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2016/2017

DIREITO ADMINISTRATIVO
PROF. PAULO OTERO

ANA MAFALDA MALÓ HIPÓLITO


FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Universidade de Lisboa
Fundamentos da
Administração Pública
1ª Parte
PROF. PAULO OTERO

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DIREITO ADMINISTRATIVO | Prof. Paulo Otero
DIREITO ADMINISTRATIVO
ADMINISTRAR, ADMINISTRAÇÃO E DIREITO (PÁGS. 20 A 34)

1. ADMINISTRAR
Proveniente do latim, a palavra administrare introduz uma noção de servir alguma coisa
ou agir na direção de algo. Assim, de acordo com uma génese histórica e etimológica, é possível
dividir a palavra em três ideias:
à Ação: implica agir.
à Rumo: agir em direção a um fim específico.
à Subordinação: tem sempre em vista um propósito.
Por outro lado, administrar consiste também numa organização, que envolve a gestão
de recurso, com vista à satisfação de interesses. Assim, é uma gestão humana, de recursos, que
envolve, não só, planear (estabelecer uma estratégia), mas também organizar (dispor dos meios
adequados), conformar (uma intervenção conforme à realidade), controlar e informar (comunicar
decisões). Visando a satisfação de interesses de terceiros, entende-se que é uma atividade
delegada – tendo, assim, natureza fiduciária.
Como atividade delegada, administração pressupõe que existe um titular cuja gestão de
interesses está em causa e uma atividade subordinada à vontade real ou presumida desse
titular, que deve exigir responsabilidade daquele que gere os seus interesses. Ou seja, a
Administração Pública cumpre uma obrigação.
Note-se que a dualidade da noção administração, que pode respeitar ao exercício, bem
como à organização, pode remeter-se à administração de interesses privados (administração
privada) ou à administração de interesses públicos. Quando se tratem de interesses privados,
estes não se encontram ligados ao poder público nem correspondem a necessidades com
relevância política – já no que respeita a interesses privados, poder-se-á afirmar a
correspondência. Ainda assim, nada implica uma separação: as entidades privadas podem ser
encarregues da gestão de interesses públicos, exercendo poderes administrativos (exercício
privado de interesses e poderes públicos), numa lógica de delegação. Pode, ainda, ocorrer que
entidades privadas exerçam interesses de natureza privada, com importante relevância pública
(com um toque administrativo) – Santa Casa da Misericórdia, Cruz Vermelha Portuguesa.
Em suma, a distinção entre Administração Privada e Administração Pública comporta
efeitos jurídicos: a privada prossegue interesses privados e a pública prossegue interesses
públicos; os ordenamentos a que se encontram sujeitos são diferentes; estão sujeitas a
princípios distintos (princípio da liberdade vs. princípio da competência); estão sujeitas a
tribunais distintos.

2. A FLEXIBILIDADE E AS MIGRAÇÕES DAS NECESSIDADES COLETIVAS


As necessidades coletivas, em resultado das ideologias políticas vigentes, sofrem
movimento migratórias, podendo oscilar entre três realidades: (1) privatizações ou
reprivatizações; (2) coletivizações ou publicização; (3) zonas de miscigenação.
(1) As privatizações ou reprivatizações ocorrem pela transferência (ou retorno) da
satisfação de necessidades coletivas da Administração para entidades privadas. Pode, ainda,
ocorrer uma mera delegação da gestão em entidades privadas, gerando o exercício privado de
funções públicas.
(2) As coletivizações ou nacionalizações implicam a transfiguração de interesses
privados em interesses públicos, alargando-se a intervenção pública na sociedade. O Direito da
União Europeia e o princípio da subsidiariedade do Estado tendem a limitar estes movimentos
expansionistas de intervenção estadual.

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(3) As zonas de miscigenação ocorrem quando as necessidades coletivas podem ser
objeto de satisfação através de formas de administração privada ou, até mesmo, num sistema
concorrencial, podem também ser objeto de satisfação pela Administração Pública. São casos
as áreas da saúde e da educação, nas quais concorrem instituições públicas e instituições
privadas.
Em termos gerais, para evitar estas migrações, o legislador poderá salvaguardar áreas
de reserva de iniciativa privada e áreas de reserva de administração pública.

3. A EVOLUÇÃO E AS FUGAS HISTÓRICAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO


O século XIII é já exemplificador da preocupação do Direito português em regular os
poderes e os termos do exercício das funções administrativas, pelas estruturas que integram a
administração. Assim, o Direito Administrativo nasce como uma ordem normativa que pretende
disciplinar a organização da administração.
Apesar de, desde cedo, se verificarem este tipo de preocupações, é só no século XIX que
se vai desenvolvendo, em França, por via jurisprudencial, e em Portugal, por via legislativa, um
ordenamento específico que confere poderes de superioridade à Administração Pública,
afastando as soluções do direito comum e a igualdade das partes que caracterizaria o Direito
Privado.
No entanto, no período oitocentista, estas prerrogativas de que beneficiava a
Administração Pública conduziram a um choque de duas aceções: a razão de Estado (a
supremacia) contra a razão do Estado (enquanto mecanismo de tutela e de garantia dos
cidadãos). Tornou-se, o direito Administrativo, numa luta contra os privilégios, em prol da qual
surgiram muitas limitações jurídicas ao agir da Administração.
Já em meados do século XX, numa tentativa de fuga às limitações, a Administração
resolve regressar ao direito comum. Assim, procurou fugir do Direito Administrativo, que poria em
causa a sua posição de supremacia.
No seguimento, o último século da História tem-se verificado como uma preocupação em
limitar a atuação administrativa quando ao abrigo do Direito Privado, administrativizando-a ou
publicizando-a. Assim, fala-se já num Direito Privado Administrativo, o que leva a crer – com
certeza – de que a ordem jurídica administrativa não se resume, em exclusivo, ao Direito
Administrativo.

4. O DIREITO ADMINISTRATIVO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Parece ser inconclusivo se se deverá falar em Direito Administrativo ou em Direito da
Administração Pública, dado ter-se já apreendido que a Administração é regulada por vários
ordenamentos, não apenas pelo Direito Administrativo. Assim, recorde-se que: o Direito
Administrativo é o ordenamento jurídico típico da Administração Pública, que, contudo, também
se regula por outros ordenamentos. Ainda assim, não deixa de ser imprescindível conhecer o
Direito Administrativo para melhor se compreender a Administração Pública.
Apesar de não ser único, o Direito Administrativo dispõe de uma reserva de regulação:
não pode ser feito desaparecer pelo legislador, nem poderá ocorrer um tal fenómeno de
privatização da regulação jurídica.

4.1. TRAÇOS IDENTITÁRIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO


O Direito Administrativo, em termos gerais, é o ordenamento regulador da Administração
Pública. Contudo, note-se que não é o único e que também é questionável que apenas regule a
Administração Pública.
Ainda assim, do Direito Administrativo é possível retirar algumas ideias fundamentais:
à A autoridade administrativa comprova a participação da função administrativa
na soberania do Estado.

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à Apesar da afirmação de posições de vantagem de particulares, é ainda
reconhecida a Administração Pública uma posição de soberania.
à A Administração está sujeita ao princípio da competência (permissão para o
exercício de dado poder) e ainda ao controlo da legalidade, da
constitucionalidade e judicial.

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O VOCABULÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PÁGS. 63 A 124)

1. OS CONCEITOS CENTRAIS
O vocabulário da Administração Público é ladeado de três conceitos fundamentais: (1) o
interesse público, (2) a vinculação, (3) a responsabilidade. É em torno deste núcleo essencial
que se desenvolve, por conseguinte, toda a ação administrativa.
(1) O interesse público fundamenta a atividade administrativa. Assumindo uma função
teleológica, entende-se que o agir administrativo tem em vista a prossecução do interesse
público.
Em termos substanciais, a noção de interesse público reconduz-se ao bem comum e
pode definir-se como necessidades coletivas que dispõem de relevância política (um interesse
que é comum a todos). De acordo com a regência, o interesse público afigura-se como as
necessidades de uma pluralidade de sujeitos, que têm sempre de se articular com uma correta
compreensão da dignidade e dos direitos humanos, ou seja, integra uma dimensão social da
dignidade humana – a satisfação não pode derrogar o núcleo essencial do princípio da dignidade
da pessoa humana.
Note-se, assim, que o bem comum está delegado ao Estado, o que implica que esta seja
a razão de ser dos poderes públicos: em termos gerais, não pode ser desrespeitado o núcleo
essencial da dignidade humana e devem ser tidos em respeito os direitos e deveres
fundamentais do homem.
Funcionalmente, o bem comum deve ser o critério de ação dos governantes, o que
alicerça uma dimensão ética ao exercício do poder e conduz a um princípio de moralidade
administrativa. Apesar de tudo, a definição deste conceito indeterminado de bem comum
depende da opção política vigente, sendo permeável às demais ideologias. Assim, dada a
permeabilidade do conceito, é inquestionável a sua ligação ao princípio democrático – já que as
opções políticas são resultado da vontade popular. A Administração Pública tem, deste modo,
como fundamento, limite e critério de ação o interesse público; dada a importância da sua
prossecução, a ele subjaz um princípio de boa administração – não se trata apenas de alcançar
o bem comum, mas de alcançar o melhor bem comum.
No entanto, não deixa de ser fundamental salientar o pluralismo e a conflitualidade que
subjazem ao conceito. Importa, assim, tomar em consideração uma dimensão intertemporal e
equigeracional do agir administrativo – as decisões do presente não se devem dirigir em
exclusivo às gerações presentes, podendo igualmente beneficiar as futuras, evitando a oneração
excessiva das gerações futuras. É igualmente importante salientar as demais configurações de
interesses públicos - territoriais, associativos (ordem dos advogados), institucionais e
transnacionais – que introduzem um clima de conflitualidade, já que se afigura impossível a
satisfação de todos, o que complexifica o agir e introduz a necessidade de balanceamento.
(2) A vinculação denuncia a necessidade de conformidade orgânica, procedimental,
material e teleológica do agir administrativo com os parâmetros normativos. Assim, a
Administração encontra-se subordinada a parâmetros normativos de conduta, nomeadamente
através de: fixação de competência, do procedimento, do conteúdo da atuação e dos fins dessa
atuação. A evolução história veio, assim, paulatinamente, a definir a lei como o limite do agir
administrativo.
Apesar de haver, claramente, vinculação, esta não atua sempre com a mesma
intensidade, podendo ser absoluta/rígida, quando se trate de regras, ou relativa/flexível, quando
se trate de princípios jurídicos (maior abertura decisória). Em consequência, a violação de regras
envolve, naturalmente, um grau de certa superior à violação de princípios. Subsiste, como se vê,
uma área de discricionariedade administrativa, que pressupõe que a própria Administração

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escolha de entre várias possíveis soluções, dentro dos parâmetros de normatividade e
procurando promover a eficiência, economicidade e a otimização. Pressupõe assim que se
procura pela melhor administração, sob a premissa de que o administrador é um bom
administrador.
De um modo geral, entende-se que a vinculação conduz à formulação de um juízo de
legalidade (conformidade jurídica) e de mérito (tendo-se em conta parâmetros de eficiência,
oportunidade e conveniência). Assim, se o juízo de mérito concluir um mau uso das normas,
entra-se no campo de uma ilegalidade indireta, por desrespeito do princípio da boa
administração.
Num cenário de desrespeito pelas normas jurídicas, pode ocorrer inconstitucionalidade,
ilegalidade (desrespeito pela legislação ordinária, que poderá ser direta ou indireta, fraude à lei)
ou ilicitude, quando haja uma vontade consciente de desrespeito. Significa, assim, que nem
sempre a legalidade se reconduz a ilicitude – podendo ocorrer que uma situação de ilegalidade,
depois de conhecido o erro e de persistência no mesmo, se torne numa situação de ilicitude. No
panorama de uma conduta inválida, importa notar que esta invalidade pode ser consequente (a
norma ao abrigo da qual se agiu era inválida) ou originária/própria (a norma era válida). O
desvalor-regra dos atos administrativos é a anulabilidade, podendo no entanto ser também a
nulidade ou a inexistência.
Note-se, em termos gerais, que a garantia da vinculação reside no controlo judicial, o que
denuncia a especial interdependência entre o poder judicial e o poder administrativo, sendo que
o primeiro pode limitar o agir do segundo. Ainda, panoramicamente, a vinculação está sujeita a
uma pluralidade de normas jurídicas e extrajurídicas (quando ocorre juridificação de tais
realidades).
(3) A responsabilidade fomenta o controlo dos resultados e dos efeitos da conduta
administrativa, procurando aferir o respeito, quer pelo interesse público, quer pela vinculação
(normatividade). Denuncia-se, assim, a necessidade de a Administração Pública prestar contas
da sua atividade.
Assim, relembre-se que esta necessidade de prestar contas se fundamenta em vários
aspetos: o agir administrativo é um poder delegado, logo há que responder perante o titular; a
prestação de contas fundamenta a própria vinculação, preenchendo o conceito; o controlo
provém do princípio republicano; o princípio democrático exige que a administração seja
legitimidade por maioria política. De um modo geral, dado que o poder atribuído à Administração
não é um privilégio, a responsabilidade e necessidade de prestação de contas decorre da
Garantia do Estado de Direito, limitando a autoridade do poder.
Tipologicamente, a responsabilidade pode ser por ação (algo que se fez e não deveria
ter feito) ou por omissão (aquilo que não se fez ou que se deixou de continuar a fazer). Em par
do que foi já referido, analisar a responsabilidade, implica analisar a conformidade jurídica da
conduta, controlar o mérito (a eficácia – se apta, a efetividade – se os efeitos pretendidos, e a
eficiência – se os resultados alcançados).
Já no que respeita ao objeto da responsabilidade, esta pode assumir várias aceções:
à Responsabilidade política – apreciação da oportunidade das soluções;
à Responsabilidade contenciosa – envolvendo litígios e uma solução pelo tribunal;
à Responsabilidade civil – gerando obrigação de indemnizar;
à Responsabilidade criminal – as condutas são tipificadas como crimes, levando
mesmo a pena de prisão;
à Responsabilidade disciplinar – violação de deveres, levando a infração
disciplinar;
à Responsabilidade financeira – violação de atos financeiros públicos que digam
respeito às normas de realização das despesas públicas;

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à Responsabilidade internacional e europeia – envolve a violação de
compromissos internacionais ou europeus.
Quando se trate de responsabilidade civil, os destinatários poderão ser de natureza
pessoal (titulares do órgão) ou de natureza institucional (versa sobre a própria instituição).
Não só o objeto ou os destinatários variam, mas também o cenário. Assim, a
responsabilidade poderá ocorrer no seio da Administração Pública (responsabilidade intra-
administrativa, entre subalterno e superior hierárquico), perante os tribunais (responsabilidade
judicial, numa ação contra o Estado), perante órgãos políticos (responsabilidade política
concentrada, apreciação pela AR de atos administrativos do Governo) ou perante o
eleitorado/opinião pública (responsabilidade política difusa, através de controlo social,
contencioso ou financeiro).
Para terminar, é fundamental não esquecer os efeitos da efetivação da responsabilidade
da Administração. Pode verificar-se, então, vários tipos: atos sancionatórios (um juízo de
responsabilidade, que introduz alterações na ordem jurídica); atos absolutórios (apesar do juízo,
não alteram a ordem jurídica); recomendações (expressam um sentido preferencial de decisão
futura, sem força imperativa); atos informais (tendo formas inorgânicas, poderão ou não ter
conteúdo sancionatório).

2. VOCABULÁRIO DOS PARTICULARES COMO ADMINISTRADOS


Os conceitos de interesse público, de vinculação e de responsabilidade também surtem
efeitos nos administrados: o primeiro, como forma de garantia de uma administração ao serviço
dos particulares; o segundo como forma de limitação do agir, podendo ser fonte de posições
jurídicas dos particulares; o terceiro como forma de reforçar a posição dos particulares, podendo
mesmo promover responsabilidade civil do Estado.
Entende-se, assim, que das normas administrativas é possível extrair posições jurídicas
subjetivas (de vantagem para os particulares), nomeadamente como defesa (ações negativas
pela Administração) e de proteção (ações positivas pela Administração).
Em termos gerais, existem três conceitos nucleares para os particulares: relação,
pretensão e garantias.
A relação pressupõe um vínculo entre a Administração e os particulares. Esta relação
pode, assim, conhecer três configurações diferentes:
à Relações gerais de poder: aplicam-se a todas as pessoas localizadas em
território do Estado, sujeitas à ordem jurídica, sendo titulares de direitos e de
deveres. Podem ser estabelecidas na Constituição, por ato legislativo, por
regulamentos administrativos ou oriundas de contratos (as duas últimas
administrativas produzem efeitos ergaomnes).
à Relações especiais de poder: estabelece-se um especial vínculo com a
Administração, ou seja, é o caso de se participar em dada organização política
ou ser dotado de um estatuto especial (funcionário público, utente do serviço
nacional de saúde, aluno do ensino público).
à Relações jurídico-administrativas: constituem-se por via unilateral ou bilateral,
pressupondo determinação de sujeitos. Em termos tipológicos, é possível
distinguir várias modalidades destas relações.
a) Simples ou complexas: quando envolvam um elemento ou vários elementos.
b) Pluralidade de partes: podendo ser bilaterais ou multilaterais (podendo,
mesmo, haver concorrência de interesses privados).
c) Pluralidade autónoma de pessoas integrantes de uma parte: unificadas em
torno de um interesse comum (alunos da subturma 2).
d) Contitularidade: expropriação de um prédio pertencente a dois ou três
proprietários.

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e) Que envolvem posições de: supremacia da Administração, igualdade ou de
supremacia dos titulares.
f) Que envolvem um título jurídico: válido, inválido (pode cominar em
anulabilidade ou em inexistência ou nulidade) ou sem título jurídico (p. e. -
situações paracontratuais, cuja estrutura se aproxima de um contrato –
acordo tácito; ou situações de estado de necessidade, como agentes da
proteção civil arrombarem uma porta).
g) Execução instantânea ou continuada: produção de efeitos num só momento
ou produção, de efeitos, ao longo do tempo.
Doutrina: alguns autores entendem que todo o direito administrativo se
reconduz a situações jurídico-administrativas. A regência discorda, na
medida em que considera que nem sempre se pode reconduzir o Direito
Administrativo a uma relação jurídica; para além disso, nem as demais
relações administrativas se reconduzem a jurídico-administrativas
(remissão a outras qualificações).
A pretensão formula um pedido efetuado pelo particular à Administração ou contra a
mesma (ato de vontade do particular, que envolve uma conduta ativa ou passiva da
Administração). Poderá ser primária se envolver um dado pedido/decisão ou secundária se
envolver a reapreciação de uma decisão jurídica anterior. No entanto, é importante lembrar que
a pretensão não garante uma decisão favorável.
Como envolve sempre o direito a receber uma decisão, em termos processuais, a
pretensão pode ser dirigida a obter a apreciação dos pressupostos de conhecimento da questão
material ou pode envolver o mérito do pedido (não o procedimento, mas o conteúdo). Em
contraponto, a decisão da administração poderá estar vinculada por norma impositiva
(vinculação a decidir favoravelmente), por norma proibitiva (vinculação a decidir
desfavoravelmente) ou por norma permissiva (poder discricionário).
No que respeita aos destinatários, as pretensões podem ser dirigidas à Administração
ou aos tribunais contra a Administração (não permite, o princípio da separação de poderes,
pretensões de mérito do agir administrativo). No entanto, a Administração é a destinatária
preferencial das pretensões dos particulares – devem ser dirigidas as pretensões primeiramente
à Administração (princípio de decisão prévia), o que revela que não há concorrência entre a
Administração e os tribunais, estando estes segundos dotados de competência para dirimir
litígios.
As garantias são posições jurídicas de vantagem que fundamentam pretensões relativas
a condutas administrativas – são trunfos. Permitem, de um modo geral, obter decisões positivas,
condutas materiais, a defesa da legalidade face a omissões ou ações ilegais, a não adoção de
uma conduta, etc. Assim, reforçam o protagonismo dos particulares.
Note-se, podendo levantar-se a questão, que não existe uma obrigação dos particulares
controlares/denunciarem a Administração, nem ninguém poderá ser obrigado a denunciar
situações que o autoincriminem (direito à não autoincriminação). Em termos tipológicos,
podemos encontrar garantias políticas, garantias administrativas ou garantias judiciais.
à Políticas: direito ao sufrágio, direito de participação política, direito de iniciativa
popular (referendos, p. e.), direito de petição, direito de resistência.
à Administrativas (acionar, junto da Administração, fiscalização da sua conduta):
garantias petitórias (pedir uma primeira decisão sobre dada situação), garantias
impugnatórias (colocam em causa dada decisão, solicitando alteração ou
revogação), a queixa do Provedor de Justiça (denuncia do agir da Administração
perante o Provedor de Justiça, que procederá à averiguação).
à Judiciais: determinam a formulação de pretensões contra a Administração,
podendo vidar a resolução de dado litígio, o efeito útil da sentença e a execução
da sentença contra a Administração.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
A REVOLUÇÃO ADMINISTRATIVA (PÁGS. 128 À 164)

1. A REVOLUÇÃO ADMINISTRATIVA
É sabido que é no Estado que reside a melhor tutela garantística a liberdade: sem esta
autoridade não há garantia de efetiva liberdade, tal como sem liberdade nenhuma autoridade é
legítima – resulta, assim, a necessidade entre autoridade e liberdade, que cabe à Administração
Pública. Ora, nas últimas décadas tem-se vindo a reequacionar esse equilíbrio, o que conduziu a
que a Administração Pública e o ordenamento regulador correspondente sofressem alterações.
Nestes termos, note-se desde logo a mudança das ideias de vinculação à lei: a lógica de
Administração como serva da lei tem perdido força, em resultado, sobretudo da imperfeição da
lei e da abertura do ordenamento – desmistificou-se o mito de uma completa subordinação à lei.
Deve-se, esta perda de importância, também à crise da representação política parlamentar, que
retirou legitimidade democrática à lei, o que fez com o que o Governo ganhasse legitimidade
reforçada – órgão superior da Administração Pública.
Para além disso, outras mudanças se operaram: o Estado foi objeto de uma abertura
externa, internacionalizando-se (nomeadamente, com a integração na União Europeia) e, ainda,
permitiu a sua fragmentação interna – passou a descentralizar poderes em entes infraestaduais
e a delegar funções a entidades privadas.

1.1. OS PRINCIPAIS MOMENTOS


à 11 de Setembro: um ataque terrorista que fez ressurgir a preocupação com a
segurança, numa dimensão, também, de direitos fundamentais.
à Crise financeira 2008: veio restruturar o entendimento de bem comum e o papel
do Estado, enquanto intervencionista (equacionando as funções e o
redimensionamento) – esta realidade num contexto internacional, com um agir
controlado, nomeadamente, pela União Europeia.
à Autolimitação da soberania: num contexto de direito internacional e de
integração de uma ordem jurídica europeia e internacional, que condiciona a
soberania;

1.2. A SUSTENTABILIDADE
No contexto da revolução da Administração, surgem vários entendimentos que podem
ser dados à visão que tem das gerações anteriores e das gerações futuras:
à Administração Conservadora: coloca ênfase nas gerações passadas, afirmando
que o presente se encontra condicionado pelo passado;
à Administração Predadora: coloca ênfase no agir do presente, que consome o
futuro – não age conforme o futuro, sem preocupações sustentáveis;
à Administração Sustentável: entende que o presente deve ser ditado pelo futuro,
o que significa uma preocupação com o facto de a geração presente não
consumir, esgotar ou sacrificar o consumo da população futura.
Assim, em termos gerais, o que significa sustentabilidade? Desenvolvimento e satisfação
de necessidades da geração atual, não restringindo a capacidade das gerações futuras. Exige,
deste modo, o aproveitamento racional dos recursos naturais.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
BASES JURÍDICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – O CONCEITO E AS FUNÇÕES
(PAGS. 171 À 250)

1. O CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


O conceito de administração pública reporta a três sentidos diferentes: administração
como atividade, administração como organização e administração como poder ou autoridade.
É uma atividade que, desde logo, traduz a gestão de recurso, garantindo a prossecução
de normas de atribuição; um sentido objetivo ou material (conteúdo). Esta função administrativa
prossegue interesses não próprios, mas públicos, e pressupõe uma subordinação à vontade
constitucional e da vontade legislativa (vinculação), que se converte em controlo dessa
conformidade (nomeadamente, judicial).
Para além disso, é também o sujeito, que tanto engloba entidades públicas (exercício da
função administrativa direta) e entidades privadas, que prosseguem normas de atribuição
(exercício da função administrativa de forma indireta).
Ainda, a Administração Pública, dado os interesses que subjazem ao cargo, goza de
meios de autoridade que lhe permitem definir o Direito aplicável a situações concretas
(autotutela declarativa) e recorrer à força para impor a vontade (autotutela executiva).

1.1. PLASTICIDADE DAS NECESSIDADES A CARGO DA ADMINISTRAÇÃO

1.2. MULTIPLICIDADE DE TAREFAS A CARGO DA ADMINISTRAÇÃO


A Administração Pública exerce numerosas tarefas, de entre as quais cabe ressaltar
algumas:
à Recolha e tratamento de informação.
à Previsão e antecipação dos riscos: alerta principal para prevenir e minimizar os
riscos públicos, inerentes à sociedade de risco atual.
à Regulação ordenadora: resolve situações concretas através da aplicação de
critérios de decisão, elabora normas e prepara decisões de poder politico, poder
legislativo e poder judicial (serviços de secretaria dos tribunais).
à Execução de anteriores decisões: executa diretamente atos normativos, o que
permite que seja a própria Administração a determinar o sentido interpretativo,
e presta serviços que visam a satisfação de necessidades coletivas concretas.
à Controlo da atuação: pode ocorrer por iniciativa própria ou de terceiro, levando
ao controlo da sua própria conduta, da conduta de privados que exercem
funções publicas e da conduta de particulares que exercem atividades com
relevância pública.

1.3. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


1.3.1. RESERVA DA FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E CONCEITO
A função Administrativa traduz uma função constituída do Estado e encontra-se moldada
pela Constituição; assim, tem de respeitar a lei e as decisões dos tribunais, sempre obrigatórias.
No entanto, note-se que o poder legislativo, apesar de ser respeitado pela Administração, tem de
respeitar um espaço mínimo de intervenção autónoma da Administração Pública – um espaço
reservado de decisão e uma autoridade paralela em relação a outros poderes do Estado.

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Assim, podemos traçar alguns traços gerais do conceito da função administrativa: integra
toda a atividade pública, que visa a satisfação das necessidades coletivas (não envolve definir
opções políticas primárias nem produzir sentenças judiciais); essas necessidades fundamentam-
se num ato jurídico (normas de atribuição); visa a satisfação de tarefas principais, como
ordenação da vida social, garantia da ordem e da segurança, realização de prestações sociais,
obtenção de recursos financeiros e gestão de meios humanos e materiais; envolve a prática de
atos jurídicos e de operações materiais.

1.4. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E PODER ADMINISTRATIVO


O poder administrativo é o poder soberano e encontra-se subordinado à lei, possuindo
uma autoridade decisões, que se encontrada fundamentada na Constituição.
Para além disso, a subordinação à lei e às decisões dos tribunais consubstancia o
princípio da separação de poderes: como se viu, há uma área de reserva de administração, que
blinda a usurpação do poder de decisão pelos poderes legislativo e judicial; ao mesmo tempo,
há uma área de interdição, na qual o poder administrativo se submete aos restantes.
Excecionalmente, reconheça-se que a subordinação à Constituição não impede que o
poder administrativo possa ir além da lei – exercício praeter legem – e, ao mesmo tempo, nota-
se que as opções políticas expressas na lei são condicionadas pela intervenção da Administração
(ocorre uma modulação do conteúdo da lei – o que leva a crer que antes da subordinação à lei;
a lei subordina-se à Administração).
Ressalve-se, ainda, que há uma área decisória da Administração que se encontra imune
ao controlo judicial – toda a área que envolva decisões de mérito. Esta imposição resulta de
circunstância de os tribunais controlarem, apenas, a legalidade.
Ao mesmo tempo que, como visto, a Administração coloca meios de intervenção sujeitos
à satisfação de fins, também recorre a meios de paridade jurídica para estabelecer um
relacionamento com terceiros, nomeadamente através da cooperação e da concertação, quer
seja por via contratual ou por via unilateral dependente de aceitação.

1.5. NORMAS DE COMPETÊNCIA E ORGANIZAÇÃO INTERNA DO PODER


ADMINISTRATIVO
As normas de competência da Administração Pública procuram conferir os meios ou
configurar os efeitos da intervenção administrativa; gozam, assim, de uma posição hierárquica
superior em relação às decisões que ao seu abrigo são tomados. Por norma, envolvem sempre
uma imposição (exceto se a norma de competência for de natureza condicional) e contrapõem-
se a pretensões dos particulares.
Em termos tipológicos, existem três tipos de normas de competência:
à Normas de ação ou que conferem competência: atribuem poderes específicos
de intervenção.
à Normas que disciplinam o exercício de uma competência: definem em que
termos podem esses poderes ser exercidos, ou seja, de natureza procedimental.
à Normas que regulam normas de competência: são normas secundárias, que
disciplinam as normas de competência e envolvem, p. e., a produção de normas
Quanto às normas que conferem competência, podemos distinguir vários tipos:
à Normas de tarefas ou incumbências públicas: estabelecem as fronteiras entre
as necessidades a cargo do poder público e as necessidades a cargo do poder
privado, levando o desrespeito a violação da reserva de sociedade civil/direitos
fundamentais.
à Normas de divisão ou separação de poderes: distribuição das necessidades
pelos diversos poderes, cujo desrespeito leva a usurpação de poderes.

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à Normas de atribuições: a satisfação pertence à Administração e permitem que
as entidades publicas coletivas satisfaçam o interesse público, levando a
violação a incompetência absoluta (ilegalidade orgânica).
à Normas de competência em sentido estrito: distribuem os poderes entre os
vários órgãos das entidades administrativas, levando a violação a incompetência
relativa (meramente anuláveis).
1. Normas de competência potestativa: as alterações dependem da
intervenção unilateral.
2. Normas de competência não potestativa: as alterações não dependem
da intervenção uniliteral, exigindo outras cooperações.
Quanto às normas que disciplinam o exercício de uma competência, podemos distinguir
vários tipos:
à Normas que definem princípios gerais: devem salientar-se os princípios da
legalidade da competência, da irrenunciabilidade da competência e da
inalienabilidade da competência.
à Normas que fixam os pressupostos do exercício, figurando um cenário para o
exercício dos poderes; o erro nos pressupostos conduz a incompetência.
à Normas que determinam os fins do exercício, definindo o motivo pelo qual a
competência deve ser exercida, levando o desrespeito a uma situação de desvio
de poder.
à Normas que estabelecem limites ao exercício, estabelecem as condições e
requisitos do objeto da decisão; a violação conduz a violação da lei.
à Normas que relevam o procedimento e a forma do exercício, cuja violação leva
a ilegalidade formal ou vício de forma.
Quanto às normas que regulam normas de competência, podemos, de entre elas,
distinguir:
à Normas que regulam a produção as normas de competência.
à Normas que disciplinam as relações entre as fontes das normas de
competência.
à Normas que resolvem conflitos de normas de competência, quer seja conflitos
decorrentes do conteúdo (competência odiosa, conflito negativo; competência
agradável, conflito positivo).
à Normas que definem critérios de interpretação.
à Normas que incidem sobre a integração de lacunas.
Note-se que, as normas que regulam normas de competência, têm particular relevância
nas relações entre os demais espaços de sobreposição decisória da Administração, onde se
estabelecem potenciais relações conflituantes.

1.6. FORMAS E MEIOS DE ATIVIDADE ADMINISTRATIVA


No exercício da atividade administrativa, a Administração Pública recorre a formas
jurídicas e a formas não jurídicos. Para além disso, as situações podem ter como recurso o Direito
Público ou o Direito Privado, ter incidência substantiva ou processual e envolver ação ou omissão.
Note-se que a invalidade nem sempre impede a produção de efeitos ou exclui o dever de
obediência.
Assim, as formas de atividade podem transformar a realidade factual (atos materiais),
definir linhas políticas do agir administrativo (atos políticos) ou envolver condutas informais em
relação à legalidade, num agir praeter legem (atuação informal).
Em paralelo às formas, afigura-se importante analisar os meios, que podem envolver
natureza humana, natureza material (nomeadamente, através de bens ou de suporte

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patrimonial), natureza organizativa (através de estruturas funcionais e ordenadas de pessoas
singulares, integrando o interior de pessoas coletivas) ou natureza privada (recorrendo a
entidades privadas para a prestação de serviços, através de regimes contratuais).
Neste sentido, os últimos anos, de profunda revolução administrativa, têm permitido
significativas alterações nos meios recorridos: a aproximação do regime do trabalho público ao
regime do trabalhador privado; a venda de património público, nomeadamente quando
alicerçado a motivações financeiras; aumento das necessidades financeiras; recurso contratual
a meios privados, fomentando parcerias público-privadas e privatização de serviços públicos,
criando zonas de Administração Pública mínima. Para além disso, note-se que a conjunta
financeira atual tem contribuído para o repensar destes meios, procurando-se também pela
estabilidade económica.

2. TIPOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


A tipologia centra-se em cinco critérios fundamentais: o Direito Regulador, a Estrutura
Organizativa, a Atividade Desenvolvida, o Procedimento Adotado e os Efeitos Produzidos.

2.1. EM FUNÇÃO DO DIREITO REGULADOR


à Administração de Direito Público e Administração de Direito Privado
à Administração vinculada e Administração discricionária
à Administração fundada na Constituição e Administração fundada na legalidade
à Administração de exceção e Administração de normalidade
à Administração formal e Administração Informal
à Administração oficial e Administração não oficial

2.2. EM FUNÇÃO DA ESTRUTURA ORGANIZATIVA


à Governo como órgão administrativo e restante Administração
à Administração territorial, Administração associativa e Administração Institucional
à Administração central e Administração periférica
à Administração geral e Administração corporativa
à Administração do Estado, Administração Infraestadual e Administração Supraestadual
à Administração sob a forma pública e Administração sob a forma privada

2.3. EM FUNÇÃO DA ATIVIDADE DESENVOLVIDA


à Administração substantiva e Administração processual
à Administração neutral e Administração Intervencionista
à Administração produtora e Administração reguladora
à Administração burocrática e Administração empresarial
à Administração de sacrifícios e Administração de prestação
à Administração de ordenação e Administração de infraestruturas
à Administração de estratégia e Administração de transformação
à Administração visível e Administração invisível
à Administração militar e Administração civil

2.4. EM FUNÇÃO DO PROCEDIMENTO ADOTADO


à Administração unilateral e Administração bilateral
à Administração impositiva e Administração concertada
à Administração de subordinação e Administração paritária
à Administração executiva e Administração judiciária

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à Administração eletrónica e Administração tradicional
à Administração transparente e Administração opaca

2.5. EM FUNÇÃO DOS EFEITOS PRODUZIDOS


à Administração de assistência e Administração agressiva
à Administração constitutiva e Administração declarativa
à Administração decisória e Administração consultiva
à Administração preventiva e Administração repressiva
à Administração interna e Administração externa
à Administração nacional e Administração transnacional

3. POSIÇÕES JURÍDICAS DOS PARTICULARES FACE A ADMINISTRAÇÃO


Todo o tipo de situações da vida que envolvem a Administração Pública podem designar-
se de situações jurídico administração; quando envolvam sujeitos, ou seja, fala-se nas posições
jurídico-administrativas. Assim, estas últimas podem envolver as entidades integrantes da
Administração Pública ou os particulares. No tratamento com particulares, a Administração deve
sempre ter por base o princípio da igualdade – tratar igual o que é igual e desigual o que é
desigual.
As posições jurídico-administrativas, no que respeita aos particulares, podem resultar
direta ou indiretamente de normas jurídicas ou podem resultar de normas de competência que
permitam à Administração a sua criação – em relação a fontes. No que respeita ao conteúdo,
podem ser ativas (situações de vantagem para a satisfação de interesses) ou passivas (situações
de desvantagem aos interesses de quem as deve suportar). Por norma, as primeiras envolvem
um dever geral de respeito para terceiros e as segundas posições jurídicas ativas para terceiros.
As posições jurídicas ativas envolvem direitos subjetivos, que conferem ao titular um
poder que lhe permite afetar juridicamente um bem à prossecução de um fim (a administração
tem de responder favoravelmente, não tem margem livre de atuação), e interesses legalmente
protegidos, todas as que não se reconduzam a direitos subjetivos (sendo favorável, não permitem
exigir uma decisão favorável; a ela subjaz um direito subjetivo processual). Note-se que ambas
as posições jurídicas envolvem um poder e uma faculdade.

3.1. POSIÇÕES JURÍDICAS ATIVAS


3.1.1. DIREITOS SUBJETIVOS
Ora, os direitos subjetivos podem ser absolutos, quando envolvem posições ergaomnes,
que não dependem de uma relação particular e impõe a todos um dever geral de respeito (direito
ao respeito pela dignidade humana); ou relativos, quando assentam numa relação jurídica,
traduzindo uma posição de vantagem face a um sujeito determinado (direito a ser indemnizado
pela expropriação feita por uma autarquia local). Se dispuserem de proteção constitucional,
designam-se de Direitos Fundamentais; caso contrário, designam-se de direitos subjetivos em
sentido estrito, que podem ser perfeitos (não se encontram enfraquecidos) ou imperfeitos
(quando se encontrem enfraquecidos).
Podem, ainda, subdividir-se: direito potestativo, que envolve a alteração da ordem
jurídica, de forma unilateral, em relação a quem são exercidos; direitos não potestativos, não
envolvem qualquer alteração na ordem jurídica.
Para além disso, poderão ter natureza patrimonial (avaliação pecuniária), ou não
patrimonial; ou ter natureza privada, regulação pelo direito privado, ou publica, regulação pelo
direito público (podem envolver uma ação a favor do particular ou uma omissão a favor do
particular).

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Acresça-se que podem assumir natureza substantiva (atos de satisfação de pretensões),
de natureza procedimental (exigir a tramitação processual de dada pretensão) e processual (que
se permitem exercer junto dos tribunais contra a Administração.

3.2.2. INTERESSES LEGALMENTE PROTEGIDOS


Ora, os interesses legalmente protegidos podem assumir natureza
individual/individualizável, quando emergem de atos que visam proteger dada pessoa e os seus
interesses (legítimos ou diretamente protegidos) ou que visam proteger o interesse geral e,
indiretamente, o particular (indireta ou reflexamente protegidos).
Para além disso, são também distinguíveis: normas que criam interesses legalmente
protegidos com equiparação a direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos sem
qualquer equiparação; normas que podem convertem meros interesses em interesses
legalmente protegidos; normas que permitem evoluir os interesses para direitos subjetivos;
normas que permitem a degradação de direitos subjetivos para meros interesses.
Em acréscimo, refira-se a distinção: interesses opositivos, que fazem surgir, na
sequência do exercício de um poder pela Administração, um interesse no particular em reagir
contra esta (demover decisões administrativas; interesses pretensivos, no sentido da realização
de algo pela Administração; interesses de legalidade, exigir à Administração o cumprimento da
normação; interesses de mérito, exigência de conveniência do agir administrativo discricionário;
interesses legalmente protegidos perfeitos (que têm tutela judicial); interesses legalmente
protegidos imperfeitos (que não têm tutela judicial – relaciona-se com interesses de mérito).

3.3.3 POSIÇÕES JURÍDICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Ora, é verdade que a Administração Pública é titular de posições jurídicas; a questão
reside em saber se é, também, titular de direitos subjetivos.
Desde logo, refira-se que as posições jurídicas ativas da Administração reportam-se à
sua competência, compreendendo o conjunto de poderes ou faculdade conferidas pelo
ordenamento jurídico. No entanto, a competência não se identifica nem com direitos subjetivos
nem com interesses legalmente protegidos: obedece a um princípio geral de tipicidade, está
vinculada pelas normas de atribuição/interesse público, é indisponível e irrenunciável, e o não
exercício consubstancia um ato ilegal.
No entanto, a doutrina portuguesa parece reconhecer a possibilidade de o Estado ser
titular de Direitos Subjetivos – a regência entende, assim, que a Administração é titular de
direitos subjetivos, sobretudo nas suas relações com os particulares. Para além disso, também
admite que as entidades públicas são titulares desses direitos subjetivos e de interesses
legalmente protegidos (direitos e interesses intra-administrativos) – existem, mesmo, direitos
subjetivos oponíveis aos particulares (enquanto sujeitos passivos).
Cabe, ainda assim, fazer precisões quanto à matéria: não podem, estes direitos
subjetivos, traduzir uma ameaça efetiva à esfera da sociedade civil e ao espaço de direitos,
liberdades e garantias dos particulares. Para além disso, a resistência por partes destes não
podem ser resolvida através da autotutela declarativa nem da autotutela executiva, mas antes
através dos tribunais.

3.2. POSIÇÕES JURÍDICAS PASSIVAS


As posições jurídicas passivas dos particulares, face à Administração, podem ter
natureza privada ou natureza pública, conforme sejam reguladas por Direito Privado ou por
Direito Público, e podem ser subdividas em três categorias:
à Deveres: obrigação, por parte do seu titular, em realizar ou suportar uma
conduta. Poderão ser fundamentais, se resultarem de uma obrigação constante

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da Constituição, ou não fundamentais, constantes de atos normativos
infraconstitucionais.
à Sujeições: o sujeito encontra-se vinculado a suportar, na sua esfera jurídica, os
efeitos da atuação unilateral do titular de uma posição jurídica ativa potestativa.
Podem assumir natureza geral, decorrentes da vida em comunidade, com o
propósito de vincular a generalidade dos cidadãos; ou natureza especial, impõe
a vinculação para um número determinado de pessoas.
à Ónus: estabelecem um determinado encargo como meio para obter uma posição
de vantagem – são estabelecidos em proveito do interesse do próprio - não
resultando, o incumprimento, em qualquer ilicitude, apenas impedindo a
obtenção de uma vantagem.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
MEMÓRIA HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PÁGS 254 A 292)

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DIREITO ADMINISTRATIVO
CONCEÇÕES POLÍTICO-FILOSÓFICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PÁGS. 295 A 328)

1. POLITICIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


1.1. CONCEÇÃO TRADICIONAL E CONCEÇÃO ALTERNATIVA
A Administração Pública, nomeadamente o seu agir, pode ser visto de um prisma de
dependência do poder político e de um prisma de independência do poder político.
Ora, decorre da conceção que reconduz o agir à dependência do poder público, a ideia
de que a Administração Pública exerce um poder executivo encarregue de conferir eficácia
aplicativa às opções políticas tomadas pelo legislador. Logicamente, deduz-se uma supremacia
do poder legislativo com a respetiva instrumentalização da Administração.
Ora, em contraponto, a independência em relação ao poder político, pressupõe a
distinção entre a estrutura de topo do poder executivo da restante Administração. O poder
executivo de topo disporia de um espaço próprio e autónomo, de decisão política – a restante
Administração, por sua vez, estaria subordinada à vontade política do topo do executivo.
O século XX vem dar apoio às segundas conceções: uma Administração politicamente
autónoma do poder executivo, sem que seja apenas uma mera executora da lei, é compatível
com o princípio democrático – prevêem-se matérias que se situam na reserva de poder
regulamentar (não passíveis de ser reguladas pela lei – França); em Portugal, de relevar a
aplicabilidade direta de preceitos constitucional, permitindo o exercício de atividades não
executivas da lei, patentes do artigo 199º, alínea g), e a circunstância de, fora da reserva de lei,
em setores legislativos, o governo poder fazer um Decreto-Lei ou um Decreto Regulamentar sem
intermediação do poder legislativo parlamentar.

1.2. PARTICIPAÇÃO NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA


A politização da Administração Pública também se reflete na sua participação no
procedimento de feitura das leis.
Montesquieu já desvendava a participação do monarca (como órgão topo da
Administração) no referido procedimento, através do poder de veto, que obrigava à consideração
da vontade do monarca. No entanto, é Benjamin Constant que desenvolve a fundo a ideia: são
conjugadas duas vontades, a do legislador e a do monarca, que sanciona, poder vetar em termos
absolutos. Nestes traços, entendia o autor ser o poder legislativo partilhado por dois órgãos – o
parlamento teria a primeira palavra e o rei a última (recebeu acolhimento em Portugal, na Carta
Constitucional de 1826).
É, ainda, de notar a politização em resultado de uma Administração mais apta a resolver
problemas técnicas especializados: não seria a conduta Administrativa a ser ditada pela lei, mas
a lei a receber soluções de técnicos da Administração – dispondo, assim, e força vinculante do
conteúdo da lei. A Administração é, também ela, autora de propostas de lei – que carecem de
aprovação no parlamento, mas que vinculam o conteúdo da lei – e dispõe de áreas de reserva
de iniciativa (caso do Orçamento de Estado).

1.3. A EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO


A politização decorre, igualmente, da relação entre a Administração e a Constituição:
existem, de facto, situações de aplicabilidade direta das normas constitucionais pela
Administração Pública – esta circunstância acaba a politiza-la.

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Perante as normas constitucionais, a Administração Pública é chamada a produzir bens
e a prestar serviços que satisfaçam os direitos económicos, sociais, culturais e ambientais. Estas
imposições de bem-estar, com a Administração como destinatária, conferem-lhe protagonismo
político – a Constituição em ação, que se confronta com a Constituição em omissão, em resultado
de um idealismo não concretizável pelo agir pragmático da Administração.

1.4. POLITICIDADE DAS DECISÕES E O MITO DA NEUTRALIDADE


A Politicidade contribui para que as decisões administrativas sejam dotadas de um
conteúdo político: ao invés de neutras, mostram-se comprometidas a nível político, modelando o
interesse público através da oportunidade política; há um espaço de liberdade política, indirizzo
político, que lhe permite criar novos pressupostos de conduta, sem que traduzem natureza
predeterminada ou executiva da Constituição ou da lei.
No entanto, apesar da Politicidade, há limites intransponíveis: as decisões têm sempre
de visar a prossecução do interesse público; devem ser respeitadas as fronteiras do princípio da
separação de poderes; são proibidas condutas que gerem lesão a pessoas individualmente
consideradas (respeito de direitos e interesses legalmente protegidos).

2. PERSONALISMO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


2.1. INTERESSE PÚBLICO E A CONCEÇÃO PERSONALISTA
A prossecução do interesse público pode fazer-se de acordo com três conceções
distintas:
à Conceção totalitária: a prossecução do interesse público prevalece de forma
absoluta, admitindo-se o sacrifício de posições jurídicas;
à Conceção compromissória: harmonização entre o interesse público e o respeito
pelas posições jurídicas;
à Conceção personalista: prevalência absoluta do núcleo essencial da dignidade
humana sobre a prossecução do interesse público;
Decorre da interpretação do artigo 266º/1 a conceção personalista da Administração
Pública, que se conjuga com o primado do princípio da dignidade humana, patente do artigo 1º:
a prossecução do interesse público encontra na dignidade humana o seu fundamento e os seus
limites. Pode sintetizar-se em algumas ideias: a pessoa humana tem o primado sobre as
necessidades coletivas e materiais; o poder acolhe uma conceção antropocêntrica.
Assim, a Administração Pública encontra, em cada ser humano, o sujeito e o fim da sua
atividade. Em termos gerais: a dignidade humana contribui para densificar o conteúdo dos
interesses públicos, determinando que não existem razões que habilitem o ser humano a ser
tratado com indignidade pela Administração. Para além disto, só a dignidade humana pode
condicionar a dignidade humana – se for caso de ponderação. A decisão administrativa é
teleologicamente fundada no respeito pela dignidade humana, o que faz emergir um dever
administrativo de revisão de decisões lesivas ou passiveis de gerar perigo à dignidade humana.

2.2. CONCEÇÃO PERSONALISTA E DEVERES FUNDAMENTAIS


A conceção personalista é, ainda, fonte de direitos fundamentais: a existência de direitos
fundamentais decorrentes da dignidade humana faz emergir deveres fundamentais, também
alicerçados na dignidade humana – tanto o respeito pelos direitos como o respeito pelos deveres
fundamentam uma postura por parte da Administração.
A especial vinculação da Administração a direitos e deveres fundamentais, enquanto
corolário do personalismo, leva a que estes estes direitos e deveres possam ser fundamento e

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limite da intervenção administrativa; para além disso, leva a que os direitos fundamentais sejam
tidos como instrumentos de defesa, mandatos de proteção, obrigações prestacionais,
vinculações procedimentais ou problemas organizacionais e que a conduta administrativa se
alicerce num princípio geral de justiça, na medida em que proíba o excesso ou a insuficiência,
tutele a confiança e promova a igualdade.

2.3. A CIDADANIA ADMINISTRATIVA


A conceção personalista, nesta medida, demonstra a incompatibilidade com a ideia de
que o particular, nas suas relações com a Administração, é um súbdito – afinal, o particular
dispõe de posições jurídicas ativas que se impõem junto da Administração e, como sujeito de
Direito Administrativo, é também cidadão administrativo.
Em termos gerais, pode considerar-se ultrapassado o conceito de administrado ligado a
uma posição jurídica de subordinação (na ótica oitocentista), que é substituído pelo particular,
titular de direitos fundamentais perante a Administração, como cidadão cujo agir se associa à
liberdade e à igualdade e que pode, efetivamente, participar no poder administrativo. Assim, a
cidadania administrativa é fundamental nas conceções personalistas, enquanto expressão da
valorização do ser humano, como razão de ser e fundamento da Administração – procurando-se,
assim, por uma Administração paritária.
Consequentemente, a cidadania administrativa corporiza, não só a conceção
pessoalista, mas também uma democracia administrativa – reúne características como a
preferência por mecanismos de negociação e de concertação, procurando o consenso decisório
e amplo direito de participação a todos os interessados.
Levanta-se, no entanto, a questão de saber que sujeitos integram o conceito de
cidadania administrativa. Em geral: todos os nacionais (pessoas singulares e coletivas; todos os
estrangeiros e apátridas que entrem em contacto com a Administração Pública portuguesa;
estruturas não personalizadas nacionais e estrangeiras que entrem em contacto com a
Administração Pública portuguesa (famílias, p.e.)

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DIREITO ADMINISTRATIVO
CONSTITUIÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. CONSTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA
O conceito de Constituição Administrativa reporta-se às disposições constitucionais
referentes à Administração Pública e às suas relações com os cidadãos (posições jurídicas dos
particulares) – representa um verdadeiro código administrativo.
Desempenha, por norma, três funções: bases de regulação da organização, atividade e
autoridade da Administração Pública; fundamenta as garantias dos cidadãos face à
Administração; forma um setor normativo com força jurídica superior, designado normalmente
de Direito Constitucional Administrativo. Vincula, assim, toda a regulação da Administração.
Note-se, ainda, que esta Constituição Administrativa pode resultar de uma dimensão
formal, que foi objeto de publicação oficial – ou seja, que se encontra escrita -, ou pode resultar
de uma dimensão não escrita, proveniente da Constituição (Administrativa) não oficial.
Há, assim, dois conceitos de Constituição Administrativa:
à Uma Constituição Administrativa formal, que integra os preceitos da
Constituição Administrativa formal que se referem à Administração e às suas
relações com os cidadãos.
à Uma Constituição Administrativa material, cujos preceitos, integrando as
normas da Constituição formal, podem resultar da análise de fontes
infraconstitucionais, através das quais se obtêm essencialidades estruturantes
– ganham uma dimensão material constitucional ao nível da organização e
funcionamento da Administração.

1.1. CONSTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA E CONSTITUIÇÃO POLÍTICA


A Constituição Administrativa é parte da constituição política, o que significa que a
segunda condiciona a primeira – a política dita a administrativa.
Atualmente, vive-se – apesar de ser afirmado o avanço do Direito Constitucional e a
permanência do Direito Administrativo – um casamento sem divórcio entre os dois
ordenamentos. Esta relação de dependência mútua resulta do facto de muitas normas
constitucionais só se tornarem efetivas graças ao Direito Administrativo, assim como o facto de
os problemas administrativos serem também problemas constitucionais.
Esta relação de dependência acaba por se verificar em vários níveis: o regime político
adotado, o sistema de direitos fundamentais e a sua importância ou a matriz económica (seja
intervencionista, seja liberal) refletem-se no agir administrativo, nas soluções adotadas, nas
garantias dos cidadãos e no intervencionismo administrativo.
Em traços gerais, analise-se as várias condicionantes políticas – da Constituição Política
– que se veem refletidas na Constituição Administrativa:
à O modelo político constitucional de Estado: o modelo constitucional pluralista
deve reunir garantias dos direitos fundamentais, designação dos titulares ativos
do poder através de eleições periódicas, reconhecimento de protagonismo aos
partidos, hierarquia das normas jurídicas e vinculação de validade (princípio da
legalidade e princípio da constitucionalidade) e controlo jurisdicional da
atividade do poder público.
à A forma de Estado: traça a distinção entre Estados unitários e Estados
compostos, o que se projeta na organização da Administração, na repartição de
poderes e na estrutura do ordenamentos; pode verificar-se na complexidade de

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organização (maior em estados compostos), nos modelos de centralização e
descentralização do poder, simplicidade de estruturas, etc.
à O sistema económico: pode refletir-se, as distinções, entre sistemas económicos
de mercado e sistemas de direção central, sendo que nos primeiros será menor
a intervenção e maior a iniciativa privada (livre funcionamento do mercado), e
nos segundos será maior a intervenção da Administração, nomeadamente no
exercício da atividade empresarial, na produção de bens e na prestação de
serviços.
à O sistema político governativo: a dicotomia assenta entre a matriz presidencial e
a matriz parlamentar, sendo que o primeiro se reflete num protagonismo político
unipessoal adotado pela Administração, falando-se em Administração do
presidente; já o segundo promove a colegialidade, a direção e a
responsabilidade individuais, havendo legitimação indireta do Governo por via
parlamentar – Administração do Governo.
• Em Portugal, verificando o segundo cenário, concretiza-se o Governo
como o órgão superior da Administração Pública, competindo ao PM
dirigir a política, coordenar a ação dos ministros e controlar a maioria
parlamentar, de que é líder.
• Maioria absoluta parlamentar: se, nas eleições, os resultados forem de
maioria absoluta verifica-se uma Administração do primeiro-ministro,
enquanto órgão a que compete a Administração Pública e as suas
demais pessoas coletivas.

1.2. CONFLITUALIDADE ADMINISTRATIVA CONSTITUCIONAL


A natureza compromissória do texto constitucional português, que remonta a 1976,
determina que se procure o fundamento para a tutela e garantia de bens, interesses e valores
junto da Administração.
A par desta realidade, note-se que a Constituição Administrativa se complexifica, o que
faz com que num texto constitucional convivam diferentes posições jurídicas subjetivas; a
diversidade, apesar de positiva, também releva para uma hipertrofia, na medida em que a
pluralidade de princípios gerais, que fundamentam o agir e a organização administrativa,
conduzem a um crescente movimento de reivindicação de posições jurídicas concorrentes e
conflituantes.
Sabe-se, nestes termos que nem todos os bens, interesses ou valores podem obter
sucesso de garantia pela Administração Pública – muitas das posições jurídicas subjetivas em
causa são, na verdade, incompatíveis e não passíveis de satisfação simultânea. Naturalmente,
as colisões de interesses, bens ou valores administrativos assumem também natureza
constitucional – pelo que, atualmente, a Administração Pública ganha protagonismo como
árbitro, ao dirimir conflitos com incidência constitucional, procurando garantir a satisfação de
todos os interesses, bens ou valores ou procurando uma hierarquização dos mesmos.
Da necessidade de resolução destes conflitos, decorre uma invasão dos tribunais
administrativos por litígios que, apesar de terem índole administrativa, assumem natureza
constitucional – ocorrendo uma constitucionalidade das controvérsias e dos litígios (os tribunais
administrativos tornam-se numa segunda instância de resolução de conflitos constitucionais).
Caso estejam em causa normas administrativas cuja constitucionalidade tenha sido suscitada,
é o próprio Tribunal Constitucional que é chamado à coação, tornando-se na ultima instância
judicial de litígios administrativos, por efeito da sua projeção constitucional. Note-se, ainda,
possibilidade de intervenção de instâncias internacionais, se se tratar de conflitos de dimensão
transnacional.

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Apesar de tudo, é fundamental reconhecer que não é possível dar projeção a todos os
interesses.

2. ORDEM AXIOLÓGICA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


2.1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA POLÍTICO
Em torno do sistema político como aspeto condicionante do agir administrativo, é
fundamental salientar os vários princípios que o ladeiam e condicionam a Administração Pública
na sua atuação.
à Princípio da democracia humana: pressupõe um Estado de direitos humanos,
revelando o cerne da conceção personalista da Administração Pública e reúne
características essenciais – a liberdade, a justiça e a solidariedade são valores
fundamentais; o poder está vinculado à satisfação das necessidades coletivas
dos membros; os direitos fundamentais devem ser respeitados, protegidos e
implementados pela Administração; a Administração deve remover os
obstáculos que impeçam a efetividade da dignidade humana; uma
Administração ao serviço da inviolabilidade da dignidade humana e do livre
desenvolvimento da personalidade.
à Princípio do Estado de Direito Democrático.
• Princípio da separação de poderes: artigo 16º da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, que releva para a essencialidade deste
corolário. Determina que o núcleo essencial de cada poder seja atribuído
a um órgão a título principal, estando o núcleo essencial da função
administrativa entregue à Administração Pública, da qual decorre –
reserva de administração (área de decisão exclusiva dos órgãos
administrativos, oponível ao legislador e aos tribunais), impossibilidade
de invadir o núcleo essencial da função legislativa e da jurisdicional
(consubstancia na reserva de lei e na reserva de tribunais), sob pena de
usurpação de poderes.
• Princípio pluralista: uma administração aberta, que reconhece a valoriza
as diferenças, a participação e o contraditório; uma administração plural
que tenha em consideração vários bens, interesses e valores, que seja
composta por uma pluralidade de estruturas orgânicas, que encontre
formas de legitimação democrática do agir (através da aplicação de
normas, através da eleição para dados órgãos e através da participação
dos interessados) e que disponha de uma pluralidade mecanismos
internos e externos de controlo.
• Princípio da juridicidade: pressupõe a vinculação à lei, ou seja, exclui o
livre arbítrio e a injustiça e exige normas que vinculem a atuação da
Administração; qualquer violação determina uma atuação administrativa
inválida, que, em caso de intervenção dos tribunais, supõe a execução
da decisão judicial; no entanto, pode a Administração procurar por
melhores formas de tutelar a dignidade humana, salvaguardando,
sempre, a segurança e proteção da confiança dos interessados.
• Princípio do bem-estar: define tarefas e incumbências para a
Administração, que se traduzem na implementação de direitos sociais e
que acabam por refletir um modelo de Estado Social refletido na ordem
constitucional; garantir, ainda, o melhor nível de satisfação da
comunidade e uma sociedade mais justa e solidária.

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à Princípio da soberania internacionalizada e europeizada: postura a convivência
do Estado com a sociedade internacional, integrando organizações
internacional, que se convertem numa autolimitação da soberania clássica; a
Administração torna-se também parte dessas instituições internacionais –
necessidade de políticas e soluções serem resultado de esforços conjuntos que
ultrapassam fronteiras; sujeição da Administração a normas de Direito
Internacional, normas convencionais e normas de Direito da União Europeia
(nomeadamente, em matéria orçamental); transferência, em algumas matérias,
da esfera decisória para o domínio internacional; dadas matérias transferem-se
também para o exercício em comum pela comunidade internacional; o
referencial normativo ser já de produção internacional.
à Princípio da unidade descentralizada: comporta o princípio da subsidiariedade,
autonomia e descentralização, sendo conjugada a unidade nacional com a
descentralização da Administração, com a criação de entes infraestaduais.
• Princípio da unidade: se a reserva de lei da República, a reserva
administrativa da Republica (matérias cuja decisão cabe ao Estado e
não a entes inferiores), reserva de função judicial a favor dos tribunais
do Estado (em detrimento dos arbitrais); em razão da descentralização,
princípios como – primado das fontes de juridicidade comum, definição
do Governo como órgão superior da Administração, responsabilidade
política do Governo perante Assembleia da República, não haver
matérias imunes ao interesse nacional.
• Princípio da subsidiariedade: intervenção do Estado apenas quando as
matérias não possam, não devam ou não sejam tão bem decididas por
entes infraestaduais, não podendo haver, ainda assim, privação de
poderes do Estado; regime autonómico para os arquipélagos, com
poderes legislativos e administrativos; autarquias locais, enquanto
poder administrativo local, não podendo ser criadas novas categorias
além das expressas na CRP; outras manifestações de autonomia em
entidades como associações públicas e institutos públicos; permissão
para a criação de novas entidades.

3. PRINCÍPIOS GERAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


3.1. PRINCÍPIOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
à Princípio da subsidiariedade: é dotado de um sentido centralizador e de outro
descentralizados, com base numa ideia de proximidade – preferência pela
proximidade, exceto se as estruturas mais distantes puderem executá-lo melhor;
há assim uma lógica centrifuga (do centro para a periferia, em que pode haver
intervenção da estrutura mais distante por motivos de eficiência) e centrípeta
(da periferia para o centro).
à Princípio da desconcentração: com base no corolário de não poder haver
monopólio estadual, indica que o exercício de funções do Estado deve ser
repartido por uma pluralidade de entidades (entre pessoas coletivas – divisão
de funções políticas, legislativas e administrativas).
à Princípio da descentralização: consiste na repartição de competências entre os
vários órgãos, normalmente pertencentes a uma mesma entidade, podendo ser
também intersubjetivo.

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à Princípio da unidade: limita a descentralização e a desconcentração e resulta da
posição do governo enquanto órgão superior da Administração Pública e da sua
responsabilidade política perante a Assembleia; atribui-se ao governo poderes
de intervenção intra-administrativa e sobre as restantes entidades
infraestaduais, que limitam a referida desconcentração e descentralização
(poderes de direção, superintendência e tutela – 199).
à Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração:
representa um reforça da democracia e um complemento à legitimação
democrático-representativa, podendo envolver a participação na eleição de
titulares, a organização em associações públicas de base territorial e
socioprofissional, etc.
à Princípio da aproximação dos serviços às populações: envolvendo a
descentralização e a desconcentração, procurando a proximidade dos serviços
públicos às necessidades das populações; no entanto, daí decorrem limites
como o problema da imparcialidade e a utilização da informação (necessária
numa órbita de revolução administrativa, por forma a facilitar os procedimentos);
à Princípio da desburocratização: numa lógica de administração informatizada, o
objetivo será o de simplificar as estruturas e as relações, procurando, ainda, a
legitimidade democrática e não um aparelho de burocratas profissionalizados.

3.2. PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA


à Princípio da juridicidade: uma ideia de Administração sujeita à lei e à
Constituição e também ao Direito no seu geral (Direito da União Europeia, Direito
Internacional...); representa a necessidade de um agir conforme o direito, em
concreto com as normas que habilitam esse agir.
à Princípio da prossecução do interesse público: o agir administrativo deve
procurar, acima de tudo, a prossecução do interesse geral e não ceder a
interesses privados; esse interesse geral não deve, acima de tudo, violar o
núcleo essencial da dignidade humana, no âmbito de uma democracia humana
(a dignidade humana como fundamento e limite do interesse público).
à Respeito pelas posições jurídicas ativas dos cidadãos: num contexto de
existências de vários bens, interesses e valores, traduz a necessidade de uma
atuação de forma a limitar o mínimo possível os direitos e deveres fundamentais
dos particulares.
à Princípio da igualdade: proibição de descriminações infundadas e arbitrárias,
devendo haver tratamento idêntico para situações idênticas e tratamento
desigual conforme essa desigualdade; pressupõe um tratamento igual, bem
como um tratamento de todos como iguais.
à Princípio da proporcionalidade: com três corolários, determina a necessidade (os
meios devem ser necessários para se atingir os fins), a adequação (os meios
devem ser adequados ao fim) e da proporcionalidade em sentido estrito
(ponderação de custo-benefício, com base na razoabilidade, que procura impedir
situações de desequilíbrio ou intoleráveis).
à Princípio da justiça: deve ser fundamento, critério e limite do poder e pressupõe
dar a cada um aquilo que lhe é devido; numa lógica objetiva, pressupõe que haja
justiça em termos materiais (conteúdo da atuação), mas também quanto ao
procedimento (deve envolver imparcialidade e equidade).
à Princípio da imparcialidade: pressupõe uma prossecução do interesse público
alheia a interesses privados, impedindo-se situações de favorecimento ou de
desfavorecimento; para além disso, exige que devam ser tomados todos os

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interesses em questão; envolve neutralidade administrativa e parâmetros
objetivos, lógicos e transparentes de decisão
à Princípio da boa fé: que reúne vários corolários, como o respeito pelas
promessas feitas, a proibição do abuso do direito, a interdição de
comportamentos contraditórios, a relevância da culpa in contrahendo, a
proibição da fraude à lei e a tutela da confiança e da segurança jurídicas.

4. PRINCÍPIOS GARANTÍSTICOS FACE À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


4.1. PRINCÍPIOS OPERATIVOS DA UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO
à Princípio da supremacia da Constituição: supõe que os atos da Administração
sejam conformes com a Constituição e que os atos com natureza normativa
beneficiem de garantia jurisdicional conforme previsto na CRP para a
fiscalização da sua constitucionalidade
• Princípio da vinculação das entidades públicas à aplicação direta das
normas sobre direitos, liberdades e garantias: não carecem de ato
legislativo que as concretize, pelo que podem ser diretamente aplicadas
pelas entidades públicas (fornem critérios de aplicação, de interpretação
e habilitam à desaplicação de normas).
à Princípio da reserva de lei: compreende as matérias previstas na CRP como
tendo de ser desenvolvidas por ato legislativo – não podem ser reguladas por
ato não legislativo.
à Princípio da precedência de lei: fundamenta que a atividade administrativa deve
fundar-se sempre em ato legislativo prévio, sendo insuficiente a mera previsão
constitucional.
à Princípio da preferência de lei: supõe que a lei goza de uma força jurídica
superior, não podendo ser contrariada por ato legislativo inferior; há exceções
como a prevalência de decisões judiciais, situações que envolvam a inversão do
princípio da invalidade e habilitações que permitam um exercício contra legem;
à Princípio da reserva de juiz: como resultado da separação de poderes,
consubstancia o conjunto de matérias que integram a esfera decisório exclusiva
a cargo do poder judicial.
à Princípio da prevalência das decisões judiciais: as decisões judiciais, sendo
obrigatórias para autoridades publicas e privadas, gozam de primado face às
decisões de quaisquer outras atividades (como resultado da segurança jurídica);

4.2. PRINCÍPIO DE ACESSO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


à Princípio da universalidade de acesso prestacional aos serviços administrativos:
a igualdade de todos no acesso prestacional da Administração Pública tem como
resultado a vinculação dos poderes públicos à promoção do desenvolvimento
integral dos cidadãos enquanto pessoas; coloca-se, assim, ao serviço da
população um vasto conjunto de prestações (serviço nacional de saúde, sistema
da segurança social, etc.).
à Princípio da liberdade de acesso à função pública e a cargos públicos: o acesso
a cargos da função pública pauta-se pela igualdade, liberdade e pela regra do
concurso; envolve o direito a não ser prejudicado pelo exercício desses cargos
públicos.

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à Princípio da liberdade de petição: representa a faculdade de os administrados
formularem pedidos à Administração Pública ou sobre matéria administrativa ao
poder público, em termos individuais ou coletivos, e com uma relação direta ao
direito de petição (permite defender posições jurídicas ou a juridicidade).
• Representação: uma chamada de atenção para a validade ou
oportunidade de uma decisão, retardando a decisão, em benefício de
melhor esclarecimento.
• Queixa: denunciar à Administração uma situação que envolve ações ou
omissões e que apela a uma investigação/averiguação, apurando
veracidade ou dimensão, podendo conduzir a revogação, sanção, etc.
• Reclamação: impugnação da decisão ao próprio autor, requerendo a
revogação, suspensão ou modificação;
• Recurso: impugnação de uma decisão perante a Administração,
solicitando a sua revogação, suspensão ou modificação;
• Petição em sentido estrito: pedido no sentido de ser adotada uma dada
providência em relação a um problema concreto;
à Princípio do arquivo aberto: representa o direito de acesso aos arquivos e
registos administrativos, embora salvaguardando informações relativas a
matérias sigilosas

4.3. PRINCÍPIOS DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


Relacionam-se com o procedimento que conduziu à formação de uma decisão, tendo por
base o princípio da justiça; leva, assim, a que a Constituição recorte um princípio geral de
procedimento equitativa – num contexto de garantias procedimentais.
à Princípio da decisão: o direito de os cidadãos serem informados, em prazo
razoável, sobre o resultado de uma dada apreciação (artigo 52º/1); pressupõe a
interação da Administração com os cidadãos que a ela recorrem e desdobra-se
em vários deveres: dever de examinar as pretensões, dever de pronuncia sobre
as mesmas (conteúdo material, sobre a questão de fundo; conteúdo formal, se
se tratar de objeção procedimental), dever se suprir ou pedir ao interessado para
suprir deficiências formais (princípio pro actione) e complementação com os
deveres de fundamentação, notificação e participação. Podem, ainda, haver
exceções: casos de abuso de direito pelos cidadãos (pretensões repetitivas,
ilegais ou de má fé) e casos de inércia administrativa com justificação legal.
à Princípio da informação: um dever de publicitação da ação estatual, que resulta
do princípio republicano e democrático e que pressupõe esclarecimento sobre
atos práticos, sobre gestão de assuntos públicos, sobre decisões finais, sobre
matéria administrativa, sobre resultados de pedidos de apreciação, etc.
à Princípio da fundamentação: formula-se como necessidade de fundamentação
de atos que afetem as posições jurídicas subjetivas, que se pretende expressa,
de linguagem acessível e clara ao cidadão normal, suficiente e procura sustentar
as razões de interesse público, bem como possíveis ponderações de interesses.
à Princípio da notificação: direito a terem conhecimento de decisões que lhes
digam respeito e de serem notificados de decisões que afetem direitos ou
interesses legalmente protegidos; não isenta este dever da administração a
publicação dessas informações em jornais oficiais.
à Princípio da participação: direito reconhecido, a cada cidadão, de intervir nas
decisões ou deliberações que lhes digam respeito, nos termos de uma
participação procedimento; consubstancia o princípio do contraditório (267º/5)

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– o legislador deve garantir um procedimento que, antes de tomadas as
decisões, permita a participação dos cidadãos no processo de formação de atos
que os tenham como destinatários ou relativamente aos quais tenham interesse.

4.4. PRINCÍPIOS DE CONTROLO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


à Princípio da tutela jurisdicional efetiva: configura um direito geral de acesso aos
tribunais, podendo todas as duvidas sobre a legalidade da conduta da
Administração ser objeto de sindicalidade judicial; são exemplos a ação para
reconhecimento de direitos e interesses, a ação de impugnação contenciosa de
atos administrativos, ação de impugnação de regulamento.
à Princípio da responsabilidade civil da Administração Pública: traduz um
mecanismo que visa ressarcir danos ou prejuízos gerados por ações ou omissões
da Administração na esfera jurídica do cidadão; pode assumir várias
modalidades;
• Responsabilidade civil por facto ilícito: age de forme desconforme com a
juridicidade, violando com culpa posições jurídicas subjetivas.
• Responsabilidade civil por facto lícito: apesar de licitamente, gera um
dano ao cidadão.
• Responsabilidade civil por risco: existência de prejuízos provocados por
atividades, coisas ou serviços especialmente perigosos, que geral danos
normais decorrentes da vida em sociedade.
à Princípio da intervenção moderadora do Provedor de Justiça: consiste na
habilitação, do Provedor de Justiça, em receber queixas, por ações ou omissões
dos poderes públicos, visando a defesa de posições jurídicas ou da legalidade.
à Princípio da responsabilidade política da Administração Pública: funciona como
instrumento limitativo do poder, enquanto responsabilidade de um órgão
perante outro; representa o controlo pela opinião pública, nomeadamente
através de meios de comunicação (permanente escrutínio da ação
administrativa);
à Princípio do controlo administrativo: pode revelar-se como um autocontrolo
administrativo (cada órgão fiscaliza a legalidade da sua conduta) ou como
heterocontrolo administrativo (órgãos que detêm uma posição hierárquica
superior controlo a atuação de outros órgãos).
à Princípio do respeito pelos mecanismos internacionais e europeus de garantia:
as garantias internacionais e europeias aos cidadãos, num contexto de
soberania internacionalizada e europeizada, impõem ao Estado vinculação a
normas materiais que definem as garantias dos cidadãos nas suas relações com
a Administração Pública, às decisões das instancias internacionais e europeias
e à execução das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do
Tribunal de Justiça da União Europeia.

4.5. PRINCÍPIOS DE INCIDÊNCIA INTRA-ADMINISTRATIVA


Subjazem, estes princípios, à criação de garantias para as instituições administrativas
perante o poder; nestes termos, verifica-se o reconhecimento de direitos fundamentais (posições
jurídicas subjetivas de vantagem que, alicerçadas em normas constitucionais, permitem ao
titular reivindicar uma decisão de conteúdo favorável ao seu reconhecimento) e a criação de
garantias institucionais (envolvem proteção constitucional a certas instituições).
à Princípio do reconhecimento da titularidade de direitos fundamentais pelas
entidades públicas: reconhecem-se posições jurídicas de vantagem, oponíveis

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contra o Estado e contra outras entidades públicas (p. e. o direito à propriedade
privada).
à Princípio da salvaguarda de garantias institucionais de natureza administrativa:
limitam, estas garantias, a margem de liberdade do legislador na sua
disponibilidade e configuração (são casos: autonomia regional, autonomia local,
autonomia das associações públicas, função pública e regime próprio, domínio
público e reserva de Direito Administrativo).
à Princípio da configuração de certos poderes administrativos como direitos
fundamentais: configura-se a natureza de direitos fundamentais a poderes
administrativos reconhecidos a entidades públicas (é o caso da autonomia
universitária, artigo 76º/2).

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DIREITO ADMINISTRATIVO
PERSONALIZAÇÃO: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PERSONALIZADA

1. A PERSONALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Parece que, em termos gerais e ainda pouco desenvolvidos – que, apesar de tudo, não
se de descurar – a Administração Pública enquanto pessoa coletiva, ou seja, detentora de
personalidade jurídica pública remonta a Thomas Hobbes (1588-1679), que reconhece, mesmo,
o Estado como uma pessoa. No entanto, só no século XIX, através de Gerber (1823-1891), é que
se fixa o entendimento que o Estado é um ente coletivo, sendo o povo a base neutral da
personalidade do Estado.
A Portugal, também é no século XIX que, graças aos juscivilistas, chegam as ideias de
personalidade ligadas à Administração Pública. Em Manual de Almeida e Sousa de Lobão (1744-
1817), nota-se a primeira distinção entre pessoas particulares e pessoas morais – estando,
assim, a Administração associada a uma personalidade moral. Só Guilherme Moreira, mais tarde,
depois de alguns avanços, é que introduz a expressão pessoas coletivas de direito público, que
é recebida pelos jusadministrativas – passando, mesmo, a fazer parte da doutrina.

1.1. SUBORDINAÇÃO AO DIREITO


Rocha Saraiva vem introduzir o entendimento de que, em razão da personalidade jurídica
do Estado, formula-se uma lógica de proibição do arbítrio e de submissão do poder político ao
Direito. Assim, a atribuição de personalidade permite chegar a conclusões:
à Há uma área de interesses públicos próprios, entregue a cada entidade, que esta
prossegue e constitui as suas atribuições.
à Cria-se uma vontade unificada, a quem são imputados os efeitos de ações ou
omissões (imputável à entidade e não a quem executa).
à Existência de normas jurídicas que delimitam o agir e o conteúdo decisório.
à Sujeitos a obrigações decorrentes das posições jurídicas ativas dos cidadãos.
Estando, assim, subordinadas ao Direito, as entidades publicas tanto podem estar
sujeitas a Direito Público ou a Direito Privado, acabando, assim, por vezes, por ter capacidade
jurídica privada. Surgem, em consequência, não só entidades públicas com capacidade jurídica
pública, como também entidades públicas que se servem da personalidade jurídica de Direito
Privado, o que conduz a um desenvolvimento paralelo de uma Administração Pública sob a forma
privada – surgem problemas de articulação de Direito Público e de Direito Privado.
Para além disso, como já se viu, a existência de interesses públicos transnacionais
traduzem uma possível manifestação de uma Administração transnacional – possibilidade de
atos produzidos por entidades públicas estrangeiras, que possuem personalidade jurídica,
produzirem efeitos em Portugal (abertura ao Direito Estrangeiro).

1.2. O PLURALISMO ADMINISTRATIVO E A DESRESPONSABILIZAÇÃO


A personalização da Administração Pública conduziu à multiplicação de entidades
coletivas que estão encarregues da gestão do interesse público. Assim, não só se tornam várias
entidades públicas encarregues do mesmo interesse, como também entidades satélites de
Direito Privado, que integram a administração sob a forma privada, são criadas para o efeito –
esta multiplicação em massa como resultado dos princípios da subsidiariedade e da
descentralização do poder.
A grande dificuldade passa a residir na dificuldade em determinar o que é uma pessoa
coletiva pública, ou, até mesmo, no que se deve entender por Administação Pública. Entende, o

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Direito da União Europeia, que a pessoa coletiva pública está sujeita à influência dominante, que
é definida por três critérios: criação por entidades públicas, membros nomeados por entidades
públicas e capital maioritário pertencente a entidade pública – prevalece, assim, a materialidade,
em detrimento da forma.
Outro grande problema tem que ver com a crescente desresponsabilização: a
personalização das estruturas da Administração Pública leva a que seja o património do Estado
a responder pelos danos resultantes do agir. Para evitar esta afetação do património do Estado,
iniciando-se um processo de desresponsabilização patrimonial, criam-se entes satélites, que
prosseguem os seus fins, com a vantagem de não assumir os riscos de responsabilização
(salvaguarda do património do Estado). No entanto, entende-se, aqui, um desvio de poder: o ato
de criação é inválido, porque não segue os fins que lhe seriam atribuídos.

2. A COMPLEXIFICAÇÃO
A atividade administrativa, em termos clássicos, pode assumir uma vertente interpartes,
que diz respeito à relação entre uma entidade administrativa e vários sujeitos determinados, ou
uma vertente ergaomnes, que diz respeito à relação entre uma entidade administrativa com uma
generalidade ou pluralidade indeterminada de sujeitos.
No entanto, esta perspetiva clássica, com a personalização da Administração, veio a
complexificar-se, nomeadamente nas relações dentro da própria Administração e nas relações
desta com os cidadãos (desenvolveram-se relações intersubjetivas, que levaram à intervenção
plural de entidades públicas no âmbito de dada situação). Para além disso, verifica-se uma
progressiva conflitualidade entre diferentes interesses privados, bem como uma crescente
produção de efeitos decisórios face a terceiros.
Esta multilateralidade revela a multiplicidade de interesses públicos particulares em que
se desdobra o interesse público abstrato, que acaba por se revelar um conceito fragmentado
que perdeu generalidade e homogeneidade.

2.1. REPERCUSSÕES NAS RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS


A integração de uma pluralidade de pessoas coletivas na Administração Pública, leva a
que, apesar de um aspeto exterior uniforme e global, as relações internas se complexifiquem.
Assim, as demais pessoas coletivas estabelecem relações entre si, que podem mesmo
conduzir a certos poderes de algumas entidades públicas – poderes, esses, reconhecidos como
direitos sobre outras pessoas coletivas. No entanto, estas relações não deixam de gerar
conflitualidade, pelo que se procura criar mecanismos de intervenção unificadora, como seja de
coordenação, tutela e superintendência. De entre os conflitos possíveis, cabem notar conflitos
positivos e conflitos negativos, conforme seja a competência aprazível ou odiosa. Note-se que
nem sempre estes conflitos são passíveis de resolução através dos mecanismos suprarreferidos,
podendo mesmo ser chamados os tribunais para a resolução dos litígios.

2.2. REPERCUSSÕES NAS RELAÇÕES INTRASUBJETIVAS


Dentro de cada entidade administrativa, desenvolvem-se também relações jurídicas, que
podem ser de três tipos: relações interorgânicas (1), relações intraorgânicas (2) e relações
laborais (3).
(1) As relações interorgânicas respeitam as relações que se estabelecem entre os órgãos
administrativos – centros de imputação de direitos e deveres. A complexidade dests relações é
notória se atendermos à diversidade de normas de competência, que, no entanto, nem sempre
se projetam na atribuição de poderes, fomentando antes as relações entre os órgãos. Para além
disso, são ainda aparentes normas que garantem a unidade e a cooperação, relações de

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supremacia e, ainda, a responsabilização dos órgãos pela sua conduta, sedo possível um órgão
desencadear uma ação judicial contra os atos praticados por outro órgão.
(2) As relações intraorgânicas reportam-se a situações que ocorrem no interesse de um
órgão da mesma pessoa coletiva. Pode, assim, verificar-se que a conduta do titular do órgão se
projeta atividade desenvolvida pelo mesmo órgão e, ainda, a sujeição dessas relações a normas
específicas de regulação (maiorias e responsabilização pessoal, por exemplo).
(3) As relações laborais reportam-se aos demais titulares dos órgãos das pessoas
coletivas, ou melhor, às relações que entre estes se estabelecem – a grande maioria
corresponde, afinal, a funcionários necessários à formação e expressão da vontade do órgão.
Estas relações envolvem, assim, o pessoal que faz parte da componente humana das diversas
estruturas, obrigando à conjugação dos interesses laborais com os interesses da entidade
patronal (traduzem-se em estatutos, regimes de exercício de funções, regimes de contratação,
exercício de direitos, etc.).

2.3. CONFLITUALIDADE JURÍDICO-PRIVADA


Também nas demais relações da Administração Pública com os cidadãos se assiste a
vários níveis de conflitualidade: conflitualidade entre o interesse público (pessoa coletiva) e
interesses privados conciliáveis e unificados entre si; entre interesses privados, que são
inconciliáveis e autónomos – tant se verificação na atuação geral e abstrata como na individual
e concreta.
Nesta segunda, designada de multipolar ou poligonal, verifica-se uma relação triangular,
com três intervenientes: a autoridade administrativa; o destinatário da decisão; um ou vários
terceiros. Podem, estes conflitos de interesses, assumir natureza heterogénea (uma decisão
favorável a um gera, correlativamente, uma decisão desfavorável a outro – multipolaridade por
oposição recíproca) ou natureza homogénea (está em causa distribuir ou escolher bens entre
particulares, que pretendem obter a mesma vantagem, sendo a satisfação de uns, a preterição
de todos os demais – multipolaridade de concorrência de atribuição). Se tais interesses
encontrarem tutela constitucional note-se que o conflito assume um grau particularmente
intenso.

3. A PONDERAÇÃO E O BALANCEAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


A ponderação, como forma de decidir, surge como um procedimento de decisão, através
de decisões jurídicas de prioridade, e como um resultado, que atribui prevalência a um dado
bem, em detrimento de outro. Note-se que, nos dias que correm, todo o Direito é ponderação: é
usada a técnica na feitura da norma, na procura pelo sentido interpretativo e no momento da
aplicação. Assim, também a Administração Pública assenta, as suas decisões, na ponderação.
A expressão de um Estado principiológico, que resulta na prolifereção de um Direito
assente, sobretudo, em princípios, em detrimento das normas, leva a que a ponderação se torne
num método de decisão comum. Note-se que os princípios nunca são aplicados numa lógica de
tudo ou nada, mas antes numa lógica de máxima concretização – procurando, no Direito
Administrativo, uma harmonia entre os diversos princípios constitucionais. Não se deixe, no
entanto, de referir que também as regras podem ser a incidência dessa ponderação.

3.1. OBJETO DA PONDERAÇÃO: BENS, INTERESSES E VALORES


Ora, no Direito Administrativo, em razão de regras discricionárias (maior área de
liberdade de decisão) e de princípios, pode ocorrer o contrapesar de bens (1), interesses (2) e
valores (3).
(1) Por bem entende-se tudo o que sirva para o homem satisfazer um qualquer fim.
Naturalmente, a proteção difere conforme o bem em causa disponha, ou não, de proteção

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constitucional – dispuser, esta é direta e expressa; caso contrário, será indireta. Entende-se,
assim, a prevalência dos primeiros em relação aos segundos.
(2) Por interesse entenda-se a relação de tensão entre um sujeito e um determinado bem
capaz de satisfazer as necessidades do sujeito. Podemos identificar dois polos: interesses
configurados como direitos subjetivos, conhecidos como direitos fundamentais; interesses não
configurados como direitos subjetivos, dispondo apenas de proteção constitucional. Pode ainda
verificar-se conflitos entre interesses públicos e interesses privados ou, até mesmo, entre
interesses públicos.
(3) Por valor entenda-se critérios de avaliação de bens ou de condutas, que traduzem
juízos axiológicos de bondade, superioridade e quantificação. Podem ter natureza hierárquica
superior ou inferior, que lhes irá determinar a prevalência.
à O Valor da Dignidade Humana: o valor fundamental da dignidade humana, de
acordo com a ordem constitucional, parece prevalecer sobre o interesse público
e face a qualquer ponderação de bens, interesses e valores com tutela
constitucional. Num caso de conflito entre dois valores que se alicercem à
dignidade humana, deve prevalecer o que maior intensidade ou proximidade
revelar a essa dignidade – em caso de paridade, ambos carecem de igual
proteção.

3.2. CENÁRIOS DE PONDERAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES


Pode, a ponderação administrativa, ocorrer em cenários de ponderação abstrata (1) –
permite alcançar uma fórmula normativa para futura ponderação -, ou em cenários de
ponderação concreta (2) – que formula uma decisão face à situação individual.
(1) A ponderação abstrata pode ser feita pela Administração, por via
regulamentar, respeitando a margem de liberdade conferida pelo legislador. Por
vezes, ocorrem conflitos que exigem, no entanto, a necessária intervenção da
Constituição (reserva de Constituição), ou a necessária resolução por lei (reserva
de lei), não podendo a Administração intervir.
(2) A ponderação concreta resulta da conflitualidade da atividade
administrativa, de uma normatividade maioritariamente reportada a princípios e
de uma vinculação à aplicação direta das normas constitucionais sobre direitos
fundamentais – conduz a permanentes conflitos de interesses. Esta ponderação,
aliás, só é possível pela atribuição de poderes discricionários (que representa
uma reserva de ponderação da AP).
Em qualquer cenário de ponderação, há lugar a intervenção do tribunal – uma
intervenção repressiva e a posteriori – controlando, assim, a ponderação feita pelo legislador e
pela Administração. Nestes termos, controla o procedimento de ponderação e o resultado da
ponderação. Num caso de invalidade da ponderação, pode o tribunal imitar um efeito aditivo
sobre a decisão.

3.3. FASES PROCEDIMENTAIS DA PONDERAÇÃO


1. Identificação das realidades em colisão: pode contar com o apoio dos particulares e não
deve ser alargada a outras realidades nem excluídas realidades da ponderação (evitar
falsos problemas de ponderação ou omissões ponderativas).
2. Atribuição do peso a cada uma das realidades em conflito: um procedimento sobretudo
contextual, que permite atribuir importância a cada bem, interesse ou valor.
3. Decisão sobre a prevalência entre as realidades em colisão: num caso de empate, deve
tentar optar-se pela harmonia das realidades em jogo, podendo, no entanto, ser
admissível que um ceda perante o outro (à luz do princípio da necessidade); num caso

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de prevalência de um, deve analisar-se essa prevalência com base no princípio da
proporcionalidade (um sacrifício justificável e proporcional).

3.4. EFEITOS DA PONDERAÇÃO


Apesar de garantir uma melhor justiça para o caso concreto, também tem efeitos
negativos:
1. Aumenta o risco e a incerteza, na medida em que as decisões se tornam ais
imprevisíveis.
2. Desconsidera o papel garantístico da lei, que fica reduzida a aplicação
ponderativa casuística.
3. Redefine o princípio da separação de poderes, em detrimento do legislador e a
favor da Administração Pública.

4. ESPECIALIZAÇÃO – UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA TÉCNICO-


CIENTÍFICA
A garantia da satisfação das necessidades coletivas exige uma Administração
especializada, ou seja, dotada de um elemento humana com qualificações técnicas/científicas.
Parágrafos em falta
A complexidade técnica crescente dos problemas colocados na atividade legislativa e
administrativa, levam a que as decisões sejam condicionadas por obstáculos técnicos que, por
isso, carecem de estruturas compostas por técnicos – essas estruturas controlam a informação
e dispõem de um elenco de soluções possíveis para os problemas, demonstrando a inviabilidade
das decisões políticas. Resulta, consequentemente, que as decisões político-legislativas
repousam nas estruturas normativas, o que inverte o papel do poder legislativo como
condicionante do poder administrativo.

4.1. A DECISÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA E OS LIMITES DA LEGITIMIDADE POLÍTICO


DEMOCRÁTICA
Com vista a uma minimização dos riscos, a satisfação das necessidades coletivas, a
cargo da Administração, passa a apelar, cada vez mais, a critérios de natureza técnico-científica
– decisões estas que necessariamente se situam fora do conhecimento do jurista.
Estas decisões, aliás, deixam se estar submetidas à regras da democracia e a
legitimidade político-democrática encontra-se limitada: a avaliação e escolha de pessoas ou das
decisões na área da saúde, do ambiente, da educação passam a pautar-se, respetivamente, pela
meritocracia e pela tecnicidade (uma avaliação do mérito e não decorrente de legitimidade
democrática).
Entende-se, assim, que nas áreas de decisões baseadas em critérios técnico-científicos,
a legitimidade política e democrática seja substituída pela legitimidade científica e técnica.

4.2. O PODER TÉCNICO-CIENTÍFICO


A Administração, assim, alicerça-se, em determinadas áreas, num poder técnico-
científico. O fundamento das decisões desloca-se da oportunidade e conveniência (critérios
políticos) para um alicerce baseado na ciência e na tecnologia – prevalece, por isso, a vontade
do que dispõe do saber, em detrimento daquele que tem legitimidade política.
Assim, desde a década de 60 do século XX, que autores apontam para a técnica e para
a ciência como fonte legitimadora das instituições e das opções políticas – conduziriam, estas
teses, a uma possível diluição da democracia. A regência considera-as um exagero – entende
que essa importância da ciência e da técnica resultam das matérias em causa.

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O problema destas estruturas e decisões técnico-científicas afigura-se na sua
insusceptibilidade de substituição e de controlo jurisdicional – revela-se imune à fiscalização
política e limitadamente controlável pelos tribunais. No entanto, note-se uma limitação
importante: a aplicabilidade direta das normas constitucionais.

4.1. OS INSTRUMENTOS TÉCNICO-CIENTÍFICOS DE PODER


1. Reserva de formulação da normatividade: a formulação da normatividade funda-se em
conhecimentos científicos, que passam a ter valor jurídico vinculativo para o agir
administrativo – dada a especificidade do conhecimento, pode afigurar-se uma reserva
de decisão ou traduzir uma simples proposta.
2. Monopólio interpretativo e aplicativo da normatividade: entende-se que os especialistas
dos diversos ramos têm apetência para determinar o significado dos conceitos em
causa, o que traduz, dada a cientificidade, uma solução objetiva, que apaga a margem
livre de decisão – esta interpretação deve, ainda assim, seguir critérios normativos.
3. Exclusivo de decisão concreta avaliativa: a decisão concreta, caso envolve necessidades
de ponderação, cria uma área de reserva exclusiva à avaliação dos técnicos e cientistas,
não podendo o poder legislativo ou o poder judicial afirmar a incorreção dessa decisão
técnica.

5. PRIVATIZAÇÃO: UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PRIVATIZADA


A Administração Pública, desde a década de oitenta do século XX, tem-se caracterizado
por, paralelamente à dimensão pública, uma dimensão privatizadora – procurando-se reduzir
custos de funcionamento, numa tentativa de reequilíbrio orçamental e das contas públicas.
Em termos gerais, assiste-se a um reforço do papel das entidades integrantes do setor
privado em áreas, matérias ou bens de anterior intervenção pública. Concretizam-se, assim,
diversos sentidos de privatização:
à Privatização da regulação administrativa da sociedade: verifica-se num processo
mediante o qual uma entidade suprime a sua interveção reguladora,
transferindo-a para a sociedade civil ou através da criação de normas jurídicas
que regulam essas atividades. Pode assistir-se a uma estatização
(desaparecimento da regulação estatal) ou a uma autorregulação (substitui-se a
regulação normativa estadual mediante a remissão da produção de tais normas
para os interessados).
à Privatização do Direito regulador da Administração: passa a haver uma regulação
por Direito Privado (fuga para o Direito Privado), sendo que este fenómeno tem
sido limitado e condenado (em alguns casos, até mesmo revertido).
à Privatização das formas organizativas da Administração: assiste-se à criação de
pessoas coletivas de direito privado, por entidades públicas, adstritas à
prossecução de interesses públicos ou, ainda, à simples conversão da
organização de entidades públicas já existentes.
à Privatização da gestão ou exploração das tarefas administrativas: consiste em
conferir, a pessoas coletivas ou singulares privadas a gestão de tarefas
administrativas concretas ou de certos serviços administrativos.
à Privatização do acesso a uma atividade económica: abre-se determinados
setores básicos da economia, até então vedados, à iniciativa privado – consente
na preponderância de uma economia de mercado baseada na livre concorrência.
à Privatização do capital social de empresas públicas: consiste na abertura a
entidades privadas do capital social de sociedades cuja titularidade do capital
pertence na totalidade a entidades públicas (poderá comportar uma parte
minoritária ou uma parte maioritária).

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DIREITO ADMINISTRATIVO | Prof. Paulo Otero
à Privatização dos critérios substantivos de decisão: a atuação administrativa
passa a ser pautada por uma lógica própria dos agentes económicos privados
(critérios de atuação ligados à lógica privada). A atuação passa a estar
condicionada por instrumentos de mercado (concorrência, decisões estratégias
à luz dos critérios de mercado, atrair investimentos estrangeiros).
• Limite: lei habilitante, na medida em que se verifique precedência
de lei, que discipline os termos de acesso e permanência no
mercado, que garanta o papel subsidiário do Estado e que corrija e
sancione os comportamentos que ponham em causa o mercado e a
prossecução do interesse público.
à Privatização dos mecanismos de controlo da Administração: comporta a
privatização das entidades encarregues do controlo e dos mecanismos do
controlo (recurso a empresas do setor privado e uma aproximação aos sistemas
de controlo e gestão das empresas do setor privado).

6. INFORMATIZAÇÃO – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ELETRÓNICA


A informatização e a transformação da sociedade têm conduzido a uma
desmaterialização da informação e à simplificação da linguagem escrita. O processo de
transformação informática a que se tem assistido influencia, igualmente, as técnicas
administrativas, produzindo efeitos no seio da Administração.
Assim, as duas últimas décadas têm transformado a Administração Pública numa
Administração Pública eletrónica. Diversas manifestações comprovam este processo: o
computador, quando seja possível a predeterminação, passou a funcionário e a capaz de adotar
atos administrativos informáticos; a gestão da informação e o acesso, por parte dos cidadãos,
estão mais facilitados; a publicação online de boletins oficiais de legislação permite o
conhecimento de todos; substituição da presença física pela presença de sistemas de
videoconferência.
O papel do computador torna-se fundamental e a Administração passa a estar acessível
24 horas por dia, permitindo, ainda, aumentar a eficiência da gestão, a uniformidade das
decisões (garantindo o principio da igualdade), a circulação de informação e o acesso (que é
independente de distinção territoriais). Acima de tudo, proporciona uma redução de custos.

6.1. OS RISCOS, PERIGOS E VANTAGENS DESTA ADMINISTRAÇÃO ELETRÓNICA


Apesar das vantagens proporcionadas, certo será que a informatização da Administração
Pública também acarreta inconvenientes.
Desde logo, refira-se que: o acesso facilitado pode promover uma impessoalidade que
desumaniza a Administração; a redução das distinção pode tornar-se num instrumento contrário
aos princípios organizativos da Constituição Administrativa; o reforço da igualdade pode
favorecer as desigualdade, entre os que têm acesso aos meios e os que não têm; e, os custos
mais reduzidos, também têm como contrapartida a necessidade de custos avultosos.
Para além disto, em termos técnicos, podem surgir problemas de compatibilidade ou
interoperatividade de equipamentos e de programas – entre as várias Administrações (Nacional,
dos Estados Membros da União e, mesmo, com os cidadãos).
Ainda, acresça-se que o armazenamento de uma vasta quantidade de informações
pessoais dos cidadãos pela Administração Públicas, em sistemas online, pode gerar riscos a nível
da segurança, da vida privada e da privacidade informacional.

6.2. VINCULAÇÃO – OS LIMITES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ELETRÓNICA

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A atuação administrativa, no que respeita ao armazenamento de informação, é limitada,
quer através de direitos fundamentais, quer através de princípios.
Quanto a direitos fundamentais, cabe referir:
à Direito de acesso a todos os dados informatizados que lhes digam respeito.
à Direito a exigir a retificação e a atualização dos dados informatizados.
à Direito a conhecer a finalidade a que se destina o armazenamento dos dados.
à Direito a ser esclarecido sobre a natureza obrigatória ou faculdade de recolha
de dados.
à Direito a consentir, expressamente, na recolha de certos dados.
à Direito à salvaguarda da confidencialidade dos dados pessoais.
Quanto aos princípios fundamentais, cabe referir:
à Principio da subordinação as normas constitucionais relativas à organização,
atividade e garantias administrativas.
à Princípio da paridade garantística entre as formas de exercício tradicional da
atividade administrativa e as novas formas eletrónicas de agir administrativo.
à Princípio da reserva de lei face a todas as exigências de utilização de meios
eletrónicos por parte dos cidadãos no seu relacionamento com a Administração
(só os atos legislativos podem criar novas obrigações aos cidadãos).
à Princípio da utilização de um meio alternativo aos meios eletrónicos (não pode
haver descriminação pela falta de acesso aos novos meios).
à Princípio da acessibilidade à informação e aos serviços administrativos por via
eletrónica.
à Princípio da neutralidade tecnológica (não pode haver prejuízo pela opção/não
opção pelos meios eletrónicos).
à Princípio da equivalência entre o suporte digital e o suporte físico.
à Princípio da segurança no relacionamento eletrónico – quatro requisitos
principais: a integridade (garantir a completude do documento), fidelidade
(garantir que o documento não foi alterado), autenticidade (prova de que o
emitente e o recetor são autênticos) e conservação (deve a documentação ser
arquivada e devem ser feitas cópias de segurança).
à Princípio da equilibrada ponderação entre o respeito pela confidencialidade e a
garantia de transparência da ação administrativa.
à Princípio da cooperação informática entre as diferentes Administrações
Públicas.

6.3. QUESTÃO: EXISTE UM DIREITO FUNDAMENTAL AO RELACIONAMENTO POR


MEIOS ELETRÓNICOS COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?
Dado o surgimento de novos direitos no contexto da informatização, pergunta-se se o
princípio da acessibilidade à informação e aos serviços administrativos por via eletrónica não
terá, por via consuetudinária, sido substituído por uma subjetivação, revelando a existência de
um direito de cada cidadão a relacionar-se por meios eletrónicos com a Administração.
De facto, na possível existência de um tal direito – artigo 35º/1,2, e 6 -, este estará
sempre dependente das capacidades financeiras e técnicas de cada estrutura administrativa,
podendo existir vários níveis possíveis de satisfação desse direito, que dependerão das
circunstâncias.
No então, fica a dúvida de saber se se tratará de um direito fundamental (incluso no
artigo 16º) ou se será um direito implícito do artigo 35º.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
A DESTERRITORIALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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DIREITO ADMINISTRATIVO
A DIMENSÃO INTERTEMPORAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A PROJEÇÃO TEMPORAL


A Administração Pública, em resultado da atuação no campo político e no campo
administrativo, é caracterizada pela modificabilidade: o legislador exerce uma liberdade
conformadora referente à Administração que, por via administrativa, procura agir dentro dos
limites constitucionais e legais.
No âmbito desta questão da Administração Pública Intertemporal, uma questão torna-se
fundamental: o decisor da conformação jurídica da Administração goza de uma total liberdade
para configurar o futuro e, por vezes, reconfigurar o passado? Este problema chama à coação
vários princípios.
à Princípio da prossecução do interesse público.
à Princípio democrático.
à Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança: impõem importantes
limites à mutabilidade (a sua previsibilidade e a calculabilidade).
Assim, note-se que, em intima relação com o princípio da segurança jurídica e da
proteção da confiança, cabe referir dois corolários importantes da mutabilidade administrativa:
a configuração do futuro (geram efeitos que se projetam no futuro) e a atendibilidade do passado
(devem, ou não, as alterações assegurar o passado).

1.1. A CONFIGURAÇÃO DO FUTURO


Desde logo, refira-se que não existe nenhum princípio nem nenhum direito subjetivo à
imutabilidade da ordem jurídica. O próprio princípio democrático legitima a mutabilidade,
enquanto esta versa a mutação das opções políticas em função do interesse público. Além disso,
a lei não se petrifica e se torna imutável: apenas a Constituição se afirma como cristalizada e de
difícil mutação.
No entanto, é de notar, fundamentalmente, que a segurança jurídica e a proteção da
confiança se afirmam como principais obstáculos à introdução de novas regulamentações no
âmbito da Administração Pública. Serão, sempre, admissíveis alterações e novas configurações
do futuro; no entanto, não podem consubstanciar alterações abruptas e devem conservar um
mínimo de probabilidade e certeza nos cidadãos (que planeiam em função das expectativas).

1.1.2. A ALTERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS


Pode ocorrer que uma alteração das circunstâncias condicione e altere as medidas que
procurariam reconfigurar o futuro. Entende-se, em virtude de uma possível alteração anormal e
imprevisível das circunstâncias, que à atuação administrativa corresponde uma clausula
implícita, que permite a atualização de decisões anteriores – com vista à melhor prossecução do
interesse público e da justiça material do caso concreto. Salvaguardando-se, contudo, o risco e
a boa fé.

3. A ATENDIBILIDADE DO PASSADO
O segundo problema da atuação administrativa, no que respeita à sua dimensão
Intertemporal, reside na consideração das situações passadas – nomeadamente, na sua
conversação ou, ao invés, na sua alteração, através da retroatividade. Podem, por isso, ocorrer
situações diversas:

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à Retroatividade em sentido próprio: a situação jurídica, já esgotada, é
reconfigurada, com uma intervenção a posteriori.
à Retroconexão em sentido próprio: a nova regulação produz efeitos para o futuro
(conserva os factos passados).
à Retroconexão com efeito retroativo: além de produzir efeitos futuros, atinge
também situações jurídicas do passado.
Quanto a esta atendibilidade do passado, há a ter em conta limites expressos: a
proibição da retroatividade das decisões que impunham sacrifícios excessivos; obrigatoriedade
de retroatividade em decisões sancionatórias de conteúdo mais favorável, em atos de execução
retroativa, em interpretações de decisões anteriores, numa declaração de invalidade (salvo
existindo terceiros de boa fé) e em decisões judiciais anulatórias.
Acresça, ainda, que como forma de atendibilidade do passado admite-se, também, a
vigência de direito transitório, que permite a aplicação da lei nova e a tutela de situações
adquiridas à luz da lei antiga.

2. A PROJEÇÃO TEMPORAL DA CONFORMAÇÃO INVÁLIDA


Regra geral, à luz das regras constitucionais, o reconhecimento judicial da invalidade de
um ato jurídico relativo à organização, funcionamento ou relacionamento da Administração
determina a sua destruição retroativa – se sujeita a fiscalização pelo TC, a declaração tem força
obrigatória geral (a norma deixa de vigorar desde a entrada em vigor ou desde o momento da
constituição do vício).
No entanto, esta regra geral é, desde logo, derrogada pela CRP: quando estejam em
causa motivos de segurança jurídica, admite-se a limitação da retroatividade das decisões. Está
ressalvado, ainda assim, o caso julgado – exceto se a destruição retroativa dos efeitos for mais
favorável ao agente.

2.1. A MODELAÇÃO JUDICIAL DE EFEITOS


O artigo 282º/4 permite a modelação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade, quando estejam em causa: segurança jurídica, razões de equidade e
interesse público de excecional relevo. Assim, através da restrição de efeitos, permite-se que
normas declaradas inconstitucionais (ou ilegais) continuem a vigorar na ordem jurídica – deduz-
se que a atuação Administrativa passa a ter como pauta uma norma inválida ou inconstitucional.
Esta possibilidade foi igualmente consagrada pelo Código do Processo nos Tribunais
Administrativos, admitindo-se que os mesmos também possam recorrer ao instituto da
modelação de efeitos.
Este instituto compreende: a modulação pretérita de efeitos e a modulação pro futuro
de efeitos.

2.1.1. MODULAÇÃO PRETÉRITA DE EFEITOS


Como se viu, em sede de fiscalização sucessiva abstrata, pode o Tribunal limitar os
efeitos típicos e destrutivos da declaração de invalidade com força obrigatória geral, procurando,
assim, ressalvar-se efeitos pretéritos da Administração Pública. No entanto, deve então verificar-
se um dos três pressupostos – segurança jurídica, razões de equidade e interesse público de
excecional relevo. Em resultado, surge um agir contra legem ou contra constitutionem que se
baseia em motivos de segurança jurídica, equidade e interesse público de excecional relevo.
Assim visto, admite-se que o princípio da constitucionalidade possa ceder perante a
segurança, a equidade e o interesse público de excecional relevo. Deve admitir-se essa
possibilidade igualmente em sede de fiscalização concreta pelo TC, bem como por todos os
tribunais em sede de fiscalização difusa – pergunta-se se em casos de nulidade e de

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anulabilidade os tribunais não poderão modelar os efeitos destrutivos da retroatividade. A
regência entende que sim: o juiz passa a poder proceder à anulação de um ato, restringindo os
efeitos destrutivos decorrentes da retroatividade – podendo, mesmo, permitir que o ato continue
a produzir efeitos jurídicos.

2.1.2. MODULAÇÃO PRO FUTURO DE EFEITOS


Coloca-se a questão subsequente de saber se o Tribunal Constitucional pode diferir para
um momento futuro a sua sentença de início dos efeitos típicos da declaração de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral – permitir um período de transição e de
vigência, para o futuro, da norma inconstitucional (continua a produzir efeitos como se conforme
à constituição). Em Portugal, já o TC veio admitir, uma única vez, esta possibilidade.
Questiona-se, neste sentido, se os tribunais administrativos também estarão habilitados
a prolatar os efeitos, em sede de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de normas
regulamentar, para o futuro.
Para além disso, se entendermos que a norma constante do artigo 282º/4 não é uma
efetiva norma excecional, mas antes o afloramento de um princípio, então pode perguntar—se,
igualmente, a eventual possibilidade de, não apenas se modelarem os efeitos dos atos inválidos,
mas também se de modelarem os efeitos dos atos válidos.

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A Organização
Administrativa
2ª Parte
PROF. PAULO OTERO

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DIREITO ADMINISTRATIVO
TEORIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

1. ESTRUTURAS SUBJETIVAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


As estruturas subjetivas da Administração Pública são compostas por sujeitos – cada
entidade tem, ainda, personalidade jurídica. O que são, então, pessoas coletivas públicas?
São entidades criadas para prosseguir uma atividade predominantemente (não
exclusivamente) que prossegue fins de natureza pública. Baseiam-se em títulos
de natureza pública (decorrem da CRP, da lei, de regulamento, de ato
administrativo ou de convenções).

1.1. TIPOS DE ENTIDADES PÚBLICAS


à Entidades de base territorial: pressupõem território e populações. Exemplos: autarquias
locais, regiões administrativas, freguesias e município.
à Entidades de base associativa: associações públicas de entidades privadas, de entidades
públicas ou de mistas.
à Entidades de base institucional: institutos públicos, que não têm base associativa, nem base
territorial (exclusão de partes).
o Não têm natureza empresarial:
§ Serviços personalizados: estruturas típicas de direção geral, com
personalidade.
§ Fundações públicas: patrimónios com personalidade jurídica.
§ Universidades públicas: estruturas com o cargo de gestão do ensino
superior, atribuindo graus de doutor e de agregado.
§ Institutos Politécnicos públicos: iguais aos anteriores, mas sem atribuição
do grau de doutor ou agregado.
§ Autoridades administrativas independentes: entidades públicas não sujeitas
a poder de direção e superintendência, exercendo o poder em novas áreas
(ANACOM, CMVM).
o Têm natureza empresarial:
§ Entidades públicas empresariais criadas pelo Estado.
§ Entidades públicas empresariais regionais criadas pelas Regiões
Autónomas.

1.2. PRINCIPAIS TRAÇOS DESTAS ENTIDADES


1. Têm atribuições próprias: não podem agir sobre a esfera de atribuições de outras (sob
pena de incompetência absoluta, gera nulidade).
2. Têm capacidade jurídica de direito público e capacidade jurídica de direito privado.
3. Têm património perpétuo.
4. Têm autonomia administrativa (regulamentos e autonomia concreta) e financeira.
5. Têm poder de organização interna (criar normas que disciplinam o poder).
6. Estão submetidas ao Código dos Contratos Públicos (demandar e ser demandadas
judicialmente).
7. Estão sujeitas a mecanismos de responsabilidade civil, financeira e política.
8. Estão sujeitas a controlo pelos tribunais administrativos.

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1.3. A PERSONALIZAÇÃO E DESPERSONALIZAÇÃO
O Direito Administrativo pode: atribuir personalidade jurídica ou desconsiderar a
personalidade jurídica.
à Atribuição de personalidade jurídica: é uma ficção, que não resulta da lei.
Exemplos de órgãos com personalidade: Presidente da República, Assembleia
da República, Tribunais, Provedor de Justiça, Procurador Geral da República. E
que permite conferir:
o Poder de auto-organização interna.
o Autonomia patrimonial e decisória.
o Responsabilidade civil própria.
o Personalidade judiciária e legitimidade processual (demandar e ser
demandadas).
à Desconsideração da personalidade jurídica: situações em que o Direito
Administrativo trata aquela entidade como se a mesma não tivesse
personalidade jurídica. Exemplos: litígios entre órgãos da mesma pessoa
coletiva; responsabilidade civil pessoal do titular do órgão (património do titular
é que responde, e não a pessoa coletiva).

1.4. A PERSONALIDADE JURÍDICA PÚBLICA DE PESSOAS COLETIVAS PRIVADAS


Pela influência do Direito da União Europeia, definiu-se como critérios fundamentais: o
controlo público e a influência dominante, como fundamentais dos organismos públicos (quando
não verificados, seriam organismos privados). Artigos importantes: artigo 2º/1/g) e 2, do Código
dos Contratos Públicos; Artigo 9º, Regime do Setor Empresarial, DL 133/2013 de 3 de Outubro.
1. Maioritariamente financiados pelo Estado.
2. Sujeitos ao controlo da gestão por uma entidade pública.
3. A maioria dos titulares dos órgãos são designados por uma entidade pública
(direta ou indiretamente).
Problemas da criação em cascata de entidades privadas: desconhece-se quem está no
topo da criação, ou seja, ocorre um fenómeno massivo de privatização.
1. Inicialmente: não existiam regras relativas à origem, o que significa que o
património ficaria fora do controlo do orçamento e fora do controlo do Tribunal
de Contas (a fuga para o Direito Privado, caraterística da História Administrativa).
2. Atualmente: há regras que limitam a criação, que exigem uma lei de habilitação,
que limitam a liberdade de participação do capital (Lei 24/2012, Lei Quadro das
Fundações), e que limitam a criação, por institutos públicos, destas entidades
(sujeitas a permissão legal estatutária, a natureza imprescindível e a autorização
prévia do Ministro das Finanças e respetiva tutela – artigo 13º, Lei Quadro dos
Institutos Públicos).

1.5. A CAPACIDADE JURÍDICA DAS ENTIDADES PÚBLICAS


A capacidade jurídica das entidades públicas é regulada por dois princípios
fundamentais: o princípio da especialidade, princípio da reserva de lei e o princípio baseado na
teoria das competências implícitas (é possível extrair poderes implícitos das atribuições.
1. Capacidade jurídica regulada pelo Direito Privado (sob a forma privada).
2. Capacidade jurídica de natureza processual.
3. Capacidade jurídica de natureza substantiva.
4. Capacidade jurídica regulada pelo Direito Administrativo (sob a forma pública).

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São, ainda, admissíveis figuras como: a representação de entidades públicas
(empréstimo legal de órgãos) e a gestão de negócios (entidades privadas que agem em nome da
administração pública).

NOTA: SOBRE A TEORIA DAS COMPETÊNCIAS IMPLÍCITAS


É admissível uma complementação das atribuições através do recurso a instrumentos de
interpretação, atendendo quer ao contexto do sistema jurídico, quer à finalidade da lei. Na
verdade, não estamos a criar uma disposição ex novo, mas a concretizar um preceito que
pressupõe e limita a existência da norma de competência. A competência implícita resulta de
um processo de aprofundamento ou colmatação de lacunas que não inviabilizam o princípio
da legalidade. No limite, a legitimação da competência implícita reside numa norma de
atribuição explícita. Além disso, cabe perguntar: será razoável as entidades públicas
deixarem de prosseguir um determinado interesse, se este constitui o critério, a razão de ser
e o limite da atuação administrativa, alegando a ausência de uma concreta norma de
competência que é pressuposta por uma norma de atribuição

2. AS RELAÇÕES ENTRE SUJEITOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Cabe perguntar: há um sistema rígido/fechado ou um sistema aberto/flexível de
atribuições? Permite-se, ou não, a intercomunicabilidade entre entidades?
1. Prof. Diogo Freitas do Amaral: o que caracteriza estas relações é um sistema

Relações de Verticalidade e de
rígido, que não permite a intercomunicação.
2. Regência: o que caracteriza estas relações é uma elasticidade das normas,
logo há intercomunicabilidade. Porquê?

Interdependência
a. Princípio da Subsidiariedade: a decisão pertence à entidade de
âmbito menor, podendo, por mera eficácia, ser substituída pela
entidade de âmbito maior.
b. Princípio da supletividade do Estado: quando haja omissão, esta é
preenchida pelo Direito do Estado, que intervém até à entidade
pública disciplinar a matéria.
c. Princípio da prevalência do Direito do Estado: em casos de colisão,
deve prevalecer a jurisdição do Estado.
Cabe perguntar: existem poderes de intervenção entre as Entidades? A resposta parece
ser positiva, no sentido de se admitir: poderes de entidades públicas sobre entidades públicas e
de entidades públicas sobre entidades privadas.
Assim, nas relações intra-administrativas, podemos encontrar poderes que variam no
seu grau de intensidade:
1. Poderes de superintendência: uma entidade pública pode orientar a atividade de outra
entidade, através da fixação de diretivas (impõe fins) ou de recomendações (não
imperativas, de carácter preferencial). Incidem sobre a Administração Indireta e podem
conjugar-se com poderes de tutela (menos intenso).
2. Poderes de tutela: são poderes de controlo, que envolvem o controlo da legalidade e o
controlo do mérito (juízos de oportunidade e de conveniência).
a. Regime da tutela: só é admissível quando esteja prevista na lei, ainda que o
artigo 199º/1/g) a preveja; só pode ser realizada nos termos previstos na lei.
i. Especificidade: aquele a quem é permitido pedido (direito de petição),
implicitamente permite a tutela revogatória e anulatória – uma queixa,
p.e. permite à entidade a quem é formulada a revogação do ato em
causa.
ii. Exceções: as autarquias locais, apenas em termos inspetivos é que
podem tutelar o Estado.
b. Tipos de tutela.

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i. Financeira: tutela de mérito + de legalidade.
ii. Integrativa: confere qualquer coisa (o orçamento tem de ser aprovado
pela entidade tutelar).
iii. Inspetiva: averigua se houve, ou não, desrespeito pela lei.
iv. Sancionatória: queixa, processo crime ou sanção.
v. Revogatória:
1. Anulatória: cessa a vigência dos atos da entidade tutelar –
pressupõe ilegalidade.
2. Revogatória: juízo de inconveniência – pressupõe falta de
mérito/conveniência.
vi. Substitutiva: agir no lugar do tutelado.
vii. Contratual: pode existir, desde que não viole limites constitucionais.
3. Poderes de coordenação: ordenar e harmonizar interesses de entidades públicas
diferentes, em potencial conflito, evitando-se contradições. Assim, pressupõe uma
entidade que coordena (fins mais amplos) e várias entidades coordenadas.
a. Regime: regra geral, todas as entidades estão sujeitas a coordenação
governamental.
b. Exceções: quando estão sujeitas a cooperação ou quando sejam criadas pelos
governos regionais.
4. Poderes de cooperação: pressupõe a igualdade entre as entidades (colaboração na
concertação de interesses, predominando a paridade). Quando não existam
mecanismos de tutela, superintendência e coordenação, então existe o COOPERAÇÃO:
corresponde a deveres acessórios, como a informação, a lealdade, o auxílio, a
colaboração e a não criação de obstáculos (o mais importante).
a. Exemplos (artigo 229º/1 e 4): cooperação entre o Estado e as Regiões
Autónomas, entre a União Europeia e os Estados Membros, entre as
Administrações dos Estados Membros.

2.1. AS ENTIDADES SOB FORMA ORGANIZATIVA PRIVADA, QUE PROSSEGUEM FINS


PÚBLICOS
As entidades sob a forma organizativa privada, que prosseguem fins públicos, também
se encontram sujeitas ao universo público e ao universo do mercado. Assim, as entidades
públicas exercem dois tipos de poderes:
1. Poderes de Intervenção:
2. Poderes acionistas: controlam o capital social destas Sujeitas a
entidades. Exemplo: a Caixa Geral de Depósitos (o Estado é Mais
acionista e é entidade de dotada de ius imperium, é Poderes
legislador).

3. AS ESTRUTURAS ORGÂNICAS
Desde logo, importa encontrar e atribuir uma noção a ÓRGÃO:
Centro institucionalizado que expressa uma vontade que é imputável a
uma pessoa coletiva. Ou. Centro de imputação de direitos e deveres.
Assim, do órgão, é possível diferir: o cargo, o agente (titular do órgão) e a competência
(esfera de intervenção decisória do órgão).
É, ainda, possível distinguir vários tipos de órgãos:
1. Órgãos colegiais
2. Órgãos centrais e locais: conforme atuam sobre todo o território ou apenas sobre
uma fração deste.

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3. Órgãos ativos, consultivos e de controlo: conforme decidam, emitam pareceres
ou fiscalizem.
4. Órgãos permanentes e temporários: conforme atuem sempre ou apenas em
determinados períodos.
5. Órgãos representativos e não representativos: conforme sejam eleitos ou
nomeados.

3.1. O REGIME DOS ÓRGÃOS COLEGIAIS


O regime dos órgãos colegiais vem previsto nos artigos 21º a 35º do Código do
Procedimento Administrativo, podendo ser resumido:
1. Têm de ter um presidente e um secretário (os restantes são eleitos).
2. Reúnem extraordinariamente e ordinariamente. Essas reuniões:
a. Têm uma ordem do dia (só os assuntos aqui previstos podem ser
discutidos) e a data de entrega dessa planificação é de 48h anteriores
à reunião (evitar a surpresa e fomentar o estudo).
i. Consequência da deliberação: vício de forma (?).
ii. Exceção: as matérias céleres podem não estar incluídas na
ordem no dia e ser votadas (artigo 26º), se uma maioria de 2/3
reconhecer a urgência da discussão – não gera invalidade.
b. Tem de estar presentes um número mínimo de elementos (quórum), que
corresponde a mais de metade (50% + 1 voto).
c. Aos órgãos consultivos está proibida a abstenção – já que a emissão de
pareceres é a sua competência.
d. A votação, regra geral, é nominal – caso contrário, é por escrutínio
secreto (artigo 31/2). Aplica-se a maioria absoluta e: não há declarações
de voto e o Presidente deve fundamentar a sua escolha com argumentos
em discussão.
i. Em caso de voto nominal: o Presidente tem voto de desempate
(nos termos dos artigos 32º e 33º). Em caso de empate: se não
votou anteriormente, tem um voto de desempate; se já votou
anteriormente, tem um voto de qualidade (sabe-se em que
proposta votou, valendo esse voto por 2).
ii. Em caso de voto por escrutínio secreto: se houver empate, nos
termos do artigo 33º/2 e 3, repete-se a votação e, em caso de
novo empate, pode adiar-se a deliberação. No caso de se repetir
o empate (por 3 vezes): aplica-se a regra da votação nominal,
cuja solução, em caso de empate, é já o voto de qualidade.
3. Deve haver uma ATA (registo das deliberações – artigo 34º a 35º): um
documento onde estão registados os votos de vencido, que permitem exonerar
o titular em termos de responsabilidade civil e cuja eficácia depende da
aprovação.

3.3. OS TITULARES DOS ÓRGÃOS


Em termos gerais, os titulares dos órgãos podem exercer estes cargos a titulo profissional
ou a título não profissional.
Para além disso, podem haver titulares anómalos: que exercem funções públicas, nos
termos do artigo 47º/2 e que estão sujeitos à responsabilidade, à imparcialidade e à
prossecução do interesse público.
Quanto aos titulares, há ainda que ter em conta: o regime previsto, para cada entidade,
em termos de incompatibilidade e acumulação de cargos.

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3.4. OS SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS
Os serviços administrativos são:
Conjuntos de pessoas singulares, que existem no âmbito das
pessoas coletivas e que visam implementar as atribuições das
pessoas coletivas, sob direção dos respetivos órgãos.
Assim, os serviços administrativos exercem atividades de auxílio, podendo ser
qualificados: em função do território (centrais ou locais), em função da hierarquia, em função de
serem principais ou secundários, em função de poderem ser exercidos por empresas privadas
ou por empresas públicas (natureza pública ou natureza privada).
Nota: até que ponto pode ir essa privatização?
Em termos de regime, os serviços administrativos podem reduzir-se a três ideias:
1. Poder de auto-organização interna.
2. Os de natureza pública pautam-se pelo princípio da continuidade, havendo
mesmo limites ao direito à greve (garantindo serviços mínimos).
3. Pautam-se, no geral, pelo princípio da igualdade e da onerosidade – não são
serviços gratuitos, já que pressupõem o pagamento de taxas moderadoras, por
exemplo.
4. Pressupõem a existência de relações especiais de poder: remissão (página 8)
estabelece-se um especial vínculo com a Administração, ou seja,
é o caso de se participar em dada organização política ou ser
dotado de um estatuto especial (funcionário público, utente do
serviço nacional de saúde, aluno do ensino público).

4. TEORIA DA COMPETÊNCIA
A competência pode ter duas aceções diferentes: a competência lato sensu e a
competência stricto sensu. A ter em conta, agora, a competência stricto sensu:
Conjunto de poderes funcionais que a lei confere para a prossecução
das atribuições das pessoas coletivas.
Assim, à competência é reconhecida uma relação íntima com as atribuições:
Atribuições são fins ou interesses cuja prossecução a lei incumbe às
pessoas coletivas públicas.
Ao conjunto das normas de competência stricto sensu e das normas de atribuição
chamamos de normas de competência lato sensu. Em termos gerais, refira-se que as normas de
competência são mais específicas, enquanto que as normas de atribuição definem fins gerais –
assim, as normas de competência determinam o modo como são prosseguidas as atribuições.
O regime encontra-se previsto nos artigos: 36º a 39, 51º e 52º do CPA.

4.1. TIPOLOGIA DAS NORMAS DE COMPETÊNCIA


1. Implícitas ou explícitas: conforme se encontrem ou não previstas explicitamente na lei.
2. Dispositivas e revogatórias: conforme operem uma revogação substitutiva ou uma mera
revogação (simples).
3. Individuais/singulares ou comuns: conforme pertençam a um ou mais órgãos.
a. Comuns: de exercício conjunto (x e y – se um deles age isoladamente, há vício
de incompetência) ou de exercício alternativo (x ou y – cada um deles tem de
agir isoladamente).
4. De exercício excecional ou normal: conforme sejam ou não exercidas apenas em
situações excecionais (urgência, impossibilidade do órgão normalmente competente).
5. Independente ou hierarquizada: conforme esteja ou não sujeita a ordens/instruções, ou
seja, ao poder de direção.

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4.2. DELIMITAÇÃO DAS NORMAS DE COMPETÊNCIA
1. Delimitação em função do tempo: as competência são para ser exercidas no presente,
não sendo admissível o exercício para o futuro; para o passado apenas é admissível
mediante uma ordem.
2. Delimitação em função da hierarquia.
3. Delimitação em função do território.
4. Delimitação em função da matéria.

4.3. A DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA (DELEGAÇÃO DE PODERES)


O regime geral da delegação encontra-se previsto nos artigos 44º a 50º do CPA. Consiste
numa atribuição de competências de forma indireta, permitindo assim que um órgão terceiro
exerça os poderes atribuídos diretamente ao primeiro, por vontade deste. Assim, o órgão terceiro
tem uma competência delegada, atribuída pelo delegante.
O princípio fundamental da competência é o principio da legalidade: resulta, a delegação,
sempre da lei habilitante (esta permite que o exercício seja feito pessoalmente, ou por delegação,
por um terceiro). Uma atuação s/ delegação: entende-se que se trata de incompetência, já que
não pode agir sem autorização.
Pergunta-se, no entanto, o que atribui a norma de habilitação ao delegado?
1. Tese da alienação da competência: a delegação seria uma alienação. Regência: esta
posição não precede, na medida em que o delegante mantém os poderes.
2. Tese da competência comum alternativa: estamos perante uma situação de
competência comum alternativa. Regência: não precede porque a delegação é uma
simples autorização, do delegado, de exercício de uma competência do mesmo.
3. Tese da transferência de poderes (Freitas do Amaral): a lei de habilitação confere a
competência ao delegante, que a pode transferir para o delegado (é uma
transferência). Regência: a transferência pressupõe uma perda de poderes pelo
delegante.
4. Tese do alargamento (Regência): a delegação é antes um alargamento, a lei de
habilitação apenas confere ao delegado a titularidade e ao delegante a competência,
que a pode alargar (pode alargar o exercício ao que só tinha anteriormente a
titularidade, conferindo-lhe a competência).
Em caso de subdelegação, o exercício continua a ser alargado ao novo delegado, sendo
que qualquer um dos órgãos pode praticar atos sobre a matéria. O exercício da competência pelo
órgão delegante primário, o órgão titular de raiz, causa a preclusão da competência dos
restantes.
Ao órgão delegante cabe: orientar o modo como os demais exercem o poder, revogar, a
qualquer momento, a delegação de poderes e revogar os atos praticados pelos delegados.
A notar que: o ato de delegação tem a sua eficácia dependente da publicidade (a falta
de publicidade determina a incompetência), a delegação incide sobre poderes delegáveis (pode-
se escolher quais) e pressupõe uma relação de confiança (intuito persona), pelo que, mudando
a titularidade, extingue-se a delegação.
Algumas noções gerais: a delegação pode ser expressa ou tácita (considera-se delegada,
dito na lei – o delegante pode revogar a qualquer momento essa competência). Para além disso,
extingue-se por revogação ou por caducidade (mudança de titulares, extinção do objeto).

4.4. DISTINÇÕES IMPORTANTES


1. Competência delegada (por decisão do delegante) ¹ transferência legal de competência
(por decisão do legislador).

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2. Competência delegada ¹ delegação de assinatura (delegação de um ato material, em
que a rubrica é cometida ao funcionário – o autor material não é quem assina).
3. Competência delegada ¹ coadjuvação (função de auxílio ou coadjuvação dos órgãos,
resulta da lei e não carece de delegação).
4. Competência delegada ¹ subdelegação (delegação de poderes delegados – 2º, 3º e 4º
(...) grau).

4.5. A INCOMPETÊNCIA DECORRENTE DA DELEGAÇÃO


Na delegação intrasubjetiva, os atos são sempre anuláveis, quando feridos de
incompetência relativa, por prática sem delegação.
Assim, as matérias delegáveis sem ato de delegação sofrem de nulidade por
incompetência absoluta. A regência não entende que existe incompetência absoluta: porque,
sobre a matéria delegável não deve incidir o mesmo vício que incide sobre matéria não delegável
– a segunda comporta incompetência absoluta. Assim: a regência entende que há incompetência
relativa, o ato é anulável (aproveitamento dos atos).

5. TIPOLOGIA DAS RELAÇÕES ENTRE ÓRGÃOS


1. Relações de hierarquia.
2. Relações de competência comum.
3. Relações de substituição.
4. Relações de complementaridade (órgãos principais e órgãos auxiliares).
5. Relações de cooperação.
6. Relações de subordinação (direito e sujeitos a direção).

5.1. RELAÇÕES DE HIERARQUIA (PÁG. 815)


As relações de hierarquia pressupõem relações entre órgãos superiores e órgãos
subalternos. Na falta de norma expressa em contrário, a hierarquia é a regra geral estruturante
das entidades públicas – é um modelo vertical que estabelece as relações entre os vários órgãos.
No que consiste: um dos órgãos tem o poder de dispor da vontade dos restantes
(assemelha-se, quase, a coação) e os restantes órgãos estão sujeitos a um dever de obediência.
Existem, assim, três tipos de poderes atribuídos ao órgão superior:
1. Poder de direção: faculdade de emitir ordens (comandos para o caso concreto)
e instruções (comando de carater geral e abstrato – regulamento interno).
a. Pode substituir-se à vontade do subalterno (divergência entre vontade
real e vontade declarada).
b. Pode esvaziar a discricionariedade do subalterno (esvaziar a liberdade
de escolha)
c. Tem este poder mesmo perante comandos ilegais: o dever se
obediência, nos termos do artigo 271º, CRP, e 161º, CPA, só cessa
quando a ordem comina em nulidade (regência) – a CRP determina
apenas em caso de crime.
d. Artigo 112º/5 CRP: a contrario, é possível retirar que é permitido emitir
atos regulamentares internos (ordens) contrários à lei. Assim, obedecer
a instruções contra a lei é respeita a legalidade.
i. O interior da Administração pode funcionar em torno de uma
legalidade contra legem com fundamento constitucional.
ii. Como evitar a responsabilização? Nos termos do artigo 271º,
pode pedir a confirmação da ordem por escrito – faz cessar o
dever de obediência.

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2. Poder de controlo: controlar como estão a ser acatadas as leis e as ordens, é um
poder inspetivo. É, também,
a. Poder de supervisão: faculdade de revogar, por falta de mérito, ou
anular, porque inválidos, os atos dos subalternos – sobre os atos.
b. Poder disciplinar: incide sobre as pessoas e sobre as condutas ilegais
ou contra as ordens (ilegais).
3. Poder de disposição da competência: poder de resolver conflitos positivos ou
negativos, poder de delegação aos subalternos e poder de substituição primária
(agir no lugar do subalterno).

5.1.1. DEVERES DO SUBALTERNO (PÁG. 823)


O principal é o dever de obediência: a hierarquia é um processo de decisão, em que pode
ocorrer prevalência da vontade do superior hierárquico ou um processo de substituição de
vontades (a vontade material incumbe ao superior e a vontade formal, declarada, imputável ao
subalterno).

5.1.2. DELIMITAÇÃO DA HIERARQUIA


Da Constituição resulta que: quando mais se sobe na estrutura hierárquica, maior a
legitimidade política (maior a intervenção da soberania popular). A hierarquia não existe em
órgãos constitucionais, em órgãos colegiais nem em órgãos não hierarquizados. Para além disto,
determinadas matérias estão também afastadas de relações hierárquicas: atividades técnicas e
materiais, a competência delegada e a atividade contratual.

5.1.3. RELAÇÕES ENTRE HIERARQUIA E COMPETÊNCIA


O superior pode emanar ordens e instruções sobre todas as competências do subalterno,
porque, entre eles, existe uma competência material comum, tendo sempre decisão.
No entanto, a competência externa não é comum – as situações em que o subalterno
tenha uma competência exclusiva, não podendo haver substituição pelo superior. Em caso de
substituição do superior, ocorre incompetência relativa. Apesar de tudo, o órgão superior pode
emitir uma ordem sobre a competência externa do subalterno, sem se substituir a esta
(prevalece a vontade do superior).

6. ENTIDADES PRIVADAS
No seio das entidades privadas pode ocorrer colaboração de várias entidades privadas
e uma forma de exercício em lugar das entidades públicas. Quanto à colaboração, podem existir:
pessoas coletivas privadas de utilidade pública, instituições privadas de solidariedade social e ...
Quanto às formas de exercício por estas entidades privadas:
1. Concessionários: concessão de uma atividade a uma entidade pública.
2. Substituição da natureza: determinadas atividades não podiam ser exercidas,
anteriormente, por entidades privadas; quando passou a ser permitido, foram
transferidas para este domínio.
3. Funções públicas acessoriamente conferidas a entidades privadas.
4. Funções públicas excecionalmente atribuídas a entidades privadas.
Pergunta-se: há um fenómeno de delegação de poderes? Nos termos do artigo 267º/6,
estas entidades integram a Administração e estão sujeitas ao Direito Administrativo. Entende-se
que ocorra, antes, um fenómeno de devolução de poderes:
Reporta-se a um fenómeno de devolução de poderes, caracterizado pela transmissão, pelo
Estado, de uma parte dos seus poderes, para entidades que não se encontrem integradas na sua
pessoa coletiva. A qualquer momento pode o Estado retirar, a estas entidades, os poderes
transferidos – porque nunca deixam de ser poderes do Estado.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E A PROSSECUÇÃO DE INTERESSES

1. A PROSSECUÇÃO DE INTERESSES
O Estado é a pessoa coletiva por excelência: as restantes, que não disporiam dessa
centralidade, são entidades públicas menores. No entanto, atualmente, já se verificam sinais de
perda de centralidade do Estado:
1. Criação de fins independentes do Estado
2. Prossecução de fins respeitantes à União Europeia (enquanto Estado membro),
para além de fins próprios)
3. Entidades administrativas independentes dentro do Estado, com funções de
relação e com ligação direta com a União Europeia (Banco de Portugal, CMVM).
4. A subsidiariedade
5. A ideia de desregulação pública – neoliberalismo organizativo, ou seja, o
movimento atual de privatização.
Assim sendo, como conclusão: há um risco de debilitação do Estado (perda de eficácia
de intervenção e de regulação), sendo que o Estado já não tem o monopólio da definição dos
fins prosseguidos por grande parte da sua Administração.

2. ADMINISTRAÇÃO DIRETA
Engloba a Administração Central, órgãos e serviços de vocação nacional, com efeitos
sobre todo o território, e a Administração Periférica, circunscrita a um espaço territorial – pode
ser interna, se for no âmbito do território nacional; pode ser externa, se for fora do território, que
é o caso das embaixadas.
As embaixadas: em termos ficcionais são território do
Estado. Há um vínculo laboral destes – deveria ser um
vinculo laboral público. Para além disso, também lá
trabalham funcionários não sujeitos a esse vínculo
públicos – mas sujeitos ao Direito Privado do território
em causa.
Quanto à Administração Central: aponta para entidade públicas sob a égide do Governo.
No âmbito da sua função administrativa, o Governo é o órgão superior administrativo e é o órgão
que emite ordens e instruções.
No seio do Governo, cada ministro é um órgão administrativo e político, como topo da
hierarquia do ministério. No entanto, em termos jurídicos, não há hierárquica entre os elementos
do Governo: há apenas supremacia política (há igualdade jurídica – não pode haver ordens –
princípio da paridade hierárquica).
Apesar de igualdade, o Ministro das Finanças tem supremacia hierárquica jurídica (nos
termos da Lei Orgânica do Governo), que se constitui pela necessária aprovação sua de atos que
impliquem despesas.
Importa, ainda, referir, um setor da administração que está excluído de ordens:
1. Serviços Autónomos: com autonomia limitada, mas não sujeitos a ordens e
instruções (exemplo: Conselho Nacional de Educação);
2. Autoridades independentes: não têm personalidade jurídica e, apesar de ainda
serem estado, não estão sujeitos a ordens (exemplos: Provedor de Justiça)

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3. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
Prossegue fins públicos do Estado por entidades públicas com personalidade jurídica –
ou seja, os fins do Estado são prosseguidos de forma indireta, quer sob a forma pública, quer
sob a forma privada.

4. A ADMINISTRAÇÃO NACIONAL COMO ADMINISTRAÇÃO DA UNIÃO


EUROPEIA
Há uma Administração partilhada entre a União Europeia e os Estados Membros: um
federalismo administrativo.
Assim, a execução do Direito da União Europeia, por via de regra, é feita pelas
Administrações dos Estados Membros, uma vez que a União Europeia não tem uma estrutura
administrativa completa. Assim, a Administração Nacional é também Administração da União
Europeia: pergunta-se, no entanto, se é indireta, delegada ou federada.

4.1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS


1. Princípio do primado do Direito da União Europeia
2. Princípio da cooperação leal
3. Princípio da autonomia (no modo como se executa)
4. Princípio do respeito pelas vinculações da União Europeia (quase que esvazia o
princípio da autonomia)
Assim, atualmente, há mais matérias e tarefas a cargo da Administração Nacional (que
também aplica Direito da União Europeia); notam-se transformações organizativas, pela sujeição
das existentes a mecanismos de controlo e criação de novas; o processo decisório é mais
complexo; duplicaram os mecanismos de controlo – quando aplica o Direito da União Europeia
sujeita-se a controlo interno e a controlo da União Europeia (da Comissão e do Tribunal).
Pode concluir-se, assim, que o Governo é o órgão superior da Administração: sim, apenas
quando executa o direito nacional.

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NORMATIVIDADE REGULADORA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. O PLURALISMO
Como característica essencial da normatividade reguladora da Administração Pública
temos a notar o pluralismo: uma pluralidade de normas a regular a Administração Pública. Assim,
para disciplinar uma matéria, o primeiro problema é determinar a norma aplicável.
Assim, verifica-se a concorrência de várias regulações normativas:
1. Normas Jurídicas
2. Factualidade com pretensão/aptidão reguladora
3. Normas extrajurídicas
Desta pluralidade resultam, necessariamente, soluções antagónicas: a conflitualidade
das demais normas gera, então, antinomias.
Assim sendo, a aplicação da normatividade na Administração Pública atual pressupõe:
1. Descobrir a norma aplicável
2. Resolver os conflitos

2. A APLICAÇÃO DO DIREITO PRIVADO


Para além do Direito Administrativo, a Administração Pública também aplica Direito
Privado. Esta aplicação leva a questionar: será possível que toda a Administração Pública seja
regulada no seu todo pelo Direito Privado?
A resposta parece ser negativa: não deixa de ser Administração Pública, por aplicar
Direito Privado, logo está sujeita ao artigo 267º; a Administração Pública está especialmente
vinculada aos Direitos Fundamentais. Assim, especialmente nesta matéria de direitos
fundamentais, a Constituição criou uma reserva constitucional de Direito Administrativo: as
matérias da função administrativa não podem ser disciplinadas pelo Direito Privado. Três
manifestações da ainda remanescente natureza pública:
1. A CRP cria, para os tribunais administrativos, uma competência própria, pelo que
têm, necessariamente, de aplicar Direito Administrativo.
2. As garantias contenciosas dos administrados pressupõem uma aplicação do
Direito Administrativo (artigo 268º);
3. A Administração prossegue a sua atuação mediante poderes de autoridade;
porquanto o Direito Privado pressupõe posições de igualdade, toda a matéria
que respeite a poderes de autoridade terá de ser regulada pelo Direito
Administrativo.

2.1. A RESERVA CONSTITUCIONAL DE DIREITO PRIVADO


1. Quando desenvolve uma atividade empresarial em mercado concorrencial: uma vez
que a atuação em mercados não permite benefícios, sob pena de violação do
princípio da igualdade e da concorrência.
a. Aplicação do Direito Privado: garante a igualdade – as empresas públicas
são normalmente regidas pelo Direito Comercial e Civil.
b. Também a administração não empresarial pode aplicar direito privado,
quando a lei o determinar: no entanto, no silêncio, aplica-se direito
administrativo.
2. Que se coaduna com a aplicação de Direito Público

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a. Direito Penal: compreende atividades de investigação penal, aplicação de
sanções disciplinares, tomadas em consideração, aplicação de outras
sanções, critérios de natureza penal.
i. Por exemplo: interdição do exercício de uma função
b. Direito Processual Penal: comporta um reforço das garantias dos cidadãos.
i. Por exemplo: inquéritos, averiguações pela PJ.
c. Direito Processual Civil: enquanto direito subsidiariamente aplicável em
termos de processo penal.

3. AS NORMAS EXTRAJURÍDICAS
1. Normas técnico-científicas: normas que respeitam às atividades técnicas.
a. Normas que aferem da ausência de perigos para a saúde pública, normas de
conversão dos votos em mandatos, etc.
2. Normas de trato social: aplicáveis entre funcionários públicos e vinculando, assim, a
atuação administrativa.
3. Normatividade ética, moral ou deontológica: nomeadamente, perante a Administração e
os administrados.
a. Relação entre médico e paciente.

4. FACTUALIDADE COM APETÊNCIA REGULADORA


A factualidade com apetência reguladora respeita aos factos emergentes do agir
administrativo que podem ser juridificados, gerando, assim, critérios futuros de decisão
administrativa.
1. Praxes práticas e usos: respeitam a condutas habituais, ainda que sem
juridicidade.
2. Precedente Administrativo: em nome do princípio da igualdade e da
imparcialidade, a Administração Pública está obrigada a seguir o precedente
administrativo.
a. Comparação com o regulamento administrativo: é mais difícil de mudar,
enquanto que o regulamento é de fácil alteração.
b. Afastamento: em termos materiais (diferença factual de circunstâncias)
e formal (tem de se apresentar fundamentação – artigo 152º/1/d)).
c. Âmbito de vinculação: algumas posições apontam para um âmbito geral
(todas as entidades); a regência entende que vincula apenas a entidade
pública em causa (conjugação dos princípios da igualdade,
imparcialidade e autonomia).
d. Conformidade com a legalidade: o precedente só será vinculativo se for
conforme à legalidade?
i. Alguns defendem que só há igualdade quando há legalidade,
decorrência da hierarquia dos princípios.
ii. Não é necessariamente assim: o precedente inválido, desde que
anulável, tem a função de precedente.
3. Costume: prática reiterada com convicção de obrigatoriedade.

5. AS DUAS NORMATIVIDADES REGULADORAS


Assim, quanto à normatividade reguladora da Administração Pública, denotam-se dois
sistemas em confronto:
1. A Normatividade Publicada.

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2. A Normatividade que resulta da factualidade.
Decorre, por conseguinte, um problema quanto ao princípio da legalidade: a
normatividade oficial, ou seja, a publicada, é perfeitamente afastada pela não oficial.
Para além disso, em paralelo, quanto à factualidade exterior é possível distinguir:
à Situações de estado de emergência ou de sítio: como revoluções ou crises
financeiras.
à Fenómenos revolucionários
à Prática judicial reiterada: nomeadamente, interpretações realizadas pelo
tribunal.
E, ainda, uma factualidade exterior, mas diferente do agir administrativo:
à Acordos do Governo e de incidência governamentais
à Normas de organizações internacionais e de organizações não governamentais.
à Projeção vinculativa dos resultados do referendo
à Programa do Governo (exemplo: reversão da privatização da TAP).

5.1. AS NORMAS QUE REGULAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


à Normas heterovinculativas: as que se impõem à Administração Pública, vindas de fora
da mesma.
o São exemplos: o Direito Internacional, a Constituição, as decisões do Tribunal
Constitucional, os princípios gerais de Direito e da União Europeia, o costume
externo, o precedente judicial, o Direito Estrangeiro, a Constituição Formal, os
atos legislativos internos.
à Normas autovinculativas: são as que são criadas pela própria administração.
o Regulamento: subordinado à lei, é um ato unilateral, que não pode incidir sobre
a reserva de lei.
§ Todas as entidades públicas têm poder regulamentar: externo e interno
(legalidade no interior da Administração é diferente da legalidade
externa, nos termos do artigo 112º/2, que poderá levar à obrigação de
acatar instruções contrárias à lei – legalidade especial);
§ Princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos: qualquer
regulamento não pode ser derrogado no caso concreto.
§ 2 tipos de regulamentos: de execução das leis e independentes
(diretamente fundados na CRP).
o Autovinculação bilateral
§ Contratos administrativos: públicos (administrativos ou de direito
privado da Administração); acordos de concertação social (reuniões de
parceiros sociais); acordos endoprocedimentais (no interior do
procedimento administrativo).
§ Convenções interadministrativas: auxílio do Estado à regiões autónoma
e convenções administrativas envolvendo entidades públicas de dois ou
mais Estados.

6. A FUNÇÃO LEGISLATIVA E A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA


O Governo é o órgão máximo da Administração Pública: ao mesmo tempo, o Governo é
legislador e administrador; na área concorrencial, o Governo determina a sua própria legalidade.
à Lei Formal: o decreto-lei, ato legislativo da autoria do Governo, pode ser um ato
de normatividade autovinculativa;
à Particularidades:
o Quando o Governo é maioritário: a lei deixa de ser heterovinculativa;

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o O Governo é o órgão que negocia no cenário internacional: sobre
qualquer matéria, podendo fazer prevalecer a sua vontade sobre os atos
legislativas (sobrepondo-se as convenções internacionais);
Para além disto, na área concorrencial, ou seja, fora da reserva de lei, o Governo, se dada
matéria não foi ainda objeto da função legislativa, entre o decreto-lei ou o decreto-regulamentar.
à Vantagens do decreto regulamentar: fugir à fiscalização preventiva, não estar
sujeito a apreciação parlamentar; o decreto-lei tem de passar pelo Conselho de
Ministros e ser aprovado pelos Ministérios, enquanto que o decreto
regulamentar apenas tem de passar pelo Primeiro-Ministro e pelo ministro
competente;
Conclusão da regência: o primado da função legislativa não está nas mãos da
Assembleia da República: nem quantitativamente, nem qualitativamente.

7. OS TIPOS DE NORMAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


1. Regras: dão certeza ao aplicador e ao destinatário.
2. Princípios: pressupõem o balanceamento, a ponderação e a elasticidade.
a. Os princípios aumentam o protagonismo da Administração Pública: é esta que
procede à densificação.
b. Atualmente: há cada vez mais princípios (normatividade principialista), sendo o
problema mais grave a impossibilidade de satisfação de todos os interesses,
acabando sempre por se terminar num conflito judicial (precedentemente, a
Administração Pública já tentara resolver o conflito);

7.1. O PROBLEMA DO APURAMENTO DO SENTIDO


As normas princípio reforçam o papel da Administração na estipulação a interpretação:
interpretar, afinal, é sempre criar, pelo que, quem interpreta, cria e acresce algo de novo as
normas (assim o faz a Administração Pública).
1. Normatividade imperfeita que resulta da predominância de princípios: as normas
princípio são normas sem resolução exata, pelo que a sua aplicação é
substancialmente mais complexa.
2. Pluralidade de normas a regular a mesma matéria: o problema é determinar qual
a norma aplicável (gerando-se conflitos entre normas – a ideia de Administração
subordinada à lei está, tão somente, ultrapassada) e, posteriormente, o
conteúdo aplicável.
a. Problema no seio da Administração: a administração pode recusar a
aplicação de normas inconstitucionais, que respeitem a direitos,
liberdades e garantias com aplicabilidade direta e nos casos em que a
CRP sancione esse vício.
i. Fora destes: a Administração deve aplicar as normas, logo age
de forma inconstitucional.
3. Havendo lacuna: cabe à administração integrá-la.
Assim, a Administração Pública tem protagonismo na definição do sentido útil da norma:
na definição da normatividade e na determinação e interpretação da norma. Pelo que, em termos
gerais, a Administração não é mera executiva da lei: a Lei é para a Administração aquilo que a
interpretação para a Administração diz ser.
à Termos da vinculação à lei: a legalidade externa é diferente da legalidade
interna; a violação da legalidade acarreta o desvalor da anulabilidade (produzem
efeitos como se válidos, até ao momento da anulação).

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8. OS ESPAÇOS INTEGRADOS PELA ADMINISTRAÇÃO
Há um espaço de autonomia pública: similar à autonomia privada, é o espaço de
liberdade dentro da juridicidade, ao abrigo de precedência de lei, que é conferido à Administração
Pública. A bom rigor, não é uma liberdade, mas uma competência: conferida pela ordem jurídica.
à Distinção principal em relação à autonomia privada: a intervenção, nesta, da
ordem jurídica, é meramente declarativa – na autonomia pública, é já
constitutiva.

8.1. ESPAÇOS DE AUTONOMIA PÚBLICA


1. Integração concretizadora de conceitos indeterminados
2. Integração de espaços de discricionariedade
3. Derrogação administrativa
NOTA: é possível a conjugação das três figuras: uma derrogação que permita um poder
discricionário e que surja conjugada com conceitos indeterminados.

8.1.1. INTEGRAÇÃO CONCRETIZADORA DE CONCEITOS INDETERMINADOS


As ordens jurídicas têm conceitos vagos que carecem de concretização, sendo estes
fundamentais na atuação administrativa (é o caso, por exemplo, do interesse público e da
imparcialidade).
Para além disto, todos os princípios integram conceitos indeterminados – não
descurando as regras, que por eles também são compostos. Assim, neste cenário, existem vários
tipos de juízos administrativos:
1. Juízo jurídico discricionário: a Administração faz uma operação de natureza
intelectual subjetiva e valorativa, que é insuscetível de controlo judicial.
a. Poderá ter uma incidência numa realidade presente ou numa realidade
passada.
b. Poderá também incidir sobre estimativas do futuro: juízos de progresso
(avaliação sobre o sentido provável de evolução futura prevista – é
exemplo, a viabilidade económica do projeto).
2. Juízo jurídico interpretativo: determinação do sentido da norma no caso
concreto, sendo sempre suscetível de controlo jurisdicional.
3. Juízo jurídico de natureza técnico-científico: critérios de natureza extrajurídica
(exemplo: saber se o Estado deverá intervir em determinada matéria – o
problema da tecnicidade do adir da Administração).

8.1.2. INTEGRAÇÃO DE ESPAÇOS DE DISCRICIONARIEDADE


Há discricionariedade quando a lei confere à Administração Pública várias soluções, de
entre as quais deve a Administração escolher uma: desde que a escolha respeite os limites da
lei – incidirá sobre o objetivo, não incidirá sobre o fim, nem quanto à forma, nem quanto à
competência.
à Discricionariedade optativa: ou A ou B.
à Discricionariedade criativa: remete para a criação de uma solução.
De notar, aliás, como já salientado, que há limites à discricionariedade:
1. A normatividade hererovinculativa (heterolimites).
2. A normatividade autovinculativa: do próprio decisor (precedentes) e por outro
órgão (comandos hierárquicos – nomeadamente, em relação ao subalterno).
a. Problema: estão obrigados a acatar as normas inválidas – os órgãos
devem aplicar, não discutindo a validade, salvo quando o ordenamento
o permite (direitos fundamentais e normas inexistentes).

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8.1.3. DERROGAÇÃO ADMINISTRATIVA
Em qualquer norma: a uma previsão corresponde uma estatuição. É possível, neste
âmbito, entregar-se à Administração a estatuição: a Administração afasta a estatuição regra
definida pelo ordenamento jurídico – derroga a solução preferida pelo legislador.
Exemplificando: regra 1 vs. regra 2
(discricionária).
Assim, há duas estatuições alternativas: uma preferida e outra discricionária. Nestes
casos, a Administração está especialmente vinculada ao princípio da igualdade e ao dever de
fundamentação.

9. CONCLUSÃO
1. A Administração Pública é protagonista da legalidade.
2. A juridicidade tem espaços de abertura que concede à Administração Pública autonomia.

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