel fundamental no âmbito do partido: o Bloco onde
trabalhava era responsável pela logística de deportação das populações dos guetos da
Europa Oriental (o de Varsóvia era o maior) para os campos de concentração onde a
população era vítima de exploração de trabalho escravo. Isto porque a ideologia nazista
difundiu-se rapidamente para países da Europa de Leste e Oeste. Na obra é reforçado o
grande dom de Eichmann: «Havia duas coisas que ele sabia fazer bem, melhor do que os
outros: organizar e negociar». Neste sentido, Eichmann era essencial porque sem esta
logística da linha férrea não era possível transportar as massas para os campos, sendo
ele, assim, considerado um dos principais cúmplices do genocídio.

Eichmann quando foi capturado pelo Serviço Secreto Israelense, a 13 de maio de


1960, encontrava-se nas periferias de Buenos Aires e atendia pelo nome de Ricardo
Clemente, havia fugido para a Argentina após a 2ª Guerra Mundial. O seu julgamento,
desde a sua primeira audiência até à sua execução na noite de 31 de maio de 1962, foi
muito intenso. O ambiente do julgamento em si foi muito pesado, visto como se fosse um
espetáculo com a presença de uma quantidade absurda de comunicação social. O
julgamento de Nuremberga já tinha acontecido, portanto Eichmann foi o último a ser
julgado pelos crimes da 2ª Guerra Mundial culpado pela morte de 40 mil judeus na Polónia,
o que agitou todos os meios de comunicação. Mas desde o início, Eichmann defendeu a
sua inocência perante a lei, tanto que antes das suas declarações, o seu advogado, Robert
Servatius, responde logo à imprensa que «Eichmann se considera culpado perante Deus,
não perante a lei». Na cabeça de Eichmann ele era inocente e não compreendia a ideia de
estar a ser acusado por um assassinato: «Com o assassinato dos judeus não tive nada a
ver. Nunca matei um judeu, nem um não-judeu; simplesmente não fiz isso». Eichmann
afirma nunca ter tido tempo, muito menos vontade de se informar adequadamente, daí
nunca ter conhecido o programa do Partido e nunca lera Mein Kampf. Na verdade, o
programa do Partido nunca foi levado a sério pelos funcionários nazistas: «eles se
orgulhavam de pertencer a um movimento, que não devia ser confundido com um partido,
e um movimento não podia se prender a um programa».

Para além disso, Eichmann era considerado um «perito na questão judaica».


Especializou-se em assuntos judeus através da Noite das Facas Longas, onde os judeus
estavam ainda inconscientes do crescente do poder da SS e chegam até a cooperar com
«a solução da questão judaica». Eichmann quando fez os primeiros contactos com
funcionários judeus falou de uma «ressurreição judaica, um «grande movimento
construtivo do judaísmo alemão» e ainda discutiram entre eles se a emigração judaica era
desejável, em termos ideológicos. O primeiro livro sério que Eichmann leu foi Der
Judenstaat de Theodor Herzl, o clássico livro sionista, que chegou a converter Eichamnn
ao sionismo «imediatamente e definitivamente». O sionismo é um movimento político que
defende a criação de um Estado judeu soberano e o retorno dos judeus para Israel. Ainda
explicita que a razão do seu grande fascínio pelo judaísmo era um «idealismo» seu, ou
seja, ele era um «idealista», um homem que vivia para a sua ideia. Sendo ele um
«idealista» tinha sentimentos e emoções pessoais, mas não podia permitir que as suas
ideias interferissem com as suas ações. E ainda, no livro fala de um negócio que teve
com o maior «idealista» judeu, Dr.Rudolf Kastner, que firmou um acordo que Eichmann
permitiria a partida «legal» de alguns milhares de judeus para a Palestina em troca de
«ordem e tranquilidade» em Auschwitz.

Ao longo do julgamento, Hannah define Eichmann como um burocrata consciente


que somente a cumprir um juramento de lealdade ao Führer, com medo que a sua
deslealdade fosse projetada sobre a sua família. Ainda com poucas capacidades de juízos
filosóficos e morais, Eichmann não era um «monstro» tal como era descrito. A escritora
tem essa perspetiva a partir da observação dos seus depoimentos, que fazem com que
ela chegue à dimensão da ideia de que ela cria e explora nesta obra, que dá lugar ao
subtítulo da obra, Um relato sobre a banalidade do mal. Isto tudo se baseia numa ideia de
hierarquia e da burocratização que ultrapassa a ética moral da pré-modernidade. Nas
sociedades mais pequenas, do interior, rurais, todos se conheciam e todas as ações
tinham um grande peso no seio da comunidade, porque no fundo alguém tinha feito mal
a outra pessoa que de alguma forma lhe era próxima, conhecia a vítima e os familiares, o
que não acontece no contexto analisado na obra, onde a intimidade é menor devido à
massificação social e o processo de responsabilidade individual complexou-se devido às
transformações a nível tecnológico que vincula o militarismo. Isto distanciou os que
praticavam dos que sofriam, a proximidade que causava a dor do mandatário acaba
porque deixam de presenciar a dor, não vêem o pedido de impedimento da vítima que
quando é assistido há sempre a tentação de reversão da situação, há uma distanciação
da dor e a morte torna-se burocratizada e industrial com a cooperação das tecnologias.
No caso do Holocausto, a tecnologia foi essencial para o extermínio em massa dos judeus
graças às famosas câmaras de gás e os crematórios que permitiram que matassem
diretamente as vítimas, evitando a dor e possíveis traumas depois do sucedido. A autora
defende que o maior culpado pela morte da camada populacional judaica foi a máquina
da propaganda nazista que remete para uma morte simbólica dos judeus que faz com que
os inimigos percam toda a sua solidariedade. Deste modo, Hannah analisa atentamente
na sua obra uma situação ocorrida na Roménia, onde vigorava um regime satélite da
Alemanha nazista que transportava judeus para o país e os soldados romenos da SS
tinham o costume de golpearem os judeus na rua quando eram transportados para os
comboios. Este comportamento é repreendido e considerado bárbaro por ser feito em
público, com pessoas a presenciarem a agressão, porque segundo o SS toda a violência
tinha de ser alheia aos outros respeitando todas as etapas: deportação do judeu,
escoamento para os campos, visita médica para analisar a capacidade do judeu e estipular
que papel teria no campo e livrarem-se de todos os pertences que carregavam para a sua
entrada oficial nos campos de concentração. O operador das câmaras de gás era o mais
próximo das vítimas nos momentos dos assassinatos.

Hannah, segundo a sua ideia da banalidade do mal, conclui que o julgamento não
foi perante um homem maldoso com ideias antissemitas, mas sim por um simples
burocrata, um sujeito medíocre que tinha renunciado a saber quais eram as
consequências dos seus atos. Nesta sequência, a autora ainda acredita que Eichmann
possa ter sido usado como uma espécie de protótipo para a inocência da comunidade
civil. O que chocou a comunidade judaica na época foi que Hannah, sendo judaica, estava
a defender alguém responsável pela maior catástrofe da sua comunidade. Mas lá está, a
sua ideia de que Eichmann era um simples funcionário que cumpria regras continua
presente, mas não deixa de dar ênfase ao facto de mesmo alguém sem as ideias de Hitler
ter sido capaz de causar um grande mal para a sociedade e reflete de como a banalidade
do mal é tão responsável pelo mal causado pelo Hitler tanto como o próprio Hitler. O mal
mesmo tendo sido banalizado, aconteceu e em grandes proporções.

No fundo, a obra coleta duas provocações: o facto das lideranças da comunidade


judaica terem forçado os judeus a terminarem as suas vidas nos campos de concentração
e a possível culpa que seria desenvolvida caso a Alemanha e o nazismo tivessem vencido
este conflito mundial.

A autora carrega uma grande contribuição para a filosofia política: os crimes contra
a humanidade. Hannah mesmo tendo uma «voz pequena» foi capaz de atravessar os
tempos sombrios e tentar perceber o que se passou naqueles tempos na Alemanha. E
como a própria cita numa outra obra sua: «Até nos tempos mais sombrios temos o direito
de esperar ver alguma luz, e que tal iluminação pode bem provir». Apesar de Hannah
nunca se ter considerado filósofa, era sem dúvida uma das pensadoras mais originais da
filosofia política no século XX, enfatizando a liberdade. Filosoficamente, Arendt tenta
articular a ideia de liberdade política, que na sua perspetiva, esteve um pouco coberta no
âmbito das revoluções modernas. Ela é descrita como uma «Neo-Aristotelean
philosopher». Hannah é associada ao filósofo da Antiguidade Clássica em relação ao
princípio da Isonomia que é defendido pelos dois, que trata da equalização de normas
entre os indivíduos que visa a liberdade e a igualdade, e, consequentemente, gera a
felicidade. Como foi estudado no âmbito da cadeira, o conceito de Isonomia de Aristóteles
é mais próximo da ideia de justiça. A ideia de dar a cada um o que é seu de acordo com
as suas desigualdades, amplia e revoluciona o pensamento sobre o que é igualdade. A
igualdade era vital para a sociedade e se é preciso haver igualdade, também é preciso
haver justiça. O princípio da Isonomia consistia em «tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualavam» e surge como
sinónimo de igualdade, só de maneira mais complexa, pois seria injusto não tratar os
mesmos desiguais de acordo com as suas diferenças e limitações. Esta tese é de grande
importância para o Direito pelo facto de ser capaz de proporcionar uma harmonia social,
com o meio de evitar desigualdades e injustiças.
Em suma, Hannah Arendt foi uma filósofa revolucionária no âmbito do julgamento
do Eichmann, porque por mais que fosse judaica, conseguiu analisá-lo como ser humano,
análise que ninguém conseguiu ter em conta, de forma a realmente entender o porquê
de ter agido como agiu, como cita na sua obra A Condição Humana: “A essência dos
Direitos Humanos é o direito a ter direitos”.
Referências bibliográficas

[1963] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém;

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitos-humanos/eichmann-em-jerusalem-um-relato-
sobre-a-banalidade-do-mal/;

https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788571649620/eichmann-em-jerusalem;

https://brasilescola.uol.com.br/biografia/hannah-arendt.htm;

https://istoe.com.br/ha-60-anos-israel-sentava-nazista-adolf-eichmann-no-banco-dos-reus/;

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sionismo;

https://www.webartigos.com/artigos/o-principio-da-isonomia-a-luz-do-pensamento-aristotelico-e-
a-necessidade-de-aplicacao-do-mesmo-em-nossa-sociedade/160666;

https://www.jstor.org/stable/23955552;

https://www.youtube.com/watch?v=c2pcB09JoIQ;

https://www.youtube.com/watch?v=oB1icdkuux4&t=1042s.

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