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Direito Constitucional – II Semestre

1º ano Licenciatura em Direito


FDUP

Comissão de Curso 1º ano 2016/2017

Ana Cláudia Pereira


Ana Guedes

Direito Constitucional – II Semestre 1


Nota Introdutória

Este resumo da matéria da unidade curricular de


Direito Constitucional – II Semestre foi elaborado com
base nos apontamentos das aulas de alguns elementos da
CC1 e nos livros Curso de Direito Constitucional –
volume 2 de Jorge Miranda e Manual de Direito
Constitucional – tomos V e VI do mesmo autor.

Sem dúvida alguma, este instrumento de trabalho


não substitui o estudo aprofundado da matéria, nem a
assistência às aulas teóricas e práticas da disciplina.

Algum erro encontrado, seja a nível técnico ou


estilístico, agradecemos a comunicação do mesmo para o
aperfeiçoamento do documento.

Bom estudo!

A Comissão de Curso do 1º ano 2016/2017

Direito Constitucional – II Semestre 2


Parte IV – A Atividade constitucional do
Estado
Funções do Estado

A função legislativa tem em comum com a função política


uma série de características. A função política é uma função
primária, o que não significa que seja mais importante do que as
demais. Se nós não tivermos lei (em sentido formal, abrange os
3 tipos de atos: lei da Assembleia da República, decreto-lei do
Governo ou decreto legislativo regional das Assembleias
Legislativas Regionais, nos termos do artigo 112º da CRP), a
função administrativa e a função jurisdicional não podem atuar,
porque são funções secundárias às quais cabe aplicar o Direito e
a lei, seja aplicar no âmbito da função administrativa, seja na
jurisdicional. Quando aplicam o Direito, estão a aplicar a lei. Se
não houver lei não há critério de decisão para a administração
ou para o juiz. Num Estado de Direito, a lei geral e abstrata tem
de ser o único critério de decisão. Se não houver previamente
uma norma, não há critério de decisão, não pode haver outro que
não a lei. A função primária é exercida primeiramente em
relação às funções administrativa e jurisdicional. É primária em
termos lógicos e cronológicos, e não em termos de importância.
Da função administrativa podem resultar o ato
administrativo, o contrato administrativo e o regulamento.
Relação entre lei e regulamento:

CRP

LEI

REGULAMENTO

Direito Constitucional – II Semestre 3


Como a função secundária depende da função primária, o
regulamento depende da lei. Não há regulamentos autónomos, o
regulamento existe para especificar uma lei. Este regulamento
serve para executar determinada lei.

Órgãos a quem cabe exercer a função legislativa:


- lei: Assembleia da República
- decreto-lei: Governo
- decreto legislativo regional: Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas
Destes órgãos quais são eletivos? Apenas a Assembleia da
República e as Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas. O Governo não é eletivo, é designado por
nomeação.
Por causa do princípio da tipicidade, são estes os órgãos
que participam na função legislativa. Isso vai determinar que
tenhamos 3 procedimentos legislativos diferentes – parlamentar,
governamental e das assembleias legislativas.
Princípios que os distinguem:

Parlamentar Transparência
Ninguém sabe o que se passa
Governamental numa assembleia do Conselho
de Ministros

Independentemente das diferenças entre lei, decreto-lei e


decreto legislativo regional, são atos legislativos, são atos com
forma de lei.

Atos legislativos

A função legislativa comunga das características da função


política: princípio da oportunidade (determinar o melhor
momento para a sua atuação).

Podemos associar a lei a vários conceitos:


- lei enquanto relação de causalidade

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- lei enquanto norma: no sentido de normal, corresponde à
regularidade estatística, que é estatisticamente frequente

Ligações entre função legislativa e teoria do Direito e do


Estado, quais os fundamentos:
- ligação ao princípio democrático: a lei deve o seu papel central
na teoria do Estado à sua ligação a este princípio democrático
(quod omnes tangit ab omnibus approbare – o que a todos toca
por todos deve ser aprovado)
- o Estado de Direito segue-se ao despotismo esclarecido –
passamos da razão de um à razão de vários: lei equivale a
racionalidade, o Estado de Direito como Estado de legalidade é
aquele que a lei incorpora a razão de todos, e não apenas a razão
de um, o que justifica o lugar central da lei no Estado
constitucional, representativo e de Direito
- na História das Ideias Políticas, lei equivale a forma de
subordinação dos interesses particulares aos interesses gerais, a
lei é uma norma geral e abstrata (aplica-se a todos os indivíduos
e a todas as situações)
- princípio da separação de poderes: a lei é a forma de garantir a
separação de poderes, diz-nos a quem cabe fazer o quê, a lei
distribui as competências
A lei está, deste modo, ligada ao Estado constitucional,
representativo e de Direito pela democracia, pela racionalidade,
pelos interesses gerais e pela separação de poderes.

Os vários autores da História das Ideias Políticas


centraram-se em aspetos que consideraram essenciais para
caracterizar a lei:
- John Locke: a lei era uma forma de garantir direitos e a
propriedade
- Thomas Hobbes: a lei é um modo de tornar efetiva a vontade
do soberano
- Jean Jacques Rousseau: a lei expressa a vontade geral
- Emmanuel Kant: a lei fundamentalmente expressa a vontade
racional, mais do que a vontade geral

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A CRP, quando utiliza o termo lei, pode estar a referir-se a
diferentes conceitos. A referência ao termo lei não é unívoca:
- lei = Direito
- lei = normas de Direito Internacional
- lei = normas centrais, normas da AR ou do Governo apenas,
esquecendo as das Regiões Autónomas
- lei = normas com eficácia externa, normas que produzem
efeitos para terceiros

Distinguem-se dois sentidos diferentes de lei:


- lei em sentido material: lei que tem um elemento normativo
(generalidade e abstração), um elemento de decisão política (a
função legislativa faz parte da função política) e que se rege por
obediência às normas constitucionais
- lei em sentido formal: atos que têm forma e força de lei, isto é,
lei, decreto-lei e decreto legislativo regional (artigo 112º
números 1 e 2 da CRP)

A generalidade corresponde à incidência pessoal ou


subjetiva da norma, “a quem se aplica a norma?”, enquanto que
a abstração corresponde à incidência objetiva da norma, “a que
casos se aplica a norma?”. Se houver verdadeira generalidade, a
resposta será “a todos” e, no caso da abstração, a resposta será
“a todos os casos”.
A generalidade pode ser sucessiva ou simultânea. Temos
normas aparentemente individuais mas que, na verdade, são
gerais – sucessivas (“o Presidente da República pode fazer...”,
aplica-se a todos aqueles que exercerem o cargo, e não apenas
ao titular atual).
Em princípio as normas são abstratas, mas podemos ter
normas que têm em falta abstração, as leis-medida
(Massnahmegestze): leis que são gerais mas não são abstratas,
surgiram para resolver um determinado caso. Não é a situação
desejável mas pode acontecer. Na CRP, no artigo 18º número 3,
não se admitem leis-medida em matéria de restrição de direitos.
Assim, a generalidade é a característica principal de uma norma.

Direito Constitucional – II Semestre 6


A AR aprovou como lei algo que não tem generalidade e
abstração, algo que tem efeitos individuais e concretos. Que
problema temos? Temos um ato administrativo sob forma de lei.
Em termos materiais, não temos uma norma. O Tribunal
Constitucional só pode fiscalizar normas. Qual o conceito de
norma para efeitos de fiscalização? A doutrina divide-se:
- o TC deve olhar à forma e não ao conteúdo
- o TC não pode fiscalizar
O TC tem fiscalizado casos destes, pois, se não fiscalizar,
não há quem fiscalize. Tem admitido a fiscalização de atos
administrativos sob forma de lei partindo do princípio de que a
lei em sentido formal é sempre em sentido material.

Na pirâmide normativa, temos, como já vimos, a


constituição, a lei (função legislativa) e o regulamento (função
administrativa).
Estes regulamentos, que são atos que resultam da função
administrativa, normas gerais e abstratas, não são lei em sentido
formal, serão lei em sentido material?
- há quem diga que sim: Gomes Canotilho, Marcelo Rebelo de
Sousa, Nuno Piçarra
- há quem diga que não: Jorge Miranda considera que lhe falta o
elemento de valoração política, de oportunidade, o regulamento
serve para executar uma lei – os regulamentos não são lei em
sentido material
É desejável que haja uma correspondência entre lei em
sentido material e formal, mas pode não acontecer.

Atos que têm forma de lei são atos que têm força de lei –
relação incindível entre forma e força de lei.

Bartolomé de las Casas defende que, num Estado de


Direito, o governo faz-se sub leges (subordinado à lei) e per
leges (através da lei). Afirma, também, que a legalidade pode ter
duas vertentes, pode corresponder a um:
- princípio da reserva: há matérias que o legislador constituinte
reserva para a lei (Vorbehalt)

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- princípio da primazia: a lei tem primazia em relação aos
regulamentos, tem uma posição hierárquica distinta (Vorrang)

A força de lei pode ser:


Quanto à hierarquia Positiva (a lei Negativa (a lei não
revoga atos se deixa revogar por
inferiores) atos inferiores)
Quanto à função ou Ativa (uma lei Passiva (a lei deve
conteúdo impõe-se a um obediência ao
regulamento em conteúdo da
termos de conteúdo, constituição)
um regulamento
deve obediência ao
conteúdo de uma
lei)

Jean Laband aborda as relações entre lei material e formal.


A situação desejável é a sua correspondência. No entanto,
verificam-se situações não desejáveis, mas que podem
acontecer:
- lei formal não material: subsídio
- lei material não formal: regulamentos como lei em sentido
material

Lei em sentido nominal é lei que tem nome de lei, no caso


português, corresponde à lei da Assembleia da República.
A expressão decreto-lei, quando surgiu pela primeira vez,
designava-se por decreto com força de lei.

Como chegamos à CRP de 1976 em termos de função


legislativa (não vamos antes do século XIX, porque a primeira
constituição data de 1822):
- século XIX: a lei é do Parlamento apenas – salvaguarda do
princípio democrático

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- século XX: voluntarismo e necessidade na intervenção (de
legislar) do Governo, o Parlamento não conseguia fazer face a
todas as necessidades
- constituição de 1911: o Parlamento pode dar autorizações
legislativas ao Governo
- golpe autoritário de 1926
- constituição de 1933: não há Parlamento, quem legisla é o
Governo. Estabelece um primado da competência legislativa
para a Assembleia Nacional, mas esta pode conceder
autorizações ao Governo (este pode legislar em caso de urgência
ou necessidade pública – na prática, tudo o era). O Governo
podia invadir a competência legislativa da Assembleia sem
ninguém o fiscalizar
- em 1945: princípio da paridade da lei (atualmente, encontra-se
no artigo 112º número 2 primeira parte)
- constituição de 1976: voltar ao primado efetivo do Parlamento,
lei corresponde a democracia, à vontade geral, a AR tem
primado (não sendo exclusivo) da função legislativa. O Governo
mantém as suas funções legislativas. Passamos a ter
constitucionalmente previstas duas Regiões Autónomas que têm
função legislativa – originando decretos legislativos regionais.
Situação de pluricentrismo legislativo – três formas de lei (lei da
AR, decreto-lei do Governo e decretos legislativos regionais)

O que explica o sistema de atos legislativos atuais:


- princípio da tipicidade: leis, decretos-lei e decretos legislativos
regionais
- princípio da paridade legislativa: as leis e os decretos-lei têm
igual valor (existe desde 1945)

As leis podem ser:


- leis ordinárias: há casos em que a CRP tem uma reserva
absoluta (artigo 164º, só a AR pode legislar), são o exemplo do
primado da função legislativa; casos de reserva relativa (a AR
legisla, mas pode permitir ao Governo que também o faça –
artigo 165º)

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- leis orgânicas: artigo 166º nº2, as matérias que revestem forma
de lei orgânica revestem características
específicas/especificidades: têm maiorias diferentes, um
diferente sistema de fiscalização de constitucionalidade (artigos
136º, 168º e 278º), a lei orgânica é a lei que reveste as matérias
previstas no artigo 166º nº2 (loi organique) – leis fundamentais
do Estado, no sentido de fundarem o Estado e não de
organização. Não são um diferente tipo de leis, são leis
ordinárias da AR, um tipo diferente de lei ordinária
- leis de autorização: leis através das quais a AR concede
autorizações ao Governo
- leis de bases: leis de bases feitas pela AR que estabelecem as
bases de determinado sistema jurídico, sendo que o Governo
pode desenvolver as leis de base para leis de desenvolvimento
(artigo 198º)
- leis estatutárias: através das quais são aprovados os estatutos
das Regiões Autónomas (artigo 226º e 161º alínea b)), quem
aprova os estatutos é a AR

Quanto aos decretos-lei, a competência legislativa do


Governo pode ser de quatro tipos:
- matéria concorrencial: em todas as matérias que não caibam na
matéria reservada da AR (artigo 198º número 1 alínea a))
- com autorização da AR: o Governo tem de ter a autorização
(artigo 165º), originando decretos leis autorizados (artigo 198º
número 1 alínea b)
- a AR aprova as leis de base e o Governo torna-as em leis de
desenvolvimento (artigo 198º número 1 alínea c))
- reserva exclusiva, só há uma matéria – a sua organização e
funcionamento (artigo 198º número 2)

Decretos legislativos regionais:


- artigo 112º número 4: requisitos
- artigo 227º número 1:
alínea a) – matérias que não estejam reservadas aos órgãos
de soberania
alínea b) – matérias de reserva relativa da AR

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alínea c) – leis de desenvolvimento

Quem faz o papel do PR nos decretos legislativos


regionais é o Representante da República, nos termos do artigo
233º - o RR não promulga, assina.

Os princípios gerais do regime jurídico são desenvolvidos


e pormenorizados através do decreto-lei de desenvolvimento
(artigo 198º número 1 alínea c)). Há necessariamente um
complemento entre a intervenção legislativa das leis de base e a
concretização feita pelo Governo.

Podemos ter nas leis da AR (não é uma outra lei, mas sim
dentro destas) leis de valor reforçado: leis que apesar de serem
leis ordinárias (não são lei constitucional), impõem-se de uma
forma diferente a outras leis ordinárias. Podemos ter de valor
reforçado genérico ou específico:
- genérico: impõem-se a quaisquer outras leis ordinárias, há uma
interpolação de um escalão intermédio na pirâmide normativa –
leis orgânicas, leis estatutárias (Regiões Autónomas), lei de
enquadramento do orçamento do Estado - LEOE (lei que diz
como fazer o orçamento, estabelece os princípios da elaboração
e feitura), lei das regiões administrativas e leis de agravamento
pela maioria (leis que sofrem uma necessidade de maioria
agravada para a sua aprovação)
- específico: impõem-se apenas a um determinado tipo de ato
legislativo – leis de autorização e leis de bases – decreto-lei
autorizado do Governo deve obediência àquela específica lei de
autorização. Uma lei de bases tem valor reforçado porque se
impõe a um decreto-lei de desenvolvimento

Assim, nos termos do artigo 112º, existe uma relação de


dependência do decreto-lei autorizado (artigo 198º número 1
alínea b)) face à respetiva lei de autorização (artigo 165º).
Se o decreto-lei autorizado desrespeitar a lei de bases, tem
dois vícios: o decreto-lei autorizado viola uma lei – é ilegal; nos
termos do artigo 112º número 2, é inconstitucional

Direito Constitucional – II Semestre 11


indiretamente, pois viola uma relação de dependência que a
constituição diz que existe. É um caso simultâneo de ilegalidade
e de inconstitucionalidade indireta. O mesmo sucede com a lei
de bases e o decreto-lei de desenvolvimento.

Em matéria em que exista uma lei de valor reforçado


específico, não existe o princípio da paridade – artigo 112º
número 2.
Porque é que há leis de valor reforçado? Correspondem
apenas a uma diferenciação funcional. Podemos ter leis de valor
reforçado por uma razão:
- substantiva/paramétrica: em função da sua substância, caso das
leis orgânicas, em função do seu conteúdo, pelo seu conteúdo
são parâmetro de outras
- procedimental: devido ao procedimento que seguiu, caso das
leis previstas no artigo 168º número 6, seguiu o procedimento
de aprovação agravada das demais

Supostamente somos um Estado unitário, temos um


ordenamento jurídico idêntico, mas não é assim que acontece:
existem leis de bases e respetivos decretos legislativos de
desenvolvimento e decretos legislativos regionais de
desenvolvimento da Madeira ou dos Açores. O artigo 228º
número 2 é óbvio num Estado unitário.

Crítica à evolução do sistema constitucional resultante das


revisões de 1997 e 2004, em especial quanto à legislação
regional: como chegamos a este ordenamento paralelo? A CRP
de 1976, na sua versão originária, dizia que as AL das RA
podiam legislar em matéria não reservada a órgãos de soberania
e na própria CRP dizia quais as matérias de interesse específico.
O primeiro “disparate” aparece na revisão de 1997, quando
se diz que o interesse específico são alguns exemplos, que não é
só aquilo – primeiro problema. O segundo problema surge
quando dizem que vamos dividir as leis gerais da república em
princípios fundamentais e em disposições complementares com
a consequência de que os princípios fundamentais não podiam

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ser derrocados, mas com as disposições já pode haver
autorização. São leis gerais da república aquelas que se auto-
qualificam como tal – terceiro problema.
Em 2004, desaparece a referência ao interesse específico.
Não há leis gerais da república. Pode haver legislação regional
em matéria de reserva relativa, desde que haja autorização (antes
não havia essa possibilidade).

Devem haver leis gerais da república num Estado como o


nosso pelo facto de sermos um Estado unitário. Leis que, sem
reserva, se aplicam a todo o território. Mas tinham de se auto-
qualificar como tal.

Procedimento legislativo parlamentar

O procedimento legislativo parlamentar (procedimento que


nos leva à elaboração da lei da AR) está essencialmente previsto
na constituição – diferença em relação ao governamental, que
está previsto no Regimento de Conselho de Ministros. Nalguns
casos remete para o Regimento da Assembleia da República.
Um Regimento é o modo de funcionamento de
determinado órgão colegial. Conjunto de normas que regulam o
modo de funcionamento de um órgão colegial.

Começamos pela fase da iniciativa nos termos do artigo


167º, cuja parte final tem duas interpretações possíveis:
- quando a CRP nos fala da iniciativa das Regiões Autónomas,
quem a exerce são as Assembleias Legislativas Regionais
- a CRP pretende que, quando esteja em causa o interesse das
Regiões Autónomas, essa iniciativa caiba às Assembleias
Legislativas Regionais
O Governo pode ter iniciativa, mesmo não tendo
competência em matéria de reserva absoluta. Não confundir
reserva de iniciativa com reserva de competência.
Impulso externo –> proposta de lei (Governo, assembleias
legislativas regionais).

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Impulso interno –> projeto de lei (deputados, grupos
parlamentares).
Quanto ao tipo de impulso por parte dos grupos de
cidadãos eleitores, não é definido nem pela CRP nem pelo
Regimento e a lei que rege esta iniciativa fala em projeto.
Hipóteses: o legislador ordinário enganou-se por uma questão de
deficiência de técnica legislativa ou a AR está a representar os
cidadãos e portanto seria um impulso interno.

Chega à AR uma proposta ou um projeto e essa iniciativa


é registada, admitida e publicada no Diário da Assembleia da
República e enviada à respetiva comissão parlamentar –
comissões permanentes de acordo com a matéria (educação,
saúde, etc.).

A fase instrutória ou de apreciação desenrola-se em


comissão parlamentar. Nos casos em que é obrigatório, ouvem-
se os órgãos de Governo Regional (artigo 229º número 2) ou os
sindicatos (artigo 56º número 2 alínea a)). Se, nesta fase, a AR
numa matéria de Região Autónoma não ouve o Governo
Regional ou em matéria de trabalho não se ouvem as
associações sindicais, há uma inconstitucionalidade formal, a
audição obrigatória não foi feita.

Na fase constitutiva ou deliberativa, ocorrem dois debates,


na generalidade (em plenário) e na especialidade (artigo a artigo,
alínea a alínea) e três momentos de votação, na generalidade, na
especialidade e a votação final global – artigo 168º.
A discussão na especialidade faz-se em comissão. Quando
está terminada a discussão na especialidade, o diploma volta a
subir ao plenário para votação. Nos termos do artigo 168º
número 3, pode haver votação na especialidade em comissão, se
a AR assim o entender. No número 4, são matérias
obrigatoriamente votadas em plenário, nunca podem ser votadas
em especialidade em comissão.
A publicação integral dos debates é feita no Diário da AR.
Temos, neste momento, um decreto da AR.

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A fase do controlo está prevista nos artigos 136º e 137º. O
decreto da AR é enviado ao PR que pode:
- promulgar: tem 20 dias
- vetar: tem 20 dias
- enviar ao Tribunal Constitucional: tem 8 dias (artigo 278º
número 3)
São 3 possibilidades à sua disposição. Se o PR promulga,
o ato de promulgação vai ser objeto de referenda ministerial –
artigo 140º número 2. Se não houver promulgação, o decreto
não existe. Se não houver referenda, não há promulgação –
artigos 137º (inexistência) e 140º número 2.
Até aqui chama-se decreto da AR, só a partir deste
momento é que existe uma lei da AR.
O PR pode devolver à AR com mensagem fundamentada
(no âmbito da sua possibilidade de vetar o decreto): a AR acarta
o veto político, não confirma e o processo termina aqui; ou a AR
contraria o veto político e, nos termos do artigo 136º números 2
e 3, confirma o diploma por maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções. Se a AR confirmar, o PR deverá
promulgar o diploma no prazo de 8 dias, o PR não pode decidir,
é obrigado a promulgar – porque a AR é o único órgão
representativo. No veto de bolso, não há limite nem há sanção
(coloca-se dentro da gaveta sem fazer nada).
Se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade, o
diploma é devolvido ao PR, que devolve à AR. Esta ou expurga
a norma ou a confirma, nos termos do artigo 279º número 2
(mesma maioria necessária na revisão da CRP) e devolve ao PR,
que não é obrigado a promulgar – possibilidade de promulgação.
Se o TC se pronunciar pela não inconstitucionalidade, devolve
ao PR que pode promulgar ou vetar e seguem-se os mesmos
passos.

Finalmente, a lei da AR é publicada no Diário da


República – artigo 119º número 2.
A publicação é condição de eficácia. Na versão originária
da CRP de 1976, dizia-se que, se o diploma não fosse publicado,

Direito Constitucional – II Semestre 15


não existia – inexistência. O artigo 119º número 2 diz que não é
condição de existência, mas sim de eficácia. Entre as quarta e
quinta fases tem existência jurídica, mas não tem eficácia, isto é,
não produz efeitos.
A data da publicação pode não coincidir com a data da
entrada em vigor (data em que o diploma começa a produzir
efeitos). Esta distância pode ser mais curta ou mais abrangente
tendo em conta a extensão do diploma – vacatio legis.

Procedimento legislativo governamental

Diferenças essenciais entre o procedimento legislativo


parlamentar e governamental:

Governamental Parlamentar
Quase nada está na CRP, tudo Quase tudo na CRP, alguma
no Regimento do Conselho de coisa no Regimento da AR
Ministros
Não é público e não é um Público, consta do Diário da
órgão eleito nem AR e pode-se assistir às
representativo sessões
Mais célere É impossível elaborar e
publicar uma lei no mesmo dia

Podemos ter duas situações distintas:


1) entroncar as propostas de lei no procedimento legislativo
governamental: aprovação pelo Conselho de Ministros – artigo
200º nº1 c). Em princípio, há uma iniciativa sectorial por parte
dos ministérios (ministério da saúde, da educação, etc.). Cada
um dos ministérios tem esta iniciativa e envia-as para a
Presidência do Conselho de Ministros com duas funções:
concertação política (tarefa de coordenação política) e análise
jurídica ao que lhe aparece (ver a constitucionalidade e
legalidade) – dimensão política e técnico-jurídica por parte do
Conselho dos Ministros. Este decide ou não fazer uma reunião
prévia e os diplomas são apreciados em reunião de secretários
de Estado feitas no início da semana (um secretário de Estado

Direito Constitucional – II Semestre 16


por cada ministério) anterior à semana que o diploma vai a
Conselho de Ministros. O que pode acontecer? Chegar à
conclusão de que não é possível, que é possível ou que necessita
de alterações – diploma circular (o diploma é circulado).
Supondo que não há nenhum problema detetado, esse diploma
irá a Conselho de Ministros na quinta-feira seguinte. Se forem
detetados problemas, demorará mais tempo
2) se for um decreto-lei – artigo 200º número 1 alínea d). O
processo acima mencionado também se aplica a este caso

O decreto governamental é enviado para o PR que o pode


promulgar (promulgação seguida de referenda e publicação),
vetar ou enviar para o TC e tem 40 dias para o fazer – artigo
136º. Se o PR vetar, é devolvido ao Governo, que não pode
confirmar o diploma. O veto político é absoluto e na AR é um
veto relativo porque pode ser ultrapassado por via de
confirmação. Se o TC entende que a norma não é
inconstitucional, voltamos ao artigo 136º. Se entender que é
inconstitucional, volta ao PR que pode vetar e volta ao Governo
que ou expurga a norma ou esta morre.
Nesta fase de controlo, há diferenças: o prazo do PR para
promulgar ou vetar (40 dias no Governo e 20 dias na AR); veto
político absoluto no Governo e relativo no caso da AR; depois
de pronúncia de inconstitucionalidade, não há possibilidade de
confirmação pelo Governo.
Só há decreto-lei a partir da referenda.

O Governo quer legislar em matéria do artigo 165º -


necessita de autorização legislativa. Faz uma proposta de lei de
autorização legislativa que é apresentada à AR. Esta
normalmente é acompanhada do projeto de lei governamental.

Quanto aos decretos legislativos regionais, em vez de ser


enviado ao PR, é enviado ao Representante da República que
pode assinar, vetar (envolve a Assembleia Legislativa das RA)
ou enviar ao TC. Se este entender que há inconstitucionalidade,
volta ao RR e, se não houver, voltamos ao processo inicial. A

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promulgação é um ato apenas do chefe do Estado, a assinatura é
um ato menos solene. O RR exerce as funções do PR mas com
estas alterações: não promulga, só assina; se vetar, envia de
novo às Assembleias Legislativas das RA que podem confirmar
ou não confirmar – artigo 233º (porque são órgãos eleitos).
Podem confirmar depois do TC, nos termos do artigo 279º
número 2 (neste artigo, deputados surge com letra maiúscula –
estamos a falar da AR ou então o legislador constituinte
enganou-se).

Análise do artigo 112º:


Número 1: princípio da legalidade no sentido da tipicidade, a
CRP apresenta uma enumeração taxativa dos atos legislativos
Número 2: princípio da paridade (as leis e decretos-lei têm igual
valor em matéria concorrencial, tanto a AR como o Governo
podem legislar)
Número 3: maioria de 2/3 previstas no artigo 168º
Número 4: introduzido pela revisão de 2004, podemos entrar em
matéria reservada desde que com autorização
Número 5: princípio de orientação política (liquidar todos os
casos em que há normas com eficácia externa que não se
inserem nos atos legislativos típicos)
Número 6: faz sentido no artigo 112º (bem como o número 7)
porque a epígrafe é atos normativos e não legislativos, os
regulamentos são normas mas não são atos legislativos (normas
para além dos atos legislativos). Dentro da hierarquia de
regulamentos, os que têm mais dignidade normativa são os
regulamentos do Governo. Aparente contradição com o número
7: os regulamentos têm de invocar expressamente quais as leis
que estão a regulamentar, como é que existem regulamentos
independentes? 1ª hipótese) há de facto uma contradição,
estamos perante uma norma constitucional inconstitucional
(formalmente constitucional, materialmente inconstitucional),
porque viola o princípio de que a função administrativa é uma
função secundária ou 2ª hipótese) Sérgio Correia diz que no
caso dos regulamentos independentes, a lei a que se refere o
número 7 é a própria CRP

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Número 7: só há regulamentos para executar as leis, artigo 199º
alínea c), os regulamentos são atos da função administrativa
Número 8: temos uma diretiva da UE e temos de a transpor para
a ordem jurídica interna, cabe fazê-lo a quem nos termos das
competências legislativas as detém

Todos os atos legislativos são atos normativos mas o


contrário nem sempre se verifica.

Análise do artigo 165º:


Número 2: quatro elementos essenciais numa autorização
legislativa
Número 3: dupla utilização da autorização legislativa (o
Governo usa duas vezes a mesma autorização legislativa)
Número 4: relação fiduciária (de confiança) entre a AR e o
Governo. Qualquer coisa que aconteça faz caducar a autorização
legislativa
Número 5: primeira parte (até “presente artigo”): temos
normalmente uma lei de autorização legislativa para o Governo
legislar em determinada matéria, o Governo insere no
orçamento várias propostas de autorizações legislativas (quando
a AR aprova o orçamento também aprova as autorizações) –
boleias ou cavaleiros orçamentais. Segunda parte: há uma
autorização legislativa em matéria fiscal, só caducam no termo
do ano económico a que respeitam (ano civil)

Há casos de reserva de iniciativa – artigo 226º. A lei do


orçamento do Estado é aprovada pela AR (artigo 161º alínea g)).
Em que circunstâncias é que o Governo pode fazer
decretos-lei de bases? Em matéria concorrencial (artigo 198º) e
mediante uma lei de autorização legislativa (artigo 165º).
Decreto-lei de bases autorizado origina um decreto-lei de
desenvolvimento ou decreto-lei regional de desenvolvimento.

O artigo 169º, sobre o instituto da apreciação parlamentar


de projetos de leis (já teve o nome de ratificação, ganha este
nome em 1997, quando se faz uma ratificação significa que há

Direito Constitucional – II Semestre 19


algo mal que é necessário corrigir). Há um decreto-lei aprovado
normalmente. Este processo de apreciação acontece
eventualmente apenas após haver um decreto-lei, não é
obrigatório. Pode acontecer que a AR entenda chamar a si a
apreciação parlamentar de atos legislativos que não foram feitos
na AR.
A epígrafe deste artigo é atos legislativos mas o artigo só
fala de decretos-lei. No entanto, a apreciação parlamentar é de
atos legislativos, porque os decretos legislativos regionais
também se inserem (artigo 227º número 4).

Análise do artigo 169º:


Número 1: é possível chamar à apreciação para introduzir
alterações ou fazer cessar a vigência do diploma, possibilidade
de avocação (chamar a si)
Número 2: só vale para os decretos-lei com autorização
legislativa. Pode haver suspensão do decreto lei até ao término
do processo
Número 3: a AR chama o decreto-lei mas, se nada fizer, a
suspensão termina
Número 4: se a AR decidir que o diploma deixa de vigorar, o
Governo não pode voltar a aprová-lo. Princípio da tipicidade,
previsto no artigo 112º números 1 e 5. Um decreto-lei deixa de
vigorar por causa de uma resolução – contraria o número 5 do
artigo 112º aparentemente. Não há contradição nenhuma porque
o 112º número 5 proíbe que seja uma lei ordinária a dar poder a
uma lei dessa natureza, mas é a CRP que estabelece esta
possibilidade

As leis orgânicas são aquelas que tratam das matérias


essenciais do Estado – loi organique): leis que cobrem as
matérias do artigo 166º número 2 (remissão para o artigo 164º).
A maioria de votação é diferente, ao abrigo do artigo 168º
número 5. Depois do veto político, a possibilidade de
confirmação tem uma maioria diferente, prescrita no artigo 136º
número 3. A promulgação e envio para o TC (fase de controlo)

Direito Constitucional – II Semestre 20


fazem-se de acordo com o artigo 278º números 4, 5, 6 e 7.
Apenas o PR pode enviar para o TC.

Análise do artigo 278º:


Número 4: alargamento de legitimidade para ir ao TC
Número 6: da data de envio ao Presidente da República pelo
Presidente da Assembleia da República que dará a conhecer
Número 7: o PR recebe e pode promulgar, vetar ou enviar ao
TC. Nas leis orgânicas, pode enviar imediatamente ao TC, vetar
imediatamente, mas não pode promulgar até 8 dias –
promulgação vedada (para dar tempo aos outros de enviarem
para o TC). Dos 20 dias, nos primeiros 8 não pode promulgar

Análise do artigo 227º:


Número 3: basta que mude ou a Assembleia da República ou a
Assembleia Legislativa
Número 4: os primeiros correspondem à alínea b)

O poder legislativo das Regiões Autónomas está previsto


nas alíneas a), b) e c) do artigo supra.

Os decretos legislativos de bases podem ser em matéria


concorrencial ou em autorizados (artigo 165º).
Temos uma lei de autorização e fazemos um decreto-lei
autorizado (de bases) e a seguir pode haver um decreto-lei de
desenvolvimento ou um decreto legislativo regional de
desenvolvimento.
Normalmente, a AR faz as bases e o Governo faz o
desenvolvimento, mas pode acontecer o Governo fazer as duas
coisas.

Cavaleiros ou boleias orçamentais: o normal é uma lei de


autorização legislativa. Durante os anos 80 e 90, havia a prática
de congregar uma série de autorizações legislativas dentro do
orçamento, que era aprovado juntamente com essas autorizações
para fugir ao controlo. Abusou-se desse expediente com

Direito Constitucional – II Semestre 21


matérias que nada tinham a ver com matéria fiscal. No artigo
165º número 5, faz-se esse controlo.

Parte V – Inconstitucionalidade e garantia da


Constituição

A fiscalização da constitucionalidade constitui o controlo


do princípio da constitucionalidade previsto nos artigos 2º
(Estado de Direito Democrático associado aos Direitos
Fundamentais e à separação de poderes) e 3º número 3 (a
validade não é uma questão de eficácia, as normas não são
válidas se não forem conformes à constituição; conformidade
com a CRP é mais exigente do que a compatibilidade).
Verdadeiramente, a fiscalização da constitucionalidade
não é mais do que a fiscalização do conteúdo típico do texto
constitucional: direitos fundamentais e separação de poderes. A
inconstitucionalidade e a fiscalização da constitucionalidade não
se concebe num Estado não constitucional.
Tanto numa constituição rígida como numa flexível
podemos ter fiscalização da constitucionalidade.

No Estado liberal puro, a fiscalização era rejeitada pois:


1º - havia uma crença de tal forma nas virtualidades do texto
constitucional, que se dizia que não valia a pena fiscalizar a
constitucionalidade, impõe-se necessariamente aos
comportamentos e às normas
2º - é o Estado da separação estrita de poderes, pensava-se que
não se podia pôr um poder de um determinado tipo a fiscalizar
outro
Num verdadeiro Estado constitucional e de Direito, a
teoria da constitucionalidade exige necessariamente uma
garantia da constitucionalidade e uma discussão sobre esta
garantia. Há duas matérias absolutamente essenciais para
perceber de que forma o Estado lida com a constitucionalidade:
perceber como o Estado reage em matéria de
inconstitucionalidade e o Estado reconhece que há um estado

Direito Constitucional – II Semestre 22


excecional e ver como o mesmo reage, ver os meios de que o
Estado e a constituição dispõem para reagir.
A constitucionalidade assume-se como a relação entre uma
norma e uma norma constitucional.

Facto Ser
Norma Dever ser

A norma tem uma estrutura deôntica (de natureza, de razão


de ser). É pelo facto de a norma ser o “dever ser” que pode ser
violada, faz parte da natureza da norma a sua violabilidade. E é
por isso que convém que tenhamos um mecanismo de controlo,
as normas não se garantem por si próprias sem meios de
garantia – coercibilidade enquanto característica do Estado. O
sistema de controlo é a afirmação da coercibilidade do Estado.

Podemos distinguir:
- garantia da constituição (exemplo: artigos 162º alínea a) e 127º
número 3)
- garantia da constitucionalidade

Garantia da constituição

Garantia da
constitucionalidade
Fiscalização da
constitucionalidade

Direito Constitucional – II Semestre 23


A fiscalização da constitucionalidade corresponde a um
específico conjunto de normas, desenho de um sistema em que
há alguns órgãos com competências específicas e corresponde à
previsão dos efeitos dessas decisões. Esta fiscalização é sempre
jurídica, enquanto que a garantia da constituição, e nalguns
casos da constitucionalidade, também pode ser política.

Tipos de inconstitucionalidade:

- por ação: existe uma norma ordinária que contraria a CRP –


artigo 277º
- por omissão: é a ausência de uma norma ordinária que
contraria a CRP – artigo 283º

- total: toda a norma é inconstitucional


- parcial: norma parcialmente inconstitucional

- formal,
- orgânica (em princípio será total)
- material

- originária: a norma ordinária é inconstitucional desde a sua


origem
- superveniente: inconstitucionalidade que vem depois, a norma
ordinária não era inconstitucional no momento da sua origem,
passa-o a ser em virtude de uma revisão. Vai ter resultados
essenciais nos termos do artigo 282º

- antecedente: lei de autorização com norma inconstitucional


(antecedente) e o decreto-lei autorizado pode ter uma
inconstitucionalidade consequente
- consequente

- presente: caso normal de inconstitucionalidade, norma


ordinária em vigor e norma constitucional em vigor

Direito Constitucional – II Semestre 24


- pretérita ou póstuma: há autores que a consideram irrelevante,
estudada pelo professor Galvão Teles, uma daquelas duas
normas não está em vigor, ou a ordinária ou a constitucional

Será que pode haver fiscalização da constitucionalidade de


normas constitucionais? Em que termos tal seria possível?
Normas formalmente constitucionais mas materialmente
inconstitucionais – Otto Bachof diz que pode acontecer e, se
existirem, pode ser objeto de controlo. Jorge Miranda diz que
apenas no caso de revisão constitucional, num cenário de
vicissitude constitucional. Seria possível solicitar ao TC que
verificasse que uma norma derivada de uma revisão era
constitucional ou não. No nosso sistema, não pode acontecer, o
PR é obrigado a promulgar a lei de revisão constitucional. Numa
aparência de revisão, o PR não é obrigado a promulgar.

Quando olhamos para a relação de conformidade entre


uma norma ordinária e uma norma constitucional, a questão é
saber qual o tipo de inconstitucionalidade que revela? Direta ou
indireta? De acordo com a pirâmide normativa, o ideal é termos
uma norma legal constitucional e uma norma regulamentar
legal, cada um dos parâmetros normativos deve obediência ao
parâmetro normativo imediatamente superior. Podemos ter uma
norma legal inconstitucional e uma norma regulamentar legal.
Podemos ter uma norma legal constitucional e uma norma
regulamentar ilegal. A pior situação de todas é uma norma legal
inconstitucional e uma norma regulamentar ilegal.
Supondo que a lei é inconstitucional e o regulamento que
depende da lei é legal, se a lei desaparece, o regulamento deixa
de ter fundamento.

O que justifica o princípio do pedido – o TC não pode ter


iniciativa? O princípio da separação de poderes e a própria
natureza do TC (passividade da função jurisdicional).

Direito Constitucional – II Semestre 25


Vícios do ato do poder político inconstitucional

Vício (causa) é distinto do efeito do vício (desvalor que


está associado a um ato viciado):
- vício: é a inconstitucionalidade
- efeito do vício: consequência do vício, desvalor

Efeitos do vício:
- inexistência: casos mais graves, expressamente previstos na
CRP
- invalidade: maior parte dos casos. Diferença essencial entre a
anterior assenta no facto de precisarmos de um tribunal que diga
que a norma é inválida. O trabalho de fiscalização da
constitucionalidade leva à declaração desta invalidade. É
necessária a intervenção de um órgão de fiscalização e de
controlo. Artigo 282º número 4: o tribunal pode limitar os
efeitos da declaração
- irregularidade: o vício diz respeito ao órgão e à forma. Artigo
277º número 2 – irregularidade no que diz respeito a tratados
internacionais. Portugal compromete-se a uma convenção
internacional e alguns anos depois verifica-se que devia ter sido
outro ministro a assinar a respetiva convenção
- ineficácia: caso menos grave. Não produção de efeitos: uma
norma que devia ter sido publicada no Diário da República e
não foi – artigo 119º
A consequência mais grave de todas, que tem de estar
expressamente prevista na CRP, é a inexistência – distinção feita
por Marcelo Rebelo de Sousa. Verifica-se na falta de referenda e
no caso em que um órgão colegial eletivo é dissolvido sem que
sejam marcadas novas eleições. Não há qualquer suscetibilidade
de identificação entre o ato e aquilo que devia ser o ato.

Os vícios do ato do poder político inconstitucional


correspondem à violação de:
- pressupostos (necessários para que um ato exista e seja válido)
subjetivos (existência do autor) ou subjetivos objetivados
(competência); objetivos (não essenciais/acidentais)

Direito Constitucional – II Semestre 26


- elementos essenciais subjetivos (vontade real); objetivos
(forma e conteúdo da declaração); funcionais (fim vinculado);
ou elementos acidentais

Tipos de fiscalização:
Quanto à natureza:
- jurisdicional
- política

Quanto ao número de órgãos:


- concentrada
- difusa

Quanto ao tempo:
- preventiva: antes de entrar em vigor, nem a irregularidade nem
a ineficácia estão em causa. Em Portugal, é facultativa, mas há
Estados em que é obrigatória em pelo menos algumas categorias
de atos legislativos
- sucessiva depois de entrar em vigor

Quanto ao modo/circunstância:
- concreta: é feita a propósito de um caso em que a norma está a
ser aplicada
- abstrata: de uma determinada norma independentemente de
poder ter havido ou não aplicação da norma no caso concreto

Quanto ao interesse:
- objetiva: o que está em causa naquele processo é a integridade
do ordenamento jurídico, ideia de unidade e harmonia
- subjetiva: há um interesse de uma das partes consideradas que
de alguma forma aproveita essa decisão sobre a
inconstitucionalidade

Quanto ao processo:
- principal
- incidental/por exceção: foi algo que aconteceu no meio do
processo cujo objetivo não era esse

Direito Constitucional – II Semestre 27


Fiscalização jurisdicional difusa: vários tribunais
encarregues da fiscalização.
Fiscalização política difusa: vários órgãos políticos
encarregues da fiscalização.
A fiscalização abstrata é objetiva e principal.
A fiscalização concreta é subjetiva e incidental.
A inconstitucionalidade por omissão tem de ser prevista
por uma fiscalização sucessiva, objetiva, principal e abstrata.

A fiscalização da constitucionalidade no Direito


Comparado:
Fiscalização política – França
Fiscalização jurisdicional difusa – EUA
Fiscalização jurisdicional concentrada – Áustria

Modelos típicos da fiscalização da constitucionalidade:


discussão entre fiscalização jurisdicional difusa e concentrada,
origem no modelo americano e no austríaco. As suas vantagens
são opostas:
- EUA (difusa): único modelo de fiscalização que dá a todos os
tribunais a dignidade de participação na fiscalização do texto
constitucional. Esta função fica enobrecida por todos os
tribunais. Esta justiça constitucional estaria menos sujeita a
pressões por ser feita por todos os tribunais
- Áustria (concentrada): a matéria de justiça constitucional é
específica e exige tratamento técnico específico e científico, isto
é, exige um conhecimento específico de Direito Constitucional
que permita a administração da justiça em matéria
constitucional. Uma única jurisdição constitucional pode
favorecer a qualidade da justiça constitucional

A fiscalização da constitucionalidade na História


Constitucional portuguesa:
- no período do constitucionalismo monárquico português
(constituição de 1822, carta constitucional de 1826, constituição

Direito Constitucional – II Semestre 28


de 1838), tínhamos uma fiscalização política – a fiscalização das
normas era feita pelo próprio Parlamento
- na constituição de 1911, no artigo 63º, está prevista uma
fiscalização jurisdicional difusa, que nos surge pela constituição
brasileira de 1891 – “desde que qualquer das partes impugne a
validade das leis” – origem do artigo 204º atual. Esta
fiscalização jurisdicional difusa mantém-se na constituição de
1933 e na de 1976. Na de 1933, nos artigos 122º e 123º está
presente esta fiscalização. O objetivo é o mesmo, a redação é
que é diferente. A partir de 1933, diz que nos feitos submetidos
a julgamento não podem ser aplicadas normas inconstitucionais,
o tribunal tem possibilidade de fiscalizar estas normas. Qual é a
diferença? Pode não vir das partes, seja a desconfiança oriunda
das partes ou do próprio tribunal
- a constituição de 1933 mantém-se na revisão de 1971: não é
possível a fiscalização de normas em que haja violação das
regras de distribuição das competências
- na CRP de 1976, tinha que haver uma discussão sobre qual o
modelo de fiscalização a constar da versão originária. Mantém-
se a fiscalização jurisdicional difusa de todos os tribunais.
Tínhamos o Conselho da Revolução que detém poderes de
fiscalização da constitucionalidade. Vai criar a Comissão
Constitucional que é o órgão político (funciona junto do
Conselho da Revolução, origem do TC) tem uma diferença
essencial – o facto de ser um órgão político, diferença de
natureza clara a partir de 1982. Fiscalização preventiva
concentrada feita pelo Conselho da Revolução – fiscalização
política. Fiscalização sucessiva abstrata feita pelo Conselho da
Revolução e pela Comissão Constitucional. Fiscalização
sucessiva concreta feita pelos tribunais (jurisdicional difusa) e
depois com intervenção da Comissão Constitucional.
Fiscalização por omissão a cargo do Conselho da Revolução.
Temos, assim, quatro processos de fiscalização na versão
originária da CRP.
Há uma obrigatoriedade de revisão em 1982, se não
tivesse acontecido, seria um caso de omissão de constituição.
Um dos objetivos era a eliminação do Conselho da Revolução,

Direito Constitucional – II Semestre 29


logo era imperativo encontrar um outro modelo de fiscalização
da constitucionalidade. Balanço: prudência no uso dos meios da
fiscalização, pouca fiscalização preventiva e abstrata, e por
omissão quase que nem existiu. O único tipo de fiscalização que
teve mais pujança foi a sucessiva concreta que já vinha detrás e
que cabia a todos os tribunais, com uma única diferença:
intervenção da Comissão Constitucional. O modelo instituído
em 1976 tinha uma utilização parcimoniosa e no caso da
fiscalização sucessiva concreta e na jurisdicional difusa não
havia uma diferença. Acresce um outro fator: tínhamos dois
órgãos políticos, o Conselho da Revolução e a Comissão
Constitucional (grande vantagem: composta por juristas e
constitucionalistas muito importantes, podia não ter tido
qualquer relevância, a composição e a sua qualidade levou a
uma situação muito curiosa, quando os dois órgãos procediam à
fiscalização, o Conselho da Revolução seguia o parecer da
Comissão Constitucional). Este balanço levou à resposta de
algumas perguntas: vale a pena manter a fiscalização
jurisdicional difusa? Sim, porque foi a que melhor funcionou.
Vamos continuar a ter órgãos políticos na fiscalização da
constitucionalidade? Não, já que temos de eliminar o Conselho
da Revolução, não faz sentido ter um órgão político a fazer a
fiscalização da constitucionalidade. Faz sentido manter a
fiscalização preventiva? Sim, por se entender que a fiscalização
preventiva impossibilita que algumas inconstitucionalidades
grosseiras entrem em vigor, é um filtro que impede a entrada em
vigor das normas inconstitucionais. Vale a pena manter a
fiscalização por omissão? Sim.
Os temas da fiscalização sucessiva concreta, jurisdicional
difusa eram sempre os mesmos: direitos liberdades e garantias,
organização económica, autonomia regional e distribuição de
competências legislativas. Destes quatro temas, continuamos a
verificar relevância na fiscalização da constitucionalidade (à
exceção da organização económica). A revisão de 1989 veio
alterar o ordenamento jurídico constitucional em matéria de
organização económica, deixando de ser assunto de fiscalização.

Direito Constitucional – II Semestre 30


Faz sentido que haja um órgão que em sede de recurso
aprecie as decisões tomadas por todos os tribunais. Como vamos
compor o Tribunal Constitucional? Quem os vai designar? Deve
ser o PR? Será que têm todos de ser magistrados de origem?
Discussão feita quanto à composição e quanto à modalidade de
designação do TC.
A CRP define o TC no artigo 221º. Nos termos do artigo
222º número 1, temos 13 juízes: 10 eleitos pela AR e 3
cooptados pelos 10. E no número 2, dos 13 juízes, 6 têm de ser
juízes de origem e os restantes não o têm de ser. Em 1982, a
CRP optou por esta modalidade. Aqueles que são designados
por um órgão representativo, eles próprios escolhem outros três
– legitimidade da designação, não há uma terceira entidade.
Passamos a ter um sistema de fiscalização preventiva
(artigos 278º e 279º) que cabe apenas ao TC, é uma fiscalização
jurisdicional concentrada. Temos um processo de fiscalização
sucessiva abstrata que cabe apenas ao TC, é uma fiscalização
jurisdicional concentrada (artigos 289º e 282º). Temos uma
fiscalização sucessiva concreta que cabe a todos os tribunais e,
depois, por via de recurso ao TC, a fiscalização sucessiva
concreta é mista ou híbrida (porque temos jurisdicional difusa
mas depois por via de recurso temos fiscalização concentrada) –
artigos 204º e 280º. A fiscalização por omissão cabe apenas ao
TC, é fiscalização jurisdicional concentrada (artigo 283º).
Cada um destes tipos de processo corresponde a um
acórdão de tipo diferente. Uma sentença é proferida por um
órgão simples (juiz singular) e um acórdão é proferido por um
órgão colegial.

Tipo de fiscalização Tipo de acórdão


preventiva acórdão de pronúncia
acórdão de declaração com
sucessiva abstrata
força obrigatória geral
sucessiva concreta acórdão de julgamento
por omissão acórdão de verificação

Direito Constitucional – II Semestre 31


Nos termos da fiscalização por omissão, o acórdão recebe
esta designação em virtude do princípio da separação de
poderes, o TC não pode obrigar a AR a redigir a norma em falta.
O artigo 283º diz que o TC verifica a omissão, limita-se a dizer.
A declaração é a intervenção com mais força.
No artigo 279º número 2, encontramos a seguinte
expressão “norma julgada inconstitucional”. Esta está errada,
deveria ser norma apreciada.

Pontos a destacar:
1) A fiscalização é só de normas, não é só de leis. O conceito de
normas é mais amplo do que o de leis
2) Pode ser fiscalizado qualquer tipo de inconstitucionalidade
(orgânica, formal ou material)
3) No caso da fiscalização sucessiva, quer abstrata quer
concreta, o TC também pode fazer fiscalização da legalidade
nos casos de haver leis de valor reforçado

Qualquer ato normativo público pode ser objeto de


fiscalização (leis da AR, regulamentos, regimentos dos órgãos).
Não tendo o PR competência legislativa, há um ato que
pode ser objeto de fiscalização de constitucionalidade:
declaração de estado de sítio e de estado de emergência, têm de
estar especificados os direitos, liberdades e garantias que podem
ser suspensos, nos termos do artigo 19º, constituindo um ato
normativo.

Em princípio, a fiscalização da constitucionalidade afere a


conformidade com a constituição, mas há casos na fiscalização
sucessiva que se afere a conformidade dos regulamentos com as
leis e a legalidade em casos de lei de valor reforçado.
Discute-se se a Administração pode aplicar normas
inconstitucionais. No artigo 204º, referem-se apenas os
tribunais. No artigo 271º número 2, temos uma pequena
referência, mas não diz que a Administração não pode aplicar
normas inconstitucionais. O número 3 constitui uma exceção a

Direito Constitucional – II Semestre 32


isto. Tem esta previsão de que há uma relação muito forte neste
dever de obediência. Não há nenhuma norma na CRP aplicante
à Administração. O Código de Procedimento Administrativo diz
que é nulo o ato administrativo que viole o conteúdo essencial
do direito fundamental. Não temos uma norma idêntica ao artigo
204º, o que leva a que a fiscalização da constitucionalidade seja
principalmente jurisdicional.

Fiscalização preventiva

A fiscalização preventiva diz respeito a atos que já foram


aprovados mas que não foram publicados. Ocorre nos atos que
chegam ao Presidente da República ou ao Representante da
República. É uma fiscalização:
- concentrada: porque é exercida apenas por um órgão
constitucional – Tribunal Constitucional
- principal: o processo em que é discutida a fiscalização é aberto
única e exclusivamente com o objetivo de discutir a fiscalização
da norma
- objetiva: ter em conta que não existem normas ordinárias
contrárias à constituição
- abstrata: aquela norma nunca podia ser aplicada porque nem
sequer está em vigor
O seu objetivo é a tentativa de vedar a entrada em vigor de
normas que sejam inconstitucionais. Apesar desta possibilidade
de fiscalização preventiva, não preclude qualquer possibilidade
de fiscalização posterior.
Há uma fiscalização possível aos atos de Direito
Internacional. Evitar a entrada em vigor de normas
inconstitucionais. Encontramos esta previsão em relação ao
Presidente da República nos artigos 233º número 5 e 278º
número 2.
O TC só aprecia normas, não aprecia diplomas. O PR não
pode dizer ao tribunal para apreciar todo o decreto, tem de
especificar as normas, mas pode especificar todas. Situações de
vícios em que o PR especifique todas as normas:
inconstitucionalidade orgânica e formal (dependendo do vício

Direito Constitucional – II Semestre 33


formal que levou a essa situação). Na inconstitucionalidade
material, é improvável que todas as normas sejam
inconstitucionais.
Há outras entidades que têm legitimidade e iniciativa para
requerer a fiscalização preventiva: no caso dos diplomas
promulgados como leis orgânicas, no artigo 278º, há um
alargamento ao Primeiro Ministro e a 1/5 dos deputados.
Quando o PR recebe o diploma, dá disso conhecimento ao PM e
aos grupos parlamentares. Prazo para solicitação da fiscalização:
8 dias previstos no artigo 278º número 3 e remissão para os
artigos 136º e 233º número 5.
Prazo para o TC decidir: nos termos do artigo 278º número
8, dispõe de 25 dias, prazo que pode ser encurtado a pedido do
PR.

Podemos ter uma pronúncia de não inconstitucionalidade


ou de inconstitucionalidade. O TC nunca se pronuncia pela
constitucionalidade.
Se o TC entender que não há inconstitucionalidade, o
diploma é devolvido ao PR e este pode promulgar ou vetar
politicamente, nos termos do artigo 136º. Caso exista uma
pronúncia de inconstitucionalidade, o artigo 279º prescreve a
expurgação ou confirmação da norma. O PR não é obrigado a
promulgar.

Não existe fiscalização preventiva concreta. Existe


fiscalização sucessiva abstrata e concreta.

No âmbito da fiscalização preventiva, são de destacar os


artigos 51º, 52º, 53º da Lei do Tribunal Constitucional. O artigo
53º só se explica por uma questão de economia processual.

Do Direito percebe o tribunal – “De iure novit curia”.

Fiscalização sucessiva abstrata

Direito Constitucional – II Semestre 34


É concentrada (feita por um único órgão, o TC) e feita por
via principal (quando o processo de fiscalização tem como único
objetivo a apreciação da constitucionalidade da norma).
Segue o modelo austríaco de Kelsen. É idêntico nos vários
Estados que a têm e só altera o número e tipo de entidades que
podem requerer esta fiscalização. Antes do TC, esta fiscalização
era feita pelo Conselho da Revolução e pela Comissão
Constitucional.
Nos artigos 281º e 282º estão previstos o processo e os
efeitos, respetivamente: há uma repetição em relação ao que
tínhamos na fiscalização preventiva (artigos 278º que se refere
ao processo e 279º que diz os efeitos).

O número 1 do artigo 281º diz-nos quais os objetos deste


tipo de fiscalização e o número 2 quais as entidades.
Na fiscalização sucessiva abstrata todas as normas podem
ser objeto desta fiscalização, ao contrário da preventiva que só
poderiam ser objeto as normas que chegassem ao PR ou ao
Representante da República.
Na fiscalização sucessiva abstrata, podemos ter
fiscalização da constitucionalidade e da legalidade. Na
preventiva, só temos fiscalização da constitucionalidade. Quanto
à constitucionalidade, quaisquer normas. Quanto à legalidade, as
previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 281º.

Quanto à iniciativa, prevê o número 2 do artigo 281º que


essas entidades podem solicitar a intervenção do TC. Das
alíneas a) a f), as entidades podem solicitar a fiscalização
indiscriminadamente. Na alínea g), essas entidades só podem
requerer em relação a determinadas normas e com determinado
fundamento – dupla limitação. Estas entidades têm o
poder/faculdade de solicitar a intervenção do TC, não têm uma
obrigação.
Não temos a possibilidade de um cidadão se dirigir
diretamente ao TC. Existe noutros Estados: na Alemanha temos
a queixa constitucional, noutros Estados temos queixa
constitucional ou recurso de amparo. Desde a reforma de 2002

Direito Constitucional – II Semestre 35


do contencioso administrativo, passou a haver um processo
chamado intimação para proteção de direitos, liberdades e
garantias – é um processo urgente e que permite que o cidadão
questione a atuação da Administração desde que estejam em
causa os seus Direitos, Liberdades e Garantias. Diferença entre
este processo e a queixa constitucional: no primeiro, só pode
estar em causa algo que viole os Direitos, Liberdades e
Garantias, diferença quanto ao objeto; o primeiro é apresentado
perante os tribunais administrativos e a única entidade a ser
questionada é a Administração.
O direito de petição previsto no artigo 52º da CRP: posso
pedir a uma das entidades já previstas para requerer fiscalização
ao TC. A forma como qualquer das entidades resolve enviar o
diploma para o TC é irrelevante. Estas entidades não têm de ter
a certeza absoluta de que as normas são inconstitucionais – não
há esta exigência, não têm competências de fiscalização, exige-
se que tenham sérias dúvidas, simplesmente.
Chegando ao TC, há princípios que lhes são aplicáveis –
artigo 51º da LTC. Há algumas normas específicas para esta
fiscalização abstrata – artigos 62º a 66º da LTC. O artigo 64º
prevê que pedidos com objetos idênticos possam ter o mesmo
procedimento.
Princípios a respeitar genericamente pelo TC:
1) Princípio do pedido
2) Princípio do duplo ónus de impugnação
3) Princípio da vinculação (à fiscalização de normas pedidas,
mas não quanto à fundamentação – artigo 51º números 1 e 5 da
LTC)

Quanto às decisões de inconstitucionalidade:


- artigo 282º número 1 – inconstitucionalidade originária. Há
repristinação das normas.
- artigo 282º número 2 – inconstitucionalidade superveniente.
Não há repristinação das normas eventualmente revogadas.

Artigo 282º número 3: ficam ressalvados os casos


julgados. A segurança prevalece sobre a justiça.

Direito Constitucional – II Semestre 36


A decisão do TC tem uma retroatividade, eliminar os
efeitos da norma desde o passado. A diferença entre originária e
superveniente é até onde vai essa retroatividade. Também se
eliminam os efeitos revogatórios – a primeira norma é
repristinada.

Fiscalização sucessiva concreta

Artigo 282º, quanto à retroatividade: número 1 –


repristinação e entrada em vigor da norma ordinária; número 2 –
entrada em vigor da norma constitucional.
Artigo 282º número 3 segunda parte: decisão expressa do
TC, matéria e conteúdo da norma.
Artigo 282º número 4: limitação dos efeitos.

Artigo 204º: fiscalização jurisdicional difusa, integra a


fiscalização sucessiva concreta (incidental). Esta última é um
sistema misto ou híbrido, porque pode acrescentar-se a este
artigo 204º a possibilidade de recurso para o TC – artigo 280º:
fiscalização jurisdicional concentrada.

Artigo 280º: há duas possibilidades de recurso:


- alínea a): o tribunal de Vila Nova de Gaia leva recurso
diretamente ao TC; quando é o juiz que se recusa a aplicar a
norma que considera inconstitucional
- alínea b): o tribunal de VNG leva recurso ao Tribunal da
Relação do Porto e depois ao Supremo Tribunal da Justiça e
depois ao TC; quando o juiz não concorda que a norma seja
inconstitucional mas quem o diz são as partes

Tribunal a quo: tribunal de origem do recurso


Tribunal ad quem: tribunal para onde vai o recurso

Os casos do número 2 do artigo 280º referem-se à


fiscalização da legalidade e não da constitucionalidade.

Direito Constitucional – II Semestre 37


Nos termos dos números 3 e 5 do mesmo artigo, o
Ministério Público é obrigado a recorrer ao TC em casos de
normas mais importantes. Quando estiver em causa uma decisão
da Comissão Constitucional, também pode haver este recurso ao
TC por parte do MP. Recurso para harmonia de julgados.
Só a parte que invocou a inconstitucionalidade é que pode
pedir recurso ao TC – artigo 280º número 4.
Aquilo que é objeto de recurso é só a constitucionalidade e
a legalidade – artigo 280º número 6. O TC só pode apreciar a
norma.

Artigo 80º da LTC:


- na fiscalização sucessiva abstrata, os efeitos da decisão têm
força obrigatória geral (erga omnes), aqui a norma desaparece
do ordenamento
- na fiscalização sucessiva concreta, a decisão é de desaplicação
da norma no processo e tem efeitos inter partes, só apenas entre
as partes

O TC tem 13 juízes e pode funcionar em sessões plenárias


ou por secções – artigos 40º e 41º da LTC. Quando funciona em
plenário, estão 13 juízes. Há três secções, sendo que cada uma
delas tem quatro juízes e é presidida pelo Presidente ou pelo
Vice-Presidente do TC. A fiscalização preventiva e a
fiscalização sucessiva abstrata são feitas em plenário – 13 juízes
a apreciar a norma. A fiscalização sucessiva concreta é feita em
secção. Artigo 70º número 1: “em secção”. No próprio TC, em
sede de fiscalização jurisdicional concentrada, consoante a
secção, podemos ter decisões completamente diferentes.
Em matéria de fiscalização preventiva ou fiscalização
sucessiva abstrata, precisamos que sete juízes (maioria) decidam
pela inconstitucionalidade.
Em matéria de fiscalização sucessiva concreta, precisamos
de três juízes (maioria) que decidam pela inconstitucionalidade.
O fundamento tem de ser o mesmo. Os juízes têm de
concordar com a inconstitucionalidade e com o fundamento da
mesma para obter consenso.

Direito Constitucional – II Semestre 38


Não são admissíveis as situações de non liquet – nenhum
juiz se pode abster.

O artigo 281º número 3 é tratado como um processo de


fiscalização sucessiva abstrata e é uma exceção ao princípio do
pedido, porque é o único caso em que o TC não precisa de
esperar por uma iniciativa externa (entidades previstas no
número 2) para solicitar – única exceção ao princípio do pedido.
Requisitos: que o TC tenha julgado inconstitucional a norma em
pelo menos três casos concretos – três acórdãos de julgamento.
Em sede de fiscalização sucessiva abstrata, há um acórdão
de declaração. Não há nenhuma passagem, porque não é
obrigatório nem garantido que utilizando este processo, previsto
no artigo 281º número 3, tenhamos necessariamente uma
declaração de inconstitucionalidade daquela norma, pois a
fiscalização sucessiva abstrata é votada em plenário (maioria
quanto ao fundamento) e a concreta é votada em secção (artigo
41º da LTC).
A fiscalização sucessiva concreta é interpartes e está em
causa a desaplicação da norma. Na fiscalização abstrata, temos
efeitos erga omnes (força obrigatória e geral), a norma
desaparece do ordenamento jurídico e faz repristinar as normas
que tenha revogado (artigo 282º números 1 e 2).
Na fiscalização sucessiva concreta, não há uma
obrigatoriedade do TC em participar, misto entre fiscalização
jurisdicional difusa e concentrada – não é obrigatória mas é
possível. É incidental, subjetiva (mas em algumas situações é
objetiva quando é obrigatório recurso do Ministério Público –
artigo 280º números 3 e 5).
Na fiscalização abstrata, temos um sistema puramente de
fiscalização concentrada. É concentrada, principal e objetiva. Só
recorrem as partes ou Ministério Público. O objeto de recurso
são as decisões dos tribunais – artigo 280º.
Artigo 280º número 1 – recurso direto.
Artigo 70º número 2 alínea a) da LTC – exaustão de
recursos.

Direito Constitucional – II Semestre 39


Efeitos da fiscalização sucessiva concreta: artigo 80º da
LTC.
Artigo 79º-D da LTC: recurso para o plenário.

Elementos da interpretação: literal, sistemático, histórico e


teleológico.
A norma ordinária tem um sentido x contrário à CRP, um
sentido y contrário à CRP e um sentido z conforme à CRP –
devemos adotar este último para evitar a inconstitucionalidade
da norma.
A norma ordinária tem um sentido x que é contrário à
CRP, mas podemos conseguir chegar a um sentido y compatível
com a CRP – não deve acontecer, é uma má prática. A norma
não pode ser defendida à outrance (contra todas as evidências).

Ativismo judiciário: surgiu num contexto diferente do atual,


surge num artigo na revista Fortune, há juízes que são self-
restrained e há juízes que são mais ativistas. Hoje ouvimos dizer
que o TC é ativista.

Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão

Artigo 283º: é a falta de algo muito específico, só esta


omissão é relevante – omissão das medidas legislativas
necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. Se
foram medidas políticas, regulamentares, não há fiscalização de
constitucionalidade por omissão. Só se aplica a normas
constitucionais não exequíveis por si mesmas, que precisam de
interpretação legisladora ordinária. Ou não foram feitas, ou
foram feitas parcialmente ou não foram feitas em tempo útil.

Há autores que dizem que dentro de um conceito de


omissão relevante em sentido latíssimo poderemos falar de
omissão da revisão constitucional. Segundo Jorge Miranda a
revisão constitucional de 1982 era devida como imperativo, para
o desaparecimento do Conselho da Revolução. Também é
possível falar de ilegalidade por omissão, por exemplo, no caso

Direito Constitucional – II Semestre 40


de falta de regulamento cuja existência é determinada por lei –
artigo 199º alínea c)). Outros casos de omissão em sentido lato
encontram-se previstos na CRP nos artigos 205º número 3 e
242º número 3.

Durante muito tempo, houve resistência na aceitação deste


processo de fiscalização, porque se dizemos que a função
legislativa é caracterizada pelo princípio da oportunidade, não
haveriam omissões legislativas. E, de facto, se desde 1822 em
todas as constituições portuguesas houve normas não exequíveis
por si mesmas, apenas em 1976 surge a fiscalização da
constitucionalidade por omissão em virtude do entendimento do
princípio da constitucionalidade. E ainda assim, não surgiu nos
moldes atuais.

A iniciativa está prevista no número 1 do artigo 283º e


trata-se aqui de verificar o não cumprimento da constituição por
omissão, que deriva da violação de uma norma específica.

Se em fiscalização sucessiva abstrata uma norma pode ser


inconstitucional por violar princípios constitucionais, na
fiscalização por omissão tem que haver sempre a identificação
da norma que é violada.
Estão em causa, maioritariamente, normas constitucionais
não exequíveis por si mesmas. Repare-se que o ato em falta, de
acordo com a previsão do número 1 do artigo 283º, é uma
norma ordinária e não um tratado nem um ato de revisão
constitucional.

Versão originária da CRP de


Versão atual
1976
A cargo do Conselho da
A cargo do TC
Revolução
Podia ser fiscalizada
oficiosamente sem qualquer Só a pedido de determinadas
requisito (não havia vinculação entidades
ao princípio do pedido)

Direito Constitucional – II Semestre 41


Efeitos: o Conselho da Efeitos: quando o TC verifica a
Revolução tinha a possibilidade inconstitucionalidade por
de recomendação aos órgãos omissão dá disso
que deviam ter legislado e não o conhecimento aos órgãos que
fizeram deviam ter legislado

Estas alterações de regime decorrem essencialmente da


passagem de uma fiscalização política para uma fiscalização de
tipo jurisdicional.
À primeira vista, atualmente, o procedimento parece
menos garantidor, mas note-se que até 1982 dependia de o
entendimento do Conselho da Revolução recomendar ou não a
elaboração da norma, enquanto que agora o TC é obrigado a dar
reconhecimento da inconstitucionalidade.
A partir de 1982 e pelo principio da separação de poderes,
o TC não pode dar a ordem para a elaboração da norma ao órgão
legislativo. A atuação do TC, quando verifica a omissão e dá
disso conhecimento aos órgãos legislativos, não é uma atividade
substantiva nem preventiva. Porque não elabora a norma, não há
por parte do TC uma defesa da CRP em sentido geral (o que se
prende também com os efeitos da fiscalização por omissão).
Ora assim sendo, os efeitos deste processo de fiscalização,
previstos no número 2 do 283º, poderão parecer mais difusos e
menos vinculativos dos que resultam de outras fiscalizações.
O TC quando aprecia e verifica a inconstitucionalidade por
omissão deve ter em conta as circunstâncias concretas de
política legislativa (ou seja, considerar se as normas em falta já
deviam e podiam ter sido elaboradas, o que implica, no fundo,
avaliar as condições ou possibilidade de legislar).

FIM

Direito Constitucional – II Semestre 42

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