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INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

FACULDADE DE DIREITO
LICENCIATURA EM DIREITO

Abuso Sexual de Menores


Estudo do caso da Localidade de Chidzolomondo no Período entre 2020 á 2021

Egídio Raimundo Basilio

Tete, Março de 2022


INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA
FACULDADE DE DIREITO
LICENCIATURA EM DIREITO

Abuso Sexual de Menores


Estudo do caso da Localidade de Chidzolomondo no Período entre 2020 á 2021

Monografia científica entregue ao centro de recurso de Tete, Faculdade de Direito, como


requisito para obtenção do grau académico de Licenciatura em Direito.

O Candidato O Supervisor

_________________________ __________________________

Egídio Raimundo Basílio Msc. Nito Agostinho Cebola

Tete, Março de 2022


DECLARAÇÃO DE HONRA
Eu, Egídio Raimundo Basílio, com identidade número 41180300, aluno do programa
acadêmico de licenciatura em Direito do Instituto Superior de Ciências e Educação a
Distância, declaro que o conteúdo do trabalho intitulado: “Abuso sexual de menores” é
reflexo de meu trabalho pessoal e manifesto que perante qualquer notificação de plágio, cópia
ou falta em relação à fonte original, sou diretamente o responsável legal, econômica e
administrativamente, isentando Orientador, a Universidade e as instituições que colaboraram
com o desenvolvimento deste trabalho, assumindo as consequências derivadas de tais práticas.

Assinatura:__________________________________________________

III
RESUMO
O abuso sexual de menores é um dos crimes mais complexos e de elevada prevalência em Moçambique e no
mundo. Este acarreta consequências nefastas e duradouras para as suas vítimas, assim como danos ao nível do
desenvolvimento físico e psicológico. O trabalho exposto tem como objectivo geral, compreender os contornos
do abuso sexual de menores no sentido de prevenir, alertar e preparar os menores para eventuais situações de
abusos sexuais. As crianças são em regra geral, alvos especialmente mais vulneráveis pelo facto de serem
pequenas, dependentes e indefesas. Devido ao factor idade, as crianças dispõem de menos recursos para escapar
e resistir ao ataque dos agressores e às múltiplas formas de violência a elas perpetrada para além de ser uma
testemunha silenciosa em tantas situações de violência, a própria criança é um alvo preferido dos agressores
no seio familiar. Para a realização do presente estudo recorreu-se ao método qualitativo, o qual permitiu analisar
e compreender o tema em estudo, e por sua vez, para facilitar a interpretação e discussão dos resultados, os
dados foram agrupados em classes bem como as respectivas respostas e a percentagem, isto é, numa
representação gráfica. Contudo, o crime de abusos sexuais é uma problemática que prejudica a vida de muitas
crianças, assim como se torna mais evidente a necessidade da existência de mais pessoas, profissionais, entre
outros, focados na prevenção e combate deste tipo de criminalidade.
Palavras-Chave: Abuso Sexual, Menores, Família, Prevenção.

IV
ABSTRAT
The sexual abuse of minors is one of the most complex and highly prevalent crimes in Mozambique and in the
world. This entails harmful and lasting consequences for its victims, as well as damage to physical and
psychological development. The work exposed has the general objective of understanding the contours of sexual
abuse of minors in order to prevent, alert and prepare minors for possible situations of sexual abuse. Children
are, as a rule, particularly vulnerable targets because they are small, dependent and helpless. Due to the age
factor, children have fewer resources to escape and resist the attack of aggressors and the multiple forms of
violence perpetrated on them. Within the family. To carry out the present study, the qualitative method was used,
which allowed the analysis and understanding of the topic under study, and in turn, to facilitate the interpretation
and discussion of the results, the data were grouped into classes as well as the respective answers and the
percentage, that is, in a graphical representation. However, the crime of sexual abuse is a problem that harms the
lives of many children, as well as the need for more people, professionals, among others, focused on preventing
and combating this type of crime.
Keywords: Sexual Abuse, Minors, Family, Prevention.

V
AGRADECIMENTOS
Com a finalização deste trabalho de graduação não posso deixar de agradecer a algumas
pessoas que, directa ou indirectamente, me ajudaram nesta caminhada tão importante da
minha vida pessoal e profissional. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Deus, por tudo
que tenho e por tudo que sou, por cada instante da minha vida, muito obrigado Senhor.

A minha mãe Fátima António, por ter sido uma grande mulher nesta caminhada de tantos
anos, colaborando com a minha formação.

A minha companheira Evelina Sinoia, que sempre acreditou no meu potencial e sempre está
ao meu lado, em todos os instantes.

Aos meus irmãos Patrício Raimundo e Jorge Raimundo, por terem sido fonte inspiradora
desta realização, pelo apoio incondicional e por todos os momentos em que passamos juntos,
pelas conquistas compartilhadas.

A minha tia Domingas Manuel, que sempre me incentivou e muito colaborou para que eu
chegasse a essa ocasião tão especial em minha vida.

Ao meu grande amigo Gerson Almeida Matiquite, um exemplo de amizade e de ajuda ao


próximo, companheiro fiel, que está ao meu lado principalmente quando mais preciso, o meu
especial obrigado.

Ao meu Orientador Msc. Nito Agostinho Cebola, pela colaboração e orientação durante esta
pesquisa, o meu caloroso agradecimento. A todos, muito obrigado!

VI
DEDICATÓRIA
Dedico essa conquista ao meu pai Raimundo Basílio (in memoriam), pois tenho certeza de
que ele sempre me acompanhou durante essa caminhada e sonhou com esse momento, e de
que hoje, junto de Deus, está muito feliz com a realização deste trabalho.

Às minhas filhas Erlin e Radija, que são anjos enviados por Deus para me trazer uma vida de
alegria, esperança e magia, eu dedico muito mais do que este trabalho: a todas as crianças e
adolescentes que ao longo da história da humanidade sofreram com a violência.

VII
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico1: Referente às respostas da pergunta 2.1 da pesquisa (Tem algum conhecimento sobre
a ocorrência da violação de menores na tua localidade?) …..................…………………......33

Gráfico 2: Referente às respostas da pergunta 2.2 da pesquisa (Sabe dizer o que é uma
violação sexual de menores? ....................................................................................................34

Gráfico 3: Referente as respostas da pergunta 2.3 da pesquisa (Em que instituições públicas
ou privadas ocorrem casos de violação sexual de menores ao nível da sua
localidade?................................................................................................................................35

Gráfico 4: Referente as respostas da pergunta 2.4 da pesquisa (Na sua opinião, quais são as
causas que propiciam a violação de menores em sua
localidade?)...............................................................................................................................36

Gráfico 5: Referente as respostas da pergunta 2.5 da pesquisa (Frequentemente, quem são os


maiores violadores sexuais de menores nesta
localidade?)...............................................................................................................................37

Índice
VIII
DECLARAÇÃO DE HONRA..................................................................................................III

RESUMO..................................................................................................................................IV

ABSTRAT.................................................................................................................................V

AGRADECIMENTOS.............................................................................................................VI

DEDICATÓRIA......................................................................................................................VII

LISTA DE GRÁFICOS.........................................................................................................VIII

CAPITULO I: INTRODUÇÃO..............................................................................................1

1.1. Contextualização..............................................................................................................1

1.2. Problematização...............................................................................................................1

1.3. Hipóteses..........................................................................................................................2

1.3.1. Hipótese Primária..........................................................................................................2

1.3.2. Hipótese Secundária......................................................................................................2

1.4. Objectivos.........................................................................................................................2

1.4.1. Objectivo geral.............................................................................................................2

1.4.2. Objectivos específicos..................................................................................................2

1.5. Justificativa e Relevância.................................................................................................3

1.5.1. Justificativa...................................................................................................................3

1.5.2. Relevância dos estudos para o desenvolvimento da área específica............................3

2.1. Fundamentação Teórica...................................................................................................4

2.1.1. O abuso sexual..............................................................................................................4

2.1.2. Histórico do Abuso sexual de menores.........................................................................4

2.1.3. Sexualidade na era Medieval à Moderna......................................................................7

2.1.4. A Criança na Modernidade...........................................................................................9

2.1.5. Criança........................................................................................................................12

2.1.6. Como surgiu o conceito de infância............................................................................12

2.1.7. Direitos Fundamentais.................................................................................................14

2.1.8. Violência.....................................................................................................................15

IX
2.1.9. Tipos de Abuso Sexual................................................................................................16

2.1.9.1. Características do abuso sexual de crianças.............................................................16

2.1.9.2. Idade do abuso..........................................................................................................18

2.1.9.3. Relação da Criança com o Agressor........................................................................18

2.1.9.4. Características da Criança Abusada.........................................................................19

2.1.9.5. Características do Agressor......................................................................................20

2.1.9.6. Denúncia...................................................................................................................24

2.1.10. Causas da Violência Contra Menores.......................................................................25

2.1.10.1. Factores Históricos e Culturais..............................................................................25

2.1.10.2. Factores Sócio Económicos...................................................................................26

3. Metodologia......................................................................................................................29

3.1. Métodos..........................................................................................................................29

3.2. Fontes de informação.....................................................................................................29

3.3. Universo e amostragem..................................................................................................29

3.3.1. Definição da população alvo.......................................................................................29

3.3.2. Definição da amostra e sua descrição.........................................................................29

3.4. Tipo de Amostra.............................................................................................................30

3.5. Tipos de Dados...............................................................................................................30

3.6. Técnicas e Instrumentos de colecta de Dados...............................................................30

3.6.1. Aspectos éticos............................................................................................................30

3.6.2. Técnicas de recolha de dados......................................................................................30

3.6.2.1. Entrevista..................................................................................................................31

3.6.2.2. Questionário.............................................................................................................31

3.6.3. Instrumentos de recolha de dados...............................................................................31

3.7. Técnicas de Análise de Dados........................................................................................32

CAPITULO IV: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS....................................33

X
4.1. Interpretação gráfica das respostas resultantes da entrevista a cerca “Abuso sexual de
menores”................................................................................................................................33

CAPITULO V: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES...................................................38

5.1. Conclusões.....................................................................................................................38

5.2. Recomendações..............................................................................................................40

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................42

ANEXOS...............................................................................................................................49

XI
CAPITULO I: INTRODUÇÃO
1.1. Contextualização
O presente trabalho surge como forma de analisar os contornos do “Abuso sexual de
menores”, na localidade de Chidzolomondo distrito de Macanga Província de Tete. E através
de estudos e experiências técnicos científicas, pretende-se esboçar políticas públicas claras,
estruturantes, reformadoras e estratégias profiláticas - preventivas de reduzir os abusos
sexuais contra menores, com o fim de contornar variáveis que influência este mal
principalmente no desrespeito pelos direitos das crianças. Neste contexto, a questão da
violação sexual contra crianças em Moçambique tem sido visto sob várias vertentes desde o
particular até o judicial, isto é, desde ao facto de que a violação ocorre em ambiente familiar,
escolar, de acolhimento até ao momento em que o caso é levado aos tribunais. Poucas são as
famílias que têm denunciado essa prática; quer seja para manter a honra da família, preservar
a dignidade da menor violada e por vezes calam-se por receio, de que venha- lhes acontecer
uma retaliação em consequência da denúncia. É nesta perspectiva que neste projecto propõe-
se a debruçar sobre este fenómeno social como acima se referiu, com o tema “Abuso sexual
de menores” enfocando-se na problemática da violação dos Direitos da criança, superiormente
estatuídos na Constituição da Republica de Moçambique (CRM). O projecto é constituído
por 05 capítulos, sendo o primeiro a Introdução, Seguido pela Fundamentação Teórica, a
Metodologia a usar, Análise e discussão de resultados, Conclusões (Resultados esperados),
Recomendações e finalmente as Referências bibliográficas.

1.2. Problematização
Para Amendola (2009) “a violência sexual contra crianças, também designada: abuso sexual,
agressão sexual, vitimização sexual, maus tratos, sevícia sexual, crime sexual, e outros tantos
termos utilizados, indiscriminadamente, na literatura, como sinônimos, reflecte, não apenas
uma questão de terminologia, mas principalmente uma questão epistemológica, segundo a
qual a complexidade e a diversidade das manifestações da igreja violência sexual, seja
tratado conforme opiniões e ideologias individuais e/ ou compartilhadas pela cultura na
qual o indivíduo está inserido” (p.200).

O abuso sexual é o contacto físico com crianças para fins sexuais com ou sem uso de força,
até mesmo com o seu consentimento. Seja qual for o caso, o abuso sexual nunca é culpa da
criança. São também formas de abuso sexual as carícias sem consenso, beijo forçado,

1
insinuações, tentativa de beijar com uso da força, propostas indecentes e tentativa de fazer
relação sexual.

O abuso sexual pode afectar o estado de saúde físico e mental da criança, além de prejudicar o
seu desenvolvimento, a sua habilidade para aprender e estudar, a sua socialização e até em
alguns casos causar a morte. Sobretudo, a maior parte das crianças que são abusadas
sexualmente conhecem os seus agressores. São, na maioria das vezes, parentes, professores,
vizinhos ou conhecidos da criança. Cada criança tem uma forma de reagir ao abuso sexual.
Algumas crianças podem ser expostas a situações que ponham a sua vida em risco, como a
infecção com o HIV e a gravidez muito precoce. Perante os aspectos acima expostos,
colocasse a seguinte questão: Que medidas podem ser tomadas para proteger e prevenir
situações do abuso sexual de menores na localidade de Chidzolomondo?

1.3. Hipóteses
1.3.1. Hipótese Primária
 Políticas públicas penais ou processuais de sensibilização a ser levadas a cabo por
diversas entidades administrativas e da Justiça, podem evitar a Violação dos Direitos
Fundamentais dos Cidadãos e das crianças;

1.3.2. Hipótese Secundária


 A estruturação e a reforma dos modos actuais de investigação e esclarecimento do
crime, empregando eficientemente os princípios orientadores das actividades policiais
e Judiciais podem contribuir no melhoramento dos contornos do abuso sexual de
menores.

1.4. Objectivos
São objectivos deste projecto os seguintes:

1.4.1. Objectivo geral


 Compreender os contornos do Abuso sexual contra menores.

1.4.2. Objectivos específicos


De uma forma mais específica, com esta pesquisa pretende-se:

 Identificar as causas que concorre para o Abuso sexual de menores;


 Identificar os tipos de abusos sexuais e consequências da vitimização;
 Especificar possíveis políticas públicas que os diversos sectores da Administração da
Justiça, incluindo a Polícia, podem levar a cabo na sensibilização dos seus agentes, de
2
modo que estes contornem ou afastem todos os factores de riscos que podem
contribuir para a violação dos Direitos da criança.

1.5. Justificativa e Relevância


1.5.1. Justificativa
Justifica-se a realização do estudo pelo facto do tema proposto corresponder uma realidade
que as suas causas têm que serem bem estudadas, no sentido de se delinear estratégias de
evitar as variáveis que contribui para a Abuso sexual de menores, tido como o primeiro passo
de investigação e esclarecimento deste crime, através de como se referencia neste projecto,
de políticas públicas claras e viáveis à realidade da Localidade em estudo e do País
em geral. Justifica-se igualmente por ser um tema que toca com a comunidade, que requer
maior atenção por parte dos governantes a vários níveis na concessão de políticas públicas de
ordens penais e policiais para que estes não se envolvam ou caiam na violação dos Direitos da
criança.

1.5.2. Relevância dos estudos para o desenvolvimento da área específica


A relevância dos estudos para o desenvolvimento da área específica afigura-se importante na
medida em que aprimorará o aprofundamento dos conhecimentos teóricos e práticos, tendo
enfoque nos problemas relacionados com o Abuso sexual de menores ou a violação dos
Direitos da criança. Ademais, a aquisição destes conhecimentos através de estudos permitirá
entender melhor este mal que preocupa as autoridades políticas, judiciais e paramilitares
locais e centrais do País e também da própria sociedade civil, produzindo estudos com maior
rigor e substância sobre a temática em análise neste projecto.

1.6. Delimitação do tema


1.6.1. Local e contexto
A delimitação do tema se circunscreve à Localidade de Chidzolomondo, Distrito de Macanga,
na Província de Tete, localizada no Centro do País (Moçambique). O tempo proposto é
analisar o tema na perspectiva nos últimos cinco meses (Agosto de 2021 à Dezembro de
2021).

3
CAPITULO II: REVISÃO DA LITERATURA

2.1. Fundamentação Teórica


2.1.1. O abuso sexual
É o contacto físico com crianças para fins sexuais com ou sem uso de força, até mesmo com o
seu consentimento. Seja qual for o caso, o abuso sexual nunca é culpa da criança. São também
formas de abuso sexual as carícias sem consenso, beijo forçado, insinuações, tentativa de
beijar com uso da força, propostas indecentes e tentativa de fazer relação sexual. O abuso
sexual pode afectar o estado de saúde físico e mental da criança, além de prejudicar o seu
desenvolvimento, a sua habilidade para aprender e estudar, a sua socialização e até em alguns
casos causar a morte.

A maior parte das crianças que são abusadas sexualmente conhece os seus agressores. São, na
maioria das vezes, parentes, professores, vizinhos ou conhecidos da criança. Cada criança tem
uma forma de reagir ao abuso sexual. Algumas crianças podem ser expostas a situações que
ponham a sua vida em risco, como a infecção com o HIV e a gravidez muito precoce.

A exploração sexual é o uso da criança e adolescente como prostitutas ou instrumento sexual


para ganhar benefícios, dinheiro, presente ou por troca de favor. Cerca de mil mulheres e
crianças moçambicanas são anualmente traficadas para África do Sul, muitas delas para serem
exploradas na indústria do sexo. Meninas e meninos podem estar em risco de abuso e
exploração sexual em sua casa, na escola, no trabalho ou na comunidade. Crianças vítimas de
exploração sexual estão expostas a situações e doenças que ponham a sua vida em risco, tais
como infecções de transmissão sexual, HIV e gravidez precoce.

2.1.2. Histórico do Abuso sexual de menores


No decorrer da história da humanidade, a negligência contra a criança e adolescente foi um
dos pontos marcantes da cultura humana, pois não havia a noção de fragilidade inerente à
infância, pouco se discutia sobre o assunto e, consequentemente, não existia uma política de
proteção. Azambuja (2004, p. 21), citando Lourensz e Powell, expõe que a prática de
violência contra a criança era tida como normal na antigüidade, pois existe um número muito
grande de registros bíblicos e mitológicos sobre infanticídio e fratricídio. O autor ainda narra
alguns episódios:

Caim matou Abel, enquanto zeus sequestrou o jovem Ganimedes para lhe
servir de copeiro e amante. O livro A Vida dos Doze Césares, de Suetônio,
4
registrou as inclinações sexuais do imperador romano Tibério com
crianças: ele se retirou para a ilha de Capri com várias crianças
pequenas, as quais forçavam a cometerem atos sexuais vulgares e a
atenderam a seus desejos pornográficos.

No Oriente Antigo, em meio a um período de declínio, surge o rei Hamurabi de Babel (1728-
1686 a. C) que criou o mais antigo código do mundo, o Código de Hamurabi, o qual tinha
como introdução “disciplinar o mal e os maus-intencionados e impedir que o forte oprima o
fraco”. Esse grande legislador tinha como objetivo primordial a aplicação do direito de forma
mais humana. As leis em seu código disponibilizavam especial atenção às viúvas, aos órfãos,
aos filhos expostos às sevícias de um pai tirano e às mulheres indefesas. Para uma época em
que não havia proteção para a criança exposta a sevícias de seus cuidadores, esse código foi
um grande passo em prol da proteção da infância no oriente.

Na civilização hebraica, condenava-se, através da lei mosaica, escrita pelo patriarca Moisés, o
casamento de um homem ou uma mulher com neto (a), irmão (ã), com mãe e filha, sobrinha,
tais uniões eram tidas como abomináveis à sociedade hebréia. Dentro dessa visão, no âmbito
familiar, constata-se que a criança, nessa questão, estava preservada de casamentos precoces
com adultos. Em certo ponto a infância estava preservada dos casamentos arranjados com
adultos, contudo esses atos mantiveram-se patentes por muito tempo no Egipto e pelo povo
cananeu, pois esses povos faziam os casamentos, justamente, para não passar a herança para
outras famílias ou não misturar a linhagem nobre e, com isso, mantinham suas herdades.
Entretanto, a crianças estavam expostas a uniões desiguais, tanto física como
psicologicamente.

Cáceres (1996, p. 68) fala que a sociedade espartana tinha o homem como um guerreiro, este
por sua vez era tirado do seio de sua mãe desde a infância, a partir dos 6 anos de idade, para
ser treinado para a guerra, após completar trinta anos de idade voltava para o seu lar, visando
constituir uma família. Diante da literatura encontrada sobre essa sociedade, presume-se que
os espartanos não distinguiam a infância da fase adulta, desde cedo a criança era tratada
como adulto. Contudo o pior era quando esta apresentasse algum defeito físico ou pelo
mesmo aparentasse, logo era preparada para a morte precoce. Azambuja, citando Malet (p. 24
e 24), narra que em Esparta “a criança ao nascer era examinada pelos anciãos da tribo. No
caso de apresentar alguma imperfeição, era lançado nos rochedos de Taigeto.”

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No período da Idade Média, no Ocidente, a noção de criança, simplesmente, não existia,
todavia esta concepção não significava que ela fosse negligenciada ou até mesmo
abandonada, uma vez que o sentimento da infância não significava o mesmo que afeição. Não
havendo esta noção, a criança, logo que estivesse sem a necessidade dos cuidados maternos
básicos, era vista como um adulto e desta forma crescia. Havia, também, uma alta taxa de
mortalidade nesta faixa etária e, devido a esta situação, ela simplesmente não era contada
quando muito pequena, pois a morte estava iminente e o pensamento de perda era visto como
algo comum e corriqueiro.

Assim, em relação a vida cotidiana, logo que fosse passado o risco de morte, ela estava
misturada com os adultos, seja em reuniões de trabalho, passeio ou em jogos. Em qualquer
lugar, mesmo nas tavernas mal-afamadas, lá estava a criança junta com os adultos. Assim ela
“aprendia a viver” para mais tarde se tornar adulta. E um dos fatores mantenedores deste
sentimento correspondia ao fato que desde cedo ela ficava separada dos pais, entregue a
famílias estranhas, para que estas lhe ensinassem como se tornar um homem digno, portanto,
os pais estavam impossibilitados de nutrir um sentimento existencial profundo com os seus
próprios filhos (Ariés, 1981, p. 158).

Na criação cultural, a criança era vista como um adulto em miniatura, pois os artistas
retratavam a concepção da época, vendo-a como um homem em pequenas proporções.
Pode-se perceber esta afirmativa pelo relato de Ariés (1981, p. 15) sobre uma miniatura
otoniana do século XI.

O tema é a cena do Evangelho em que Jesus pede que se deixe vir a ele as
criancinhas...Ora, o miniaturista agrupou em torno de Jesus oito
verdadeiros homens, sem nenhuma das características da infância: eles
foram simplesmente reproduzidos numa escala menor.

No que se refere à aprendizagem, os colégios eram depósitos para estudantes pobres, não
havia ensino nestas instituições, elas eram fundadas por doadores, bolsistas, e todos que as
freqüentavam viviam em comunidade, seguindo estatutos, que davam tratamento indistinto
às crianças e aos adultos. Esta situação repete o que acontecia fora da escola, misturando-se
crianças, adultos e velhos em um mesmo local. Referente ao tema, Ariés (p. 109) explana
sobre esse episódio:

6
Essa mistura de idade continuava fora da escola. A escola não cercava o
aluno...A maior parte dos alunos moravam onde podiam, com o habitante
local, vários em cada quarto. E é preciso admitir que aí também os velhos se
misturavam com os jovens... Assim que ingressava na escola, a criança
entrava imediatamente no mundo dos adultos.

Percebe-se, nesse momento da história, que a criança, ser tão frágil, o qual requer cuidados e
atenção, necessitando nessa fase de alguém que a proteja, ensine com carinho e, ao mesmo
tempo, com autoridade, ficava em uma situação exposta, alvo fácil de maus-tratos
psicológicos, físicos e até mesmo, demasiadamente, vulnerável a investidas sexuais por parte
dos adultos que a cercavam, uma vez que a noção do sentimento de infância era neutra, não
tinha validade.

2.1.3. Sexualidade na era Medieval à Moderna


Na idade medieval, era comum os adultos brincarem com as crianças, sem a observância do
pudor, da moral, pois “a prática familiar de associar as crianças às brincadeiras sexuais dos
adultos fazia parte do costume da época e não chocava o senso comum.” (Ariés, 1981, p.
77). O brincar com as genitálias da criança era um hábito muito difundido. Ariés fala de uma
gravura de Baldung Grien, de 1511, em que a criança está com as pernas abertas por um
adulto e este descobrindo seu sexo e fazendo-lhe cócegas.

A sociedade da época pensava que a criança fosse indiferente a sexualidade, ao prazer e, por
esta razão, se podia brincar com ela dessa maneira. O pensamento era que “os gestos e as
alusões não tinham conseqüência sobre a criança, tornavam-se gratuitos e perdiam sua
especificidade sexual – neutralizavam-se...mesmo que despojadas na prática de segundas
intenções equivocadas” (Ariés, 1981, p. 80). Percebe-se então que tudo estava permitido na
frente das crianças, uma vez que elas não tinham a malícia da sexualidade, esta era a visão.

A ausência do privado, do particular dentro da família é uma das principais fontes


mantenedoras dessa situação, pois, não havendo o segredo no lar, as crianças eram expostas a
tudo: “Os adultos se permitiam tudo diante delas: linguagem grosseira, ações e situações
escabrosas, elas ouviam e viam tudo” (Pe de Damville, citado por Ariés, p. 77). Essa situação
propiciava uma exposição muito grande da criança, o que a deixava vulnerável ao abuso
sexual.

7
No decorrer do tempo, aos poucos floresceu a idéia de separa o adulto da criança, justamente,
para se evitar certas situações que proporcionassem a vulnerabilidade e a exposição desta
perante o adulto. Essa visão foi rebatida pelos moralistas e educadores do final da idade
média, sendo que Gerson foi precursor desse movimento. “Gerson estudou o comportamento
sexual das crianças com o objetivo de ajudar os confessores, para que despertasse em seus
pequenos penitentes – de 10 a 12 anos de idade – um sentimento de culpa” (Aires, 1981, p.
80). Sem dúvidas, esse educador tinha uma visão além de seus contemporâneos. Aos poucos
vai se fortalecendo esse pensamento e, no século XVII, surgiu manuais de etiquetas,
destinados as crianças e literatura pedagógica para os pais e os educadores.

No século XV, houve uma transformação, as comunidades formadas por estudantes (crianças,
adultos e velhos) transformou-se em institutos de ensino, passando todo o ensino de arte a ser
ministrado nos colégios, este, por sua vez, também, foi submetido a uma hierarquia
autoritária, que passou a ser ensinada no local. A partir de então, a população estudantil
aumentou, não somente sendo destinada aos pobres, mas também aos filhos dos ricos, pois
havia conquistado a confiança perante a sociedade.

Os pais já confiavam a aprendizagem de seus filhos aos colégios, em vez de uma família
estranha (Ariés, 1981, p. 110). Apesar dos avanços, a mistura de idades persistiu por muito
tempo, somente no final da idade medieval que começou uma mudança gradativa neste
sentido. O colégio torna-se então uma instituição fundamental para a sociedade, tendo em
vista que ele se tornou o elemento formador do adulto.

Precisamente, nesse período de transição, surge com mais intensidade o poder disciplinador,
primeiramente ele aparece nos colégios e dissemina para o Estado, antes ele já estava patente
no clero dominante da época, esta forma de poder mostrar-se muito mais eficaz e abrangente,
uma vez que é a força do mais fraco, o dominado, contra o mais forte, o dominador, aquele
que bate, explora e domina. (Foucault, 1975-1976, citado por Santos, 1999, p. 124).

Observa-se, então, que a noção da sexualidade da criança, na Idade Média, passa a ser
modificada na Idade Moderna, na primeira, a criança era tida como um pequeno ser sem
desejos, podia-se fazer livremente brincadeiras com cunhos sexuais, que elas não seriam
afetadas, enquanto que, na era moderna, surge uma nova visão da infância, esta deveria ser
agora cuidada e resguardada de toda e qualquer exposição imoral e sem pudor, a que antes
era submetida. O sentimento da inocência infantil aparece com a finalidade de preservar a

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criança das exposições que até então estava sujeita. A partir desse ponto aparece “uma noção
que impôs: a inocência infantil.” (Ariés, 1981, p. 84). Havia regulamento que dizia: “É
preciso vigiar as crianças com cuidado e jamais deixá-las sozinhas em nenhum lugar”
(Ariés, p. 88).

Foucault (1998) expõe que diante dessa nova direção na ordem social, em que o autoritarismo
do senhor feudal sai de cena para entrar o poder do Estado, a sexualidade começa a ser
discutida, primeiramente, nos colégios, em seguida passa a ser uma preocupação do Estado.
O homem passa a perceber o seu valor e a questionar o que ele faz, a sua própria conduta
diante da família, do social.

No próprio século XVIII, a literatura passa a dar ênfase a discussões sobre o sexo, o que antes
era encoberto passa a ser debatido dentro da sociedade, como uma preocupação a ser
resguardada, nasce, então, o sentimento de guarda a sexualidade, reduzindo as conversas
sobre sexo, ao derredor do sexo reino o silêncio. Dentro dessa problemática, a liberdade
antiga de discutir sobre sexo, fazer brincadeiras referentes à sexualidade da criança, começa a
ser dizimadas no meio social, na família.

Segundo Gabel (1997, p.12), “a abordagem que uma sociedade faz dos abusos sexuais está
necessariamente ligada às mudanças nas relações entre os interesses do Estado, da família e
da criança em particular, ao papel atribuído à criança numa sociedade determinada. Tal
situação foi observada, paulatinamente, na passagem da sociedade medieval à moderna, nesta
há uma percepção diferente da criança, surgindo o dever de cuidar e protegê-la contra os
abusos antes cometidos com naturalidade e, com esta nova visão, houve, consequentemente,
uma transformação na legislação do Estado para assegurar este novo pensamento.

2.1.4. A Criança na Modernidade


De acordo com Corvisier (1976, p.20), no início da modernidade, a criança tinha unicamente
como objetivo a continuação do futuro da linhagem, isso se tratando de famílias abastardas;
já nas famílias pobres, além desta nova mentalidade, as crianças, ainda, continuavam sendo
tratadas com a mentalidade feudal, o coletivismo entre crianças e adultos, mas agora era
dentro da mesma família, pois a finalidade era encher a casa de crianças, uma tentativa de
superar a morte precoce e dar continuidade à linhagem. Ariés (1995, p.313) discorre sobre o
assunto.

9
A criança era considerada um rebento do tronco comunitário, uma parte
do grande corpo coletivo que, pelo engaste das gerações, transcendia o
tempo... sendo a sua aprendizagem uma forma de fortalecer o corpo,
aguçar os sentidos, habilitar o indivíduo a supera os revezes da sorte e
principalmente a transmitir também vida, a fim de assegurar a
continuidade da família.

Assim o desejo de dar continuidade a vida torna-se uma preocupação, pois esta é passageira,
fazendo dessa forma com que os adultos olhassem com mais cuidado para a preservação e
manutenção da linhagem. Ariés (1995, p. 316) fala que o homem ficou “empenhado em
manter a linhagem, estabelecendo o elo entre o passado e futuro...assim, os comportamentos
familiares começam a mudar”. A partir de então o homem passa a ter noção da brevidade da
vida. E que era necessário ele preservar os bens familiares através de seus filhos, este por sua
vez é tido somente como o futuro da linhagem, aquele que irá ajudar a perpetuar o nome e o
patrimônio da família.

Contudo esse modo de perceber a criança não perdura por muito tempo, pois com o
fortalecimento do comércio, emerge o capitalismo, juntamente com a Renascença, trazendo
uma nova visão mais racional sobre o homem, sobre sua importância e, conseqüentemente,
sua valorização. Agora o cuidado com o corpo e o sentimento de pertencimento são patentes
ao homem, que, então, busca perpetuar sua existência através de seu filho. “A criança passa
a ocupar um lugar tão importante entre as preocupações dos pais: é uma criança que amam
por ela mesma e que constitui sua alegria de cada dia” (Aríes, 1995). O filho passa a ser
objeto de investimento existencial. É nessa situação que a criança ocupa um lugar central no
seio da família, a qual, por sua vez, apresenta-se neste momento como um “lugar de
afetividade, onde se estabelecem relações de sentimento entre o casal e os filhos, lugar de
atenção à infância (bom ou mau)” (Ariés, 1995, p.15).

Inserida nessa situação, a Igreja Católica, apesar de ter perdido uma parcela da grande
influência exercida na Idade Média, continuava a desempenhar um papel importante na
formação de opinião dentro da sociedade, controlando e ditando aquilo que era certo ou
errado, inclusive no controle e repressão da sexualidade. No século XVIII, deu início a
abertura de asilo religioso para que as mães solteiras, moças difamadas, estupradas fossem
redimidas nesses locais, os mais famosos eram o asilo Madalena e a escola industrial, na
Irlanda. As moças entravam ainda jovem nessas instituições, sem nenhuma perspectiva de
10
saída, quando conseguiam tal feito, já tinham alcançado a meia idade e, como não tinham
família construída, a única forma de sobrevivência era voltar para o asilo e esperar a morte,
estavam condenadas para sempre a clausura.

Dessa forma, viviam as jovens que cometiam atos tidos libidinosos. Os meninos também
sofriam com esta situação, quando os pais eram tidos como incapazes para criar seus filhos,
que eram enviados a “escola industrial”, ligada aos asilos para moças, todos dirigidos pela
Igreja. Essas instituições foram fundadas no século XIX, no entanto, no século XX ocorre
uma descoberta estarrecedora para a história, essas instituições que eram destinadas a
proteger as mulheres, adolescentes e crianças, na verdade serviam de prisões e, também,
propiciavam a prática do abuso sexual contra seus internos, eram um inferno para quem
necessitava e um paraíso as sevícias sexuais de alguns religiosos que deturpavam os
preceitos cristãos (Landini, 2005, p. 157 e 158). O mesmo autor citando Inglis, (1998, p. 171)
expõe que,

(...) por trás dos discursos católicos a respeito do celibato, pureza, inocência, virgindade,
humildade e pena existiam práticas como o abuso de crianças, incesto, pedofilia, estupros,
aborto e infanticídios. Passamos das confissões extraídas pelos padres para a exposição dos
pecados dos bispos, padres e irmãos.

No Brasil, a situação também não diferenciava muito, em relação a exploração da criança,


pois, segundo Vecina e Ferrari (2002, p.48), “no Brasil desde os primeiros momentos de
colonização, na então colônia de Santa Cruz, observa-se a tentativa de adestramento físico e
mental a que foram submetidas as crianças indígenas pelos jesuítas. Nas minas setecentistas,
destacam-se aspectos da sexualidade infantil, como a pederastia.”

O abandono também era comum nessa época no Brasil, também chamado exposto. Essa
prática tornou-se tão corriqueira que alguns seguimentos da sociedade, entre eles a Igreja
Católica, eram mais empenhados, mobilizando-se para ajudar essas crianças e adolescentes
que não tinham nenhuma perspectiva de vida, encontrando-se em situação calamitosa, sendo
maltratadas e até mesmo abusadas sexualmente. Essa situação dava-se pelo fato de que,
durante este período, muitas mães viram-se obrigadas a abandonarem seus próprio filhos,
colocando-os na roda dos expostos. E um dos fatores propulsores para tal ato era o
nascimento da criança fora da legitimidade do casamento. “Não é de exagero afirmar que a

11
história do abandono é a história secreta da dor feminina”, uma vez que a mulher estava
obrigada pela sociedade a não ser mãe solteira. (Venâncio, 1997, p.189).

Cabe ainda frisar a situação da criança no Brasil colonial, a qual, quando escrava, era tratada
das piores maneiras possíveis, como aquelas que viam em navios acompanhadas de seus
pais, novos colonizadores, pouquíssimas conseguiam chegar ao país com vida, pois as
condições pelas quais eram submetidas e aos abusos sexuais contribuíam para que ela não
chegasse viva ao seu destino, dessa forma a criança era submetida a situações pelas as quais
ela estava impossibilidade de lutar para sobreviver (Ramos, 2000, p. 49).

Dessa forma, percebe-se que apesar dos avanços obtidos nesse período sobre a importância de
reconhecer a criança como um ser que necessita de atenção, carinho, cuidado e educação,
ocorreram grandes falhas no sistema criado para proteger e educa-la. No entanto, não se pode
negar que os avanços aconteceram e foram uma mola propulsora para que o século seguinte
olhasse com mais ternura para este ser.

2.1.5. Criança
Nos termos da lei 7/2008 de 9 de Julho, Lei de Protecção e Promoção dos direitos da Criança,
considera-se criança toda a pessoa menor de dezoito anos de idade. Este aspecto é
corroborado pela Convenção dos Direitos da Criança Adoptada pela Assembleia Geral nas
Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, ao referir que “criança é todo o ser humano
menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais
cedo”. Como se pode notar do preceituado acima, o conceito de criança é atribuído à pessoa
que seja menor de dezoito anos, exceptuando-se os que, por força da lei do seu país, o atribua
a maioridade com idade inferior a dezoito anos. Entretanto, Moçambique enquadra-se nos
países que consideram crianças os menores de dezoito anos, sendo-lhe assim aplicável o
previsto na Convenção dos Direitos da criança acima mencionado.

2.1.6. Como surgiu o conceito de infância


Etimologicamente infância refere-se ao período de crescimento no ser humano, que vai
do nascimento à puberdade. A infância que conhecemos não é um dado atemporal, é
uma invenção da Modernidade que ganha espaço nos séculos XVII para o XVIII,
quando passa ser definida como um período de ingenuidade e fragilidade do ser
humano, que deve receber incentivos possíveis para sua felicidade. Nos fins da Idade
Média, tem como marca o ato de mimar e paparicar as crianças, vistas como meio de

12
entretenimento dos adultos (especialmente da elite). A morte também passa a ser
recebida com dor e abatimento. Já no século XVII, as perspectivas transitam para o
campo da moral, sob forte influência de um movimento promovido por Igrejas, leis e
pelo Estado, onde a educação ganha terreno: trata-se de um instrumento que surge para
colocar a criança "em seu devido lugar”, assim como se fez com os loucos, as
prostitutas e os pobres. Embora com uma função disciplinadora, a escola não nasce
com uma definição de idade específica para a criança ingressá-la. Isto porque os
referenciais não eram o envelhecimento (ou amadurecimento) do corpo.

A ciência moderna ainda não havia triunfado e educação nascia, portanto, com uma
função prática, ora de disciplinar, ora de proporcionar conhecimentos técnicos, que
posteriormente configuram uma escola para a elite e outra para o povo. Estudos
históricos mostram que até o início dos tempos modernos, a criança não era vista
como sendo diferente do adulto, sempre calada, não merecendo ser ouvida, mas
vivenciando e assistindo o mundo no qual ela não era considerada protagonista.
Curiosamente se verifica que essa concepção está relacionada com o significado
etimológico da palavra. “O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição
pelas crianças corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade
que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem”.(Ariès, 1981, p. 156).
Ela era tratada sem distinção do mundo adulto, sendo representada em obras de arte
como um homem ou mulher em miniatura.

Segundo Ariès (1981), após os sete anos de idade a criança passava a usar roupas
iguais à dos adultos e a ser tratada como tal. Conforme ressalta Ariés (1981 p.56):
“Dessas duas idéias, uma nos parece arcaica: temos hoje, assim como no fim do
século XIX, uma tendência a separar o mundo das crianças do mundo dos adultos. A
outra idéia, ao contrário, anuncia o sentimento moderno da infância”. O tratamento
dado às crianças e as concepções relacionadas a elas estão intimamente ligados às
práticas e hábitos culturais da sociedade ao longo da história. Por volta do século
XIII, a criança era pública e considerada como a parte da família que garantia sua
continuidade. No momento do nascimento, apesar de o parto acontecer em casa, este
era assistido por várias mulheres das proximidades, o que o tornava um ato público.
Quando a criança começava a caminhar, devia dar seus primeiros passos em um local

13
público, para que fosse assistido por outros, pois era a forma de garantir a
continuidade da família.

Após o período de amamentação, a criança entrava no período da primeira infância. O


papel dos pais era importante nessa primeira educação, a época das aprendizagens: do
espaço da casa, da aldeia, das redondezas, do brinquedo da relação com outras
crianças, das técnicas do corpo, das regras de participação na comunidade, das coisas
da vida. A criança era um produto da coletividade sendo preparado para desempenhar o
papel que essa coletividade esperava.

Segundo Ariès (1981), existiram duas posições distintas em relação à infância: uma
concebe a criança como ser ingênuo, que necessita de mimos, e outra que alega que
a criança necessita moralização e educação. Os mimos, recebidos em casa, eram vistos
como causadores de muitas fraquezas. Para combater essa educação privada, a Igreja e o
Estado resolveram tomar o encargo educativo. Ou seja, o poder político e religioso,
como poderes públicos, passaram a interferir diretamente na vida privada das famílias,
que aceitou a intromissão, por acreditar não serem capazes de dar a formação
adequada aos seus filhos.

A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a
criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do
contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi
separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser
solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo
processo de enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das
prostitutas) que se estenderam até nossos dias, ao qual se dá o nome de escolarização
(Ariès, 1981, p.11).

2.1.7. Direitos Fundamentais


Os direitos fundamentais, conforme Comparato (2003), são os direitos que, consagrados na
Constituição, representam as bases éticas do sistema jurídico nacional, ainda que não possam
ser reconhecidos como exigências indispensáveis de preservação da dignidade humana. Ao
passo que Sarlet (2009), ensina-nos que o termo “direitos fundamentais” se aplica para
aqueles direitos ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional
positivo de determinado Estado.

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2.1.8. Violência
Existem várias abordagens teóricas e metodológicas que definem violência de forma geral e a
violência contra menores, de forma particular. Esta diversidade resulta da multiplicidade de
actores distintos que por sua vez fomentam uma variedade de conceitos que se focalizam em
realidades distintas buscando as especificidades de cada uma delas. A violência contra a
criança é assim uma categoria específica que desperta atenção particular, sobretudo por ser
praticada contra aqueles que não se podem defender dela.
A violência é vulgarmente percebida como a acção física com recursos ou não de
instrumentos para causar danos a uma pessoa ou grupos. As perspectivas restritas de definição
da violência dependem de cada disciplina que a estuda. Por exemplo, as ciências penais e
jurídicas a estudam de modo a punir o agressor, dando importância por isso à agressão directa
visível.
Estabelece o artigo 218.º do Código Penal, que “Aquele que tiver coito com qualquer pessoa,
contra sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer
fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a vítima privada do uso da razão, ou dos
sentidos, comete o crime de violação, e será punido com a pena de prisão maior de dois a oito
anos.” Como se pode ver, o excerto acima apresentado engloba a violação no geral, isto é, que
ocorre tanto com os menores como com os adultos ou idosos, sendo a questão da violação
contra menores de doze anos vem expressa no artigo 219.º do diploma legal acima referido.

Entretanto, a violência contra menores ocorre em diferentes meios e ambientes sociais,


nomeadamente na família, nas escolas, em instituições como orfanatos e outros locais de
acolhimento, nas ruas, nos locais de trabalho e nas prisões. Ela é geralmente motivada por
uma acção conjugada de diferentes factores. Ela pode surgir em consequência de crenças
culturais, normas e práticas tradicionais, de factores socioeconómicos e até fruto de causas
políticas, em situações de conflito.

Uma parte não menos significativa da violência contra as crianças resulta em morte, mas a
maior parte dela nem sequer deixa marca visíveis. Entretanto, a Convenção Sobre os Direitos
da Criança, definiu a violência contra criança no seu artigo 19.º, “como todas as formas de
violência física ou mental, dano ou sevicia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos
ou exploração, inclusive violência sexual, violência contra crianças e o uso intencional da
forca”. Como se pode ver, a violência sexual contra crianças também é protegida pela
convenção acima mencionada, demonstrando-se assim a tamanha relevância que esta tem.

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A Violação Sexual abarca um conjunto diferenciado de manifestações de violência contra as
crianças, permitindo uma interpretação que suaviza o carácter violento do abuso, e mais do
que isso, que oculta a estrutura das relações sociais que têm o poder como núcleo. A violação
sexual de menores é principalmente um dos fenómenos que preocupa cada vez mais as
autoridades moçambicanas. O reconhecimento (embora político e não efectivo) da questão e a
sua inclusão na agenda governativa é evidência desta preocupação. A violação sexual de
menores revela-se um fenómeno complexo na medida em que muitas vezes crianças que
sofrem tais violações não têm noção da situação de abuso ou encontram-se numa posição de
dependência em relação aos perpetradores a partir da qual as vitimas têm dificuldade para
expor os casos.

Entretanto, para Ribeiro (2009), a violação sexual de menores traduz-se no envolvimento do


menor em práticas que visam à gratificação e satisfação do adulto ou jovem mais velho, numa
posição de poder ou autoridade sobre aquele. Tratase de práticas que o menor, dado o seu
estádio de desenvolvimento, não consegue compreender e para as quais não está preparado, às
quais é incapaz de dar o seu consentimento informado e que violam a lei, os tabus sociais e as
normas familiares.

O bem jurídico protegido neste tipo de crime é a autodeterminação sexual, associada ao livre
desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual.

2.1.9. Tipos de Abuso Sexual


Existem várias formas de abuso sexual. De acordo com Finkelhor (1994), cerca de um quarto
dos casos envolvem penetração ou contacto oral-genital. De acordo com Gilbert (2009) o
contacto sexual, como por exemplo, beijar ou tocar em partes do corpo por cima da roupa,
assumem-se como formas abusivas menos graves do que o abuso sexual que envolve
penetração (Gilbert et al., 2009). Sublinha-se ainda que vários autores defendem que o abuso
sexual que envolve força física, ameaças ou violência têm repercussões mais negativas sobre
a criança abusada.

2.1.9.1. Características do abuso sexual de crianças


O abuso sexual de criança associa-se a diferentes características como o sexo, etnia, falta de
respeito, interação sexual e limitação na idade sendo, por isso, praticado em qualquer lugar
(Quintino e Beluco, 2016).

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O agressor poderá escolher a criança como vítima por ser um alvo fácil, fraco, disponível ou
vulnerável e devido ao facto de não ter capacidades de interagir facilmente com os adultos
(Lanning,1994). De acordo com a literatura em geral, surge que a prevalência deste crime é
cuperior no género feminino (entre 18% e 20%) relativamente ao género masculino (8%)
(Stoltenborgh, Jzendoorn, Euser & Bakermans-Kranenburg, 2011). No artigo publicado por
Finkelhor (1994), em que se procurou apresentar dados internacionais sobre a prevalência e
características dos abusos sexuais de crianças, verificou-se também essa tendência, que a
média de casos denunciados, neste caso cometidos por familiares das crianças, era de 34%
contra crianças do sexo feminino e 18% contra crianças do sexo masculino.

Wellman (1993) conclui que as taxas de prevalência mais elevadas nas mulheres prendem-se
com facto da associação de determinadas crenças a cada género impostas pela sociedade, à
forma como esta associa algumas atitudes a um determinado género no que diz respeito ao
modo como se deve comportar, e que influencia também as suas formas de sentir e de pensar.
Neste sentido, e partindo do princípio que o papel da mulher é encarado como uma figura
cuidadora, dependente e frágil, estas características conferem-lhes maior vulnerabilidade face
ao abuso sexual, comparativamente com os homens.

Ainda, num estudo realizado por Price et al. (2001) sobre as perceções do público sobre os
abusos sexuais de crianças, verificou-se que os participantes consideram que as meninas
correm mais riscos de abuso que os rapazes. Noutra investigação conduzida por TTan & Yan
(2004), 40% dos participantes consideram pouco provável que os rapazes sejam vítimas de
abusos sexuais. Contudo, acredita-se que a taxa de abuso sexual no sexo masculino tende a
ser superior ao exposto nas pesquisas.

A prevalência de abuso sexual no género masculino poderá estar menosprezada devido ao


facto dos homens serem menos propensos a revelar o abuso. Este mito é reforçado pelo facto
de nas nossas culturas termos dificuldade em ver os elementos dos sexo masculino como
vítimas, por ooutr lado, aos rapazes é passada a mensagem de que eles serão uns “fracos” se
não souberem lidar com uma situação abusiva, que têm a obrigação de saber lidar com essas
situações (Tower, 2002), o que dificultará a denúncia das situações abusivas por parte dos
rapazes. Ainda, culturalmente é admissível, nalguns casos considerado desejável, que um
rapaz seja iniciado sexualmente por uma mulher mais velha e mesmo que a criança sinta
medo da situação receia que, se lhe chamar abuso, o considerem menos masculino (Tower,
2002). Posto isto, a ideia de que “Só as raparigas podem ser abusadas”, na verdade tanto os
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rapazes como as raparigas correm sérios riscos de abusos sexuais, embora as estimativas
atuais variem um pouco, com maior incidência para as raparigas, ou seja, estima-se que uma
em cada quatro raparigas e um em cada sete a dez rapazes, sejam abusados até à idade adulta.
Contudo, as pessoas tendem a assumir que apenas as meninas correm esse risco.

2.1.9.2. Idade do abuso


Existem vários os autores que, relativamente à média de idades em que ocorre o abuso sexual
infantil, defendem que é mais recorrente entre os 9 e 11 anos (Conte e Berliner, 1995;
Gomes-Schwartz, Horowitz, e Cardarelli,1990, cit. In Paine e Hansen, 2002).

Finkelhor, Hotaling, Lewis e Smith (1990) e Saunders et al., (1999) defendem que o
intervalo de idades entre os 7 e os 12 anos é o período mais vulnerável para ocorrer o abuso
sexual. Segundo Goldman e Padayachi (1997), tal por ser justificado pelo simples facto das
crianças neste intervalo de idade se encontrar numa fase de desenvolvimento especialmente
suscitável à autoridade dos adultos, sendo por isso mais fácil ameaçá-las, coagi-las ou
manipulá-las.

De acordo com Hewitt (1998) a alta prevalência nesse período de idades pode ainda dever-se
ao facto das crianças não terem a capacidade de revelar os abusos, e identifica-los com tal,
dada a sua imaturidade para reconhecer e expor a situação sexualmente abusiva.

2.1.9.3. Relação da Criança com o Agressor


A ideia de que os abusos advêm apenas de pessoas estranhas à vítima continua a ser a
informação privilegiada que os pais e professores passam às crianças no sentido de as
protegerem dos abusos (Kenny & Wurtele, in press). Segundo Tower (2002) este continua a
ser um dos clássicos mitos associados aos abusos sexuais de crianças, a ideia de que os abusos
sexuais são sobretudo cometidos por estranhos. Num estudo realizado em que se analisou a
forma como os pais preparam as suas crianças para o perigo, verificou-se que 90% dos pais
preparam, sobretudo as suas crianças para o “stranger danger” (Wurtele, Kvaternick &
Franklin, 1992). Contudo, a realidade demonstra-nos que entre 75% e 85% dos abusadores/as
são membros da família da vítima ou conhecidos/as desta.

No estudo realizado por Finkelhor (1980) com estudantes, 75% das participantes relataram
terem sido abusadas por pessoas que elas conheciam, sendo que 44% eram membros da
família (tios, avós, cunhados, pais e irmãos). Estas crianças foram abusadas não por estranhos,
como são habitualmente estereotipados, mas sim por pessoas que fazem parte das suas redes

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sociais próximas (Finkelhor, 1980). Ainda no que diz respeito à relação da criança com o
abusador, vários autores (Finkelhor, Ormrod, e Turner, 2009) defendem igualmente, que
embora a taxa de abusos sexuais de crianças perpetrada por membros da família seja elevada,
a maioria dos abusos é cometido por sujeitos conhecidos da criança, mas não familiares.

Finkelhor (1994) verificou que, na maioria dos casos, o agressor é conhecido da vítima. No
mesmo sentido, Conte e Berliner (1993) referem que apenas uma minoria dos abusadores são
desconhecidos das crianças, sendo que cerca de metade são pessoas conhecidas, embora não
sejam membros da família. Pinto da Costa (1990) constatou que, na esmagadora maioria dos
casos, o agressor era conhecido das vítimas. De uma forma mais específica verificou que uma
minoria dos abusos foram perpetuados pela figura paterna e que cerca de um quarto dos casos
analisados o agressor era membro da família (excluindo o pai).

A prevalência de abuso sexual intrafamiliar, ou seja, cometido por sujeitos da família da


criança, é muito elevada e, de acordo com Conte e Berliner (1993), os abusos cometidos por
figuras parentais têm um impacto na criança significativamente mais negativo quando
comparado com outro tipo de perpetradores, pois o facto do abusador sexual ter uma ligação
familiar com a criança conduz a uma situação abusiva mais complexa, repercutindo-se com
danos mais intensos na saúde mental da criança, uma vez que, a pessoa que para si deveria
desempenhar um papel de cuidador e protetor face ao perigo, torna-se o agressor.

2.1.9.4. Características da Criança Abusada


Características da criança:
 Nivel socio-económico e etnicidade
Os psicólogos podem ser influenciados pelas condições que envolvem o abuso sexual de
crianças como sejam a etnicidade ou o nível socio-económico da família. Ou seja, alguns
autores (Charles, 1983; Turbe & O´Toole, 1980 cit. in Hetherton & Beardsall, 1988)
consideram que os psicólogos tendem a percepcionar com mais facilidade, como sendo
vítimas de abuso, as crianças que pertencem a minorias ou que provêm de um nível socio-
económico baixo. Possivelmente, estas crenças estão associadas ao mito de que a
disfuncionalidade familiar é “património” apenas dos meios desfavorecidos, assim como a
maior visibilidade das situações de inadaptação das classes sociais mais vigiadas pela
Segurança Social.

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 Idade e género da criança
A idade da criança pode afectar o julgamento dos profissionais, na medida em que crianças
mais pequenas tendem a ser consideradas mais rapidamente vítimas de abuso (Finkelhor,
1984; Groeneveld & Giovannoni, 1982; Hampton & Newberger, 1985 in Herzberger &
Tennen, 1985). Por sua vez, quanto à influência do género da criança nos julgamentos
clínicos, Finkelhor (1984) constatou que o abuso sexual de crianças era julgado mais
seriamente pelos profissionais quando envolviam vítimas do sexo feminino do que quando
envolvia vítimas do sexo masculino. Como vimos anteriormente, estes resultados são
análogos aos verificados para a população em geral (Herzberger & Tennen, 1985).

2.1.9.5. Características do Agressor


Os estudos realizados até hoje sempre se focaram mais nas vítimas, deixando de parte os
agressores sexuais.

Portanto, torna-se cada vez mais importante analisar o comportamento, a personalidade e a


forma de pensar do abusador sexual para que seja mais fácil e eficaz a atuação dos
profissionais nesta tipologia de crime (Quintino e Beluco, 2016). Se o agressor não for
denunciado ou identificado, este consegue conviver aparentemente sem suspeição, apesar do
impacto que daqui irá futuramente repercutir-se na vida da vítima, podendo até vir atornar-se
também ela, um abusador sexual, pois esta não conseguiu lidar ou ultrapassar o que lhe
sucedeu, e assim, falamos na reprodução do comportamento num ciclo vicioso de abusador
(Quintino e Beluco, 2016).

De acordo com Halpérin et al (1996),a esmagadora maioria dos agressores são do sexo
masculino. Contudo, Gannon e Rose (2008) e Turton (2010) defendem que o número de
abusadores femininos é subestimado, sobretudo pelo facto do abuso sexual ocorrer no
contexto das rotinas de “cuidar da criança”, não sendo assim revelado. Nos casos em que esse
abuso é percebido, pode ainda acontecer que os profissionais menosprezem esse
comportamento e o considere uma forma de afeto inadequado.

Existem vários tipos de agressores, cada qual com características específicas que os
distinguem, nomeadamente, perfis psicológicos diferentes. Apesar de diversificadas
características, estes indivíduos podem presentar em comum transtornos de sexualidade ou da
personalidade (Ballint, 1997; Duque, 2012). Assim, como traços comuns do abusador tipo,
que descrevem como sendo maioritariamente homens, iniciam o abuso na adolescência e é
usada a força física.
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Há uma elevada taxa de reincidência deste tipo de agressores, ou seja, mais de metade dos
condenados por abusos sexuais, voltam a cometer de novo o crime. Além destas
características constata-se ainda a presença de um quadro de consumo de álcool e de
estupefacientes, perturbações físicas e mentais, antecedentes de comportamentos socialmente
incorretos, insegurança, baixa autoestima, fraca capacidade de lidar com a frustração, maus-
tratos na infância (físicos, psicológicos ou sexuais), baixo autocontrolo, baixo nível
económico e cultural, são indicadores que se encontram presentes nos indivíduos que
cometeram crimes de abuso sexual.

Estes indivíduos podem dividir-se em abusadores adultos e adolescentes. Os abusadores


adolescentes têm idades compreendidas eentr os 12 e os 18 anos. O abuso pode ser praticado
entre um indivíduo mais velho e uma criança, uma criança mais velha e uma criança mais
nova (diferença de cinco anos), ou duas crianças da mesma idade, mas com um
desenvolvimento cognitivo diferente (Manita, 2003).

Segundo alguns dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos os agressores


frequentam a escola até ao secundário, têm emprego e só uma baixa percentagem sofre de
doença mental severa. Frequentemente constituem família e são heterossexuais, abusando
preferencialmente de raparigas em contraposição aos rapazes que acontece em menor número.
A maioria não apresenta registo criminal (Habigzang, koller, Azevedo & Machado, 2005 cit
in Monteiro, 2012). Quando estes recorrer ao uso de violência, usando métodos como
estrangulamento, ocultação e desmembramento do corpo, nos casos em que leva à morte, este
comportamento poderá estar relacionado com as fracas competências interpessoais e sociais
do agressor (Lanning, 1994). Este tipo de agressores podem apresentar comportamentos como
mudanças frequentes de trabalho ou de escola, alterações de rotina, baixa responsabilidade ao
nível financeiro e condutas antissociais (Quintino e Beluco, 2016).

Além dos suprarreferidos, assinalam-se também os elevados níveis de testosterona, a


incapacidade de manter uma relação amorosa firme e duradoura, podendo por vezes manter
uma relação apenas com o intuito de estar próximo das crianças. Ainda se pode dar o facto de
terem sofrido traumatismos crânio encefálicos, retardo mental, psicoses, excesso de bebidas
alcoólicas e substâncias psicoativas e comportamento obsessivo, que podem levar ao
comportamento sexual abusivo.

Os abusadores sexuais delineiam e premeditam ao pormenor a sua ação, podendo demorar


meses até passarem ao ato. Estes procuram anular o seu sentimento de culpa e a
21
ccensurabilidad colocando na vítima a culpa da sua atitude, compreendendo a postura da
vítima como provocatória e recetiva para praticarem estes atos. A forma de actuar do agressor
é repetida e rotineira, usando as mesmas estratégias para vir a ter sucesso nos seus actos, seja
a camuflar e a defender a sua identidade, seja a garantir a fuga para não ser detido. Conforme
Marques (2005) os abusadores sexuais podem ter vários tipos de personalidade:

a) Carente passivo dependente: má relação com a mãe durante a infância e por isso
apresenta sentimentos de abandono. É visto como uma pessoa desagradável e instável,
abusando de crianças porque a sua sexualidade ficou presa na infância e acreditando
que é mais fácil relacionar-se a este nível.

b) Carente agressivo devorador: viveu uma instabilidade maternal e ficou com


sentimentos hostis e de raiva procurando vingança. É agressivo e atua com a finalidade de
punir utilizando, por isso, habitualmente a violência física para impor a sua vontade.

c) Borderline: apresenta dificuldades de se situar no mundo real existindo um fosso


entre ele e o outro. Tem sentimentos de alienação abusando porque o outro não existe.

d) Estrutura perversa: evidencia sadismo para com a mãe, pelo que a sua sexualidade é
precoce, perversa e centrada em si. Tem uma imagem de si próprio desmedida, e quando
abusa acredita que é agradável para a criança fazendo dele um sedutor e um individuo
persistente.

e) Psicopatia da patologia narcísica: apresenta sentimentos de grandiosidade e necessidade


de prazer imediato, pelo que algo que faça, é sempre bom para ele.

f) Paranoia da patologia narcísica: pode apresentar tipologia de crimes diferentes,


apresentando relacionamentos essencialmente heterossexuais.

g) Neurótico: não chega a cometer o crime por falta de coragem, mas refugia-se na
pornografia para satisfação sexual.

h) Deficiente mental: deficiência de causas orgânicas, senilidade, traumas cerebrais ou por


medicação. Masturba-se perante a criança e é exibicionista não chegando a praticar o acto.
De acordo com Taveira (2007), torna-se difícil detetar o abuso tendo em conta que
existem muitos tipos diferentes de abusadores, pelo que se torna necessário uma
intervenção eficaz junto dos abusadores, das vítimas e das famílias, recorrendo-se a
exames periciais e a indicadores psicossociais (idade, género, contexto, modus operandi,

22
antecedentes criminais). Terá também de se mencionar que os abusadores sexuais poderão
usar estratégias específicas para se aproximarem da vítima para não levantarem suspeitas
dos seus atos e para que a vítima não conte o sucedido.

 Género do abusador
No que diz respeito às variáveis da vítima e do agressor, os estudos referem que também os
psicólogos tendem a considerar o abuso perpetrado por uma mulher como menos grave do
que o cometido por um homem (Hetherton & Beardsall, 1988).

Existem estudos que constataram que os profissionais consideram o abuso sexual perpetrado
pelas mães como sendo menos severo e menos frequente do que o abuso perpetrado pelos
pais (Finkelhor, 1984; Hampton & Newberger, 1985; Herzberger & Tennen, 1985a cit. in
Howe, Herzberger & Tennen, 1988). E tal como os leigos, os profissionais tendem a
considerar o maltrato físico e emocional menos sério quando estão as mães envolvidas
(Herzberger & Tennen, 1985).

Neste sentido, alguns estudos sublinham a importância da intervenção profissional


relativamente à revelação de abuso sexual perpetrado por mulheres. As respostas
profissionais às revelações, quer positivas quer negativas, parecem ter um impacto crucial no
bem-estar das vítimas. As respostas profissionais de apoio parecem mitigar os efeitos
negativos do abuso. Ao contrário, as respostas que não são suficientemente apoiantes, em
que os profissionais minimizam ou não acreditam nas alegações de abuso das vítimas,
parecem exacerbar os efeitos negativos do abuso e incitam em última análise, à vitimação
secundária (Denov, 2003).

Esta noção reforça a ideia e a necessidade de desenvolver e implementar iniciativas de treino


profissional para sensibilizar os profissionais acerca das ofensas perpetradas por mulheres e
acerca das necessidade de intervenção nas vítimas.

De facto, as vozes e perspectivas dos que foram vitimizados sexualmente por mulheres têm
sido raramente ouvidas. Existe uma limitada compreensão acerca de como as vítimas
percebem as respostas profissionais às suas revelações e mais importante ainda, de quais são
as consequências dessas respostas dos profissionais.

23
Desta forma, as mulheres abusadoras, em virtude do seu género, não são, frequentemente,
responsabilizadas pelas suas ofensas e as denúncias de ofensores masculinos são consideradas
mais importantes pelos profissionais (Hetherton & Beardsall, 1998).

No mesmo sentido, Ramsay-Klawsnik (1990 cit. in Denov, 2003) verificou que as


condenações são raras quanto o ofensor sexual é uma mulher, não obstante o abuso ter sido
confirmado através de avaliação. Denov (2003) constatou que na attitude dos polícias e
psiquiatras perante as ofensas sexuais femininas, existia uma negação das mulheres enquanto
potenciais agressoras.

Assim, perante um desafio às crenças tradicionais acerca do comportamento feminino


“adequado”, os grupos profissionais (psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, polícias,
etc.), são, tal como a população em geral, levados a transformar, consciente ou
inconscientemente, as suas representações acerca das mulheres ofensoras e dos seus actos,
aproximando-as de noções culturalmente mais aceitáveis sobre o comportamento feminino.
E isto, em última análise, levou a uma negação do problema (Denov, 2003).

2.1.9.6. Denúncia
De acordo com Chassan-Taber e Tabachnick (1999), na sua maioria, as vítimas não revelam o
abuso. São várias as razões que condicionam a vítima a revelar o abuso sexual,
nomeadamente o facto de ser recorrente o uso de ameaças e coação por parte do agressor,
fazendo uso da autoridade e da sua posição dominante face à criança. Vários estudos apontam
nesse sentido. O estudo realizado por Bruck, Ceci & Shuman (2005) indica que 47% das
vítimas levaram mais de 5 anos a contar a alguém que tinham sido abusadas e 28%
afirmaram nunca terem relatado a alguém que tinham sido abusadas até à participação
no estudo. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo realizado por Finkelhor,
Hotaling, Lewis & Smith (1990) onde 38% das/os sobreviventes nunca revelaram a situação
de abusos sexuais de crianças vividas.

O secretismo associado aos abusos sexuais de crianças é reforçado, segundo Tower (2002),
da obediência a que as crianças são ensinadas a manter em relação aos adultos e, por outro
lado, pelo facto de anossa sociedade ver as questões relacionadas com o sexo como privadas,
o que dá ao abusador uma “boa desculpa” para justificar à criança porque é que ela não deve
contar nada a ninguém. A realidade de nem as/os sobreviventes de abusos sexuais de
crianças fazerem a denúncia, nem aqueles que as/os rodeiam conseguirem aperceber-se que

24
as crianças estão a ser abusadas, faz com que este se mantenha como um crime silencioso, o
que exige que a comunidade esteja bastante alerta, que desenvolva mecanismos mais eficazes
de deteção e que prepare as crianças para a possível denúncia ou reação às tentativas de
abusos sexuais de crianças. Também se dá o facto de por vezes serem os próprios adultos a
ocultar o abuso, ao contrário do que se possa pensar, as mães (e/ou outros familiares)
silenciam o abuso.

As razões podem ser variadas: dependência afetiva e financeira do agressor/a, evitar a


exposição da criança e da família, à vergonha, ao processo judicial, entre outras
circunstâncias.

2.1.10. Causas da Violência Contra Menores


Existem diversas causas para a ocorrência da violência contra menores, que muitas vezes
agem entrelaçadas. Estas causas variam e possuem um peso diferenciado com o contexto em
que os indivíduos estão inseridos. Os principais factores são de natureza cultural e
socioeconómicos e estes incluem a pobreza, as crenças mágico religioso, estereótipos que
conduzem a um contexto permissivo para determinadas práticas, aspectos institucionais e
factores de natureza transnacionais.

2.1.10.1. Factores Históricos e Culturais


Os factores sócio históricos foram percebidos como causando violência através do trabalho
infantil, casamentos prematuros, abuso sexual, violência física e migração de menores. Barros
e Gulamo (1999) salientam que “existem factores culturais, mas que por si só não explicam a
ocorrência do trabalho infantil, apesar de terem criado uma porta, que conjugada a pobreza
permitiram o incremento da violência contra menores”. Para estes autores nas comunidades
existe a tradição da distribuição de tarefas consoante a idade que explica e parte a persistência
da violência. Na actualidade este fenómeno é associado à baixa renda das famílias e faz com
que estas procurem aumentar a sua renda familiar, distribuindo as tarefas já não apenas no
espaço doméstico, mas também para o espaço público, especificamente no trabalho no sector
informal, e como consequência muitas das crianças acabam por abandonar a escola, devido a
essa ocupação.
Ainda no conjunto dos factores culturais os ritos de iniciação são considerados um motivo à
violência contra menores que ocorre a nível comunitário pois estes agem como obstáculo à
frequência dos menores nas escolas. Estes afastam-nas do ambiente escolar para que estas
participem destas cerimónias. Para além disso quando os menores regressam dos ritos de

25
iniciação, muitos deles já não vão a escola, porque são considerados adultos pelas normas da
comunidade, procurando por isso exercer outras tarefas.

Cientes deste facto algumas campanhas em Nhamarroi procuram enquadrar os ritos de


iniciação nas suas actividades religiosas como a igreja Católica e num período em que os
alunos não estão a ter aulas, neste caso no mês de Dezembro. Os factores sócios históricos
também contribuem para a ocorrência do abuso sexual, devido à permeabilidade que dão a
reprodução de um tipo de relação que não sendo prostituição como os praticantes o encaram e
nem abuso, se situam nas categorias de abuso sexual tendo em conta os conceitos de direitos
humanos das crianças.

2.1.10.2. Factores Sócio Económicos


Os factores económicos têm um grande contributo para a ocorrência da violência contra
menores, como o abuso sexual, o trabalho infantil o trafico interno e transfronteiriço, entre
outras formas. Apesar dos sucessos que vêm sendo propalados sobre o crescimento
económico moçambicano, parte significativa da população moçambicana ainda é considerada
pobre.
As mudanças socioeconómicas ocorridas com a introdução do programa de ajustamento
estrutural remeteram parte da população moçambicana à pobreza. Como resultado das
políticas sucessivas adoptadas, o índice de pobreza absoluta que se situava à volta de 69,4 em
1997 tinha baixado para 54,1% em 2003. Apesar desta melhoria, a incidência da pobreza
continua bastante elevada, sendo de destacar as diferenças entre o campo e a cidade. Com
efeito, ao passo que nas áreas rurais o índice de pobreza se situava à volta de 55,3%, nas áreas
urbanas rondava 51,5%.

Segundo Eldring (2000), o resultado do ajustamento estrutural, apesar de ter tirado a


economia do marasmo, também generalizou a pobreza, porque implicou que
aproximadamente 500 empreendimentos estatais de pequenos e médio porte fossem
privatizados. Também se verificou perdas de empregos de aproximadamente 90.000
trabalhadores dos quais 11 000 no sector agrícolas. A guerra civil contribuiu com o resto das
moléstias para fragilizar ainda mais a economia. Este cenário criou fragilidades para o
emprego generalizado da mão-de-obra infantil. Segundo Barros e Gulamo (1999), tendo em
conta o cenário do desemprego e carestia de vida a instabilidade familiar que daí adveio é um
esteio para a criança procurar meios para a sobrevivência.

26
Para Eldring (2000), devido à limitada oportunidade económica muitas famílias em
Moçambique trabalham no sector agrícola que tem baixos salários. Em tais circunstâncias as
crianças são usadas como força de trabalho para ajudar a completar a renda familiar que não é
adequada para sobreviver. Em áreas rurais, crianças trabalham às vezes ao lado dos pais ou
independentemente em colheitas sazonais em plantações comerciais. O mesmo autor frisa que
os menores normalmente não são pagos em salários, mas ao invés, os empregadores lhes
compram livros e pagam outras necessidades escolares. O mesmo autor salienta que em
alguns casos as famílias fazem trabalhar as crianças para resolverem dívidas. Crianças
regularmente trabalham em machambas familiares ou no sector informal urbano onde
executam tarefas como vigiar carros, coleccionar sucata, ou vendendo quinquilharias e
comida nas ruas. As Crianças também são empregadas como Domesticas.

2.1.11. Consequências para as vítimas de abusos sexuais


Sabe-se que o Abuso Sexual pode ser um acontecimento muito traumática para a vítima,
assim como pode trazer consequências nefastas para a sua vida, e estas aumentam com a
gravidade do abuso. Antes de referir as consequências da violação sexual em menores é
pertinente referenciar as raras, mas existentes vítimas assintomáticas derivadas, entre outros
factores, da resiliência individual e da integração da experiência à vida da vítima.

Àquelas pode estar associado o stress pós-traumático, a evitação ou mesmo a negação de


estímulos relacionados ao evento, a reencenação deste, a um comportamento sexualizado, a
depressão, a baixa autoestima, a ansiedade, ao comportamento disruptivo e/ou a
promiscuidade, enquanto a esta pode-se associar o agravamento dos sintomas e a depressão
crónica. É importante ainda referir que as consequências da violência sexual em menores
também podem ser agrupadas apenas em sintomas físicos ou psicológicos. Fisicamente
podem ocorrer as lesões no hímen, escoriações, hematomas, despedaçamento do períneo,
enquanto psicologicamente podem ser desencadeados distúrbios emocionais, ansiedade,
depressão, dificuldade relacional (o que inclui a agressividade, o isolamento), distúrbios do
sono e do apetite. Reichenheim (1999).

Todavia, Jimenez (2002), organizaram as consequências a longo prazo manifestadas já na


vida adulta em cognitivas, emocionais, comportamentais, sexuais e interpessoais:

“Nesta organização, são cognitivas a negação, as distorções cognitivas, as


desassociações, as amnésias, os pesadelos, as alucinações, os sintomas
psicossomáticos e as alterações do sono. Emocionais são, então, consequências como a
27
depressão, a baixa autoestima, a culpa, a ansiedade, a compulsão e a ira. Quanto à
conduta, há sequelas como uso de substâncias, condutas autodestrutivas,
automutilação e transtornos alimentares”.

Defende Azambuja (2006), que “com a diversidade, a intensidade e a variação temporal das
sequelas os sintomas podem variar desde ligeiros a distúrbios psiquiátricos, transtornos de
humor e transtornos psicóticos”. As reações não são similares em todos os casos porque a
oscilação de factores determinantes como a duração da violência usada, a proximidade entre
vítima e o ofensor têm relação directamente proporcional entre estes e a severidade dos
efeitos.

28
CAPITULO III: METODOLOGIA

3. Metodologia
A metodologia é o estudo dos métodos e dos instrumentos necessários para a elaboração de
um trabalho científico que determina se o estudo feito vai ser concretizado com sucesso ou
não. Portanto, é o conjunto de técnicas e processos empregados para a pesquisa e a
formulação de uma produção científica, a parte determinante para se chegar aos objectivos
tracados.

3.1. Métodos
Para a realização do presente estudo recorreu-se ao método qualitativo, o qual permitiu
analisar e compreender o tema em estudo. Este método foi auxiliado pelo método quantitativo
para permitir o tratamento e análise dos dados em forma de gráficos de modo a dar maior
precisão. Além disso, optou-se também por uma metodologia do estudo de campo de modo a
obter os dados e os procedimentos técnicos adoptados na área em estudo.

3.2. Fontes de informação


O primeiro passo foi a revisão bibliográfica baseada em publicações relacionadas com o
lúdico que foram encontradas em vários sites da internet. A seguir, com base nas informações
encontradas durante a revisão bibliográfica procedeu-se a busca da compreensão sobre o
Abuso sexual contra menores, através da sua descrição e interpretação tendo em conta o
problema previamente identificado.

3.3. Universo e amostragem


3.3.1. Definição da população alvo
Neste item define-se os participantes da pesquisa caracterizados pela população e amostra
conforme afirma Fachin (1993, p.55), “população é o conjunto de indivíduos da mesma
espécie, localizado em determinado espaço e tempo”. A população geralmente é o retrato real
de todo o público-alvo da pesquisa.

A população alvo do presente estudo foi composta por autoridades administrativas, policiais,
penitenciárias, de Saúde, centro de acolhimento escolar, e cidadãos no geral.

3.3.2. Definição da amostra e sua descrição


No entanto, segundo Barbetta (1994, p.9) “amostra, é a parte de um conjunto de elementos
que formam um universo de estudo (população), e são passíveis de serem observadas.”.

29
A amostra deste trabalho foi constituída por 01 chefe da localidade, 01 chefe do posto
administrativo, 03 líderes comunitários, 05 Agentes da polícia, 03 directores especificamente
(01 dos Serviços Penitenciários, 01 do Centro de Saúde, 01 da Escola Secundária local)
respectivamente, 20 educandos e 06 reclusos.

3.4. Tipo de Amostra


Muitas vezes não é possível obter uma lista de Universo a ser pesquisado. Esse é o caso por
exemplo de todos os habitantes de localidade de Chidzolomondo, situações como essas que
percebe-se que torna quase impossível obter um método 100% probabilístico, por não dispor
de uma lista completa e actualizada da População em estudo.

Para a selecção da amostra acima destacada, utilizou-se a amostra não probabilística


intencional por acessibilidade ou de selecção racional por acessibilidade, visto que, a colecta
foi com base em critérios definidos previamente, em que nem todo o Universo tem a mesma
chance de ser entrevistado, mais que no final o trabalho do campo tenha o resultado
representativo e passível de extrapolação.

3.5. Tipos de Dados


A fonte de dados nesta pesquisa foi predominantemente primária, pois, conforme afirma
Roesch (1996), os dados primários são aqueles que nunca foram agrupados, e que são
colhidos directamente pelo o pesquisador através de entrevistas, questionários, escalas, testes,
observação, índices e relatórios escritos. Esses dados nunca haviam sido agrupados, e
auxiliaram no cumprimento dos objectivos específicos da pesquisa, pois, na elaboração do
questionário foram levados em consideração os objectivos definidos no inicio do trabalho.

3.6. Técnicas e Instrumentos de colecta de Dados


3.6.1. Aspectos éticos
Primeiro procedeu-se com a entrega da credencial e depois a apresentação, do autor e do
programa de trabalho. E depois o início das actividades, obedecendo às normas e regulamento
vigentes nas instituições destacadas.

3.6.2. Técnicas de recolha de dados


Para a concretização do presente trabalho foram utilizadas as seguintes técnicas para a recolha
de dados: a observação participante, análise documental (relatórios mensais da subunidade
policial e da Saúde) e a revisão bibliográfica.

30
3.6.2.1. Entrevista
A entrevista é uma conversa entre duas ou mais pessoas (o entrevistador e o entrevistado)
onde perguntas são feitas pelo entrevistador de modo a obter informação necessária por parte
do entrevistado. Os entrevistadores questionam as suas fontes para obter destas declarações
que validem as informações apuradas ou que relatem situações vividas por personagens.
Antes de ir para o campo, o entrevistador recebe uma pauta que contém informações que o
ajudarão a construir a matéria. Além das informações, a pauta sugere o enfoque a ser
trabalhado assim como as fontes a serem entrevistadas. Antes da entrevista o entrevistador
precisa reunir o máximo de informações disponíveis sobre o assunto a ser abordado e sobre a
pessoa que será entrevistada, (Gil, 2002, p. 21).
Na presente pesquisa, foram entrevistadas um total de 36 personagens, de acordo com o grupo
alvo pré-definido. A entrevista foi guiada por um roteiro de entrevista (o questionário)
previamente elaborado, que consta do trabalho.

3.6.2.2. Questionário
Segundo Gil (2002) “o questionário é um conjunto de questões pré-elaborados, sistemática e
sequencialmente dispostas em itens que constituem o tema da pesquisa, com o objectivo de
suscitar dos informantes respostas por escrito ou verbalmente sobre o assunto que os
informantes saibam informar e opinar”. O questionário foi importante na medida em que foi
aplicado o inquérito por questionário à população alvo na Localidade de Chidzolomondo. Esta
técnica foi útil para complementar os dados colhidos por meio de inquérito aplicado a
população alvo. A conjugação destas duas técnicas ajudaram para as possíveis ilações tiradas
nesta pesquisa.

3.6.3. Instrumentos de recolha de dados


No tocante aos instrumentos de recolha de dado foram: inquéritos e entrevistas. A observação
participante consistiu na participação real do pesquisador com a comunidade ou grupo. A
análise documental permitiu a colecta de dados ou materiais nos arquivos das Autoridades
administrativas, relativos a violação sexual de menores. Os dados recolhidos facilitaram a
compreensão da matéria sobre os abusos sexuais na área em estudo. Recorreu-se da pesquisa
bibliográfica, pelo facto de, o trabalho ter que conter um suporte técnico-científico, de forma a
compreender o nível de discussão dos conceitos chaves do tema em estudo, para melhor
análise da situação.

31
3.7. Técnicas de Análise de Dados
Para se analisar os dados usou-se o pacote estatístico EXCEL 2007, para a construção de
tabelas e gráficos na interpretação dos dados estatísticos obtidos na pesquisa.

32
CAPITULO IV: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo, foram elaboradas questões, segundo o guião de entrevista para a recolha de
dados aos entrevistados, tendo em conta a amostra estabelecida de 39 participantes,
constituidos por 1 chefe da localidade; 1 chefe do posto administrativo; 3 líderes
comunitários; 5 agentes da PRM; 3 directores de instituições sendo, um dos serviços
penitenciários, um do centro de saúde e um da Escola Secundária local; 20 educandos e 6
reclusos.
Para facilitar a interpretação e discussão dos resultados, os dados foram agrupados em classes
bem como as respectivas respostas e a percentagem, isto é, numa representação gráfica.

4.1. Interpretação gráfica das respostas resultantes da entrevista a cerca “Abuso sexual de
menores”.

Gráfico 1: Referente às respostas da pergunta 2.1 da pesquisa (Tem


algum conhecimento sobre a ocorrência da violação de menores na tua
localidade?)

28%

SIM

NÃO
72%

Fonte: Autor (2021).

Em função dos dados adquiridos na entrevista, em relação à questão sobre o conhecimento de


ocorrência da violação de menores na localidade, dos entrevistados os da Classe A
correspondente a 72% responderam com “Sim”, afirmando ter algum conhecimento da
ocorrência de casos de violação de menores na localidade de Chidzolomondo e, a Classe B
correspondente a 28% reponderam com “Não”, negando que não tinham conhecimento sobre
alguma ocorrência de violação de menores na localidade, como pode se ver no gráfico acima
ilustrado.

33
Gráfico 2: Referente às respostas da pergunta 2.2 da pesquisa (Sabe
dizer o que é uma violação sexual de menores?

10%
SIM
5%
A- É o cantacto físico com crianças para fins sexuais com ou sem
5%
uso de força.

B- É uma infracçao penal e civil na qual um adulto se envolve em


actividades sexuais com uma menor.

C- É o uso de suxualidade da criança ou do adolescente por


pessoas com vínculo de parentesco.
79%
NÃO

Fonte: Autor (2021).

Em relação à questão sobre o conhecimento do conceito de violação sexual de menores, o


gráfico acima ilustra que dos entrevistados uns reponderam com “SIM” correspondente 90% e
outros correspondentes a 10% responderam com “NÃO”. Dos que afirmaram ter
conhecimento sobre o conceito de violação sexual de menores, a Classe A (80%)
comentando, definiu violação sexual de menores como sendo “o cantacto físico com crianças
para fins sexuais com ou sem uso de força”, a Classe B (5%) definiu violação sexual de
menores como sendo “uma infraccao penal e civíl na qual um adulto se envolve em
actividades sexuais com um menor, e a Classe C (5%) definiu violação sexual de menores
como “o uso da sexualidade da criança ou adolescente por pessoa com algum vínculo de
parentesco”.

34
Gráfico 3: Referente as respostas da pergunta 2.3 da pesquisa (Em
que instituições públicas ou privadas ocorrem casos de violação
sexual de menores ao nivel da sua localidade?

28%
Escolas
Creches
51%
C. Internatos
Comunidade
21%

Fonte: Autor (2021).

No gráfico acima, estão representadas as respostas obtidas da questão sobre as instituições


públicas ou privadas em que ocorrem casos de violação sexual de menores ao nível da
localidade de Chidzolomondo.

Os dados mostram que a Classe A correspondente a 51% afirmou que as escolas constituem
as instituições onde ocorrem casos de violação sexual de menores ao nível da localidade,
enquanto a Classe B correspondente a 28% afirmou dizendo que é na comunidade onde
ocorrem casos de violação sexual de menores, já a Classe C que corresponde a 21% dos
entrevistados respondeu apontando os centros internatos como sendo as instituições onde
ocorrem casos de violação sexual de menores.

Como pode se ver no gráfico acima ilustrado, na Classe D (em creches) nunca ocorreram
casos de violação sexual de menores no período de estudo do caso, o que representa 0% dos
casos.

35
Gráfico 4: Referente as respostas da pergunta 2.4 da pesquisa (Na
sua opinião, quais são as causas que propiciam a violação de
menores em sua localidade?)

23%
Assédio

Falta de protecção pelos adultos

13% Ganância dos violadores


64%

Fonte: Autor (2021).

A tabela acima indicada representa as opiniões dos entrevistados quando perguntados sobre as
causas que propiciam a violação sexual de menores na localidade de Chidzolomondo no
período em estudo. Nas suas respostas, a Classe A que representa 64% afirmou que o assédio
é a causa que propicia a violação sexual de menores naquela localidade.

A Classe B representando 23% dos entrevistados, nas suas opiniões afirmou que a ganância
dos violadores é a causa que propicia a violação sexual de menores naquela localidade.

Já a Classe C que representa 13% dos entrevistados, divergindo nas suas opiniões apontou a
falta de protecção pelos adultos, como a causa que propicia a violação sexual de menores na
localidade de Chidzolomondo no período de estudo do caso.

36
Gráfico 5: Refrente as respostas da pergunta 2.5 da pesquisa
(Frequentemente, quem são os maiores violadores sexuais de
menores nesta localidade?)

36%
Pessoas com algum grau de parentesco

51% Pessoas sem nenhum grau de parentesco

Outros

13%

Fonte: Autor (2021).


Sobre os maiores violadores sexuais de menores na localidade, a Classe A que representa
51% dos entrevistados respondeu afirmando que os maiores violadores sexuais de menores
são outros que não sejam nem pessoas com algum grau de parentesco nem pessoas sem
nenhum grau de parentesco. Os entrevistados na Classe B, que representam 36% afirmaram
apontando as pessoas com algum grau de parentesco, como sendo frequentemente os maiores
violadores sexuais de menores, enquanto para os indivíduos da Classe C que representa 13%
frequentemente, os maiores violadores sexuais na localidade de Chidzolomondo são pessoas
sem nenhum grau de parentesco.

37
CAPITULO V: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
5.1. Conclusões
Os resultados apresentados neste trabalho nos permitiu concluir que o abuso sexual é um
problema da sociedade actual, que em diferentes períodos históricos do antigo regime não foi
considerada como crime. As transformações históricas sofridas pela sociedade em sua
transição do antigo regime para a modernidade influenciaram na constituição de novas formas
de pensar e tratar a criança. Com os discursos que permearam estas mudanças, surgiu o
conceito de família e infância, sendo que neste contexto, a criança passa a ser considerada
enquanto sujeito que necessita de cuidado e proteção dos adultos.

A partir de então, relações sexuais entre adultos e crianças, vistas como naturais, uma vez que,
a criança era considerada um brinquedo do adulto e não apresentava o que hoje entendemos
como particularidades infantis, se tornou um crime, que comove quem presencia e condena
quem o pratica.

Por meio desta pesquisa, compreendemos a pertinência da relação entre o tema violência
sexual e as práticas que permeiam a escola. Alguns aspectos nos fazem compreender este
vínculo, como: ser um tema que tem recebido atenção de diferentes áreas das ciências
humanas, incluindo a educação; por se tratar de crianças, que na maioria das vezes
frequentam esta instituição, podem manifestar sintomas e indicadores de que está sendo
vítima de violência sexual no contexto escolar, e pela Legislação que compreende o professor
como profissional responsável por proteger a criança deste crime.

O olhar que lançamos para a constituição da infância e para o abuso sexual, neste trabalho,
nos permite compreendê-las como construídas historicamente, na tensão entre os discursos e
as práticas que se organizaram em torno das crianças ao longo dos anos. Isso nos fez perceber
a necessidade de problematizarmos o tema de forma crítica e cuidadosa, uma vez que, o
discurso disseminado acerca dela influenciará diretamente na forma como compreendemos e
nas práticas de intervenção que criamos.

Acreditamos que este trabalho poderá contribuir com aproximações entre o abuso sexual e a
educação e ainda provocar reflexões entre professores sobre discursos produzidos em relação
às situações que envolvam casos de abuso sexual em sala de aula. Importa ainda, salientar
que, ao longo da construção deste trabalho foi possível, através da revisão da literatura e dos

38
resultados obtidos durante a pesquisa, chegar-se a conclusão de que, o abuso sexual de
menores é um tema bastante abrangente e com muita complexidade.

Portanto, nesta perspectiva, 90% dos entrevistados naquela localidade de Chidzolomondo,


afirmam ter noção do conceito desta temática do abuso sexual de menores e 10% tendo
respondido negativamente. Em relação à questão sobre às instituições públicas ou privadas
onde ocorrem casos de violação de menores, aquela população disse assim como os dados
ilustram que 51% ocorrem em escolas, 28% na comunidade, e os 21% correspondente aos
centros internatos. Importa, contudo, salientar que, este fenômeno tem mais incidência nas
escolas, por sua vez, o estudo constatou que a percepção dos membros da comunidade em
relação ao abuso sexual é bastante influenciada pela posição que os professores ocupam
dentro destas comunidades.

Entretanto, esta situação pode ser explicada pelo facto de a maioria da população deste distrito
ser pobre “vivendo da agricultura de subsistência” e o professor deterem um estatuto social
associado aos benefícios da sua profissão, contribuindo para que sejam considerados bons
candidatos ao casamento tanto pelos pais ou encarregados de educação, como pelas raparigas.
A falta de distinção entre o que se considera de sorte com o abuso sexual pode levar a que as
raparigas sejam aconselhadas a aceitar o comportamento desapropriado do professor.

No contexto comunitário no que se refere ao abuso sexual, este estudo revela que ocorre tanto
no contexto urbano e rural e está associado à factores políticos, sócio económicos, culturais,
educacionais e mágico-religiosos. O elevado número de crianças órfãs leva a que muitas delas
não vivam com os seus progenitores directos, facto que as torna vulneráveis ao assédio e
abuso sexual.

O desemprego, a falta de atenção das famílias ou ausência de um dos membros da família


permite também a ocorrência de situações de assédio e abuso sexual principalmente nas
famílias constituídas do tipo monoparental e naquelas em que um dos progenitores está
constantemente ausente. A crença de que o acto sexual entre um adulto e uma criança pode
evitar certas doenças de transmissão sexual e aumentar o prazer pelo facto de a criança ser
virgem, bem como a crença de que a concretização de um objectivo ou desejo como a
realização financeira está associado ao envolvimento com alguém puro, e neste caso uma
criança, são alguns factores que também levam ao abuso sexual.

39
Ao finalizar este trabalho, ressalta-se mais uma vez que o crime de abusos sexuais é uma
problemática que prejudica a vida de muitas crianças, assim como se torna mais evidente a
necessidade da existência de mais pessoas, profissionais, entre outros, focados na prevenção e
combate deste tipo de criminalidade. É importante referir que a forma como podemos
transmitir informações às crianças sobre os abusos sexuais de crianças pode ser um factor
decisivo para a sua proteção relativamente aos mesmos.

5.2. Recomendações
Algumas recomendações podem ser desenvolvidas a curto e médio prazos:

 Devem ser realizadas mais pesquisas com uma abordagem de género que estudem as
antigas e as novas formas de violência sexual, os contextos e os perfis das vítimas e
dos agressores;
 A Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança (Lei no 7/2008) deve ser
regulamentada.
 Devem ser desenvolvidos mecanismos de divulgação, avaliação e monitoria da
legislação de defesa dos direitos humanos das crianças.
 O Código Penal deve ser revisto adoptando os princípios normalizados pela legislação
internacional e ratificados por Moçambique.
 Deveria ser criada uma ficha única para a violação sexual de menores, que integrasse
os sectores da saúde, polícia e acção social. Através dela poder-se-ia criar um
Banco de Dados que permitisse visualizar o ciclo de atendimento e a
responsabilização da violação sexual.
 O acompanhamento psicológico das vítimas deve ser activado, normalizado e
considerado como componente central no tratamento.
 Deve ser integrada uma perspectiva de género nas acções de capacitação dirigidas aos
agentes que fazem o atendimento às vítimas de violência sexual.
 Devem ser programadas acções estratégicas articuladas entre os sectores da saúde e da
polícia, acção social e sociedade civil, de modo a estabelecer-se uma agenda de defesa
dos direitos da criança, particularmente contra a violação sexual.
 A organização de campanhas nas escolas e nas associações juvenis que apoiem a
prevenção, a identificação e a denúncia da violação sexual deve constituir uma
componente central para o combate à violação sexual de menores.
 As redes da sociedade civil para concertação de estratégias comuns na defesa dos
direitos das crianças devem ser dinamizadas.
40
 Nos mídia, devem ser sistematicamente planificadas campanhas que promovam os
direitos das crianças, divulgando os deveres das famílias, comunidades e instituições
na protecção das crianças. Devem, também, ser largamente publicitados os casos de
violação sexual de menores e feito o acompanhamento mediático, até à
responsabilização dos agressores pelos tribunais.

Espera-se ainda que:


 Que seja dinamizada a aplicabilidade das leis de protecção da criança vítima de abuso
sexual;
 Haja uma difusão do conhecimento sobre a necessidade de protecção da criança vítima
de abuso sexual;
 Que haja uma comunicação permanente para a divulgação da legislação que defende a
criança vítima de abuso sexual e de outras formas de violência na sociedade.

 A aplicação deste trabalho perspective a conscientização da população sobre a


necessidade de preservação dos direitos da criança;
 É tão importante falar às crianças nos abusos sexuais de crianças como nas regras de
prevenção na rodovia. Por isso, informação transmitida às crianças deverá ser
fortalecedora e não assustadora informativa e não irrealista, e é precisamente na forma
como transmitimos conhecimentos às crianças sobre os abusos sexuais de crianças que
podemos transmitir-lhes conhecimentos que poderão ser muito úteis para a sua
autodefesa, combatendo assim a probabilidade de estas sofrerem de abusos sexuais.

41
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44
Legislação Nacional

 Constituição da Republica de Moçambique, Maputo: Plural-Editores, 2004;


 Lei n.º 35/2014 de 31 de Dezembro, que aprova o Código Penal;
 Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho, que aprova a Lei da Promoção e Proteção dos
Direitos da Criança;
 Lei n.º 8/2008 de 15 de Julho, que aprova a Lei da Organização Tutelar de
Menores.

45
APÊNDICES

ROTEIRO DE ENTREVISTA DIRIGIDO À COMUNIDADE DE


CHIDZOLOMONDO, DISTRITO DE MACANGA - TETE

QUESTIONÁRIO
Este questionário visa recolher informações relevantes com o objectivo de avaliar o nível de
conhecimento sobre a violação de menores, no âmbito da pesquisa para a monografia de
Licenciatura em Direito, no Instituto Superior de Ciências de Educação a Distância -
Extensão de Tete.
Os dados recolhidos na entrevista destinam-se ao uso exclusivo desta pesquisa. Assim,
agradece-se pela sua participação e colaboração com maior sinceridade. Sua identidade será
mantida confidencial. Por favor, preencha ou assinale com X nos espaços apropriados.
1. Dados Gerais
1.1. Sexo: Feminino Masculino
1.2. Nível de sua Escolaridade: Básico Médio Superior

1.3. Estado Civíl:


Solteiro Casado Divorciado Outro ______________
1.4. Idade:______ anos
2. Conhecimento sobre a violação de menores no Distrito/ na localidade
2.1. Tem algum conhecimento sobre a ocorrência da violação de menor na tua localidade?
Sim Não
2.2. Sabe dizer o que é uma violação sexual de menor? Se Sim, descreve com tuas próprias
palavras.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.3. Em que instituições públicas ou privadas ocorrem maiores casos de violação sexual de
menores ao nível da sua localidade?
Escolas Creches Centro-internatos Comunidades
2.4. Na sua opinião, quais são as causas que propiciam a violação de menores em sua
localidade?
Assédio Falta de protecção pelos adultos Ganância dos violadores
2.5. Frequentemente, quem são os maiores violadores de menores nesta localidade?
Pessoas com algum grau de parentesco
Pessoas sem nenhum grau de parentesco
Outros_____________________________
2.6. Quantos casos de violação sexual de menores ocorrerem nesta localidade no período de
2019 a 2020?
<10 ≤ 20 >20
3. Acção da comunidade no combate à violação sexual de menores.
3.1. Qual tem sido o tratamento às pessoas indiciadas na violação sexual de menores nesta
localidade pela comunidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.2. Que outras medidas são tomadas na comunidade para travar o índice de violação sexual
de menores na sua localidade?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.3. Que papel desempenha a comunidade (pais, encarregados de educação, líderes
comunitários, professores e outros) da sua localidade na educação dos menores para a redução
dos níveis de violação sexual contra menores?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4. Intervenção dos órgãos de justiça na tomada de medidas contra a violação sexual de
menores.
4.1. Qual tem sido a maior acção dos órgãos de justiça para travar o crime de violação sexual
de menores nesta localidade?
Condenar os violadores com penas maiores
Educar os violadores com medidas correcionais
Obrigar os violadores a casar com o(a)s menores
Outros:________________________________________________________________

4.2. Que consequências negativas advêm da violação sexual nos menores?


Depressão ITS`s Gravidez indesejada Outras: _______________
5. Outros aspectos relevantes
5.1.Na verdade a nossa conversa está no fim. Se achar que algo ficou esquecido tenha a
liberdade de perguntar. Mais uma vez agradeço-lhe em me receber para esta conversa.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

Elaborado pelo autor (pesquisador): Egídio R. Basílio


ANEXOS

Figura 1. Primeira visita ao Centro Penitenciário Aberto de Chidzolomondo


Figura 2. Estudantes do Instituto Médio Agrário de Chidzolomondo.

Figura 3. Entrada da Escola Secundaria de Chidzolomondo.

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