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A Implementação do Liberalismo em

Portugal

Antecedentes e Conjuntura (1807-1820)

Ao abrir o século XIX, Portugal parecia escapar aos ventos do Liberalismo, que
sopravam
fortemente na França e dela irradiavam para o resto do continente.
Mas, na verdade, o príncipe D. João (futuro D. João VI), que D. Maria I fizera
regente, governava um país profundamente ligado ao Antigo Regime. As atividades
primárias predominavam. Pesadas obrigações senhoriais condenavam o
campesinato à miséria. O absolutismo estava para durar.
Todavia, nos principais centros urbanos, uma burguesia comercial, ligada aos
tráficos com o Brasil, ansiava pela mudança.
Lutavam pelo exercício da liberdade política e económica; pelo fim dos privilégios
sociais, dos constrangimentos religiosos, do fanatismo. Em suma, pelo fim da tirania
Uma conjuntura favorável lançou em breve o país no caminho das transformações
liberais, permitindo materializar as aspirações de mudança. Mais concretamente, ao
impacto que as Invasões Francesas tiveram em Portugal.

As invasões francesas e a dominação inglesa em Portugal

Efeitos das invasões francesas

Decidido a abater o poderio da Inglaterra, Napoleão Bonaparte decretou, em finais


de 1806, o Bloqueio Continental, nos termos do qual nenhuma nação europeia
deveria comerciar com as Ilhas Britânicas.
Fiel à sua velha aliada, mas não querendo hostilizar o imperador dos Franceses e
arriscar uma invasão, o Príncipe Regente adotou uma política ambígua.
Esta atitude custou ao país, de 1807 a 1877, o flagelo das três invasões
napoleónicas.
O embarque da família real para o Brasil, que de colónia passou a sede de
Governo, permitiu a Portugal manter a independência do Estado.
O preço a pagar revelou-se bem alto, pela devastação e pela destruição que as
invasões causaram, mas, especialmente, pelo domínio político e económico que a
Inglaterra exerceu, doravante, entre nós.
Quatro anos de guerra com a França deixaram o país na miséria.
A região a norte do Tejo ficou particularmente destruída pelos combates e pelas
crueldades dos soldados
A agricultura, o comércio e a indústria foram profundamente afetados
O património nacional sofreu importantes perdas em consequência do saque de
mosteiros,
igrejas, palácios
Corte ausente, ingleses presentes

De 1808 a 1821, Portugal viveu na dupla condição de protetorado inglês e de


colónia brasileira. D. João V teimava em permanecer no Brasil, proclamado reino
em 1815, para grande descontentamento dos Portugueses, que sofriam a
humilhação da presença inglesa.
O marechal Beresford tornou-se comandante das tropas portuguesas:
responsável pela reestruturação do exército e pela organização da defesa do reino
contra os Franceses Os seus poderes chegaram, até, a sobrepor-se aos da
Regência.
Beresfor:
- exerceu um rigoroso controlo sobre o funcionalismo e a economia
reativou a Inquisição
- encheu as prisões de suspeitos de jacobinismo
A repressão de Beresford atingiu particular crueldade em 1817, quando o general
Gomes Freire de Andrade e mais 11 oficiais do exército foram executados, por
suspeita de envolvimento numa conspiração.
Entretanto, a situação económica e financeira assumia controlos de elevada
gravidade:
- em 1820, as despesas ultrapassaram as receitas
- a agricultura definhava
- o comércio decrescia
Para esta situação muito contribuíram a abertura dos portos do Brasil, em 1808, ao
comércio internacional – assim como o tratado do comércio de 1810 com a
Grã-Bretanha, considerado uma espécie de confirmação do Tratado de Methuen. As
mercadorias britânicas, nomeadamente as manufaturas, entravam com grandes
facilidades em Portugal e seus domínios.
A perda do exclusivo comercial com o Brasil revelou-se desestruturante para a
economia portuguesa.
Ao abrigo do pacto colonial, a colónia brasileira abastecia, a bom preço, a metrópole
de alimentos (arroz, café, açúcar) e de matérias-primas (algodão, peles, couros,
tabaco, madeira), muitos deles, depois reexportados constituía, ao mesmo tempo,
um mercado garantido de escoamento para a produção manufatureira nacional
Privada de importantes tráficos, em consequência da conjuntura relatada, a
burguesia portuguesa sofreu sérios prejuízos.
A rebelião em marcha
Não espanta, portanto, que a agitação revolucionária lavrasse no seio da burguesia
a ela se ficou a dever a preparação da rebelião. No Porto, Manuel Fernandes Tomás
fundou, em 1817, uma associação secreta com o nome de Sinédrio, cujos membros
pertenciam à Maçonaria. Atento aos acontecimentos políticos, o Sinédrio
propunha-se intervir logo que a situação se revelasse propícia, o que veio a
acontecer em 1820.
Em janeiro, na Espanha, uma revolução liberal restaurou a Constituição de 1812. A
Espanha tornou-se, então, centro de uma vasta rede de agitação política e Portugal
passou a receber
muita propaganda liberal.
Depois, em março, Beresford embarcou em direção ao Brasil, com o objetivo de
solicitar ao rei:
- dinheiro para pagamento das despesas militares
- mais amplos poderes para reprimir a crescente onda de agitação
A ausência do marechal favoreceu a ação do Sinédrio. Esta revolução viria a ocorrer
a 24
de agosto de 1820.

A Revolução de 1820 e as Dificuldades de Implantação da


Ordem Liberal (1820-1834)

O vintismo
O triunfo da Revolução vintista

O movimento sucedido no Porto, a 24 de agosto de 1820, foi essencialmente um


pronunciamento militar com forte participação de negociantes, de magistrados e até
de proprietários fundiários.
Esta união de interesses permitiu o sucesso de acontecimento e poderá explicar-se
pelo facto de o ressentimento contra a presença britânica tanto afetar os militares
portugueses (preteridos nas promoções) como a burguesia comercial e os
proprietários (dependentes do tráfico e do escoamento do vinho e de outras
produções). Dirigentes da revolução: António da Silveira, Manuel Fernandes Tomás,
José Ferreira Borges e José da Silva Carvalho. Todos eles vieram a fazer parte da
Junta Provisional do Supremo Governo do Reino.
A Manuel Fernandes Tomás coube a redação do Manifesta aos Portugueses, no
qual dava a conhecer os objetivos do movimento. Os homens de 1820 veiculavam
um profundo sentimento de nacionalismo e respeito pela monarquia e pelo
catolicismo Dispostos a regenerar a Pátria, apelavam à aliança do rei com as forças
sociais representadas nas Cortes
Da convocação de umas novas Cortes esperavam uma Constituição, defensora da
autoridade régia e dos direitos dos portugueses.
Por todo o país, a revolução de 24 de agosto encontrou adesão imediata.
Em Lisboa, a 15 de setembro, um movimento autónomo de oficiais, apoiado pelos
burgueses e populares, expulsou os regentes e constituiu um governo interino.
A 28 de setembro, os governos do Porto e de Lisboa fundiram-se numa nova Junta
Provisional do Supremo Governo do Reino:
- Freire de Andrade na presidência.
- António da Silveira na vice-presidência
- Manuel Fernandes Tomás, encarregado dos Negócios do Reino e Fazenda
O novo governo exerceu funções durante quatro meses. Teve, como principal tarefa:
A organização de eleições para as Cortes Constituintes – iniciadas a 24 de janeiro
de 1821 Como a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino reconheceu, a
revolução vintista triunfou sem derramamento de sangue.
Precariedade da legislação vintista de caráter socioeconómico

Nas Cortes Extraordinárias e Constituintes, também chamadas de Soberano


Congresso, pulsou o coração da vida política portuguesa. Embora a elaboração da
Constituição e a instauração do primeiro sistema de governo parlamentar tenha sido
a fundamental incumbência, as Cortes legislaram em muitos outros domínios
propondo grandes reformas para eliminar as estruturas do Antigo Regime

Entre as medidas mais significativas que as Cortes tomaram, contam-se:

- a extinção da Inquisição e da censura prévia


- a instituição da liberdade de imprensa e da liberdade de ensino
- a fundação do primeiro banco português, o Banco de Lisboa
- a transformação dos bens da Coroa em bens nacionais
- a suspensão dos noviciados nas ordens regulares e o encerramento de
numerosos mosteiros e conventos considerados injustificáveis
- a suspensão do pagamento da dízima à Igreja
- a eliminação das justiças privadas, bem como dos privilégios judiciais quanto
a assuntos criminais e civis
- a reforma dos forais e das prestações fundiárias

A reforma dos forais pretendeu libertar os camponeses dos vínculos de cariz


senhorial, procurando solucionar o atraso da agricultura. Uma vez que a ordem
social do Antigo Regime repousava na propriedade da terra por parte de uma
minoria privilegiada, havia que desembaraçar a agricultura de obstáculos que
impediam o campesinato de aceder mais plenamente aos seus frutos. Para o
conseguir, os deputados das Cortes suprimiram, em 1821, todo um conjunto de
direito banais e de tributos pessoais, entre os quais:

- o monopólio de fornos e lagares


- o relego – obrigatoriedade de os camponeses só venderem o seu vinho após
o escoamento da colheita dos proprietários
- a aposentadoria – dever de alojar e alimentar os senhores e suas comitivas
- as coudelarias – dever de sustentarem cavalos para a guerra
- as portagens e as jeiras – trabalho gratuito na reserva ou quinta do senhor

Em 1822 (3 de junho), a “Lei dos Forais” reduziu para metade as rendas e pensões
devidas pelos agricultores. Mas esta lei decepcionou o pequeno campesinato dos
rendeiros por dois motivos.

1) As referidas rendas, de um modo geral variáveis, passaram a prestações fixas


convertíveis em dinheiro, o que gerou arbitrariedades na conversão

2) Nas terras não regulamentadas por cartas de foral, as prestações tradicionais


mantiveram-se. A desigualdade criada resultou num clima de instabilidade social.
A ação do vintismo revelou-se plena de contradições. Medidas liberais foram
tomadas, de que a mais ousada resultou na elaboração da Constituição.
Mas, quanto à atuação socioeconómica, a legislação vintista manifestou-se precária
A Constituição de 1822

Coube às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa a


elaboração do texto constitucional português, promulgado pelo rei D. João VI a 1 de
outubro de 1822. A Constituição de 1822 é baseada na Constituição espanhola de
1812 e nas Constituições francesas de 1781. Reconhece os direitos e os deveres do
indivíduo, garantindo a liberdade, a segurança, a propriedade e a igualdade perante
a lei, afirma a soberania da Nação, cabendo aos maiores de 25 anos, que
soubessem ler e escrever, a eleição direta dos deputados, aceita a independência
dos poderes legislativo, executivo e judicial, não reconhece qualquer prerrogativa à
nobreza e ao clero, submete o poder real à supremacia das Cortes Legislativas.
A Constituição foi fruto da ala mais radical dos deputados presentes às Cortes
Constituintes, cuja ação é conhecida por vintismo. Desde o início da reunião da
assembleia, tornou-se clara a existência de:
uma tendência moderada, respeitadora da monarquia e do catolicismo e que se
inclinava para a adoção de uma Constituição conservadora uma tendência radical,
democrática, cujos principais líderes eram Fernandes Tomás, Ferreira Borges e
Borges Carneiro, Violentas polémicas desencadearam-se em torno da questão, da
estrutura das câmaras e da natureza do veto régio.
No que se refere à religião, os deputados conservadores entendiam que o
catolicismo deveria ser a única religião permitida no reino, ao mesmo tempo que
advogam uma censura prévia aos escritos sobre a Igreja e a religião.
Esta opinião viu-se ultrapassada pela facção radical que fez vigorar o princípio de
que a religião católica era a religião oficial dos Portugueses e não consentiu a
censura aos escritos eclesiásticos. Apesar de ainda não estar consagrada na lei a
liberdade religiosa (para os Portugueses), a verdade é que os estrangeiros podiam
realizar livremente os respectivos cultos, pelo que a religião católica acabou por não
ser a única no reino. Sobre o funcionamento das Cortes Legislativas, os deputados
conservadores defenderam o sistema bicameral:
- uma Câmara de Deputados do Povo
- uma Câmara Alta, que representaria as classes superiores
Mas a ala radical presente nas Constituições impôs a solução oposta – Câmara
única. O mesmo aconteceu com o problema do veto, solucionado o contento dos
radicais:quando não concordasse com uma lei, o monarca poderia remetê-la ao
Congresso para efeito de segunda votação, mas esta seria definitiva e de aceitação
obrigatória para o rei, no fundo, a verdadeira soberania residia nas Cortes,
representativas da Nação. Todavia, se vencedor destas polémicas questões numa
primeira fase, o radicalismo vintista ressentiu-se, de futuro, das tensões encontradas
e das oposições criadas.

A desagregação do Império Atlântico: a independência do


Brasil

A caminho da separação

De 1808 a 1821, D. João VI e a corte residiram no Brasil.


Transformada em sede da monarquia portuguesa e elevado a reino em 1815, a
antiga colónia
acusou um progresso económico, político e cultural.
Com os seus portos abertos à navegação estrangeira e dotado de:
indústrias, um banco, uma nova divisão administrativa (às províncias), tribunais para
todas
as causas e apelos, instituições prestigiadas de ensino, uma biblioteca, um teatro e
uma
imprensa local
O Brasil era o orgulho de uma forte colônia branca que ultrapassava o milhão de
visitantes.
Se ao desenvolvimento anunciado acrescentarmos a influência do sentimento de
liberdade
coletiva, compreendemos os anseios autonomistas dos brasileiros.
Em 1789, ocorreu uma rebelião nacionalista em Vila Rica, dirigida por estudantes e
homens esclarecidos que chegaram a projetar:
- a independência de Minas Gerais
- a formação de um governo republicano
- A revolta ficou conhecida por Inconfidência Mineira.
Outro motivo independentista sucedeu em 1817:
foi a Revolução Republicana de Pernambuco que, embora condenada ao fracasso,
defendeu o separatismo do Nordeste brasileiro.

A atuação das Cortes Constituintes

A Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820 forçou o regresso de D. João VI a


Portugal.
Pressionado pela opinião pública brasileira a manter-se na América, o monarca
sentiu a inevitabilidade de uma independência próxima. Talvez por isso tenha dito ao
seu primogénito o Príncipe Real D. Pedro, que lá permaneceu como regente.
A independência veio, realmente, a verificar-se a 7 de setembro de 1822 e teve,
como motivos próximos: a política anti brasileira das Cortes Constituintes de
Portugal
A maioria dos deputados queria, efetivamente, restituir o Brasil à condição de
colónia.
Com esse objetivo, legislaram no sentido de:
- anular os benefícios comerciais atribuídos ao Brasil, ao longo da
permanência de D. João VI
- subordinar D. João VI administrativa, judicial e militarmente a Lisboa

CONSTITUIÇÃO 1822

A revolução de 1820 lançou as bases da primeira experiência liberal portuguesa e deu


origem à primeira lei fundamental portuguesa: a Constituição de 1822. A Junta Provisional
do Governo Supremo do Reino, órgão que liderou o país após a revolta do Porto de 1820,
onde pontificavam os homens do Sinédrio, com especial destaque para Manuel Fernandes
Tomás, ordenou que se procedesse à eleição de umas Cortes Constituintes que deveriam
elaborar uma Constituição.

O primeiro texto constitucional português teria origem na soberania da Nação. Segundo as


instruções de 22 de novembro de 1820 as eleições seriam indiretas e em três graus: juntas
eleitorais de freguesia; assembleias eleitorais e comarca e assembleias eleitorais de
província. Podiam votar todos os cidadãos masculinos maiores de 25 anos.

Os debates nas Cortes Constituintes foram demorados e bastante acesos, destacando-se a


questão dos poderes reais; o direito de voto; a composição do poder legislativo ou a
organização do poder executivo.

No final, a Constituição de 1822 surgiu como um texto bastante progressista para a época,
inspirado na Constituição de Cádis de 1812, e apresentava a separação dos poderes. O
poder executivo era entregue ao rei que nomeava o governo e não podia demiti-lo. O governo
não tinha iniciativa legislativa e era responsável perante as Cortes, que representavam a
Nação através do voto.

A eleição dos deputados às cortes deveria ser direta e secreta e poderiam votar os cidadãos
maiores de 25 anos com algumas limitações. O poder legislativo estava na posse de uma
única câmara: as Cortes. Deveria ser eleita por dois anos, 1 deputado por 30 000 habitantes,
e tinha como funções: apresentar e votar leis; fiscalizar e controlar o poder executivo. O
poder judicial entregue aos tribunais que eram autónomos e independentes com juízes
perpétuos e inamovíveis, nomeados pelo rei.

A Constituição de 1822 foi aprovada em 23 de setembro de 1822 e esteve em vigor apenas


até maio de 1823, quando se deu o golpe da Vilafrancada. No entanto, é uma marca do
liberalismo português e será sempre uma referência para os liberais mais progressistas,
conhecidos como vintistas.

CARTA CONSTITUCIONAL DE 1826

A Constituição de 1822 nunca foi aceite pelas forças mais tradicionalistas, desde logo os
absolutistas, liderados por D. Miguel e pela mãe, D. Carlota Joaquina, mas também pelos
liberais mais moderados, adeptos de uma maior conciliação entre os antigos grupos
privilegiados e os novos critérios sociais. A conjuntura internacional também não ajudou e
em 1823 o triénio liberal findou em Espanha com a invasão por tropas francesas, dispostas
a acabar com as ideias revolucionárias na Europa. Perante o medo de tal destino em
Portugal, a Vilafrancada, em 1823, e a Abrilada em abril de 1824, ambas lideradas por D.
Miguel, reconduziram Portugal aos princípios de uma sociedade tradicionalista e aboliram o
sistema constitucional.

Após a morte de D. João VI sucedeu-lhe D. Pedro IV, imperador do Brasil. D. Pedro estava
disposto a conciliar a sociedade portuguesa dentro do quadro liberal e avançou com um
novo texto constitucional: a Carta Constitucional de 1826. Este texto era bastante mais
moderado. Desde logo ele nasce da vontade real e não da legitimidade da Nação. A
separação dos poderes é mantida, mas ao executivo, legislativo, judicial foi acrescentado
um 4 poder, privativo do rei: o poder moderador.
O poder executivo pertencia ao rei que nomeava o governo, podendo também demiti-lo. O
poder legislativo era bicameral: câmara dos deputados, eleita pelos cidadãos eleitores, por
sufrágio indireto e censitário; câmara dos pares nomeada pelo rei, hereditária, vitalícia e sem
número fixo. É neste último contexto que o rei pode usar o poder moderador que se estende
ao veto absoluto das leis e à dissolução das cortes. O poder judicial é composto pelos
tribunais com juízes nomeados pelo rei.

Desta forma, a Carta Constitucional foi um documento que tentou equilibrar a sociedade
portuguesa, mantendo a legitimidade da Nação, através da eleição da câmara dos
deputados, equilibrada pelo poder real que nomeava a segunda câmara, por proposta do
governo, onde estavam representados os titulares e os grandes proprietários, elementos
mais conservadores. A Carta Constitucional deu origem a outra corrente mais moderada da
política portuguesa: o cartismo.

Desde que assumiu a regência liberal nos Açores, a 3 de março de 1832,


D. Pedro não se poupou a esforços para que o cartismo triunfasse e à sua
sombra se construísse o Portugal novo.
Ao mesmo tempo que os seus fiéis se batiam contra os absolutistas nas
frentes militares, o primeiro Ministro liberal promulgava as adequadas
reformas económicas e sociais, administrativas, judiciais e fiscais.
A José Xavier Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda e da Justiça,
coube a autoria das grandes reformas legislativas que consolidaram o
Liberalismo.

Importância da legislação de Mouzinho da Silveira

Num dos seus escritos, Mouzinho da Silveira afirmou que “sem terra livre
em vão se invoca a liberdade política”.
Por isso:
- aboliram-se, de vez, os pequenos morgadios, os forais e os dízimos
- extinguiram-se os bens da Coroa e respectivas doações
Com estas medidas pretendia-se disponibilizar mais terra e trabalho para
as massas rurais. A libertação da terra fez-se acompanhar da libertação do
comércio e, de um modo geral, da eliminação de situações de privilégio na
organização das atividades económicas:
- Extinguiram-se as portagens e os encargos sobre a circulação interna de
mercadorias.

Quanto ao comércio externo:


- diminuíram-se os direitos de exportação
- Suprimiram-se também os monopólios do sabão e do vinho do Porto
Em 1833, publicou-se o primeiro Código Comercial. Teve como autor Ferreira
Borges
refletiu os princípios de:
- livre produção e circulação dos produtos
- do liberalismo económico.
Outras medidas de Mouzinho da Silveira permitiram lançar as bases de
uma nova organização administrativa de índole centralizada.
O país ficou dividido em:
- províncias, chefiado por prefeitos
- comarcas, chefiado por subprefeitos
- concelhos, chefiados por provedores
A instituição do Registo Civil teve como objetivo:
- enquadrar civilmente os cidadãos na administração pública
As reformas judiciais prolongaram-se até 1835.
- Introduziu-se o princípio do júri
- Dividiu-se o país em círculos judiciais (depois chamados distritos de
relação):
- comarcas
- julgadas
- freguesias

❖ Uma hierarquia de juízes exercia nestas circunscrições, sendo os dos


círculos e das comarcas nomeados pelo rei e os restantes escolhidos por
eleição
➢ No cume da pirâmide judicial, erguia-se o Supremo Tribunal da Justiça,
instalado em Lisboa, composto por juízes-conselheiros e com jurisdição
sobre todo o reino
A modernidade das medidas judiciais resulta evidente. Ao mesmo tempo que se
eliminaram de vez as velhas justiça de foro privado, concebia-se a lei aplicada de
forma igual para todos e reconhecia-se o direito de petição. As finanças mereceram
uma atenção especial. As suas reformas implicaram a eliminação do secular
sistema de tributação local. Em seu lugar, surgiu um sistema de tributação nacional
devidamente centralizado.
➔ Criou-se o Tribunal do Tesouro Público para efeito de arrecadação de
impostos e contabilização dos fundos do Estado:
➔ Competia-lhe conhecer todas as contas do país e defini-las como
correntes ou não.
Mouzinho da Silveira foi considerado o único homem público do século XIX.
Na verdade, se o Rei-Soldado destruiu o Absolutismo com a força das
armas, ajudou na construção do Estado e da sociedade verdadeiramente
modernos.
A Mouzinho da Silveira se deve o lançamento das bases institucionais,
sem as quais o Liberalismo não frutificará no Portugal do século XI.
A modernidade das medidas judiciárias resulta evidente. Ao mesmo
tempo que se eliminavam de vez as velhas justiças de foro privado,
concebia-se a lei aplicada de forma igual para todos e reconhecia-se o
direito de petição.
As finanças mereceram uma especial atenção. As suas reformas
implicaram a eliminação do secular sistema de tributação local.
Em seu lugar, surgiu um sistema de tributação nacional devidamente
centralizado.
Criou-se o Tribunal do Tesouro Público para efeito de arrecadação de
impostos e contabilização dos fundos do Estado
Competia-lhe conhecer todas as contas do país e defini-las como
correntes ou não
Mouzinho da Silveira foi considerado o único homem público do século
XIX.
Na verdade, se o Rei-Soldado destruiu o Absolutismo com a força das
armas, ajudou na construção do Estado e da sociedade verdadeiramente
modernos.
A Mouzinho da Silveira se deve o lançamento das bases institucionais,
sem as quais o Liberalismo não frutificaria no Portugal do século XIX.
Em 1834-35, o Estado liberal procedeu à venda dos bens nacionais em
hasta pública. Este expediente permitiu a Silva Carvalho pagar as dívidas,
evitando recorrer a um impopular aumento de impostos.
Todavia, só uma minoria de burgueses endinheirados beneficiou dessa
venda, o que gerou um descontentamento nas minorias sociais.

Os projectos setembrista e cabralista

A Revolução de Setembro de 1836

A vitória definitiva do Liberalismo, em 1834, não significou a estabilidade


por que o país tanto ansiava.
Volvidos dois anos, a Revolução de Setembro agitou a cena política.
O movimento ocorreu em Lisboa e teve um caráter eminentemente civil,
verificando-se depois, a adesão militar.
Protagonizada pela pequena e média burguesia e com largo apoio das
camadas populares, a Revolução reagiu tanto aos excessos de miséria
como à atuação do Governo cartista.
➢ Este, sobretudo, era acusado de corrupção e de apenas defender os
interesses da alta burguesia.
Em lugar da Carta Constitucional, os organizadores do movimento
propunham o regresso da Constituição de 1822.
Os acontecimentos precipitaram-se em 9 e 10 de setembro de 1836,
aquando da chegada a Lisboa dos deputados eleitos no Norte para as
Cortes.
Sentindo faltar-lhe o apoio do povo e perante o comprometimento da
Guarda Nacional (que era destinada a proteger o novo regime liberal) e
do Exército com os revoltosos, a rainha D. Maria II acabou por entregar o
poder aos radicais.
Atuação do Governo setembrista

O novo governo, (onde sobressaíram as figuras do visconde Sá da


Bandeira e do Passos Manuel):
- declarou-se mais democrático
- empenhou-se em valorizar a soberania da Nação
- reduziu a intervenção régia
Para o efeito, preparou-se um novo diploma constitucional, a Constituição
de 1832:
- que funcionou como um compromisso entre o espírito monárquico
da Carta de 1826 e o radicalismo democrático da Constituição de 1822.
De facto, o monarca, embora pudesse sancionar e vetar em definitivo as
leis saídas das Cortes, perdeu o poder moderador.
A Câmara dos Pares, escolhida pela realeza, transformou-se em Câmara
dos Senadores, eleitos pelos cidadãos.
Por sua vez, a orientação económica do setembrismo procurou
corresponder aos propósitos de desenvolvimento nacional da pequena e
da média burguesia.
A pauta proteccionista, de 10 de janeiro de 1837, marcou o verdadeiro
arranque da industrialização portuguesa.
- Obrigava ao pagamento de direitos todos os produtos que
entrassem nas alfândegas da metrópole e ilhas adjacentes
A perda do mercado brasileiro levou os dirigentes setembristas a virarem-
se para a exploração colonial em África.
Para atrair o investimento de capitais para outras áreas mais produtivas,
proibiu-se o tráfico de escravos nas colónias a sul do equador.
Preocupado com a formação de elites qualificadas e com a instrução de
amplas camadas da população, o setembrismo promoveu uma reforma
do ensino primário, secundário e superior.
- Criam-se Escolas Médico-Cirúrgicas, Escolas Politécnicas no Porto e
em Lisboa, os Conservatórios de Artes e Ofícios
- Reformou-se a Universidade
- Inaugurou-se o ensino liceal
Os liceus correspondiam à necessidade de um ensino moderno e europeu
que preparasse os filhos da burguesia para os estudos superiores.
Transformaram-se, com o tempo, em instituições prestigiadas do
ensino público português
Um certo fracasso caracteriza a política económica setembrista.
Nos domínios fiscal e agrário, não se atreveu a abolir taxas gravosas
para os pequenos agricultores, nem penalizou com impostos os grandes
proprietários.Até no plano industrial, apesar do protecionismo adotada, os
resultados mostraram-se bem aquém do pretendido.
Para o fracasso econômico do setembrismo, aponta-se:
- a falta de capitais
- a falta de vias de comunicação
- permanente instabilidade política

O cabralismo e o regresso à Carta Constitucional

Com efeito, o governo setembrista enfrentou constantes tentativas da


restauração da Carta Constitucional.
Em fevereiro de 1842, num golpe de Estado pacífico, foi António Bernardo da Costa
Cabral quem pôs termo à Constituição de 1838.
A nova governação, conhecida por cabralismo:
- alicerçou-se nos princípios da Carta Constitucional
- fez regressar a grande burguesia ao poder
Sob a bandeira da ordem pública e do desenvolvimento económico, Costa
Cabral apostou:
- no fomento industrial
- nas obras públicas
- na reforma administrativa e fiscal
- Difundiu-se a energia a vapor

- Surgiu a Companhia das Obras Públicas de Portugal (1844), tendo como


objetivo a construção e reparação de estradas.
- Publicou-se o Código Administrativo (1842) de cariz centralizador
- Criou-se o Tribunal de Contas (1849) para fiscalizar todas as receitas e
despesas do Estado
- Reformou-se a Saúde, proibindo-se os enterramentos nas igrejas
(1846)
A inovação e a exigência das medidas de Costa Cabral estiveram na
origem de uma série de motins populares, basicamente camponeses.
Alastraram por todo o país e mereceram o aproveitamento político dos
opositores de Costa Cabral, que se tornou alvo de ódios por parte da
população.
Na verdade, em 1846-1847, vive-se um clima de verdadeira guerra civil
entre os adeptos do cabralismo e uma ampla frente de setembristas.
As primeiras movimentações sucederam no Minho, em abril e maio de
1846, e são conhecidas pelo nome de revolta da “Maria da Fonte”.
Foram uma reação popular explosiva às Leis da Saúde (proibia os
enterramentos nas igrejas) e às Leis das Estradas
A demissão do Governo e a saída de Costa Cabral não foram suficientes
para trazer a acalmia social e política.
A guerra civil reacendeu-se com a chamada “Patuleia”, que decorreu de
outubro de 1846 e junho de 1847.
Iniciada no Porto, alastrou a Aveiro, Coimbra, Santarém e Algarve
A deposição de D. Maria II esteve na mira dos revoltosos.
A gravidade da situação levou o Governo de Lisboa a solicitar a
intervenção da Espanha e da Inglaterra.
Frustradas as tentativas de acordo político, a intervenção estrangeira
ditou os termos da Convenção de Gramido garantindo uma amnistia geral
prevendo a nomeação de um governo em que não figurassem
representantes dos partidos em luta
Aparentemente, esteve-se perante uma rendição honrosa para as tropas
patuleias. Mas a realidade dos factos demonstrou que a força política do
setembrismo estava definitivamente liquidada.
Em 1849, Costa Cabral regressou à gerência política e, apesar de este
seu governo se revestir de um cariz mais moderado, não logrou conciliar
as forças políticas opostas nem estabilizar a vida nacional.

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