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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

Direito

GIZELE MARIA DA SILVA

ABORTO
A maternidade no tribunal de júri

São Paulo
2023
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
Direito

GIZELE MARIA DA SILVA

ABORTO
A maternidade no tribunal de júri

Monografia Jurídica apresentada à disciplina Trabalho de Curso


II, Universidade São Judas Tadeu

Profª. Orientadora: Giseli Quirino Batista

São Paulo
2023
GIZELE MARIA DA SILVA

ABORTO
A maternidade no tribunal de júri

Trabalho final, apresentado à Universidade São Judas Tadeu,


como parte das exigências para a obtenção do título de
Bacharel em Direito.
São Paulo, 15 de dezembro de 2023

BANCA EXAMINADORA

Orientadora: Profª Giseli Quirino Batista Nota

São Paulo
2023
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à Xangô, pai da justiça dos Yorubas, em quem depositei
minha fé em cada passo no caminho.

Aos meus filhos, pelo apoio e amor incondicional, e ciência de que o que será
produzido, não resulta de viés pessoal, mas de análise apurada da realidade
contemporânea.

Á minha mãe, pelo apoio, pelos sorrisos e lágrimas compartilhadas ao longo


dessa caminhada, pelas palavras que afagaram minha alma em momentos difíceis.

Aos meus irmãos, em especial minha irmã, pelo carinho divido entre as
próprias filhas e os sobrinhos, meus filhos, durante minha ausência.

Ao meu companheiro, por não ter acreditado em mim desde o primeiro


dia(risos), isso me motivou, pessoa que me acompanhou em cada passo, mesmo
quando teve que privar-se de minha companhia em razão do sonho de sucesso que
existia em mim.

Aos meus amigos, dedico o meu sucesso acadêmico com muita alegria. Não
preciso mencionar seus nomes, pois eles sabem que são os melhores.

Por último, mas não menos importante, dedico esse trabalho a Ritalina, não
teria conseguido sem ela.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer ao Senhor da justiça, meu pai Xangô, que através da


minha fé, me proporcionou perseverança e força para que eu pusesse vencer esses
desafios na minha caminhada com o direito.

A todos os professores, principalmente à Roseli e ao meu ídolo, professor


Marcos Maschietto que me inspiraram, criaram oportunidades para que eu pudesse
me desenvolver e me acolheram, suportando minha curiosidade e muitas vezes
minha insistência com tanta paciência e dedicação.

Agradeço à minha Orientadora, minha xará, que teve a paciência tremenda de


me ouvir e entender a alma do presente trabalho.

Agradeço minha mãe, minha rainha que mesmo residindo longe, chorava em
todas as ligações, comemorando cada vitória que eu lhe relatava, à minha irmã, que
sempre dizia “tudo vai dar certo”, mesmo quando tudo parecia perdido. Aos meus
filhos, porque compreenderam minha distância cognitiva sem deixar de me apoiar.
Ao meu marido, que fazia umas comidas horríveis para me poupar o trabalho de
cozinhar e sempre expressou seu orgulho pela minha caminhada pela justiça.

Agradeço aos poucos amigos que restaram, pois muitos desapareceram


quando o tempo para as festas começou a ficar escasso e agradeço àqueles que se
foram, pois me ensinou a valorizar quais restaram
EPÍGRAFE

"O aborto seguro, legal e gratuito (agora) é lei. Com ele me


comprometi durante a campanha eleitoral. Hoje, somos uma
sociedade melhor que amplia direitos às mulheres e que garante
a saúde pública"

Alberto Fernández, presidente da Argentina, ao comentar a


aprovação da lei pelo Senado
RESUMO

A pesquisa tem como pressuposto analisar os malefícios da criminalização do aborto


no Brasil e os impactos sobre a população mais carente. Fazendo uso, em breve
histórico, do pensamento de grandes juristas e do órgão de suporte jurídico à
população desprivilegiada: A defensoria Pública, a fim de promover uma reflexão
sobre a ficção do procedimento no Tribunal de Júri, assim como as consequências da
criminalização nas comunidades mais pobres. Foram indagadas a extensão do direito
à liberdade presente na Constituição Federal, como base para a elaboração jurídica
do presente trabalho. Para isso, a metodologia usada envolve dados e matérias por
meio de pesquisas bibliográficas. Sendo abordada na forma qual-quantitativa e
explorativa do referido mecanismo objeto de estudo. Inicialmente, este trabalho
procura justificar as modalidades de aborto, assim como abrir margem a discussão
sobre a expansão da legalização do procedimento em outras situações como forma
de igualidade de gênero. Foi analisado também que o fato de ter a pauta, grande peso
canônico, impedindo a evolução do pensamento secular como forma de adequação a
realidade da sociedade contemporânea. Ao final, foi apresentado o pensamento do
admirável jurista Ministro José Roberto Barroso, grande civilista integrante da
Suprema Corte, em profunda análise do ônus suportado pela sociedade, no âmbito
da criminalidade, em razão da criminalização do aborto Relatado ainda, a questão do
aborto como fator de saúde pública e a responsabilidade de proteger essas mulheres
que lutaram por tanto tempo e continuam lutando por seus direitos todos os dias seja
respeitado. O intuito é demonstrar a necessidade da descriminalização do aborto no
Brasil, informando que a vida do feto não pode se sobressair aos direitos da mulher.
Palavras-chave: Descriminalização. Aborto. Crime. Lei. Direito de escolha. Gestante.
ABSTRACT
The research is based on analyzing the harm caused by the criminalization of abortion
in Brazil and the impacts on the neediest population. Making use of a brief history, the
thoughts of great jurists and the legal support body for the underprivileged population:
The Public Defender's Office, in order to promote a reflection on the fiction of the
procedure in the Jury Court, as well as the consequences of criminalization in the
poorest communities. The extent of the right to freedom present in the Federal
Constitution was questioned, as a basis for the legal elaboration of this work. For this,
the methodology used involves data and materials through bibliographic research.
Being approached in a qualitative-quantitative and exploratory way of the
aforementioned mechanism under study. Initially, this work seeks to justify the
modalities of abortion as well as open up the discussion about the expansion of the
legalization of the procedure in other situations as a form of gender equality. It was
also analyzed that the fact that the agenda had great canonical weight, preventing the
evolution of secular thought as a way of adapting to the reality of contemporary society.
of the Supreme Court in an in-depth analysis of the burden borne by society, in the
context of crime, due to the criminalization of abortion. Also reported, the issue of
abortion as a public health factor and the responsibility to protect these women who
have fought for so long and continue to fight for your rights to be respected every day.
The aim is to demonstrate the need for the decriminalization of abortion in Brazil,
informing that the life of the fetus cannot take precedence over women's rights.
Keywords: Decriminalization. Abortion. Crime. Law. Right to choose. Pregnant
SUMARIO

1- INTRODUÇÃO............................................................................................ 10

1.1- ABORTO..................................................................................................... 11

1.2- ABORTO NA HISTÓRIA............................................................................ 11


1.2.1- Aborto necessário ou terapêutico................................................................ 14

1.2.2- Aborto sentimental ou humanitário.............................................................. 14

2- CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...................................................... 15

2.1- Dignidade da pessoa humana........................................................................ 15

2.2- Da contradição dos direitos fundamentais...................................................... 16

3- O ABORTO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF........................................... 17

3.1- Habeas Corpus 124.306................................................................................. 17

3.2- ADPF 442....................................................................................................... 18

4- FICÇÃO JURIDICA.................................................................................... 18

4.1- O perfil das mulheres processadas................................................................ 19

4.2- A necessidade da descriminalização do aborto............................................. 21

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 24

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 26

ANEXO.................................................................................................................. 27
10

1- INTRODUÇÃO

O tema que será abordado é de grande relevância para o momento social atual,
pois chegamos em uma bifurcação onde se opõe o mundo jurídico e a concepção,
sobretudo religiosa, de parte da população.

Não se pretende fazer alusão a nenhuma crença ou mesmo se utilizar de


qualquer viés pessoal a fim de induzir as opiniões divergentes, mas apenas levar a
reflexão da realidade presente em nosso país, amado Brasil, assim como demonstrar
a clara supressão de direitos femininos constitucionais face às lutas seculares por
liberdade.

Da mesma forma, realizar uma análise comparativa do Brasil com países que
optaram pela descriminalização, países esses que possuem política democrática e se
mostraram mais receptivos à proposta, se desvencilhando do cordel religioso e
desenvolveram uma percepção mais apurada do procedimento como sendo forma de
proteção à saúde e a igualdade de gênero.

Outrossim, a partir de dados coletados pela Defensoria Pública do Rio de


Janeiro, demonstrar qual a faixa feminina da população é mais atingida pelas
consequências da criminalização.

A proposta do presente trabalho é analisar o pensamento comum populacional


e os benefícios da descriminalização, como o desafogamento do sistema judiciário e
em parte da defensoria pública que geralmente se envolve no crime de aborto,
assumindo papel primordial na defesa dos réus, tendo em vista que são em sua
maioria, pessoas pobres e sem condições de pagar um advogado particular.

Não se olvida da premissa de que o tema abordado é extremamente polêmico,


e não se ousa, mesmo no Congresso, a abordar o supracitado, assumindo postura
em favor do procedimento em razão de sua complexidade cognitiva no seio da
sociedade.
11

1.1- ABORTO

O tema acima foi eleito em decorrência de sua natureza polêmica e em face


da defesa de pontos relevantes no que concerne ao sistema social. Tendo em vista
a divergência de opiniões permeadas por concepções religiosas e seu peso ante o
sistema jurídico pátrio, que inerte se queda diante da necessidade de soluções
efetivas à problemática abordada, é que se deu a cognição à produção de um
compilado de informações e possíveis soluções para a referida questão.

Para entender todas as controvérsias que permeiam o tema, é de suma


importância que se tenha um conceito abrangente de aborto, e a Professora Lorena
Ribeiro de Morais o define bem:
Aborto (de ab-ortus) transmite a ideia de privação do nascimento,
interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção.
Há uma corrente que defende que o termo correto seria “abortamento” que
é a ação cujo resultado é o aborto. Como o termo mais difundido é o
segundo, o usaremos no presente estudo.
Do ponto de vista médico, aborto é a interrupção da gravidez até 20ª ou 22ª
semana, ou quando o feto pese até 500 gramas ou, ainda, segundo alguns,
quando o feto mede até 16,5 cm.
Para a Igreja Católica “O aborto provocado é a morte deliberada e direta,
independente da forma como venha a ser realizado, de um ser humano na
fase inicial de sua existência, que vai da concepção ao nascimento”
(IGREJA CATÓLICA, 1995, n. 58)/(RIBEIRO, Senatus, Brasília, v. 6, n. 1, p.
50-58, maio 2008)

1.2- ABORTO NA HISTÓRIA

Desde tempos remotos se pratica aborto na terra, sem nos ater muito a fatos
não relevantes para a presente pesquisa, mas apenas para fins de conhecimento,
tem-se que o aborto foi praticado pela humanidade desde eras remotas, com
aspectos morais, éticos, legais e religiosos sendo debatido no correr da história até
a contemporaneidade.

Outrossim, já houve povos, cuja prática do aborto, era realizada pelas


parteiras, pelo desejo da gestante, sem ao menos cogitar-se punição de forma
normativa, mais adiante, entre outras culturas, aborto já foi punido com pena de
morte.

A concepção de proteção da vida através da inibição da prática de aborto, só


12

existe com viés de proteção ao feto, recentemente a partir da década de 40, com as
leis de criminalização da conduta, pois antes a ideia de proteção ao feto era mais
entrelaçada a ideia de conservação do direito de prole do homem, sendo um crime
privar o homem do direito de sua descendência.

Como exposto, a premissa de negação da prática de aborto está muito mais


ligada à imagem de preservação do patriarcado sustentado por ideias disseminadas
pelas religiões, que à proteção a vida propriamente dita.

Em 1830, o aborto foi tratado pela primeira vez no Código penal, porém de
forma diferente daquela que conhecemos hoje, pois não previa como crime a conduta
da gestante que praticasse aborto em si, mas apenas aquela praticada por terceiro,
com ou sem consentimento da mulher e era previsto nos artigos 199 e 200:
“Art. 199 – Ocasionar aborto por qualquer meio empregado anterior ou
exteriormente com o consentimento da mulher pejada. Pena: Prisão com
trabalho de 1 a 5 anos. Se o crime for cometido sem o consentimento da
mulher pejada. Penas dobradas”.
“Art. 200 – Fornecer, com o consentimento de causa, drogas ou quaisquer
meios para produzir o aborto, ainda que este não se verifique. Pena: Prisão
com trabalho de 2 a 6 anos. Se esse crime foi cometido por médico, boticário
ou cirurgião ou ainda praticante de tais artes. Penas dobradas” (BELTRÃO,
http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47418/evolucao-
historica-do-30 ago 2016, 04:30)

A gestante, foi mencionada pela primeira vez como titular da norma penal
que trata sobre aborto na Constituição de 1890, prevendo:
“Art. 300 - Provocar aborto haja ou não a expulsão do produto da concepção.
No primeiro caso: pena de prisão celular por 2 a 6 anos. No segundo caso:
pena de prisão celular por 6 meses a 1 ano. §1º Se em consequência do
Aborto, ou dos meios empregados para provocá-lo, seguir a morte da
mulher. Pena de prisão de 6 a 24 anos. §2º Se o aborto foi provocado por
médico, parteira legalmente habilitada para o exercício da medicina. Pena:
a mesma procedente estabelecida e a proibição do exercício da profissão
por tempo igual ao da reclusão”.
“Art. 301 Provocar Aborto com anuência e acordo da gestante. Pena: prisão
celular de 1 a 5 anos. Parágrafo único: Em igual pena incorrera a gestante
que conseguir abortar voluntariamente, empregado para esses fins os
meios; com redução da terça parte se o crime foi cometido para ocultar
desonra própria”.
“Art. 302 Se o médico ou parteira, praticando o aborto legal, para salvar da
morte inevitável, ocasionam-lhe a morte por imperícia ou negligencia.
Penas: prisão celular de 2 meses a 2 anos e privado de exercício da
profissão por igual tempo de condenação”.”(BELTRÃO,
http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47418/evolucaohistoric
a-do-30 ago 2016, 04:30)

Por fim, o Código Penal de 1940 da seguinte maneira:


13

A prática abortiva em sua parte especial, Título I, que trata dos “Crimes Contra
a Pessoa”, e no capítulo I do mesmo título, que trata dos “Crimes Contra a Vida”,
conforme artigo 124 (a gestante assume a responsabilidade pelo abortamento),
artigo 125 (o aborto é realizado por terceiro sem o consentimento da gestante) e
artigo 126 (o aborto é realizado por terceiro com o consentimento da gestante), sendo
que o artigo 127 se referiu a forma qualificada da prática delitiva.

Por fim, o artigo 128, em seus dois incisos, trouxe, exclusivamente, as causas
exclusivas da ilicitude, ou mais conhecido como sendo o “aborto legal”.
“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho
provoque: Pena – detenção, de um a três anos”.
“Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena –
reclusão, de três a dez anos”.
“Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena –
reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo
anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil
mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou
violência”.
“Art. 127 – As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas
de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para
provoca-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte”.
“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro
meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de
seu representante lega”.

A margem de todo aludido, há que se considerar que o código penal de 1940


atendia às necessidades e alusões da época em que foi escrito, principalmente da
década de 30, não abrangendo mais a totalidade dos anseios da sociedade atual
onde os valores se encontram alterados, assim como avanços científicos e
tecnológicos, tendo por certo que a lei apregoada no período da apresentação do
supra citado não corresponde mais aos anseios da sociedade atual, como nas sábias
palavras de Cesar Roberto Bitencourt:
“O código Penal de 1940 foi publicado segundo a cultura, costume e hábitos
na década de 30. Passaram mais de 60 anos, e, nesse lapso, não foram
apenas os valores da sociedade que se modificaram, mais principalmente
os avanços científicos e tecnológicos, que produziram verdadeira revolução
na ciência médica. No atual estágio, a medicina tem condições de definir
com absoluta certeza e precisão, eventual anomalia, do feto e,
consequentemente, a viabilidade da vida extra-uterina. Nessas condições,
é perfeitamente defensável a orientação do anteprojeto de reforma da parte
especial do Código Penal, que autoriza o aborto quando o nascituro
apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais, ampliando a
abrangência do aborto eugênico ou piedoso”.
14

Grandes debates em torno da descriminalização do aborto em determinadas


situações alcançaram avanços no campo jurídico, como será demonstrado ao longo
da presente pesquisa.

1.2.1- Aborto necessário ou terapêutico

Está previsto no artigo 128, I do Código Penal e é a situação onde não há


outro meio para salvar a vida da gestante:

“Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há


outro meio de salvar a vida da gestante.”

O único prepósito do procedimento ser permitido é o estado de necessidade,


onde não há outra forma de salvar a vida da gestante, portanto havendo outro meio
de salvar a vida da parturiente, o procedimento será criminalizado.

O aborto necessário, também conhecido por aborto terapêutico, é aquele


realizado por médico quando não há outro meio para salvar a vida da gestante.
Previsto no artigo 128, inciso I do Código Penal, que assim estabelece: “Não se pune
o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar
a vida da gestante.”

O aborto necessário indica um estado real de necessidade e, portanto, só são


realizados se não houver outra forma de salvar a vida da gestante. Nesse modelo,
os médicos realizam abortos com o único propósito de salvar a vida da mãe. Há
outra condição que permite a realização do aborto necessário, que surgiu como
ramificação do tipo terapêutico, que é quando o feto é portador de anencefalia,
doença que acomete o cérebro do feto, inviabilizando o desenvolvimento cerebral e
a vida extrauterina.

No caso supra, a gestante pode optar por realizar o procedimento pelo


SUS(Sistema Único de Saúde) e não é necessário autorização judicial, tendo em
vista que não há responsabilização legal do profissional de saúde.

1.2.2- Aborto sentimental ou humanitário

O aborto sentimental é aquele realizado por motivos psicológicos, decorrente


15

de estupro. Não há tempo para poder optar por realizar o procedimento, tendo em
vista que só é necessário provas da violência e o profissional responsável está isento
de responsabilidade legal, hipoteticamente não é necessário ordem judicial, mas
apenas a autorização da gestante ou seu representante legal em caso de ser menor
incapaz.

2- CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal promulgada em 1988, em meio a um período onde o


povo ansiava por liberdade, em decorrência do final da ditadura militar, tratou de
pacificar princípios que acolhessem os anseios da população.

Havia por hora de sua instituição, uma ânsia grande por justiça social e pelo
fim das atrocidades vivenciadas pelo povo brasileiro, sendo a nossa carta magna
uma garantidora de que os fatos vivenciados no tempo mencionado não fossem mais
ocorrer.

Assim, seu artigo 01º apregoa os princípios básicos para que o ser humano
possa viver em paz e conservar sua condição de ser vivente, gozando de suas
prerrogativas de humanidade que são:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
A soberania;
A cidadania;
A dignidade da pessoa humana;
Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
O pluralismo político;

Estes cinco princípios presentes no artigo 1º da Constituição Federal são os


princípios fundamentais no sistema judicial brasileiro, são então a base para qualquer
argumento jurídico. Os direitos fundamentais são direitos protetivos, que garantem o
mínimo necessário para que um indivíduo exista de forma digna dentro da sociedade
administrada pelo Poder Estatal da República Federativa do Brasil.

2.1- Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana, consagrada no artigo 1º, III, da Constituição


16

Federal, garante os direitos mínimos da pessoa que devem ser respeitados pelos
poderes sociais e públicos, a fim de preservar o valor da pessoa. Nesse sentido, no
que diz respeito à dignidade da pessoa humana, Flávia Piovesan afirma:
[...] está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo lhe
unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e
revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone
constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos,
conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.
(PIOVESAN, 2004, p. 54)

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana surgiu para proteger o


indivíduo na sociedade, para manter e garantir uma vida digna e o respeito mútuo
aos direitos importantes e fundamentais.

2.2- Da contradição dos direitos fundamentais

Tendo em vista as garantias estabelecidas sob o viés do princípio da


Dignidade da pessoa humana, não se pode olvidar que algumas prerrogativas
garantidas pela Carta Magna, se chocam em face do assunto debatido.

Ainda que todos tenham o direito a vida, inclusive direito que se tem como
irrenunciável, dentro da temática tratada, o citado princípio se choca com o direito
de escolha da mulher, do uso que quiser atribuir a seu corpo, a liberdade da
maternidade.

Mesmo que alguns direitos possam sobressair, ou seja, se impor aos outros
devido a sua relevância, não se tem claro um posicionamento a respeito do tema,
nem mesmo o Supremo Tribunal Federal que, apesar dos diversos casos em
andamento, teve a ousadia de se pronunciar rasamente à respeito da preponderância
dos princípios acima, de forma que sempre em face de novo caso, o sistema judiciário
posterga as decisões relacionadas ao tema, pela polêmica que permeia as decisões.
Não havendo portanto, decisão definitiva, apta a por fim a controvésia, em razão de
sua complexidade, e dos conceitos morais e religiosos que aculam judiciário.

Depreende-se que não se trata mais de um caso de direito puro, onde a razão
possa embasar as leis e decisões que são prolatadas, mas do receio de ferir
conceitos de parte da população, que ainda tem enraizada em sua base os padrões
religiosos, postura que de fato afronta o princípio da secularidade o direito penal.
17

3- O ABORTO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

Já existem índicos de grande mudança tanto na visão do judiciário quanto do


legislativo em torno do tema da descriminalização, o que mostra uma preocupação
crescente com a Estado em que a sociedade se encontra, e também com o alerta
com relação a prejudicabilidade imposta à população mais pobre.

A cada dia, mais e mais casos chegam ao STF, envolvendo o tema abordado,
e um número crescente de apoiadores começam a enxergar a necessidade de
mudanças drásticas na “justiça” atual, tendo em vista o contexto que se mostra nocivo
em âmbito nacional.

A seguir, alguns julgamentos mais recentes para análise:

3.1- Habeas Corpus 124.306

Em 2016, o ministro Luís Roberto Barroso de forma muito acertada,


acompanhado pelos ministros Rosa Weber e Fachin, em análise ao Habeas Corpus
124.306, decidiram que não haveria crime até o terceiro mês no caso analisado. O
caso tratava de situação de pacientes (que mantinham clínica de aborto) foram
presos em flagrante, em 14.03.2013, devido à suposta prática dos crimes descritos
nos arts. 126 1 (aborto) e 288 2 (formação de quadrilha) do Código Penal, em
concurso material por quatro vezes, por provocarem aborto na gestante/denunciada
(...) com o consentimento desta.

Abaixo segue na íntegra as palavras do Ministro Barroso, usadas para


fundamentar seu voto;
“Torna-se importante aqui uma breve anotação sobre o status jurídico do
embrião durante fase inicial da gestação. Há duas posições antagônicas em
relação ao ponto. De um lado, os que sustentam que existe vida desde a
concepção, desde que o espermatozoide fecundou o óvulo, dando origem à
multiplicação das células. De outro lado, estão os que sustentam que antes
da formação do sistema nervoso central e da presença de rudimentos de
consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação –
não é possível ainda falar-se em vida em sentido pleno.”

Ante a brilhante percepção do Exímio Jurista, a crminalização do aborto causa


a discriminação social:
“Por fim, a tipificação penal produz também discriminação social, já que
prejudica, de forma desproporcional, as mulheres pobres, que não têm
acesso a médicos e clínicas particulares, nem podem se valer do sistema
18

público de saúde para realizar o procedimento abortivo. Por meio da


criminalização, o Estado retira da mulher a possibilidade de submissão a um
procedimento médico seguro. Não raro, mulheres pobres precisam recorrer
a clínicas clandestinas sem qualquer infraestrutura médica ou a
procedimentos precários e primitivos, que lhes oferecem elevados riscos de
lesões, mutilações e óbito.”

3.2- ADPF 442

Trata-se de proposta feixta pelo PSOL cem 2017, pretendendo a


descrminalização do aborto voluntário até o terceiro mês de gravidez.

Abaixo destaca-se os posicionamentos judicias de mais relevância para fins


de conhecimento:
A criminalização viola, em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que
corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pela
dignidade humana [...] a autonomia expressa a autodeterminação das
pessoas, isto é, o direito de fazerem suas escolhas existenciais básicas e
de tomarem as próprias decisões morais a propósito do rumo de sua vida
[...] Quando se trate de uma mulher, um aspecto central de sua autonomia
é o poder de controlar o próprio corpo e de tomar as decisões a ele
relacionadas, inclusive a de cessar ou não uma gravidez. Como pode o
Estado – isto é, um delegado de polícia, um promotor de justiça ou um juiz
de direito – impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a
leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não
de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e
viver a própria vida?” (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 54. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 12 de abril de
2012. Diário da Justiça Eletrônico, n. 80, 30 abr. 2013)
[...] a reprovação moral do aborto por grupos religiosos ou por quem quer
que seja é perfeitamente legítima. Todos têm o direito de se expressar e de
defender dogmas, valores e convicções [...] no entanto, o papel adequado
do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir que as
mulheres façam sua escolha de forma autônoma” (Habeas Corpus nº
124.306. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 29 de novembro de 2016)
[...] “cabe a cada pessoa, e não ao Estado ou a qualquer outra instituição
pública ou privada, o poder de decidir os rumos de sua própria vida [...] esta
é uma ideia essencial ao princípio da dignidade humana” (Habeas Corpus
nº 84.025/RJ, Relator: Min. Joaquim Barbosa. Brasília, DF, 04 de março de
2004. Diário da Justiça, Brasília, DF, 18 mar. 2004).

A saber, estamos as portas de um grande salto para a plena democracia no


tange aos direitos as liberdades femininas, porém ninguém quer ser o pioneiro a
extinguir de vez os dogmas morais que não acrescem mais nada a evolução do
pensamento social.

4- FICÇÃO JURIDICA

Tem-se que o aborto é considerado crime contra a vida e como tal é submetido
19

ao tribunal do júri.

Não faz parte do cotidiano do Juri Popular, terem mulheres levadas a


julgamento pela prática de aborto, pois o que temos realmente em vigor no Brasil é
uma possibilidade legislativa raramente lavada a cabo, portanto o artigo 124 do
Código Penal execre uma força simbólica muito distante da realidade social, tendo
em vista que o crime de aborto acomete tanto quanto possível e em intensidade bem
maior, a comunidade negra e pobre brasileira.

Importante salientar que tanto a conduta decrita no art. 126(aborto com


consentimento da gestante), quanto a prevista no artigo 124, dão ensejo à concessão
da suspensão condicional do processo, tendo em vista a pena reduzida do crime
predito e a condição observada de bons antecedentes, requisito geralmente
preenchido pelas mulheres que realizam a prática do aborto.

Destarte, ao destacado, formula-se a pergunta: O valor do feto está no valor


que a gestante dá a ele ou na concepção que o Estado quer impor?

O Estado deve intervir numa escolha materialmente particular a fim de


conservar uma moral pública distorcida?

As condições de uma mulher ao caminhar para dentro da máquina punitiva do


Estado em decorrência da prática de aborto já está em pedaços, e estar no centro
do movimento do aparato punitivo movido pelo estado, caminha em sentido contrário
ao caminho que lhe deveria ser ofertado, que é capacidade de atendimento no
sistema de saúde pública.

Sendo assim, não dúvidas que o sistema judiciário, no que tange ao tema
abordado, se presta a legitimar o preconceito das massas mais conservadoras,
receoso de fabricar leis que possam avançar e suprir as necessidades atuais, em
face a confusão de valores religiosos e morais, maculando a aplicação de leis
efetivas, afim de revolver o cerne da presente condição contemporânea.

4.1- O perfil das mulheres processadas

Na Comarca do Rio de Janeiro, foi feita uma pesquisa pela Coordenadoria de


20

Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública em solicitação à Diretoria de


Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, por meio de fornecimento de dados pelo
Tribunal de Justiça, que traça o perfil das mulheres criminalizadas pela prática de
aborto.

Tendo como norte, todo o trabalho realizado na cidade do Rio de Janeiro,


pode-se ter uma ideia da realidade que acomete todo Estado Brasileiro, haja vista
que as condições sociais do brasileiro se repetem em escalas em cada estado-
membro do país.

Dita a pesquisa:
Observa-se que a situação dessas mulheres é de extrema vulnerabilidade,
pois, como regra, elas recorrem ao atendimento médico porque se sentiram
muito mal em casa, vindo a abortar, muitas vezes, no local onde foram
atendidas. Constatou-se que é comum que a mulher demore a se decidir
pelo aborto por medo de ser descoberta, realizando o procedimento com a
gravidez já em estágio avançado, sofrendo de forma mais drástica os efeitos
do procedimento de interrupção da gestação. Notou-se também que muitas
abortam no banheiro do hospital e são hostilizadas pelos médicos e
enfermeiros que deveriam auxiliá-las a entender o que ocorreu com
elas.(DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2018,
p.27).

A denúncia geralmente parte do hospital, onde são atendidas as mulheres,


com relatos até mesmo de policiais que se fingiram passar por assistente social a fim
de colher uma confissão.

Geralmente essas mulheres, estão em idade reprodutiva e já possuem filhos,


algumas são coagidas pelo parceiro, até mesmo sofrendo abandono e optam pelo
aborto, temendo por mais um filho para criar sozinha.

Essas mulheres, ao serem atendidas nos hospitais, já não bastasse a


avalanche depreciativa lançada pela sociedade, o psicológico já destruído pelas
situações ocorridas que a levaram até aquele ponto, sofrem violência física e
psicológica dos profissionais pelos quais são atendidas.

No âmbito abordado, observa-se que a incidência de mulheres negras na


situação supra é bem maior que a de mulheres brancas, fato que escancara a
discriminação racial, a segregação que ocorreu e ainda ocorre:
21

A herança brutal do processo de colonização nas Américas criou a um só


tempo modelos de hierarquia racial e gênero que têm sido perpetuadas na
mediação das violências na direção dos diferentes corpos, em especial no
que tange às investidas do sistema de justiça criminal. .(DEFENSORIA
PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2018, p.61).

Pessoas abastadas não vão parar no sistema público de saúde em busca de


ajuda pela realização de aborto mal sucedido. Essas pessoas procuram por clínicas
clandestinas, nas quais possuem todo apoio necessário para se recuperarem do
procedimento invasivo estudado.

Ainda deve ser observado, que existe uma rede por detrás de todo aparato de
realização clínica do aborto ilegal, sendo lucrativo para uma “nata” que lucra com a
ilegalidade e com a desgraça do povo menos privilegiado.

Depreende-se do ponto estudado, no assunto debatido, que existe toda uma


rede de lucratividade por trás do sistema ilegal de aborto e sendo assim, o poder
legislativo posterga a promulgação de leis que possam elucidar a questão.

O fato, indubitavelmente, é que a camada mais pobre, em sua maioria, negra,


sofre em decorrência da negligência do estado, como a postura de negligenciar o
quadro social apresentado, em detrimento de conceitos conservadores religiosos e
morais que não abarcam mais os anseios e não suprem mais as necessidades
sociais correntes.

4.2- A necessidade da descriminalização do aborto

O direito em tela, quando se trata da descriminalização do aborto, não pode


ser considerado apenas o direito a vida. É preciso fazer uma análise profunda,
associada ao princípio da secularidade, entender a sociedade na totalidade, ou seja,
sair da bolha.

Na contemporaneidade, não é ideal que se perceba o direito como premissa


nascida de conceitos particulares, mas como aplicável a fim de solucionar problemas
que assolam principalmente as comunidades mais pobres. Nesse ínterim, não temos
apenas um problema relacionado a vida, mas a liberdade reprodutiva da mulher, à
sua autonomia.

Há iminente necessidade de enxergar o tema vertido, desassociado do direito


22

canônico, entender o cerne da questão, não maculando o direito por concepções


religiosas e morais, pois o direito o dever de socorrer aos acontecimentos nocivos à
sociedade como forma de fomentar o apoio e a preservação da dignidade da pessoa
humana, princípio base do nosso ordenamento jurídico.

Acima, como já bem colacionado, percebe-se dos debates já discorridos, que


é inútil a aplicação de ficção para o que se chama de crime contra a vida, tendo em
vista que o procedimento adotado, segue o mesmo caminho percorrido por outros
crimes contra a vida até ser interrompido por atos defensivos que impedem que a
situação deságue nas penitenciárias, por final tornando o procedimento oneroso, que
abarca apenas as comunidades mais pobres que intenta os meios mais arcaicos de
realizar o aborto.

Colhe-se, até a presente altura do apresentado, que aquelas mulheres que


escapam da morte ao tentar realizar um aborto, são mulheres, em sua grande
maioria, negras e de pouca instrução, devido à falta de meios financeiros para tal.

Sendo assim, se chega em um momento na história, onde a descriminalização


do aborto, tornou-se, questão de saúde pública sob pena de punir apenas pessoas
pobres em razão do não conhecimento pelo sistema, dos abortos realizados por
pessoas mais abastadas, configurando verdadeiro massacre à população menos
abastecida!

Na concepção do Excelentíssimo Ministro Luis Roberto Barroso, em seu livro,


Sem data Vênia: um olhar sobre o Brasil e o mundo, destaca-se que desde os anos
60, grupos feministas vem se organizando para reivindicar liberdade sexual e outros
direitos pertinentes a condição de mulher, inclusive casos que abordam o tema em
tela chegam sem parar na Suprema Corte, pressionando o judiciário a se posicionar.

Ao longo dos anos, os países democráticos do mundo, todos eles, se


posicionaram no sentido da descriminalização da interrupção da gestação durante o
primeiro semestre ou nas primeiras 12 semanas de gravidez(Alemanha, Austrália,
Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Noruega, Reino Unido e Suíça,
juntamente com todos os países da Europa, assim como na China).

Na visão do Excelentíssimo Ministro, o aborto deve ser evitado em razão de


23

complexidade em todos os sentidos na vida de uma mulher e é papel do Estado agir


no sentido de políticas preventivas e planejamento familiar para evitar que possam
haver a incidência de mulheres nas condições já mencionadas diante do sistema.

Ainda deixa claro que a criminalização não diminui o número de abortos,


sendo tal premissa fator de aumento para realização do procedimento de forma
insegura e como já debatido anteriormente, não se trata mais de questão de direito
pena, mas de saúde pública, pois afeta, sobretudo, mulheres pobres.

Complementa sua narrativa com uma frase da qual compartilho em razão do


brilhante pensamento:
Eu já vi (ninguém me contou) gente que faz o discurso pela criminalização,
mas não exitou em incentivar a filha a interromper a gestação indesejada.
MINISTRO BARROSO (José Roberto Barroso- SEM DATA VÊNIA-
2020.PAG 159)

Ainda, no mesmo compêndio acima mencionado, há que destacar que a


criminalização desrespeita vários direitos fundamentais, tais como: a liberdade
individual, a igualdade de gênero, tendo a mulher que suportar, muitas vezes sozinha
o ônus da criação do filho indesejado, pois, geralmente, o aborto é intentado quando
o abandono paterno foi efetivado de pronto, ou seja, o aborto masculino já aconteceu.

E há mais:

A realidade de tratada no tema, traz o viés como será criada a criança


indesejada, no que se transformará o feto que se protege, pois, como bem
colacionado supra, em termos quase gerais, a maioria das mulheres que tentam
realizar o procedimento são pobres e residem nas comunidades mais desprovidas
do apoio do Estado em todos os âmbitos e algumas já possuem outros filhos que
criam com muitas dificuldades.

São crianças que não terão condições favoráveis para se estabelecer na


sociedade e com grande probabilidade de se envolverem com práticas criminosas.

Perceba que aqui temos um impasse bem grande: É a política criminalizadora,


não se precavendo a longo tempo. Eis que as mesmas pessoas que gritam, crime ao
aborto, são as mesmas que gritam PENA DE MORTE aos criminosos e delinquentes
gerados à margem do apoio do sistema.
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Uma realidade bem retratada na música do exímio cantor GABRIEL: O


PENSADOR, que segue na íntegra, em anexo.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do presente trabalho, conclui-se que as mulheres que não possuem


poder aquisitivo são as mais prejudicadas pela política de criminalização e ainda tem
que lidar com discriminação da sociedade. Quando não possuem condições de criar
o filho, precisam assumir sozinha o ônus da maternidade ou escolher entre a prisão
e a morte, tendo em vista que não há até o momento uma lei capaz de ampará-la no
sentido de poder realizar o procedimento de forma legal. Podemos ainda, acrescentar
que, o Tribunal de Júri, suposto destino daqueles que cometem o crime de aborto, é
uma ficção jurídica que não é levado a efetividade, pois a maioria dos acusados firma
acordo de transação penal, ônus desnecessário em face do procedimento mais
complexo do Júri que onera a sociedade. No mais, há que se admitir que, os
conceitos religiosos maculam a essência do direito em sua base filosófica e científica,
não permitindo o deslocamento do debate do tema para uma esfera jurídica exclusiva
de saúde pública.

Apesar das várias tentativas de descriminalização através dos dispositivos


acima citados, não há previsibilidade de que seja aprovada uma lei para o aborto
voluntário, mesmo tendo como parâmetro os outros países de regime democrático e
na maioria desenvolvidos, que já tomaram as providências necessárias para a
proteção feminina. Não há ânimo concreto, talvez por receio das camadas mais
conservadoras da sociedade, por parte do poder público, de levar a efetividade da
constituição de uma lei que preveja o direito das mulheres de realizarem o aborto
voluntário, sendo no Brasi, o direito desnorteado por crenças que não condizem mais
com o quadro de evolução social atual.

Ainda há que considerar que o princípio da secularidade, que visa afastar do


alcance do direito penal, conceitos morais e religiosos, não é efetivado em sua
totalidade, por receio dos legisladores e dos integrantes do judiciário, ao proferir
sentenças correlacionadas ao assunto em seara de ADPF e outras ações que
buscam o alinhamento da jurisprudência.
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Após a obrigação de gerar o filho indesejado, da educação precária em face


do aborto(abandono) paterno, a mulher terá que lidar com a proteção do filho diante
da sociedade, tendo ainda, que suportar a possibilidade da tentativa de aborto
intentada pela sociedade, ao exigir pena de morte àqueles que são recrutados pelo
mundo do crime em decorrência da falta de oportunidades que acometem as
populações mais carentes.

Depreende-se das normas expostas em nosso ordenamento jurídico que os


dispositivos tem sua eficácia aplicada no sentido de aumentar as diferenças entre
ricos e pobres, pois é plenamente possível a aprovação de Leis que viabilizem o
aborto voluntário até a 12ª semana de gestação, tendo em vista que, até esse
período, o embrião não goza de faculdades nervosas, argumento corroborado
também pelo Conselho Federal de Medicina.

Sendo assim, não há que se falar em assassinato ou qualquer outra atrocidade


praticada contra a vida, e em consequência, teria-se o vislumbre da verdadeira
equidade social, sem a imensa distância de direitos efetivamente aplicados, tanto
para a os mais abastados quanto para os mais pobres.

A inovação das leis é necessária diante das atrocidades praticadas contra as


mulheres negras e de baixa renda, que são as mais prejudicadas pela legislação
vigente, beirando à injustiça. Outrossim, é de suma importância a desvinculação do
assunto tratado do viés religioso e moral, em respeito aos valores Constitucionais
atribuídos à uma sociedade livre e à um país laico.

A descriminalização do aborto é necessária como forma de política de saúde


pública, imbuída da necessidade de proteção aos direitos da mulher e dos
criminalizados esquecidos da sociedade.

O aborto é um problema grave que precisa urgentemente ser regulamentado


por lei, para que deixe de ser crime e passe a ser visto apenas como uma questão
de saúde pública e igualdade de raças.
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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Ações Pragmáticas Estratégicas. Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de
violência sexual: perguntas e respostas para profissionais de saúde / Ministério
da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Pragmáticas
Estratégicas. – 2. ed. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2011. 48 p. – (Série
F. Comunicação e Educação) (Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos;
Caderno n. 7).

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANIRO. Entre a morte e a


prisão. Quem são as mulheres criminalizadas pela prática de aborto no Rio de
Janeiro. Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro - DPGE Rio de Janeiro
2018.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 24ª Edição-2020.

BARROSO, Luís Roberto, Ministro do STF. Sem Data Vênia, um olhar sobre o Brasil
e o mundo-01ª Edição- 2020.

FARIAS DOS SANTOS, Bharbhara; NASCIMENTO FRANÇA, Lara; DETTMANN


WANDEKOKEN, Kallen; SILVA MACHADO, Priscilla; MATOS FERREIRA DE
ANDRADE, Lorrane; Violência Obstétrica frente ao abortamento em um Hospital
de Referência em Vitória/ES. Rev. Bras. Pesq. Saúde, Vitória, 24(2): 7-14, 2022

STJ, Jurisprudência. HC 448260 / SP

STJ, Jurisprudência. AgRg no HC 817277 / PR

STJ, Jurisprudência. AgRg no HC 833293 / SP

STJ, Jurisprudência. AgRg no HC 820596 / SP

STJ, Jurisprudência. EDcl no HC 855534

STJ, Jurisprudência. AgRg no HC 711224 / SP

STF, Jurisprudência. HC 201727 QO


STF, Jurisprudência. ADPF 54
STF, Jurisprudência. HC 220431 AgR
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ANEXO –– música Pátria que me pariu-Gabriel O pensador

Fonte: Gabriel : O Pensador

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