Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Curso de Direito
São Paulo
2017
Ana Alice da Conceição Souza
São Paulo
2017
Ana Alice da Conceição Souza
Banca Examinadora
____________________________________
Profa. Me. Milene Cristina Santos
(Orientadora)
____________________________________
Prof. Dr.
____________________________________
Prof. Dr.
Conceito________________________________
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado saúde e força para superar as
dificuldades;
Agradeço aos meus pais e a todos os meus familiares por terem me incentivado
tanto em todo decorrer do curso e estarem sempre comigo;
Agradeço à minha orientadora, Milene Cristina Santos pelo apoio e incentivo que
foram tão importantes para a elaboração deste trabalho;
A esta Instituição por ter me dado a chance e todas as ferramentas que permitiram
chegar hoje ao final desse ciclo;
Por fim, agradeço a todos os amigos e amigas que estiveram comigo nesta jornada,
vocês com certeza são parte dessa vitória.
RESUMO
Este trabalho teve como objetivo analisar o encarceramento feminino no Brasil, que
nas últimas décadas tem apresentado um crescimento constante. A metodologia
utilizada é a quantitativa, para traçar o perfil da mulher presa por meio de pesquisas
e indicadores socioeconômicos, bem como o método qualitativo, indicando os
principais pontos das pesquisas de campo realizadas em diferentes presídios
femininos do país. Trata das constantes violações de direitos humanos nos presídios
femininos, pois além dos problemas enfrentados por homens e mulheres presos de
maneira geral, as mulheres passam por outros problemas em particular,
principalmente no que diz respeito à saúde específica da mulher, além de questões
sobre maternidade dentro da prisão. Procuramos trazer um breve histórico da
criminologia, e a importância da criminologia feminista, que surge com a finalidade
de analisar o perfil da mulher criminosa, e dar maior espaço para debater este perfil
pouco estudado, e que vem crescendo cada vez mais no país. Além de tudo, se faz
necessário incluir os estudos do feminismo negro no campo da criminologia
feminista, para tratar da dupla discriminação sofrida pela mulher negra na
sociedade. Diante do cenário apresentado, o tema da saúde da população negra
também é importante dentro da prisão, tendo em vista o grande número de pessoas
negras atrás das grades, e que as maiores taxas de mortalidade materna incidem
sobre a população negra, além de outras doenças específicas desta população.
Palavras-chave: Prisão. Mulher negra. Criminologia Feminista. Saúde da
população negra. Direitos humanos.
ABSTRACT
The objective of this study was to analyze the female imprisonment in Brazil, which
has a constant growth trend in its sources. A methodology used is quantitative, to
trace the profile of women, through socioeconomic surveys and indicators, as well as
the qualitative method, indicating the main research points in the different female
prisons in the country. It deals with the constant violations of human rights in
women's prisons, in addition to the problems faced by men and women generally
imprisoned, as women have other problems in particular, especially with regard to
women's health, as well as issues of maternity within from prison. We seek to bring a
brief history of criminology, and the importance of feminist criminology, which arises
with the purpose of analyzing the profile of the criminal woman, and give more space
to discuss this profile little studied, and which is growing increasingly country.
Besides, it is necessary to include the studies of black feminist criminology, in order
to address the double discrimination suffered by black woman in society. In the face
of the scenario, the black population's health is also important within the prison, given
the large number of blacks in jail, and how higher rates of maternal mortality affect a
black population, as well as other diseases specific to this population.
Gráfico 3- Raça, cor ou etnia das mulheres privadas de liberdade. Brasil. Junho de
2014............................................................................................................... ........ 19
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
.............................................................................................52
7
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
.....54
9
INTRODUÇÃO
Nos presídios, acabam por ter seus direitos constantemente violados, apesar
dos diversos tratados e convenções internacionais de direitos humanos das quais o
Brasil faz parte e da Lei de Execução Penal brasileira. Como forma de melhorar esta
situação, são implantadas políticas públicas para garantir o acesso à saúde de
qualidade e outros direitos básicos, porém na prática não se sabe o resultado
dessas políticas e se estão sendo aplicadas de fato.
As prisões femininas brasileiras ainda não são as ideais para a reclusão das
mulheres, tendo em vista que foram pensadas e projetadas como presídios
masculinos, sem levar em consideração as necessidades específicas dessas
mulheres. Como resultado, surgem vários problemas, principalmente para as
gestantes e puérperas, pois na maioria das prisões não existe um local adequado
para as mães e os bebês, sendo a única solução improvisar estes espaços. As mães
se deparam em uma situação na qual são obrigadas a separar-se de suas crianças,
entregando para familiares ou as encaminhando à adoção.
dentro das prisões que tratem também dos problemas de saúde mais incidentes
sobre a população negra, para assim superar o problema do racismo no sistema de
saúde.
Com o passar dos anos muitos fatores mudaram na sociedade, houve muitos
avanços por meio das leis em conjunto com os tratados internacionais de direitos
humanos para promoção da igualdade.
“No que diz respeito à mulher negra, os tratados de proteção aos direitos
humanos foram instrumentos de grande importância para a luta por igualdade, pois
eles tiveram um papel fundamental na elaboração e complementação da
Constituição Federal de 1988.” (BARSTED; HERMANN; MELLO, 2001, p. 9).
1
Tratados supraconstitucionais regulam situações ou relações que fogem dos limites da jurisdição
interna, pois estão hierarquicamente acima da Constituição Federal.
2
Os tratados de direitos humanos não podem afrontar a supremacia da Constituição Federal, mas
tem um lugar especial reservado no ordenamento jurídico, de modo que não podem ser equiparados
à legislação ordinária.
3
Recurso Extraordinário 466.343 do STF, p. 03. São Paulo, relator Ministro Cesar Peluso, recorrente
Banco Bradesco S/A e recorrido Luciano Cardoso Santos. O julgamento trata da prisão civil por dívida
e a aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos.
13
4
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida:
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou Lei federal.
14
Outros exemplos importantes trazidos pela Convenção são o artigo 4°, VIII da
Constituição Federal5, que traz o repúdio ao terrorismo e ao racismo como um de
seus princípios nas relações internacionais, e o artigo 5°, XLII6 que define o crime de
racismo como inafiançável e imprescritível.
5
Art. 4°. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
6
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão,
nos termos da lei;
7
legis.senado.gov.br. Acesso em 08/2017.
8
Ações afirmativas são medidas especiais de caráter temporário, que tem por finalidade a criação de
uma igualdade de fato entre diferentes grupos sociais, de modo que, alcançada esta igualdade, as
medidas deverão ser extintas.
9
www.planalto.gov.br. Acesso em 08/2017.
15
Artigo 1°
10
Artigo 10. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação
contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação
e em particular para assegurarem condições de igualdade entre homens e mulheres:
h) Acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da
família, incluída a informação e o assessoramento sobre planejamento da família.
11
A reserva de um tratado é uma declaração unilateral de uma parte, expressa no momento do
consentimento, como objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de uma ou mais disposições do
mesmo, em relação à outra parte.
16
Com relação aos indivíduos que estão na prisão, Rita (2006, p. 55), afirma
que “As pessoas que cometeram crime são privadas da liberdade fundamental de ir
e vir, mas não perdem o direito da condição de ser humano e de ser tratado como
tal”.
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Gráfico 2 – Faixa Etária das mulheres privadas de liberdade. Brasil. Junho de 2014
18
10%
27% 18 a 24 anos
25 a 29 anos
21% 30 a 34 anos
35 a 45 anos
46 a 60 anos
61 a 70 anos
mais de 70 anos
23%
18%
Fonte:
Infopen, jun/2014. Departamento Penitenciário Nacional/Ministério da Justiça, p. 22.
Grá
fico
Raça, cor ou etnia das mulheres privadas de liberdade. Brasil. 3–
Junho de 2014 Raç
a,
1% 0% cor
0%
ou
etni
a
31% Branca das
mul
Negra
her
Amarela es
Indígena priv
Outras ada
68%
s de
libe
rda
de.
Bra
sil. Junho de 2014.
19
O
Distribuição por gênero dos crimes tentados/consumados entre os
registros das pessoas privadas de liberdade. Brasil. Junho de 2014
levant
mulheres homens
ament
68%
o
també
26% 26%
14% 15% m
8% 9% 7% 9%
1%3% 2%3% 2%3% 3% 0%1% demo
nstra
outros
dados
import
antes acerca dos crimes mais frequentes pelos quais são presos homens e
mulheres.
Gráfico 5 – Distribuição por gênero dos crimes tentados/consumados entre os registros das
pessoas privadas de liberdade. Brasil. Junho de 2014
21
Outro fato importante a se destacar é que grande parte das mulheres presas
por tráfico são, na verdade, "pequenas traficantes", visto que a maioria não trafica
armada, gerencia o tráfico ou ganha grandes somas em dinheiro com esse tipo de
crime, pelo contrário, essas mulheres são usadas para atividades menores como o
transporte de drogas e o pequeno comércio (HOWARD, 2006, p. 26).
A mulher que está inserida neste meio social vê o tráfico como o meio mais
fácil e rápido de se conseguir dinheiro para seu sustento e de sua família. Neste
sentido, entre as possíveis causas da maior incidência de mulheres presas por
tráfico de drogas, (MOKI, 2005, p. 85) destaca o desemprego feminino, baixos
salário aumenta de mulheres responsáveis financeiramente por suas famílias;
Guedes (2006, p. 568) chama a atenção para fatores como a “sensação do poder
por meio da criminalidade, ganhar dinheiro fácil, possuir autoridade e não submissão
às regras sociais”; Soares e Ilgenfritz, (2002) teorizam que o aumento de mulheres
22
Dentre os artigos desta Declaração que refletem diretamente nos direitos dos
presos, é importante destacar o artigo 5°13, que garante a proteção contra a tortura,
castigos cruéis, desumanos ou degradantes, e o artigo 11 14 que traz princípios
12
Neste sentido, os tratados internacionais que o Brasil atualmente faz parte são: Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a
Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamento Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
entre outros.
13
Artigo 5. Ninguém será submetido à tortura, nem tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.
14
Artigo 11. 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente
até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual
lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser
culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito
nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no
momento da prática era aplicável ao ato delituoso.
23
Segundo Howard (apud SILVA, 2015, p. 180), até o ano de 2002 as visitas
íntimas no Estado de São Paulo eram explicitamente proibidas às mulheres e
permitidas aos homens, sendo que a argumentação mais corriqueiramente utilizada
para tal restrição era o controle da natalidade e os possíveis gatos públicos com a
manutenção de uma gestante atrás das grades15.
que a maioria dos homens tem vergonha de visitá-las na prisão, ou não aceitam
essa situação, o que acaba por agravar o quadro de solidão da mulher encarcerada.
1%
17%
Masculino
7% Feminino
Misto
Sem informação
75%
0,7
0,6
0,5
0,4
62,06%
0,3
37,94%
0,2
0,1
0
presas são solteiras, sendo responsáveis pela renda familiar e criando seus filhos
sem a presença da figura paterna. Quando não estão sob a guarda da mãe, outros
familiares, geralmente mulheres, ficam responsáveis pela criança enquanto a mãe
está na prisão.
Há relatos inclusive de presas que foram obrigadas a entregar seus filhos logo
após o parto, por não terem conhecimento do direito de permanecer com a criança
durante o período de amamentação:
Essas dificuldades para manutenção dos laços afetivos entre mãe e filho
resultam em um distanciamento, pois muitas presas não veem seus filhos há meses
ou até mesmo anos. É necessário chegar à melhor solução possível para esta
questão, pois deve ser garantido à criança um tratamento digno, com os cuidados e
assistência necessários, com políticas que mantenham a proximidade da criança
16
Art.83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá conter em suas dependências
com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.
§2° Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as
condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de
idade.
Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção
para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores
de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
28
com a mãe, e, no período em que esta estiver na prisão, possa viver em um espaço
com os recursos necessários para a mãe e a criança.
29
17
Crime passional é aquele motivado pela paixão. Geralmente a razão de sua ocorrência é a paixão
doentia, violenta e irreprimível, que provoca a perda das ações do seu autor. Apesar de ser motivado
pela emoção intensa, não se trata de um homicídio de impulso, sendo, ao contrário, detalhadamente
planejado.
31
A criminologia feminista, por sua vez, chama a atenção para o estudo dos
processos de criminalização e vitimização que envolve as mulheres, destacando que
o sistema penal é centrado no homem e invisibiliza as violências de gênero,
principalmente a violência doméstica na qual as mulheres são as maiores vítimas.
Por outro lado, quando a mulher é sujeito ativo do delito, existem fatores decorrentes
da condição de gênero que agravam sua punição, pois acaba sendo estereotipada e
estigmatizada pelo sistema penal (MENDES, 2014, p. 58).
Sueli Carneiro (2011), que foi um dos grandes nomes da militância feminina
negra desta época, descreve a situação da mulher negra, evidenciando as
opressões sofridas por uma minoria dentro da minoria:
Para Carneiro (2011, p. 02), esse novo olhar feminista e antirracista tornou-se
um movimento mais representativo das mulheres brasileiras, tratando da violência
racial e outros tipos de violência sofrida pela metade da população feminina do país
que não é branca, bem como discussões sobre doenças com maior incidência sobre
a população negra, a implantação de políticas públicas na área da saúde, além de
combater a desigualdade no mercado de trabalho, sofrida pela mulher negra em
relação à mulher branca.
A partir dos anos 80, o movimento feminista negro ganhou mais força,
surgindo grupos em várias regiões do país. Estes movimentos sociais foram muito
importantes para garantir a aplicação de direitos que são de todos, como a
dignidade, liberdade, igualdade, entre outros.
Apesar dos avanços por meio destes movimentos sociais, pesquisas recentes
demonstram a desigualdade com relação à população negra em diferentes áreas,
como escolaridade, renda e mercado de trabalho, que são os melhores indicadores
para se avaliar as condições de vida e estrutura de uma população, pois o equilíbrio
34
18
Fonte: IBGE, 2010, p. 147
19
www.cidh.org. Acesso em: 14/11/2017
20
www.planalto.gov.br. Acesso em: 14/11/17
36
Algo que também contribui para os assédios sexuais dentro da prisão é a falta
de agentes do sexo feminino para supervisionar as celas, o que acaba deixando as
mulheres presas em uma situação de vulnerabilidade.
De acordo com os dados levantados pela autora, tudo indica que existem
inúmeros casos de violência e assédio contra as mulheres dentro da prisão, porém a
grande maioria acaba por não denunciar os maus tratos. O depoimento dos
membros da Pastoral Carcerária (HOWARD, 2006, p. 111) relata os problemas
enfrentados pelas presas em São Paulo:
diz respeito à mulher negra, esta é marcada pela dupla discriminação, conforme
afirma Vasconcelos e Oliveira (2016, p. 102):
21
De acordo com a última apuração do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias do
Ministério da Justiça (InfoPen-MJ), 28.756 mulheres compõem a população carcerária brasileira,
sendo 62,2% (17.872 mulheres) declaradas negras.
38
Para Souza (2009, p. 652), falar sobre a violência feminina “é algo que ainda
é visto como patologia pelo fato de o comportamento das mulheres violentas ser
rotulado como inapropriado e não feminino”. Isto porque, segundo a autora, desde a
fundação das primeiras penitenciárias femininas no Brasil, o objetivo principal era a
recuperação das presidiárias para cumprirem o seu papel de mulher do lar, para
ocupar o espaço privado, o qual era seu destino, enquanto ao homem cabia ser
recuperado para fazer parte do espaço público.
Assim, para a autora, isto explicaria porque os homens estão mais expostos à
violência urbana, enquanto as mulheres sofrem maior violência doméstica, tanto
física como sexual.
e aos bons costumes, como a prostituição. Além disso, havia outros crimes
praticados pelas mulheres que eram mais difíceis de constatar, como era o caso, por
exemplo, do envenenamento, crimes que eram cometidos na esfera da vida privada.
Com o passar do tempo, por volta do final do século XX e começo do século XXI, os
crimes passam a ser praticados no âmbito público e perdem a característica de
ligação à maternidade. Foi então que o crime de tráfico de drogas passou a ter maior
incidência entre as mulheres.
Cabe ressaltar, porém, que optar pelo mundo do crime envolve várias
questões sociais, estruturais econômicas e culturais, de modo que a reação de cada
indivíduo pode variar (ASSIS; CONSTANTINO, 2001, p. 149). Por isso, é necessário
que haja mais estudos sobre o envolvimento da mulher com o crime, principalmente
com o tráfico de drogas, tendo em vista que este é o crime pelo qual a maioria se
encontra presa.
41
Nos presídios femininos de São Paulo, por exemplo, existem vários fatores
que impedem ou dificultam o acesso à assistência médica básica. Em muitos
22
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
23
www.planalto.gov.br. Acesso em: 17/11/2017.
42
Isso faz com que as mulheres (aquelas que recebem visitas) dependam de
suas famílias para suprir esta necessidade e receber os medicamentos. Também foi
constatado que muitos presídios passam por sérios problemas nas instalações de
43
Estabelecem ainda, que toda unidade prisional deve contar com uma equipe
especializada para cuidar dos diferentes problemas de saúde da população
carcerária e assegurar o atendimento rápido nos casos urgentes. No caso das
presas gestantes, deve haver acomodação para todas as necessidades de cuidado
de pré e pós-natais. Quanto às crianças que estão dentro do sistema prisional junto
ao pai ou a mãe, precisam estar em um local onde haja creches internas ou
externas, com profissionais preparados, serviços de saúde pediátricos e constante
monitoramento de seu desenvolvimento, e não devem de forma alguma ser tratadas
como presos.
24
O termo “democracia racial” é utilizado por alguns estudiosos que acreditam que o Brasil escapou
do racismo e da discriminação racial. O conceito foi apresentado inicialmente pelo sociólogo Gilberto
Freyre, na sua obra Casa Grande & Senzala, publicada em 1933. Embora Freyre jamais tenha usado
este termo nesse seu trabalho, ele passou a adotá-lo em publicações posteriores, e suas teorias
abriram o caminho para outros estudiosos popularizarem a ideia.
46
Werneck et. al. (2006, p. 88-89), ao falar sobre a prevalência dos miomas
uterinos em mulheres negras, destaca que, apesar de não haver estudos no Brasil
47
que tratam dos miomas uterinos considerando o quesito “cor” é evidente que a
opressão de raça e gênero causa importantes impactos no desenvolvimento das
doenças na população negra, pois a qualidade de vida de uma pessoa abrange não
só condições biológicas, mas também condições psicológicas e materiais, por isso,
levando em consideração que a qualidade da saúde pública no Brasil ainda é ruim,
gera uma desvantagem à população negra que em grande parte não possui
condições financeiras para ter acesso a serviços de maior qualidade.
Por isso os indicadores neste sentido são de grande importância, pois é por
meio destes que são instituídas as políticas de saúde. Foram criados diversos
programas de saúde junto ao Sistema Único de Saúde- SUS, sendo alguns
direcionados para ações de redução da desigualdade racial. No caso do PNSIPN
(Política Nacional de Saúde Integral da População Negra), demonstrou fragilidades,
pois além de não apresentar metas específicas para redução das iniquidades
raciais, não há informações sobre a aplicação destas ações na prática, tão pouco
sobre os resultados destes programas sobre a população negra (BATISTA;
WERNECK; LOPES, 2012, p. 104-105).
48
O perfil geral das mulheres grávidas nas prisões em todo o país, segundo a
pesquisa realizada pelo IPEA, são as jovens entre 18 e 30 anos, de baixa renda e
pouca escolaridade, presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas ou contra o
patrimônio, sendo que muitas já possuem outros filhos (BRASIL, 2015, p. 15).
Por muitas vezes, o direito da mãe presa permanecer com a criança não é
respeitado integralmente, pois existem vários problemas estruturais e de falta de
acesso à justiça que suprimem este direito.
O relatório fala sobre o destaque que deve ser dado aos problemas
específicos do encarceramento feminino, tratando inclusive da criação de políticas
públicas alternativas à aplicação de pena de prisão às mulheres, porém, assim como
as Regras de Mandela, essas regras ainda não foram transformadas em políticas
concretas no país.
Seus pontos diferenciais são o tratamento que deve ser dado às crianças que
acompanham a mãe em situação de prisão; a importância de prisões que estejam
mais próximas possível da região onde se encontra a família dessas mulheres, como
forma de manter os laços familiares; medidas que assegurem a dignidade e o
respeito às mulheres presas durante as revistas pessoais e seus familiares, devendo
este procedimento ser realizado por funcionárias devidamente treinadas, utilizando
inclusive outros métodos menos invasivos, como o scanner corporal; o direito à visita
íntima do mesmo modo que os homens.
Além disso, as regras tratam das questões de saúde da mulher como forma
complementar às regras mínimas para o tratamento de reclusos, sendo elas: a
necessidade de instalações especiais para o tratamento das presas que se
encontram em período gestacional, que tenham acabado de dar à luz e às
convalescentes; sempre que possível, as crianças deverão nascer em um hospital
50
Elas relatam que a ideia da criação deste Centro surgiu diante das
dificuldades enfrentadas pelas crianças nascidas na prisão e que conviviam com
suas mães até os quatro ou cinco anos de idade, em um ambiente nada adequado,
ou ainda as crianças que tinham ambos os pais presos.
Dessa forma, foi criado um local onde as crianças ficavam mais próximas dos
familiares presos e sem o risco de serem encaminhadas à adoção, tendo em vista
que este é um dos maiores receios das presas que não tem com quem deixar seus
bebês. As crianças podem visitar os pais com maior frequência e realizar suas
atividades normais da infância, como estudar, brincar e ter uma interação com a
comunidade.
As crianças são encaminhadas para o CNS a partir dos seis meses de idade,
por meio de uma decisão judicial da Vara da Infância. Elas também praticam
atividades artísticas fora do Centro, e podem inclusive ser apadrinhadas por famílias
que estabelecem um contato com a criança, sendo autorizadas a levá-las para
passeios nos finais de semana ou viagens.
inclusive de presas que não apresentam nenhum risco de fuga. As Regras das
Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas falam acerca dos
instrumentos de contenção no parto, na regra n° 24:
Segundo Silva, (2015, p. 156), existe pouco interesse por parte do meio
acadêmico em estudar o tema do encarceramento. A autora atribui este fato à
estrutura rígida e obscura do estabelecimento penal, que acaba por afastar aqueles
que se interessam pelo assunto. Existe ainda a opinião formada pela própria
sociedade sobre o tema:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Bruna Soares Angotti Batista de. Entre as Leis da Ciência, do Estado
e de Deus: O surgimento dos presídios femininos no Brasil. 2011. 307 p.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
BRASIL. Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Lei
de Execução Penal. Brasília, DF, 13 jul. 1984. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 14/11/2017.
BRASIL. SISTEMA DAS NAÇÕES UNIDAS. (Ed.). Subsídios para o debate sobre
a Política Nacional de Saúde da População Negra: Uma questão de equidade.
2001. Disponível em: <bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saudepopnegra.pdf>.
Acesso em: 22 nov. 2017.
GOMES, Camilla de Magalhães. Corpos negros e as cenas que não vi: um ensaio
sobre os vazios de uma pesquisa criminológica situada. Sistema Penal &
Violência: Revista Eletrônica da Faculdade de Direito, [Porto Alegre], v. 8, n. 1,
p.16-28, jan/jun. 2016.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva,
2012.
59
MARCONDES, Mariana Mazzini et. al. (Org.). Dossiê mulheres negras: Retrato
das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea, 2013. 160 p.
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RITA, Rosangela Peixoto Santa. Mães e crianças atrás das grades: em questão o
princípio da dignidade da pessoa humana. 2006. 152 p. Dissertação (Mestrado) -
Curso de Política Social, Departamento de Serviço Social, Universidade de Brasília,
Brasília, 2006.
SILVA, Amanda Daniele. Mãe/mulher atrás das grades: a realidade imposta pelo
cárcere à família monoparental feminina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015.
60
SILVA, Eveline Franco da; RIBEIRO, Elaine Rossi. Atenção à Saúde da Mulher em
Situação Prisional. Revista Saúde e Desenvolvimento, [s.l.], v. 4, n. 2, p.160-172,
jul/dez. 2013.
VASCONCELOS, Isadora Cristina Cardoso de; OLIVEIRA, Manoel Rufino David de.
Por uma Criminologia feminista e negra: Uma análise crítica da marginalização da
mulher negra no cárcere brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política
Criminal, [Rio Grande do Sul], v. 4, n. 1, p.101-110, jul. 2016.