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A implementação do liberalismo em Portugal

Antecedentes e conjuntura (1807-1820)


• O peso do Antigo Regime fazia-se sentir nas pesadas obrigações senhoriais que condenavam
os camponeses à miséria e na intransigência do absolutismo assente na ação repressiva da
Inquisição, da Real Mesa Censória e da Intendência Geral da Polícia.
• No entanto, nos principais centros urbanos, burgueses e intelectuais, muitos deles filiados em
lojas maçónicas, discutiam ideias de mudança. Uma conjuntura favorável abriu caminho à
concretização das suas aspirações, devido, em grande parte, ao impacto das invasões
francesas.

-As invasões francesas e a dominação inglesa em Portugal


• Decidido a abater o poderio da Inglaterra, Napoleão Bonaparte decretou, em finais de 1806,
o Bloqueio Continental, nos termos do qual nenhuma nação europeia deveria comerciar com
as Ilhas Britânicas.
• Fiel à sua velha aliada, mas não querendo hostilizar o imperador dos franceses e arriscar uma
mais que certa invasão da França e da Espanha, o príncipe regente D. João adotou uma política
ambígua. Esta atitude custou ao país, de 1807 a 1811, o flagelo das três invasões napoleónicas.
• O embarque da família real para o Brasil, que de colónia passou a sede de Governo, permitiu
a Portugal manter a independência do Estado.
• O preço a pagar revelou-se bem alto. Não só pela devastação e pela destruição causa dos
quatro anos de guerra com a França, mas, especialmente, pelo domínio político e económico
que a Inglaterra exerceu, doravante, entre nós.

-Corte ausente, ingleses presentes


• De 1808 a 1821, Portugal viveu na dupla condição de protetorado inglês e de colónia
brasileira. D. João VI teimava em permanecer no Brasil, proclamado reino em 1815, para
grande descontentamento dos portugueses, que sofriam a humilhação da presença inglesa.
• O marechal Beresford, incumbido de reestruturar o exército e organizar a defesa do reino
contra os franceses, tornou-se generalíssimo e comandante-chefe das tropas portuguesas, nas
quais os britânicos ocupavam as mais altas patentes.
• Os seus poderes chegaram, inclusive, a sobrepor-se aos da Regência. Beresford exerceu um
rigoroso controlo sobre o funcionalismo e a economia, enchendo as prisões de suspeitos de
jacobinismo.
A repressão de Beresford atingiu particular crueldade em 1817, quando o general Gomes Freire
de Andrade e mais 11 oficiais do Exército foram executados, por suspeita de envolvimento numa
conspiração.

Entretanto, a situação económica e financeira assumia contornos de elevada gravidade: as


despesas ultrapassavam as receitas, a agricultura definhava e o comércio decrescia.
• Para esta situação muito contribuíram os seguintes fatores: a abertura dos portos do Brasil ao
comércio internacional, em 1808; a perda do exclusivo comercial com a colónia, que
abastecia a metrópole de alimentos e matérias-primas e que constituía um mercado garantido
de escoamento para os produtos manufaturados nacionais; o tratado de comércio de 1810 com
a Grã-Bretanha permitiu a entrada com grandes facilidades das mercadorias britânicas,
nomeadamente as manufaturas, em Portugal e nos seus domínios.

-A rebelião em marcha
• Manuel Fernandes Tomás, desembargador da Relação daquela cidade, fundou, em 1817, uma
associação secreta com o nome de Sinédrio, cujos membros pertenciam, na quase totalidade,
à Maçonaria.
• Atento à marcha dos sucessos políticos, o Sinédrio propunha-se intervir logo que a situação
se revelasse propícia, o que veio, efetivamente, a acontecer em 1820.
• Em janeiro desse ano, na vizinha Espanha, uma revolução liberal restaurou a Constituição de
1812. A Espanha tornou-se, então, centro de uma grande agitação política e Portugal passou
a receber muita propaganda liberal, que compreendia panfletos e edições traduzidas da
Constituição espanhola.
• Perante esta sucessão de acontecimentos, o pânico começou a fazer-se sentir entre os
membros da Regência, admitindo que os ventos liberais podiam também começar a soprar
em Portugal.
• Finalmente, em março, Beresford embarcou para o Rio de Janeiro, a fim de solicitar ao rei
dinheiro para pagamento das despesas militares, além de mais amplos poderes para reprimir
a crescente onda de agitação.

A Revolução de 1820 e as dificuldades de implantação da ordem liberal (1820-


1834) -O Vintismo
O pronunciamento militar sucedido no Porto, a 24 de agosto de 1820, processou-se de forma
pacífica e ordeira. O sucesso deste movimento ficou a dever-se à união de militares e burgueses
prejudicados nos seus interesses pela presença britânica: os primeiros, por se verem preteridos
pelos ingleses nas promoções; os segundos, por se sentirem afetados pela concorrência inglesa,
nomeadamente no comércio com o Brasil.

• Ainda no dia 24 de agosto, o Conselho Militar reuniu-se com as autoridades municipais do


Porto e em conjunto declararam constituída a Junta Provisional do Governo Supremo do
Reino.
• Quanto às razões, aponta a situação catastrófica em que o reino se encontrava e a incapacidade
de governar da Regência. No que concerne aos objetivos, defende a convocação de Cortes
que aprovassem uma sábia Constituição, defensora da autoridade régia e dos direitos dos
portugueses, reafirmando a submissão à fé católica.
• Por conseguinte, podemos concluir que os homens de 1820, mais do que revolucionários
empenhados em subverter instituições, veiculavam um profundo respeito pela monarquia e
pelo catolicismo.

-O triunfo da revolução vintista


• A 15 de setembro foi a vez de Lisboa repetir um pronunciamento militar semelhante ao
do Porto, responsável pela expulsão dos regentes e pela constituição de um governo
interino.
• A 27 de setembro, em Alcobaça, os governos de Porto e Lisboa fundiram-se, formando
duas novas juntas nacionais.
• Por sua vez, a Junta Provisional Preparatória das Cortes, como o nome indica, avançou
com todos os procedimentos necessários à convocação e funcionamento das Cor-tes. José
Ferreira Borges, José da Silva Carvalho e o coronel Sepúlveda foram alguns dos seus
mais destacados membros.
• Como a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino reconheceu, a revolução
triunfou sem derramamento de sangue. Para este sucesso muito contribuiu a conjugação
de interesses entre militares e burgueses, sobretudo no desejo de afastar os ingleses do
comando militar e da ingerência nos negócios nacionais.

No entanto, as tensões entre os principais atores revolucionários, já verificadas no período de


preparação da rebelião, acabaram por ensombrar os primeiros tempos liberais. De facto, o
movimento acabou por se dividir em dois grupos: o dos militares, encabeçado pelo brigadeiro
António da Silveira e pelo coronel Cabreira, pretendia controlar os destinos da revolução sem o
recurso a mudanças substanciais; o dos civis, liderado por Manuel Fernandes Tomás, queria dotar
o país de uma Constituição e de instituições e leis liberais.
A publicação, no dia 10 de novembro, do regulamento das eleições às Cortes Extraordinárias e
Constituintes agravou ainda mais o problema, com os militares a considerarem que a lei favorecia
a eleição dos magistrados. Estavam criadas as condições para a tentativa de um golpe militar que
ficou conhecido por "Martinhada", por ter ocorrido a 11 de novembro, dia de S. Martinho.

As eleições para as Cortes Constituintes, através de sufrágio indireto, tiveram finalmente lugar
em dezembro de 1820. As Cortes Constituintes iniciaram, solenemente, os seus trabalhos na
sessão preparatória de 24 de janeiro de 1821, tendo sido admitidos "tantos espectadores quantos
permitiu a capacidade das Galerias"

-A Constituição de 1822
• Nas primeiras reuniões das Cortes Constituintes, os deputados eleitos juraram ser fiéis ao rei,
à Constituição e à religião católica. Entre as suas primeiras iniciativas, estiveram a nomeação
de uma nova regência e a redação de cartas a D. João VI, pondo o monarca a par dos
acontecimentos.
• Essas inquietações começaram a dissipar-se com a chegada a Lisboa de D. João VI, no dia 3
de julho de 1821. O rei desembarcou no dia seguinte e fez o trajeto entre a Praça do Comércio
e o Palácio das Necessidades, sede das Cortes Extraordinárias e Constituintes, também
chamadas de Soberano Congresso. Aí prestou juramento às Bases da Constituição,
documento que havia sido aprovado a 9 de março de 1821 e que antecipava uma nova era
constitucional em Portugal.
• A Constituição de 1822 é um longo documento de 240 artigos, baseado na Constituição
espanhola de 1812 e nas Constituições francesas de 1791, 1793 e 1795. Nele estão presentes
os grandes princípios do constitucionalismo liberal: os direitos à liberdade, à segurança e à
propriedade, logo nos primeiros artigos; a igualdade perante a lei; a soberania da Nação; a
separação de poderes.
• Em contrapartida, não reconhece qualquer privilégio ao clero e à nobreza e submete o poder
real à supremacia das Cortes Legislativas.

Demasiado progressista para o seu tempo, a Constituição de 1822 foi fruto da ala mais radical dos
deputados presentes às Cortes Constituintes, cuja ação é conhecida por vintismo. Desde o início
da reunião da assembleia, tornou-se clara a existência de uma tendência moderada, respeitadora
da monarquia e do catolicismo e que se inclinava para a adoção de uma Constituição
conservadora, e de uma tendência radical, democrática. A fação radical conseguiu transpor para
o texto constitucional as suas conceções políticas e até religiosas.

Aprovado a 23 de setembro de 1822, o texto constitucional consagrava a divisão tripartida dos


poderes, assim distribuídos:
o legislativo - entregue a uma única câmara, as Cortes Legislativas, cujos deputados eram eleitos
através de sufrágio direto por homens maiores de 25 anos (ou maiores de 20, se fossem casados)
que soubessem ler e escrever;
o executivo - exercido pelo rei, que podia recorrer ao veto suspensivo, isto é, quando não
concordasse com uma lei, poderia remetê-la ao Congresso para efeito de segunda votação, mas
esta seria definitiva e de aceitação obrigatória para o monarca;
o judicial - exercido pelos juízes e tribunais, com absoluta independência perante as Cortes e o
rei.
-A legislação vintista
Embora centradas na elaboração da Constituição e na instauração do primeiro sistema de governo
parlamentar, as Cortes legislaram em muitos outros domínios, propondo grandes reformas para
eliminar as estruturas do Antigo Regime.
• Entre as medidas mais significativas que as Cortes tomaram, contam-se: -a extinção da
Inquisição; -a abolição da censura prévia e a instituição da liberdade de imprensa; -a fundação
do primeiro banco português, o Banco de Lisboa; -a transformação dos bens da Coroa em
bens nacionais; -o encerramento de numerosos mosteiros e conventos e a supressão do
pagamento da dízima à Igreja; -a eliminação dos privilégios judiciais quanto a assuntos
criminais e civis.
➢ Os deputados vintistas, respondendo a inúmeras petições chegadas às Cortes, procederam
ainda a uma reforma dos forais. Para conseguir desembaraçar a agricultura de obstáculos que
impediam o campesinato de aceder mais plenamente aos seus frutos, suprimiram, pelo decreto
de 20 de março de 1821, todo um conjunto de direitos banais e tributos pessoais.

➢ No entanto, a "Lei dos Forais" (3 de junho de 1822), mesmo reduzindo para metade as rendas
e pensões devidas pelos agricultores, não agradou ao pequeno campesinato dos rendeiros por
dois motivos: primeiro, as arbitrariedades na conversão das rendas em prestações fixas em
dinheiro; segundo, nas terras não regulamentadas por cartas de foral, os tributos tradicionais
mantiveram-se.
➢ Na verdade, a ação do vintismo revelou-se plena de contradições. Se, no plano político, foram
adotadas medidas inequivocamente liberais, no domínio socioeconómico, a legislação vintista
manifestou-se precária. O facto de muitos deputados serem proprietários rurais explica a
atitude protecionista das Cortes liberais, comprovada pela continuidade dos privilégios
económicos da Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e pela proibição da
importação de produtos como os cereais, o azeite e o vinho.

-A independência do Brasil
A caminho da separação
➢ A corte portuguesa residiu no Brasil de 1808 a 1821, período de um extraordinário progresso
económico, político e cultural daquele território, elevado a reino em 1815. Com os seus portos
abertos à navegação estrangeira e dotado de indústrias, de um banco nacional, de tribunais,
de instituições de ensino, de uma biblioteca e de uma imprensa local, o Brasil abandonava a
sua condição de colónia e o Rio de Janeiro assumia-se como a sede da monarquia portuguesa.
➢ Se ao desenvolvimento atrás enunciado acrescentarmos a influência do profundo sentimento
de liberdade coletiva que, desde o início do século, vinha arrastando as colónias americanas
da Espanha para a independência, compreenderemos, enfim, os anseios autonomistas dos
brasileiros.

-A atuação das Cortes Constituintes


➢ A política antibrasileira das Cortes Constituintes de Portugal acabou por acelerar o processo
de independência daquele território. A maioria dos deputados queria, efetivamente, restituir
o Brasil à condição de colónia, rejeitando o estatuto de "Reino Unido" de que usufruía.
➢ Com esse objetivo, legislaram no sentido de anular os benefícios comerciais atribuídos ao
Brasil, ao longo da permanência de D. João VI, e de o subordinar administrativa, judicial e
militarmente a Lisboa.
➢ Aconselhado a desobedecer, D. Pedro permaneceu no Brasil num ambiente de elevada tensão
e animosidade contra as Cortes Constituintes. Chegou-se ao ponto, inclusive, de serem
consideradas inimigas as tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil.
➢ A independência declarada por D. Pedro nas margens do Ipiranga, em São Paulo, a 7 de
setembro de 1822, só viria a ser reconhecida por Portugal em 1825, tendo, para o efeito,
contribuído o esforço da diplomacia britânica, sinceramente empenhada no domínio do
mercado americano após ter perdido as suas colónias da América do Norte.
➢ Traumática para Portugal, a separação do Brasil representou, especialmente, um rude golpe
para os revolucionários vintistas. Não só pôs em causa os seus interesses comerciais e
industriais, como comprometeu a recuperação financeira do país, fazendo crescer o
descontentamento e a oposição.

-A resistência ao Liberalismo A oposição absolutista


A Revolução de 1820 deparou-se com várias dificuldades. Para começar, sucedeu num tempo em
que as grandes potências procuravam eliminar os vestígios da Revolução Francesa. Com efeito,
vários diplomatas portugueses que se opunham à instauração do Liberalismo no nosso país
procuraram apoio externo junto de forças conservadoras europeias.
➢ A nobreza e o clero mais conservadores estavam descontentes com o radicalismo da
Constituição e sentiam-se prejudicados pela abolição de antigos privilégios senhoriais.
Animados pela ideia de uma contrarrevolução absolutista, encontraram o apoio necessário
junto da rainha D. Carlota Joaquina, que em novembro de 1822 recusou jurar a Constituição.
➢ A contrarrevolução eclodiu em 1823, animada pela intervenção estrangeira na vizinha
Espanha, onde a monarquia absolutista fora restaurada na pessoa de Fernando VII, irmão de
D. Carlota Joaquina.
➢ A revolta, conhecida por Vila-Francada, terminou quando o rei D. João VI retomou o
comando da situação, defendendo a alteração da Constituição.
➢ As Cortes ordinárias, manifestando a sua oposição relativamente a qualquer modificação do
texto constitucional, interromperam as sessões. Controlada a resistência parlamentar, D. João
VI remodelou o governo, entregando-o a absolutistas e liberais moderados, e nomeou D.
Miguel comandante-chefe do Exército.

Os ânimos, no entanto, continuaram ao rubro. Em abril de 1824, os partidarios de D. Miguel


prenderam os membros do Governo e semearam a confusão em Lisboa, no sentido de levar o rei
a abdicar e a confiar a regência à sua esposa. Auxiliado pelo corpo diplomático, D. João VI
conseguiu, mais uma vez, travar o golpe, conhecido por Abrilada, e disciplinar o filho rebelde, a
quem apontou o caminho do exílio.

Carta Constitucional e a tentativa de apaziguamento político-social


O falecimento de D. João VI, em 1826, agravou as tensões que marcavam a cena política. D.
Pedro considerou-se o legítimo herdeiro da Coroa portuguesa e, a 26 de abril, confirmou a
regência provisória da sua irmã, a infanta D. Isabel Maria. No dia 29, outorgou um novo diploma
constitucional, mais moderado e conservador - a Carta Constitucional.

➢ Sendo um diploma outorgado pelos governantes, ao contrário das Constituições, que são
aprovadas pelos representantes do povo, era de esperar uma recuperação do poder real e dos
privilégios da nobreza. Na verdade, a Carta de 1826 representou um manifesto retrocesso
relativamente à Constituição de 1822, introduzindo várias medidas conservadoras:
• o as Cortes passaram a funcionar num sistema bicamaral - uma Câmara dos Deputados
eleita através de sufrágio indireto e censitário; uma Câmara dos Pares constituída pela
alta nobreza, o clero, o príncipe real e os infantes, nomeados a título vitalício e
hereditário;
• o reforço do poder régio - através do poder moderador, o rei podia nomear os Pares,
convocar as Cortes e dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir o Governo e
até vetar a título definitivo as resoluções das Cortes;
• os direitos do indivíduo foram relegados para o fim do diploma.
➢ D. Pedro acabou por abdicar dos seus direitos à Coroa portuguesa na filha mais velha, a
princesa D. Maria da Glória, de 7 anos de idade. Esta deveria celebrar esponsais com seu tio,
o infante D. Miguel, que, ao regressar do seu exílio em Viena de Áustria, juraria o
cumprimento da Carta Constitucional e, de imediato, assumiria a regência do Reino de
Portugal.
-A guerra civil
D. Miguel regressou a Portugal em fevereiro de 1828 e ainda prestou juramento à Carta
Constitucional, parecendo honrar o compromisso assumido com o seu irmão. Todavia, esta
adesão ao Liberalismo foi efémera, porque logo em julho se fez aclamar rei absoluto por umas
Cortes convocadas à maneira tradicional, isto é, por ordens.
➢ Milhares de liberais, temendo perseguições, partiram para o exílio na França e em Inglaterra,
onde organizaram a resistência. Os que ficaram sujeitaram-se a uma repressão sem limites,
período conhecido por terror miguelista.
➢ Em 1831, D. Pedro abdicou do trono brasileiro e veio lutar pela restituição à filha do trono
português. Mobilizando influências diplomáticas nas cortes europeias, conseguiu os recursos
necessários à constituição de um pequeno exército.
➢ Em fevereiro de 1832, cerca de 7500 homens partiram da ilha Terceira, bastião da resistência
liberal, desembarcando, em julho, no Mindelo.
➢ Seguiu-se a ocupação da cidade do Porto, contrariando as expectativas do exército miguelista,
concentrado nas proximidades de Lisboa. Na cidade do Norte, cercada pouco depois pelas
forças absolutistas, viveu-se o episódio mais dramático do confronto entre liberais e
absolutistas - o Cerco do Porto.
A guerra civil durou, ainda, dois longos anos, no decorrer dos quais os exércitos de D. Pedro
organizaram uma expedição ao Algarve e tomaram Lisboa. As batalhas de Almoster e Asseiceira
confirmaram a derrota de D. Miguel, que depôs as armas, assinou a Convenção de Évora Monte
e partiu, definitivamente, para o exílio. Definitivamente, também, o liberalismo instalou-se em
Portugal.

-O novo ordenamento político e socioeconómico


A ação reformadora da regência de D. Pedro
Desde que assumiu a regência liberal nos Açores, a 3 de março de 1832, D. Pedro não se poupou
a esforços para que o cartismo triunfasse e à sua sombra se construísse o Portugal novo. Decorria
ainda a guerra civil e o primeiro ministério liberal já promulgava as adequadas reformas
económicas e sociais, administrativas, judiciais e fiscais.

Importância da legislação de Mouzinho da Silveira e outras reformas


A Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda e da Justiça do primeiro ministério liberal, coube a
autoria das grandes reformas legislativas que consolidaram o liberalismo. Na verdade, se D. Pedro
destruiu o absolutismo com a força das armas, foi o seu ministro que demoliu o Antigo Regime
ao legislar nos mais variados domínios:
• propriedade - aboliram-se de vez os pequenos morgadios, os forais e os dízimos e
extinguiram-se os bens da Coroa e respetivas doações;
• comércio - aboliram-se as portagens e demais encargos sobre a circulação interna de
mercadorias e, no que respeita ao comércio externo, diminuíram-se os direitos de exportação;
suprimiram-se os monopólios do sabão e do vinho do Porto; publicou-se o primeiro Código
Comercial, da autoria de Ferreira Borges, que refletiu os princípios de livre produção e
circulação dos produtos, isto é, do liberalismo económico;
• administração - desenhou-se uma nova organização administrativa, de índole mais
centralizadora; o país ficou dividido em províncias, comarcas e concelhos, tendo à frente
funcionários de nomeação régia;
• finanças - substituiu-se o secular sistema de tributação local, através do qual grande parte dos
impostos revertia a favor da nobreza e do clero, por um sistema de tributação nacional
centralizado no Tribunal do Tesouro Público;
• justiça - introduziu-se o princípio do júri nos tribunais e dividiu-se o território em círculos
judiciais; no topo da hierarquia, erguia-se o Supremo Tribunal da Justiça, instalado em
Lisboa, composto por juízes-conselheiros e com jurisdição sobre todo o reino.
• O clero foi especialmente afetado pela legislação liberal. O facto de muitos mosteiros terem
apoiado ativamente o absolutismo miguelista permitiu ao Ministério de D. Pedro efetivar uma
série de medidas tendentes à eliminação do clero regular.
• Expulsaram-se os Jesuítas, que D. Miguel acolhera em 1829, e proibiram-se os noviciados
em qualquer mosteiro. Finalmente, por um decreto de 1834, da autoria de Joaquim António
de Aguiar, extinguiram-se todos os conventos, mosteiros, colégios e hospícios das ordens
religiosas masculinas, cujos bens foram confiscados pelo Estado.
Esta nacionalização de bens atingiu igualmente os nobres identificados com a causa miguelista e
nem as propriedades da Coroa escaparam. Em 1834-35, o Estado liberal procedeu à venda dos
bens nacionais em hasta pública para pagar as dívidas contraídas e, assim, evitar um impopular
aumento de impostos.

-Os projetos setembrista e cabralista


A Revolução de Setembro de 1836
A vitória definitiva do liberalismo, em 1834, não trouxe a estabilidade que o país há tanto ansiava.
Enquanto os miguelistas, através de guerrilhas espalhadas pelo país, procuravam regressar ao
poder, a "família" liberal acentuou a sua divisão em dois grandes grupos: os vintistas,
defensores da Constituição de 1822, e os cartistas, adeptos da Carta Constitucional. Na prática,
a guerra civil não acabara e logo em 1836, em Lisboa, a Revolução de Setembro agitou a cena
política.

• Protagonizada pela pequena e média burguesias e com largo apoio das camadas populares, a
Revolução de Setembro reagiu tanto aos excessos de miséria, em que a guerra civil colocou
o país, como à atuação do Governo cartista, acusado de beneficiar a alta burguesia com a
concessão de títulos de nobreza e com a venda dos bens nacionais em hasta pública.
• Os acontecimentos precipitaram-se em 9 e 10 de setembro de 1836, com a chegada a Lisboa
dos deputados eleitos no Norte para as Cortes. Ouviram-se "vivas" à Constituição e "morras"
ao Governo.
• O novo Governo saído da Revolução de Setembro, onde sobressaíram as figuras do visconde
Sá da Bandeira e do parlamentar nortenho Passos Manuel, declarou-se mais democrático,
empenhando-se em valorizar a soberania da nação e, inversamente, reduzir a intervenção
régia, o que suscitou uma pronta reação de D. Maria II ao setembrismo.

-Atuação do Governo setembrista


Acabou por se encontrar uma solução de compromisso entre o radicalismo democrático da
Constituição de 1822 e o espírito monárquico da Carta de 1826, que se concretizou num novo
diploma constitucional, a Constituição de 1838:
• manteve-se a separação de poderes, mas o monarca perdeu o poder moderador;
• voltou a vigorar o sufrágio direto, mantendo-se, porém, o sufrágio censitário;
• embora o rei pudesse sancionar e vetar em definitivo as leis saídas das Cortes, a
instituição da Câmara dos Senadores, com carácter eletivo e temporário, limitou o poder
régio.

No que se refere à política económica, o setembrismo procurou corresponder aos propósitos de


desenvolvimento nacional da pequena e da média burguesia, como demonstram as seguintes
medidas:
• proteção da indústria nacional, através de uma pauta alfandegária protecionista: todos os
produtos que entrassem no país ficavam obrigados ao pagamento de direitos,
especialmente aqueles que faziam concorrência às produções portuguesas;
• valorização dos territórios africanos, como forma de compensar a perda do mercado
brasileiro: a fim de atrair o investimento de capitais para outras áreas que não o comércio
de escravos, proibiu-se este tráfico nos territórios portugueses a sul do equador;
• reforma do ensino primário, secundário e superior: preocupados com a formação de elites
qualificadas e com a instrução de amplas camadas da população, os setembristas criaram
Escolas Médico-Cirúrgicas, Escolas Politécnicas e Academias de Belas-Artes no Porto e
em Lisboa, reformaram a Universidade e inauguraram o ensino liceal.

Os resultados destas medidas não corresponderam ao esperado. A falta de capitais e de vias de


comunicação e a instabilidade que continuou a marcar a vida nacional ditaram o relativo fracasso
da política económica setembrista. Mesmo no plano industrial, apesar do protecionismo adotado,
os resultados mostraram-se bem aquém do pretendido.

O cabralismo e o regresso à Carta Constitucional


Com efeito, o Governo setembrista enfrentou constantes tentativas da restauração da Carta
Constitucional. Em janeiro de 1842, num golpe de Estado pacífico, foi o próprio ministro da
Justiça, António Bernardo da Costa Cabral, quem, finalmente, pôs termo à Constituição de 1838.
A nova governação, conhecida por cabralismo, alicerçou-se nos princípios da Carta e fez regressar
ao poder a grande burguesia.
Sob a bandeira da ordem pública e do desenvolvimento económico, Costa Cabral apostou nas
seguintes áreas:
• o fomento industrial: difundiu-se a energia a vapor;
• reforma administrativa e fiscal: promulgou-se um Código Administrativo (1842) de cariz
centralizador e criou-se o Tribunal de Contas (1849) para fiscalizar todas as receitas e
despesas do Estado;
• obras públicas: procedeu-se à construção e reparação de estradas e levantaram-se algumas
pontes;
• reforma da saúde: proibiram-se os enterramentos nas igrejas.

A inovação e a exigência das medidas de Costa Cabral, aliadas ao autoritarismo que rodeou a sua
implementação, estiveram na origem de uma série de motins populares

➢ As primeiras movimentações sucederam no Minho, em abril e maio de 1846, e são conhecidas


pelo nome de revolta da "Maria da Fonte", uma reação popular à seguinte legislação:
 a Lei das Estradas, que obrigava os camponeses a trabalharem gratuitamente para o Estado
quatro dias por ano na abertura e arranjo de caminhos; as Leis da Saúde, nomeadamente a
que proibia os enterramentos nas igrejas.

Na verdade, em 1846-1847, viveu-se um clima de verdadeira guerra civil entre os adeptos do


cabralismo e uma ampla frente de setembristas, cartistas puros e até miguelistas.
➢ A demissão do Governo e a saída de Costa Cabral para Espanha não foram suficientes para
trazer a acalmia social e política. A guerra civil reacendeu com a chamada "Patuleia", que
decorreu de outubro de 1846 a junho de 1847, tendo como pretexto a demissão de ministros
anti-cabralistas, ordenada por D. Maria II. Iniciada no Porto, alastrou ao resto do país,
chegando-se a colocar a hipótese da deposição da rainha e da instauração de uma república.
➢ Na prática, a rainha e os cartistas saíram vitoriosos, enquanto a força política do setembrismo
estava definitivamente liquidada.

3- O Estado como garante da ordem liberal


O Liberalismo, uma ideologia centrada na defesa dos direitos do indivíduo
Os direitos do Homem
➢ No rescaldo das Revoluções Liberais, no dealbar da Época Contemporânea, o mundo
ocidental assistiu à implantação de um novo sistema de organização política, económica e
social conhecido por Liberalismo. De uma forma genérica, podemos dizer que o Liberalismo
se opõe ao Absolutismo e a qualquer forma de tirania política, defende a soberania da
nação, a livre iniciativa económica e promove as classes burguesas.
➢ A ideologia liberal sobrevaloriza os direitos do indivíduo, uma vez que considera ser a
sociedade composta de indivíduos e não de grupos. Esses direitos são, antes de mais, a
liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.
➢ O Liberalismo apelida-os de direitos naturais, pois derivam da condição humana que é
naturalmente livre e igualitária. Logo em 1789, em França, a famosa Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão reconheceu, no seu artigo 1.°, que "os Homens nascem e são livres
e iguais em direitos".

Os direitos do cidadão; o cidadão, ator político


Para além de Homem, o indivíduo é, segundo o Liberalismo, um cidadão que intervém na
governação. No seu novo papel de ator político, o cidadão passou a exercer a soberania nacional
e a representar a vontade da maioria.
➢ Os cidadãos omo eleitores, escolhiam os representantes para as assembleias e demais cargos
políticos.
➢ Como detentores de cargos, elaboravam as leis e administravam o país, a nível central e local.
Mas, também, participando entusiasticamente nos clubes, assistindo às assembleias onde
apresentavam petições e interpelavam os deputados ou, simplesmente, escrevendo nos
jornais, o cidadão anónimo intervinha na vida pública e condicionava, tantas vezes, as
decisões dos Estados.

O Liberalismo vigente na primeira metade do século XIX fez depender o exercício político da
cidadania de critérios baseados no dinheiro e na propriedade. Por isso, coube à burguesia, a classe
mais rica e instruída, tomar a iniciativa política. Através do sufrágio censitário, reservou para si
o poder político e controlou o acesso às funções públicas e administrativas. Este foi o liberalismo
moderado, que fez do Estado o garante dos interesses burgueses.

O liberalismo político; a secularização das instituições


Para evitar o despotismo, o liberalismo político socorreu-se de uma variedade de fórmulas que
limitam o poder. Este deveria fundamentar-se em diplomas constitucionais, funcionar na base da
separação de poderes e da soberania nacional exercida por uma representação, bem como
proceder à secularização das instituições. Foi através dos textos constitucionais que os liberais
legitimaram o seu poder político.

➢ As constituições liberais resultaram de dois processos: as Constituições propriamente ditas,


votadas pelos representantes da nação; e as Cartas Constitucionais, outorgadas pelos
soberanos.
➢ Na verdade, embora manifestassem a sua admiração pelo regime republicano, os liberais não
rejeitaram a monarquia. Para o liberalismo moderado ou conservador, aliás, devia ser o rei,
fazendo uso das prerrogativas e privilégios que historicamente detinha, a outorgar um
documento constitucional que se transformasse no código político da nação.
➢ Os liberais moderados faziam também depender os direitos e garantias dos cidadãos da
observância rigorosa da separação e do equilíbrio dos poderes político-constitucionais. Para
evitar que uma assembleia legislativa ou o supremo magistrado chamasse a si a totalidade das
competências políticas, fazendo o regime resvalar para o despotismo, advogavam a
necessidade de se proceder à distribuição dos diversos poderes pelos diferentes órgãos de
soberania.
➢ Para os liberais moderados, o princípio da separação e do equilíbrio dos poderes não
invalidava, porém, o reforço do poder executivo, característica existente na Grã-Bretanha e à
qual atribuíam a prosperidade económica e a concórdia civil do país. Foi essa também a
tendência seguida em França, com a Carta de 1814, e em Portugal, com a Carta Constitucional
de 1826.
O Liberalismo pôs em prática o princípio iluminista da soberania nacional. No entanto, a nação
soberana não exercia o poder de forma direta, mas confiava-o a uma "assembleia representativa"
constituída por "ilustres" cidadãos possuidores de um certo grau de fortuna.
➢ Os parlamentos, denominados de Câmara, Dieta, Estados Gerais ou simplesmente
Assembleia, eram o cerne deste sistema representativo, a quem cabiam as funções legislativas
e a supervisão do poder executivo. O liberalismo moderado revelou-se partidário do
bicamaralismo, segundo o qual uma Câmara Baixa, de deputados eleitos, se completava com
uma Câmara Alta, composta pelos descendentes da aristocracia ou outros vultos influentes,
todos eles da escolha do monarca.

Além de um Estado neutro que respeitasse as liberdades e que fizesse aplicar uma lei igual para
todos, o Liberalismo pretendia um Estado laico que separasse a esfera política da religiosa e
secularizasse as instituições. Defensores da liberdade religiosa e das liberdades de consciência,
de pensamento, de expressão, de ensino, os liberais defenderam uma série de reformas destinadas
a emancipar o indivíduo e o Estado da tutela da Igreja:
• legislação sobre o registo civil para os nascimentos, casamentos e óbitos que, até então,
constavam sobretudo dos registos paroquiais;
• criação de uma rede de assistência e de ensino absolutamente laicos, revelando-se a escola
pública um poderoso instrumento de divulgação dos ideais liberais, que se substituíram à
fé, obediência e caridade cristãs pregadas pelos párocos;
• expropriação e nacionalização do património das ordens religiosas, medidas que
contribuíram para debilitar o poderio económico da Igreja, base da sua indiscutível
influência política;
• privação do clero dos privilégios judiciais e fiscais que tradicionalmente auferia.

Esta retirada de poder à Igreja acompanhou uma certa descristianização dos costumes, bem como
episódios de anticlericalismo, que atingiram o auge no século XX, com a publicação das Leis de
Separação da Igreja e do Estado.

O liberalismo económico
O direito à propriedade e à livre iniciativa
Defensor dos direitos e das liberdades individuais, o Liberalismo reagiu contra qualquer forma de
tirania política e económica. O liberalismo económico teve origem no fisiocratismo: ambas as
correntes defendiam a iniciativa individual e a ausência estatal de intervenção na economia,
insurgindo-se, assim, contra o dirigismo mercantilista.

O enciclopedista Quesnay (1694-1774) foi um dos teóricos do fisiocratismo. Partindo do princípio


de que a agricultura é a única criadora de riquezas, defendeu que a terra deveria ser cultivada com
total liberdade pelos proprietários, que promoveriam as devidas inovações. Gournay (1712-1759),
outro fisiocrata, advogou a liberdade de produção industrial e de circulação de mercadorias. A ele
se atribui a expressão "laissez faire, laissez passer'', uma das palavras de ordem do fisiocratismo
e do liberalismo económico.

A Adam Smith (1723-1790) se devem as linhas-mestras do liberalismo económico:


• a livre iniciativa em busca da riqueza como forma de promover o trabalho produtivo, a
poupança, a acumulação de capital, o investimento;
• as leis do mercado, assentes no livre jogo da oferta e da procura e na livre concorrência:
se um produto é solicitado, o seu preço sobe e o seu fabrico é estimulado; o mesmo se
passa com o salário do trabalhador, que se altera pela maior ou menor necessidade de
mão de obra;
• a ausência de intervenção do Estado na regulação da economia, o qual deveria abster-
se de práticas protecionistas e monopolistas, de lançar impostos sobre a circulação, de
fixar preços e salários, de controlar a contratação de mão de obra.
Expressando os interesses da burguesia, o liberalismo económico revelou-se uma força vital para o desenvolvimento do capitalismo
industrial do século XIX.
Os limites da universalidade dos direitos humanos;
a problemática da abolição da escravatura
Os Estados liberais nem sempre garantiram os direitos consagrados nos seus textos jurídicos
(Declarações dos Direitos e Constituições), impondo-lhes limites:
• a igualdade foi desvirtuada pelo sufrágio censitário, que afastou amplas camadas da
população de um efetivo exercício da cidadania, e pela profunda desigualdade entre
homens e mulheres;
• a liberdade, o princípio mais sagrado da ideologia liberal, viu-se desvirtuada pela
manutenção do tráfico de escravos e da escravatura na maior parte dos Estados liberais.

➢ Na França, uma série de medidas foram tomadas, quer pela Assembleia Nacional Constituinte
quer pela Convenção, a fim de pôr cobro ao esclavagismo. A questão tornou-se especialmente
calorosa quando os deputados e a opinião pública debateram a extinção ou manutenção da
escravatura nas Antilhas francesas, onde a revolta dos escravos ameaçava os interesses
açucareiros dos proprietários e comerciantes franceses.
➢ Assim se explica que, depois de abolida pela Convenção em 1794, a escravatura nas colónias
fosse restabelecida por Napoleão em 1802, só ficando definitivamente erradicada em 1848.
➢ As ideias abolicionistas ganharam também expressão na Inglaterra, onde se formaram
associações com o objetivo de pôr termo ao esclavagismo. Estas ideias acabariam por se
materializar em duas leis votadas pelo Parlamento britânico ainda na primeira metade do
século XIX. Em 1807, o Slave Trade Act pôs fim ao tráfico de escravos e, em 1833, através
do Slavery Abolition Act, aboliu-se a escravatura na maior parte das colónias britânicas.
Por razões económicas, a Inglaterra exerceu fortes pressões sobre vários Estados para abolirem o
tráfico de escravos. Foi o caso de Portugal.

A abolição da escravatura em Portugal


A problemática da abolição da escravatura em Portugal gravitou, essencialmente, em torno da
proibição do tráfico negreiro, de que o nosso país, por razões históricas, foi um dos grandes
agentes.
➢ Na segunda metade do século XVIII, a legislação pombalina preparou a extinção da
escravatura na metrópole, ao proibir o transporte de escravos negros para Portugal e
libertando os filhos dos escravos que aí nascessem.
➢ No entanto, a venda de escravos negros no mercado brasileiro continuou a alimentar os lucros
de muitos traficantes que demandavam as colónias portuguesas em África. Já no século XIX,
foram inúmeras as pressões da Grã-Bretanha para que Portugal pusesse fim ao tráfico
negreiro, alegando razões filantrópicas, isto é, de defesa dos Direitos do Homem.
➢ Porém, na liderança da revolução industrial, eram as motivações económicas que estavam na
raiz da pressão britânica. O papel preponderante dos ingleses na economia portuguesa
facultava-lhes o acesso aos recursos minerais e agrícolas das nossas colónias, cuja exploração
ficava comprometida com a sangria de mão de obra que o tráfico negreiro representava.

Motivos semelhantes - filantrópicos e económicos - levaram o visconde de Sá da Bandeira,


membro do governo setembrista, a decretar a proibição de importação e exportação de escravos
das colónias portuguesas ao sul do equador, concretizada em dezembro de 1836.
➢ Face à independência do Brasil e à desestruturação que a nossa economia então
experimentara, Sá da Bandeira reparou a necessidade do desenvolvimento dos territórios de
África, onde a exploração do tráfico daria lugar ao fomento das atividades produtivas e à
criação das infraestruturas adequadas.
➢ Finalmente, em fevereiro de 1869, o rei D. Luís assinava e fazia publicar o decreto do
Governo, presidido pelo então marquês de Sá da Bandeira, onde se determinava que: "Fica
abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia
da publicação do presente decreto". Foi este o último ato de um longo e conflituoso processo
que conduziu ao abolicionismo em Portugal.
A abolição da escravatura nos Estados Unidos da América
Também na jovem república dos Estados Unidos da América os princípios da liberdade e da
igualdade, inscritos na sua Declaração da Independência em 1776, conviveram,
contraditoriamente, durante quase um século com a escravatura dos negros. De facto, a
Constituição do país permitiu a existência de escravos, deixando ao critério de cada Estado a sua
extinção.
➢ O afrontamento entre abolicionistas e esclavagistas intensificou-se na segunda metade do
século XIX, vindo a culminar numa violenta guerra civil de 1861 a 1865 - a Guerra da
Secessão, que opôs os Estados do Sul aos do Norte.
➢ A vitória do Norte trouxe consigo o triunfo dos direitos humanos. Ainda em 1863, em plena
guerra, o Governo da União não hesitou em proclamar extinta a escravatura no Sul. O
abolicionismo ficaria consagrado quando, em 1865, a 13.° Emenda à Constituição pós termo
à escravatura em qualquer ponto dos EUA.
➢ Entre dificuldades, o abolicionismo consolidou-se na América do Norte. A 15.° Emenda à
Constituição, de 27 de fevereiro de 1869, reconheceu direitos políticos aos antigos escravos,
procurando a sua plena integração cívica.

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