Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ADMINISTRATIVO II
Marisol Vale
2019/2020
I. REGULAMENTO ADMINISTRATIVO
1. NOÇÃO E FUNDAMENTO
Consideram-se regulamentos administrativos “as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de
poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos” – artigo 135.º CPA.
Os regulamentos são quaisquer normas emanadas pelos órgãos ou autoridades competentes no exercício da
função administrativa, com valor infralegal e destinadas, em regra, à aplicação das leis ou de normas equiparadas
(designadamente, das disposições normativas diretamente aplicáveis da União Europeia).
O regulamento caracteriza-se como norma geral (com destinatários indeterminados) e abstrata (aplicável a
situações da vida indeterminadas), de execução permanente (“vigência sucessiva”).
2. TIPOS DE REGULAMENTOS
P á g i n a 1 | 10
2.3. REGULAMENTOS MEDIATAMENTE E IMEDIATAMENTE OPERATIVOS
• REGULAMENTOS EXECUTIVOS OU DE EXECUÇÃO DE LEI, que são necessários à execução ou, pelo menos, à
boa execução das leis: organizam procedimentos, pormenorizam, interpretam, ou integram lacunas (por analogia) de
leis específicas.
• REGULAMENTOS DE SUBSTITUIÇÃO OU DELEGADOS: proibidos pelo n.º 5 do artigo 112.º da CRP. Por virtude
da reserva de lei formal, a CRP não admite qualquer tipo de delegação ou de deslegalização de matérias que devam
ser objeto de uma intervenção primária de lei formal (leis, decretos-leis ou decretos legislativos regionais).
P á g i n a 2 | 10
• REGULAMENTOS INDEPENDENTES: não obstante pressuporem sempre uma norma legal habilitante que
estabeleça a respetiva competência, este tipo de regulamentos são assim designados por não se destinarem a
executar, completar ou aplicar uma lei específica ou determinada; têm por objeto dinamizar a ordem jurídica em geral
ou um conjunto de leis, disciplinando “inicialmente” certo tipo de relações sociais, na medida em que são emitidos ou
no exercício de poderes normativos próprios de produção normativa primária pelas organizações autoadministradas
(regulamentos autónomos), que se encontram constitucionalmente garantidos para as administrações autónomas
territoriais (artigos 227.º/d) e 241.º), devendo também admitir-se no âmbito da administração autónoma profissional
(ordens profissionais) e no âmbito das universidades públicas (p. ex., os estatutos universitários).
↓
Mais problemática é a admissão de regulamentos independentes no âmbito das designadas autoridades
reguladoras independentes, que integram o sector da Administração indireta independente do Governo. Neste
âmbito, numa aceção constitucionalmente mais restrita, apenas deveriam admitir-se regulamentos de execução de
leis. No entanto, em face dos cada vez mais amplos espaços normativos delegados pelas leis nestas autoridades,
constata-se que dispõem de um poder normativo genérico para a emissão de regulamentos complementares das leis,
senão mesmo para a emissão – constitucionalmente, no mínimo, muito problemática – de regulamentos
independentes, assistindo-se a uma deslegalização de matérias sujeitas a intervenção primária de lei formal.
↓
Dúvidas constitucionais na doutrina quanto aos regulamentos independentes do Governo, em face dos n.ºs
6 e 7 do artigo 112.º da CRP: alguma doutrina defende que o Governo dispõe de uma competência universal em
matéria administrativa, desde que incida apenas em matérias constitucionalmente não reservadas à intervenção
primária da lei, tendo habilitação constitucional, para efeito, no artigo 112.º/6, e na alínea g) do artigo 199.º da CRP.
4. O PROCEDIMENTO REGULAMENTAR
a) INICIATIVA:
Os procedimentos dirigidos à emissão de regulamentos são sempre de natureza oficiosa, embora o artigo 97.º
do CPA preveja o direito de petição, através do qual os interessados podem solicitar aos órgãos administrativos
competentes a elaboração, modificação ou revogação de regulamentos (n.º 1), reconhecendo-lhes o direito de serem
informados dos fundamentos da posição que em relação às petições apresentadas forem tomadas (n.º 2). E
respeitando o princípio da transparência, o início do procedimento é alvo de publicitação na Internet, no sítio
institucional da (respetiva) entidade pública (n.º 1 do artigo 98.º do CPA).
b) INSTRUÇÃO:
Corresponde ao momento da elaboração do projeto de regulamento (articulado do regulamento),
ponderando-se e comparando-se os vários interesses envolvidos, devendo elaborar-se uma nota justificativa
P á g i n a 3 | 10
fundamentada sobre as posições adotadas, que têm de incluir uma ponderação da relação custo-benefício das
medidas projetadas (artigo 99.º do CPA).
• CONSULTA PÚBLICA:
Quando o número de interessados seja de tal forma elevado que a audiência se torne incompatível ou
quando a natureza da matéria o justifique, deve, nesse caso, proceder-se a consulta pública, para recolha de
sugestões, procedendo, para o efeito, à sua publicação na 2.ª série do Diário da República ou na publicação
oficial da entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade pública em causa (artigo 101.º do
CPA).
P á g i n a 4 | 10
4.2. FASE CONSTITUTIVA
Nos termos do artigo 55.º do CPA, a direção do procedimento cabe ao órgão competente para a decisão final
(n.º 1), mas o órgão competente para a decisão final delega em inferior hierárquico seu o poder de direção do
procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a isso obviarem as
condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas fundamentadamente no procedimento concreto ou em
diretiva interna respeitante a certos procedimentos (n.º 2), sendo que nos órgãos colegiais aquela delegação é
conferida a membro do órgão ou a agente dele dependente (n.º 4).
Pelo que, concretizando-se a fase constitutiva com o ato de aprovação do regulamento pelo órgão
competente, pode suceder que o órgão competente para o aprovar se recuse de forma expressa ou implícita a aprová-
lo, extinguindo-se, assim, o procedimento ou, eventualmente, podendo ser retomado em moldes diferentes.
É constituída pelas formalidades que desencadeiam os efeitos jurídicos – externos - do regulamento, e entre
elas encontram-se a publicitação ou os atos que constituam o resultado de procedimentos de controlo.
A publicidade é condição de eficácia do regulamento (artigo 139.º do CPA e artigo 119.º/2 da CRP).
✓ Artigo 139.º do CPA: a produção de efeitos do regulamento depende da respetiva publicação, a fazer
no Diário da República, sem prejuízo de tal publicação poder ser feita também na publicação oficial da
entidade pública, e na Internet, no sítio institucional da entidade em causa.
✓ Artigo 119.º da CRP: nota relativa ao requisito formal e comum a todos os regulamentos externos:
artigo 136.º do CPA – sendo que, embora não tenham natureza regulamentar para efeitos do disposto no
presente capítulo, carecem de lei habilitante quaisquer comunicações dos órgãos da Administração Pública
que enunciem de modo orientador padrões de conduta na vida em sociedade com, entre outras, as
denominações de «diretiva», «recomendação», «instruções», «código de conduta» ou «manual de boas
práticas» (n.º 4).
• REGULAMENTOS DO GOVERNO:
− Forma de decreto regulamentar, designadamente quando sejam regulamentos independentes (artigo
112.º/6 da CRP);
− Forma de resoluções normativas do Conselho de Ministros, quando correspondam ou contenham
normas regulamentares;
P á g i n a 5 | 10
− Forma de portarias genéricas, emitidas por um ou mais Ministérios, mas em nome do Governo;
− Forma de despachos normativos de um ou mais Ministros.
• REGULAMENTOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS: não assumem uma forma típica única ou típica (p. ex., os
“regulamentos locais de polícia” revestem frequentemente a forma de posturas, que muitos casos são sistematizadas
ou compiladas em códigos de posturas municipais).
• REGULAMENTOS DAS DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS (p. ex., institutos públicos e administração autónoma
profissional): em geral, não revestem formas específicas, salvo quanto aos estatutos que sejam aprovados pelas
próprias pessoas coletivas públicas, como sucede com as universidades e respetivas faculdades e departamentos.
Tratando-se de uma forma da ação administrativa, a atividade regulamentar encontra-se sujeita aos princípios
gerais da atividade administrativa, designadamente:
P á g i n a 6 | 10
7. REGIME ESPECIAL APLICÁVEL À ATIVIDADE REGULAMENTAR EXTERNA
Vale, em especial, o regime que consta dos artigos 137.º a 147.º, designadamente:
• Proibição da simples revogação de regulamentos executivos que sejam necessários à execução de atos
legislativos (n.º 1 do artigo 137.º do CPA);
• Caducidade dos regulamentos como consequência da revogação das leis que visem executar, exceto
nas situações em que sejam compatíveis com as novas leis e até que sobrevenha nova regulamentação, de
forma a evitar o vazio normativo-regulamentar (artigo 145.º do CPA);
• Regra geral da irretroatividade dos regulamentos, exceto quanto aos regulamentos de atos legislativos
retroativos e dos regulamentos necessários à execução das leis (artigo 141.º do CPA);
• Impugnabilidade judicial direta dos regulamentos para os Tribunais administrativos (artigo 268.º/5 da
CRP e artigo 72.º e ss. do CPTA): esta tem de fundamentar-se na ilegalidade do regulamento (e não na apenas
na inconstitucionalidade, por a apreciação desta, em abstrato, constituir reserva do Tribunal Constitucional).
P á g i n a 7 | 10
Relação com o conceito de regulamento direta ou imediatamente operativo e de regulamento mediata ou
indirectamente operativo.
→ REGRA GERAL: nas relações entre regulamentos administrativos vigora a inexistência de hierarquia e,
portanto, a paridade de força ou valor normativo; trata-se de atos normativos regulamentares de valor
infraconstitucional e infralegal. Até porque o âmbito de aplicação dos regulamentos é delimitado pelas atribuições e
competências de cada pessoa coletiva pública, pelo que as possíveis situações de hierarquia ou de conflitos normativos
entre regulamentos são excecionais.
↓
As possíveis situações de conflito são resolvidas com recurso às conhecidas regras gerais que regem as relações
entre “normas gerais” e “normas especiais”, preferindo a aplicação da “norma especial”, mesmo que seja anterior (é
o que sucede nos municípios na relação entre regulamentos que estabeleçam planos de pormenor e regulamentos
definidores de planos diretores municipais, ou entre os “regulamentos municipais – que prevalecem sobre os
regulamentos das freguesias -, salvo se estes configurarem normas especiais” – artigo 138.º/2 do CPA).
P á g i n a 8 | 10
9. A INVALIDADE DOS REGULAMENTOS – artigo 143.º CPA
→ REGRA GERAL: são inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios
gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia
(artigo 143.º/1 do CPA).
Mas são ainda inválidos (artigo 143.º/2 do CPA):
− Os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados dos órgãos hierarquicamente
superiores ou dotados de poderes de superintendência;
− Os regulamentos que desrespeitem os regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação
incluir a competência regulamentar;
− Os regulamentos que desrespeitem os estatutos emanados ao abrigo de autonomia normativa nas
quais se funde a competência para a respetiva emissão.
→ Regra geral: a invalidade do regulamento pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode,
também a todo o tempo, ser declarada pelos órgãos administrativos competentes.
↓
→ Exceção: os regulamentos que enfermem de ilegalidade formal ou procedimental da qual não resulte a sua
inconstitucionalidade só podem ser impugnados ou declarados oficiosamente inválidos pela Administração no prazo
de seis meses, a contar da data da respetiva publicação, salvo nos casos de carência absoluta de forma legal ou de
preterição de consulta pública exigida por lei.
• Retroatividade e efeito repristinatório: a declaração administrativa de invalidade produz efeitos desde a data
de emissão do regulamento e determina a repristinação das normas que ele haja revogado, salvo quando estas sejam
ilegais ou tenham deixado por outro motivo de vigorar, devendo o órgão competente reconhecer o afastamento do
efeito repristinatório, quando este se verifique.
↓
o Limite à retroatividade: a retroatividade da declaração de invalidade não afeta os casos julgados nem
os atos administrativos que se tenham tornado inimpugnáveis, salvo quando se trate de atos desfavoráveis
para os destinatários.
P á g i n a 9 | 10
9.2. REQUISITOS DE VALIDADE DOS REGULAMENTOS ADMINISTRATIVOS
• SUJEITO:
o Atribuições da pessoa coletiva pública;
o Competência do órgão (competência material e territorial);
o Legitimação do órgão (isto é, do sujeito).
• CONTEÚDO/SUBSTÂNCIA:
o Licitude do conteúdo/validade/legalidade do regime do regulamento;
o Exigência de habilitação legal (princípio da precedência de lei).
• FORMA:
o A forma da emissão do regulamento;
o Fundamentação (análise do custo-benefício, quando exigível);
o Menção expressa da habilitação legal;
o Forma de decretos regulamentares dos regulamentos independentes do Governo.
NOTA: tal como sucede com o ato administrativo, também nos requisitos de validade do regulamento é
possível equacionar situações de ilegalidade/invalidade especialmente graves (nulidade) e situações de
ilegalidade/invalidade menos graves (anulabilidade), daí a referida distinção de regimes de impugnação entre os n.ºs
1 e 2 do artigo 144.º do CPA.
P á g i n a 10 | 10