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PEDOFILIA:
DEFINIÇÕES E PROTEÇÃO
POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS
ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS
PEDOFILIA:
DEFINIÇÕES E PROTEÇÃO
Coordenação Geral
Dra. Cinara Maria Moreira Liberal
Subcoordenação Geral
Dr. Marcelo Carvalho Ferreira
Coordenação Didático-Pedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani
Coordenação Técnica
Dr. Helbert Alexandre do Carmo
Conteudista:
Dr. Guilherme da Costa Oliveira Santos
Dra. Isabela Franca Oliveira
Larissa Dias Paranhos
Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais
Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica – Academia de Polícia Civil de Minas Gerais
Reprodução Proibida
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3
4 A PEDOFILIA....................................................................................................... 17
4.1 O que é a pedofilia? .............................................................................. 17
4.2 Pedofilia é crime? ................................................................................. 18
4.3 O pedófilo criminoso ............................................................................ 19
4.4 Como a pedofilia é tratada pelos tribunais brasileiros ...................... 22
8 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 63
1 INTRODUÇÃO
No dia 18 de maio de 1973, Araceli Sanches, de 8 anos de idade, foi sequestrada por membros de uma
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família do Espírito Santo. A menina foi espancada, drogada, violentada e morta pelos criminosos. Seu corpo foi
encontrado desfigurado por ácido, numa mata em Vitória (CHILDFUND BRASIL, 2016).
Quando a escola fala sobre sexualidade, respeitadas as devidas idades, você cria um gatilho para que a
criança conte a própria experiência. Quando a professora explica o que são as partes íntimas, onde pode
pegar, ela se dá conta da violência que está sofrendo (TEMER apud SOUZA, 2020).
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Constata-se que, em todos os meses deste ano, os números de denúncias
foram inferiores aos registrados em 2019, mas a diferença é muito superior nos meses
de confinamento. No total, de janeiro a julho de 2019, foram feitos 4.376 registros de
crimes relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes, contra 3.794
registros no mesmo período de 2020. Dentre esses registros, foram comunicados
2.269 estupros de menores nos seis primeiros meses de 2019 e 1.723 em 2020.
Complementando essas informações, em
âmbito nacional, um levantamento feito pela
Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH)
identificou que 73% dos atos de violência sexual
contra o público infantojuvenil ocorrem na casa da
vítima ou do suspeito e a maioria das violações é
praticada pelo próprio pai ou padrasto da criança
ou adolescente; um total de 40% das denúncias
feitas. Em 87% dos registros, o suspeito é do sexo
masculino e, em 62% dos casos, é adulto, com idade entre 25 e 40 anos. As vítimas,
em 46% das denúncias, são adolescentes do sexo feminino, com idades que variam
entre 12 e 17 anos (MMFDH, 2020).
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Assista ao vídeo da campanha Maio Laranja da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (SNDCA), publicado no dia 18 de maio deste ano (Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes), disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=3qy871LdwJs#action=share>.
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3 CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A violência sexual pode ser definida como todo ato ou jogo sexual, de natureza
hetero ou homossexual, em que o agressor possui um estágio de desenvolvimento
psicossexual mais avançado do que o da criança ou adolescente vítima. O objetivo
é estimulá-lo(a) sexualmente ou utilizá-lo(a) para satisfação sexual própria ou de
terceiros. Fundamenta-se em relação de poder e pode abranger carícias, manipulação
dos órgãos sexuais, mama ou ânus, voyeurismo, pornografia, exibicionismo e o
próprio ato sexual com ou sem penetração (SÃO PAULO, 2007).
A legislação brasileira criminaliza várias condutas que configuram a violência
sexual contra menores, podendo ser divididas em abuso sexual e exploração sexual.
O ABUSO SEXUAL infantojuvenil é o ato praticado por aquele que usa o menor
para satisfazer o seu desejo sexual, ou seja, “é qualquer jogo ou relação sexual, ou
mesmo ação de natureza erótica, destinada a buscar o prazer sexual com crianças ou
com adolescentes” (MPMG, 2010, p. 25). Essa violência pode ocorrer dentro ou fora
do âmbito familiar, no ambiente virtual ou fora dele.
Já a EXPLORAÇÃO SEXUAL, segundo a
Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017, art. 4º, III, ‘b’,
é o uso da criança ou adolescente em atividade
sexual para obter lucro, ganhos financeiros ou
outra forma de compensação e pode ocorrer de
modo presencial ou virtual. “Ocorre no contexto da prostituição, pornografia, nas redes
de tráfico e no turismo com motivação sexual” (MMFDH, 2020, p. 5).
Basicamente, a principal diferença reside no fator lucro: enquanto no abuso
sexual utiliza-se da sexualidade da criança ou adolescente com o fim de praticar atos
de natureza sexual, na exploração, almeja-se o lucro a partir da prática desses atos.
Considerando isso, façamos uma breve análise sobre os principais desses
crimes, sejam eles praticados no ambiente virtual ou não.
1
Trata-se do enunciado dos artigos de lei. Quando o artigo possui outros elementos, como parágrafos, alíneas e incisos, ao se referir à parte
inicial do artigo, fala-se em “caput” (IBIAPINA, 2014).
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homem ou mulher que obriga alguém, mediante
violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal
(introdução do pênis na vagina) ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso (sexo anal, oral, masturbação...). Caso
a vítima tenha menos de 18 anos de idade ou mais
de 14, a punição pode variar entre 8 e 12 anos de prisão. Portanto, considera-se
estupro tanto a situação em que o adulto obriga uma adolescente de 15 anos a com
ele manter relação sexual quanto quando ele a obriga a praticar sexo oral nele, ou
ainda, quando pratica forçadamente sexo oral nela.
Se a vítima for menor de 14 anos, fala-se em ESTUPRO DE VULNERÁVEL2 e
a pena varia entre 8 e 15 anos de prisão. A punição é mais severa se da conduta
resultar lesão corporal de natureza grave (10 a 20 anos) – como, por exemplo,
trazer risco de morte para o menor – ou morte (12 a 30 anos) (CP, art. 217-A).
Sobre a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal com menos de 14 anos, o STJ tem mantido
o entendimento no sentido de sempre configurar-se o delito de estupro de vulnerável, independentemente de
violência ou grave ameaça ou de eventual consentimento da vítima. Nesse sentido, é a decisão do STJ no Agravo Regimental no
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2
Também se considera vulnerável aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (CP, art. 217-A, § 1º). Nesses casos, também há estupro de vulnerável.
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Também pode ser praticado contra vítima
menor o ASSÉDIO SEXUAL, que é o constranger
(criar situação constrangedora, importunar) alguém
para obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da condição de superior
hierárquico (chefe) ou ascendência inerentes ao
emprego, cargo ou função. Nestes casos, a pena varia de 1 a 2 anos quando a
vítima é adulta e é aumentada em até 1/3 se a vítima for menor de 18 (CP, art. 216-A).
Também viola a dignidade sexual de crianças e adolescentes a CORRUPÇÃO
DE MENORES, que ocorre quando o homem ou a mulher “induzir alguém menor de
14 anos a satisfazer a lascívia (prazer sexual) de outrem” (CP, art. 218). A pena
varia de 2 a 5 anos de prisão. Neste crime, o autor convence a vítima a satisfazer
o desejo sexual de um terceiro. É o crime praticado pelos mediadores e daqueles
que se aproveitam, em geral, da prostituição ou degradação moral.
Assim, por exemplo, poderia o agente induzir a vítima a fazer um ensaio fotográfico,
completamente nua, ou mesmo tomar banho na presença de alguém, ou
simplesmente ficar deitada, sem roupas, fazer danças eróticas, seminua, com
roupas minúsculas, fazer streap-tease etc., pois essas cenas satisfazem a lascívia
de alguém [...] (GRECO, 2018a, p. 105).
Em TODOS os crimes analisados neste capítulo, o autor pode ser um HOMEM ou uma MULHER, assim como
a vítima pode ser uma criança ou adolescente do sexo masculino ou feminino. No mesmo sentido, o crime
pode ocorrer em relação hetero ou homossexual (homem com homem e mulher com mulher).
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Além disso, TODOS esses crimes têm a pena AUMENTADA se o crime é praticado com a participação (concurso) de duas ou mais
pessoas ou, ainda, se o autor é ascendente (pai ou mãe, avô ou avó...), padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro,
tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (CP, art. 226, II). A
pena para TODOS esses crimes também é AUMENTADA se do crime resultar gravidez ou se o agente transmitir à vítima doença
sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador [...] (CP, art. 234-A).
Na PROSTITUIÇÃO, os atos sexuais são negociados em troca de pagamentos, que pode incluir, além do
dinheiro, necessidades básicas (alimentação, vestuário, abrigo) ou o consumo de bens e serviços (hotéis,
restaurantes, bares, shoppings, butiques, diversão). Trata-se de prática pública, visível (ou não) ou semiclandestina, utilizada
<
3
Também é vítima desse crime a pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato
(CP, art. 218-B, caput).
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3.2 Crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente
4
Cena de sexo explícito ou pornográfica é, segundo o art. 241-E do ECA, “qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades
sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais”.
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Também é crime a VENDA DE PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL (ECA, art.
241), incluindo a comercialização e exposição à venda de fotografias, vídeos ou outros
registros que contenham cenas de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
criança ou adolescente. A pena é de prisão de 4 a 8 anos e multa.
Outro crime é a DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL (ECA,
art. 241-A), praticada por quem oferecer, trocar, transmitir, distribuir, publicar ou
divulgar imagens, vídeos ou outro registro contendo
cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
menores por qualquer meio, inclusive por meio de
sistema de informática ou telemático. A pena é de
3 a 6 anos de prisão e multa, que será igualmente
imposta àquele que garante os meios ou serviços
para que se proceda ao armazenamento desse conteúdo e/ou assegura o acesso
a ele pela internet.
Divulgar conteúdos contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes,
ainda que acompanhados de mensagens pedindo ajuda para identificar e localizar os agressores, é CRIME.
Se você compartilha, está ajudando ainda mais a perpetuar essa prática criminosa, além de prolongar o sofrimento de meninos e
meninas e violar os seus direitos fundamentais e à dignidade. Além disso, você pode ser responsabilizado criminalmente por isso.
Manter em smartphones e outros dispositivos fotos e vídeos com cenas de sexo explícito ou pornográficas
envolvendo crianças e adolescentes é o mesmo que armazenar ou possuir e constitui a POSSE DE PORNOGRAFIA
INFANTOJUVENIL. Se algum amigo, parente, conhecido ou até desconhecido envia-lhe materiais dessa natureza para demonstrar sua
indignação ou, até mesmo, com o objetivo tentar ajudar a identificar e localizar os criminosos, apague imediatamente e avise-o(a) de
que esta conduta também configura uma forma de violência sexual (o crime de DIVULGAÇÃO DE PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL). Se
você armazena, também, pratica crime e pode ser responsabilizado por isso.
Para caracterizar esse crime, não é necessário que o fato ilustrado tenha ocorrido na vida real, pois mesmo
que seja por intermédio de montagem ou edição de imagens há o cometimento do crime previsto no art. 241-C do
ECA. O principal objetivo do legislador é desestimular a produção desse tipo de imagem, de forma a não influenciar outras pessoas a
buscarem esse tipo de conteúdo (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016, p. 255).
É crime a conduta de convidar ou “cantar” uma criança para com ela manter uma relação libidinosa (sexo,
beijos, carícias, etc.). Esse tipo de assédio é muito comum na internet, em salas de bate-papo (chats) ou redes sociais
(Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram, MySpace, entre outros).
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Por fim, constitui uma forma de violência sexual
a SUBMISSÃO DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE À
PROSTITUIÇÃO OU EXPLORAÇÃO SEXUAL, que é
o “submeter criança ou adolescente à prostituição ou
à exploração sexual (ECA, art. 244-A). A pena é de 4
a 10 anos de prisão e multa, bem como a perda de
bens e valores empregados na prática criminosa em
benefício do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente do respectivo Estado ou
Distrito Federal em que foi praticado o crime, ressalvado o direito de terceiro de boa-
fé. Essas mesmas penas são aplicadas em relação ao proprietário, gerente ou
responsável pelo estabelecimento em que se constate a submissão de criança ou
adolescente às práticas de prostituição ou à exploração sexual. Um efeito
obrigatório da condenação é a cassação da licença de localização e funcionamento
do estabelecimento acima referido (ECA, art. 244-A, §§ 1º e 2º).
Muitas pessoas acreditam que a violência sexual somente acontece quando há contato físico com as crianças e
adolescentes. Contudo, neste capítulo, foi possível perceber que ela ocorre de muitas formas, inclusive quando não
há esse contato. Veja o que pode ser considerado violência sexual:
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Forçar ou encorajar a criança a tocar um adulto de modo a satisfazer o seu desejo sexual;
Fazer ou tentar fazer a criança se envolver em ato sexual;
Forçar ou encorajar a criança a se envolver em atividades sexuais com outras crianças ou adultos;
Expor a criança a ato sexual ou exibições com o propósito de estimulação ou gratificação sexual;
Usar a criança em apresentação sexual como fotografia, brincadeira, filmagem ou dança;
Tocar a boca, genitais, bumbum, seios ou outras partes íntimas de uma criança com objetivo de satisfação dos desejos;
Espiar ou olhar a criança se despindo, em momentos íntimos, tomando banho, usando o banheiro, com objetivo de satisfação sexual;
Mostrar material pornográfico;
Assediar a criança, fazer comentários erotizados sobre o corpo dela, fazer propostas sexuais, enviar mensagens obscenas por
telefone, bate-papo e outras ferramentas sociais de internet (ARCARI, 2016).
Hoje, muito se enganam aqueles que acreditam que os casos de abuso sexual
infantojuvenil são sempre independentes e isolados entre si. Na verdade, muitos
criminosos têm o único objetivo de auferir lucros com a exploração sexual de menores.
Em diversas situações, os envolvidos não abusam das crianças e adolescentes, mas
integram organizações que ganham dinheiro com conteúdos dessa natureza. São as
chamadas “Redes de Exploração Sexual”, formadas por grupos de usuários e/ou
organizações que realizam a venda e troca de materiais relacionados ao abuso sexual
de menores. As ações criminosas não se limitam à manipulação de fotos e vídeos
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contendo cenas de abuso sexual, extrapolando,
muitas vezes, até mesmo, para a realização de
videoconferências com abusos de crianças e
adolescentes em tempo real, intermediação e
venda de “encontros” com os menores e
agenciamento de pacotes de turismo sexual
com eles. Afora as situações de violência
sexual, os crimes podem ter relação com o trabalho escravo, o sequestro, o
constrangimento ilegal e a lavagem de dinheiro (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016).
Além desses criminosos (que visam lucro com a violência sexual), há outros
que não fazem parte de negócios tampouco lucram com essa atividade. O objetivo
deles é usufruir do fácil acesso proporcionado pela tecnologia para obter materiais de
conteúdo pornográfico envolvendo menores para satisfazer os seus desejos sexuais.
Usuários que inicialmente buscam por fotos e vídeos de pornografia infantojuvenil na internet e sentem
prazer ao ver as cenas contidas nesses materiais são potenciais abusadores que, assim que tiverem a
oportunidade, poderão tentar abusar pessoalmente de crianças e/ou adolescentes. Tais pessoas são
diferentes de curiosos, que eventualmente já tiveram algum contato com esse tipo de conteúdo e não se
interessam em obter mais arquivos dessa natureza (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016, p. 252).
Em 1997, ocorreu a famosa operação “Cathedral”, que ilustra com bastante clareza a utilização da
pornografia infantojuvenil como negócio. No caso, que ocorreu na Califórnia, uma menina de 8 anos ficou
sozinha com o pai de uma amiga de mesma idade, que registrou e transmitiu as cenas de abuso sexual através de uma webcam “ao
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vivo” para centenas de usuários conectados em um site. O abusador recebia em tempo real sugestões dos usuários para fazer
determinadas ações com a vítima. Posteriormente, o material gravado era vendido em site especializado, gerando lucros aos envolvidos
no negócio. Um desmembramento dessa operação, em 1998, desmascarou o “Wonderland Club”, que comercializava esse tipo de
conteúdo com pelo menos 1.200 crianças abusadas. Mais de 100 pessoas em diversos países foram presas, devido à ligação com o
esquema, que envolvia o sequestro de crianças para produção dos materiais, entre outros crimes (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016, p. 252).
Também sobre as “Redes de exploração sexual”, veja a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em 02 de abril de
2019, na Apelação Criminal nº 0011226-49.2015.4.01.3900, referente à prática de estupro de vulneráveis e corrupção de menores.
De acordo com um trecho da decisão, as provas juntadas ao processo incluem laudos periciais, fotos, vídeos e diálogos de WhatsApp,
que comprovam a prática de conjunção carnal e atos libidinosos entre o autor e crianças e adolescentes menores de 14 anos, em cenas
pornográficas e de sexo explícito. As filmagens e fotos estariam aptas para venda ou troca no mercado da pedofilia. Disponível em:
<https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/890403553/apelacao-criminal-acr-apr-112264920154013900/ementa-890403628?ref=juris-tabs>.
Pedofilia é uma palavra de origem grega que decorre da junção dos vocábulos
gregos paidós (que denota criança ou menino) e
filia (inclinação, afinidade), indicando “amor por
crianças”, “afinidade com crianças”.
Para a Organização Mundial de Saúde
(OMS), a pedofilia é “um transtorno de preferência
sexual (parafilia) por crianças de ambos os sexos,
geralmente pré-púberes ou no início da puberdade (CID-10, F65.4)” (POLASTRO;
ELEUTÉRIO, 2016, p. 246). No âmbito da Psicologia, o termo pedofilia é usado para
denominar uma parafilia, que se caracteriza pela predileção de adultos por praticar
atos sexuais com crianças. Tratam-se de fantasias sexualmente excitantes,
impulsos sexuais ou comportamentos intensos e recorrentes envolvendo a atividade
sexual com crianças ou adolescentes (ROVINSKI; PELISOLI, 2020).
Nesse sentido, Hartz (apud MPMG, 2010, p. 11-12), psicóloga e bacharela em
Direito, especializada no atendimento a vítimas de abuso sexual, ensina que:
A pedofilia é a parafilia mais frequente e mais perturbadora do ponto de vista humano. É um transtorno de
personalidade, consequentemente um transtorno mental que se caracteriza pela preferência em realizar,
ativamente ou na fantasia, práticas sexuais com crianças ou adolescentes. Pode ser homossexual,
heterossexual ou bissexual, ocorrendo no interior da família e conhecidos ou entre estranhos.
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o pedófilo seja um doente mental ou tenha desenvolvimento mental incompleto
ou retardado. A pedofilia, na verdade, é uma doença da vontade e da personalidade
antissocial e constitui um tipo de doença mental que não exclui a culpabilidade5, isto
é, o autor pode ser considerado responsável por seus atos, pois sua inteligência
e vontade não são afetadas (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016). Assim, em regra, o
pedófilo tem capacidade de entender o caráter ilícito dos seus atos e determinar-
se conforme esse entendimento. Nesse sentido, Hartz (apud MPMG, 2010, p. 11-12):
Embora a pedofilia seja uma patologia, o pedófilo tem consciência do que faz, sendo a prática do abuso
sexual fonte de prazer e não de sofrimento. [...] São pessoas que vivem uma vida normal, têm uma profissão
normal, são cidadãos acima de qualquer suspeita, o famoso “gente boa”, é mais provável um pedófilo ter um
ar normal do que um ar “anormal”. (grifo nosso)
Considerando, então, que o pedófilo tem consciência da ilicitude dos seus atos,
ou seja, de que são contrários às leis, pode-se afirmar que a pedofilia é um crime?
5
Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Em outras palavras, é o juízo
de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a
vontade da ordem jurídica (GRECO, 2018b).
18
no campo da Luta Contra o Crime Organizado, ao tratar, no item 2, III, do art. 3º, do
intercâmbio de informações e dados e da tomada de medidas conjuntas para o
combate de atividades ilícitas, cita “atividades comerciais ilícitas por meios eletrônicos
(transferências ilícitas de numerário, invasão de bancos de dados, pedofilia e outros)”
(BRASIL, 2006). Também o Decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002, já revogado e
que dispunha sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), previa, no
item 143 do Anexo I, dentre as propostas governamentais, “combater a pedofilia em
todas as suas formas, inclusive através da internet”.
Muito embora a pedofilia não seja crime, a prática de condutas criminosas por
parte de pessoas portadoras desse transtorno – os pedófilos – é bastante comum e
precisa ser combatida. Mas, então, o pedófilo é um criminoso?
A revisão da literatura aponta que os pedófilos podem manter seus desejos em segredo durante toda a vida,
sem nunca compartilhá-los ou colocá-los em prática no mundo real. Porém, quando essa prática da fantasia
acontece passa a existir um fator de risco potencial maior para a repetição da violência sexual. Alguns
pedófilos vão passar a agir somente mediante uma situação de estresse intenso, em que se sintam
fortemente pressionados. Outros não conseguem alcançar níveis adequados de satisfação sexual sem
envolver crianças. Esses últimos [...] são solitários e socialmente inábeis, e vão “mergulhando cada vez mais
profundamente em fantasias pedofílicas” (ROVINSKI; PELISOLI, 2020)
19
fazendo (ou não) o uso de violência física. Nesse caso, o pedófilo pratica uma ou mais
das condutas criminosas já analisadas no capítulo anterior e descritas no Código
Penal ou no ECA, como, por exemplo, o estupro de vulnerável, o assédio sexual, a
posse de pornografia infantojuvenil, entre outras.
Infelizmente, é comum vermos a associação das agressões sexuais contra
menores à pedofilia. Porém, a literatura permite afirmar que os pedófilos são apenas
parte dos possíveis agressores e, em várias situações, eles podem nem colocar em
prática as suas fantasias sexuais envolvendo o público infantojuvenil (ROVINSKI;
PELISOLI, 2020). Portanto, é preciso desmistificar essa ideia errônea, já incutida na
mentalidade de toda a sociedade, de que pedofilia é crime e de que todo pedófilo é
um criminoso. PEDOFILIA NÃO É CRIME e NEM TODO PEDÓFILO É CRIMINOSO!
Assim, o agente pode ser pedófilo e nunca ter manifestado externamente seu pensamento, chegando, ao
máximo, a presentear com meros brinquedos uma criança que admira, sem manter com ela qualquer relação
sexual. O que se pune, na verdade, são as condutas praticadas pelos agentes, aplicando-se ao caso o direito
penal do fato, e não a mera condição pessoal [...]. Há um grande erro terminológico
empregado no Brasil nos dias de hoje quando se aborda o tema em comento (CASTRO;
BULAWSKI, 2011, p. 14).
O fato de a pedofilia ser uma patologia não significa que o pedófilo não deva ser punido. [...] As estatísticas
têm mostrado que 80% a 90% dos contraventores sexuais não apresentam nenhum sinal de alienação
mental. São, portanto, juridicamente imputáveis. [...] Assim sendo, a inclinação cultural tradicional de se
correlacionar, obrigatoriamente, o delito sexual com doença mental deve ser desacreditada. A crença
de que o agressor sexual atua impelido por fortes e incontroláveis impulsos e desejos sexuais é infundada,
ao menos como explicação genérica para esse crime.
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A imputabilidade constitui-se de dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato) e outro volitivo (capacidade
de determinar-se conforme esse entendimento) (BRODT, 1996 apud GRECO, 2018b). Portanto, no Direito Penal, um dos requisitos para que uma
20
<
Veja a decisão do STF no âmbito do Habeas Corpus nº 0087951.45.2020.1.00.0000 PE. Disponível em:
<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/862022067/habeas-corpus-hc-182485-pe-pernambuco-0087951-4520201000000?ref=serp>.
[...] uma pessoa que abusa de uma criança nem sempre é um pedófilo, pois pode
se tratar de um abuso de ocasião e essa pessoa pode não ter o diagnóstico de
pedofilia. Pesquisas apontam que menos de 1% das pessoas diagnosticadas com
pedofilia chegam a abusar sexualmente de crianças e que esses abusos são
praticados principalmente por pessoas desprovidas desse distúrbio. (grifo
nosso)
[...] ainda que comumente uma pessoa que pratica ato sexual com uma criança seja taxada como pedófila,
há, contudo, outras razões que podem levar a tal ato. Alguns dos exemplos citados por estudiosos do assunto
dão conta de que o estresse, problemas no casamento, ou a falta de um parceiro adulto, tal como o estupro
de pessoas adultas pode ter razões não-sexuais. Relata-se que a maioria dos abusadores não possui um
interesse sexual voltado primariamente para crianças, razão pela qual não se emoldariam ao termo clínico
de pedofilia (CASTRO; BULAWSKI, 2011, p. 16).
pessoa seja responsabilizada pelo crime cometido é que ela seja imputável, ou seja, entenda que a sua conduta configura um crime e tenha a
plena capacidade de conduzir a sua vontade de acordo com esse entendimento.
7
Sobre a inimputabilidade, determina o art. 26, caput, do CP, que: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se
de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940).
21
Outro exemplo de indivíduos não pedófilos que praticam crimes de violência
sexual contra crianças e adolescentes são aqueles que produzem e/ou comercializam
a pornografia infantojuvenil para deleite de pedófilos. Esses “comerciantes” não têm
atração sexual por menores, mas se aproveitam do interesse de pedófilos para auferir
lucros no mercado da pornografia (CASTRO; BULAWSKI, 2011, p. 15). Neste sentido,
podem-se citar, ainda, as pessoas que promovem a prostituição infantojuvenil,
submetendo crianças e adolescentes aos abusos sexuais dos pedófilos criminosos.
Veja-se, portanto, que criminosos podem se aproveitar do interesse sexual de
pessoas portadoras de pedofilia por crianças e adolescentes para obterem lucro e,
sobre isso, cumpre lembrar a existência de redes de crime organizado pela internet
voltadas exatamente para atos dessa natureza, incluindo o abuso, a pornografia e a
exploração sexual de crianças e adolescentes, conforme já assinalado anteriormente.
Não se consegue calcular a soma de dinheiro que elas movimentam no Brasil e exterior, podendo até estar
ligadas a outros crimes, como tráfico de drogas e desvio de dinheiro. As pessoas que praticam esses atos
pela Internet podem ser chamadas de “ladrões da inocência”. Elas trocam informações, negociam imagens
pornográficas infantis, trocam desejos e fantasias sexuais das vítimas de abuso, merecendo por isso atenção
especial das autoridades.
O Brasil é um dos três países que mais utilizam a internet para cometer crimes ligados à pedofilia. Dados
indicam que [...] a quantidade de dinheiro que esses crimes movimentam é maior que a do tráfico de drogas
(MPMG, 2010, p. 27).
[...] ainda que se reconheça a pedofilia como um transtorno mental, assim classificado pelo Código
Internacional de Doenças (10ª Conferência de Genebra), tal situação, por si só, não conclui a possibilidade de
incidência do previsto no art. 26, e seu parágrafo único, do Código Penal, no caso a pretendida
inimputabilidade do ora paciente.
[...] o laudo pericial concluiu que o apelante era capaz de entender o caráter criminoso, mas sua
determinação é marcada pela compulsão doentia de atividade sexual com crianças, ou seja, a pedofilia.
Ocorre que isso não o beneficia, nos termos do artigo 26 do Código Penal. Tentou dissimular a sua conduta
perante Juízo, mas contou com detalhes no inquérito. Em razão disso, a absolvição pretendida, com medida
de segurança, não merece acolhimento (POLASTRO; ELEUTÉRIO, 2016, p. 246).
Vê-se, portanto, que, apesar de a pedofilia não ser um crime no Brasil, haja
vista não existir lei que assim a defina, os pedófilos que exteriorizam a sua atração
sexual por crianças e adolescentes através de condutas caracterizadoras de violência
sexual são, em regra, devidamente punidos e condenados, não recebendo qualquer
benefício penal.
23
5 AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO ABUSADOR
Como há ausência de qualquer vínculo com o agressor, a quebra do silêncio por parte da criança ou do
adolescente e de sua família é impulsionada e, por isso, a denúncia acontece mais facilmente. Acomete mais
frequentemente adolescentes do sexo feminino e a maioria dos casos acontece fora do ambiente doméstico,
sendo comuns as situações em que ocorre penetração vaginal, anal ou oral (SÃO PAULO, 2007).
<
O Código Penal, no art. 128, II, autoriza o aborto quando a gravidez resultar de estupro, sendo necessário
o consentimento da gestante ou, quando incapaz (como as crianças e adolescentes), do seu representante legal.
26
Infelizmente, grande parte dos abusos sexuais
intrafamiliares ainda se destacam como prevalentes
quando comparados àqueles praticados por pessoas
fora da família e sem vínculos com o menor.
Hoje, o acesso de pessoas não autorizadas e
desconhecidas em escolas está cada vez mais difícil,
sobretudo devido às fiscalizações voltadas para o combate ao comércio de álcool e
drogas e, isso, acaba também inibindo a atuação de criminosos sexuais, que optam
por não abordar as crianças e adolescentes pessoalmente.
Diante desses fatores, aliados à facilidade de acesso à internet e aos novos
meios de comunicação, tem se tornado cada vez mais comum a ‘Abordagem Virtual’.
Durante o distanciamento social, as crianças permanecem mais tempo conectadas, com acesso a aplicativos
com criptografia ponto a ponto, redes sociais, plataformas de live streaming e inúmeras ferramentas que,
sem mecanismos adequados de proteção online, poderá dificultar o controle parental (BARRETO; FONSECA,
2020).
29
6 COMO RECONHECER QUE UMA CRIANÇA OU ADOLESCENTE PODE ESTAR
SOFRENDO ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA?
Mudança de comportamento
O primeiro sinal a ser observado é uma possível mudança no padrão de comportamento das
crianças/adolescentes e costuma ocorrer de maneira repentina e brusca, que também pode se
apresentar com relação a uma pessoa específica, o possível abusador, portanto, de fácil percepção.
Por exemplo, se a criança/adolescente nunca agiu de determinada forma e, de repente, passa a agir;
se começa a apresentar medos que não tinha antes (do escuro, de ficar sozinha ou perto de
determinadas pessoas); ou, então, mudanças extremas no humor (era ‘super extrovertida’ e passa a
ser muito introvertida; ‘era super calma e passa a ser agressiva’). Como a maioria dos abusos
acontece com pessoas da família, às vezes, apresentam rejeição a essa pessoa, ficando em pânico
quando está perto dela, e a família estranha: ‘Por que você não vai cumprimentar fulano? Vá lá!’. São
formas que as vítimas encontram para pedir socorro e a família necessita ficar atenta e identificar
esta situação. Em outros casos, a rejeição não se dá em relação a uma pessoa específica, mas a uma atividade. A criança/adolescente não quer
ir a uma atividade extracurricular, visitar um parente ou vizinho ou mesmo voltar para casa depois da escola ou frequentar a própria escola ou
determinado esporte que tanto gosta (SPB, 2020).
Proximidade excessiva
Apesar de, em muitos casos, a vítima demonstrar rejeição em relação ao abusador, é preciso usar o bom senso para identificar quando uma
proximidade excessiva também pode ser um sinal. A violência costuma ser praticada por pessoas da família na maioria dos casos. Assim, por
exemplo, se, ao chegar à casa de familiares ou conhecidos, a criança/adolescente desaparece por horas brincando com um primo(a) mais
velho(a)/tio(a)/padrinho(a) ou se é alvo de um interesse incomum de membros mais velhos da família em situações em que ficam sozinhos sem
supervisão, é preciso estar atento ao que possa estar ocorrendo. Nessas relações, muitas vezes, o abusador manipula emocionalmente a vítima
que nem sequer percebe estar sendo vítima naquela etapa da vida, o que pode levar ao silêncio por sensação de culpa. Essa culpa pode se
manifestar em comportamentos graves no futuro como autolesões e até ideias suicidas ou o próprio suicídio (SPB, 2020).
Regressão
Outro indicativo de possível violência sexual é o de recorrer a comportamentos infantis, que a criança/adolescente já havia abandonado, mas
volta a apresentar de repente. Coisas simples, como fazer xixi na cama ou voltar a chupar o dedo, ou, ainda, começar a chorar sem motivo
aparente. Se isolar com medo, não ficar perto de amigos, não confiar em ninguém, não
sorrir ou usar roupas incompatíveis com o clima, como mangas longas, capuz (pode ser
sinal de autolesão) ou fugir de qualquer contato físico. A criança e o adolescente sempre
avisam, mas, na maioria das vezes, não de maneira verbal (SPB, 2020).
Segredos
Para manter o silêncio da vítima, o abusador pode fazer ameaças de violência física
e promover chantagens para não expor fotos ou segredos compartilhados pela vítima. É
comum também que usem presentes, dinheiro ou outro tipo de benefício material para
construir a relação com a vítima. É preciso explicar para os filhos que nenhum adulto ou criança mais velha deve manter segredos com ela que
não possam ser compartilhados com adultos de confiança, como a mãe ou o pai (SPB, 2020).
Hábitos
Uma vítima de abuso também apresenta alterações de hábito repentinas. Pode ser desde um mau desempenho escolar, falta de concentração
ou uma recusa a participar de atividades, até mudanças na alimentação (anorexia, bulimia) ou distúrbio do sono, como pesadelos, insônias ou
medo de ficar sozinha ou no modo de se vestir. A mudança na aparência pode ser também uma forma de proteção encontrada pela criança, como
uma menina se vestir como um menino na adolescência para fugir de possíveis violências (SPB, 2020).
31
Questões de sexualidade
As vítimas podem reproduzir o comportamento do abusador em outras crianças/adolescentes. Como, por exemplo, chamar os amiguinhos
para brincadeiras que têm algum cunho sexual ou algo do tipo; ou, a vítima que nunca falou de sexualidade e começa a fazer desenhos em que
aparecem genitais, podendo ser um indicador. Especialmente crianças que, ainda muito novas, passam a apresentar curiosidades excessivas ou
comportamentos como: “Quando ela, em vez de abraçar um familiar, dá beijo, acaricia onde não deveria, ou quando faz uma brincadeira muito
para esse lado da sexualidade”. O uso de palavras diferentes das aprendidas em casa para se
referir às partes íntimas também é motivo para se perguntar onde seu(sua) filho(a) aprendeu
tal expressão (SPB, 2020).
Questões físicas
Há também os sinais mais óbvios de violência sexual que deixam marcas físicas, as quais,
inclusive, podem ser usadas como provas à Justiça. Existem situações em que a
criança/adolescente acaba até mesmo contraindo infecções sexualmente transmissíveis ou
gravidez. Deve-se ficar atento a possíveis traumatismos físicos, lesões que possam aparecer,
roxos ou dores e inchaços nas regiões genitais ou anal, roupas rasgadas, vestígios de sangue ou esperma, dores ao evacuar ou urinar. Dores
inespecíficas como abdominal, cefaleia, em membros, torácica (afastadas as hipóteses biológicas) podem indicar sinais de alerta (SPB, 2020).
Negligência
Muitas vezes, o abuso sexual vem acompanhado de outros tipos de maus tratos que a vítima sofre em casa, como a negligência. Filhos que
passam horas sem supervisão ou que não tem o apoio emocional da família, com o diálogo aberto com os pais, estará em situação de maior
vulnerabilidade a este tipo de abuso ou outros. Crianças e adolescentes que permanecem muito tempo acessando a internet também podem ser
vítimas de apelos sexuais (SPB, 2020).
A estratégia é observar, pois os sinais de sofrimento psíquico poderão ser expressos em distúrbios de sono
(terrores noturnos) e alimentação (como anorexia e bulimia), agressividade, crises de choro constantes,
episódios de xixi na cama mesmo após superado anteriormente, baixa autoestima, queda no rendimento
escolar ou dificuldades importantes de aprendizado, isolamento social, além de somatizações no corpo como
constantes dores de cabeça. A criança ainda pode possuir uma importante inquietação ou querer evitar o
contato de determinado sujeito ou situação, como, por exemplo, ir à casa de determinada pessoa. Além disso,
a manifestação de comportamentos hipersexualizados precocemente poderão ser assinaladores que o
infante esteja sendo exposto à violência sexual (COMO..., 2019).
Sinais Corporais
a) Enfermidades psicossomáticas que consistem em uma série de problemas de saúde
sem causa clínica aparente, como: dor de cabeça, erupções na pele, vômitos e outras
dificuldades digestivas, que têm, na realidade, fundo psicológico e emocional;
32
b) Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s, incluindo Aids), diagnosticadas em coceira na área genital, infecções urinárias, odor vaginal,
corrimento ou outras secreções vaginais e penianas e cólicas intestinais;
c) Dificuldade de engolir devido à inflamação causada por gonorréia na garganta (amídalas) ou reflexo de engasgo hiperativo e vômitos (por sexo
oral);
d) Dor, inchaço, lesão ou sangramento nas áreas da vagina ou ânus a ponto de causar, inclusive, dificuldade de caminhar e de sentar;
e) Canal da vagina alargado, hímen rompido e pênis ou reto edemaciados ou hiperemiados;
f) Baixo controle dos esfíncteres, constipação ou incontinência fecal;
g) Sêmen na boca, nos genitais ou na roupa;
h) Gravidez precoce ou aborto;
i) Traumatismo físico ou lesões corporais por uso de violência física (PARÁ, 2010, p. 30-31).
Sinais Comportamentais
a) Medo, ou mesmo pânico, de certa pessoa ou sentimento generalizado de desagrado quando é deixada sozinha, em algum lugar, com alguém;
b) Medo do escuro ou de lugares fechados;
c) Mudanças extremas, súbitas e inexplicadas no comportamento, como oscilações no
humor entre retraída e extrovertida;
d) Mal-estar pela sensação de modificação do corpo e confusão de idade;
e) Regressão a comportamentos infantis, como: choro excessivo, sem causa aparente,
enurese, chupar dedos;
f) Tristeza, abatimento profundo ou depressão crônica. Fraco controle de impulsos e
comportamento autodestrutivo ou suicida;
g) Baixo nível de autoestima e excessiva preocupação em agradar os outros;
h) Vergonha excessiva, inclusive de mudar de roupa na frente de outras pessoas;
i) Culpa e autoflagelação;
j) Ansiedade generalizada, comportamento tenso, sempre em estado de alerta, fadiga;
k) Comportamento disruptivo, agressivo, raivoso, principalmente dirigido contra irmãos e um dos pais não incestuoso;
l) Alguns podem ter transtornos dissociativos na forma de personalidade múltipla (DSMIV – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
– Fourth Edition);
m) Interesse ou conhecimento súbitos e não usuais sobre questões sexuais;
n) Expressão de afeto sensualizada ou mesmo certo grau de provocação erótica, inapropriado para uma criança;
o) Desenvolvimento de brincadeiras sexuais persistentes com amigos, animais e brinquedos;
p) Masturbar-se compulsivamente;
q) Relato de avanços sexuais por parentes, responsáveis ou outros adultos;
r) Desenhar órgãos genitais com detalhes e características além de sua capacidade etária (PARÁ, 2010, p. 31-32).
33
Verifica-se que as crianças e adolescentes podem demonstrar de diversas
formas que algo de errado está acontecendo e estão sofrendo ou sofreram algum tipo
de violência. Por diversas vezes, não conseguem verbalizar e contar o que aconteceu
de forma clara. Cabe aos pais, familiares, professores, profissionais da saúde e outras
pessoas que convivem com aquela criança ou adolescente conseguir identificar estes
sinais e, junto de profissionais qualificados, apurar o que está, de fato, ocorrendo.
Professores devem ficar atentos nos casos de alunos que apresentam queda
injustificada na frequência escolar ou baixo rendimento causado por dificuldade de
concentração e aprendizagem. Outro comportamento importante que deve ser
analisado é a pouca participação em atividades escolares e a tendência de isolamento
social. Sabidamente, a escola é um lugar onde crianças e adolescentes passam boa
parte do dia; têm, em regra, uma relação próxima e de confiança com os professores
e demais funcionários, além de se sentirem seguros para relatar diversas formas de
violência e pedir ajuda. Várias investigações de crimes sexuais praticados contra
crianças e adolescentes tiveram início após a escola notar alterações de
comportamentos de forma atenta e realizar os encaminhamentos necessários.
A criança sempre tem muita dificuldade em falar e, por isso, o seu depoimento
deve ser tomado de forma cautelosa e paciente, sobretudo para que não seja mais
um trauma. Também é importante ressaltar que a criança muitas vezes se expressa
através de brinquedos e/ou desenhos, como os exemplos abaixo (MPMG, 2010):
SINTETIZANDO...
Os principais sinais que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual podem revelar e ser observados pelos
pais e educadores são comportamentais. São exemplos os seguintes:
Pesadelos, medos inexplicáveis de pessoas ou lugares, mudanças bruscas de humor (extroversão ou agressividade), apatia e
<
35
O Guia de Referência: Construindo uma Cultura de Prevenção à Violência
Sexual, da Childhood, elenca algumas consequências que as crianças e adolescentes
podem apresentar após serem submetidos a situações de violência sexual:
Sequelas dos problemas físicos gerados pela violência sexual. Lesões, hematomas e doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs) podem interferir na capacidade reprodutiva. As gestações podem ser
problemáticas, aparecendo complicações orgânicas, cujas causas podem ser psicossociais. Esses
problemas são capazes de levar a uma maior morbidade materna e fetal.
Dificuldade de ligação afetiva e amorosa, originada no profundo sentimento de desconfiança pelo ser
humano em geral, por temor de reedição de experiência traumática ou, ainda, por dissociação entre sexo
e afeto, gerando sentimentos de baixa autoestima, culpa, e depressão prolongada por medo da intimidade.
Dificuldades em manter uma vida sexual saudável. A dificuldade em estabelecer ligações afetivas pode
estar associada com a questão da sexualidade ou interferindo nela. As pessoas podem evitar todo e
qualquer relacionamento sexual por traumas e/ou fatores fóbicos que bloqueiam o desejo. Podem ainda
vivenciar baixa qualidade nas relações sexuais, com incapacidade de atingir o orgasmo ou demorar
demais para atingi-lo.
Tendência a sexualizar demais os relacionamentos sociais. Algumas pessoas podem ter reações opostas,
geradas por fatores como incapacidade de distinguir sexo do afeto; confusão entre o amor parental e
manifestações sexuais; compulsivo interesse sexual para provar que são amadas e para se sentirem
adequadas. Isso pode gerar também trocas sucessivas de parceiros.
Engajamento em trabalho sexual (prostituição). Muitos profissionais do sexo foram abusados quando
crianças. Porém, não se deve estabelecer nenhuma relação mecânica entre abuso sexual e prostituição.
Milhares de crianças abusadas não se tornam trabalhadores do sexo quando adultas. A conexão que
algumas trabalhadoras sexuais fazem entre uma coisa e outra é o fato de que, com a experiência de
abuso, elas aprenderam que a única coisa – ou a mais importante – que as pessoas queriam delas era
sexo. Provendo sexo, elas encontram, paradoxalmente, certo sentimento de valor, uma forma de
mediação. Posteriormente, essa atividade se transforma em estratégia de sobrevivência.
Dependência em substâncias lícitas e ilícitas. Aqui, vale também ressaltar que qualquer associação
mecânica entre abuso sexual e uso de drogas mais atrapalha do que ajuda. Apesar disso, algumas pessoas
confessam que inicialmente usaram drogas para cuidar de sentimentos, esquecer a dor, a baixa
autoestima e, mais tarde, o uso se tornou um vício incontrolável (SANTOS, 2009, p. 44-47).
Distúrbios ou impossibilidade de assumir uma vida sexual adulta saudável: ausência de desejo sexual,
anorgasmia, frigidez, impotência, ejaculação precoce;
Dificuldades no desenvolvimento sexual: tendências para a assexualidade ou hipersexualidade;
36
Desvio do comportamento sexual: promiscuidade, perversões, fetichismo, exibicionismo, voyeurismo,
parafilias – pedofilia (MARINGÁ, 2012, p. 9).
38
7 A REDE DE PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Artigo 34
Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso
sexual. Para tanto, os Estados Partes devem adotar, em especial, todas as medidas em âmbito nacional,
bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir:
o incentivo ou a coação para que uma criança dedique-se a qualquer atividade sexual ilegal;
a exploração da criança na prostituição ou em outras práticas sexuais ilegais;
a exploração da criança em espetáculos ou materiais pornográficos (ONU, 1990).
40
7.2 A Lei nº 13.431, de 04 de abril de 2017, e o sistema de garantia de direitos
da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência
Art. 4º – Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de
violência:
I - violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade
ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;
II - violência psicológica:
a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento,
ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu
desenvolvimento psíquico ou emocional;
b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou
do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou
à manutenção de vínculo com este;
c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra
membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido,
particularmente quando isto a torna testemunha;
III - violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando
gerar revitimização (BRASIL, 2017).
Art. 21 – Constatado que a criança ou o adolescente está em risco, a autoridade policial requisitará à
autoridade judicial responsável, em qualquer momento dos procedimentos de investigação e
responsabilização dos suspeitos, as medidas de proteção pertinentes, entre as quais:
I - evitar o contato direto da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência com o suposto
autor da violência;
II - solicitar o afastamento cautelar do investigado da residência ou local de convivência, em se tratando de
pessoa que tenha contato com a criança ou o adolescente;
III - requerer a prisão preventiva do investigado, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou
adolescente vítima ou testemunha de violência;
IV - solicitar aos órgãos socioassistenciais a inclusão da vítima e de sua família nos atendimentos a que têm
direito;
V - requerer a inclusão da criança ou do adolescente em programa de proteção a vítimas ou testemunhas
ameaçadas; e
VI - representar ao Ministério Público para que proponha ação cautelar de antecipação de prova,
resguardados os pressupostos legais e as garantias previstas no art. 5º desta Lei, sempre que a demora
possa causar prejuízo ao desenvolvimento da criança ou do adolescente (BRASIL, 2017).
42
Para fins de conhecimento, segue quadro contendo as medidas protetivas
previstas na Lei Maria da Penha e as medidas de proteção do ECA:
43
Antes mesmo da referida lei entrar em vigor, algumas cidades, como Brasília,
Rio de Janeiro, Porto Alegre e Teresópolis, já haviam implantado iniciativas nesse
sentido (SANTOS; GONÇALVES, 2017). Reúnem em um mesmo espaço diversos
serviços públicos de áreas como Saúde, Assistência Social, Segurança Pública e
perícia médica, dentre outros. Cada um tem formato
particular, baseado na realidade institucional, social,
cultural e econômica em que estão inseridos.
Nos centros, é ofertado o atendimento integrado,
protetivo e de articulação do Sistema de Garantias de
Direitos, mediante o estabelecimento de fluxos que promovem a integração dos
órgãos, a qualidade e a celeridade dos procedimentos. Em geral, eles concentram o
provimento de serviços de atenção em um único espaço físico, visando evitar
sofrimento adicional aos menores, que, para serem atendidos no modelo tradicional,
têm que percorrer vários locais, o que quase sempre resulta em revitimização.
Em Belo Horizonte, em novembro de 2017, foi inaugurado o Centro Integrado
de Defesa e Proteção à Criança e ao Adolescente, que é formado pela Vara
Especializada de Crimes Contra Crianças e Adolescentes, o Ministério Público, a
Polícia Militar e a Polícia Civil, através da Delegacia Especializada de Proteção à
Criança e ao Adolescente.
SAIBA MAIS!
O art. 14 da Lei nº 13.431/2017 traz as diretrizes para a implementação de centros integrados de
<
atendimento integrado à criança e ao adolescente vítima. Confira na Lei!
SAIBA MAIS!
Aprofunde seus conhecimentos e leia o documento Centros de Atendimento Integrado de Crianças e
Adolescentes Vítimas de Violência – Boas Práticas e Recomendações para uma Política Pública de Estado, que
se encontra disponível no material complementar, e aprenda alguns aspectos primordiais a serem observados para a criação de novos
<
ATENÇÃO!
A lei inova ao determinar que qualquer pessoa que tiver conhecimento ou presenciar ação ou omissão que
constitua violência contra criança ou adolescente tem o dever de comunicar o fato imediatamente ao serviço de
recebimento e monitoramento de denúncias, ao Conselho Tutelar ou à autoridade policial. O Código de Processo Penal (CPP) – Decreto-
lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 –, em seu art. 5º, § 3º, dispõe que qualquer pessoa tiver conhecimento da existência de
infração penal em que caiba ação pública poderá comunicar à autoridade policial, sendo, portanto, uma FACULDADE. Com a
entrada em vigor da Lei nº 13.431/2017, caso, qualquer pessoa tenha conhecimento da ocorrência de violência contra criança ou
adolescente deverá, ou seja, está OBRIGADO a comunicar o fato ao Conselho Tutelar, à Autoridade Policial ou ao serviço de
recebimento de denúncias, em atendimento ao princípio da proteção integral.
Trata-se de uma instituição essencial ao “Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente”,
instituído pela Lei nº 8.069/90 com o objetivo de proporcionar, de maneira efetiva, a “proteção integral”
prometida à criança e ao adolescente já pelo citado art. 1º, do citado Diploma Legal. Evidente, no entanto, que
50
agindo de forma isolada, por mais que o Conselho Tutelar se esforce, não terá condições de atingir tal objetivo
e/ou de suprir o papel reservado aos demais integrantes do aludido “Sistema de Garantias”, não podendo
assim prescindir da atuação destes.
Um dos desafios a serem enfrentados pelo Conselho Tutelar, portanto, é fazer com que os diversos órgãos,
autoridades e entidades que integram o referido “Sistema de Garantias” aprendam a trabalhar em “rede”,
dialogando e compartilhando ideias e experiências entre si, buscando, juntos, o melhor caminho a trilhar,
tendo a consciência de que a efetiva e integral solução dos problemas que afligem a população infanto-juvenil
local, é de responsabilidade de TODOS.
51
manutenção da criança ou adolescente junto à família natural, além de promover e
incentivar, na comunidade e grupos profissionais, ações de divulgação e treinamento
para o reconhecimento de sintomas de maus-tratos em crianças e adolescentes.
Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário
o afastamento do convívio familiar, comunicará o fato imediatamente ao Ministério
Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as
providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família.
É importante ressaltar que as decisões do Conselho Tutelar somente poderão
ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.
O ECA, em seu art. 13, prevê que os casos de suspeita ou confirmação de
castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou
adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva
localidade, sem prejuízo de outras providências legais. O Estatuto traz, em seu art.
56, a obrigatoriedade de comunicação ao Conselho Tutelar dos casos de maus-tratos
envolvendo os alunos pelos dirigentes de estabelecimentos de ensino. Assim, ao
tomar conhecimento da suspeita ou confirmação de violência contra menores, caberá
ao Conselho Tutelar aplicar as medidas de proteção cabíveis ao caso concreto para
garantir, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos. Vale reforçar que o
Conselho Tutelar deve atuar de forma integrada e articulada com os demais órgãos
da rede de proteção de cada município, como Polícia Civil, Polícia Militar, Ministério
Público, Poder Judiciário, além da saúde, educação, assistência social, dentre outros.
Por fim, vale acrescentar que o Conselho Tutelar aplica as medidas de
proteção, mas a execução delas é de responsabilidade do Poder Público, das famílias
e da sociedade civil em geral.
DICAS DE CONTEÚDO!
A campanha Defenda-se promove a autodefesa de crianças contra a violência sexual por meio de vários
vídeos educativos com linguagem acessível, amigável e preventiva, apropriados para meninas e meninos entre
4 e 12 anos de idade. As histórias apresentam situações do dia-a-dia em que os meninos e meninas têm condições reais de agir
<
preventivamente para sua autodefesa, especialmente pelo reconhecimento dos seus direitos sexuais e de estratégias que dificultam a
ação dos agressores. Acesse o site em <https://defenda-se.com/videos/#pt> e mostre os vídeos para as crianças de sua convivência!
Outra indicação é a série “Que corpo é esse?”, lançada em 2018, através de parceria com a Childhood Brasil e a Unicef Brasil e
disponível em <https://www.childhood.org.br/crescer-sem-violencia>. Os vídeos buscam alertar educadores, crianças, adolescentes
e famílias sobre o conhecimento do próprio corpo, a importância da autoproteção e do respeito ao direito à sexualidade. Os vídeos são
excelentes para conscientizar crianças e adolescentes e prevenir a prática de violência sexual.
Por fim, como sugestão de leitura, indica-se o livro infantil “Pipo e Fifi”, que opera como uma ferramenta de proteção, explicando
às crianças, a partir dos 3 anos de idade, conceitos básicos sobre o corpo, sentimentos, convivência e trocas afetivas. De forma simples
e descomplicada, ensina-se a diferenciar toques de amor de toques abusivos, apontando caminhos para o diálogo e a proteção.
Configuração de privacidade nas redes sociais, especialmente dos dados relacionados com
geolocalização, data de nascimento, telefone, e-mail, nome dos pais e qualquer outro referente a
informações pessoalmente identificáveis;
Ajustes no WhatsApp para ocultar informações sobre fotos de perfil, permissão para adição em grupos,
compartilhamento de status além de habilitar a configuração em duas etapas para evitar a “clonagem”
do WhatsApp;
Orientação na postagem de conteúdo;
Cautela com smart toys e outros devices conectados;
Cuidados com o acesso remoto de dispositivos, especialmente de webcams. Recomenda-se a utilização
de adesivos ou outro meio que permita sua ocultação quando não estiver em uso e;
Atenção para os games online e os recursos de configuração de privacidade e segurança (BARRETO;
FONSECA, 2020).
Quanto mais bem informados os pais estiverem, mais fácil será a conversa com
os filhos, orientando-os sobre os riscos existentes e a supervisão da navegação. Para
realizar essa supervisão, é possível criar filtros nos celulares, tablets e jogos
online. Há várias formas de monitorar ou impedir o acesso a conteúdos
impróprios para crianças e adolescentes. Ative o Controle Parental (ou Controle
55
dos Pais), que “é um conjunto de recursos de segurança disponível em diversos
sistemas operacionais, sites e equipamentos, como roteadores e consoles de jogos.
Também pode ser instalado por meio de aplicativos pagos ou gratuitos” (CERT.BR,
2019, p. 12). Sobre este assunto, Barreto e Fonseca (2020) assinalam que existem
diversos softwares com ferramentas para restrição de acesso, definição de horários e
monitoramento de assuntos a serem acessados
pelas crianças. E adolescentes. Dentre as várias
opções existentes, eles indicam as seguintes: Bark
(www.bark.us), para o monitoramento de redes sociais;
Qustodio (www.qustodio.com), para o controle de
adolescentes; Net Nanny (www.netnanny.com), para o
controle de crianças, e, também, o Kaspersky Safe Kids (www.kaspersky.com/safe-kids), com
funções semelhantes.
DICAS DE CONTEÚDO!
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, atentando-se à importância e necessidade de munir os pais e
responsáveis do conhecimento necessário para proteger as crianças e os adolescentes no ambiente virtual,
disponibilizou através do link <https://www.justica.gov.br/seus-direitos/classificacao/Controle-parental> informações sobre como
<
Atitudes como minimizar ou fechar aplicativos, trancar a porta do quarto, bloquear o celular ou tablet
e ficar nervoso quando você está por perto podem indicar que seus filhos estão tentando esconder
56
algo e, possivelmente, correndo riscos. Esse é o momento para tentar conversar e entender o que
está ocorrendo. A relação de confiança é o mais importante. Converse e ouça antes de julgar, para que eles
não tenham medo de relatar algum incômodo (CERT.BR, 2019, p. 9). (grifo nosso)
De imediato, 1) Verifique todos os canais por meio dos quais a criança ou adolescente teve contato com o possível criminoso e não
apague nenhuma das conversas e conteúdos (vídeos ou fotos) compartilhados. 2) Se o diálogo se deu em uma rede social, por exemplo,
copie a URL8 (link) do perfil e o nome do usuário (veja como fazer mais adiante). 3) Tire cópia de todas as conversas e demais conteúdos;
salve em um CD ou pendrive, se for preciso. 4) Anote o(s) dia(s), horário(s) e a cidade(s)/UF(s) em que o menor estava durante as conversas
com o suposto criminoso. 5) De posse dessas informações e, se possível, acompanhado do menor de idade, dirija-se à Delegacia mais
próxima e registre um boletim de ocorrência.
8
URL significa Uniform Resource Locator (Localizador Padrão de Recursos) e, neste curso, será utilizada apenas para indicar o endereço ou link
de um site, como, por exemplo, www.policiacivil.mg.gov.br.
57
FAÇA VOCÊ MESMO!
COMO SALVAR A URL (ou LINK) DE UM PERFIL? Uma das primeiras medidas a ser adotada quando ocorre a prática de um crime
em uma rede social é coletar os dados do titular da conta ou perfil. E isso a própria vítima (ou responsável) pode fazer. Tratando-se de
crime praticado no Facebook ou Instagram, por exemplo, deve-se coletar de imediato a URL (ou link) da conta a ser investigada, isto é,
o seu endereço web completo.
Quando o acesso ao Facebook é feito através de um computador, a URL pode ser identificada na barra de endereços do navegador,
conforme imagem abaixo:
No Instagram, quando o acesso é feito a partir do computador, a identificação da URL do perfil opera-se de maneira semelhante,
isto é, a partir da barra de endereços do navegador. Veja:
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Quando o acesso ao Facebook é feito através de um computador, a URL pode ser identificada na barra de endereços do navegador,
conforme imagem abaixo:
Esse é um procedimento deve ser usado em relação a quaisquer crimes praticados nessas redes sociais. É muito simples e
representa uma ajuda muito importante para a investigação criminal. NÃO SE ESQUEÇA!
DICAS DE CONTEÚDO!
O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.BR), juntamente
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR) e o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.BR),
criaram uma cartilha com o título “Internet segura para seus filhos: sua participação é muito importante”, que dá diversas dicas
<
para os pais sobre como orientar seus filhos a navegarem com segurança na internet, atentando-se para os riscos existentes. Acesse
o conteúdo em: <https://internetsegura.br/pdf/guia-internet-segura-pais.pdf>.
No mesmo sentido é a Cartilha “Navegar com Segurança: por uma infância conectada e livre da violência sexual”, da
CHILDHOOD BRASIL, que dá maior enfoque à proteção das crianças e adolescentes contra as várias formas de violência sexual e pode
ser acessada pelo endereço <https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/childhood/navegue_com_seguranca_3ed_2012.pdf>.
As denúncias também
podem ser feita na POLÍCIA
60
MILITAR. Nos casos de urgência, a Polícia Militar deve ser acionada através do
número 190, e policiais militares comparecerão ao local dos fatos para a condução
dos envolvidos à Delegacia de Polícia, em estado de flagrante ou lavratura do Boletim
de Ocorrência.
É possível, ainda, fazer as denúncias no CONSELHO TUTELAR. Como
estudado neste capítulo, o Conselho Tutelar é um órgão essencial na proteção de
crianças e adolescentes e pode receber informações de violências praticadas contra
meores, ocasião em que comunicará aos órgãos cabíveis, como a Polícia Civil e o
Ministério Público, além de adotar de forma imediata medidas de proteção.
As unidades de saúde deverão notificar os casos suspeitos ou confirmados de
violência contra crianças e adolescentes no Sinan (setor Saúde) e ao Conselho
Tutelar, de forma obrigatória, conforme previsto no art. 13 da ECA. No mesmo sentido,
as unidades de ensino também deverão notificar ao Conselho Tutelar os casos de
maus tratos envolvendo seus alunos, de acordo com o art. 56 do ECA.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, através das Promotorias de Justiça que atuam na
defesa dos direitos das crianças e adolescentes, também está apto a receber
denúncias da prática de violência sexual.
Por fim, é possível realizar denúncias na INTERNET, através da SaferNet
Brasil, cujo site pode ser acessado através do endereço https://new.safernet.org.br/denuncie#.
A SaferNet Brasil oferece um serviço de recebimento de denúncias anônimas de
crimes e violações contra os Direitos Humanos na Internet, contando com
procedimentos efetivos e transparentes para lidar com as denúncias. Caso encontre
imagens, vídeos, textos, músicas ou qualquer tipo de material que seja atentatório aos
Direitos Humanos, faça a sua denúncia.
Vê-se, portanto, que muitos são os canais para proceder à denúncia de crimes
de violência sexual contra crianças e adolescentes, os quais devem ser usados por
todos nós para a proteção dos meninos e meninas em condição de violência e risco.
61
8 CONCLUSÃO
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abordagem da realidade brasileira. Revista Liberdades, São Paulo, n. 6, jan./abr.
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sexual. São Paulo: Childhood, 2013. Disponível em:
<https://crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/childhood/navegue_com_seguranca_
3ed_2012.pdf>. Acesso em: 10 set. 2020.
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de maio de 2019. Disponível em: <http://www.vidaeacao.com.br/como-reconhecer-
quando-uma-crianca-e-vitima-de-abuso-sexual/>. Acesso em: 18 set. 2020.
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2018. v.3.
______. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 20.ed. Niterói: Impetus, 2018. v.1.
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no direito'. BBC News Brasil, Londres, 19 setembro 2020. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
54180470?at_custom2=facebook_page&at_custom3=BBC+Brasil&at_medium=custo
m7&at_campaign=64&at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_custom4=B3AD2556-
FAA5-11EA-B094-B9824D484DA4>. Acesso em: 31 jul. 2020.
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