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DIREITO

ADMINISTRATIVO II

▪ Prof. Dr. Licínio Lopes Martins


▪ Prof. Dr. Bernardo Azevedo

Marisol Vale
2019/2020
I. REGULAMENTO ADMINISTRATIVO

1. NOÇÃO E FUNDAMENTO

Consideram-se regulamentos administrativos “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos” – artigo 135.º CPA.
Os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades competentes no exercício da
função administrativa, com valor infralegal e destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas
(designadamente, das disposições normativas diretamente aplicáveis da União Europeia).

O regulamento caracteriza-se como norma geral (com destinatários indeterminados) e abstrata (aplicável a
situações da vida indeterminadas), de execução permanente (“vigência sucessiva”).

2. TIPOS DE REGULAMENTOS

2.1. REGULAMENTOS GERAIS, ESPECIAIS E SETORIAIS

• REGULAMENTOS GERAIS: regulam relações externas relativas à generalidade das pessoas;


• REGULAMENTOS ESPECIAIS: regulam relações jurídicas especiais de direito administrativo com dimensões
internas e externas;
• REGULAMENTOS SETORIAIS: regulam um setor de atividade económica ou social.

2.2. REGULAMENTOS EXTERNOS E INTERNOS

• REGULAMENTOS EXTERNOS: regulamentos aplicáveis a quaisquer relações intersubjetivas (também às


relações inter-administrativas).
− Estes regulamentos são judicialmente impugnáveis.

• REGULAMENTOS INTERNOS: regulamentos que se limitam a disciplinar a organização ou funcionamento de


uma pessoa coletiva ou de um órgão, na medida em que não tenham caráter relacional nem envolvam dimensões
pessoais, bem como os regulamentos operacionais que determinam auto-vinculações internas na interpretação e
aplicação das leis, designadamente no exercício de poderes discricionários.
− Estes regulamentos não são judicialmente impugnáveis, nem vale para eles o princípio da
inderrogabilidade singular.
− Apesar disso, estes têm relevância jurídica, designadamente os regulamentos operacionais porque,
por um lado, são impugnáveis no âmbito da Administração e, por outro lado, o seu incumprimento pode ser sintoma
ou indício de arbitrariedade, de violação do princípio da igualdade ou de mau uso dos poderes discricionários.

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2.3. REGULAMENTOS MEDIATAMENTE E IMEDIATAMENTE OPERATIVOS

• Os regulamentos são, em regra, MEDIATAMENTE OU INDIRETAMENTE OPERATIVOS – na medida em que


regulam em abstrato as atuações administrativas, os seus efeitos só se produzem na esfera jurídica dos destinatários
através de atos concretos de aplicação, administrativos ou judiciais.

• Existem, porém, regulamentos DIRETAMENTE OU IMEDIATAMENTE OPERATIVOS, que produzem os seus


efeitos diretamente na esfera jurídica dos destinatários, sem necessidade de um ato específico de aplicação, bastando
que a pessoa preencha em concreto os requisitos fixados abstratamente na norma.
− É isso que acontece, por exemplo, com os regulamentos que proíbem ou impõem condutas específicas
a pessoas determinadas ou determináveis, bem como os que determinam ou modificam um determinado
estatuto ou os que fixam o custo de um bem ou serviço.
− Também são regulamentos imediatamente operativos os planos urbanísticos com “eficácia
plurisubjetiva”, na medida em que vinculam direta e imediatamente os particulares.

3. ESPÉCIES DE REGULAMENTOS GERAIS EXTERNOS

3.1. CLASSIFICAÇÃO DOS REGULAMENTOS GERAIS EXTERNOS

• REGULAMENTOS EXECUTIVOS OU DE EXECUÇÃO DE LEI, que são necessários à execução ou, pelo menos, à
boa execução das leis: organizam procedimentos, pormenorizam, interpretam, ou integram lacunas (por analogia) de
leis específicas.

• REGULAMENTOS COMPLEMENTARES, que visam completar um determinado regime legal, seja


desenvolvendo-o, quando a lei se limite a estabelecer as respetivas bases gerais (regulamentos de desenvolvimento),
seja utilizando o quadro legal para regular situações especiais não previstas (regulamentos de integração/“de
utilização de lei”/“integrativos”).

• REGULAMENTOS AUTORIZADOS: a Administração, com base em habilitação legal expressa, disciplina


inovatoriamente certas matérias. Em geral, devem considerar-se constitucionalmente proibidos, admitindo-se
(excecionalmente) em certos domínios, de que constituem exemplo os regulamentos que têm por objeto a matéria
de planeamento urbanístico, em virtude da necessidade de conjugar e coordenar interesses transversais
(simultaneamente interesses locais, regionais e nacionais, como, p. ex., o ambiente e o ordenamento do território).

• REGULAMENTOS DE SUBSTITUIÇÃO OU DELEGADOS: proibidos pelo n.º 5 do artigo 112.º da CRP. Por virtude
da reserva de lei formal, a CRP não admite qualquer tipo de delegação ou de deslegalização de matérias que devam
ser objeto de uma intervenção primária de lei formal (leis, decretos-leis ou decretos legislativos regionais).

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• REGULAMENTOS INDEPENDENTES: não obstante pressuporem sempre uma norma legal habilitante que
estabeleça a respetiva competência, este tipo de regulamentos são assim designados por não se destinarem a
executar, completar ou aplicar uma lei específica ou determinada; têm por objeto dinamizar a ordem jurídica em geral
ou um conjunto de leis, disciplinando “inicialmente” certo tipo de relações sociais, na medida em que são emitidos ou
no exercício de poderes normativos próprios de produção normativa primária pelas organizações autoadministradas
(regulamentos autónomos), que se encontram constitucionalmente garantidos para as administrações autónomas
territoriais (artigos 227.º/d) e 241.º), devendo também admitir-se no âmbito da administração autónoma profissional
(ordens profissionais) e no âmbito das universidades públicas (p. ex., os estatutos universitários).

Mais problemática é a admissão de regulamentos independentes no âmbito das designadas autoridades
reguladoras independentes, que integram o sector da Administração indireta independente do Governo. Neste
âmbito, numa aceção constitucionalmente mais restrita, apenas deveriam admitir-se regulamentos de execução de
leis. No entanto, em face dos cada vez mais amplos espaços normativos delegados pelas leis nestas autoridades,
constata-se que dispõem de um poder normativo genérico para a emissão de regulamentos complementares das leis,
senão mesmo para a emissão – constitucionalmente, no mínimo, muito problemática – de regulamentos
independentes, assistindo-se a uma deslegalização de matérias sujeitas a intervenção primária de lei formal.

Dúvidas constitucionais na doutrina quanto aos regulamentos independentes do Governo, em face dos n.ºs
6 e 7 do artigo 112.º da CRP: alguma doutrina defende que o Governo dispõe de uma competência universal em
matéria administrativa, desde que incida apenas em matérias constitucionalmente não reservadas à intervenção
primária da lei, tendo habilitação constitucional, para efeito, no artigo 112.º/6, e na alínea g) do artigo 199.º da CRP.

4. O PROCEDIMENTO REGULAMENTAR

4.1. FASE PREPARATÓRIA

a) INICIATIVA:
Os procedimentos dirigidos à emissão de regulamentos são sempre de natureza oficiosa, embora o artigo 97.º
do CPA preveja o direito de petição, através do qual os interessados podem solicitar aos órgãos administrativos
competentes a elaboração, modificação ou revogação de regulamentos (n.º 1), reconhecendo-lhes o direito de serem
informados dos fundamentos da posição que em relação às petições apresentadas forem tomadas (n.º 2). E
respeitando o princípio da transparência, o início do procedimento é alvo de publicitação na Internet, no sítio
institucional da (respetiva) entidade pública (n.º 1 do artigo 98.º do CPA).

b) INSTRUÇÃO:
Corresponde ao momento da elaboração do projeto de regulamento (articulado do regulamento),
ponderando-se e comparando-se os vários interesses envolvidos, devendo elaborar-se uma nota justificativa

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fundamentada sobre as posições adotadas, que têm de incluir uma ponderação da relação custo-benefício das
medidas projetadas (artigo 99.º do CPA).

c) PARTICIPAÇÃO/AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS:


Quando as disposições contidas no regulamento afetem de modo direto e imediato direitos e interesses
legalmente protegidos, o órgão responsável pela direção do procedimento tem de submeter o projeto dentro do prazo
razoável, à audiência dos interessados que como tal se tenham constituído no procedimento (artigo 100.º do CPA).

• CASOS DE DISPENSA E DE INEXISTÊNCIA DE AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS:


O responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência quando:
− A emissão do regulamento seja urgente; seja razoavelmente de prever que a diligência possa
comprometer a execução ou a utilidade do regulamento;
− O número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível,
devendo nesse caso proceder-se a consulta pública;
− Os interessados já se tenham pronunciado no procedimento sobre as questões que importam
à decisão.
Em qualquer caso, a decisão final deve indicar os fundamentos da não realização da audiência (n.º 3 e
4 do artigo 100.º do CPA).

• CONSULTA PÚBLICA:
Quando o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível ou
quando a natureza da matéria o justifique, deve, nesse caso, proceder-se a consulta pública, para recolha de
sugestões, procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2.ª série do Diário da República ou na publicação
oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade pública em causa (artigo 101.º do
CPA).

• POSSIBILIDADE DE ACORDOS ENDOPROCEDIMENTAIS:


Quando as circunstâncias o justifiquem, podem ser estabelecidos os termos de acompanhamento
regular do procedimento por acordo endoprocedimental com as associações e fundações representativas dos
interesses envolvidos e com as autarquias locais em relação à proteção de interesses nas áreas das respetivas
circunscrições – artigos 57.º e 98.º/2 do CPA.

d) ELABORAÇÃO DO PROJETO FINAL DO REGULAMENTO:


Atendendo ou não às sugestões, críticas ou reivindicações dos particulares é elaborado o projeto final do
regulamento, que no caso de o projeto ter sido sujeito a consulta pública implica a respetiva menção no preâmbulo
do regulamento (artigo 101.º/3 do CPA).

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4.2. FASE CONSTITUTIVA

Nos termos do artigo 55.º do CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final
(n.º 1), mas o órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu o poder de direção do
procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a isso obviarem as
condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em
diretiva interna respeitante a certos procedimentos (n.º 2), sendo que nos órgãos colegiais aquela delegação é
conferida a membro do órgão ou a agente dele dependente (n.º 4).
Pelo que, concretizando-se a fase constitutiva com o ato de aprovação do regulamento pelo órgão
competente, pode suceder que o órgão competente para o aprovar se recuse de forma expressa ou implícita a aprová-
lo, extinguindo-se, assim, o procedimento ou, eventualmente, podendo ser retomado em moldes diferentes.

4.3. FASE INTEGRATIVA DE EFICÁCIA

É constituída pelas formalidades que desencadeiam os efeitos jurídicos – externos - do regulamento, e entre
elas encontram-se a publicitação ou os atos que constituam o resultado de procedimentos de controlo.

A publicidade é condição de eficácia do regulamento (artigo 139.º do CPA e artigo 119.º/2 da CRP).

✓ Artigo 139.º do CPA: a produção de efeitos do regulamento depende da respetiva publicação, a fazer
no Diário da República, sem prejuízo de tal publicação poder ser feita também na publicação oficial da
entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa.

✓ Artigo 119.º da CRP: nota relativa ao requisito formal e comum a todos os regulamentos externos:
artigo 136.º do CPA – sendo que, embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no
presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública
que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as
denominações de «diretiva», «recomendação», «instruções», «código de conduta» ou «manual de boas
práticas» (n.º 4).

5. FORMAS REGULAMENTARES MAIS IMPORTANTES

• REGULAMENTOS DO GOVERNO:
− Forma de decreto regulamentar, designadamente quando sejam regulamentos independentes (artigo
112.º/6 da CRP);
− Forma de resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando correspondam ou contenham
normas regulamentares;

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− Forma de portarias genéricas, emitidas por um ou mais Ministérios, mas em nome do Governo;
− Forma de despachos normativos de um ou mais Ministros.

• REGULAMENTOS DOS ÓRGÃOS DA REGIÕES AUTÓNOMAS: os mais importantes assumem a forma de


decretos regulamentares regionais (artigo 233.º/1 da CRP).

• REGULAMENTOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS: não assumem uma forma típica única ou típica (p. ex., os
“regulamentos locais de polícia” revestem frequentemente a forma de posturas, que muitos casos são sistematizadas
ou compiladas em códigos de posturas municipais).

• REGULAMENTOS DAS DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS (p. ex., institutos públicos e administração autónoma
profissional): em geral, não revestem formas específicas, salvo quanto aos estatutos que sejam aprovados pelas
próprias pessoas coletivas públicas, como sucede com as universidades e respetivas faculdades e departamentos.

6. PRINCÍPIOS JURÍDICOS RELATIVOS À ATIVIDADE REGULAMENTAR EXTERNA

Tratando-se de uma forma da ação administrativa, a atividade regulamentar encontra-se sujeita aos princípios
gerais da atividade administrativa, designadamente:

• O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, concretizado:


− No primado da lei, incluindo, naturalmente, o primado da Constituição;
− Na precedência da lei, assumindo especial importância o princípio constitucional da reserva
parlamentar e a inerente exigência de densidade legal acrescida (nas matérias reservadas ao Parlamento são
de admitir os regulamentos executivos, sendo inadmissíveis regulamentos independentes do Governo,
embora seja de admitir, ainda que de forma limitada, regulamentos independentes autónomos, por razões
ligadas à harmonização ou concordância prática entre o princípio da reserva de lei e a garantia das autonomias
normativas, como sucede com as Regiões Autónomas e as autarquias locais).

• PRINCÍPIOS SUBSTANCIAIS DA JURIDICIDADE: p. ex., os princípios da igualdade e da proporcionalidade, cuja


valia normativa é geral (isto é, aplicável a todos os regulamentos), incluindo os que tenham carácter
predominantemente técnico, como acontece com muitos regulamentos emitidos pelas autoridades reguladoras
independentes.

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7. REGIME ESPECIAL APLICÁVEL À ATIVIDADE REGULAMENTAR EXTERNA

Vale, em especial, o regime que consta dos artigos 137.º a 147.º, designadamente:

• Obrigatoriedade da emissão de regulamentos executivos (n.º 1 do artigo 137.º do CPA): quando a


adoção de um regulamento seja necessária para dar exequibilidade a ato legislativo carente de
regulamentação (em geral, o prazo para a emissão do regulamento é, no silêncio da lei, de 90 dias);

• Proibição da simples revogação de regulamentos executivos que sejam necessários à execução de atos
legislativos (n.º 1 do artigo 137.º do CPA);

• Caducidade dos regulamentos como consequência da revogação das leis que visem executar, exceto
nas situações em que sejam compatíveis com as novas leis e até que sobrevenha nova regulamentação, de
forma a evitar o vazio normativo-regulamentar (artigo 145.º do CPA);

• Regra geral da irretroatividade dos regulamentos, exceto quanto aos regulamentos de atos legislativos
retroativos e dos regulamentos necessários à execução das leis (artigo 141.º do CPA);

• Regra geral da inderrogabilidade singular dos regulamentos: os regulamentos externos obrigam os


particulares e a própria Administração que é a sua fonte orgânica, devendo todas as autoridades
administrativas observá-los nos casos concretos a que aqueles se apliquem e enquanto vigorarem, incluindo
a própria entidade autora do regulamento, que só poderá deixar de o cumprir ou dele divergir se – e quando
– o revogar (artigo 142.º/2 do CPA);

• A título excecional, a admissibilidade da recusa de aplicação de regulamentos administrativos:


competência de recusa de aplicação limitada a certos órgãos administrativos de regulamentos que considerem
inconstitucionais ou contrários ao Direito da União Europeia ou ilegais, mas desde que a anti juridicidade seja
manifesta e esse juízo seja feito por ministros ou órgãos superiores da Administração autónoma e quando
estes tenham competência regulamentar;

• Sujeição a impugnabilidade administrativa: a reclamação para o autor do regulamento ou recurso


hierárquico para o órgão hierarquicamente competente para a respetiva declaração de invalidade,
modificação, suspensão, revogação ou para a condenação à emissão, quando exista uma omissão ilegal da
emissão de um regulamento (artigo 147.º do CPA);

• Impugnabilidade judicial direta dos regulamentos para os Tribunais administrativos (artigo 268.º/5 da
CRP e artigo 72.º e ss. do CPTA): esta tem de fundamentar-se na ilegalidade do regulamento (e não na apenas
na inconstitucionalidade, por a apreciação desta, em abstrato, constituir reserva do Tribunal Constitucional).
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Relação com o conceito de regulamento direta ou imediatamente operativo e de regulamento mediata ou
indirectamente operativo.

8. RELAÇÃO ENTRE REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS EXTERNOS

→ REGRA GERAL: nas relações entre regulamentos administrativos vigora a inexistência de hierarquia e,
portanto, a paridade de força ou valor normativo; trata-se de atos normativos regulamentares de valor
infraconstitucional e infralegal. Até porque o âmbito de aplicação dos regulamentos é delimitado pelas atribuições e
competências de cada pessoa coletiva pública, pelo que as possíveis situações de hierarquia ou de conflitos normativos
entre regulamentos são excecionais.

As possíveis situações de conflito são resolvidas com recurso às conhecidas regras gerais que regem as relações
entre “normas gerais” e “normas especiais”, preferindo a aplicação da “norma especial”, mesmo que seja anterior (é
o que sucede nos municípios na relação entre regulamentos que estabeleçam planos de pormenor e regulamentos
definidores de planos diretores municipais, ou entre os “regulamentos municipais – que prevalecem sobre os
regulamentos das freguesias -, salvo se estes configurarem normas especiais” – artigo 138.º/2 do CPA).

• Relações entre os regulamentos governamentais, no domínio das atribuições concorrentes do


Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais: prevalecem os regulamentos governamentais sobre os
regulamentos regionais e autárquicos e das demais entidades dotadas de autonomia regulamentar, salvo se estes
configurarem normas especiais (artigo 138.º/1 do CPA). No entanto, temos de atender aos princípios da
subsidiariedade, da autonomia local e da descentralização.

• Relações entre os (próprio) regulamentos governamentais:


− Prevalência para os decretos regulamentares (por disporem de um valor formal reforçado pela
promulgação do Presidente da República);
− Para as Resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando consistam em regulamentos
(pelo seu valor substancial reforçado, que lhe advém da aprovação em Conselho de Ministros), portarias normativas
e despachos normativos ou genéricos (artigo 138.º do CPA).

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9. A INVALIDADE DOS REGULAMENTOS – artigo 143.º CPA

→ REGRA GERAL: são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios
gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia
(artigo 143.º/1 do CPA).
Mas são ainda inválidos (artigo 143.º/2 do CPA):
− Os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados dos órgãos hierarquicamente
superiores ou dotados de poderes de superintendência;
− Os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação
incluir a competência regulamentar;
− Os regulamentos que desrespeitem os estatutos emanados ao abrigo de autonomia normativa nas
quais se funde a competência para a respetiva emissão.

9.1. REGIME DE INVALIDADE (artigo 144.º CPA)

→ Regra geral: a invalidade do regulamento pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode,
também a todo o tempo, ser declarada pelos órgãos administrativos competentes.

→ Exceção: os regulamentos que enfermem de ilegalidade formal ou procedimental da qual não resulte a sua
inconstitucionalidade só podem ser impugnados ou declarados oficiosamente inválidos pela Administração no prazo
de seis meses, a contar da data da respetiva publicação, salvo nos casos de carência absoluta de forma legal ou de
preterição de consulta pública exigida por lei.

• Retroatividade e efeito repristinatório: a declaração administrativa de invalidade produz efeitos desde a data
de emissão do regulamento e determina a repristinação das normas que ele haja revogado, salvo quando estas sejam
ilegais ou tenham deixado por outro motivo de vigorar, devendo o órgão competente reconhecer o afastamento do
efeito repristinatório, quando este se verifique.

o Limite à retroatividade: a retroatividade da declaração de invalidade não afeta os casos julgados nem
os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, salvo quando se trate de atos desfavoráveis
para os destinatários.

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9.2. REQUISITOS DE VALIDADE DOS REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS

• SUJEITO:
o Atribuições da pessoa coletiva pública;
o Competência do órgão (competência material e territorial);
o Legitimação do órgão (isto é, do sujeito).

• CONTEÚDO/SUBSTÂNCIA:
o Licitude do conteúdo/validade/legalidade do regime do regulamento;
o Exigência de habilitação legal (princípio da precedência de lei).

• PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DO REGULAMENTO:


o Participação dos interessados/audiência dos interessados;
o Consulta pública, quando legalmente exigível;
o Necessidade de audição de (outras) entidades públicas, quando exigida por lei;
o Observância de outras formalidades ou atos procedimentais que sejam legalmente exigíveis, em
função do tipo de regulamento a emitir.

• FORMA:
o A forma da emissão do regulamento;
o Fundamentação (análise do custo-benefício, quando exigível);
o Menção expressa da habilitação legal;
o Forma de decretos regulamentares dos regulamentos independentes do Governo.

NOTA: tal como sucede com o ato administrativo, também nos requisitos de validade do regulamento é
possível equacionar situações de ilegalidade/invalidade especialmente graves (nulidade) e situações de
ilegalidade/invalidade menos graves (anulabilidade), daí a referida distinção de regimes de impugnação entre os n.ºs
1 e 2 do artigo 144.º do CPA.

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