Você está na página 1de 5

jusbrasil.com.

br
3 de Novembro de 2016

A criminalização dos defensores de Direitos Humanos

Por Mariana Py Muniz Cappellari

Recentemente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão
da Organização dos Estados Americanos – OEA disponibilizou em
língua portuguesa, com a ajuda da ONG Open Society, relatório
produzido no final do ano de 2015, acerca da criminalização dos
defensores e das defensoras de direitos humanos.

O referido relatório teve por intuito analisar de forma detalhada o
problema da utilização indevida do direito penal por atores estatais e
não estatais com o objetivo de criminalizar o trabalho de defensoras e
defensores de direitos humanos, considerando que a CIDH tem
recebido de forma ininterrupta informação preocupante no sentido de
que os defensores e as defensoras de direitos humanos nas Américas
são sistematicamente submetidos a processos penais sem
fundamentação, a fim de paralisar ou deslegitimar as causas por eles
defendidas.

Considerando que para a Comissão esta situação é extremamente
preocupante, visto que a utilização indevida do sistema penal do Estado
contra essas pessoas não apenas interfere em seu trabalho de defesa e
promoção dos direitos humanos, mas afeta o protagonismo que os
defensores e as defensoras de direitos humanos possuem na
consolidação da democracia e do estado de direito, providenciou a
Comissão o relatório agora traduzido para o português, no sentido de
instar que os Estados assumam e cumpram com as suas obrigações
internacionalmente assumidas de respeito, garantia e de não
discriminação.

Mas você sabe quem são os defensores e as defensoras de direitos
humanos? De acordo com a CIDH as defensoras e defensores de
direitos humanos são pessoas que promovem ou buscam de qualquer
forma a concretização dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais reconhecidos nacional ou internacionalmente. O critério
identificador de quem deva ser considerado defensora ou defensor de
direitos humanos é a atividade realizada por essa pessoa e não outros
fatores como, se recebe remuneração por seu trabalho, ou se pertence a
uma organização da sociedade civil ou não. Este conceito também se
aplica aos operadores de justiça como defensores do acesso à justiça de
milhares de vítimas de violações a seus direitos.

De acordo com a Comissão, o trabalho desenvolvido por essas pessoas é
de suma importância, na medida em que contribuem para melhorar as
condições sociais, políticas e econômicas, a reduzir as tensões sociais e
políticas, a consolidar a paz em nível nacional e a promover a
conscientização a respeito dos direitos, ajudando os governos na
promoção e proteção dos direitos humanos, exercendo controle sobre
os cidadãos, funcionários públicos e instituições, fortalecendo, assim, a
democracia.
O relatório dá conta de que a utilização indevida do sistema penal
contra esses defensores e essas defensoras geralmente ocorre em
contextos onde presente se faz um conflito de interesses com agentes
estatais e não estatais, como em manifestações sociais com
reivindicação de direitos, sob o argumento de que supostamente
estariam perturbando a ordem pública ou atentando contra a segurança
do Estado; após a apresentação de denúncias contra funcionários
públicos por suposta corrupção ou na busca pelo esclarecimento,
investigação, julgamento e sanção de casos de graves violações de
direitos humanos cometidas pelos Estados durante conflitos armados
internos ou momentos de instabilidade democrática; quando da defesa
de determinados direitos e causas: direito a terra e ao meio ambiente
por líderes camponeses, indígenas e afrodescendentes, a defesa de
direitos trabalhistas por líderes sindicais, a defesa dos direitos sexuais e
reprodutivos, assim como a defesa dos direitos das pessoas LGBT, bem
como em atividades de defesa dos direitos das comunidades que
ocupam terras de interesse para a implantação de megaprojetos e
exploração de recursos naturais.

Como atores que procedem nos processos de manipulação do poder
punitivo com o objetivo de criminalizar defensores e defensoras de
direitos humanos, a Comissão aduz que geralmente estes são estatais,
tais como legisladores, juízes, promotores, ministros, policiais e
militares, mas também podem o ser atores não estatais como as
empresas privadas nacionais e transnacionais, guardas de segurança
privada, proprietários de terras, entre outros.

Essa criminalização, por sua vez, se dá de diversas formas, entre elas,
quando, por exemplo, do pronunciamento de funcionários públicos que
acusam defensores e defensoras de cometerem delitos sem que existam
decisões judiciais; por meio da criminalização dos discursos de
denúncia de violações a direitos humanos e o direito à manifestação
social pacífica; através de tipos penais que sancionam o recebimento de
financiamento estrangeiro através de convênios de cooperação
internacional; da utilização indevida de tipos penais de luta contra o
terrorismo e outras leis relativas à segurança nacional; a sujeição a
processos penais distorcidos, com duração exagerada, e denúncias e
acusações falsas baseadas em tipos penais graves; por meio de
detenções ilegais e arbitrárias; através da aplicação de medidas
cautelares como a prisão preventiva, entre outros.

O fato é que essa criminalização produz diversos efeitos, todos eles
nocivos, tais como sequelas físicas e na integridade pessoal dos
defensores e das defensoras, além de efeitos nas suas vidas familiares e
evidente impacto social e econômico, interrompendo e calando a defesa
intercorrente dos direitos humanos.

Assim, a CIDH, por meio do referido relatório, traz recomendações aos
Estados Americanos, entre eles incluído o Brasil, no sentido de que
reconheça o trabalho dos defensores e das defensoras de direitos
humanos e seu papel nas sociedades democráticas, publicamente, com
divulgação e capacitação dos seus agentes; previna o uso ou a adoção de
leis e políticas contrárias aos parâmetros de direito internacional,
promovendo a derrogação de leis como a do desacato, por exemplo,
assegurando o direito de reunião através de manifestações sociais; zele
pela atuação adequada dos operadores de justiça de acordo com os
parâmetros internacionais de direitos humanos no sistema de justiça
interno; evite a sujeição a processos penais com duração exagerada;
garanta que qualquer detenção seja realizada com estrito respeito ao
direito à liberdade pessoal; erradique a utilização indevida das medidas
cautelares, tal como a prisão preventiva; adote respostas imediatas
diante de processos de criminalização.

Essa temática, portanto, merece ser objeto de atenção e de discussão,
quanto mais considerando o momento político­social­econômico
brasileiro, o qual exige constante luta e afirmação dos direitos humanos
fundamentais, mais do que nunca.

O defensor e a defensora de direitos humanos nada mais fazem do que
exercer cidadania e, de acordo com Boaventura de Sousa Santos (2011),
sem direitos de cidadania efetivos a democracia é uma ditadura mal
disfarçada. Monitoremos, portanto, essas criminalizações, e sejamos
nós defensores e defensoras de direitos humanos.
REFERÊNCIAS

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para Uma Revolução Democrática da
Justiça. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Fonte: Canal Ciências Criminais

Disponível em: http://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/401199799/a‐criminalizacao‐


dos‐defensores‐de‐direitos‐humanos

Você também pode gostar