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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

DIREITO CONSTITUCIONAL II

História Constitucional Portuguesa

Começa com a Revolução Liberal, que vem importar para Portugal os efeitos da Revolução Francesa. Na
verdade, antes de 1820, já existia em Portugal um Estado e, consequentemente, uma Constituição; pois o
Estado é uma instituição que necessita de uma lei para o governar.

Não era um texto formal, mas normas consuetudinárias, que se formaram ao longo do tempo- Constituição
Histórica, produto do tempo.

O período que vai de 1128 (Batalha de São Mamede) a 1820, tem como principais momentos político-
constitucionais:

→ Proclamação e Reconhecimento da Independência Nacional (1128- 1179):


- Afirmação da Individualidade própria, de que há uma comunidade culturalmente autónoma dentro
do Reino de Leão e Castela- Condado Portucalense.

- Relação de subordinação de Portugal ao Papa, no contexto da Respublica Christiana.

- 1179- Papa reconhece a independência portuguesa. O reconhecimento do Papa é o passaporte pelo


qual Portugal se afirma como um Estado; o reconhecimento é feito, mas dentro de um esquema geral
de subordinação política de Portugal a Roma (ao Papa) e tem natureza constitutiva. Foi este
reconhecimento que fez com que Portugal entrasse para a comunidade internacional.

→ Reinado de D. Afonso II (1211-1223)


- Edificação do Estado: D. Afonso II é o primeiro rei que emana um pacote de leis que são gerais para
todo o reino. Nessas leis, o Rei manifesta especial preocupação em centralizar o poder, nomeando
juízes que são a expressão da vontade do Rei e que aplicam a lei do mesmo.

- Incrições e Confirmações- intervenção do poder central para saber se quem tinha as terras as tinha
como título válido ou se tinham usurpado os terrenos ao Rei.

- Entendimento de que o rei não podia contrariar um direito ou os direitos da Igreja.

- Pela primeira vez, prevê-se o dever de o Estado indemnizar por danos decorrentes da ação do Estado.

→ Deposição de D. Sancho II (1245)


- Quem o afasta é o Papa, exemplo da subordinação do poder político ao Papa.

- Os fundamentos que se prendem com o afastar do Rei têm a ver com a acusação de que o Rei não
garante a justiça, não age de acordo com esta. Esta é a aplicação do pensamento de Santo Agostinho.

- O Rei é deposto pelo Papa, mas o Papa determina que quem passa a reger o reino é o irmão, Conde
de Bolonha, que vem a ser D. Afonso III. Este assume um compromisso- Compromisso de Paris-, em
que diz que quando assumir o governo, garantirá a justiça.
→ D. Afonso III convoca as Cortes de Leiria (1254)
- Primeiras cortes que contam com a intervenção do povo.

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→ Celebração do Tratado de Alcanises (1297)


- Celebrado no reinado de D. Dinis, vem definir as fronteiras de Portugal Continental. Ainda hoje, este
tratado está na base do artigo 5º da CRP.

→ Celebração das Cortes de Coimbra (1385)


- Morte e sucessão de D. Fernando.

- As cortes entendem que a herdeira deve ser afastada da Coroa e que os filhos legítimos de D. Pedro
também devem ser afastados. As Cortes entendem então que o reino deve ser entregue ao Mestre de
Aviz.

- Mostra que o povo deve escolher quem quer para Rei; é a legitimação da Dinastia de Aviz com base
na intervenção das Cortes. Há uma pequena revolução em termos constitucionais.

→ Conquista de Ceuta (1415)


- Traduz uma opção política, constitucional, de que Portugal não pode expandir-se mais no continente
Europeu e a solução é uma expansão ultramarina, que vem ser determinante em todas as opções
políticas de 1415 a 25 de abril de 1974.

- O modelo constitucional e de organização administrativa também sofre influência; deve a mesma lei
ser aplicada a todas as pessoas do território português ou devem haver leis especiais adaptadas à
realidade de cada território?

- O 25 de abril de 1974 foi determinado pelos militares...

→ Regimento do Reino aprovado nas Cortes de Torres Novas (1438)


- Morte de D. Duarte. D. Afonso V é menor: a quem atribuir a regência? O testamento do rei dizia que
devia ser a viúva (menor); os nobres diziam que devia ser o irmão mais velho de D. Duarte, D. Pedro I.

- Primeira constituição pois define aquilo que cada um pode fazer sozinho e aquilo que ...?

→ Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536)


- Vem redefinir até ao séc. XIX os limites da liberdade e, nesse sentido, condicionar o desenvolvimento
cultural, mas também o económico; veio fazer com que parte da inteligência nacional saísse para a
Europa Central.

→ Sucessão do Cardeal D. Henrique e Cortes de Tomar (1580)


- As cortes escolhem D. Filipe II de Espanha. Compromisso de que haverá uma união pessoal mas não
uma união real- Portugal continua independente de Espanha, apenas têm o mesmo Rei.

→ Restauração da Independência (1640)


- O povo pode, em cortes, afastar o monarca se este for tirano. O povo tem legitimidade para escolher
um novo rei. Aqui cria-se pela primeira vez a ideia de que há as leis fundamentais do reino-
Constituição Histórica. Estas leis tiveram origem nas Cortes de Lamego, no reinado de D. Afonso
Henriques. Uma destas leis é que o rei tinha de ser português.

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→ D. Afonso VI é deposto (1667)


- Golpe de Estado liderado pelo seu irmão.

- Regência deve recair, à falta de herdeiros, na imagem do irmão.

→ 1ª Invasão Francesa (1807)


- Em Novembro, a família real desloca-se de Portugal para o Brasil; pela primeira vez, um rei europeu
vai ao “Novo Mundo”, fixando a corte no Brasil.

- Portugal passa a ser uma União Real.

- Com Portugal invadido e ocupado por ingleses e franceses, surge a Revolução Liberal.

→ Súplica de Constituição (1808)


- Junot ocupa Portugal, alimentando um sonho de vir a ser rei de Portugal.

- Um grupo de portugueses escreve uma carta a Napoleão suplicando uma Constituição, assim como
um Rei que fosse da sua família.

Fontes de Direito Constitucional:


❖ Leis fundamentais do Reino- só podiam ser modificadas com a conjugação de 2 vontades: do
Rei e das Cortes;
❖ Normas Consuetudinárias;
❖ Assentos das Cortes- deliberações tomadas em Cortes;
❖ Atos unilaterais do Rei- ex: testamentos, forais;
❖ Atos de natureza contratual- ex: contrato celebrado entre D. Fernando e D. João de Castela
(que ia casar com a filha do outro, D. Beatriz).

Principais Instituições:

❖ Rei;
❖ Cortes.

1820- Revolução Liberal, revolução que teve 3 grandes propósitos: impedir que Portugal continuasse ocupado
pelos ingleses, impedir que Portugal continuasse como colónia e exigir o regresso do Rei e instaurar uma
ordem constitucional liberal baseada em dois princípios- existência de uma Constituição, de um texto formal
qualificado e elaborado como Constituição garantido a separação de poderes e os direitos fundamentais.

Surgiram então Cortes, com o propósito de elaborar uma Constituição. Em 1821 desenvolveram as bases da
Constituição, onde se fixaram os princípios que a integrariam: afirmação do princípio da separação de poderes,
da igualdade de todos perante a lei, o reconhecimento de direitos fundamentais, principalmente a liberdade,
a segurança e a propriedade; a afirmação da Dinastia de Bragança como titular da Coroa, o que significa que
o Rei passou a ter uma legitimidade conferida pelas Cortes. Nestas bases são definidos os embriões de dois
direitos sociais- o direito à instrução e o direito à assistência dos necessitados. Estas ideias vão passar para a
Constituição de 1822.

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Esta constituição tem fundamentalmente as seguintes particularidades:

◊ É uma Constituição predeterminada pelas bases;


◊ A discussão parlamentar em torno da Constituição foi marcada pela questão brasileira, que faz com
que D. Pedro acabe por proclamar a independência brasileira;
◊ A constituição quando entra em vigor, já tinha proclamado a independência e, por isso, estava
desatualizada;
◊ Assenta num sistema de governo que seria parlamentar de assembleia;
◊ Criou logo à partida um conflito, uma oposição, pois quem elaborou a constituição entendeu que devia
obrigar a rainha a jurar a constituição e esta recusou-se. Dentro da família real começaram logo a
surgir opositores;
◊ Previa um parlamento unicameral e com um Rei fraco, sem poder de veto absoluto (sendo apenas
suspensivo), um Rei subordinado às Cortes, não as podendo dissolver. Esta subalternização do Rei
levou a uma oposição por parte da família real. Em 1823, surge então a Vila Francada, um movimento
que ocorre pelo qual D. Miguel lidera a oposição à constituição, fazendo cessar a vigência da mesma.
Ou seja, a constituição apenas vigora durante meses. Em 1823 é prometida a existência de uma nova
constituição, mas essa não entra nunca como projeto político, significando que não há Constituição
até 1826.

Em 1826 surge a Carta Constitucional. Entre 1823 e 1826 há o primeiro interregno constitucional. A carta
constitucional assume que o Rei morreu e abre-se um problema de sucessão. Pelo Tratado do Rio de Janeiro,
Portugal reconhece a independência do Brasil, acabando por amnistiar o crime que D. Pedro havia cometido.
Esta configuração corresponde aos adeptos de D. Pedro que se vão confrontar com os adeptos do absolutismo,
que preferem que seja D. Miguel o herdeiro da Coroa. A solução encontrada assenta num compromisso que
está na base da Carta que é que D. Pedro, depois de outorgar a Carta, abdica do trono português, a favor da
sua filha D. Maria Glória e esta casa com o tio, D. Miguel.

O espírito que domina a Carta Constitucional é o pensamento de Benjamin Constant, da monarquia limitada;
o princípio nuclear é o monárquico, a vários níveis:

 Constituição como expressão constituinte.


 Consagra um quarto poder, o moderador, que é a chave de todos os outros poderes, que está nas
mãos do Rei. O poder executivo pertence ao Rei e aos ministros, que apenas são responsáveis
perante o Rei. O poder legislativo pertence às Cortes, numa estrutura bicameral, sendo a câmara
dos pares de nomeação régia.
 Não há fiscalização da constitucionalidade pelos tribunais.

A carta é até hoje o texto formal que mais tempo vigorou. Tinha na sua base um compromisso político, como
atrás se referiu. Tem a particularidade de que D. Maria era menor e por isso D. Miguel regressa como regente,
exercendo o poder.

Em 1828 dá-se a abdicação de D. Pedro e o regresso de D. Miguel e quando este regressa dá-se uma
proclamação de D. Miguel como Rei e regressa o regime absolutista com a sua Constituição Histórica.

Entre 1828 e 1834 ocorre o 2º período de interregno constitucional (só não acontece na Ilha Terceira, onde se
constitui um governo provisório fiel aos liberais).

Em 1832 desembarca D. Pedro em Portugal, regressando do Brasil, à frente de um exército. Entre 1832 e 1834
sucede uma guerra civil que termina com a Convenção de Evoramonte, com a rendição de D. Miguel e D. Pedro
é aclamado regente em nome da sua filha.

Em 24 de julho de 1834, com a vitória liberal, é reposta a Carta Constitucional de 1826.

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Em setembro de 1836 há uma revolução, a Revolução Setembrista protagonizada pelos irmãos Passos Manuel,
que leva de novo à vigência da Constituição de 1822, que deixa de ser rígida e passa a ser flexível (pode ser
alterada por decreto do governo).

Em 1837 é elaborada uma nova Constituição, também ela produto de uma assembleia constituinte. Esta
procura ser um compromisso, uma síntese entre a de 1822 e a de 1826. Esta síntese materializa-se da seguinte
forma:

o O poder tem uma estrutura bicameral;


o O Rei não tem poder moderador; todas as faculdades que integravam este poder passam a integrar o
poder executivo (o Rei não perde poderes, apenas passa a ter uma nova designação);
o Ao não se pronunciar quanto ao veto, deduz-se que não há na Constituição uma norma que preveja
como o governo possa superar o veto do monarca;
o Chama-se Constituição para agradar aos vintistas, mas o conteúdo desta mantinha-se fiel à Carta para
agradar ao Passos, ao monarca; a Constituição só entrou em vigor porque o monarca a sancionou.

Um dos maiores adeptos da Constituição de 1837- Costa Cabral- é aquele que vai protagonizar o Golpe de
Costa Cabral (?) em 1842, para acabar com a vigência da Constituição, voltando a vigorar a Carta Constitucional
de 1826.

Em 1910 cessa a vigência da Carta Constitucional e é proclamada a República e em 1911 é elaborada a primeira
constituição republicana. Esta é aquela que em mais curto espaço de tempo é produzida e consagra um
sistema parlamentar de assembleia, um presidente eleito por sufrágio universal e direto, uma estrutura
bicameral com poderes debilitados do Presidente. Esta Constituição de 1911 é fortemente influenciada pela
Constituição Brasileira de 1891, por 3 figuras: fiscalização judicial da constitucionalidade das leis, habeas
corpus contra a prepotência das autoridades em matéria de detenção ilegítima de pessoas e cláusula aberta
em matérias de direitos fundamentais (há outros para além daqueles que resultam da Constituição).

Esta tem um período conturbado de vigência, os governos sucedem-se e conduz a dois movimentos políticos
que procuram reescrever a história nacional:

→ 1915- Ditadura de Pimenta de Castro- Não tem sucesso e leva à renúncia do Presidente da República.
→ 1917- Movimento liderado por Sidónio Pais- Conduz à instauração de um sistema presidencialista. O
presidente é assassinado um ano depois e repõe-se a vigência da Constituição de 1911. No entanto,
em 28 de maio 1926 há o movimento militar, que põe termo à primeira república e cria o maior
período de interregno da história, de 1926 a 1933- período que corresponde à Ditadura Militar, que
teve muita importância porque:
- Influencia a feitura da Constituição de 1933;
- Consagra-se a ideia de que o PR deve ser um militar;
- Em 1932, o PR resolveu chamar para ministro das finanças o Dr. Salazar que só aceitou o cargo com
a condição de ter o direito de veto sobre todas as despesas por parte do governo;
- Durante este período não havia parlamento; quem legislava era o governo, atuando como órgão
legislativo normal. Consagra um presidencialismo bicéfalo, um sistema de chanceler. Os poderes
estavam na posse do PR, mas quem os exercia eram os representantes livremente nomeados pelo PR.
Não havia responsabilidade política do governo. Forma-se uma república corporativa. O PR é eleito
por sufrágio direto.

Durante o período de vigência da Constituição de 1933 houve dois presidentes do Conselho, Salazar entre
1933 e 1968 e Marcello Caetano entre 1968 e 1974. Quem escolhia o PR era o presidente do conselho de
ministros.

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Entre 1974 e 1976 ocorre o último período de interregno constitucional.

Períodos de vigência da Carta Constitucional:

1º 1826-1828
2º 1834-1836
3º 1842-1910

Houve um 4º período, em 1919, com a revolta monárquica, a designada Monarquia do Norte, protagonizada
pela Junta Militar, que durante uns dias de fevereiro restabeleceu a Carta Constitucional.

Génese da Constituição de 1976:

A constituição de 1933 manteve-se ainda provisoriamente de 1976 a 1974, como uma constituição flexível,
isto é, podia ser afastada, e foi efetivamente afastada quer pela Junta de Salvação Nacional que substituiu no
imediato, no pós 25 de abril, a estrutura governativa, quer posteriormente pelas leis aprovadas no Conselho
de Revolução. Durante o período transitório entre 1974 e 1976, a estrutura política portuguesa obedecia aos
seguintes traços:

o Em 25 de abril de 1975 foi eleita a assembleia constituinte encarregue de fazer uma constituição- a
atual constituição de 1976. A génese desta constituição anda em torno de 2 conflitos estruturais que
estão na base da feitura da constituição e do período transitório de 74-76:
- Entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática, isto é, entre a força das armas de
quem desencadeou a revolução e a legitimidade democrática de uma assembleia constituinte eleita
por sufrágio universal.
- Entre a legitimidade militar e a legitimidade partidária, que corresponde a uma réplica da anterior
conflitualidade; a legitimidade militar estava sintonizada com a revolucionária e a legitimidade
democrática tinha expressão nos partidos políticos. É esta tensão permanente que está na génese da
constituição, que esta vai acolher na sua versão inicial (1976-1982).

o Entre 1974 e 1976 há dois presidentes da república, seis governos provisórios e correspondem a um
período de uma primeira moderação. A esse primeiro governo provisório sucedem-se quatro governos
provisórios mais radicais; o sexto governo provisório será o mais moderado.

o Durante este período, o poder constituinte estava dividido: havia um poder constituinte que estava a
fazer a constituição, pertencente aos partidos e da legitimidade democrática; e outro poder
constituinte presente nas mãos dos militares, primeiro na Junta de Salvação Nacional e depois no
Conselho da Revolução.

o 11 de Março de 1975- deriva mais radical da Revolução. Apesar de existirem dois poderes
constituintes, há confluências e influências neste sentido: os militares impuseram parte de um modelo
que havia de ser acolhido pela Constituição de 1976, através de 2 plataformas:

- Entre o RFA (Movimento das Forças Armadas) e os partidos políticos. Esta primeira plataforma ditou
2 coisas:

Foi condição para a realização das eleições de 25 de abril de 1975;

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Conteúdo da própria constituição, designadamente impuseram que tivesse um órgão de componente


militar- Conselho da Revolução- e que o primeiro PR eleito tivesse que ser militar.

Verão Quente (11 de março de 1975 a 25 de novembro de 1975). Período das nacionalizações, das
ocupações das propriedades, da coletivização. Em 25 de novembro de 1975, liderado sobretudo por
aquele que veio a ser o primeiro PR eleito durante a vigência da Constituição de 1976- General
Ramalho Eanes-, dá-se um contragolpe que vem paralizar a vertente revolucionária da Revolução. Este
contragolpe vai obrigar as forças armadas a celebrar uma segunda plataforma:

- Entre o MFA e os partidos políticos. Este acordo vem suavizar a natureza radical do primeiro acordo.
Há um momento que vem ser um elemento determinante: quando os militares aceitam que o PR seja
eleito por sufrágio direto. Fica tacitamente acordado que os partidos vão ter de ceder numa coisa:
para obterem isto- a eleição por sufrágio direto do PR- vão ter de aceitar que os candidatos sejam
militares. Este compromisso leva a que, desde Bernardino Machado (o último PR civil antes do Estado
Novo em 1926), o seguinte PR civil eleito seja Mário Soares, em 1986. É esta a génese compromissória
da Constituição de 1976, que teve até hoje 7 revisões.

O que pode caracterizar estas 7 revisões da Constituição?

▪ Linha dominante da revisão de 1982 e de 1989- demarxização da Constituição, isto é, retirar o fundo
marxista da mesma, quer no plano económico, quer no plano político: expressões como “transição
para o socialismo“, “criação de uma sociedade sem classes”, “irreversibilidade das nacionalizações”
são expressões que vão cair em 1982 e, definitivamente, em 1989. Em 1989, matém-se apenas uma
expressão que, ainda hoje, consta do preâmbulo da Constituição- a referência ao princípio socialista.
Em 1982 é abolido o conceito de Revolução e, com ele, o Conselho da Revolução, sendo susbtituído
pelo Conselho de Estado e pelo Tribunal Constitucional.
▪ Há uma preocupação que domina as outras cinco revisões- a construção da Europa.

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Identidade Constitucional

Hoje coloca-se uma dúvida: passados 41 anos de vigência da Constituição 76, será que materialmente ainda
estamos na vigência desta; ou será que apenas formalmente temos esta Constituição, já que quanto ao seu
conteúdo, ela há muito deixou de ser a Constituição de 1976? Para responder a isto, há que recorrer à
identidade da Constituição. Teremos que averiguar se os traços que caracterizam hoje a Constituição serão os
mesmos que a caracterizavam em 1976:

→ Identidade Axiológica (ordem de valores). Todas as Constituições expressam uma ordem de valores.
A identidade axiológica portuguesa pode resumir-se em 4 itens:
❖ Ideia de Direito- a constituição retrata o estado de direitos humanos;
❖ A constituição tem um projeto político que tem determinados fins, sendo esses resumidos na
expressão “Estado de Direito Democrático”;
❖ Inserção externa do Estado- Portugal é um estado soberano mas com uma soberania com 2 limites: é
uma soberania internacionalizada e uma soberania europeizada;
❖ Como é que se organiza internamente o Poder- Portugal é um estado unitário descentralizado.

Identidade Axiológica: Efeitos e Limites

A Identidade Axiológica impõe várias obrigações:

1) Dever positivo de agir em conformidade- todos os órgãos devem agir no sentido de implementar,
promover e garantir estes valores;
2) Dever negativo de não contrariar estes valores- os aplicadores da Constituição não podem contrariar,
violar ou colocar em risco tais valores;
3) Formulação de um princípio geral de interpretação da ordem jurídica infraconstitucional (direito
ordinário) em conformidade com os valores que revelam a identidade da constituição: entre dois ou
mais sentidos de um enunciado jurídico, o intérprete ou aplicador deve sempre preferir aquele
sentido que é mais próximo ou com maior amplitude garante os valores acolhidos pela Lei
Fundamental.

Dentro dos partidos que compunham a assembleia que fizera a Constituição, também existiam diferenças,
logo a Constituição é compromissória. As normas são compromissórias e por isso tendencialmente
conflituantes. E isso leva a dois efeitos:

• É possível, com base na mesma constituição, na mesma norma, defender o sim e o não, o preto e o
branco, ou seja, a possibilidade desta natureza compromissória da Constituição de alicerçar
diferentes teses de conflito. Por exemplo: a constituição permite ou não o aborto? Permite ou não o
casamento entre pessoas do mesmo sexo? 2 questões polémicas e de ambos os lados existe uma
defesa com base constitucional.

A outra questão é a de saber como se resolvem os conflitos constitucionais. Fundamentalmente, há dois


critérios de resolução:

1º- os valores em colisão têm todos o mesmo nível hierárquico ou há valores que têm prevalência sobre todos
os valores? Por exemplo, a Constituição consagra a dignidade da pessoa humana, que o direito à vida é
inviolável; mas também consagra a liberdade de associação (também é um direito fundamental). Apesar de

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ambos serem direitos fundamentais, não têm o mesmo peso. Onde há uma hierarquia de valores, há o critério
de resolução que determina que os valores que são superiores têm primado sobre os valores de nível inferior.

2º- pode acontecer que os valores tenham paridade hierárquica. Como resolver? Através de um método de
ponderação- balancear os valores, os interesses, os princípios da questão, sabendo qual é que no caso
concreto deve ceder perante o outro, mas com base na ideia de que eles podem ceder, mas como têm igual
valia, um não pode ocupar a totalidade do espaço, retirando ao outro o mínimo de operatividade. Por
exemplo, a liberdade de informar e a reserva da intimidade da vida privada. A liberdade de informar nunca
pode pôr em causa a reserva da intimidade da vida privada; mas esta é diferente consoante seja um cidadão
anónimo ou uma figura pública.

Mesmo os valores que são prevalecentes, como a dignidade da pessoa humana, que é um valor nuclear,
prevalecente sobre todos os demais; podem-se, com base neste mesmo valor, justificar posições jurídicas
antagónicas; pode existir limitação por força da dignidade humana das outras pessoas. Mesmo o direito à vida
que é inviolável, pode legitimar o homicídio, em casos de legítima defesa. Há aqui uma ponderação.

Quem tem a última palavra na revelação dos valores da Constituição é o Tribunal Constitucional.

Evolução da Ordem Axiológica da Constituição durante estes 41 anos:

A identidade axiológica de uma Constituição é suscetível de evoluir, conhecendo diferentes fases e épocas,
apesar de o seu texto escrito permanecer o mesmo. O simples decurso do tempo mostra-se susceptível de
alicerçar interpretações evolutivas e atualistas de um mesmo enunciado linguístico das normas
constitucionais, tal como se revela passível de, por efeito de uma paulatina evolução, gerar diferentes
desenvolvimentos constitucionais: a ordem de valores identificadora de um texto constitucional pode, deste
modo, sofrer alteração sem que ocorra qualquer modificação das suas normas escritas.

No limite podem formar-se novos usos e novas práticas constitucionais que, invertendo tradicionais modos
de interpretação e aplicação das normas escritas, gerem, desde que adquiram convicção de obrigatoriedade,
normas constitucionais de natureza consuetudinária. Num tal cenário, estas novas normas constitucionais,
tornando inaplicáveis as normas escritas com elas conflituantes, serão as normas portadoras de nova
identidade axiológica da Constituição.

Poderá suceder, numa hipótese de surgimento de novas normas consuetudinárias de natureza contra
constitutionem, que, tornando inaplicáveis as normas escritas da “Constituição oficial” ocorra uma inversão
da anterior ordem de valores constitucional: a identidade da Constituição terá sido substituída por uma nova
identidade axiológica. Nem será de excluir, numa tal hipótese, que a substituição da identidade corresponda
a uma verdadeira mudança de Constituição material: a substituição da identidade torna-se então uma
designação sinonima de transição constitucional.

No respeitante à Constituição de 1976, se exceptuarmos o domínio dos direitos fundamentais, do modelo


constitucional originário resta muito pouco ou quase nada. Formalmente ainda se diz constituição de 1976,
mas materialmente pouco tem a ver com esse texto. Três exemplos ilustram essa evolução normativa:

✓ A eliminação do princípio socialista – da inicial opção socialista da Constituição resta apenas uma
simples referência esquecida no Preâmbulo, nada tendo o texto atual que ver com a “transição para
o socialismo”, a “transformação numa sociedade sem classes”, etc.;
✓ A mitigação do princípio da soberania - O princípio da soberania hoje não tem nada a ver com o que
era em 1976 por força da evolução do Direito Internacional e do processo de integração europeia.

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✓ A reconfiguração do sistema de governo – a inicial centralidade da Assembleia da República e do


Presidente da República, foi sendo substituída por um verdadeiro “presidencialismo de primeiro-
ministro”, fazendo do Governo o principal órgão legislativo e transformando o Primeiro-Ministro no
eixo político definidor da orientação politica governamental e, desde que seja o líder da maioria
parlamentar, da vontade decisória da Assembleia da República.

Quatro Ideias Axiológicas:

1. Estado de Direitos Humanos

É, em primeiro lugar, um Estado humano: trata-se de um modelo de sociedade política ao serviço da


pessoa humana, logo definido no artigo 1º da CRP. Envolve em segundo lugar um Poder político humano,
isto é, virando para a satisfação das necessidades coletivas dos membros da sociedade, sejam elas
imateriais ou materiais. O Estado de direitos humanos é, em terceiro lugar, um Estado de direitos
fundamentais. O Estado de direitos humanos, apelando a uma dimensão material do conceito de direitos
fundamentais, pode dizer-se que exclui o acessório e se concentra no essencial, isto é, nos direitos
fundamentais ligados à natureza humana.

2. Respeito pela Dignidade da Pessoa Humana- a Constituição de 1976 proclama, enquanto base
primeira da República e, neste sentido, fundamento último do poder político nela instituído, a dignidade
da pessoa humana. O artigo 1º da CRP acolhe quatro tradições axiológicas em torno do sentido
conceptual da dignidade humana: o contributo da ordem de valores judaico-cristã, a concepção
renascentista de Pico della Mirandola, o pensamento kantiano e o movimento existencialista.

A dignidade humana é o fundamento, o limite e o critério da relevância constitucional da soberania


popular: a Constituição institui um modelo de democracia humana.

A existência de um verdadeiro Estado de direitos humanos encontra no respeito da dignidade da pessoa


humana o seu primeiro pressuposto: não há Estado de direitos humanos sem um Poder político que
garanta, proteja e promova a dignidade humana. A dignidade humana torna-se o fundamento último da
existência e do exercício do Poder politico.

O Estado de direitos humanos é um Estado de dignidade humana: esse é o sentido último do artigo 1º da
Constituição. O artigo 1º da CRP tem como propósito a criação de uma sociedade mais justa mais fraterna
mais igualitária. Liberdade, justiça e solidariedade.

3. Garantia e Defesa da Cultura da Vida- uma cultura da vida envolve a inviolabilidade da vida humana;
o livre desenvolvimento da personalidade; a vinculação teleológica da investigação científica e
tecnológica ao serviço do ser humano e a solidariedade. Há um desfasamento entre a constituição e
o direito ordinário. A constituição está refém do direito ordinário.

Estado de Direito Democrático:

→ Estado subordinado ao Direito, à juridicidade. Não só ao seu próprio direito, mas a um direito que vem
de fora, ao qual se heterovincula- Estado de Direito material.
→ Estado social de Direito, dotado de uma componente política democrática, pois visa implantar uma
democracia política, económica, social e cultural, tendo como objetivo último a “construção de uma
sociedade livre, justa e solidária”- art. 1º CRP.

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→ Estado de Direitos Humanos, mobilizando todas as funções do Estado para a concretização da


liberdade, da justiça e da solidariedade.

Origem da Expressão:

o Só vigorava no preâmbulo da Constituição; foi a revisão de 82 que colocou o EDD no articulado da


Constituição;
o É uma expressão que foi introduzida em Portugal em 1956 pelo Prof. Afonso Rodrigues Queiró para
se referir ao sistema de fontes da Constituição de 1933; esta expressão passa para a Constituição de
1976.

O conceito de Estado de Direito Democrático desempenha ainda uma dupla função limitativa das vinculações
europeias do Estado português:

1) A transferência do exercício de poderes de Portugal para as instituições da UE, tal como o seu exercício
em comum, em cooperação com os restantes Estados-membros, tem sempre de respeitar “os
princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (art. 7º/6 CRP);
2) A aplicação interna da normatividade (primária ou secundária) do Direito da UE tem sempre de ser
feita “com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (art. 8º/4 CRP).

→ Elementos do Estado de Direito Democrático

Artigo 2º CRP- bases do Estado de Direito Democrático:

◊ Soberania Popular- enquanto expressão sinónima do princípio democrático ou princípio da maioria,


que funciona como fonte de legitimidade dos governantes, critério de decisão e fundamento do
ordenamento jurídico-positivo interno;
◊ Pluralismo de expressão e de organização política democráticas- revelando a natureza aberta e
participada dos projetos de concretização do modelo constitucional, segundo um princípio de
tolerância;
◊ Respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais- estado de direitos humanos
que envolve um poder político passivo ou abstencionista na limitação dos direitos de liberdade, e
simultaneamente um poder ativo ou intervencionista na implementação das prestações inerentes à
satisfação dos direitos sociais;
◊ Separação e interdependência dos poderes- todos os poderes do Estado visam concretizar, defender
e garantir o Estado de Direito democrático.

Como se concretiza?

Realização da democracia económica, social e cultural- tarefa que o Estado chama a si, sem esquecer que esse
papel nunca pode marginalizar ou substituir a esfera de ação da sociedade civil e dos indivíduos, devendo
fazer-se a intervenção do Estado à luz de um princípio de subsidariedade.

Aprofundamento da democracia participativa- o reforço da democracia passa por um aprofundamento de


mecanismos de participação dos interessados nas decisões públicas: democratizando a democracia, dotando
as pessoas de um estatuto político ativo e permanente, sem deixar nas mãos dos seus representantes o

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

exclusivo da decisão entre eleições, pode tornar-se um instrumento privilegiado contra a degeneração do
“Estado de partidos”.

3 subprincípios: pluralismo- traduz o pressuposto do Estado de Direito democrático, expressando a raiz básica
do princípio democrático-, juridicidade- caracteriza os meios de concretização do Estado de Direito
democrático, manifestando o cerne do princípio do Estado de Direito-, e bem estar- reflete o objetivo
orientador da atividade do Estado de Direito democrático, afirmando a vertente tradicional do princípio do
Estado social.

❖ Pluralismo e Princípio Democrático- modelo de democracia vigente na constituição; alicerça-se na


tolerância, na igualdade de oportunidades entre todos os grupos concorrentes, no consenso estrutural
entre os intervenientes sobre o procedimento decisório (podemos não estar de acordo com as
diversas manifestações ideológicas, mas estamos de acordo quanto às regras do jogo- tolerância,
igualdade de oportunidades, eleições periódicas por sufrágio universal).

Modelos que resultam da Constituição:

- Visão da democracia como vontade orgânica da maioria do povo- está na base da ideia da maioria, que
tem como protagonista Rousseau e que está na base do direito positivista legalista. Está na base do artigo
10º/1 da CRP, que está na base da ideia dos direitos fundamentais. Não há pluralismo sem o respeito pelos
direitos fundamentais e que está na base da legitimação política dos partidos. A lei é a expressão da
vontade geral e esta é identificada com a vontade popular (os tribunais devem a obediência à lei). Leva a
que da lei se possam extrair dois princípios: princípio da reserva de lei (há matérias que só podem ser
objeto de disciplina pelo poder legislativo, que estão excluídas da intervenção da administração e do poder
judicial) e o princípio da preferência de lei (num conflito entre a lei e outras fontes de direito, quem ganha
é a lei; tem preferência aplicativa).

Os limites ao pluralismo, dentro deste modelo, são a ideia de que há uma cultura dos direitos
fundamentais, que está sempre ao serviço da pessoa e da sua dignidade- a dignidade humana limita a
vontade popular. Outro limite é o relativismo de valores/axiológico- não podemos impôr a nossa ordem
de valores mas os outros também têm de respeitar a nossa ordem de valores (o que não significa que a
const não estabeleça uma ordem de valores vinculativa a todos, que contudo não exclui um espaço livre
para todos- objeção de consciência).

Art 46º/4 CRP cria outro limite.

- Visão da democracia com a ideia assente na vontade inorgânica da nação- a nação liga as gerações do
presente às gerações do passado; tem uma natureza cultural. Apela ao pensamento de Hegel e ao “espírito
do povo”. Não é a vontade popular que interessa, mas a vontade nacional. Está ligado à conceção da escola
histórica do direito, que tem como fonte por excelência do direito o costume- dimensão do tempo no
produzir regras jurídicas. Esta dimensão inorgânica da vontade nacional, assente na soberania nacional,
tem expressão no artigo 78º CRP– “identidade cultural comum”. Este modelo significa que o costume é
também não só fonte de direito ordinário, mas fonte do direito constitucional; há um poder constituinte
que escapa à lei e à vontade do Estado mas impõe-se à lei e à vontade do Estado; tem manifestações na
ordem axiológica judaico-cristã.

Podem existir conflitos entre a vontade popular e a vontade nacional. Por exemplo, o casamento entre
pessoas do mesmo sexo e o casamento entre pessoas de sexo diferente.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Manifestações deste modelo na Constituição:

1. Preâmbulo- refere que o MFA desencadeou o derrube do regime então vigente, interpretando os
“sentimentos profundos” do povo português: há aqui, neste apelo aos sentimentos do povo, uma
clara recuperação da vontade abstrata da coletividade, identificada com o querer democrático da
nação, que, interpretada pelos militares, em 25 de abril de 1974, justificou o golpe e o preâmbulo da
Constituição acolhe, sanciona e legitima.
2. Art 225º/1 que fala em “históricas aspirações autonomistas das populações insulares”- relevância de
uma vontade abstrata e difusa da coletividade insular, encontrando aí uma justificação para a
consagração normativa de um regime político-administrativo próprio para as RA.
3. Art 2º que fala em “pluralismo de expressão”- a soberania popular encontra na nação, enquanto
expressão da síntese identificativa do “património cultural do povo português”- art. 9º/e)- uma forma
legitimadora da expressão inorgânica da vontade democrática da coletividade.
4. Art. 9º/c)- apelo à participação democrática dos cidadãos e o propósito do Estado de Direito
democrático de reforçar o aprofundamento da democracia participativa- art. 2º

O pluralismo da constituição também passa por aceitar estes dois modelos de democracia.

❖ Juridicidade e Princípio do Estado de Direito- o Estado está subordinado ao Direito. O poder encontra-
se sujeito a regras e princípios jurídicos que excluem a prepotência, o arbítrio e a injustiça. A
consciência jurídica geral é revelada pelos juristas; pelo direito justo, conforme à dignidade da pessoa
humana.

O apelo à consciência jurídica geral, fazendo da natureza sagrada e inalienável da dignidade de cada pessoa
humana viva e concreta o cerne da ideia de Direito justo, subordinando o próprio texto constitucional,
determina que o Estado de Direito material se funde na efetividade de cinco postulados estruturantes: o
respeito e o dever de proteção da vida humana e de uma existência condigna a cada ser humano; a proibição
da utilização da ph como meio ; o direito ao livre desenvolvimento da personalidade de todos os sh e o
reconhecimento de todos os demais direitos de personalidade; a proibição do arbítrio, de atuações violadoras
da proporcionalidade e da imparcialidade e de todas as discriminações infundadas no tratamento das pessoas;
o direito de recusar cometer uma injustiça e de recusar participar na prática de uma injustiça

O direito positivo presume-se justo, mas é uma presunção que admite prova em contrário. Coloca-se a questão
do que fazer perante um direito que é inválido. A constituição permite diferenciar 2 situações:

- Os particulares nem sempre têm o dever de obediência ao direito inválido. Essas situações são:

 Em matéria de impostos- 103º/2;


 Direito de resistência- não acatar ordens que são ilegais em matéria de direitos fundamentais- 21º
CRP;
 Objeção de Consciência- quando por razões filosóficas, morais, podemos não acatar- 41º/6 CRP;
 Direito a não colaborar na prática de um ato injusto- 16º/1.

- A administração pública deve aplicar o direito inválido exceto em 3 situações:

 Quando estamos perante a violação de normas fundamentais, patentes da dignidade humana, de


normas de justiça; quando está em causa a consciência jurídica geral;
 Quando estão em causa leis que violam direitos fundamentais dotados de aplicabilidade direta- 17º e
18º/1;
 Casos em que expressamente a constituição sanciona com a inexistência jurídica.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Corolários do Estado de Direito

1) Reversibilidade das Decisões- esta reversibilidade das decisões normativas de um Estado de Direito,
expressando a sua permanente disponibilidade em colocar sempre tudo de novo à discussão, numa
postura de quem se encontra predisposto a corrigir-se e a melhorar as suas decisões, conjuga a
margem de liberdade conformadora do legislador/administrador e o princípio maioritário;
2) Proteção da confiança e tutela da segurança jurídica- limitam a vontade da maioria; a segurança serve
de pressuposto de garantia da própria justiça e da liberdade inerentes a um Estado de Direito, uma
vez que sem a segurança a liberdade será ilusória e a justiça será precária. Isto exige que o decisor
normativo se encontre vinculado a respeitar:
- o princípio da determinabilidade mínima das normas jurídicas;
-o princípio da proibição da pré-eficácia de atos normativos, excluindo que leis, convenções
internacionais e regulamentos possam ser aplicados antes de se encontrarem em vigor;
-o princípio da proibição de retroatividade de normas que imponham ou envolvam sacrifícios de
natureza pessoal ou patrimonial;
-o princípio da proibição de retrocesso das normas dotadas de uma conexão íntima com a proteção
da inviolabilidade da vida humana e as condições mínimas indispensáveis à garantia da dignidade
humana;
-o princípio da obrigatoriedade de inclusão de normas de direito transitório sempre que se procura
uma solução consensual de salvaguarda da reversibilidade de um regime.
3) Todo o poder político está subordinado aos princípios do art 266º/2 CRP- justiça, imparcialidade, boa
fé e proporcionalidade- o legislador nunca pode habilitar a Administração Pública a violar, derrogar
ou dispensar a vinculação a esses princípios. O Estado de Direito impõe uma subordinação geral de
toda a atividade jurídico-pública a estes princípios;
4) Tutela juridicional efetiva- a existência de mecanismos judiciais de controlo de conformidade jurídica
de atuação do Poder- 20º/4 e 5 e 268º/4. É aqui que reside o momento da verdade do Estado de
Direito- execução das decisões dos tribunais (os tribunais podem declarar nulos os atos da
administração).

❖ Bem Estar – prende-se com a justiça social, igualdade material, solidariedade. Cláusula de Estado de
Bem Estar (9º/d) e 81º/a))- a raíz última está na dignidade humana; apela à ideia de estado zorro- tira
aos que mais têm para distribuir aos que menos têm.

Quem efetiva este Estado de Bem Estar é o legislador, a administração e os tribunais (a quem compete a
última palavra).

A garantia de efetivação do Estado de bem estar envolve ainda três princípios materiais norteadores do
ordenamento infraconstitucional:

i. Princípio da proibição de revogação simples (ou não substitutiva) de norma ordinária


implementadora de preceito constitucional não exequível por si mesmo, impedindo-se, por esta
via, que essa norma constitucional volte a deixar de ter implementação;
ii. Princípio de que, em caso de pluralidade de sentidos de uma norma concretizadora das tarefas ou
incumbências de bem estar, se deve dar preferência à interpretação conducente à máxima
efetividade, isto desde que não conduza à lesão ou limitação de direitos de terceiros;
iii. O princípio da proporcionalidade, segundo o qual qualquer retrocesso na efetivação ou
implementação jurídica de determinado grau ou nível de satisfação do bem estar deve sempre ser
adequadamente justificado, sob pena de inconstitucionalidade, através de motivos

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

fundamentadores da respetiva necessidade (princípio da necessidade), sem prejuízo de se dever


ter como proibido qualquer retrocesso atentatório da inviolabilidade da vida humana e das
condições mínimas inerentes à dignidade humana.

Mecanismos de Garantia do Estado de Direito Democrático:

1. Fiscalização da constitucionalidade e da legalidade das normas- existência de um sistema de


fiscalização judicial da conformidade de todas as normas jurídico-positivas com a Constituição,
tendo todos os tribunais o poder de recusar a aplicação de qualquer norma inconstitucional e o
TC a competência para “fazer desaparecer de vez” essa norma do ordenamento jurídicom
procedendo à sua declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral- 281º/1 b), c)
e d);
2. Controlo pelos tribunais da legalidade da atuação administrativa- esta fiscalização deve ser a mais
ampla possível. Garante a efetiva subordinação do Poder administrativo à juridicidade e, por essa
via também, o estatuto de garante da implementação da cláusula constitucional de bem estar
social;
3. Responsabilidade civil dos poderes públicos- agindo em termos violadores de direitos
fundamentais ou, independentemente dessa violação, desde que gerem prejuízos aos
particulares, constituem-se na obrigação de indemnizar- 22º;
4. Responsabilidade criminal dos titulares de cargos políticos- traduz uma forma de blindagem
interna do Estado de Direito democrático, impedindo que de dentro se tente destruir, alterar ou
subverter a sua realização, as suas instituições ou a ordem de valores que lhe está subjacente;
5. Mecanismos de exceção, de autotutela privada- pressupõe que não é útil o acesso à autoridade
pública- o direito de resistência, a legítima defesa, a desobediência coletiva perante leis injustas
e, em último caso, quando o poder não serve o bem comum e não garante os direitos
fundamentais, a insurreição revolucionária. Esta ideia está ligada ao pensamento de Locke, que
diz que o povo é sempre o titular do poder constituinte e que o pode chamar a si para redefinir as
regras do jogo.

Estado de Soberania Internacionalizada e Europeizada:

→ Portugal como Estado soberano, independente- artigo 1º CRP;


→ Portugal não pode ser transformado num Estado federado, sob pena de existir uma mudança material
da Constituição;
→ É uma soberania pluridimensional: política (está ligada com a independência no plano externo) e
também em termos legislativos, administrativos e judiciais- órgãos de soberania (PR, Assembleia da
República, Governo e Tribunais);
→ Soberania territorial- art. 5º/3- e soberania popular;
→ É uma soberania internacionalizada por 3 vias:
- Portugal membro da ONU
- Reconhecimento de um direito internacional imperativo para todos os Estados- ius cogens
- Estabelecimento de relações diplomáticas com outros Estados- sujeição ao direito internacional
convencional.
→ É uma soberania europeizada:
- Somos parte da UE por um ato de vontade, que hoje faz com que a UE produza normas que se aplicam
a Portugal sem a vontade do país- heterovinculação de base autovinculativa.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- Há na Constituição portuguesa uma cláusula de empenhamento de Portugal na construção e


empenhamento da UE- art. 7º/5 e 6 CRP. Se Portugal quiser sair da UE, tem de primeiro fazer uma
revisão da Constituição pois há uma vinculação constitucional.
- A Constituição consagra no art. 8º/4 um cheque em branco à UE- em Portugal, o direito da UE tem a
força jurídica que lhe seja dada pela UE; tem primado em Portugal não por força do direito Português
mas à luz do direito da UE. Este artigo vem dizer que, salvaguardado o respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de Direito democrático, a aplicação interna do Direito da UE, desde que
traduza o exercício das respetivas competências, é feita “nos termos definidos pelo direito da União”.
- Tem existido uma transferência de poderes de Portugal para a UE, por 2 vias:
Há casos em que Portugal já não tem o poder de decidir;
Outros casos ainda tem esse poder, mas subordinado à UE.

Limite a esta transferência- cláusula do Estado de Direito Democrático- o direito da UE vigora em Portugal se
não lesar o Estado de Direito Democrático.

Estado Unitário Descentralizado:

A Constituição afirma a natureza soberana da República (1º CRP) e reconhece a unidade e a indivisibilidade da
soberania (3º/1), fazendo-as projetar na configuração dos poderes internos do Estado, criando, deste modo,
uma interdependência entre a soberania e a unidade do poder estadual que justifica, segundo o art. 6º/1, a
natureza unitária do Estado.

Nenhuma autoridade tem poderes independentes da intervenção do Estado, uma vez que é sempre num título
jurídico estadual que reside a única fonte de legitimidade e de legalidade de atribuição de tais poderes aos
entes infraestaduais.

O Estado pode definir a sua própria competência, com uma particularidade- tudo aquilo que não for
competência de outras entidades, pertencerá ao Estado- competência residual a favor do Estado.

Garantia da Defesa da Soberania Interna do Estado:

1. Só o Estado tem poder constituinte formal (elaborar e modificar Constituição)


2. A unidade do Estado é limite da revisão constitucional
3. O Estado tem órgãos de soberania para todo o território
4. Princípio da prevalência do direito do Estado- o direito do Estado, em caso de conflito com o direito
das entidades infraestaduais, ganha
5. Mecanismos da fiscalização- os tribunais são do Estado
6. O Estado tem sempre mecanismos de fiscalização sobre todas as restantes entidades políticas

Descentralização- art. 6º CRP: 4 Vertentes:

 Autonomia regional;
 Princípio da subsidariedade;
 Autonomia local- autarquias locais
 Descentralização da restante administração pública

Esta descentralização dá-nos a ideia de um pluralismo organizativo do Estado- Unidade no Pluralismo. Se o


pluralismo não pode colocar em causa a unidade, também a unidade tem de conviver com um modelo

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

pluralista de organização da Administração Pública- a unidade encontra a sua justificação no pluralismo e o


pluralismo tem a sua garantia na unidade.

O Estado tem interesses que são gerais de toda a coletividade. Sendo esses originários de 3 fenómenos:

1) Existência de uma reserva de poderes a favor do Estado- há matérias nas quais só o Estado pode
decidir. Exemplo: tudo aquilo que é competência dos órgãos de soberania, é reserva do Estado;
2) Princípio da prevalência do direito do Estado- como tem a seu cargo interesses de toda a coletividade,
a sua vontade jurídica pode prevalecer sobre a vontade jurídica de todas as restantes entidades
políticas. Exemplo: art. 205º/2 e 227º/1 c);
3) Princípio da supletividade do direito do Estado- nos casos em que não há norma proveniente de uma
entidade infraestadual, o direito que vier regular esse caso omisso é o direito do Estado. Se há uma
lacuna no direito infraestadual, a integração dessa lacuna é feita com recurso ao direito do Estado. Se
há uma norma do direito infraestadual que é considerada inconstitucional ou ilegal, o direito que vai
regular essa situação é o direito do Estado.

A supletividade só pode existir quando não há primado do direito do Estado; pois as normas que gozam de
primado não são supletivas e sim injuntivas.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Identidade Estrutural da Constituição

Constituição Compromissória

1. Compromisso histórico-genético (ver atrás) – entre militares e partidos políticos; entre projetos
constitucionais apresentados por partidos políticos ideologicamente antagónicos.

2. Compromisso Normativo – compromisso político-partidário- há normas que aparentemente são


concorrentes, conflituantes, podem extrair-se dois sentidos. Isto pode explicar-se através de 3
mecanismos:
- Há casos em que as normas concorrentes são de aplicação simultânea- uma não exclui a aplicação
da outra. Exemplo: a autonomia das RA não exclui a aplicação da norma da unidade do Estado.
- Há casos em que se aplicam alternativamente. A solução é x ou y. Exemplo: está em causa a decisão
sobre uma determinada matéria- ou a matéria ou é objeto de referendo nacional ou é decidida em
AR.
- Há casos em que a aplicação é sucessiva. A concorrência de normas é resolvida por uma aplicação
diferente no tempo. Exemplo: podemos exercer legítima defesa, mas isto só é possível se em tempo
útil ou eficaz não pudermos recorrer a autoridade pública.

Compromisso normativo externo- entre o Direito Internacional Público, o Direito da UE e a


normatividade constitucional informal- Constituição “não oficial”.

3. Compromisso na aplicação – expressão inevitável de compromissos normativos (expressos ou


implícitos) , pois têm subjacentes a tutela normativa de interesses, bens e valores tendencialmente
antagónicos que, por receberem acolhimento constitucional concorrencial, exigem uma metodologia
específica de ponderação. Conduz a duas soluções possíveis:
I. Se entre as realidades normativas concorrentes existir uma hierarquia, fazendo com que uma
delas tenha prevalência sobre as demais, isto determina a ausência de qualquer verdadeiro
compromisso aplicativo: a realidade dotada de prevalência afasta a relevância aplicativa
daquela que se mostra hierarquicamente subordinada;
II. Se, pelo contrário, entre as realidades normativas concorrentes não existir qualquer
hierarquia, situando-se os bens, os valores ou os interesses em causa todos no mesmo nível,
haverá que procurar encontrar um compromisso aplicativo: cada uma das pretensões terá de,
face às circunstâncias concretas, gozar de um certo espaço de operatividade.

4. Compromisso político-procedimental – projeção futura da natureza compromissória da Constituição


ao nível da sua implementação- exemplos:

- A alteração à Constituição só pode ser feita por uma maioria de 2/3 dos deputados;

- Há certas leis ordinárias que só podem ser aprovadas por maioria de 2/3;

- Há certos titulares e alguns órgãos constitucionais que só podem ser eleitos por maioria de 2/3, como os
juízes do TC.

Constituição Aberta

→ Reflexo de uma sociedade aberta e plural;

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Abertura estrutural- está sempre aberta a novas ideias, interpretações, soluções, através da revisão
constitucional;
→ Abertura normativa- a outras normas constitucionais que não são apenas aquelas produzidas pelo
legislador constituinte- Cláusula de Constitucionalização de Outras Fontes. Exemplo: o art. 8º/1 CRP,
16º/1 CRP; Também tem abertura para a normatividade não oficial, para o ius cogens;
→ Abertura política:
- À alternância política- eleições: exigindo smpre um cenário de pluralidade de candidaturas, permitem
observar que é no tratamento conferido à oposição que reside a legitimidade dos governantes e a
dimensão qualitativa da própria democracia.
- À liberdade conformadora do legislador- possibilidade de inovar, mudar, substituir. Não se pode
negar, em cada momento histórico, a uma maioria o poder de, respeitados os limites constitucionais,
definir o seu projeto de sociedade, redefinindo ou substituindo o projeto de sociedade traçado pela
anterior maioria.
- À participação política dos cidadãos- abertura da Constituição a uma “conceção processual da
democracia” formulada, entretanto, por Habermas: partindo dos alicerces das teorias da comunicação
e da discussão, baseadas nas ideias de liberdade e de justiça, a legitimação das instituições do Estado
assenta num quadro de permanente participação e deliberação pública, livre e igualitária dos
cidadãos.
→ Abertura interpretativa:
◊ Há uma pluralidade de intérpretes da constituição- todos os órgãos constitucionais e todas as pessoas,
sejam ou não destinatários interessados das normas constitucionais, são intérpretes da Constituição
ou participantes ativos no processo aberto de determinação do sentido das normas constitucionais.
◊ Há uma estrutura que tem de fixar a última palavra- o Tribunal Constitucional
◊ A interpretação autêntica só pode ser feita pelo autor da norma- só a Assembleia da República o pode
fazer através de uma revisão constitucional.
→ Abertura implementadora- a constituição, visando a “construção de uma sociedade livre, justa e
solidária”, revela-se um texto dotado de normas programáticas, impondo ao decisor político um
programa de ação que, sendo finalisticamente orientado, visa transformar a sociedade. Porém, a
transformação da sociedade subjacente às normas programáticas não se opera por mero efeito da
Constituição, exigindo uma subsequente intervenção dos poderes constituídos que, implementando
tais propósitos programáticos, lhes permita ganhar efetividade: as normas programáticas são, por
isso, normas parcialmente não exequíveis por si mesmas, carecendo de mediação concretizadora que
lhes confira aplicabilidade efetiva ou prática.

Complexidade das Normas da Constituição:

A constituição tem um sistema normativo que consagra regras e princípios. Quanto maior for o número de
princípios, maior é o espaço de densificação desses princípios que está a cargo do intérprete. É mais fácil
interpretar regras do que interpretar princípios.

Esta complexidade denota-se logo no art. 1º CRP- o que é a dignidade humana?

Complexidade em entender os conceitos da Constituição. A constituição não inventou a linguagem; antes


serve-se de vocábulos que já existiam antes da Constituição, que decidiu utilizar para o seu conteúdo. Estes
conceitos passam a ser conceitos constitucionais, que podem ser anteriores à constituição, como “capacidade
civil” ou “tutela administrativa” (conceitos pré-constitucionais). Estes conceitos utilizados serão conceitos cujo
conteúdo seria aquele originalmente tinha ou serão do direito ordinário e podem ser livremente manobrados
pelo legislador? Estarão reféns da constituição ou poderão ser livrementes alterados pelo legislador ordinário?

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Há também conceitos que remetem para o futuro- conceitos remissivos para futura densificação. Exemplo:
art. 4º CRP; “refugiado político”; “objeção de consciência”. Em todas estas situações, regista-se a abertura da
Constituição a uma densificação infraconstitucional dos seus preceitos: os conceitos usados, uma vez que não
encontram preenchimento normativo, definição ou caracterização dentro da normatividade constitucional,
comportam uma expressa ou implícita remissão para uma atividade futura a desenvolver pelo legislador ou
pela doutrina.

Ou há conceitos que remetem para normas extrajurídicas. Pode encontrar-se no texto da Constituição a
utilização de conceitos indeterminados cuja densificação e concretização fazem apelo ou pressupõem
conhecimentos e critérios próprios de ciências não jurídicas, existindo aqui uma remissão implícita de tais
normas constitucionais para regras técnicas, científicas ou morais. Exemplo: o princípio da inviolabilidade da
vida humana pressupõe que as ciências biomédicas digam quando começa a “vida humana”, pois, a partir
desse exato momento, a Constituição garante a sua inviolabilidade.

Limites à Abertura Constitucional:

✓ Limites à revisão constitucional:


- Limites temporais- só pode ser revista cinco anos após a data da publicação da última lei de revisão
ordinária- 284º/1- ou, extraordinariamente, em qualquer momento, desde que permitido por uma
maioria de 4/5 dos deputados- 284º/2;
- Limites procedimentais- só os deputados têm iniciativa de revisão constitucional- 285º/1, existindo
um prazo para, tendo sido apresentado um projeto, os outros sejam também apresentados- 285º/2-,
além de que a aprovação das alterações tem de ser feita por uma maioria de 2/3 dos deputados-
286º/1;
- Limites circunstanciais- a revisão constitucional não pode ocorrer durante a vigência de estado de
exceção constitucional- 289º;
- Limites materiais- 288º.
✓ Sistema de fiscalização da constitucionalidade- garante que a implementação normativa da
Constituição ou o exercício da margem de liberdade conformadora do seu aplicador normativo nunca
comporte um grau tal de abertura que se traduza na violação por ação da própria Lei Fundamental e
permite que, diante de normas constitucionais não exequíveis por si mesmas, a inércia do legislador
no cumprimento da obrigação de implementação seja considerada uma violação omissiva da
Constituição.
✓ Cláusula constitucional do Estado de Direito democrático- art. 8º/4 e 7º/6- cláusula limitativa da
abertura nacional à UE, habilitando os tribunais internos a fiscalizarem a validade da normatividade
portuguesa referente à UE e, simultaneamente, a controlarem as condições de aplicabilidade em
Portugal dos atos provenientes da UE.
✓ Limitação da liberdade de associação- art. 46º/4- proibição de associações armadas ou de tipo militar,
militarizadas ou paramilitares e exclusão da existência de associações racistas ou que perfilhem
ideologia fascista.
✓ Intervenção jurídico-criminal: o Direito Penal Político- visa a proteção criminal da Constituição,
limitando a abertura constitucional, excluindo do seu âmbito certo tipo de comportamentos
intencionais que colocam em perigo ou geram dano a princípios, bens, poderes ou órgãos
constitucionais. Faz-se através de dois mecanismos:
1) Responsabilidade criminal dos titulares dos órgãos políticos- 117º;
2) Responsabilidade criminal de quaisquer pessoas por condutas contra o Estado, segundo
resulta do Código Penal.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Identidade Transfigurada da Constituição

A Constituição, tal como um ser vivo, evolui ao longo do tempo. Ao longo dos seus anos de vigência, adotou
novos e sucessivos traços caracterizadores, consubstanciando a ideia de transfiguração constitucional.

A transfiguração pode ter na sua génese três fenómenos jurídicos distintos:

❖ Revisão constitucional- enquanto processo formal de alteração ou modificação das normas escritas,
sem determinar a passagem a uma nova Constituição material.
❖ Transição constitucional- mudança material da constituição, permanecendo formalmente a mesma.
Há uma alteração material da Constituição, de princípios ou valores nucleares do anterior texto.
❖ Desenvolvimento constitucional- o decurso do tempo pode fazer com que, mantendo-se o enunciado
normativo, este possa todavia sofrer alterações de sentido. Há uma mutação constitucional- o texto
das normas permanece o mesmo, mas o seu sentido aplicativo é diferente- exemplos: a Constituição
não confere nas suas normas a centralidade política que o PM tem tido ao longo destes 41 anos; há
uma mudança na vivência da presidência da república entre o Cavaco Silva e o Marcelo Rebelo de
Sousa.

Fatores de Transfiguração:

1. Decurso do Tempo e a gestação de uma normatividade “não oficial” subversiva- leva a que possam
existir duas normas: uma norma oficial da constituição escrita e uma norma não oficial da constituição
real. Esta normatividade “não oficial” pode assumir uma natureza praeter constitutionem, integrando
ou complementando o texto oficial da constituição escrita, e pode também determinar o surgimento
de uma normatividade subversiva ou desaplicadora do texto escrito da Constituição “oficial”, falando-
se agora em normatividade contra constitutionem.
2. Peso da Herança Histórica do Estado Novo- muitas das razões que levam à transfiguração da
constituição de 1976 vêm de uma prática política anterior a 1976. Exemplos desta herança são: a
centralidade do PM no âmbito do funcionamento do sistema de governo; a preponderância do
Governo no exercício da função legislativa, etc.
3. Intervenção dos Partidos Políticos- dominando as instituições políticas e administrativas, a
intervenção dos partidos políticos ultrapassa tudo aquilo que o texto escrito da constituição permite
ler: ao lado das estruturas decisórias próprias da organização do Estado, das RA e das autarquias locais,
os partidos políticos posicionam-se como intermediários, fornecendo pessoas, definindo programas e
ditando linhas de atuação decisória. Pode afirmar-se, neste sentido, que a transfiguração do papel
constitucional dos partidos políticos conduziu a uma democracia de circuito fechado ou a uma
democracia estrangulada.
4. Integração Europeia e o seu Desenvolvimento- a constituição de 1976 deixou de ser, paulatinamente,
a Lei Fundamental de um Estado dotado de uma soberania plena, passando antes a expressar o texto
constitucional de um Estado-membro da União Europeia, isto é, de um Estado dotado de uma
soberania europeizada.
5. Erosão do Domínio Reservado dos Estados e o Constitucionalismo Transnacional- a
internacionalização da soberania, expropriando áreas de decisão até então exclusivas do Estado,
especialmente no domínio do reconhecimento e da garantia dos direitos humanos, determinou que
tais matérias passassem para a esfera da comunidade internacional, assistindo-se ao surgimento da
consciência de que, num plano superior ao texto constitucional de cada Estado, heterovinculando as
suas opções em torno da tutela da dignidade humana, existe uma normatividade transacional- ius
commune constitucional.

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Manifestações da transfiguração:

→ Destualização da constituição económica “oficial”:

O texto que está escrito na constituição hoje não tem nada a ver com o texto da constituição de 1976; isto
decorre das revisões constitucionais. A verdadeira constituição económica encontra-se hoje no direito da UE
e não na Constituição.

→ Subversão do sentido das eleições parlamentares e o sistema de governo “não oficial”:

O sistema de governo tornou-se algo que tem como eixo nuclear o PM; há um presidencialismo do PM. Deste
modo, a qualificação tradicional do sistema de governo como “parlamentarismo racionalizado” ou
“semipresidencialismo” tornou-se, numa perspetiva que atende à prática do funcionamento do sistema de
governo baseado numa maioria parlamentar, desajustada face à crescente “soberania do PM”.

→ Primado funcional do Governo sobre a AR no domínio da ação legislativa:

A suposta preponderância funcional da AR sobre o governo, segundo resulta da normatividade constitucional


“oficial”, encontra-se transfigurada: há, pelo contrário, uma preponderância funcional do Governo sobre a AR,
sendo essa preponderância até mesmo avassaladora em cenários de maioria absoluta parlamentar.

→ Transformação do Estado de partidos no Estado do partido governamental:

O partido que chega ao poder coloniza o aparelho do Estado. A circunstância de o “Estado de partidos” se ter
transformado num modelo de sociedade política em que nada escapa aos partidos políticos, gerando uma
partidocracia em que a soberania popular se encontra substituída pela soberania dos partidos políticos,
determinou uma degeneração reconduzível a uma quase “ditadura dos partidos políticos”.

→ Diluição do poder constituinte formal da AR:

Formalmente, continua na AR, mas na realidade é o governo (sobretudo na área da UE) que tem os impulsos
da modificação da constituição. Esta diluição ocorre devido a cinco fatores:

1) Existência de um poder constituinte informal gerador de uma normatividade constitucional “não


oficial”;
2) Intermediação partidária determinante de uma desparlamentarização da decisão política de revisão
constitucional;
3) Gestação de um poder constituinte no âmbito da UE;
4) Edificação de uma informal iniciativa governamental de revisão da Constituição;
5) Subordinação ao ius cogens.

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Identidade Relacional da Constituição

Uma Constituição não é obra única; a Constituição portuguesa tem um passado, há constituições anteriores.
Quando foi elaborada, foi elaborada tendo também o conhecimento de que havia outras constituições. Há,
portanto, uma identidade familiar- relaciona-se com constituições anteriores e com constituições estrangeiras
contemporâneas.

Isto gera três fenómenos:

◊ Contágios- uma constituição pode constagiar outra


◊ Parentesco com outras constituições- famílias constitucionais
◊ Plágio constitucional- uma constituição que é cópia de outra. Ex: carta constitucional de 1826 é uma
cópia da constituição brasileira de 1824.

Esta identidade familiar/relacional tem limites:

i. Inserção teleológica das normas- uma norma deve ser interpretada de acordo com os fins. Os fins de
uma constituição de um modelo ocidental são diferentes de uma constituição que tenha um propósito
socialista, por exemplo; ou seja, apesar de terem uma formulação igual, idêntica ou influenciada,
podem encontrar-se integradas em projetos de sociedade radicalmente distintos na sua definição
constitucional.
ii. Diferente localização sistemática onde se integram as normas- apelo sistemático da interpretação das
normas.
iii. Sujeição da normatividade constitucional a diferentes processos de interpretação ou densificação do
seu conteudo- diferentes culturas jurídicas; cada país tem culturas distintas- as normas podem ser as
mesmas, mas a compreensão/interpretação será diferente.
iv. Emergência de diferentes vivências institucionais a que as normas estão sujeitas, segundo as
diferentes coordenadas temporais e espaciais da sociedade a que se destinam.

Identidade Exportada- constituição que serve de modelo para outras constituições estrangeiras- ex: a carta
francesa de 1814 serviu de modelo para a constituição brasileira de 1824.

Influências históricas presentes na Constituição Portuguesa:

- Constituição Interna- todas as constituições portuguesas influenciaram o atual texto constitucional

- Constituição externa- influência da constituição francesa de 1958, constituição alemã de 1949, constituição
italiana de 1947 e constituições de matriz socialista, por exemplo a da jugoslávia de 76.

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Organização do Poder Político

→ Princípios orientadores do Poder Político:

a. Separação de Poderes- que é, à luz da constituição portuguesa, poder com interdepeendência dos
poderes- 111º/1. É inerente ao Estado de Direito Democrático. Este princípio significa 3 ideias:
1- Pluralidade de centros de decisão-
2- Há núcleos essenciais de cada função atribuídas a certos órgãos, numa base de interdependência
e “freios e contrapesos”. Ex: direito de veto do PR. Nenhuma autoridade pode, por iniciativa
própria, concentrar em si todo o poder correspondente a uma função do Estado, nem invadir a
esfera decisória de autoridade integrante de diferente função do Estado.
3- Limitação do Poder- instrumento de garantia da liberdade. Poder moderador- poder moderador
político pertencente ao PR; poder moderador de conformação da constituição pertencente ao TC;
poder moderador de garantia dos cidadãos no seu relacionamento com o Poder pertencente ao
provedor de justiça.

A violação da separação de poderes gera inconstitucionalidade orgânica.

b. Equiordenação dos Órgãos Constitucionais- estão todos ordenados no mesmo plano. Igualdade entre
os órgãos constitucionais, não há hierarquia, há uma paridade entre estes órgãos. Há, contudo,
limites/exceções:
- as decisões dos tribunais gozam sempre de prevalência face a todas as demais decisões de todos os
restantes órgãos- 205º/2
- há casos em que os atos de um órgão condicionam a atuação dos outros.

c. Pluralidade de Vinculações Constitucionais- os órgãos constitucionais relacionam-se entre si. Tipo de


relações que podem estabelecer entre si:
- relações de solidariedade- pressupõem confiança política, “um por todos e todos por um”,
identidade de propósitos, identidade política. São as relações mais intensas. Ex: princípio da
solidariedade entre os membros do governo.
- relações de cooperação- pressupõem que há poderes entrecruzados, que só podem ser exercidos
através da boa vontade de 2 ou mais órgãos. Consubstancia-se num esforço positivo de viabilização
ou colaboração, com um dever de não gerar obstáculos gratuitos ao regular funcionamento das
instituições. Ex: o PR tem de confirmar os ministros, mas para isso o PM tem de apresentar uma lista
com os ministros.
- relações de respeito institucional- é o mínimo ético comum ao relacionamento entre todos os órgãos
constitucionais. Alicerça-se na igual dignidade e legitimidade dos órgãos, num dever de convivência
democrática e de civilidade educacional. Não tem exceções nem limites.

Há um problema que se discute, da pós eficácia destes tipos de relacionamento. Quando os titulares
dos órgãos cessaram funções, devem manter estas formas de relacionamento? Se já não é membro,
já não se subordinam à solidariedade governamental. Contudo, devem sempre o respeito institucional
para quem está np exercício das funções, mesmo já não estando em funções. Há, portanto, uma pós
eficácia do respeito institucional.

d. Continuidade dos Serviços Públicos- não podem existir zonas de vazio do Poder. É isso que explica que
os membros do governo demitidos continuem em funções até à sua substituição. Não há estrutura
orgânica formal prevista na Constituição que não tenha a funcionar consigo um conjunto de serviços

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

públicos de apoio- por exemplo, o PR desenvolve a sua atividade tendo como base auxiliar os serviços
da Presidência da República.
Os órgãos constitucionais poderão fazer greve? Os titulares de estruturas decisórias constitucionais,
desde que não exerçam essas funções a título profissional, não gozam da faculdade de fazer greve: o
exercício de tais funções é um poder dever e não uma atividade laboral;
Se se tratar do exercício de funções no âmbito de órgãos constitucionais a título profissional (juízes)
ou ainda se disser respeito a todos os serviços públicos de natureza administrativa existentes no
interior das estruturas decisórias do Poder político, o exercício do direito de greve exige, em nome do
princípio da continuidade dos serviços públicos, a prestação de serviços mínimos ou, na sua falta,
justifica a requisição civil;
Exceção do 270º CRP.

e. Auto-organização Interna- todos os órgãos públicos têm um poder interno que, assumindo uma
natureza inerente, lhes confere uma liberdade conformadora de emanar normas que, completando
ou integrando as ausências normativas da regulação externa, disciplinem a organização e o
funcionamento dos seus serviços e departamentos e ainda a afetação dos respetivos meios materiais
e humanos. Ex: a AR tem competência para elaborar e aprovar o respetivo regimento (175º/ a) CRP);
o governo goza de uma competência legislativa exclusiva no que diz respeito à sua organização e
funcionamento (177º/2 CRP).

f. Responsabilidade- a responsabilidade traduz a ideia de ter de prestar contas, que é um corolário do


princípio democrático; transmite a ideia de que o exercício do Poder é sempre um serviço, um
mandato, sujeito a prestação de contas, e não um privilégio outorgado em benefício do seu titular.
Este não se basta com a eleição; envolve também controlo e responsabilidade. Nunca há democracia
sem mecanismos de responsabilização de quem exerce o poder. Pode ter 5 vertentes:

- responsabilidade política- pode ser concentrada num órgão ou pode ser difusa (responsabilidade de todos
os órgãos políticos perante a opinião pública). O sujeito tem a obrigação de informar, explicar, justificar ou
assumir os efeitos das suas condutas, estando adstrito a ter de suportar a crítica, a retificação da conduta ou
até a perda do cargo.

- responsabilidade civil- quem causa um dano, deve indemnizar.

- responsabilidade criminal- quem comete um ilícito penal, deve ser responsabilizado penalmente. Não se
limita aos titulares de cargos políticos (117º/1), compreendendo ainda todos os restantes funcionários e
agentes do Estado e das demais entidades públicas (271º/1)

- responsabilidade disciplinar- incindindo sobre titulares de órgãos que não assumem funções políticas, revela
uma forma específica de apreciação da conformidade de condutas de funcionários e agentes administrativos,
juízes e magistrados do MP, sendo necessário para o efeito seguir-se um procedimento específico, o qual
poderá envolver a aplicação de sanções disciplinares aos infratores, caso se provem os factos alegados. É uma
manifestação do ter que prestar contas

- responsabilidade financeira- 214º/1 c)- quem toma decisões que envolvam a gestão de dinheiros públicos é
responsável financeiramente, tendo sempre de prestar contas da respetiva atividade exercida.

Estas cinco responsabilidades podem ser acumuláveis.

Todos os intervenientes no exercício do Poder, exerçam ou não cargos políticos, são responsáveis pelas
respetivas condutas.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

O princípio da responsabilidade tem limites:

i. Os deputados não são responsáveis pelos votos e opiniões que emitem no exercício das suas funções,
não podendo ser objeto de responsabilidade civil, criminal ou disciplinar- 157º/1. Contudo, os votos e
opiniões emitidos pelos deputados no exercício das suas funções são sempre suscetíveis de gerar
responsabilidade política.
ii. Os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções previstas na lei-
216º/2- isto sem prejuízo da possível responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do
exercício da função jurisdicional.

g. Princípio Maioritário- numa democracia, as decisões devem ser tomadas pela pluralidade de votos.
Acontecem duas coisas:

- o princípio maioritário não é critério de verdade, mas sim de decisão, uma realidade procedimental;

- a força da maioria está no respeito pela minoria, por duas ordens de razões: a maioria tem sempre de
respeitar a minoria e a minoria só obedece à maioria porque tem a expectativa de amanhã vir a ser ela a
maioria. Aliás, o princípio maioritário passou a ter de admitir que nem sempre lhe é legítimo impor a
obediência às decisões dele resultantes, tornando-se legítima a desobediência à vontade da maioria: objeção
de consciência- 41º/6- e direito de resistência- 21º.

O princípio maioritário tem alicerces débeis, fundando-se numa ficção de um acordo consensual que pode a
todo o momento ruir.

Artigo 116º CRP- para um órgão colegial funcionar, tem de ter quorum (nº mínimo de membros para se poder
dizer que o órgão está constituído e apto a funcionar- metade + 1); a maioria deliberativa é a maioria simples.
A falta de quorum determina a nulidade da deliberação, salvo se se tiver formado uma normatividade “não
oficial” que, em sentido contrário ao disposto no 116º/2, o torne inaplicável.

O conselho de ministros é um órgão colegial mas não funciona com base no princípio maioritário; a regra é a
deliberação por consenso- princípio da solidariedade.

h. Princípio da Imodificabilidade da Competência- a competência não pode ser modificada, salvo


habilitação para o efeito. A competência definida pela constituição só pode ser modificada nos termos
da própria constituição; podem todavia existir situações de delegação de competências- um órgão
(delegante) exerce a faculdade, que uma norma lhe atribui, de permitir que um outro órgão (delegado)
pratique um ou vários atos sobre competência normalmente atribuída ao primeiro- ou situações de
substituição- permissão conferida pela ordem jurídica a um órgão (susbtituto) agir em vez de outro
(susbtituído), praticando atos sobre matérias cuja competência normal pertecence a este último-, que
flexibilizam as regras iniciais de distribuição do exercício da competência. Todavia, só é admitida a
delegação e a substituição nos casos expressamente definidos pela constituição- 111º/2.

Nos casos em que se admita uma ampliação legal de competências de órgãos de soberania (ex: 161º/o);
163º/h)), esta tem sempre de ser feita à luz do estatuto e função do órgão em causa e nunca pode conduzir a
uma descaracterização da sua competência constitucional preexistente ou de qualquer outro órgão
constitucional.

Nos termos do artigo 19º/7, a competência conferida pela constituição aos órgãos de soberania e de governo
próprio das RA não pode ser afetada pela declaração do estado de sítio ou do estado de emergência.

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O regime da competência obedece, portanto, a três regras nucleares:

1) Toda a competência que resulta de uma norma constitucional não é modificável por lei- nenhuma lei
pode, sob pena de inconstitucionalidade, conferir o poder de um órgão agir sobre a esfera funcional
conferida pela Constituição a um outro órgão.
2) Toda a competência- seja de fonte normativa constitucional ou infraconstitucional- nunca pode ser
modificável pela simples vontade do órgão a quem se encontra confiada.
3) A competência também não é modificável pela intervenção de um terceiro órgão sobre tais poderes.

i. Princípio da Competência Dispositiva- quem tem uma competência pode sempre:

- escolher entre praticar ou não praticar o ato, emanar ou não emanar o ato, como por exemplo, a
competência que o artigo 164º/b) confere à AR para legislar sobre os regimes dos referendos, tanto lhe
permite aprovar como rejeitar um projeto ou uma proposta de lei sobre a matéria;

- escolher entre definir uma situação jurídica ou revogar uma situação já definida, como por exemplo, a norma
que permite a AR conceder autorizações legislativas ao Governo (161º/d)), também permite ao parlamento
revogar as autorizações legislativas concedidas.

A competência dispositiva pode ter condições para o seu exercício:

❖ Pressupostos de Facto- é possível que o exercício de uma competência se encontre condicionado à


verificação histórica de um determinado evento ou, pelo contrário, à sua não ocorrência no mundo
social- por exemplo, o PR pode demitir o governo, mas só se este puser em causa o regular
funcionamento das instituições democráticas- 195º/2.
❖ Pressupostos de Direito- muitas vezes, o poder de praticar um ato pressupõe a existência (ou
inexistência) de determinadas realidades jurídicas anteriores (uma iniciativa, uma proposta, um
parecer, etc)- por exemplo, o PR só pode utilizar o veto jurídico se o TC tiver declarado a
inconstitucionalidade da norma.

Pode também haver casos em que se exija, para a prática de um certo ato, a verificação de pressupostos de
direito e de facto; por exemplo, o ato de declaração de guerra pelo PR que, nos termos do artigo 135º/c) só
pode ser adotado em caso de agressão efetiva ou iminente (pressuposto de facto), verificando-se ainda ser
uma proposta do Governo, existir audição do Conselho de Estado e autorização parlamentar (pressupostos de
direito).

Há casos em que se observa vinculação no agir, o dever de agir, em que há atos de emanação obrigatória; por
exemplo:

a. O PR é obrigado a promulgar a lei da revisão constitucional- 286º/3;


b. O dever de o Estado respeitar as obrigações internacionais, especialmente no âmbito da UE;
c. Os Tribunais nunca podem recusar decidir litígios que lhe são submetidos, devendo a decisão ser
proferida em prazo razoável- 20º/4;
d. As normas constitucionais não exequíveis por si mesmas vinculam o legislador a praticar os atos
legislativos necessários à sua implementação- 283º.

Há casos em que, quem decidiu, já não pode revogar os atos que praticou. Praticado o ato, deixa de poder ser
revogado esse ato:

- Se o autor do ato perdeu entretanto a competência sobre a matéria- a AR autorizou o governo a legislar e o
Governo, ao abrigo desta autorização legislativa, emanou o Decreto; depois de emanar o decreto, já não o
pode revogar, a não ser que peça nova autorização legislativa à AR.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- Se o ato revogando tiver uma existência obrigatória, tutelando valores considerados essenciais pelo
ordenamento jurídico.

- Se os atos esgotaram os seus efeitos no momento em que foram emanados. Exemplo- a promulgação. O PR
depois de promulgar um diploma, já não pode voltar atrás.

- Se os atos já caducaram ou, por qualquer outro modo, cessaram a produção dos seus efeitos, deixando de
ter objeto a revogação. Exemplo- a lei de autorização legislativa, depois de ter sido utilizada ou do termo do
seu prazo.

Os atos de graça- que traduzem a investidura de alguém numa determinada situação jurídica favorável, como
a atribuição do indulto e a concessão de condecorações- podem ser revogados? Em princípio não. Sem
prejuízo da suscetibilidade de se introduzirem cláusulas acessórias de natureza resolutiva em tais atos, o certo
é que, se não existirem quaisquer cláusulas de revogabilidade ou caducidade, os atos válidos de indulto,
comutação de penas e concessão de condecorações, uma vez praticados e publicitados, devem-se ter como
irrevogáveis.

j. Princípio do Autocontrolo da Validade- 3º/3- assenta num conjunto de vinculações comuns a todas as
estruturas orgânicas públicas:
a) Todas devem agir em conformidade com a juridicidade;
b) Todas se encontram impedidas de, sob pena de invalidade dos seus atos, violar a juridicidade;
c) Todas têm o dever de fiscalizar a conformidade da sua própria atuação com a juridicidade;
d) Se entenderem que houve invalidade, a todas é reconhecida a faculdade de repor a
juridicidade.

O princípio do autocontrolo da validade pode envolver dois momentos distintos de exercício dos inerentes
poderes fiscalizadores:

✓ A fiscalização da validade da conduta e, sendo o caso, a reposição da juridicidade podem ocorrer antes
da conclusão do procedimento de feitura do ato em causa, sendo em momento anterior à sua
aprovação ou à respetiva formalização definitiva, hipótese esta em que o seu autor não conhece
limites ao exercício do princípio do autocontrolo da validade;
✓ Pode suceder, no entanto, que só em momento posterior ao ato se encontrar aprovado ou concluído
e exteriorizado, o seu autor se aperceba da sua invalidade, registando-se que aqui ele só poderá repor
a juridicidade, revogando ou corrigindo o ato, se mantiver a competência dispositiva, inextistindo
qualquer preclusão dos seus poderes decisórios.

O órgão incompetente tem sempre competência para revogar o ato inválido que praticou. Exemplo- o governo
elaborar um DL que revogue o DL que desrespeitou a área de reserva da AR.

Não só tem competência o órgão incompetente, como a AR que é o órgão competente, neste caso, tem
competência para repôr a validade.

Estando em causa garantir a efetividade da Constituição, a todos os órgãos é reconhecida competência para
tomarem as medidas necessárias e adequadas.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

A reposição da juridicidade, segundo os traços definidos pelo princípio do autocontrolo da validade, tem a sua
eficácia condicionada nos seguintes termos:

a) Se o ato cuja invalidade exige a reposição da juridicidade nunca produziu efeitos, nenhum obstáculo
existe à retroatividade da sua revogação, antes a mesma se torna imperativa, tudo se passando como
se o ato inválido nunca tivesse sido emanado;
b) Se os efeitos produzidos pelo ato inválido foram desfavoráveis aos destinatários e sobre eles não
existe caso julgado, a reposição da juridicidade deverá ser retroativa, gerando a destruição de tais
efeitos;
c) Se o ato inválido alicerça sentenças judiciais transitadas em julgado ou atos administrativos já
insuscetíveis de impugnação contenciosa, a reposição da juridicidade nunca pode ser dotada de uma
retroatividade que lese tais situações jurídicas firmes: ao artigo 282º/3 permite extrair que só o TC, e
a título excecional, pode colocar em causa a intangibilidade do caso julgado;
d) Se, pelo contrário, existirem situações jurídicas consolidadas ao abrigo do ato inválido sem qualquer
título judicial transitado em julgado ou ato administrativo firme, só razões de segurança pública,
equidade ou de interesse público de excecional relevo, sempre passíveis de controlo judicial, podem
habilitar que a reposição da juridicidade não seja retroativa à data da emanação do ato inválido;
e) No entanto, o decurso do tempo e os valores da segurança jurídica e da tutela da confiança
decorrentes da boa fé podem alicerçar posições jurídicas que, apesar de fundadas numa
normatividade contra legem ou contra constitutionem limitem a integral reposição da juridicidade,
permitindo (ou até impondo) a manutenção na ordem jurídica de tais efeitos inválidos ou, em
alternativa, a criação de um dever de indemnizar os danos decorrentes da frustração da confiança.

→ Princípios respeitantes aos Titulares do Poder Político:

1. Princípio da Legitimação Democrática- fundamentado no artigo 108º. O poder pertence ao Povo,


encontrando no sufrágio universal, igual, direto, secreto e periódico o modo por excelência pelo
qual o povo exerce o poder político- 10º/1- concretizando-se, deste modo, a configuração da
vontade popular como base da República- 1º- residindo no povo a soberania- 3º/1- e fazendo da
participação política direta e ativa dos cidadãos uma condição e um instrumento de consolidação
do sistema democrático- 109º.

Os titulares do poder público, investidos de uma legitimidade representativa e de poderes provenientes do


povo, devem agir no interesse e por conta do povo que é, por mediação constitucional e renovação periódica
em eleições, a fonte da sua legitimação, da sua competência e autoridade.

2. Princípio da Renovação- não há titulares vitalícios- 118º/1. É uma consequência do princípio


republicano da renovação dos cargos públicos. O exercício pelos administradores das suas
funções, sendo exercido em nome do povo, nunca pode assumir natureza vitalícia: o povo pode
sempre mudar os titulares, substituindo-os por outros mais diligentes e qualificados para o
exercício das funções em causa.

O princípio da renovação, uma vez que não se circunscreve aos titulares de órgãos políticos designados por
eleição, abrangendo também aqueles que são nomeados, torna-se um comando constitucional que tem como
destinatário primordial o legislador.

A proibição de exercício vitalício de cargos públicos envolve três corolários:

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

i. A proibição da hereditariedade ou de qualquer privilégio dinástico na designação de titulares de


órgãos públicos;
ii. A proibição de existirem cargos políticos de exercício por tempo indeterminado;
iii. A proibição de exercício de cargos políticos por períodos ilimitadamente renováveis.

Consequentemente, há casos de limites à renovação dos mandatos:

- 123º/1- o PR só pode exercer dois mandatos consecutivos

- os juízes do TC só podem exercer um mandado- 222º/3

- a constituição permite, no 118º/2, que a lei fixe limites à renovação dos mandatos de titulares de cargos
políticos e executivos.

Há, contudo, uma exceção a tudo isto: os antigos PR são membros vitalícios do Conselho de Estado- 142º/f).
Transformados por uma inerência em membros do Conselho de Estado, sem possibilidade de renunciar a tal
cargo, os antigos PR passam a corporizar a vitaliciedade do exercício de um cargo político da República.

3. Princípio da Fidelidade à Constituição- só está previsto no juramento do PR- 127º/3- que jura
defender e fazer cumprir a constituição. A fidelidade à constituição é, antes de tudo, fonte de
deveres constitucionais.

Esta fidelidade deve-se entender comum a todos os titulares de cargos públicos, o que significa:

- dever de não violar a constituição- 266º/2 (extensivamente)- a nenhum titular de cargo público é lícito agir
em sentido contrário à normatividade constitucional;

- dever de agir em conformidade- todos os titulares de órgãos públicos têm o dever de garantir a força
normativa da Constituição, fazendo o que ela impõe e abstendo-se de fazer o que ela proíbe;

- dever de implementar a Constituição- todos os titulares, segundo a competência de cada um, devem
promover a efetivação legislativa, administrativa e judicial das normas constitucionais;

- dever de interpretar evolutivamente o texto constitucional, atualizando e adaptando um mesmo enunciado


linguístico às exigências de mudança dos tempos modernos, sem desvirtuar o sentido global da leitura
contextualizada da Constituição;

- dever de respeitar a interpretação judicial da Constituição;

- dever de educar em conformidade com a constituição- devem possuir e transmitir, segundo as condutas
factuais que asssumem e as decisões jurídicas que tomam, uma cultura de respeito pelas instituições
constitucionais.

Este dever de fidelidade à constituição é completado pelo artigo 118º/1. Este dever não significa ausência de
pluralismo; cada titular de cargos públicos pode ter as suas convicções ideológicas. Por exemplo- uma pessoa
pode ser monárquica, isso não a impede de ser titular de cargos públicos, a não ser que não cumpra o dever
de fidelidade à Constituição- 269º/2.

4. Princípio da Responsabilidade Pessoal- responsabilidade do titular do órgão. Pode ser política,


criminal, civil, disciplinar, financeira.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Responsabilidade Civil- art. 22º CRP: responsabilidade solidária no âmbito da responsabilidade dos poderes
significa que o lesado tanto pode pedir indemnização à entidade coletiva como ao titular do órgão. A pessoa
que exerce funções públicas é pessoalmente responsável pelas suas atitudes que gerem dano.

Na responsabilidade da entidade, o património que responde, é o da entidade coletiva. Na responsabilidade


do titular, o património que responde é o do próprio titular do órgão público.

Quanto à responsabilidade política dos titulares de cargos políticos, cumpre referir:

i. Tratando-se de titulares de órgãos colegiais, a responsabilidade política concentrada assume natureza


coletiva, desde que vigore um princípio de solidariedade entre os membros dos órgãos: a quebra da
confiança política determina a demissão do órgão e não de cada um dos seus membros isoladamente,
tal como sucede com a responsabilidade do Governo perante a AR- 190º.
ii. A natureza coletiva da responsabilidade política concentrada de titulares de órgãos colegiais não
impede, todavia, a possibilidade de também existir responsabilidade individual: cada Ministro é
politicamente responsável perante o PM- 191º/2.

No que diz respeito à responsabilidade criminal, verifica-se que, em todos os casos, assume uma natureza
pessoal: fundada na culpa, a responsabilidade criminal não tem como destinatário uma instituição nem um
simples comportamento objetivo, antes visa a imputação subjetiva de uma atuação ou omissão, procurando-
se determinar a culpa, em termos de dolo ou negligência, da conduta da pessoa física que ocupa determinado
cargo público- 30º/3; 117º/1 e 2.

5. Princípio da Titularidade de Situações Funcionais- a circunstância de exercerem funções públicas


pode justificar, atendendo ao interesse público que subjaz aos cargos que desempenham, a
criação de um estatuto especial de posições jurídicas ativas e passivas especiais- 117º/2. Abrange
direitos subjetivos (pessoais e patrimoniais), privilégios e outras garantias- situações jurídicas
ativas- e deveres, sujeições e restrições particulares a direitos fundamentais- situações jurídicas
passivas. Há limites:

- princípio da proporcionalidade- presupõem uma relação de adequação e necessidade face ao tipo e à


natureza das funções que o titular do órgão em causa exerce;

- princípio da igualdade- as situações funcionais definidas pela lei nunca podem comportar a atribuição de
vantagens ou privilégios que, carecendo de justificação razoável ou sendo excessivos, se mostrem arbitrários;

- princípio da imparcialidade- nenhuma situação de vantagem ou privilégio criado por lei, a título de situação
funcional, pode ser aplicada imediatamente a quem participou no respetivo procedimento de feitura. Por
exemplo, os aumentos de remuneração dos membros do governo só poderão ser aplicados ao Governo
subsequente.

Situações pós funcionais- há deveres funcionais que se mantêm mesmo após a cessação de funções, como o
segredo de Estado. Pelo contrário, há privilégios funcionais que não se podem manter após a cessação de
funções.

6. Princípio da Proibição da Acumulação de Funções- resulta de uma extensão aplicativa do artigo


269º/4. Quem exerce funções públicas não as pode acumular com outras funções públicas, assim
como não as pode acumular com funções privadas; por exemplo, os Deputados que tenham sido

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

nomeados membros do Governo não podem iniciar (ou continuar) o exercício de funções
parlamentares- 154º/1. Manifestação do princípio da separação de poderes.

Exceções à proibição de acumulação de funções públicas com funções privadas:

a) O artigo 269º/4 faculta que a lei possa admitir a acumulação de empregos ou cargos públicos, devendo
entender-se que a margem de liberdade do legislador na matéria nunca pode colocar em causa o
princípio da separação de poderes;
b) No respeitante aos titulares de órgãos públicos que não sejam órgãos de soberania, sem prejuízo da
possibilidade de a lei definir incompatibilidades entre o exercício do cargo público e o de atividades
privadas, o princípio geral é a possibilidade de acumulação com o exercício de funções privadas;
c) No que se refere aos Deputados da AR, apesar de titulares de um órgão de soberania, verifica-se a
situação de facto que decorre de a lei nunca ter consagrado a probição de acumulação do mandato
parlamentar com o exercício de atividades privadas, sem embargo da possível discussão em torno da
formação de um costume contra constitutionem.

Exceções à proibição de acumulação de funções públicas:

a) Situações de inerência- quando alguém, por ser titular de um cargo público ocupa também, por
determinação normativa, um outro cargo público. Por exemplo, o PR é também membro e presidente
do Conselho de Estado- 142º.
b) Situações de competência acumulada- quando a mesma pessoa física é titular de dois ou mais órgãos.
Por exemplo, quando o mesmo membro do Governo ocupa dois ministérios.
c) Situações de exercício simultâneo de funções a título substitutivo- casos em que o substituto, sem
deixar de exercer as funções que lhe pertencem a título normal, passa ainda a exercer as funções
próprias do titular do órgão que substitui.

7. Princípio da Proibição do Abandono de Funções- ninguém, tendo assumido a responsabilidade de


exercer uma função, a pode abandonar, ausentando-se ou, estando presente, de forma dolosa,
não a exercer, comprometendo a continuidade dos serviços públicos ou o regular funcionamento
das instituições. Ilustra-se, aqui, o entendimento de que o exercício de funções públicas não é um
direito ou privilégio do titular, mas sim um dever que tem o seu exercício pautado por razões de
interesse público da coletividade.

No limite, significa responsabilidade criminal. Este princípio é completado pelo princípio seguinte.

8. Princípio da Renunciabilidade ao Cargo- ninguém pode ser obrigado a exercer funções contra a
sua própria vontade. Todos os titulares dos órgãos do poder têm direito à renúncia. Renunciar é
exercer um direito subjetivo que possuem todos os titulares de cargos públicos, a partir do
momento em que iniciam a exercer funções.

Mas há casos em que a renúncia exige aceitação; por exemplo- o PM pode renunciar, desde que o PR o aceite
(art. 195º/1 b)).

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Princípios Sobre as Fontes Reguladoras da Organização do Poder Político

o Princípio da não exclusividade da configuração formal do poder político- O poder político não
tem apenas fontes formais, para além das fontes formais, também conhece fontes informais
para ser regulado. Há assim um poder político formal, resultante do art. 108º CRP, e um poder
político informal, que está na base da Constituição “não oficial”. Tem quatro manifestações:

◊ Poder Constituinte Informal- trata-se de um poder constituinte que, fundando-se na vontade


constituinte da nação, comporta em si uma expressão democrática da vontade da coletividade. Esse
poder constituinte é um produto direto de uma vivência social integrativa ou subversiva das normas
“oficiais”.

A existência de uma normatividade não escrita proveniente de um poder constituinte informal permite
observar a existência de dois níveis normativos reguladores do poder político:

i. Existe um nível normativo informal que, tendo-se desenvolvido em termos marginais face à
normatividade escrita, provocou a inaplicabilidade de certas normas escritas do texto constitucional
formal;
ii. Existe um nível normativo resultante da Constituição “oficial” que, gozando de efetividade,
nunca poderá esquecer o setor das normas escritas que se encontra “adormecido” pelas normas
informais que se foram desenvolvendo e tornaram essas mesmas normas escritas juridicamente
inaplicáveis.

◊ Poder de exteriorização dos titulares de cargos políticos- poder de declarar publicamente


determinada vontade, através de discursos, entrevistas, artigos de opinião. São opiniões emitidas por
titulares de cargos políticos, sem previsão constitucional expressa, e que se mostram suscetíveis de
produzir efeitos políticos.

◊ Poder que está nas mãos da comunicação social- pode acabar por residir nos meios de comunicação
social a mais eficaz sede de responsabilização política dos governantes:

i. Investigando e denunciando arbitrariedades, prepotências e outras situações de ilegalidade, os


meios de comunicação social tornam-se a oposição visível e o centro de controlo do poder político
instituído pela constituição;
ii. Conferindo espaço de debate e crítica à diversidade de opiniões individuais e de grupos
representativos de interesses existentes na sociedade, os meios de comunicação social garantem
e fomentam o pluralismo e o contraditório junto da opinião pública.

◊ “Poder oculto”- uma derradeira manifestação exemplificativa de poder político informal encontra-se
numa pluralidade de modalidades de influências ou até de predeterminação decisória do poder formal
por forças defensoras de interesses (sociais, políticos, religiosos) que, aginso na sombra ou
ocultamente, escapam aos quadros visíveis da participação democrática ou da neocorporativização
da decisão pública definidos pela normatividade “oficial”.

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O poder oculto aniquila a transparência da democracia, sequestrando-a, capturando-a e transformando-a


numa “democracia de bastidores”.

As forças protagonistas do poder oculto nem sempre, no entanto, assumem uma configuração secreta, sendo
possível recortar duas diferentes situações:

a) Existem entidades formais que desenvolvem uma ação pública visível e, simultaneamente,
prosseguindo ainda finalidades lícitas, também agem em termos ocultos- é o que sucede com os
grupos de pressão organizados, lobbies económicos e financeiros, grupos religiosos, etc;
b) Existem, por outro lado, entidades informais ou irregularmente formalizadas que, prosseguindo fins
ilícitos, desenvolvem uma ação secreta ou invisível, usando meios criminalmente sancionáveis- é o
que acontece, por exemplo, com a máfia e outras organizações criminosas.

→ Princípio da não exclusividade das fontes formais na regulação do poder político- a normatividade
escrita ou jurídico-positiva, seja de fonte constitucional ou infraconstitucional, sem prejuízo de
exercer uma inevitável e insubstituível função reguladora do Poder político, não goza de um
monopólio ou exclusivo disciplinador da organização e funcionamento do Poder.

Fontes que não são formais:

i) Ordem axiológica suprapositiva e princípios jurídicos fundamentais- consciência jurídica geral em torno
da dignidade da pessoa humana e da ideia inerente de um Direito justo. Os princípios jurídicos
fundamentais, consubstanciando decorrências normativas da “ideia de Direito”, firmados na
centralidade da pessoa humana viva e concreta como razão de ser da sociedade, do Direito e de todas
as instituições públicas, traduzem o cerne de uma ordem axiológica fundada na prevalência da justiça e
revelada por um consenso comunitário objetivado pela consciência jurídica geral.

ii) Permeabilidade do sistema jurídico à factualidade: efetividade e normatividade “não oficial”-


capacidade de puros factos fazerem emergir normas jurídicas (costume constitucional) . As normas são
veículos de comunicação entre o hemisfério da realidade factual existente na sociedade e o hemisfério
formal que domina o sistema jurídico-positivo.

iii) Normatividade dos fenómenos revolucionários- a revolução nunca é isenta de efeitos ao nível do
ordenamento jurídico que a não prevê ou do sistema jurídico que formalmente a desconhece. Em
Portugal, se excetuar-mos a Carta Constitucional de 1826, todos os textos constitucionais tiveram a sua
origem numa revolução; e todos eles, salvo a Constituição de 1976, tiveram o seu termo também
através de movimentos revolucionários.

A revolução vitoriosa, determinando uma rutura factual do sistema constitucional vigente e a instauração de
uma nova ordem política resultante do movimento revolucionário, nunca prescinde do Direito, antes procura
encontrar no próprio Direito que produz uma fonte legitimadora do poder e um instrumento garantístico da
efetividade da nova ordem.

→ Princípio da não exclusividade das fontes jurídico-políticas reguladoras do poder político- como as
normas técnico-científicas, as normas de natureza ética ou moral e as normas de cortesia (trato social).

Se a regulação do poder político por normas extrajurídicas se faz no âmbito integrador de um vazio
constitucional, a sua eficácia vinculativa não mostra assumir natureza jurídica: não há aqui qualquer título

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jurídico habilitador que permita alicerçar uma vinculatividade jurídica, salvo o próprio silêncio da Constituição
perante o vazio de regulação.

Tratando-se, ao invés, de um fenómeno de remissão da Constituição para normas extrajurídicas, pode dizer-
se que estas passam a gozar de obrigatoriedade jurídica por força da norma jurídica que para elas remete: tais
normas extrajurídicas são incorporadas pela ordem jurídica, traduzindo-se a sua violação numa violação da
própria norma remissiva.

Órgãos de soberania:

a) PR
b) AR
c) Governo
d) Tribunais

◊ Presidente da República- 120º e ss

Único órgão de soberania unipessoal. É autónomo, quer face à AR quer ao Governo.

3 funções nucleares- 120º:

1. Representa a República:

Tanto se realiza no plano interno como no externo:

Interno- é o símbolo de todos nós, por ter sido eleito por sufrágio direto. Tem uma ligação especial com a
comunidade. Manifestações:

- Pode exercer uma magistratura de influência- pode chamar, ouvir, aconselhar, sensibilizar aqueles que
decidem, quer para os problemas, quer para as soluções possíveis; isto através de diligências informais junto
do PM, de mensagens formais à AR ou às assembleias legislativas das RA, de um poder informal de
exteriorização junto dos meios de comunicação social ou convocando extraordinariamente a AR;

- Orientação política- através da nomeação do Governo- e ao fazê-lo pode condicionar a sua atuação-, através
do controlo político da produção normativa- por exemplo, promulgando ou vetando as leis.

Externo- representa o Estado, é o único representante singular da soberania estadual; intervém nas
nomeações diplomáticas; intervém na vinculação internacional do Estado português; compete-lhe a
declaração da guerra ou a declaração da paz.

2. Garante político da Constituição:

Compete ao PR, por força do juramento que faz na sua tomada de posse (127º/3) “defender, cumprir e fazer
cumprir a Constituição”. O PR tem, portanto, a “chave dos restantes poderes”- Benjamin Constant-,
assegurando o equilíbrio em caso de conflito entre os restantes poderes, através do exercício do seu poder
moderador, que pode ter 3 configurações:

a. Poder moderador policial- fiscaliza, controla, exerce uma função de polícia dos demais poderes. Por
exemplo, compete-lhe saber se o Governo está ou não a pôr em causa o regular funcionamento das
instituições.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

b. Poder moderador arbitral- regula e dirime conflitos políticos entre instituições constitucionais e
parceiros sociais. Por exemplo, se houver um conflito entre a AR e o Governo, é o PR que o vai resolver
c. Poder moderador excecional- em situações de crise, o PR pode ter protagonismo político. Por
exemplo, pode ser forçado a dissolver a AR.

Como é que o PR garante politicamente a Constituição?

- Implementando os princípios da cooperação e do respeito institucional, nunca permitindo que, por sua ação
ou omissão, se verifique paralisia ou impasse institucional;

- Através de mecanismos expressos ou implícitos, tendentes a assegurar este propósito “moderador”- como
o poder de acompanhamento da atividade do Governo, pedindo esclarecimentos ao PM; a solicitação ao TC
da fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, decretos-leis e convenções
internacionais (134º/g)); o veto político sobre os diplomas que lhe tenham sido enviados para promulgação;
etc.

3. Comandante Supremo das Forças Armadas:

Tem funções protocolares, cerimoniais e de representação formal no âmbito das Forças Armadas; compete-
lhe a prática de atos próprios como Comandante Supremo das Forças Armadas; tem um poder informal de se
relacionar diretamente, quer com as chefias, quer com as Forças Armadas, consultando-as, ouvindo-as
encorajando-as ou advertindo-as, numa espécie de “magistratura de influência”.

No exercício das suas funções como Comandante Supremo das Forças Armadas, o PR deverá reforçar a sua
neutralidade apátrida, evitando a todo o custo qualquer entorse à imparcialidade política das Forças Armadas-
275º/4 – e, sancionando politicamente, se necessário, como grave atentado ao regular funcionamento das
instituições democráticas, qualquer tentativa governamental ou das chefias militares de instrumentalização
política ou partidarização das Forças Armadas.

O PR reúne, assim, três características:

-é protagonista político;

- é árbitro;

- é juíz dos restantes protagonistas.

Contudo, não tem poderes governativos, o que significa que não pode ser jogador quando é árbitro e juíz.

Estatuto resultante da Constituição- 121º a 126º:

❖ É eleito por sufrágio universal, direto e secreto de todos os portugueses eleitores que se encontrem
recenseados no território nacional e ainda os emigrantes- 121º/1. A eleição ocorre nos 60 dias
anteriores ao termo do mandato do PR que, tendo sido eleito, se encontre em exercício de funções
ou, tendo ocorrido vagatura do cargo, a eleição realizar-se-á nos 60 dias posteriores à vagatura-
125º/1.

O sistema eleitoral previsto na Constituição diz-nos que será eleito PR o candidato que, na sequência do ato
eleitoral, obtenha a maioria absoluta dos votos validamente expressos, descontando-se nesse cálculo os votos
em branco- 126º/1.

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Se, por hipótese, nenhum candidato obtiver, nessa votação, a maioria absoluta de votos, a Constituição
estipula que, no prazo de 20 dias após a realização da primeira votação, realizar-se-á uma segunda votação-
126º/2 – designada “segunda volta”, a qual apenas é disputada pelos dois candidatos que tenham sido mais
votados na primeira volta- 126º/3.

❖ O mandato é de 5 anos- 128º/1 -, inicia-se com a posse perante a AR- 127º/1 - e o termo do mandato
pode ser antecipado- em caso de morte ou de incapacidade física permanente; quando o PR se
ausentar do país sem autorização; em caso de destituição do PR por crimes praticados no exercício
das suas funções; em caso de abandono do exercício das suas funções; em caso de renúncia. Quando
isto acontece, o PR é substituído pelo presidente da AR- 132º.

Uma coisa é substituição em caso de vagatura do cargo- quando o titular já não regressa- outra coisa é
substituição quando há apenas um impedimento pontual do PR (por exemplo, ser submetido a intervenção
cirúrgica). Quando há vagatura do cargo, o presidente substituto tem o encargo de preparar uma nova eleição
presidencial. O presidente substituto não tem exatamente os mesmos poderes do PR eleito- 139º:

- Há poderes que não pode exercer- como a dissolução da AR, a nomeação de membros do Conselho de Estado
e vogais do Conselho Superior de Magistratura ou a convocação de referendos;

- Há poderes que só pode exercer mediante prévia audiência do Conselho de Estado- como a marcação do dia
das eleições previstas no artigo 133º/b), a convocação extraordinária da AR ou a nomeação do PM.

❖ Responsabilidade criminal do PR- 130º. Há uma distinção nuclear: por crimes estranhos ao exercício
das suas funções, o PR só responde no final do mandato- 130º/4-; por crimes praticados no exercício
das suas funções, responde durante o respetivo mandato, com base numa dupla configuração: a
acusação é feita pela AR e aprovada por maioria de 2/3; o julgamento é feito pelo STJ. Note-se que o
PR goza de uma “imunidade absoluta implícita”, não podendo ser detido, nem preso
preventivamente; contudo, após a acusação e até ao termo do julgamento que acabe com a sua
absolvição, o PR encontra-se temporariamente impedido de continuar a exercer as suas funções.

Se o PR for condenado, isso significa a sua destituição. Depois de ser acusado, de nada lhe serve renunciar
primeiro para impedir que o STJ o venha a condenar. Se for acusado, não pode voltar a candidatar-se: dúvida
se nunca mais poderá candidatar-se, ou se só não poderá candidatar-se durante o quinquénio subsequente.

A renúncia do PR não impede o seu julgamento, mas se o PR dissolver a AR, não poderá ser acusado.

Competências do PR- 133º a 135º.

i. Competências de exercício vinculado- é obrigado a exercê-las. Por exemplo, se o TC entender que um


diploma é inconstitucional, o PR é obrigado a vetá-lo; perante uma lei de revisão constitucional que
lhe seja apresentada, o PR é obrigado a promulgá-la.

ii. Competências de exercício condicionado- o PR é livre de decidir, mas há pequenas condições: para
decidir, precisa de uma autorização parlamentar- se quiser decretar o estado de sítio, necessita da
autorização parlamentar-; a condição pode também ser uma proposta e/ou uma audição de um outro
órgão ou entidades- o PR pode escolher os ministros, mas estes têm de ser propostos pelo PM-; outra
condição pode ser uma circunstância de facto- o PR pode dissolver o Governo, mas este tem de estar
a pôr em causa o regular funcionamento das instituições-; há ainda atos do PR que dependem de
referenda ministerial pelo Governo, isto é, de uma contra-assinatura do Governo que exerce uma
função fiscalizadora e certificativa da validade dos atos do PR.

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iii. Competências de exercício livre- são menores que as condicionadas, mas são maiores que as
vinculadas. Por exemplo, a presidência dos órgãos constitucionais- é livre de presidir ao Conselho de
Estado, de convocar extraordinariamente a AR-, vetar politicamente os diplomas que lhe tenham sido
enviados para promulgação.

- Competência Administrativa Interna – ainda no âmbito das competências de exercício livre, deve-se
inserir os seus poderes de livre nomeação e demissão dos membros dos órgãos e serviços de apoio
direto que integram a presidência da república.

Promulgação e Veto:

Todos os atos legislativos provenientes da AR e do Governo carecem de promulgação por parte do PR. A
promulgação é a intervenção solene do chefe de Estado e a sua falta determina a inexistência jurídica do ato.
Estão sujeitos a promulgação todas as leis e decretos-leis e ainda regulamentos que têm a forma de decreto
regulamentar.

→ Regime: o PR pode fazer uma de três coisas:


- Pode promulgar- serve para referenda pelo PM, depois o diploma segue para publicação no DR;
- Se tiver dúvidas sobre a constitucionalidade diploma- desencadeia a fiscalização preventiva da
constitucionalidade- o TC resolve essas dúvidas;
- Tem objeções quanto ao conteúdo do diploma- vai exercer o veto político, que significa a não
promulgação por divergência de natureza política. Pressupõe que o PR devolva o diploma ao órgão
que o aprovou, fundamentando as razões da divergência.

Nos casos de veto, há que distinguir:

- Se o diploma provém do Governo- veto absoluto-, o Governo pode:

a) Submeter-se à vontade política do PR, alterando o diploma vetado em sentido convergente aos
desejos presidenciais;
b) Transformar aquilo que era um DL numa proposta de Lei e apresentá-la à AR ou os deputados que o
apoiam podem adotar o diploma vetado transformando-o em projeto de lei, verificando-se que
qualquer futuro veto presidencial ao diploma proveniente do parlamento poderá ser ultrapassado,
por via de regra, por maioria absoluta;
c) Conformar-se e aceitar o veto.

- Se o diploma provém da AR- veto suspensivo (visto que a AR tem a faculdade de, verificadas certas
circunstâncias, obrigar o PR a promulgar o diploma)-, a AR pode-

a) Submeter-se à vontade política do PR- modificar o conteúdo do diploma, acolhendo a solução do PR


ou apresentando novas soluções;
b) Confirmar o diploma, numa postura de conflito político com o PR- para fazer impôr a sua vontade
sobre a vontade do PR. 136º/2- basta a AR reaprovar por maioria de 2/3, ficando o PR obrigado a
promulgar- veto suspensivo.
c) Pode suceder que a AR, apesar de ter tentado a confirmação do diploma, não tenha conseguido obter
a maioria exigível para o efeito, situação em que, permanecendo vigente o veto, o PR não tem de
promulgar o diploma
d) Não fazer nada, deixa morrer o diploma, fazendo prevalecer o veto político do PR.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

279º- quando o PR levanta objeções ao diploma:

O PR recebe o diploma, acha que é inconstitucional, mas quer ter a certeza- envia-o para o TC- fiscalização
preventiva da constitucionalidade- e fundamenta o seu pedido. Hipóteses:

- o TC pronuncia-se pela não inconstitucionalidade- o TC nunca se pronuncia sobre a constitucionalidade;


apenas se pronuncia sobre a não inconstitucionalidade. O juízo do TC nunca é afirmativo da
constitucionalidade do diploma. Nesta hipótese, o diploma volta para Belém e o PR ou promulga, ou veta
politicamente.

- o TC pronuncia-se pela inconstitucionalidade- o PR fica obrigado a vetar o diploma- veto jurídico ou veto por
inconstitucionalidade.

Há que distinguir aqui também entre:

- Se o diploma é proveniente do Governo, este só pode expurgar a norma se for inconstitucional- veto absoluto
(136º/4). O governo pode:

i. Limitar-se a expurgar a norma julgada inconstitucional, se isso for possível, deixando intacto o resto
do diploma, enviando-o para o PR promulgar ou exercer veto político;
ii. Se for possível, reformular o conteúdo do diploma, modificando-o em conformidade face ao sentido
da pronúncia do TC, remetendo-o de novo ao PR, caso em que este pode promulgá-lo, vetá-lo
politicamente ou requerer nova apreciação preventiva da inconstitucionalidade- 279º/3;
iii. Nada fazer, encerrando-se com o veto jurídico o processo legislativo.

NOTA- o veto do PR é absolutíssimo quanto à ordem e funcionamento do Governo.

- Se o diploma é proveniente da AR, esta, para além de poder assumir qualquer uma das três atitudes também
disponíveis ao Governo (expurgar a norma inconstitucional ou reformular o diploma, se isso for possível, ou
nada fazer), poderá ainda confirmar o diploma por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que
superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções.

Na última situação referida, existindo confirmação parlamentar do diploma objeto de pronúncia de


inconstitucionalidade pelo TC, o PR não se encontra vinculado a promulgar o diploma, pois, enquanto garante
da defesa da Consituição, nunca poderia ser obrigado a promulgar como lei um ato que o TC entendeu ser
inconstitucional.

Mesmo que o PR promulgue o diploma, este continua a ser inconstitucional- fica onerado com uma presunção
de inconstitucionalidade.

Quatro estatutos especiais do PR:

- Presidente Eleito- PR eleito mas que ainda não tomou posse;

- Presidente Interino- o que substitui o PR eleito nos seus impedimentos ou em caso de vagatura do cargo;

- Presidente Substituído- o que se encontra impedido de exercer as suas funções;

- Ex-Presidente- o que já não é mas que já foi e PR e que agora ocupa o único cargo vitalício no Conselho de
Estado.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

◊ Assembleia da República

Órgão de soberania colegial e representativo de todos os cidadãos- 147º. O parlamento é a síntese de toda a
sociedade, a representação da coletividade. Os deputados são eleitos por sufrágio direto, secreto e periódico-
113º/1.

Trata-se de uma representação que assenta numa dupla configuração:

a. Representa o todo da coletividade, pois os deputados, apesar de eleitos por círculos eleitorais,
representam todo o país- 152º/2;
b. Representa as diversas correntes ideológicas de opinião existentes na sociedade, pois só os partidos
políticos podem apresentar candidaturas- 151º/1 – e a conversão dos votos em mandatos faz-se à luz
do princípio da representação proporcional- 149º/1.

A AR é, portanto, a principal instituição da democracia: não há democracia sem parlamento, nem verdadeiro
parlamento sem uma representação plural das diversas sensibilidades políticas existentes na sociedade.

Princípios caracterizadores da AR:

1. Princípio do unicameralismo- composto por uma única câmara representante de toda a comunidade.
O unicameralismo da constituição de 1976 alicerça-se na tradição republicana portuguesa que vem
desde 1926, num propósito de concentrar num único órgão representativo de estrutura colegial e, por
isso, dotado de uma forte legitimidade político-democrática, a liderança da oposição a um sistema
constitucional inicialmente dotado de acentuada componente orgânico-militar.

2. Princípio da flexibilidade configurativa- resulta dos arts 148º e 149º e diz-nos que a constituição
configura um número variável de deputados- entre 180 e 230- remetendo para o legislador ordinário
a definição do número exato. A constituição permite também que haja um círculo nacional de
deputados, ao lado dos círculos locais. Neste momento, existem apenas círculos locais
correspondentes no continente aos antigos distritos. A constituição flexibiliza também um sistema de
círculos eleitorais, que podem ser uninominais ou plurinominais, remetendo para o legislador a
criação de círculos eleitorais plurinominais, que atualmente não existem.

Confere a constituição à lei ordinária, deste modo, um importante papel no preenchimento dos espaços de
liberdade configurativa do estatuto da AR, sem prejuízo de acautelar que as leis em causa têm de ser
aprovadas por maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos
deputados em efetividade de funções- 168º/6 d).

3. Princípio da auto-organização interna- o parlamento tem sempre competência para elaborar o seu
próprio regimento que, traduzindo uma manifestação de autovinculação, lhe permite pormenorizar
aspetos referentes à sua organização e funcionamento internos- 175º/a).

Pode recortar-se na Constituição a existência de uma reserva de regimento, enquanto conjunto de matérias
cuja disciplina jurídica tem de ser feita por via de regimento, negando-se à lei a suscetibilidade de intervir na
regulação de tais matérias.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

A reserva de regimento significa também matéria de exclusão de intervenção do PR: o regimento da AR, sendo
aprovado sob forma de resolução- 166º/5 – é publicado sem necessidade de promulgação do Chefe de Estado-
166º/6.

4. Princípio da dependência política do PR- é dependente do PR em termos políticos porque:


- O PR pode livremente dissolver o parlamento, sendo a AR não pode destituir o Chefe de Estado;
- Compete ao PR sempre a marcação da data das eleições parlamentares- 133º/b) – a diferença
duração dos mandatos destes dois órgãos e a possibilidade de um deles ter o seu mandato abreviado
peça intervenção do outro, confere ao PR uma maior longevidade que a da AR;
- Toda a vontade legislativa do parlamento está dependente do ato de promulgação do PR- 134º/b);
- Ao PR compete a última palavra em matéria de convocação referendo, decidindo quanto à sua
efetiva realização- 134º/c);
- O PR pode convocar extraordinariamente a AR- 133º/c)- “para se ocupar de assuntos específicos”-
174º/4 -, influindo sobre a fixação da ordem do dia parlamentar- 133º/d)- tal como lhe pode enviar
mensagens- 133º/d).

No entanto, esta dependência política sofre quatro atenuações:

- O PR nunca pode proceder à dissolução da AR nos seis meses após a eleição parlamentar, nem nos últimos
seis meses do mandato presidencial, nem durante a vigência de estado de exeção constitucional- 172º/1;

- A AR pode sempre fazer imperar a sua vontade contra o veto político presidencial, obrigando o PR a
promulgar as leis vetadas, desde que obtenha para o efeito uma maioria absoluta ou uma maioria de 2/3 dos
deputados;

- Os poderes de decisão do PR em matéria de estado de exceção constitucional e de declaração de guerra ou


feitura da paz estão sempre dependentes de autorização parlamentar e sujeitos a vigilância parlamentar;

- A AR tem nas suas mãos desencadear o processo de responsabilização criminal do PR, por crimes cometidos
no exercício das suas funções, junto do STJ.

5. Princípio da permeabilidade à instrumentalização parlamentar- o parlamento pode sempre ser


instrumentalizado pelo Governo. A instrumentalização é sempre superior quando o Governo tem uma
maioria parlamentar- o governo quer, o parlamento aprova; o governo não quer, o parlamento rejeita;
ou então, o PM quer, a maioria apoia, a AR aprova; o PM não quer, a maioria apoia, a AR rejeita.

Os deputados, à luz da transformação do significado das eleições parlamentares, são uma realidade fungível-
são como que ações que o líder do partido tem, como se fosse uma sociedade dividida por ações, em que os
deputados estão transformados em mero “título em carteira do partido político”, que este exibe perante os
outros partidos políticos, num cenário de verdadeira fungibilidade dos deputados.

Há, no entanto, limites que têm a ver com os direitos da oposição:

- A ausência de uma maioria parlamentar a suportar um Governo ou o PM não ser o líder dessa maioria: a
existência de governos minoritários faz a AR funcionar de maneira diversa, tal como a circunstância de o PM
não controlar a maioria determina um funcionamento diferente do parlamento;

- Independentemente de o governo ser maioritário e o PM o líder da maioria parlamentar, existem matérias


cuja decisão da AR exige maiorias qualificadas: a maioria absoluta torna-se insuficiente para obter uma
decisão, deixando de ser permeável à instrumentalização pelo governo;

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- A oposição tem direitos potestativos, de unilateralmente definir a situação jurídica- por exemplo, pode criar
comissões de inquérito mesmo quando a maioria não quer; a distribuição da presidência das mesas das
comissões parlamentares não é apenas definida pela maioria, a composição das mesas reflete a composição
do parlamento

6. Princípio da complexidade da organização interna do parlamento- o parlamento não se expressa


apenas no seu plenário; tem várias estruturas orgânicas no seu interior, é por isso um órgão complexo-
desdobra-se em diversos outros órgãos.

a) Existem órgãos que praticam atos externos, imputáveis ao Estado, traduzindo o exercício das funções
típicas da AR conferidas pela Constituição ou pela lei;
b) Existem, por outro lado, órgãos que se limitam a praticar atos internos, esgotando os seus efeitos no
funcionamento intramuros da AR, num exercício de funções acessório ou instrumental, alicerçado
quase sempre em normas regimentais, face à atividade desenvolvida pelos órgãos com poderes para
a prática de atos externos.

O que o integra? O plenário, o presidente da AR, a mesa da assembleia, as comissões parlamentares e dentro
desta a comissão permanente, que substitui a AR quando há férias parlamentares ou quando a AR é dissolvida.

7. Princípio da permanência de funcionamento- o período normal de funcionamento da AR inicia-se a 15


de setembro e termina a 15 de julho- 174º/2: apenas dois meses, correspondendo às férias
parlamentares, a AR não funciona em Plenário, sem prejuízo de poderem funcionar as comissões-
174º/5. Mesmo durante as férias parlamentares, a AR pode todavia funcionar, verificando-se uma das
seguintes hipóteses:

- Existindo prorrogação do período normal de funcionamento, por deliberação do Plenário- 174º/3;

- Por convocatória da Comissão Permanente- 174º/3 e 179º/3 c);

- Em caso de grave emergência, até por iniciativa de mais de metade dos deputados- 174º/3;

- Ocorrendo convocação extraordinária pelo PR- 174º/4.

Nos períodos em que não há funcionamento da AR, existe sempre a presença da Comissão Permanente da
AR- 179º/1.

Esta permanência de funcionamento da AR confere reforçada importância às suas funções legislativas e de


fiscalização política: o parlamento exerce uma atividade de constante ou continuado acompanhamento e
controlo do executivo, tornando-se um órgão especialmente ativo na fiscalização política de governos
minoritários.

A própria dissolução da AR, além de não prejudicar a competência da sua Comissão Permanente, nunca
envolve a cessação imediata do mandato dos deputados do parlamento dissolvido, subsistindo esse mandato
até à primeira reuinão da AR após as subsequentes eleições- 172º/3.

8. Princípio da imunidade da sede parlamentar- a polícia e os militares só podem entrar no parlamento


a pedido do parlamento; há que preservar a liberdade e autonomia dos deputados.

Há também a proibição da presença de pessoas estranhas durante as reuniões do Plenário: quem não é
deputado, nem se encontra de serviço, não pode estar presente. Todo aquele que perturbar o funcionamento
da AR, sem ser seu membro, recorrendo a tumultos, desordens ou vozearias, comete crime.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Deputados

Eleição:

A eleição dos deputados é feita por sufrágio direto, secreto e universal e pressupõe que sejam apresentadas
candidaturas para o efeito. A qualquer momento, os candidatos podem desistir da respetiva candidatura.

Ninguém se pode apresentar isoladamente como candidato a deputado: o atigo 151º/1 cria um monopólio a
favor dos partidos políticos quanto à apresentação de candidaturas a deputados. No entanto, a Constituição
não impõe que todos os candidatos sejam militantes ou filiados em partidos políticos, deixa-se ao critério dos
partidos políticos a aceitação de candidatos independentes nas suas listas- 151º/1.

Só podem ser candidatos os cidadãos portugueses eleitores (150º); ninguém pode ser candidato em mais de
uma lista (151º/2); ninguém se pode apresentar como candidato em mais de um círculo eleitoral da mesma
natureza (151º/2); a lei eleitoral pode criar restrições à elegibilidade, por via de incompatibilidades ou de
exercício de certos cargos (150º).

Círculos Eleitorais:

Atualmente, continuam a existir apenas círculos eleitorais baseados no seguinte esquema:

i. Cada círculo eleitoral hoje existente nunca pode conter apenas a eleição de um só deputado: todos os
círculos eleitorais existentes são plurinominais, sem prejuízo de amanhã, se o legislador assim
entender, poder também criar círculos eleitorais uninominais;
ii. Existem círculos eleitorais no território nacional e fora deste: os primeiros correspondem à área
geográfica dos distritos no continente e ainda às RA, envolvendo a eleição de um total de 226
deputados; os segundos, possibilitando a representação parlamentar dos emigrantes portugueses a
residir no estrangeiro, dividem-se entre um círculo eleitoral da Europa e um fora desta, elegendo cada
um deles dois deputados;
iii. A determinação do número de deputados a eleger por casa círculo eleitoral existente no território
nacional, tendo hoje de ser sempre plurinominal, faz-se entendendo a uma relação de
proporcionalidade face ao número de eleitores nele inscritos- 149º/2;
iv. Essa relação de proporcionalidade não é aplicável em relação aos círculos eleitorais fora do território
nacional- 149º/2 a contrario.

Sistema Eleitoral:

A conversão do número de votos em mandatos faz-se à luz do sistema de representação proporcional- 113º/5-
, segundo o método da média mais alta de Hondt- 149º/1-, que envolve:

- Dividir o número total de votos obtidos por cada partido, sucessivamente, pelo número de lugares em causa;

- Ordenar-se depois os quocientes obtidos por ordem decrescente, isto até ao número de lugares em causa-
o último desses números é o “número repartidor” ou “divisor comum”;

- Assim, cada partido obtém tantos deputados quantas vezes o tal “divisor comum” couber no número de
votos que esse partido obteve.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Competência: os grupos parlamentares

Tendo o propósito de alcançar a máxima efetividade da sua ação parlamentar, verifica-se que os deputados
de uma mesma corrente política, ou nos dias de hoje eleitos por um mesmo partido ou coligação, se associam,
formando uma estrutura organizativa coordenadora da respetiva ação parlamentar- grupos parlamentares
(180º).

Natureza dos grupos parlamentares- são uma associação de direito público, mas sem personalidade jurídica
(os atos dos deputados são imputados juridicamente ao parlamento), apesar de terem poderes internos de
atuação parlamentar- opinião PO.

A Constituição confere aos grupos parlamentares quatro direitos:

▪ O direito potestativo de determinar a ordem do dia de um certo número de reuniões da AR- 176º/3;
▪ O direito a serem informados pelo governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse
público- 180º/2 j);
▪ O direito de cada grupo parlamentar dispor de um local de trabalho na sede da Assembleia- 180º/3;
▪ O direito de cada grupo parlamentar ter pessoal técnico e administrativo da sua confiança;
▪ A esses direitos resultantes da constituição há ainda a adicionar, por via de lei, o direito dos grupos
parlamentares a uma subvenção anual, a pagar do orçamento da AR;
▪ Mostra-se ainda possível extrair da constituição que os grupos parlamentares gozam de
irresponsabilidade pelos votos e opiniões que emitirem no exercício dos seus poderes constitucionais,
uma vez que são constituídos integralmente por deputados.

→ Composição Interna da AR:

A atual liderança do parlamento não resultou do partido mais votado nem de uma coligação existente à data
das eleições; resultou de um acordo de incidência parlamentar.

❖ Plenário- centro decisório mais importante do parlamento, local de confluência do exercício de todos
os poderes típicos da atividade parlamentar e fonte de onde dimanam todas as restantes estruturas
orgânicas. É o único órgão titular da competência das competências parlamentares.

O plenário tem sempre intervenção no procedimento legislativo referente a matérias integrantes da


competência da AR- nenhuma lei parlamentar pode ser aprovada sem intervenção do plenário; mesmo
quando o plenário decida que a votação na especialidade não se fará no plenário, remetendo-se o texto para
as comissões, este poderá sempre avocar a apreciação e a votação na especialidade- 168º/3.

Para além disto, exerce uma função testemunhal do compromisso de honra do PR na sua tomada de posse-
163º/a). Tem ainda competência reservada para aprovar convenções internacionais e proceder a todas as
eleições de titulares de cargos públicos previstas na Constituição ou na lei. Acresce-lhe também uma
competência residual de natureza política, pertencendo-lhe todos os poderes de orientação e fiscalização
política da AR.

❖ Presidente da AR- é eleito pelo plenário do parlamento, por maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções (175º/b)), exercendo um mandato cujo período em tempo corresponde à
legislatura.

É a segunda figura na hierarquia do Estado, pois preside ao órgão representativo de todos os cidadãos
portugueses e substitui o PR em situações de impedimento temporário ou na vagatura do cargo.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Exerce as seguintes principais funções:

- Dirige e coordena os trabalhos do parlamento – marca as reuniões plenárias e fixa a respetiva ordem do dia
(176º/1), preside às mesmas, declarando a sua abertura, suspensão, interrupção e encerramento, verifica a
existência de quorum em cada reunião, etc.;

- Preside à mesa da AR, à comissão permanente da AR (179º/1) e ainda a outras comissões previstas no
Regimento, integrando também o Conselho de Estado- 142º/a);

- Exerce funções específicas quanto aos deputados – como julgar as justificações de falta às reuniões
parlamentares, decidir os pedidos de suspensão temporária, etc.;

- Goza de legitimidade processual para solicitar ao TC a declaração de inconstitucionalidade com força


obrigatória geral de quaisquer normas ou a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas
previstas no artigo 281º/1 b), c) e d);

- Controla a conformidade constitucional dos projetos e propostas de lei apresentados na AR, devendo
proceder à sua rejeição, se infringirem a Constituição ou os princípios nela consignados;

- Representa externamente a AR;

- Exerce funções de direção dos serviços administrativos da AR- 181º.

❖ A mesa da Assembleia- órgão colegial que, coadjuvando o Presidente da AR no exercício das suas
funções, é composto por pelo Presidente da AR, por quatro vice-presidentes eleitos sob proposta dos
quatro maiores grupos parlamentares (175º/b)), por quatro secretários e por quatro vice-secretários.

Todos os membros têm um mandato correspondente à duração da legislatura, mantendo-se em funções até
ao início de nova legislatura.

Para além de coadjuvar o presidente da AR no exercício das suas funções de direção e coordenação dos
trabalhos parlamentares, a mesa também elabora regulamentos internos e interpreta e integra as lacunas do
Regimento e declara ainda a perda de mandato dos deputados.

❖ Comissões Parlamentares- órgãos de desconcentração ou descongestionamento das inúmeras tarefas


que, envolvendo especialidade e tecnicidade de análise e decisão, o plenário lhes confira, reservando
este a faculdade de avocar os casos que lhe interessem e o protagonismo nos grandes debates
políticos gerais. refletem a composição do parlamento. A presidência das comissões parlamentares
também é repartida e a sua existência é obrigatória- 178º/1.

Há dois tipos de comissões parlamentares:

- Comissões Parlamentares institucionalizadas- assumem uma natureza permanente, podendo organizar-se


em função da diversidade de matérias (por exemplo, Comissão dos Assuntos Constitucionais, Comissão de
Ética);

- Comissões Parlamentares ad hoc- criadas para situações concretas, para esclarecer determinados assuntos:

i. Comissões de Inquérito- investigam, examinam e apreciam factos referentes a matérias que, revestindo
interesse público, se integram na competência parlamentar de “vigiar pelo cumprimento da Constituição e
das leis e apreciar os atos do governo e da administração”- 162º/a);

ii. Comissões que se constituam para qualquer outro fim determinado.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Funcionamento do Parlamento

Com base em duas ideias:

1) Cada legislatura tem a duração de 4 anos;


2) Cada legislatura divide-se em 4 sessões legislativas (171º/1)- começam a 15/9 e terminam a 15/6
(174º/1 e 2).

Convém referir que o PR pode convocar extraordinariamente o parlamento para se ocupar de assuntos
específicos (174º/4) e pode ainda determinar uma antecipação do termo da legislatura, dissolvendo a AR
(172º).

Ordem do Dia:

A ordem do dia vem prevista no 176º e é fixada pelo Presidente da AR, segundo critérios materiais fixados
pelo Regimento da AR, sem prejuízo da possibilidade de recurso da decisão do Presidente para o plenário-
176º/1. A ordem do dia não pode ser preterida nem interrompida, salvo deliberação unânime do Plenário ou
ainda nos casos previstos no Regimento (como a falta de quorum), sem prejuízo da sequência das matérias
fixadas para cada reunião poder ser, por deliberação do plenário, alterada.

Votações:

As regras quanto às votações gerais estão previstas no artigo 116º

→ Competência- 161º a 165º e 175º:

a) Competência Normativa/Legislativa- compete-lhe aprovar normas, que podem ser leis de revisão
constitucional, leis ordinárias, convenções internacionais ou o seu próprio regimento
b) Competência Política- tem diversas manifestações:
- orientação política- através de alguns atos, como por exemplo, a apreciação do programa do
governo, a aprovação de resoluções; ou pode orientar em termos subjetivos, elegendo juízes;
- fiscalização política- do governo, da administração e até de um ato do PR (a declaração do estado de
sítio);
- de acompanhamento político- autoriza ou não a ausência do PR do território nacional ou acompanha
a integração de Portugal na UE
- certificação política- quando é perante a assembleia que o PR toma posse, ou tomar as contas do
Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar- 162º/d).
c) Competência Interna/Administrativa- tem poderes disciplinares sobre os deputados, sobre os grupos
parlamentares; tem poderes de contabilidade, de gestão.

b) Competência Política:

Desdobra-se num poder de orientar e fiscalizar. A fiscalização política pode incidir sobre a legalidade ou sobre
o mérito: o parlamento, ao fiscalizar, pode emitir um juízo “tu respeitaste a constituição, a legalidade”
(162º/a)), mas o parlamento pode ter um outro juízo que é saber se “o que decidiste foi o mais acertado, foi
na altura certa” que é um juízo de conveniência, de mérito (162º/c)). O mérito é um juízo que tem a ver com
a bondade do conteúdo da decisão ou a oportunidade do momento da decisão.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

A fiscalização tanto incide sobre atos do Governo (162º/a)), como sobre atos da administração pública
(162º/a)), como ainda sobre um único ato do PR, a declaração do estado de sítio ou de emergência deverá ser
objeto de apreciação parlamentar (162º/b).

Poderá a AR controlar atos da administração das RA? Em princípio, quem tem competência para esta
fiscalização é a assembleia legislativa da respetiva RA.

Há, contudo, uma exceção a isto: a AR pode controlar os DL do governo e pode controlar politicamento DL
regionais autorizados pela AR. Pode autorizar as RA a legislar, e assim, o diploma legislativo da RA pode ser
controlado pela AR (162º/c)).

Como fiscaliza? Com que meios?

- pode fazer perguntas ao governo- 156º/d);

- requerer ao governo ou a qualquer autoridade pública elementos, informações e publicações oficiais úteis
ao exercício das funções de fiscalização política- 156º/e);

- pode fazer interpelação ao governo- 180º/2 d);

- pode desencadear debates parlamentares com o governo ou com um ou vários ministros, estando em causa
“questões de interesse público atual e urgente”- 180º/2 c);

- pode criar inquéritos parlamentares- 156º/f) e 180º/2 f).

Quais os efeitos da fiscalização?

Pode acontecer que, ao fiscalizar, se aperceba que há atos inconstitucionais. Neste caso, os deputados podem
requerer ao TC a fiscalização ou podem recorrer ao MP, para que este desencadeie o respetivo procedimento
criminal;

Pode suceder que da fiscalização resulte a necessidade de desencadear uma moção de censura;

Ou pode acontecer que os deputados entendam que há um DL que deve cessar vigência- aqui abre-se o
mecanismo disposto no 169º;

Pode acontecer ainda algo paradoxal- quanto mais forte é o governo (maioria), mais débeis são os mecanismos
de fiscalização parlamentar, porque a maioria determina a decisão do parlamento. Por outro lado, quando o
governo é minoritário, o parlamento é mais forte na fiscalização, porque há sempre uma maioria que não
apoia o governo e que está disposta a fiscalizar o governo.

a) Competência Legislativa:

Resume-se em três hipóteses:

1- Reserva absoluta de competência legislativa da assembleia- O parlamento tem uma competência


legislativa exclusiva em determinadas matérias. Se o governo tentar legislar, há inconstitucionalidade
orgânica.

Artigos onde se encontram: 164º, 161º/b) d) e) f) g) h), 168º/6.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

2- Reserva relativa de competência da assembleia- porque são matérias relativamente às quais, em


princípio, só a AR pode legislar; mas a AR pode, por via de lei de autorização legislativa, permitir que
o governo também legisle- 165º.

Artigos onde se encontram: 165º, 227º/1 b), 161º/d) e e).

3- Há matérias que a constituição atribui em termos reservados ao Governo- 198º/2 – matérias da


exclusiva competência legislativa do Governo, que dizem respeito à organização e funcionamento do
Governo. Se a AR legislar aqui, incorre em inconstitucionalidade orgânica.

4- Há ainda, de forma discutível e na ótica do PO, uma competência legislativa reservada de Governo em
matéria de desenvolvimento de leis bases- 198º/1 c).

Tudo o restante é a competência concorrencial- área de matérias em que, tanto pode legislar a AR, como pode
legislar o Governo. Esta área de competência concorrencial fundamenta-se para a AR nos termos do art.
161º/c) e para o Governo fundamenta-se no art. 198º/1 a).

Como se relacionam estas matérias?

Com base no entendimento- como sabemos o que está na área concorrencial? Só podemos saber se
percorrermos todas as outras áreas e chegarmos à conclusão que não está lá. A área de competência
concorrencial é a regra no direito português. Esta solução tem origem na ditadura militar de 1926, em que
legislava o Governo.

Qual a fonte da reserva absoluta da AR? 164º, 161º/ b) d) e) f) g) h), 168º/6 e 293º.

Como se relacionam os atos produzidos pela AR e pelo Governo dentro da área concorrencial? A AR pratica
atos legislativos na forma de leis e o Governo na forma de DL. O artigo 212º/2 vem dizer que lei e DL têm
paridade hierárquico-jurídica e, por isso, a lei posterior revoga a lei anterior. Ou seja, DL posterior revoga lei
anterior, assim como lei posterior revoga DL anterior.

◊ Governo

Governo é um órgão autónomo de soberania:

a. Porque assim era caracterizado na constituição de 1933;


b. Porque assim era na tradição constitucional informal que vem do período da Ditadura Militar de
1926/33.

É caracterizado com base em 2 funções:

1. Órgão de condução da política geral (interna e externa) do país- 182º:


2. Órgão superior da administração pública- 182º. Tem poderes de intervenção sobre toda a
administração pública.

Apesar de autónomo, o Governo responde politicamente perante o parlamento- nenhum governo pode
permanecer no exercício de funções se, numa votação formal especificamente destinada a determinar o apoio
político parlamentar do executivo, tiver contra si a maioria expressa da AR- e também está dependente do PR

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

em dois momentos- quer quanto à nomeação do PM, quer quanto à possibilidade excecional que o PR tem de
demitir o Governo.

Condução Política do País- o Governo, ao conduzir a política, uma vez que nem sempre é o seu autor, tem de
ter em conta a intervenção do PR e da AR na definição da política geral do país.

Um dos instrumentos para esta função de definição da política geral do país é através do programa de governo.
Este é um compromisso que o governo assume perante o parlamento. É o que o governo promete fazer- é
uma autovinculação para todos os membros do governo; expressa e unifica a solidariedade institucional- 188º.

O programa do governo pode resultar de um compromisso eleitoral, de uma coligação ou de acordos de


incidência parlamentar pós-eleitorais (que corresponde a um compromisso de entendimento de forças
políticas)

O programa de governo é um ato político, mas que pode expressar efeitos jurídicos. Por exemplo, discute-se
se o PR pode ou não usar o veto político com base no argumento de que o...é contra o programa de governo.

Para além disto, não precisa de ser aprovado nem votado pelo parlamento, não pode é ser rejeitado por uma
maioria do parlamento; tem apenas de ser apresentado pelo governo ao parlamento; enquanto não o fizer, o
governo tem capacidade jurídica diminuída.

O programa de governo levanta alguns problemas:

1. Relevância da alteração das circunstâncias- o programa de governo admitirá alterações, aditamentos?


2. Quando há remodelações governamentais, aquele que vem substituir o anterior membro do governo,
estará vinculado ao programa do qual não fez parte? Sim- princípio da solidariedade.

A condução da política geral do país pelo Governo integra então:

o Elaborar o programa de governo, enquanto documento que contém a definição das grandes linhas
políticas da futura ação governamental e os principais meios da sua concretização;
o Proceder à implementação do programa de Governo, adotando medidas políticas, legislativas e
administrativas ou, em termos alternativos ou cumulativos, propondo aos órgãos competentes a
sua adoção, assumindo aqui especial relevo a iniciativa legislativa reservada do governo em matéria
de proposta do Orçamento de Estado;
o Negociar e ajustar convenções internacionais, assim como aprovar as que são da sua competência
e submeter à aprovação da AR as demais;
o Exercer os restantes poderes de intervenção política conferidos pela Constituição;
o Conduzir a execução das políticas setoriais definidas pela AR e pela UE, assim como de aspetos
pontuais resultantes de um poder de orientação política emergente de compromissos impostos
pelo PR ou da sua “magistratura de influência”.

Para além disto, o Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, tem três tipos de competência
administrativa:

1. É guardião administrativo do modelo constitucional de Estado de Direito democrático;


2. É órgão superior de planeamento económico e execução orçamental- 199º/a) e b);
3. É órgão superior titular de uma competência administrativa interna respeitante à organização e
funcionamento internos da Administração Pública- 199º/d) e e).

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Princípios que regem o Governo:

i. Princípio da Complexidade Organizativa e Funcional Interna- complexidade na organização e no


funcionamento interno do governo. O governo é um órgão, mas constituído por outros órgãos- tanto
pode deliberar através de cada um dos seus membros, como através de um exercício colegial (conselho
de ministros).

A regra é a de que no silêncio da lei, a competência atribuída ao governo é a de exercício individual, o exercício
deve ser feito pelo ministro competente em razão da matéria, sendo a intervenção colegial (pelo conselho de
ministros) reservada para os casos expressamente previstos na Constituição ou na lei- 200º/1.

Esta complexidade decorre, portanto, do facto de

a) O governo ser um órgão constituído por diversos órgãos.


b) De os membros do governo terem um estatuto de igualdade e, simultaneamente, hierarquizado- em
termos jurídicos, os membros do Governo, enquanto titulares de um órgão de soberania, encontram-
se sujeitos ao princípio da equiordenação dos órgãos de soberania. Em termos políticos, porém, existe
uma clara hierarquia entre os membros do governo, a começar na supremacia política do PM, tal como
dos ministros diante dos secretários de estado.
c) De as fontes reguladoras da sua organização e funcionamento serem múltiplas.

ii. Princípio da Unidade Política Intragovernamental- o que reforça a unidade é o programa de governo.
Esta unidade é dada pela circunstância de o conselho de ministros não deliberar pelo princípio da
maioria, mas sim pelo consenso- o consenso substitui a votação, a unanimidade (convicta ou forçada)
substitui a maioria. O conselho de ministros obedece, em regra, à linha política definida pelo PM.

O Governo, ao contrário da AR, encontra-se fundado num princípio de unidade política interna, que encontra
a sua explicação em três fatores:

 O governo é formado tendo por base uma convergência política entre os seus membros;
 A existência de um programa de governo que traça as principais orientações políticas e medidas a
adotar pelo governo (188º) consubstancia um vínculo de unidade política, de convergência entre os
membros do governo, alicerçando o princípio da solidariedade governamental (189º);
 A PM possui uma competência que lhe permite imprimir unidade política ao funcionamento interno
do Governo, pois dirige a política geral do Governo.

iii. Princípio da Solidariedade- 189º- a solidariedade é em relação ao programa, às deliberações em CM.


Implica:
 Sintonia política de todos os membros do governo entre si, incluindo de todos com o PM;
 Concordância política no essencial; não proceder a uma apreciação pública do perfil ou caráter dos
colegas de governo, das suas opiniões ou decisões; adesão a uma responsabilidade política baseada
no postulado “um por todos e todos por um”;
 Abstenção dos membros do governo de criticar em público os seus colegas, discordar ou maldizer em
público propostas ou soluções já aprovadas pelo governo;
 Que a responsabilidade política do governo perante a AR se faça em termos colegiais ou coletivos,
funcionando o governo como um todo e não individualmente face a cada ministro.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

iv. Princípio da Tripla Responsabilidade Política Imperfeita do Governo- o governo é politicamente


responsável:

- Perante a AR;
- Enquanto chefe de governo, perante o PR;
- Perante a opinião pública mediante os meios de comunicação social- responsabilidade política difusa.

Caráter imperfeito porque:

- No respeitante à responsabilidade política parlamentar do governo, verifica-se que assenta num


paradoxo- em cenários de governo maioritário, o controlo político da AR sobre a atividade do executivo,
precisamente quando mais necessário seria, é uma verdadeira ficção- a maioria impõe sempre o sentido
decisório das votações no plenário ou em comissão.

- No que respeita à responsabilidade institucional do PM perante o PR, a quebra ou a falta de confiança


política deste naquele nunca permite que o PR possa demitir o PM.

- Já a responsabilidade política difusa só pode ganhar operatividade no momento das eleições, tornando-
se insuscetível até lá, salvo em casos execionais, de determinar a demissão do Governo.

v. Princípio da Residualidade da Competência- o artigo 199º/g) atribui ao governo uma competência


residual nestes termos: tem competência administrativa para tomar todas as providências relativas ao
desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas.

→ Composição e Formação do Governo

Vem estabelecida no art. 183º:

❖ Primeiro Ministro;
❖ Vice ou Vices Primeiros Ministros;
❖ Ministros;
❖ Secretários de Estado;
❖ Subsecretários de Estado.

Existem órgãos que integram o governo cuja integração é obrigatória (PM e ministros) e cuja integração é
eventual ou acessória (vice(s) primeiro(s) ministro(s), secretários de estado e subsecretários de estado).

→ Primeiro Ministro

O PM é nomeado pelo PR, que tem de ter em consideração os resultados eleitorais e os partidos políticos com
representação parlamentar.

A margem de discricionariedade do PR na escolha do PM é variável em função da existência ou não de uma


maioria parlamentar ou de um acordo de incidência parlamentar: quando existe uma maioria ou um acordo,
o PR não tem grande margem- visto que não pode dissolver a AR nos seis meses posteriores à eleição desta
(172º/1)-, a não ser homolgar o nome que lhe é proposto pelo partido ou coligação de partidos maioritários.

Quando não há uma maioria, o PR assume uma maior discricionariedade na escolha do PM.

Convém referir que o PR não está obrigado a nomear como PM o líder do partido mais votado, ainda que a
história constitucional portuguesa o diga. O PR não está ainda proibido de nomear para PM alguém fora dos

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

partidos, do quadro parlamentar, ainda que tenha de passar por apresentar o programa ao parlamento-
governo de iniciativa presidencial.

Criou-se, ao longo da vigência da Constituição de 1976, um costume constitucional no sentido de, antes de o
PR proceder à nomeação oficial de um nome como PM, existir a figura do “Primeiro Ministro indigitado”-
individualidade que foi convidada pelo PR para formar governo, mas ainda não tomou posse. É uma figura
transitória que pode ter três propósitos:

1- Quando não há maioria, este vai em busca de uma solução governativa que disponha de maioria
parlamentar, procedendo a diligências junto dos partidos com representação parlamentar,
verificando-se que no final as seguintes soluções são possíveis:

- Consegue-se formar uma coligação maioritária (pós eleitoral) ou, pelo menos, um acordo de incidência
parlamentar que permita existir uma maioria parlamentar;

- Não se consegue nada disso, inexistindo qualquer maioria parlamentar disposta a apoiar expressamente um
novo executivo, podendo aqui o PM indigitado adotar uma de duas posturas: ou recusa formar governo,
devolvendo ao PR a decisão sobre uma nova indigitação; ou aceita avançar, apesar de todos os riscos, com a
formação de um elenco governativo e apresentar um programa de governo à AR.

2- Formar governo, recrutando um elenco de individualidades que aceitem integrar um governo por si
chefiado, apresentando os nomes à consideração do PR-
3- Começar a definir os traços essenciais das orientações políticas e das medidas a adotar ou a propor
adotar pelo governo, isto é, elabora o programa de governo a apresentar à AR.

Funções:

a) Funções de gestação do Governo- compete ao PM apresentar as propostas de nomes dos restantes


membros do governo junto do PR- 187º/2. Nem o PR pode nomear quem não tenha sido proposto,
nem o PM pode obter a nomeação dos membros do seu governo se o PR não concordar com o nome
apresentado- poderes cruzados.
b) Funções de direção política do Governo- compete ao PM impulsionar, promover, predeterminar ou
definir a política geral do governo, garantido a sua execução por todos os ministros.
c) Funções de chefia administrativa- o PM dirige também o funcionamento do governo no exercício da
função administrativa (coordenando e orientando os ministros no âmbito da respetiva atividade
administrativa. 201º/1 b)) e pode também administrar e gerir os serviços administrativos integrados
na Presidência do Conselho, tal como pode chamar a si a gestão de determinados “dossiers”
administrativos- 198º/2.
d) Funções de representação governamental- como informar o PR sobre os assuntos respeitanntes à
condução governamental da política interna e externa do país (201º/1 c)), referendar, em nome do
governo como órgão colegial, os atos do PR previstos no 140º/1, etc.
e) Funções de natureza protocolar e de controlo- como exercer controlo sobre os atos do PR sujeitos a
referenda ministerial (140º/1) e a legitimidade processual ativa para, junto do TC, solicitar alguns tipos
de controlo (como a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos decretos enviados ao PR oara
serem promulgados como leis orgânicas).

Como se processa o termo ou suspensão de funções?

▪ Termo- Todas as situações que impliquem a demissão do governo envolvem o correlativo termo de
funções do PM- 195º. O efetivo termo de funções do PM coincide com a tomada de posse do novo
PM.

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▪ Suspensão- Se estiver em causa um procedimento criminal movido contra o PM, tendo ele sido
acusado definitivamente, a Constituição determina que seja sempre necessária a intervenção da AR
para decidir a sua suspensão- 196º/2.

→ Ministros

Os ministros do governo são nomeados pelo PR sob proposta do PM, pelo que têm uma dupla legitimidade
política- visto que a Constituição exige que a nomeação de cada ministro assente num acordo entre quem
propõe o nome e quem aceita proceder à sua nomeação, logo, beneficiam da legitimidade destes dois.

Competência:

o De execução- implementar a política definida para os respetivos ministérios- 201º/2 a).


o De coordenação e orientação- coordenar e orientar a ação dos respetivos secretários e subsecretários
de Estado.
o De representação- assegurar as relações de caráter geral entre o governo e os restantes órgãos do
Estado- 201º/2 b).
o De participação- integram o Conselho de Ministros (184º/1), competindo-lhes participar na formação
da vontade colegial do governo que sob a propulsão e condução do PM define as linhas gerais da
política governamental- 200º/1 a).
o De substituição do PM- nas ausências ou impedimentos do PM- 185º/1.

Os ministros encontram-se sujeitos a uma dupla responsabilidade política- 191º/2: são responsáveis perante
o PM, devendo prestar contas de toda a atividade desenvolvida no âmbitos dos diferentes tipos de
competência e são ainda responsáveis politicamente perante a AR, no contexto da responsabilidade coletiva
do governo decorrente do princípio da solidariedade.

Outros membros do governo são os vice-PM que existirem, os secretários de estado e os subsecretários de
Estado.

Funcionamento do Governo

186º- depende da tomada de posse desse governo. A tomada de posse de um governo corresponde ao
momento de cessação de funções do anterior governo. A ideia é a de que não haja um intervalo de tempo
sem governo- princípio da continuidade de serviços.

186º/5- o governo, até à apresentação e discussão do programa de governo ao parlamento, é um governo


com capacidade jurídica diminuída. O governo limita-se, até à apresentação, à prática dos atos estritamente
necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos- Governo de Gestão.

Todos os governos são, durante a sua vida, pelo menos duas vezes governos de gestão- entre a tomada de
posse e a apreciação do seu programa e após a sua demissão até à tomada de posse do próximo governo.

Também é governo de gestão quando o programa de governo não passa da assembleia.

→ Modalidades de Funcionamento

a) O governo pode funcionar através de cada um dos seus membros, agindo em termos individuais;
b) O governo pode também funcionar em termos colegiais, envolvendo a intervenção do Conselho de
Ministros.

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Cessação de funções:

Por 4 ordens de razão- 195º:

1- Por intervenção da AR- esta pode:


i. Aprovar uma moção de rejeição do programa de governo- por maioria absoluta dos deputados
em efetividade de funções;
ii. Aprovar uma moção de censura- por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções,
apresentada por ¼ dos deputados em efetividade de funções ou por qualquer grupo parlamentar;
iii. Rejeitar uma moção de confiança.

O que difere a moção de censura da de confiança? A de confiança é desencadeada pelo governo; a de censura
é desencadeada pelo parlamento. Funcionam ao contrário- a de censura só determina a queda do governo se
for aprovada; na confiança, o governo é demitido se for aprovada.

2- Ato voluntário do PM- por razões de natureza política (como evitar a aprovação de uma moção de
censura), de natureza pessoal (como grave doença) ou de cortesia institucional (como a eleição de
novo PR). Atente-se que pedido de demissão do PM carece de aceitação do PR.
3- Por intervenção do PR- a constituição limita no art. 195º/2 quando isso seja necessário para impedir
a continuação de uma atuação do governo que ponha em causa o regular funcionamento das
instituições democráticas. Este é um conceito vago e indeterminado, pois o único agente que pode
apreciar este caso é o PR. Há, nesta matéria, duas interpretações:

- para uns, é uma medida que se clarifica como uma mentira piedosa, pois a competência hoje conferida ao
PR para demitir um governo não tem efeito prático- ou o governo é minoritário (e neste caso, a AR tratará de
o demitir através da aprovação de uma moção de censura) ou o governo é maioritário e essa maioria pode
continuar a impôr ao PR aquele nome para PM, o que significa que o PR só pode dissolver o parlamento.

- para outros, não é uma mentira piedosa- o PR é o único juíz que pode aferir se o governo pôs ou não em
causa o regular funcionamento das instituições democráticas.

4- Causas objetivas ou involuntárias- por exemplo, início de nova legislatura, morte do PM, casos de
impossibilidade física duradoura do PM, condenação definitiva do PM , etc.

Suspensão de Funções do Governo

Não é possível a suspensão colegial de todo o governo.

É, sim, possível a suspensão individual- em casos de autosuspensão (deliberada ou intencional postura dos
membros do governo em recusarem exercer os poderes conferidos pela ordem jurídica) ou em casos de
intervenção de um terceiro órgão (como a AR aprovar uma moção de suspensão do governo).

A suspensão indivual pode ainda ter por base um impedimento ou a efetivação da responsabilidade criminal.

Competência:

- política- 197º- poderes de decisão política, de iniciativa ou propulsão política, de controlo político e poderes
instrumentais de informação política.

- legislativa- 198º- exclusiva (198º/2), concorrencial (198º/1 a)), autorizada (198º/1 b)) e complementar
(198º/1 c)).

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- administrativa- 199º- de planeamento económico e execução orçamental (199º/ a) e b)), de execução das
leis (199º/c)), de implementação da unidade intra-administrativa (199º/d)), de gestão do pessoal da
administração pública (199º/e)), de defesa da legalidade (199º/f)) e competência residual (199º/g)).

Estatutos especiais do governo:

a. Governos de Gestão (186º/5):

- Governos de Gestão sem programa apreciado- período que vai da tomada de posse até à apreciação
parlamentar do respetivo programa; têm o seu mandato sujeito a condição suspensiva;

- Governos Demitidos- têm sempre a sua permanência em funções dependente de um ato do PR


consubstanciado na exoneração dos seus membros e na posse do novo PM e respetivo governo; são governos
com mandato sujeito a termo final incerto.

b. Governos Demissionários- aquele em que o governo, através do seu PM, manifesta publicamente a
intenção de vir a demitir-se ou até mesmo apresenta a sua demissão ao PR, mas é necessário que este
aceite a demissão. Até o PR aceitar a demissão, o governo é demissionário.
c. Governo com AR dissolvida- o governo com a AR dissolvida não é um governo demitido. É um governo
com poderes inferiores ao governo em plenitude de funções, mas é um governo com mais poderes
que o governo de gestão- é uma figura híbrida.

◊ Tribunais

Todos os tribunais são órgãos de soberania, não só o TC.

Têm como função administrar a justiça em nome do povo por decisão constitucional (202º), o que significa:

- defender os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos- tribunais como principais guardiões
dos direitos fundamentais e, por isso, do Estado de direitos humanos;

- reprimir a violação da legalidade democrática- tribunais como principais guardiões do princípio da


juridicidade e, deste modo, do Estado de Direito material;

- resolver litígios de interesses públicos e privados- é uma competência exclusiva dos tribunais, resolvem
litígios de forma imparcial, garantindo o Estado de Direito democrático..

Os tribunais visam sempre alcançar a paz jurídica, através de decisões potencialmente irreversíveis, ou seja,
que transitam em julgado.

É errado afirmar que aos tribunais se encontra confiado única e exclusivamente o exercício da função
jurisdicional- podem ter outros tipos de competência:

✓ Administrativa- respeitante à gestão e organização dos seus serviços internos administrativos, aos
processos de jurisdição voluntária ou no que se refere à certificação de puros factos, à realização de
auditorias ou até a emissão de pareceres;
✓ Participação dos tribunais na função política- ajuizando da constitucionalidade das leis, ou seja, a
constituição por vezes utiliza conceitos indeterminados e é o juíz (tribunais) que é chamado a
concretizar esses conceitos- função complementar, aplicativa, integrativa destes conceitos
indeterminados. Outro exemplo é a fiscalização preventiva da constitucionalidade, onde o TC tem uma

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palavra e muitas vezes protagonismo político. Outra manifestação é o TC português que tem poderes
para extinguir organizações que perfilhem ideologia fascista.

Os tribunais têm o papel de representantes da coletividade e pode afirmar-se atualmente que o juíz não é
escravo da lei (como pensava Montesquieu ao dizer que “os juízes são a boca que pronuncia as palavras da
lei, seres inanimados que não lhe podem moderar a força nem o rigor”), pois tem sempre de analisar e
fiscalizar a sua conformidade face à Constituição, verificando-se, por outro lado, que os tribunais têm nas
modernas sociedades um papel metodologicamente ativo.

→ Categorias de tribunais:

i. Tribunais internos e tribunais internacionais (ou externos)- Portugal reconhece a jurisdição de


tribunais internacionais, como o Tribunal Internacional de Justiça e reconhece ainda a faculdade
de tribunais estrangeiros resolverem litígios envolvendo relações “atravessados por fronteiras” e
cujas decisões sejam passíveis de, verificadas certas circunstâncias, produzirem efeitos em
Portugal.
ii. Tribunais arbitrais- mecanismo alternativo ao tribunal para a aproximação das partes num sentido
de resolver os litígios. Estes tribunais permitem às partes protagonismo na nomeação dos juízes,
na definição das matérias a decidir e nas regras a observar, mostrando que a Constituição recusa
a vigência de um princípio do monopólio estadual da função jurisdicional.

Tribunais Internos- 209º:

a) Tribunais do Estado e Tribunais arbirtrais- os arbitrais são uma forma de exercício privado da função
jurisdicional. Todavia, estes existem por previsão constitucional.
b) Trbunais de existência obrigatória e de existência facultativa- Obrigatórios:

Ordinários- estruturas permanentes:

- TC;

- STJ e tribunais judiciais de 1ª e 2ª instância;

- STA e restantes tribunais administrativos;

- Tribunal de Contas.

Especiais- apenas existentes em casos ou situações anormais; por exemplo: tribunais militares em cenário de
vigência de estado de guerra.

Facultativos- a Constituição remete para a liberdade conformadora do legislador a sua instituição em concreto,
como por exemplo os tribunais marítimos ou os julgados de paz.

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Regime dos Tribunais:

4 princípios estruturantes do Estado de Direito:

1. Princípio da Independência- 203º- duplo sentido: em relação ao PR e ainda cada tribunal é senhor do
seu juízo (em Portugal não vigora formalmente um sistema de precedente judicial). Não há Estado de
Direito sem este princípio.

2. Princípio da Obrigatoriedade das Decisões dos Tribunais- 205º/2- há dever de obediência, de agir em
conformidade, não violar ou contrariar e ainda de garantir a sua implementação; respeito das decisões
dos tribunais, sob pena de crime de desobediência. Estas decisões vinculam os destinatários, sejam
estes particulares ou entidades públicas, visto que são atos de autoridade soberana do Estado que
vinculam tudo e todos em Portugal.

3. Princípio da Prevalência das Decisões Judiciais- 205º/2. Se há um conflito entre uma decisão judicial e
uma lei, deve aplicar-se a lei judicial, sempre. Se há um conflito entre uma decisão judicial e uma
norma de revisão constitucional, também deve aplicar-se a decisão. Há um primado das decisões
judiciais sobre todas as outras autoridades. Há aqui um limite ao princípio da equiordenação dos
órgãos constitucionais.

4. Princípio do Controlo da Validade do Fundamento Normativo das Decisões- 203º, 204º e 280º/2. Os
tribunais têm o poder e o dever de recusar a aplicação de normas que sejam inválidas. Cada tribunal
tem sempre de controlar se a lei ou norma que vai aplicar é válida ou inválida. Por outras palavras, os
tribunais não podem aplicar normas inválidas, gozando para o efeito de uma competência genérica
que os habilita a controlar a respetiva validade e, caso verifiquem que as mesmas são inconstitucionais
ou ilegais, devem recusar a sua aplicação.

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Sistema de Governo instituído pela Constituição de 1976

✓ Princípio do pluralismo orgânico-funcional- todo o sistema de governo gira em torno de um equilíbrio


de soluções constitucionais envolvendo um triângulo político formado pelo governo-PR-AR.

A maioria da doutrina portuguesa interpreta o equilíbrio de poderes estabelecido na Constituição entre o PR,
a AR e o governo como traduzindo a vigência de um sistema de governo semipresidencialista.

Contudo, o Prof. PO entende que o semipresidencialismo como sistema de governo autónomo, enquanto
realidade apreensível por um conceito passível de agrupar um conjunto de experiências de sistemas de
governo, não existe, nem se mostra cientificamente correto integrar no mesmo tipo de sistema de governo a
V República Francesa e o sistema emergente da Constituição portuguesa de 1976. Uma das diferenças entre
os dois é, por exemplo, a centralidade do PR: em França, este assume o eixo central da vida política, assumindo
o PM e o parlamento um papel secundário; em Portugal, o eixo da vida política é o governo.

Portanto, o sistema de governo português não é semipresidencial porque (PO):

1- Não tem nada a ver com a V República Francesa;


2- Não há semipresidencialismo porque não há nenhuma dessas características- por exemplo, o PR goza
de poucos poderes de exercício livre, os últimos anos têm vindo a acentuar a preponderância
institucional do PM.

Para o Prof. PO, o sistema vigente é um parlamentarismo racionalizado:

a) Uma vez que o governo é responsável politicamente perante a AR, sendo o PM nomeado tendo em
conta os resultados eleitorais, nunca podendo o governo sobreviver se tiver contra si a maioria
expressa do parlamento, nem assumir a plenitude dos seus poderes se existir uma maioria
parlamentar a rejeitar o seu programa, pode dizer-se que o sistema de governo reúne todos os
requisitos para se qualificar como sendo parlamentar;
b) Verifica-se, simultaneamente, que o governo é um órgão autónomo do PR, traduzindo a ideia de que
estamos diante do governo do PM e não do governo do PR, competindo àquele (e não a este) a
definição, a condução, a direção e a execução da política geral do governo e do país, registando-se
que a grande maioria dos poderes do PR são partilhados com o PM, sendo o poder moderador daquele
excecional, incluindo a competência para dissolver a AR, tudo apontando, por conseguinte, para que
o sistema não se possa qualificar de presidencial.

O parlamentarismo racionalizado, colocando “travões” a uma possível ligeireza ou leviandade do parlamento


na efetivação da responsabilidade política do governo, dificulta a demissão parlamentar do executivo,
garantindo a estabilidade política: os mecanismos de racionalização acabam por proporcionar, numa segunda
linha, um reforço da posição política do governo perante o parlamento.

✓ Princípio da permeabilidade factual- o sistema de governo não se pode determinar apenas através da
leitura do texto escrito da Constituição, pois comporta em si também uma dimensão ou componente
extrajurídica (principalmente, o sistema partidário e a prática institucional) que, assumindo-se como
realidade informal, pode ganhar relevância jurídica, juridificando-se no contexto da Constituição “não
oficial”.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Há, ao lado da constituição oficial, uma constituição não oficial, que convoca dois elementos extrajurídicos: o
sistema partidário- há ou não maioria política no parlamento? E é de um só partido ou de dois ou mais
partidos? E é pré-eleitoral ou pós? - e a prática institucional.

✓ Princípio da flexibilidade do equilíbrio orgânico-funcional- a conjugação entre a normatividade


“oficial” e a normatividade “não oficial” respeitante ao sistema de governo mostram a adaptabilidade
ou plasticidade do modelo traçado e vivido em cada momento histórico.

A prática política permite colocar três questões:

1- O PR está em sintonia com a maioria parlamentar?


2- Quem é o líder da maioria parlamentar? O PM ou o PR?
3- Quem preside ao conselho de ministros? O PM ou o PR?
4- Como é que o PR exerce o seu poder de enviar mensagens à AR?

A flexibilidade do sistema político português leva a que o parlamentarismo racionalizado tenda a tornar-se
num parlamentarismo do PM.

Nada impede que haja novas funcionalidades do sistema do governo, porque este é aberto. Exemplo: maior
relevância do PR.

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Outros Órgãos Constitucionais da República

❖ Órgãos constitucionais da república que têm ambito nacional:

a. Conselho de Estado (surge em 1982)- 141º a 146º. É o órgão consultivo do PR, mas pode ser utilizado
para propósitos que vão apara além do aconselhamento do PR. O Conselho de Estado tem
potencialidades constitucionais que, desenvolvidas informalmente e sem conteúdo decisório formal,
podem fazer dele bem mais do que um simples órgão passivo de consulta do PR: pode ser a sede para
compromissos institucionais, porque nele estão representadas as individualidades que maior
protagonismo têm ou tiveram; também como forma de resolução de conflitos institucionais e pode
também ser um centro de sensibilização dos protagonistas políticos para problemas que existem na
sociedade portuguesa.

b. Conselho Superior de Defesa Nacional- 274º. É o órgão consultivo do PR em matérias de defesa.


Poderá ainda, se a lei para o efeito permitir, exercer funções deliberativas em matéria administrativa
(nos mesmos domínios) em tempos de paz ou em estado de guerra.

c. Provedor de Justiça- 23º. É o órgão relativamente ao qual todos nós podemos apresentar queixas
sobre condutas por ação ou por omissão dos poderes públicos. O provedor de justiça não tem poder
de decisão, tem apenas duas faculdades: apreciando o pedido, caso entenda que a queixa que lhe foi
apresentada tem fundamento, pode recomendar uma solução ao órgão competente (que não fica
vinculado a essa recomendação, apenas tem de a ler e justificar o porquê de não seguir a
recomendação, se for o caso); e pode desencadear a fiscalização sucessiva da constitucionalidade
junto do TC (ponte entre os cidadãos e o TC).

d. Conselho Superior de Magistratura- 217º e 218º. É um órgão constitucional autónomo que, visando
conferir eficácia aos princípios da independência dos tribunais e da inamovibilidade dos juízes, tem
competência para a nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes e para o exercício da
ação disciplinar sobre os juízes.

e. Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais- 217º/2. Tem poderes idênticos ao anterior,
mas sobre os tribunais administrativos e fiscais.

f. Procuradoria Geral da República- 220º. É composta pelo procurador geral da república e pelo conselho
superior do ministério público. É o órgão de topo do ministério público prevista no artigo 219º.

g. Conselho Económico e Social- 92º. É órgão de consulta e concertação no domínio das políticas
económica e social e é ainda órgão de participação na elaboração das propostas das grandes opções
e dos planos de desenvolvimento económico e social.

h. Autoridades Administrativas Independentes- no caso português, estão previstas duas: uma para a
proteção de dados pessoais (35º/2) e outra para a comunicação social (39º).

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

❖ Órgãos da República que têm âmbito local:

a) Representante da República para as RA- 230º. É um órgão político do Estado e tem uma dupla
representação na RA: representa a república na RA e também o PR. Tem um estatuto de grande
proximidade com o PR porque:
- É nomeado pelo PR e depende exclusivamente da confiança política deste. Quando termina o
mandato da PR, termina o mandato do representante da república, salvo se o PR antecipar o
mandato.

Poderes:

- 231º/3 e 4- o representante da república para as RA tem na prática os mesmos poderes que o PR quanto à
nomeação do respetivo governo.

- Assinatura e veto dos diplomas regionais- 233º. Quais são os diplomas regionais? DL regional e decreto
regulamentar regional.

O representante da república não promulga (o PR é que o faz), apenas assina.

→ Quanto aos DL regionais, só é competente para emanar estes decretos a assembleia legislativa
regional, que envia para o Representante da República o decreto para assinar. O RR pode:
1. Assinar, ficando o decreto perfeito.
2. Ter discordância política- veto político (suspensivo). Comunica a assembleia legislativa as razões da
sua discordância política. Neste caso, a AL pode (233º):

- Alterar o diploma de acordo com as sugestões do RR;

- Confirmar por maioria absoluta- o RR fica vinculado a assinar;

- Nada fazer- prevalece o veto.

3. Ter dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma- pede ao TC que aprecie em sede de fiscalização
preventiva da constitucionalidade (278º/2). O TC só pode:

- Dizer que o diploma não é inconstitucional- volta para o RR que, ou assina, ou veta políticamente;

- Pronunciar-se pela inconstitucionalidade- o RR fica obrigado a vetar juridicamente. Neste caso, a AL só pode:

~ Alterar o diploma em conformidade com o TC, se este for alterável;

~ Nada fazer.

~ O que a AL não pode é confirmar o diploma por maioria de 2/3 ou por unanimidade e envia-lo para o RR,
pois este não pode escolher entre a decisão de um órgão de soberania (TC) e um órgão que não é de soberania
(AL).

→ Se é um decreto regulamentar regional:


1. Não há fiscalização preventiva de normas regulamentares;
2. Se o diploma é proveniente do governo regional, o veto político é sempre absoluto. Se é proveniente
da AL, o veto político é sempre suspensivo.
3. O veto do RR sobre decretos regulamentares provenientes do governo regional é absoluto, no entanto
o governo regional pode converter o decreto em proposta a apresentar à AL da RA aguardando que,
mais tarde ou mais cedo, se o governo tiver maioria parlamentar, o RR seja obrigado a assiná-lo. Tal

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não sucede, todavia, se o decreto regulamentar regional respeitar à organização e funcionamento do


próprio governo regional (231º/6).

b) Presidente da AL da RA- pode substituir o RR em casos de vagatura do cargo, ausência ou


impedimentos temporários. Quando isto acontece, é um órgão do Estado/República.

c) Governo Regional- também pode ser um órgão da república sempre que nos termos do artigo
229º/4 exerce competências delegadas pelo governo da república.

d) Governador Civil- 291º/3- tem como função representar o governo e exercer os poderes de tutela
na área do distrito. A figura do governador civil é transitória, subsistindo enquanto existirem os
distritos, isto é, até ao momento em que forem concretamente instituídas as regiões
administrativas.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Estruturas Políticas Infra-estaduais

◊ Regiões Autónomas

Estamos perante um fenómeno de descentralização político-administrativa. As RA são dotadas de


competência legislativa nas matérias de interesse para a região. Têm também um poder executivo próprio e
uma ampla autonomia financeira e administrativa.

A génese das RA (1976) está na Constituição de 1933, mais concretamente na revisão constitucional de 1971
de Marcello Caetano.

→ Fundamento da Autonomia- 225º

Resulta de circunstancialismos geográficos e de características próprias das populações insulares;

Decorre das designadas “históricas aspirações autonomistas das populações insulares” das respetivas
populações;

O entendimento do 25 de abril de 1974 como sendo também uma “revolução regional”, pois a
descentralização e a autonomia regional surgem configuradas como “peças essenciais da vida democrática de
uma nação livre”;

Fundamenta-se numa exigência democrática de “respeito por todas as minorias, incluindo as minorias
regionais”.

Princípios justificativos da descentralização político-administrativa:

❖ Princípio da subsidariedade- reserva para o Estado tudo aquilo que não possa ou não deva ser feito
com a mesma eficiência pelas RA e vice-versa.
❖ Princípio democrático- nega ao Estado o papel de única entidade pública ou de detentor do monopólio
administrativo, justificando antes a repartição do exercício das funções política e legislativa entre o
Estado e os entes menores, surgindo as RA como protagonistas da manifestação mais importante do
pluralismo de Administrações Públicas. Pressupõe uma maior legitimidade entre quem decide e os
destinatários das decisões.
❖ Princípio da unidade do Estado- é a unidade no pluralismo- 6º- e nesse sentido o princípio autonómico
complementa a constituição.

→ Objetivos da Autonomia Regional- 225º/2

- Reforço da participação democrática dos cidadãos;

- Desenvolvimento económico e social das populações, sem embargo deste objetivo ter de ser articulado com
a tarefa fundamental do Estado de promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional;

- Defesa e promoção dos interesses regionais, das RA;

- Reforço da unidade na diversidade/pluralismo- não há autonomia regional juridicamente relevante se,


atentando contra a Constituição, colocar em causa a unidade nacional;

- Reforço dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

→ Limites da Autonomia- 225º/3:

1. A Constituição- a autonomia exerce-se dentro do quadro da constituição; nunca pode ser exercida no
sentido de colocar em causa as soluções materiais e as exigências procedimentais impostas pela
normatividade constitucional.
2. A natureza unitária do Estado- a existência de interesses decorrentes da unidade do Estado, da
integridade da sua soberania e do reforço dos laços de solidariedade entre todos os portugueses
habilitam a titularidade de poderes decisórios a favor do Estado.
3. A reserva de competência dos órgães de soberania- a autonomia nunca pode lesar as normas
constitucionais definidoras de reserva de competência a favor dos órgãos de soberania.
4. O interesse nacional- alicerça o princípio da prevalência do direito do Estado- em caso de conflito
entre a RA e o direito do Estado, a regra é a prevalência do direito do Estado porque este é
protagonista de interesses nacionais
5. Os compromissos internacionais- a autonomia não pode prejudicar os compromissos internacionais
assumidos pelo Estado, e um em especial: a UE. O direito da UE é um severo limite aos poderes das
RA.
6. Os estatutos político-administrativos (ou estatutos regionais) de cada uma das RA- vêm referenciados
no 226º. Os estatutos regionais não são uma constituição da RA nem traduzem a expressão jurídica
exclusiva ou final da vontade das RA, ou seja, a RA não é um estado federado.

→ Estatutos Regionais

Os estatutos regionais são:

- uma lei da República (provenientes da AR), promulgada pelo PR, publicada no DR;

- uma lei do Estado- há sempre uma prevalência do direito do Estado.

Têm três funções:

a) Desenvolvem a estrutura organizativa;


b) Desenvolvem o funcionamento das estruturas da RA;
c) Estabelecem as relações entre a RA e a República e vice-versa.

Os estatutos regionais não são uma constituição mas funcionam para a RA como se fossem uma constituição.
Aqui, os estatutos são uma expressão da vontade da República.

Elaboração dos Estatutos:

A competência exclusiva para aprovar e modificar os estatutos é da AR, mas a RA (a sua assembleia legislativa)
tem uma iniciativa legislativa- poder de desencadear o processo legislativo- exclusiva. Outra coisa, diferente
da iniciativa legislativa, é a competência legislativa- esta é o poder de decidir se se aprova ou não uma
determinada lei, é o poder de decidir, de fazer a lei.

A assembleia legislativa da RA tem o monopólio no desencadear do processo; a AR não pode ter a iniciativa
de desencadear a modificação dos estatutos da Madeira, por exemplo. O processo legislativo tem sempre de
ser desencadeado pela RA, que envia para discussão e aprovação à AR

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Recebido o projeto de lei das RA, a AR pode:

1. Rejeitar o projeto, sendo o mesmo reenviado para a respetiva assembleia legislativa para apreciação
e emissão de parecer;
2. Aprovar o projeto, convertendo-o em decreto a enviar para o PR para efeitos de ser promulgado como
lei;
3. Nem rejeitar, nem aprovar, mas resolver. Introduz alterações, exercendo uma iniciativa legislativa
superveniente, caso em que o diploma é de novo remetido para a AL que o aprovou, devendo esta
apreciá-lo e emitir parecer. Não poderá transformar a sua solução na solução final sem que o diploma
volte de novo para a RA para que esta emita um parecer (que pode ser dizer sim ou não). Mesmo que
a RA diga que não concorda, é a decisão da AR que prevalece.

Elaborado o parecer pela AL da RA, o mesmo é enviado para Lisboa, procedendo a AR à sua discussão e
deliberação final sobre o projeto já antes por si, provisoriamente, rejeitado ou aprovado com alterações- o
parecer em causa é obrigatório mas não vinculativo.

→ Função e Significado do Estatuto

Os estatutos permitem uma pormenorização configurativa dos poderes das RA (227º/1), incluindo o elenco
de matérias sobre as quais pode incidir a autonomia legislativa (228º/1). Para além disto, os estatutos definem
os traços caracterizadores do estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das RA (231º/7).

Traduz uma reserva constitucional de competência da AR e tem uma particularidade: é a lei ordinária que mais
valor tem dentro do direito português. O estatuto é uma lei da AR, que se situa entre as outras leis e a
Constituição; é a lei ordinária mais reforçada (280º/2 c) e 281º/1 d)), por duas ordens de razão:

1- Todos os atos das RA estão subordinados ao estatuto;


2- Todas as demais leis da república estão subordinadas ao Estatuto. Nenhuma lei do governo pode
contrariar o estatuto de uma RA, se o fizer, incorrem em ilegalidade.

→ Conteúdo da Autonomia Regional- 227º/1:

Os estatutos pormenorizam e desenvolvem os poderes conferidos pela Constituição. Esses poderes são:

- Autonomia legislativa- poder legislativo regional. Nem sempre o exercício do poder legislativo regional se
circunscreve às matérias enunciadas no estatuto regional. Estes poderes são (revisão de 2004):

i. Competência legislativa exclusiva ou reservada- matérias sobre as quais só as RA podem legislar. A


consequência é que, se a AR ou o governo emanarem um ato legislativo sobre estas matérias, esse
ato estará ferido de inconstitucionalidade orgânica. Essas matérias são as previstas nas alíneas i), l),
n), p) e q) do artigo 227º/1.
ii. Competência legislativa autorizada- vem prevista na alínea b) do 227º/1. Significa que estamos nas
matérias da reserva relativa da AR (165º), em que a AR pode conceder uma lei de autorização
legislativa à RA, para que esta possa legislar sobre essa matéria. Particularidades:

Essa autorização não pode versar sobre todas as matérias do 165º- o 227º/1 b) estabelece uma fronteira entre
as matérias sobre as quais é possível e não é possível legislar;

65
Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Tem sempre de ser pedida pela RA e, ao pedir, tem de apresentar com o pedido simultaneamente o
anteprojeto do DL regional a autorizar (227º/2);

A autorização legislativa concedida à região x não pode ser aproveitada para a região y- só tem um
destinatário;

A AR deve fixar um prazo para a assembleia da RA proceder à legislação desses decretos legislativos
autorizados.

iii. Competência legislativa de desenvolvimento- 227º/1 c)- lei de bases: aquela que fixa as grandes
linhas, orientações a que está sujeito um determinado regime jurídico. A lei de bases necessita de
ser completementada, densificada, detalhada, através do diploma de desenvolvimento. As RA
(assembleia regional) podem desenvolver as leis de bases, mas para isso é necessário que exista
uma lei de bases e o desenvolvimento regional de leis de bases só é possível se a matéria a
desenvolver não se situar na área de competência legislativa reservada da AR (salvo existindo
autorização legislativa).

A fixação das bases é matéria reservada aos órgãos de soberania, é por isso que as bases expressam o primado
hierárquico do direito do Estado, são leis ordinárias de valor reforçado; são o critério que preside à feitura das
leis de desenvolvimento. Se o desenvolvimento violar a lei de bases, é inválido, carece de ilegalidade.

Através das leis de bases, a Constituição criou um instrumento de prevalência do Direito do Estado
relativamente a todos os decretos legislativos regionais, salvo os emanados ao abrigo da competência exlusiva
das RA, já que, se numa determinada matéria não existia até então lei de bases, tendo a RA legislado sobre a
matéria, o surgimento em termos supervenientes de uma lei de bases, podendo determinar a ilegalidade
superveniente do decreto legislativo regional existente sobre essa matéria, vai obrigar a RA a deixar de
continuar a exercer uma competência fundada na alínea a) para passar a ter como fundamento da sua
competência legislativa a alínia c) do 227º/1.

iv. Competência legislativa estatutária – 227º/1 a). Está prevista nos estatutos, significando que esta
competência legislativa obedece a 2 pressupostos:

1- Só existe se estiver prevista no estatuto;


2- Nunca pode incidir sobre áreas de exclusiva competência dos órgãos de soberania- só existe dentro
da área concorrencial entre a AR e o Governo.

Efeitos desta competência:

Sobre aquela matéria, só a RA pode legislar- reserva do estatuto;

Se existir uma lei da AR ou um DL do governo que discipline essa matéria, a lei da república é inválida,
porque viola o estatuto regional. Por exemplo, imaginemos que a certificação e os critérios de certificação
dos bordados da madeira é competência legislativa da RA da Matéria e que há um DL regional que fixa os
critérios para se certificar se o bordado é ou não típico da Madeira. Isto está regulado no DL regional x.
Hoje sai um DL do governo que modifica o DL regional. O DL é válido? Não, porque viola o estatuto político-
administrativo que fixou que esta matéria é exclusiva da RA da Madeira. O problema deste DL é de
ilegalidade e não há fiscalização preventiva da legalidade- o regime é favorável ao governo. Como poderá
a república modificar este DL regional sobre os bordados da Madeira? Através de uma lei de bases.

- Autonomia financeira e tributária- poder financeiro regional- traduz a margem de liberdade decisória na
definição da afetação das receitas às despesas, consubstanciando a medida da liberdade dos poderes

66
Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

financeiros das RA. Pressupõe autonomia patrimonial (227º/1 h)), autonomia orçamental (227º/1 p)),
autonomia financeira em sentido restrito (227º/1 j)) e uma autonomia tributária (227º/1 i));

- Autonomia administrativa- poder administrativo regional. Esta autonomia confere às RA autotutela


declarativa e autotutela executiva em múltiplas áreas decisórias reservadas, enquanto espaços materiais sem
a intervenção de quaisquer órgãos administrativos ou políticos exteriores às RA, numa situação de verdadeiro
autogoverno administrativo;

- Autonomia de intervenção internacional- 227º/1 u) e x)- há aqui lugar a vinculações internacionais revelam
que nem todo o ius contrahendi do domínio internacional envolve a celebração de tratados ou acordos
internacionais pelos órgãos constitucionalmente titulares de uma aparente competência exclusiva sobre a
matéria;

- Autonomia de participação- poder de participação na política interna e externa. A participação das RA no


processo decisório, envolvendo um pluralismo de intervenção procedimental, comporta uma tentativa de
integração ponderativa dos interesses protagonizados pelas regiões na decisão final, determinando que esse
resultado decisório traduza uma síntese avaliativa dos múltiplos interesses suscetíveis de convocação ou
afetação pela decisão.

→ Estrutura Organizativa

a) Assembleia legislativa da RA- órgão de governo próprio de cada região autónoma (231º/1), sendo
eleito segundo o princípio da representação proporcional (231º/2). É o órgão representativo dos
portugueses residentes na respetiva RA. Tem competência política, administrativa e legislativa.
b) Governo regional- exerce uma função relativamente à RA semelhante à que o governo da república
desempenha em termos nacionais: o governo regional é o órgão de condução da política geral da RA
e exerce também a função de órgão superior da administração pública da RA. Tem competência
política e administrativa.

67
Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Fontes de Direito

Os princípios podem reduzir-se a 10:

1- Princípio da Não Exclusividade das Fontes Normativas Formais- o direito não se esgota nos atos
produzidos pelo Estado. Há mais Direito do que a lei, a lei é uma fonte importante mas não é a única.
O direito não se esgota no direito escrito; também há fontes informais, como o costume.
2- Princípio da Pluralidade de Fontes Formais- não há apenas uma fonte de direito proveniente do direito
escrito. Essa pluralidade pode ser de fontes dentro do Estado e também pode serr para além do
Estado.

Fontes provenientes do Estado:

▪ Lei
▪ DL
▪ DL regional
▪ Leis orgânicas

Fora do Estado:

▪ Direito da UE
▪ Direito internacional

Fontes infraestaduais.

A constituição também é uma fonte formal que alicerça a constitucionalidade de todos os outros.

3- Princípio da Tipicidade da Reserva de Lei- a reserva de lei significa que há matérias que só podem ser
objeto de disciplina por atos legislativos; que estão exclusivamente a cargo do poder legislativo. a
tipicidade desta reserva significa que só há reserva de lei nos casos expressamente indicados na
constituição; fora destes não há reserva de lei.

Matérias que estão dentro de reserva de lei: direitos fundamentais e todas aquelas que a constituição
expressamente designar.

4- Princípio da Tipicidade dos Atos Legislativos- 112º/1- são atos legislativos a lei, o DL e o decreto
legislativo regional. Este princípio é completado com o artigo 112º/5, que diz que nenhuma lei pode
criar outro tipo de atos legislativos, isto é, os atos legislativos só são aqueles previstos na constituição.
Nenhuma lei pode criar novas categorias de atos legislativos. Será que os únicos atos legislativos são
os expressos no 112º/1? Podem existir outros atos legislativos, desde que criados pela Constituição.
Segundo PO, há pelo menos mais dois atos legislativos: as leis de revisão constitucional e as leis
orgânicas. Para além destas 5, ainda existirão no ordenamento português outros atos legislativos?
Sim, com fundamento no artigo 290º/2- é possível a existência de atos legislativos anteriores à const
de 1976 que se mantêm hoje em vigor. No fundo, são normas que foram ressalvadas por este artigo-
o direito ordinário anterior mantém-se em vigor desde que seja materialmente conforme com a
Constituição.
5- Princípio da Revogabilidade das Normas- todas as normas jurídicas podem ser revogadas. Não há
normas jurídicas imputáveis, todas podem ser objeto de cessação de vigência. Há duas modalidades
de revogação- a simples (apenas cessa a vigência) e a substitutiva (para além de cessar, disciplina a
matéria que foi revogada).

Quem tem competência para emanar, tem competência para revogar.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

6- Princípio da Não Comunicabilidade entre Normas de Diferente Natureza- por exemplo, uma
convenção internacional de 2016 vem disciplinar uma matéria sobre a qual existe em Portugal uma lei
de 2014; esta disciplina é incompatível com a solução de 2014. Será que a convenção internacional
revoga a lei internacional? Não, porque estamos perante normas de diferente natureza- uma norma
é proveniente de uma convenção internacional, a outra provém de um ato legislativo, logo não há
comunicabilidade. A convenção, por ser posterior, gera a incaplicabilidade da lei anterior, mas não a
revoga. Se esta convenção desaparecer em 2017, automaticamente renasce a aplicabilidade da lei que
fora inaplicada.

Outro exemplo: há uma diretiva da UE de 2016 que é incompatível com uma lei portuguesa anterior. A solução
é a mesma: não torna o direito português inválido, mas inaplicável.

Agora imaginemos que temos um regulamento de 2014 que se alicerça numa lei de 2013 e temos uma lei de
2017 que é incompatível com o regulamento. O que acontece ao regulamento? Estará revogado pela lei de
2017? O PO diz que não, a lei de 2017 revoga é a lei de 2013, porque são atos da mesma natureza. O
regulamento fica, assim revogado? Não, não sendo compatível, o que ocorre é a caducidade do regulamento,
porque com a revogação da lei de 2013, este regulamento que se baseava nesta lei, deixa de ter base, e por
isso, caduca.

7- Princípio da Pluralidade de Relações Internormativas- com alicerce na constituição (112º/2), há duas


ideias:

- Lei e DL têm igual valor jurídico. Se lei e DL têm igual valor jurídico, uma lei posterior revoga um DL anterior,
assim como um DL posterior revoga uma lei anterior.

- Apesar de o princípio geral ser a lei ser igual ao DL, há casos em que assim não sucede- podemos encontrar
no direito português, a ideia de que dentro dos atos legislativos ordinários, há relações de prevalência, que
permitem dizer que há atos de valor reforçado sobre outros atos legislativos:

 Leis ordinárias de valor reforçado- como as leis de bases em relação aos diplomas de desenvolvimento;
os estatutos político-administrativos regionais; as leis de autorização legislativa. As leis têm sempre
um valor reforçado em relação aos regulamentos.
 Leis de valor comum, que não têm valor reforçado.

8- Princípio da Vinculação da Administração e dos Tribunais- a administração e os tribunais estão


subordinados à lei, mas de maneira diferente: os tribunais têm o poder e o dever de recusar a
aplicação de normas inválidas, violadoras da constituição (204º); a administração deve, por via de
regra, aplicar as normas, mesmo as que sejam inválidas, pois não tem competência para fiscalizar a
constitucionalidade, a não ser quando estamos perante leis violadoras de princípios fundamentais do
ordenamento jurídico, leis violadoras de direitos, liberdades e garantias dotados de aplicabilidade
direta ou leis cuja inconstitucionalidade é expressamente reconduzível à inexistência jurídica (ex: não
ter sido promulgada pelo PR).

9- Princípio da Supletividade do Direito do Estado- quando, nas entidades infraestaduais, não há norma,
aplica-se o direito do Estado.

10- Princípio da Prevalência do Direito do Estado- consequência de o Estado ser o titular de interesses
nacionais. Compete ao Estado a última palavra; o seu direito é o direito prevalecente. Manifestações:

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- A constituição é produto do Estado e todos os atos estão subordinados a esta;

- O Estado tem órgãos que emitem leis para todo o território nacional;

- Compete ao Estado a elaboração de convenções internacionais.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Teoria da Lei

A Constituição utiliza uma pluralidade de sentidos para o termo “lei”. A lei é um conceito com vários
significados. Por exemplo: aparece identificada com o direito no artigo 13º; pode também aparecer com o
sentido de ato da função legislativa (111º/2); ou ainda com o sentido de ato legislativo proveniente da AR
(112º/1).

Pode-se diferenciar entre lei em sentido formal- independente do seu conteúdo- e lei em sentido material-
tem como característica a generalidade (pluralidade indeterminada de destinatários) e a abstração
(pluralidade indeterminada de situações).

É possível existirem leis que não sejam gerais e abstratas; leis de conteúdo concreto, individuais. Este
argumento retira-se do artigo 18º/3, que nos diz que as restrições aos direitos fundamentais devem ser feitas
por leis gerais e abstratas. Se isto se diz, é porque isto não ocorre nos atos..., por isso é que é preciso dizer.

Há casos em que a constituição impõe a existência de normas e, por isso, estas têm de ter caráter geral e
abstrato. Nos outros casos que não estejam expressos na constituição, o conteúdo tem de ser concreto.

A lei formal (individual) só é válida se respeitar três requisitos:

1- Tem de se reportar a uma generalidade- deve ser inspirada por uma solução passível de se reconduzir
a um princípio geral, não pode ser um privilégio;
2- Tem de respeitar o princípio da igualdade;
3- Não pode ser a expressão de uma solução arbitrária, tem de ter um fundamento racional, lógico.

Fora isto, a regra é que não há na constituição uma exigência de lei material, só nos casos previstos.

Formas de lei:

- Expressão da vontade legislativa da AR (leis), do governo (DL) ou das assembleias legislativas das RA (na RA,
só a assembleia legislativa tem competência legislativa).

Deslegalizar um ato = um ato que tem forma e força de lei, deixa de ter essa força para ter a força de um
regulamento. Só é possível se:

- Nunca ocorrer dentro da reserva de lei;

- For feita por um ato legislativo com força jurídica igual ou superior àquele cuja norma vai perder a força
jurídica. A lei pode ser deslegalizada por si própria (autodeslegalização) ou por outra lei que procede à
deslegalização de uma disposição ou de toda a lei (heterodeslegalização).

Regulamentos Delegados- aquele nos termos do qual a lei diz que “esta lei pode ser modificada por via de um
regulamento”. Esta norma dá ao regulamento a força jurídica para alterar a lei- 112º/5.

Diferencia-se do ato da deslegalização- no regulamento delegado, a lei continua a valer como lei, apenas
confere a um regulamento o poder de esse a modificar. Já na deslegalização, a lei deixa de valer como lei,
rebaixa-se a regulamento. Na deslegalização, a norma deslegalizada pode ser modificada por regulamento,
pois deixou de ser lei.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Forma da Lei na Constituição

112º/1- lei, decreto lei e decreto legislativo regional.

É possível existirem outras formas de lei? PO responde em sentido afirmativo porque:

1. Existem leis de revisão constitucional;


2. Existem leis orgânicas;
3. Existem atos legislativos produzidos ao abrigo de anteriores constituições e que se mantêm em vigor.

Força da Lei- tem uma força material e formal:

- Força de Lei Material- a lei relaciona-se com situações da vida sociais. Esse relacionamento leva a duas
conclusões:

a) A lei tem a possibilidade, pela primeira vez, de dispor sobre todas as matérias; nada escapa à força material
da lei- força de lei material positiva. Há exceções: há matérias que são da exclusividade dos tribunais, mas a
lei pode definir as penas, ainda que não possa aplicá-las. A lei também não pode esgotar a área de intervenção
do poder administrativo.

b) A lei tem a capacidade de revogar, modificar ou suspender a disciplina de qualquer matéria feita por
anterior lei. Uma lei nova pode sempre redisciplinar aquilo que uma lei anterior definiu- força de lei material
negativa ou superveniente.

- Força de Lei Formal- tem a ver com a relação entre a lei e outros atos jurídicos. Consubstancia duas ideias:

a) A lei tem a capacidade de alterar atos de outra natureza- força formal positiva;

b) A lei tem a capacidade de resistência; não se deixa suspender, modificar ou revogar por atos de outra
natureza- força formal negativa. Há uma exceção: o costume.

Há atos que não são leis mas que têm uma força jurídica idêntica aos atos legislativos:

1- Decisões do TC que declaram a inconstitucionalidade com força obrigatória geral;


2- Decretos do PR que declarem o estado sítio ou o estado de emergência;
3- Resoluções da AR ao abrigo do artigo 169º.

Conteúdo da Lei- a lei tem sempre a obrigatoriedade de ser geral e abstrata?

Há casos em que é obrigatório, nos casos previstos na Constituição (por exemplo, 18º/3). Nos casos em que
não há previsão constitucional, a lei apenas tem de ser formal, isto é, podem ser individuais. As leis individuais-
ius singulare- têm 2 limites: não podem violar o princípio da igualdade e não podem pôr em causa o livre
arbítrio; têm sempre de se reconduzir a critérios generalizáveis.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Pluralidade de relações entre atos legislativos:

a) Nem todos os atos legislativos têm igual posição jurídica. A 2ª parte do 12º/2 mostra que há atos
legislativos com valor reforçado, o que significa, em primeiro lugar, que não se deixam revogar ou
modificar por leis de diferente natureza e, em segundo lugar, que têm um procedimento especial para
a sua feitura, que lhes dá uma capacidade de resistência.

b) Existem leis que podem ser ilegais, quando violam ou contrariam uma outra lei que tem para ela valor
reforçado. Por exemplo, é ilegal o decreto autorizado que viola a lei de autorização legislativa. É
também ilegal a lei que viole o estatuto político-administrativo das RA. E é ainda ilegal a lei que viole
uma lei de bases.

Leis Reforçadas

❖ Leis ordinárias reforçadas de caráter geral- as que dizem respeito a todo o ordenamento jurídico: os
estatutos político-administrativos das RA, a lei do orçamento do Estado, a lei resultante de referendo
ou a lei das opções do plano. A lei do orçamento do Estado tem uma particularidade: é uma lei
reforçada porque todas as demais leis que envolvam efeitos financeiros têm de estar subordinadas à
lei do orçamento do Estado; a particularidade é que esta lei é anual e, por isso, tem regras próprias
para ser feita- há normas que fixam em cada ano como deve ser elaborada a lei do orçamento do
Estado- essas normas constam de uma lei denominada de lei de enquadramento do orçamento. A lei
de enquadramento do orçamento tem valor reforçado sobre a lei do orçamento do Estado.

As leis de valor reforçado servem de padrão de conformidade- as leis que lhes estão subordinadas devem ser
feitas pelos critérios definidos pela lei de valor reforçado.

❖ Leis ordinárias reforçadas de caráter especial- são reforçadas apenas em relação a um tipo de ato. Há
uma relação direta e imediata entre a lei reforçada e.... A relação entre a lei de autorização legislativa
e o decreto lei autorizado é um exemplo, pois se a lei de autorização legislativa é sobre a matéria do
artigo 165º/1 b), o DL autorizado só pode legislar nessa matéria.

Outro exemplo é a relação entre a lei de enquadramento do orçamento e a lei do orçamento do Estado; é uma
relação especial.

❖ Leis ordinárias reforçadas de caráter específico- dois exemplos certos:

- Lei sobre a publicação e identificação ...- todos os diplomas têm de obedecer ao especificado nessa lei;

- Lei que define a participação das organizações de trabalhadores na elaboração da legislação sobre trabalho.

Um caso duvidoso- prende-se com as normas do CC que dizem respeito às fontes, à interpretação, à integração
e à vigência das leis. Que natureza têm? Há quem entenda que são normas com valor reforçado. Na opinião
de PO, são antes normas com natureza constitucional pelo facto de serem utilizadas para a interpretação e
integração das normas da constituição.

NOTA: as leis de valor reforçado podem também ser DL e decretos legislativos das RA (como o decreto
legislativo regional que aprova o orçamento regional) e podem também ser decretos leis de bases.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Tipos de Leis provenientes da AR:

→ Ato legislativo especial- obedece a um procedimento especial e tem uma força jurídica especial: leis
de revisão constitucional.

Especificidades da elaboração:

- iniciativa legislativa (poder de desencadear o procedimento legislativo; apresentação de propostas ou


projetos de lei. É diferente de competência legislativa, o poder de decidir, de aprovar ou rejeitar as iniciativas
legislativas)- poder exclusivo dos deputados- 285º/1. A discussão das alterações à constituição é feita de
acordo com um prazo.

- competência legislativa- só a AR pode aprovar leis de revisão constitucional.

Regras em matéria de aprovação:

1. Maioria de 2/3 para aprovação- ou se reune uma maioria igual ou superior a 2/3, ou a iniciativa
termina ali;
2. As alterações têm de ser introduzidas numa única lei de revisão- essa lei de revisão publicará em anexo
o novo texto constitucional, para que exista um único texto constitucional em sentido instrumental e
para evitar a prática de haver um texto inicial e depois um apêndice com as normas em vigor.

Papel do PR:

Não há veto político, não pode recusar a promulgação- 286º/3.

Pode haver fiscalização preventiva da constitucionalidade, mas com a particularidade de que se a AR reaprovar
o diploma por maioria de 2/3, o PR está obrigado a promulgar. Contudo, nada o impede de, depois de
promulgar, requerer a fiscalização sucessiva da constitucionalidade.

Limites das Leis de Revisão de Constitucionalidade:

a) Temporais- a lei de rc não pode ser desencadeada a todo o momento; há regras temporais- 284º;
b) Circunstanciais- 289º- não é possível rever a constituição durante o estado de sítio ou emergência;
c) Materiais- 288º- os limites materiais são matérias que não podem ser objeto da lei de rc, matérias que
são traços identificativos da constituição. Estes traços previstos no 288º não podem ser alterados por
lei de rc:
- Há aqui uma ditadura da geração autora da constituição- quem a fez nega às gerações futuras a
liberdade que os pais da constituição tiveram.
- Há quem entenda que há um processo de conciliar o passado com o futuro- um processo de uma
dupla revisão: num primeiro momento pode-se alterar o art. 288º (não é imodificável) para numa
segunda revisão constitucional se discutir se a figura do PR é substituída (..?)
- Nem todos os limites do 288º podem estar sujeitos à dupla revisão- por exemplo, a independência
nacional; há limites que se impõem ao legislador constituinte, não por estarem no 288º mas porque
têm um valor supraconstitucional. Uma alteração dos limites materiais leva a uma perda da identidade
axiológica da constituição.
→ Poder legislativo ordinário

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Leis mais importantes:

1. Leis estatutárias,
2. Leis orgânicas- outra categoria de atos legislativos que não vem identificada no 112º/1. Versam sobre
as matérias do artigo 166º/2. As leis orgânicas estão previstas no 166º/1. Têm várias particularidades:
i. São leis que têm um valor reforçado, porque é isso que resulta do artigo 112º/3.
iii. São leis que têm de ser aprovadas em votação final global por maioria absoluta dos deputados-
168º/5.
iv. Intervenção do PR- em caso de veto político, o veto do PR só pode ser ultrapassado por maioria de
2/3- 136º/3.
v. Fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis orgânicas- 278º/4. Em todas as outras leis, só
o PR pode requerer a fiscalização preventiva; nas leis orgânicas pode requerer o PM e 1/5 dos
deputados.

3. Lei do orçamento do Estado- é lei reforçada a todas as demais leis mas é lei subordinada face à lei de
enquadramento orçamental.
4. Leis de Bases- tanto podem existir leis de bases como DL de bases. São uma diretiva, definem
princípios a que deve obedecer o seu desenvolvimento- têm uma função paramétrica, servem de
parâmetro. O desenvolvimento das leis de bases não pode violar a respetiva lei de bases.

Podem existir leis de bases na área de reserva da AR:

- Se toda a matéria está na reserva absoluta da AR, a AR faz hoje as bases, e só ela poderá fazer o
desenvolvimento.

- Se as bases estão na área de reserva relativa da AR, o desenvolvimento também poderá ser feito pelo governo
através de um DL de desenvolvimento, por lei de autorização legislativa. Por exemplo, as bases do sistema de
ensino.

As leis de bases na área concorrencial concorrem com os DL de bases da área concorrencial- o princípio é o da
paridade entre lei e DL. A quem compete o desenvolvimento das leis de bases na área concorrencial? 2 teses:

- há quem entende que se a lei ou DL de bases é da área concorrencial, tanto pode a AR como o Governo
proceder ao seu desenvolvimento. Mas quem desenvolve, tem de respeitar as bases. Se há um DL de bases,
este pode ser desenvolvido, na área concorrencial, por um DL de desenvolvimento ou por uma lei de
desenvolvimento;

- 198º/1 c)- há quem entende que, se estamos na área concorrencial onde há bases, se não existisse a alínea
c) o governo teria competência para, perante uma lei de bases da área concorrencial, proceder ao seu
desenvolvimento, por força da alínea a). Ou seja, a alínea c) acrescenta algo: o sentido útil desta alínea é
atribuir ao governo uma competência reservada para proceder ao desenvolvimento das bases na área
concorrencial- perante um DL de bases na área concorrencial, só há um órgão para desenvolver as bases, o
Governo; exclui a AR. Esta é também a opinião de PO.

5. Leis de Autorização legislativa- só podem incidir sobre a matéria do 165º; só podem ter como
destinatário o governo ou, em certas matérias, as ALRA.

Não envolvem uma alienação da competência- durante a vigência da lei de autorização legislativa, a AR não
perde o poder para legislar sobre essa matéria; ela delega.

O regime da lei de autorização legislativa tem particularidades:

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

a. Não pode haver uma autorização genérica- cada autorização tem de especificar a matéria em
concreto.
b. Nos termos do 165º/2, estas leis têm de definir o objeto (se é sobre a alínea x ou y), sobre o sentido
(se é para facilitar, restringir, impôr mais direitos, deveres, etc), sobre a extensão e sobre a sua
duração.
c. A mesma autorização legislativa só pode ser exercida uma vez, apesar de poder ser exercida
parcelarmente- 165º/3.
d. Caducam com a demissão do governo, com o termo da legislatura ou com a demissão da AR.
e. Há um regime especial para as leis de autorização legislativa contidas na lei do orçamento- 165º/5- só
caducam com o termo do ano económico e podem ser exercidas mais do que uma vez, para além de
não caducarem com a demissão do governo.

Divergência doutrinária- será possível uma lei de autorização legislativa retroativa?

Maioria da doutrina- não;

PO- sim, para permitir situações como esta: imagine-se que o governo emana um DL sobre matéria da reserva
relativa da AR e este DL não tem lei de autorização legislativa; faz mais do que o que a AR lhe concedeu. A AR
pode, através de uma lei de autorização legislativa, vir convalidar o DL (sanando a inconstitucionalidade
orgânica), se esta autorização legislativa for retroativa.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Processo Legislativo Parlamentar

Há uma sucessão ordenada de atos e formalidades.

Fontes do Processo Legislativo Parlamentar:

1) Constituição;
2) Regimento da AR;
3) Leis avulsas- por exemplo, os estatutos políticoadministrativos das RA e a lei que regula o formulário
dos respetivos diplomas;
4) Costume parlamentar.

Tipos de processos legislativos:

a) Processos legislativos especiais


b) Processo legislativo comum- o que é utilizado para a maior parte das leis
c) Processos de urgência- mencionados no art. 170º CRP.

 Processo Legislativo Comum

Fases:

1ª- Iniciativa legislativa- poder de desencadear o processo legislativo, através da apresentação de propostas
ou projetos de lei.

167º/1- têm iniciativa legislativa os deputados, os grupos parlamentares, o governo, grupos de cidadãos
eleitores e, no que diz respeito às RA, as respetivas assembleias legislativas.

Tipos de iniciativa legislativa:

- Iniciativa Legislativa Reservada- só uma ou algumas das entidades supramencionadas podem desencadear o
processo legislativo; exemplo: as ALRA em relação aos estatutos políticoadministrativos.

- Iniciativa Legislativa Concorrencial.

- Iniciativa Legislativa Originária- poder de apresentar uma proposta ou um projeto de lei.

- Iniciativa Legislativa Superveniente ou Derivada- poder de propôr alterações ao projeto ou à proposta


anteriormente apresentada.

Compete ao Presidente da AR decidir se admite ou não as propostas ou projetos de lei. Em caso de não admitir,
há recurso para o Plenário. Se admitir, essa iniciativa legislativa é publicada no Diário da República.

A iniciativa legislativa desencadeada pelo governo caduca com a demissão do próprio governo.

2ª- Fase da Apreciação/Instrução- há dois tipos de apreciação:

- Apreciação do Parlamento feita por exame em comissão- a comissão faz uma primeira análise para que,
numa segunda fase (na generalidade) seja feita eventualmente com a intervenção de outros órgãos.

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

3ª- Deliberação- 3 subfases:

1. Discussão e votação na generalidade no Plenário


2. Discussão e votação na especialidade- tanto pode ser no próprio Plenário ou em comissão
(normalmente é em comissão)- a comissão vem “limar as arestas”, tornar mais perfeito o diploma
3. Votação final global no Plenário- duas regras: os diplomas normalmente são aprovados com maioria
simples (116º/3), mas há casos em que são aprovados por maiorias especiais, como a maioria absoluta
para as leis orgânicas ou maioria de 2/3 (168º).

Na votação final, ou se reúne o número de votos necessários ou, não se reunindo, o diploma é rejeitado. É o
“não ato”: a não aprovação da lei.

4ª- Promulgação- o diploma é enviado para promulgação por parte do PR, podendo ser promulgado, vetado
ou pode ser requerida a fiscalização preventiva da constitucionalidade.

5ª- Referenda Ministerial- é uma contra-assinatura feita pelo PM. A falta de referenda leva à inexistência do
ato (140º/2).

6ª- Publicação em Diário da República- é requisito de eficácia do ato (119º/2).

Há ou não primado legislativo parlamentar?

Hoje, a ideia liberal oitocentista de que o parlamento era a expressão do princípio democrático e de que o
executivo era a expressão do princípio monárquico não é bem assim.

O governo tem uma ampla competência legislativa, pelo facto de a maioria das matérias fazerem parte da
área concorrencial

Há então primado do parlamento?

JM- Sim, com base em 5 argumentos:

i) A AR tem uma competência legislativa genérica


ii) A AR tem uma competência legislativa reservada
iii) Na área concorrencial, a AR pode fazer leis de bases que limitam a atuação do governo
iv) A AR pode controlar o mérito dos DL (169º)
v) O veto político do PR em relação aos DL é sempre absoluto, em relação às leis é sempre
suspensivo.

PO- Discorda, pelo facto de que um eventual primado da AR sofre da concorrência de um primado do governo
e por isso, o que poderá haver é uma concorrência de primados, pelo que, por definição, não há primados.

O governo legisla mais do que legisla a AR.

NOTAS COMPLEMENTARES: algumas leis da AR são para conferir poder ao governo (leis de autorização
legislativa); algumas das leis da AR são leis sem conteúdo normativo (por exemplo, as que elevam povoações
a vilas).

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Análise dos Argumentos de JM por PO:

1º e 2º argumento- é verdade; mas o governo também tem uma competência legislativa genérica na área
concorrencial. Nas áreas concorrenciais, a lei e o DL têm o mesmo valor jurídico. Podem revogar-se uns aos
outros. É verdade que a AR tem competências legislativas reservadas, mas também o governo tem. O facto de
a AR ter competência legislativa reservada não significa que a AR não esteja muitas vezes prisioneira da
iniciativa legislativa do governo.

A competência legislativa da AR, quando há maioria no governo, está nas mãos do governo e, dentro do
governo, está nas mãos do PM.

Mesmo as leis da reserva absoluta da AR estão sujeitas a promulgação e a promulgação está sujeita a
referenda ministerial.

3º argumento- se estamos na área concorrencial e há leis de bases, também podem existir DL de bases que,
caso sejam posterior, revogam a lei de bases anterior.

5º argumento- é verdade; mas o veto político sobre os DL é suspensivo numa primeira análise porque, numa
análise mais detalhada, o governo que vê o seu DL vetado, pode converter o seu DL em proposta de lei a
apresentar junto da AR.

4º argumento- 169º- todos os DL podem ser objeto de apreciação parlamentar: os deputados chamam ao
parlamento o DL, para fazer uma de três coisas: ou para fazerem cessar a vigência do DL, ou para suspenderem
a vigência do DL ou para que o parlamento introduza modificações no DL. Este processo é célere, mas tem
algumas particularidades: não estão sujeitos a apreciação parlamentar os DL relativos ao artigo 198º/2, e estão
sujeitos todos aqueles do 198º/1 a), b) e c). Este instituto do 169º visa apreciar politicamente o diploma, não
é um instituto para sanar inconstitucionalidades. Se for aprovada a cessação da vigência do DL, o diploma
deixará desde o dia em que a resolução for publicada no DR, e não poderá voltar a ser publicado no decurso
da mesma sessão legislativa (169º/4).

A resolução não pode ter efeitos retroativos, o que significa que até ao momento da limitação da aplicação,
permanece a vontade do governo. Se a AR quiser destruir os efeitos do DL, terá de aprovar uma lei que revogue
esse DL.

A AR pode introduzir alterações ao DL (169º/2)- 3 aspetos: as alterações revestem a forma de lei e não de
resolução; consequentemente, as alterações estão sujeitas a promulgação e podem ser sujeitas a veto político
e a fiscalização. A lei que introduzir alterações pode, no dia seguinte, se for na área concorrencial, ser revogada
por um DL sobre a mesma matéria. Este mecanismo só é relevante perante governos minoritários. A AR pode
chamar o DL de desenvolvimento do 198º/1 c) e introduzir alterações, isto em teoria; na prática, se o governo
for maioritário, só pode introduzir alterações que a maioria permitir.

A AR pode, se tiverem sido apresentadas propostas de alteração e se estiver em causa um DL autorizado,


suspender a aplicação imediata do DL. A suspensão reveste a forma de resolução e caduca nos termos do nº
2 e 3.

Em conclusão, temos um mecanismo que permite à AR intervir no conteúdo dos DL, mas não resulta daqui
uma supremacia da AR. Se é por via de resolução, a resolução não tem efeitos retroativos. Mesmo após a
cessação de vigência por via de resolução, o governo pode no dia seguinte emanar um DL que tenha uma nova
solução. Se apresentar alterações, essas podem sempre ser revogadas por DL, mas só os do 198º/2 b).

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

Fiscalização da Constitucionalidade

Pertence aos tribunais a competência exclusiva para emitir um juízo sobre a inconstitucionalidade das normas,
que tanto pode ser por ação como por omissão (não se fez, mas a Constituição impunha).

A inconstitucionalidade pode ter 4 ângulos de análise:

a) Pode ter a ver com o autor do ato- não tinha competência para o efeito ou excedeu os termos da
competência que tinha. Acarreta inconstitucionalidade orgânica.

b) Pode ter a ver com a forma, com os procedimentos. Acarreta inconstitucionalidade formal.

c) Pode ter a ver com o conteúdo, com o objeto da medida legislativa- ex: vem ser criada uma lei que atribui
que em caso de menoridade, verificando-se divórcio, a responsabilidade paternal é sempre entregue à mãe-
inconstitucionalidade material, viola o princípio da igualdade.

d) Pode ter a ver com o fim- ex: criar uma hipótese de apropriação coletiva de bens (como utilizar a ideia
segundo a qual todas as farmácias passam a ser do Estado sem direito de indemnização); para além de haver
inconstitucionalidade formal, também há inconstitucionalidade finalística- a utilização da figura da
apropriação coletiva que já não é de nacionalização, mas de confisco (instituto proibido pela Constituição).

A inconstitucionalidade é primária se à data em que a norma surgiu já era inconstitucionalidade. É


superveniente quando durante a vida da norma infraconstitucional há uma alteração da Constituição ou uma
nova Constituição que determina a invalidade da norma infraconstitucional.

A inconstitucionalidade pode também ser em relação a normas infraconstitucionais que ainda são vigentes ou
face a normas que já não são vigentes. Em relação às últimas, imaginemos que há uma lei de autorização
legislativa que foi publicada de 1998 de onde resultou um DL também de 98 que hoje ainda está em vigor.
Esta lei de autorização legislativa, contudo, já não está em vigor, caducou. Mas pode ser que esta lei de
autorização legislativa tenha uma solução desconforme à Constituição, que hoje ainda tem relevância. Há uma
comunicação entre os atos que são pressupostos de outros atos; a invalidade dos atos que são pressupostos
comunica-se àqueles que neles têm as suas bases. Assim, o DL seria também inconstitucionalidade-
inconstitucionalidade derivada ou consequente.

Se uma lei de bases tiver uma resolução inválida que passa para o decreto de desenvolvimento, o decreto de
desenvolvimento será também ferido de inconstitucionalidade derivada ou consequente.

A inconstitucionalidade pode ser também ser presente ou pretérita. Ou seja, pode ser a expressão de
desconformidade de uma norma de direito ordinário

Tipos de fiscalização da constitucionalidade assentam numa dicotomia que opõem a inconstitucionalidade por
ação e por omissão. Por ação, temos duas vias diferentes:

1. A inconstitucionalidade pode ser objeto de fiscalização preventiva- antes de estar concluído o


processo legislativo do diploma; a norma ainda não nasceu para o Direito.
2. A fiscalização pode acontecer quando a norma já está publicada- fiscalização sucessiva. Depois da
norma estar publicada pode ocorrer:
- Perante um caso concreto em que o tribunal tem o dever e o poder de recusar a norma porque
entende que é inconstitucional- fiscalização difusa ou incidental (204º)

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- Não diz respeito a uma situação específica, mas sim à apreciação da norma em geral- fiscalização
sucessiva abstrata (288º).

Diferenças:

- A fiscalização difusa está a cargo de todos os tribunais, a fiscalização abstrata está a cargo de um só tribunal,
o TC;

- A fiscalização difusa só produz efeitos naquele caso concreto, pelo contrário, a fiscalização abstrata produz
decisões com força obrigatória geral; um juízo de inconstitucionalidade em sede de fiscalização abstrata
determina que a norma cesse a vigência num ordenamento jurídico;

- A fiscalização difusa é a mais antiga, surgiu nos EUA, a fiscalização abstrata é uma ciração austríaca, de Kelsen.

Fiscalização por omissão- 283º- só existe por falta de medidas legislativas para implementar normas não
exequíveis por si mesmas da Constituição. Há uma competência exclusiva do TC. Se este verificar que há
inconstitucionalidade por omissão, dá conhecimento ao órgão constitucional competente para que ele legisle.

Quanto ao objeto da fiscalização, só há fiscalização de atos normativos. Com algumas exceções: também há
fiscalização dos referendos nacionais que são atos políticos e também há fiscalização das convenções coletivas
de trabalho. A jurisprudência do TC admite também a fiscalização da constitucionalidade de diplomas
legislativos que materialmente sejam atos administrativos sob forma legislativa.

A fiscalização difusa da inconstitucionalidade é de todos os tribunais. Quanto à intervenção do TC na


fiscalização abstrata, sublinha-se:

a. Das decisões dos tribunais que em sede incidental conheçam questões de inconstitucionalidade, é
sempre possível recorrer para o TC- fiscalização sucessiva concreta (280º).
b. Há casos em que é obrigatório o recurso- quando o tribunal de primeira instância não aplica a norma,
podemos entender que a norma é inconstitucional. Nestes casos, o MP tem de apresentar recurso
para o TC.
c. O TC tem competência exclusiva em sede de fiscalização sucessiva abstrata e pode ocorrer em dois
cenários diferentes:

1º- aquele que vem referenciado no 281º/1 e 2- a fiscalização sucessiva abstrata não pode ser pedida por
qualquer pessoa; só tem legitimidade a quem se refere o nº2. Durante que período é possível requerer a
fiscalização sucessiva abstrata antes de a norma entrar em vigor? Durante o período de vacatio legis.

2º- quando em sede de fiscalização concreta o TC já emitiu em três casos concretos o juízo de que a norma
é inconstitucional, o tribunal pode declarar com força obrigatória geral que a norma é inconstitucional.

Efeitos da declaração de inconstitucionalidade- 282º:

Quando se entende que a norma é inconstitucionalidade, essa norma deixa de vigorar no ordenamento
jurídico. Efeitos:

a) A retroatividade da declaração de inconstitucionalidade- é diferente em 2 cenários:


- se é uma inconstitucionalidade originária, vai até à data em que a norma de direito ordinário foi
publicada;

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

- se é uma inconstitucionalidade superveniente, a declaração de inconstitucionalidade é só a partir do


momento em que se verificou a inconstitucionalidade.

b) Caráter repristinatório- limites:

- para que exista repristinação, é necessário que haja um diploma que revogue o outro

- quando o que vem repristinar é mais prejudicial, torna-se proibida a sua repristinação.

Problema- Qual a dimensão da retroatividade?

282º/3 vem ressalvar os casos julgados- tutela do princípio da segurança e do princípio da confiança.

O nº4 dá um poder exorbitante ao TC, pois diz que quando a segurança jurídica, razões de equidade ou
interesse público de excecional relevo justificarem, o TC poderá restringir os efeitos da retroatividade;
pode dizer que, ainda que a regra seja destruir o passado, podem existir razões que justifiquem que se
determinem soluções diferentes- poder de modelar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do
TC.

NOTA: este regime da fiscalização da constitucionalidade é também aplicável a três casos de “ilegalidade
equiparada à inconstitucionalidade” (PO):

281º/1 b), c) e d):

o Violação de lei com valor reforçado


o Violação de lei das RA que violem o estatuto
o Normas da república que violem direitos das RA reconhecidos nos estatutos.

Para além das fontes formais, também existem fontes informais, designadamente o costume:

1. Pode ser segundo o direito positivo, para além do direito positivo ou contrário ao direito positivo
2. Pode ser de natureza constitucional ou sem natureza constitucional
3. Pode ser um costume interno ou internacional.

O costume pode ser fonte de direito constitucional e, como tal, pode inclusive afastar a aplicação de normas
escritas da constituição; integra a designada “Constituição Não-Oficial”.

O costume prova que o Estado não tem o monopólio na definição do Direito.

Outra fonte é o Direito Internacional Público:

1. Prende-se com a ideia de que acima dos Estados há normas de direito comuns a todos os Estados. É
um direito que envolve vários ou todos os Estados;
2. A raíz histórica deste direito está no direito romano, mas foi sobretudo redescoberto pela escola
espanhola de direito internacional;

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Direito Constitucional II Leonor Branco Jaleco

3. Tem dois grande grupos de normas:


- Normas de DIP que resultam de acordos entre os membros da comunidade internacional;
- Normas de DIP não escritas: normas consuetudinárias e princípios gerais.

4. É fonte de direito constitucional e, dentro do DIP, há normas imperativas para todos os estados- têm
valor supraestatal- ius cogens;
5. Também há normas de DIP que são paralegais – 8º/1 CRP.

Tem o direito convencional superioridade ou paridade?

Outra fonte é o Direito da UE, que criou, em certas áreas, um ius cogens regional- um direito imperativo para
os Estados-membros.

Uma outra fonte são os regulamentos, que são normas e, nesse sentido, têm natureza idêntica aos atos
legislativos? O que os distingue? O regulamento é uma norma emanada ao abrigo da função administrativa,
enquando os atos legislativos são normas emanadas ao abrigo da função legislativa.

Os regulamentos estão sempre subordinados às leis e, por maioria de razão, à Constituição, ao DIP, ao Direito
da UE;

Há regulamentos diretamente alicerçados na Constituição, por exemplo, o 199º/g).

Releva ainda falar nos atos com força afim da força de lei. São atos normativos que não são praticados na
função legislativa, mas que têm uma força jurídica equiparada à dos atos legislativos. Por exemplo:

a) A resolução da AR, ao abrigo do artigo 169º que determina a cessação de vigência ou a modificação
de um DL ou de um decreto-legislativo autorizado.
b) O decreto presidencial que estabelece o estado de sítio ou o estado de emergência.
c) O acórdão do TC que declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
d) Na parte em que sejam admitidos, os antigos assentos.

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