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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO
Turma A
REGENTE
2022/2023
O contencioso administrativo teve uma infância difícil, sendo que as infâncias difíceis
são fonte de trauma para uma vida inteira.
Isto acontece com as instituições e acontece com as pessoas.
Assim, vamos fazer uma tentativa de psicanálise cultural do contencioso administrativo,
que corresponde também à sua transformação em processo administrativo. Começou
por ser uma mescla de direito administrativo e direito processual, até se transformar
num processo igual aos outros, numa disciplina tipicamente processual.
Há dois grandes traumas na infância do contencioso administrativo.
1º trauma
❊ O primeiro trauma tem a ver com a natureza dos tribunais. Aquilo que a
Revolução Francesa procurou fazer e era um dos seus pilares fundamentais era
instaurar a separação de poderes e a tutela dos direitos individuais.
❊ No que respeita a separação de poderes, mais concretamente naquilo que diz
respeito à relação entre administração e justiça, aquilo que ela (Revolução
Francesa) fez foi precisamente o contrário. Aquilo que os revolucionários
franceses fizeram logo em 1789 foi proibir os tribunais de controlar a
administração. “É preciso evitar que os tribunais perturbem a administração,
porque a administração está agora em boas mãos, sendo que não precisa de
controlo”.
❊ Isto conduz à promiscuidade entre administração e justiça, isto significa o
contrário daquilo que era a sua constituição (princípio da separação de poderes).
No que respeita à relação entre administração e justiça o que foi criado foi o
inverso da separação de poderes.
❊ Isto corresponde psicanaliticamente àquilo a que o Dr. Freud chamava de
“declaração de cobertura”: um relato romanceado que não corresponde à
realidade e só depois de análise é que se sabe verdadeiramente aquilo que se
passou inconscientemente. Há uma verdade declarada e uma verdade escondida.
❊ Aquilo que os revolucionários franceses declararam foi o princípio da separação
de poderes e o que eles fizeram no quadro de relacionamento entre
administração e justiça foi a promiscuidade entre ambas.
❊ Isto vai levar à criação de um juiz privativo, os liberais ao mesmo tempo
instauravam um novo contencioso administrativo, neste contencioso a
administração julgava-se a si mesma, sendo criada uma realidade que afirmava
uma coisa e fazia outra.
2º Trauma
❊ Este trauma começa a afirmar-se com o Acórdão Blanco de 1873 e que é um
trauma que vai marcar a infância difícil do contencioso administrativo. Este
trauma é o de criar um contencioso especial, mas também criar regras especiais
para proteger a administração.
❊ Em 1873 tinha havido um acidente fatal com uma criança (Agnés Blanco) de 5
anos, de um lado tínhamos pessoas provadas e do outro lado a administração
pública. O que tinha acontecido foi o atropelamento de uma criança (Agnés
Blanco) por um vagão de uma empresa pública. A criança ficou com lesões
graves para o resto da vida, assim os pais desta criança dirigiram-se ao tribunal
de Bordéus a pedir uma indemnização. Este último começa por dizer que não é
❊ competente por estar em causa a administração pública e apenas ser competente
para a resolução de conflitos entre particulares e que, portanto, não pode decidir,
mas acrescenta que também não pode decidir porque não há nenhuma norma
aplicável à situação. O Código Civil francês era aplicável apenas nas relações
entre iguais, a administração pública não é igual a um particular, assim não se
aplicam as normas da responsabilidade civil.
❊ Os pais da criança não se conformam e dirigem-se à justiça administrativa, que
era o Presidente da Câmara. Este responde exatamente o mesmo que o tribunal,
quer não era competente, o que estava em causa não era um ato administrativo
era uma realidade infeliz de um acidente.
❊ Em resultado deste conflito negativo de jurisdições foi chamado a intervir o
Tribunal de Conflitos para resolver este litígio de jurisdição. Este disse que a
competência é da administração, mas que não havia um direito aplicável, sendo
necessário criar um direito (normas especiais) para proteger a administração.
❊ Esta sentença não é apenas um episódio triste, mas uma sentença triste. Uma vez
que o que ela vai afirmar é outro trauma profundo do Direito Administrativo, o
direito que funciona para proteger a administração e atribuir um estatuto de
privilégio à administração. quando o que se deveria ter sido dito era que o
princípio da separação de poderes obriga os tribunais a controlarem a
administração e que esta quando, decorrente da sua atuação, agir em
desconformidade deve ser acarretar a responsabilidade.
De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva o que devia ter sido dito era que, ao
abrigo da separação de poderes, os tribunais podem julgar a administração (no que
respeita ao 1º trauma) e que a administração quando comete prejuízos na sua atuação
deve responder (no que respeita ao 2º trauma).
Esta realidade não morreu, principalmente em Portugal.
Em primeiro lugar quanto ao problema dos tribunais, só em 1976 com a Constituição da
República Portuguesa, na primeira versão numa forma facultativa e só com a revisão de
1989 se tornou definitiva, o poder judicial passou a incluir também os tribunais
administrativos.
Apenas em 2004 o juiz administrativo, que já tinha o estatuto de juiz e já se integrava no
poder judicial, vai ganhar poder para dar ordens e condenar a administração no domínio
dos atos administrativos e regulamentos.
Isto demonstra como o trauma da promiscuidade entre administração e justiça chega ao
século XXI e, portanto, o juiz mesmo quando passou a estar integrado no poder judicial,
não detinha ainda todos os poderes.
E se pensarmos, no caso de Agnés Blanco, a ideia de um Direito Administrativo como
um direito excecional para a administração que consagra privilégios é uma ideia que
marca o século XIX como marca o século XX. Este direito excecional é um ato
definitivo porque é a última palavra da administração, executório porque pode ser
aplicado imediatamente como regra, isto é um disparate total, porque a administração
não goza de poderes executórios (exceto quando a lei estabelece) e não um ato da
❊ Portugal
Portugal vai copiar o modelo francês, mas apenas mais tarde.
A lei que proíbe a administração de controlar os tribunais é a célebre lei
de Mouzinho da Silveira de 1834.
Este sistema, Ministro-Juiz, só desapareceu em 1889 com a revisão
Constitucional.
O Estado liberal, tinha uma costela autoritária, apesar de também estar
associado ao Liberalismo Europeu. Apesar desta realidade ser chocante,
ela estava de acordo com a lógica liberal e democrática que existia na
época.
O primeiro período de evolução do CAT foi o mais traumático, pois correspondeu à fase
do administrador-juiz, à fase do pecado original da justiça administrativa.
Este pecado foi a sua ligação intensa à Administração, porque nesta fase havia uma
confusão entre o administrador e o juiz, não havendo separação entre Administração e
Justiça. Este é o trauma mais profundo que está na origem do contencioso
administrativo.
Este primeiro trauma vai ter consequências não apenas no contencioso administrativo,
mas também na afirmação do Direito Administrativo do Poder, em que existe uma
Administração que pode fazer o que entende e que atua através de atos que são a
manifestação desse poder.
A mudança dá-se na transição do séc. XIX para o séc. XX, em simultâneo com o
surgimento do modelo do Estado Social. Nessa fase, as questões sociais e económicas e
os problemas decorrentes da industrialização, levam a que o Estado chame a si novas
tarefas, assumindo-se como o instrumento corretor da mão invisível e como um
complemento para a pressão dos privados. Surge como alternativa à realidade
capitalista.
Esta fase do Estado Social, que na Europa corresponde ao Estado Social de Direito, vai
ter consequências, do ponto de vista constitucional, visto que a Constituição muda
porque surgem novos direitos e um novo modelo de atuação do Estado, que passa por
prestações e por fazer da Administração a função principal do Estado.
Enquanto que no Estado Liberal do séc. XIX, a função mais importante era a função
legislativa, agora no Estado Social a função mais importante e através da qual se
realizam novas funções estaduais é a função Administrativa. Inclusivamente, há um
autor alemão que diz que o Estado Social é um Estado de Administração.
Se olharmos para a lógica francesa, uma lógica continuada, vemos um Acórdão que
acabou com o sistema ministro-juiz, onde o particular primeiro obtinha a última decisão
do ministro, que era a primeira instância do contencioso administrativo, e só depois se
recorria para o Conselho de Estado, analisando-se apenas as questões de direito.
Este não era um verdadeiro tribunal, pois não apreciava o facto, apenas apreciava o
conhecimento do direito, estando limitado nos seus poderes.
A partir daqui as coisas foram se transformando em França, foram surgindo
transformações legislativas, acompanhadas de transformações constitucionais, que
fazem com que a secção jurisdicional do Conselho de Estado se transforme num
Tribunal Autónomo, como é hoje.
A melhor explicação para esta transformação é aquela que dá Costa Correia, que diz que
é um milagre – o milagre da Administração toda poderosa que aceitou ter limites e que
podia ser controlada pelo Tribunal. Esta é uma explicação fraca porque ela parte do
mesmo pressuposto tradicional de que o Estado é dono do Direito.
Ora, o Estado é sujeito do Direito, pois intervém na produção jurídica, mas não é dono
do Direito. Não o sendo, esta ideia de um Estado que aceita autolimitar-se não
corresponde à realidade e não faz sentido.
A transformação foi-se dando aos poucos, também por vontade e resultado da atuação
do Conselho de Estado (self made court). Esta natureza explica como é que ele se
transformou de um quase-tribunal para um tribunal propriamente dito.
Hoje em dia, temos uma lógica em que os tribunais se vão construindo, havendo 2
órgãos totalmente autónomos:
1. Conselho de Estado: em Paris, atrás do Prado e do antigo palácio do Luís XIV,
há o Conselho de Estado. Este edifício funciona como metáfora do que acabou
por acontecer, pois ao entrarmos no edifício existem 2 portas que nos levam, de
um lado, à secção administrativa e, de outro lado, à secção contenciosa. Ou seja,
temos em lados opostos a Administração e o Juiz, o estatuto do funcionário
administrativo e do outro lado juízes autónomos e independentes que integram o
poder jurisdicional, não existindo comunicação entre eles.
2. Tribunal Constitucional: é outro órgão jurisdicional, portanto, o mesmo
edifício tem 2 tribunais, não sendo possível transitar de um lado para o outro.
Hoje em dia, há uma integral separação entre administrar e julgar. Há uma
especialização da justiça administrativa, que é justificada pelas especificidades
do Direito Administrativo. Estas especificidades são tantas, que não é possível a
um juiz que resolve casos de Direito da Família, por exemplo, ocupar-se deste
No quadro francês, há uma jurisdição autónoma. Foi uma sentença do TC francês que
veio declarar que a secção jurisdicional é do tribunal, não é do órgão administrativo.
O mais curioso é que o fundamento que o TC alega para esta especialização no tribunal,
é a lei que tinha proibido os juízes do poder jurisdicional de controlar a Administração.
Assim, encontra-se fundamento para a especialização da justiça administrativa.
Isto implica que haja uma formação específica para os juízes administrativos (em
Portugal, é duvidoso, apesar de haverem cursos ad hoc).
Esta mudança de estatuto, em França, foi acontecendo, não havendo nenhum momento
específico. Embora possamos referir um momento importante, em 1910, que é o marco
da execução das sentenças – a ideia de que para ser tribunal tem de existir um
mecanismo de execução das sentenças.
Isto tudo mudou a natureza dos tribunais administrativos. Em Portugal, isto aconteceu
ainda mais a partir de 1933, visto que o legislador adotou a lógica francesa do
administrador-juiz. Não havia dúvidas de que, no quadro da Constituição de 1933, como
dizia o Sr. Prof. Marcello Caetano, os tribunais administrativos eram órgãos da
Administração no exercício de uma função jurisdicional.
Isto notava-se em vários aspetos. Em primeiro lugar, a Administração está integrada na
justiça administrativa do Estado, na Presidência do Conselho de Ministros – era a sua lei
que tinha o estatuto dos tribunais administrativos. Portanto, a justiça administrativa
dependia do CM ou do Ministro a quem fosse delegado.
Depois, quem era o responsável pela gestão da carreira? O PM ou o Secretário de
Estado a quem fosse atribuída as funções.
Em Portugal, é preciso esperar por 1977 para que surja um sistema jurisdicionalizado do
Direito Administrativo, um sistema de execução das sentenças. O Sr. Prof. Freitas do
Amaral veio dizer que, embora o sistema declarativo funcionasse com alguma
autonomia, depois dos tribunais decidirem, a última palavra continuava a caber à
Administração. O processo contencioso continuava e depois da sentença voltava-se ao
processo gracioso para saber se a Administração cumpria ou não a decisão do tribunal e
se ela não cumprisse, não haveria nada a fazer.
Assim, de acordo com o Sr. Prof. Regente Vasco Pereira da Silva, o problema hoje já
não é um problema de saber se há ou não uma jurisdição administrativa e uma
jurisdição comum, mas sim qual é o nível de especialização que o juiz deve ter. Isto é
importante e é a razão de sucesso da justiça administrativa, pois permite o controlo da
decisão administrativa. Portanto, a especialização é algo que em todos os temas se
configura como uma transformação benéfica para o sistema.
A partir de 1920, começa a ser afirmado o princípio de que a última palavra cabe
sempre a um court, a um juiz. Falamos de uma espécie de tribunais arbitrais que se
inserem no modo de organização da Administração, mas não são constituídos juízes, são
profissionais administrativos e representantes dos afetados por aquela decisão.
Se o particular não se conforma com a decisão, a última palavra cabe sempre a um
court, a um juiz. Por isso, é um tribunal que hoje vai decidir todas as questões. Também
aqui temos, no princípio, uma espécie de cópia a posteriori do que tinha acontecido no
sistema francês, e temos também a defesa da jurisdicionalização do Contencioso
Administrativo.
A crise decorrente das transformações da Administração Pública, da passagem de uma
Administração agressiva a uma Administração prestadora, obrigou a que Administração
entrasse em crise nos anos 60.
Esta crise tem a ver com o facto de a Administração ser cada vez maior e tratar de tudo
aquilo que diz respeito à vida dos cidadãos, desde o nascimento até à morte.
Esta crise veio introduzir a necessidade de preocupações ecológicas, novas realidades
sociais, a limitação do Estado, a ideia da Administração infraestrutural, entre muitas
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Até há uma história que demonstra esta realidade: aconteceu em Berlim, que estava
dividida em 2 potências de modelos distintos, a Inglaterra e os EUA. A mistura destes
modelos deu origem a um sistema de Contencioso Administrativo, que mantendo os
tribunais administrativos como os franceses, era um modelo de controlo integral da
Administração. Isto surgiu no fim da Guerra, mas depois aconteceu também, com todas
as revisões constitucionais dos anos 60 e 70.
No nosso caso, a CRP de 1976 crismou o Contencioso Administrativo português e
trouxe a ideia de que o Contencioso Administrativo para ser verdadeiramente
jurisdicional precisa de estar plenamente jurisdicionalizado e o juiz precisa de apoio
constitucional. Para a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares, o juiz tem de
ter todos os poderes e tem de ter esses poderes em todos os processos, seja no processo
declarativo, cautelar ou executivo.
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associado também com o novo Estado, o Estado pós-social e vai dar origem a dois
momentos:
O primeiro momento de Constitucionalização do Processo Administrativo, que
corresponde à Lei Fundamental da Alemanha, a seguir à Guerra e depois às
Constituições e aos Tribunais Constitucionais dos anos 70 e do início dos anos 80.
E depois temos os anos 80 e 90 até aos nossos dias que é a Europeização do
Processo Administrativo.
Vamo-nos concentrar nesta última fase, a fase da tutela plena e efetiva que significa
efetivamente uma mudança de paradigma relativamente àquilo que tinha sido até aí o
Contencioso Administrativo. E uma tal mudança de paradigma que é extremamente
importante que tem consequências enormes em todos os parâmetros.
Em todos os outros países europeus verifica-se essa transformação do Contencioso. E
ela assume também uma dimensão psicanalítica, porque a transformação vai surgir
através da “externalização enquanto elemento de relevância”. E essa externalização
poderia passar por uma transposição a escrito dos traumas do Contencioso
Administrativo e a explicação adequada para esses traumas.
Ora, aquilo que vai acontecer com as Constituições e com os Tribunais Constitucionais
é que efetivamente vão pôr por escrito, pôr na Constituição e levar ao Direito
Constitucional o novo modelo de Justiça Administrativa. E, portanto, este aspeto da
externalização releva através do poder administrativo.
É o resultado de um conjunto de transformações que começaram logo na Alemanha do
pós-guerra, que tinha vivido o período do Nazismo; que estava submetida, em Berlim, a
uma ocupação militar; e a tentativa de construir um modelo mais perfeito que os outros
e conjugasse as características do modelo britânico com as características do modelo
francês. E, portanto, que tivesse o Tribunal especializado enquanto tribunal que estava
particularmente em condições de julgar porque conhecia a Administração e conhecia o
Direito Administrativo, tornando-se numa realidade cada vez mais importante e maior.
E, portanto, era especializado e ao mesmo tempo era livre. Portanto era um juiz igual
aos outros juízes e um juiz que existia para a tutela plena e efetiva para os direitos dos
particulares. E por isso o artigo-chave da Constituição alemã é o artigo 19º/4, que se
consagra precisamente este princípio da tutela plena e efetiva dos direitos dos
particulares, e que se diz que os Tribunais Administrativos têm como tarefa de tutelar,
deixando de ter uma função objetiva, como tinha sido até aí, ou seja, o juiz que julgava
a legalidade independentemente de quem tinha praticado o facto, e independentemente
do particular visado. O juiz era apenas alguém que fazia um exame ao ato
administrativo. Era esta a lógica tradicional do Contencioso Administrativo.
E agora este Contencioso Administrativo transformava-se num Contencioso em que
havia partes, em que havia igualdade de partes, em que a relação jurídica substantiva
entre o particular e Administração dava origem a uma relação livre trazida pelas partes.
E as duas realidades estavam relacionadas, porque a satisfação dos direitos dos
particulares significa que dos direitos dos particulares, portanto há uma dimensão,
quando falamos em direito dos setores públicos, que só se ouve falar a partir desta
altura. O particular agora tem direitos, tem direitos a atuações administrativas conforme
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Nos anos 80, descobriu-se que em Inglaterra não havia tutela cautelar em relação aos
atos da rainha, por razões tradicionais. E a união europeia convidou o reino unido a
estabelecer a tutela cautelar.
A grande reforma do contencioso administrativo que vai dar origem á reforma
2002/2004, deu-se em todos os países, determinada pelas exigências da união europeia
de estabelecimento da tutela cautelar.
A partir de 98, começaram a surgir tentativas de reforma do contencioso administrativo,
primeiro na Alemanha e na Itália. Reforma destinada a alcançar a tutela plena e efetiva
dos direitos dos particulares e a introduzir a tutela cautelar, realidade que até aí quase
não existia, exceto na Alemanha em a regra até é oposta (se um particular vai a um
tribunal para impugnar uma decisão, há um efeito suspensivo automático e depois tem
de ser a administração a convencer o tribunal a executar aquele ato- Melhor solução, na
posição do professor regente.)
Em Portugal, a tutela cautelar continua a ser uma realidade estranha á justiça
administrativa. No âmbito da tutela cautelar, a administração pode dizer que quer
executar e vale a palavra da administração. Quem decide não é o juiz. Depois de um
particular ter impugnado e pedido a suspensão de eficácia, a administração através de
uma decisão fundamentada pode na mesma executar. Isto não faz sentido porque num
processo judicial quem tem de ter a última palavra é o juiz. Mas mesmo assim as coisas
melhoraram muito, e por causa da união europeia.
No quadro da integração horizontal, os países procuraram esquemas não de
uniformização, mas sim de compatibilidade de regras (provocado pelo mercado
comum). Esta compatibilização das regras introduziu múltiplas transformações.
Atualmente, estamos ainda a viver neste período da europeização. A manifestação da
dimensão europeia é essencial.
Como já foi dito, o direito administrativo é direito constitucional concretizado. Existe
uma dupla dependência entre o direito administrativo e o direito constitucional. O
direito constitucional estabelece as grandes orientações da justiça administrativa, mas o
direito constitucional precisa do direto administrativo para o concretizar. Isto tem a ver
com a própria eficácia da constituição.
O professor regente, procurou aplicar esta regra no direito europeu. O direito europeu é
algo do qual o direito administrativo depende (está dependente das grandes opções de
politicas publicas europeias que se misturam com a realidade portuguesa, por um lado, e
por outro têm primazia sobre ela) mas por outro lado o direito da união europeia
depende do direito administrativo dos estados-membros porque a união europeia não
tem administração própria (tem uma “administraçãozinha”) logo quem aplica o direito
europeu são as administrações dos estados-membros, tal como são também os tribunais
nacionais. O direito europeu não tem efetividade se não for aplicado pela administração
dos países europeus e pelos tribunais dos países europeus. Logo se é verdade que o
direito português depende do europeu, não é menos verdade que o direito europeu
depende do português--» lógica da dupla dependência/reciprocidade no quadro desta
realidade sui generis que cria uma realidade jurídica que é mais importante do que
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qualquer realidade política ou económica. O que faz com que qualquer país que se junte
á união europeia tenha de receber tudo aquilo em que não participou.
Isto tem consequências boas no processo administrativo porque aperfeiçoou o controlo
administrativo e introduziu a tutela cautelar (é necessário existir um contencioso
cautelar para prevenir as situações que depois vão ser discutidas no contencioso
declarativo).
Para terminar a parte introdutória, falta fazer uma breve referência a Portugal.
A Constituição de 76, estabeleceu a jurisdicionalização do contencioso. Apontou para
um novo modelo de justiça administrativa ao estabelecer o direito de acesso aos
tribunais.
Mas esta constituição é compromissória: consagrava todos os direitos e liberdades
fundamentais, por um lado, mas, por outro lado, estabelecia o princípio da apropriação
coletiva dos meios de produção e a construção de uma sociedade socialista. Permitia o
liberalismo económico, mas apontava par um modelo da sociedade sem classes.
Estabelecia uma sociedade democrática, mas tinha um órgão que era o conselho da
revolução. Foi a prática constitucional e as sucessivas revisões que foram alterando este
compromisso inicial.
O Professor Jorge Miranda fala de uma evolução porque acha que não houve nenhuma
rutura. Já o Professor Vasco entende que houve uma verdadeira rutura, ainda que na
continuidade. Em 82, desapareceu o conselho da revolução. Em 89, deu-se a rutura com
a estrutura económica de natureza coletivista. Não foi uma simples revisão, mas sim
uma rotura!
O mesmo aconteceu no contencioso administrativo: judicialização e tutela de direitos.
Mas a judicialização não era absoluta. Dizia-se que podia haver tribunais
administrativos e se houvesse, estes estavam integrados no poder judicial, mas isso não
fazia com que eles efetivamente funcionassem. Determinava o direto de acesso, mas era
apenas um direito de aceso ao recurso contencioso/direto de anulação- meio processual
limitado que não atribuía poderes ao juiz e não tutelava os direitos dos particulares.
Era a dimensão do contencioso administrativo do passado e a nova dimensão do
contencioso administrativo.
Em 77, há um diploma que fez aquilo que os seus autores chamaram (e bem, na posição
do Professor Vasco) o mínimo constitucional. Era uma operação de urgência sem a qual
não existe contencioso. Foi a execução das sentenças. A partir de 77, passou a haver a
execução das sentenças dos tribunais administrativos. Até 77 não existia. O juiz decidia
e a administração decidia se queria ou não executar. Era uma “gracinha” da
administração. Ainda que de forma indireta, aquilo que a revisão de 77 fez foi consagrar
aquilo que o Prof. Freitas do Amaral defendia na sua tese de doutoramento.
Foi isto que fez funcionar a penhora dos bens da administração (aqueles que não
pertencem ao património publico) para a execução das sentenças, o que é fantástico. É a
forma mais eficaz de obter a execução das sentenças. Por exemplo, se a frota de
automóveis do ministro ficar toda penhorada é muito mais eficaz do que a ameaça de
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tribunal, pelo que a penhora é uma coisa imediata e fantástica! Foi isso que transformou
de forma radical a lógica do processo administrativo, ainda que tenha continuado em
vigor a lei orgânica e o regulamento dos tribunais administrativos.
Em 82, a Constituição veio dizer que eram os atos administrativos, independentemente
da sua forma. É uma expressão que na altura não fazia muito sentido. Significa
largamente a noção de ato administrativo em sentido material – são todas as
manifestações do Direito Administrativo. E, portanto, alargou o âmbito do Contencioso.
Mas acrescentou contratos acessórios e defesa dos direitos dos particulares. E, portanto,
introduziu aqui uma alteração subjetiva do Contencioso Administrativo.
Na reforma de 85, que foi a única reforma até 2004, surgiu, em primeiro lugar, uma
ação para defesa de direitos como mecanismo auxiliar e não tinha um âmbito de
aplicação definido, mas que implicava largamente do processo a tutela dos direitos dos
particulares.
Permitiu que em 85 começasse a haver uma aproximação das partes. As partes possuíam
exatamente as mesmas possibilidades de atuar em juízo. Era uma reforma que mudou
alguma coisa, mas que não teve eficácia nenhuma, por causa da técnica legislativa do
legislador.
O legislador em vez de fazer um novo diploma de Contencioso Administrativo, não.
Resolveu fazer normas avulsas. Mantém em vigor o Código Administrativo, o
Regulamento do Supremo, todas as normas do passado, mais aquelas normas avulsas do
futuro.
O que aconteceu é que ninguém sabia o que é que estava em vigor, ninguém sabia o que
é que as reformas tinham alterado, havia incertezas e contradições permanentes, fazendo
do Contencioso Administrativo aquilo que o Professor Sérvulo Correia diz: uma “manta
de retalhos”. Era preciso consultar 5 diplomas para saber qual era a norma da
legitimidade do particular. Portanto era preciso recorrer a várias normas – era a lógica
do elefante a saltar de nenúfar em nenúfar.
Efetivamente começámos a falar e é isso que vamos falar hoje para acabarmos esse
nosso capítulo introdutório sobre a evolução portuguesa à luz da Constituição, uma
evolução difícil, complicada, que teve avanços e recuos, e à luz da europeização, uma
vez que a grande reforma do Contencioso Administrativo – 2002/2004 – é uma reforma
determinada simultaneamente pela revisão constitucional de 1997 e pela Europa e as
transformações introduzidas pela realidade europeia. Portanto, esta dupla dimensão da
europeização e da constitucionalização também se dá em Portugal, como todos os
outros países europeus.
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Vimos que a Constituição de 1976 tinha estabelecido aquilo que eram os pilares de uma
nova realidade do Contencioso Administrativo, porque apontava para a
jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo, embora dissesse “caso exista”,
portanto não criava um Contencioso Administrativo no poder judicial, admitia apenas
que ele podia existir.
Na altura o legislador constituinte não se quis comprometer e esperou pela evolução
para ver qual seria o resultado. Estabelecia um direito fundamental de acesso ao
Contencioso, portanto introduzia uma lógica subjetiva no Contencioso Administrativo,
mas ao mesmo tempo que acontecia isso, o legislador conservava o velho Contencioso
Administrativo, porque o direito fundamental que estava em causa era o direito
fundamental ao recurso de anulação, um meio processual limitado em termos de âmbito
de aplicação, limitado em termos do poder do Juiz.
O Juiz apenas podia anular as atuações administrativas sem lhes poder dar ordens, sem
poder condenar. O recurso de anulação falava sobre atos definitivos e executórios, ou
seja, a noção mais autoritária de ato administrativo, a noção correspondente ao tempo
do Estado de Polícia. Era definitivo porque era a última vontade da Administração, era
executório porque era suscetível de execução coativa contra a vontade dos particulares
quando na altura a maior parte dos atos da Administração eram de natureza prestadora,
eram de natureza multilateral e, portanto, não eram definitivos, eram uma atuação no
quadro de procedimentos complexos e quando na altura, perante um ato prestador, não
há nada que executar.
O particular quer que o ato se execute não há que executar contra a vontade deste e,
portanto, é impossível executar um ato de natureza prestadora. Os únicos atos que são
executáveis são os de polícia e esses são executáveis quando a lei expressamente o
preveja porque a evolução do Estado de Direito introduziu uma limitação ao princípio
da igualdade que acabou quer com o famigerado privilégio da execução prévia quer
com a existência de poderes de execução à vontade da Administração. Portanto, as
transformações produzidas em 76 alteraram precisamente a natureza, não o modo de
funcionamento da Justiça Administrativa. Natureza porque passou a ser jurisdicional,
não o modo de atuação porque continua a ter a ver com a lógica do sistema do
administrador juiz com a lógica do recurso hierárquico que se jurisdicionalizou.
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Na reforma de 85, que foi a primeira reforma feita no quadro democrático, o legislador
manteve o recurso de anulação, modificando-o um pouco, dando-lhe uma lógica de
partes, embora mantivesse os nomes: a Administração continuava a chamar-se
“Autoridade Recorrida”, mas passou a ter os mesmos poderes que o particular e o
particular que a Administração e, portanto, passou a haver uma lógica de partes no
âmbito do Contencioso Administrativo.
Ao lado deste recurso de anulação surgiu uma ação para a tutela de direitos e interesses
legalmente protegidos. Portanto o contencioso abriu-se com esta ação, que era uma ação
inominada, estabelecida através de uma cláusula geral que podia servir para tudo. Só
que esta reforma de 85, se alterou algumas coisas e algumas coisas importantes, na
prática não teve significado algum. Não teve significado algum por causa da técnica
legislativa usada pelo legislador ordinário. O legislador ordinário em vez de fazer uma
nova lei de processo, um código de processo, em vez de fazer uma nova lei de
organização da Justiça Administrativa, o legislador em 85 resolveu apenas, diríamos
nós, colocar remendos, substituir algumas normas sem elaborar um novo diploma, sem
elaborar uma lei de processo, sem elaborar uma lei de organização da Justiça
Administrativa ou juntar as duas coisas num único texto legislativo. Portanto, esta
realidade gerou imensos problemas, desde logo porque continuaram em vigor as normas
da Constituição de 33 que eram incompatíveis com o modelo constitucional. Já eram em
76, eram mais agora, em 85. E continuaram em vigor a Lei Orgânica, o Código do
Procedimento Administrativo, o Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo.
Continuou tudo em vigor.
Depois haviam umas buchas metidas no sistema que alteravam algumas regras.
Resultado: ninguém sabia o que estava em vigor ou não, ninguém sabia o que o
legislador tinha querido alterar ou não. Gerou-se a confusão no quadro da Justiça
Administrativa. Portanto agravou-se ainda mais o distanciamento entre os particulares e
a Administração porque os particulares não sabiam o que é que haviam de fazer, os
juristas também não se interessaram muito e o Contencioso Administrativo ficou
limitado aos “happy few”, a uma minoria de pessoas no quadro da realidade
constitucional. Esta revisão de 85 acabou por não funcionar, foi uma reforma falhada.
Foi a primeira reforma, mas foi uma reforma falhada.
O Professor Sérvulo Correia diz, e bem, que ela constituiu uma manta de retalhos. O
Contencioso Administrativo transformou-se numa manta de retalhos. Para resolver um
problema da legitimidade das partes, que é um problema fácil de resolver, ou que
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deveria ser um problema fácil de resolver com uma norma a invocar, no caso de
particular como parte era preciso invocar cinco. Esta, mais esta, mais esta… e
interpretá-las todas e todas diziam coisas diferentes, sendo preciso coordená-las. Isto
tornava-se uma difícil. A situação era terrível.
O que é que agora aparece? Em primeiro lugar, no quadro do poder judicial, a jurisdição
administrativa transforma-se numa escolha constitucional. A Constituição regula a
jurisdição administrativa ao lado da jurisdição comum e diz, como diz hoje, que há uma
jurisdição dos Tribunais Judiciais que tem no topo o Supremo Tribunal de Justiça e há
uma jurisdição dos Tribunais Administrativos que tem no topo o Supremo Tribunal
Administrativo, portanto, passa a ser uma escolha constitucional.
Esta expressão é a minha preferida: “o ato lesivo”. É o que justifica a minha tese de
doutoramento – “Em Busca do Ato Administrativo Perdido” – e é algo que mostra uma
subjetivação da Justiça Administrativa, ao mesmo tempo que uma subjetivação do
Direito Administrativo.
Agora, para a Constituição, particular e Administração são iguais, são sujeitos jurídicos
que têm poderes e deveres diferentes nas relações jurídicas substantivas, mas que
processualmente são partes, são partes que têm também posições diferenciadas, mas
determinadas por lei. O particular tem direitos, a Administração tem poderes, é a mesma
coisa. Um poder administrativo é igual a um direito potestativo. Nós aqui chamamos-lhe
“poder”, como se fosse uma coisa diferentíssima, então os clássicos, os tradicionais, os
da geração anterior à minha utilizavam a expressão “poder”, “poder administrativo”
21
Esta realidade significava – enfim, voltando ao Contencioso, não sei já porque é que fui
para o Professor Freitas do Amaral, mas não interessa – da Justiça Administrativa
obrigava… Ah! Já sei porquê. É que eu estive integrado na Comissão Freitas do Amaral
que nos anos 88 e 89 elaborou a reforma do Procedimento e elaborou um projeto de
Contencioso Administrativo que era minimalista, que era muito mau, passei o tempo a
dizer “não, isto não vale a pena”, mas apesar de tudo, muda um bocadinho. E mudava
um bocadinho. Mas o legislador meteu na gaveta, achou que era demasiado ousado.
Avançou com o procedimento, menos mal, passou a haver uma Lei de Procedimento do
Código de Procedimento desde 90, mas a Lei de Processo ficou pelo caminho. Não teria
sido uma grande alteração, mas seria um início. Como isto não avançou, o que
aconteceu de 89 a 97? Nada! Ficou tudo na mesma.
22
O problema era que se ele não fosse ao superior hierárquico, se não recorresse
previamente ao superior hierárquico no prazo de 30 dias ficava sem o direito de ir ao
Tribunal. A inconstitucionalidade estava ali. Não era por ele ir ao Tribunal e não haver
problema nenhum. Pois claro. Nós em princípio se as calças servirem no corpo, não
precisam de nada. Podem ter um cinto e, portanto, aí já se aumenta a prevenção, as
calcas em princípio não caem, mas se se puser cinto e suspensório não caem de certeza,
mas para quê cinto e suspensórios? Portanto, o argumento do Tribunal Constitucional é:
antes de recorrer é preciso usar cintos e suspensório e só depois de fazer isto, de pôr os
cintos e suspensórios, é que o particular pode ir a juízo. O problema é que se estes
cintos e suspensórios não forem resolvidos num prazo de 30 dias, o particular não pode
ir a juízo.
Isto é pôr em causa o direito fundamental de direito à Justiça. Era o que eu dizia no “Em
Busca do Ato Administrativo Perdido” e que agora tenho de repetir porque ainda há aí
uns lunáticos que acham que o Código do Procedimento Administrativo de 2015
consagrou o recurso hierárquico necessário – não consagrou, afastou. Tem lá uma
expressão e uma regulação que é do passado. Resolveram meter ali em homenagem ao
passado. Algo que não pode violar a Constituição, porque violaria o princípio da
separação de poderes, violaria o princípio do acesso à Justiça, violaria o princípio da
desconcentração.
Tudo isto foi discutido noutros países da Europa nos anos 60, foi ultrapassado em todos
e Portugal é o único país do mundo em que, supostamente o legislador do procedimento
– não o do contencioso – ainda mantém o recurso hierárquico. Já nem a França, a velha
França, a mãe do Contencioso Administrativo, através do Tribunal Constitucional,
declarou a inconstitucionalidade dos recursos hierárquicos necessários porque realmente
eles eram o resquício do sistema do Administrador Juiz que não fazem qualquer sentido
nos dias de hoje, mas o Tribunal Constitucional preferiu não dizer nada. E, portanto, as
coisas materialmente mantiveram-se na mesma e não houve nenhuma reforma.
23
Isto fazia com que os administrativistas estivessem um pouco aborrecidos com esta
situação, zangados, porque é uma realidade essencial do Estado de Direito. A
Constituição estava a ser violada numa matéria essencial, numa matéria do Estado de
Direito: a tutela dos direitos particulares. Como houve várias tentativas de reforma todas
falhadas, eu participei nalgumas, noutras já não me lembro, noutras não participei
mesmo. O meu compadre João Copas é que tem uma estante no escritório onde tem
todos os projetos de código que foram para o caixote do lixo. São imensos, dá para
encher uma estante. Enfim, é uma má memória da realidade portuguesa, mas é a
memória da inação.
Em 97 estávamos todos fartos! 97 foi uma altura fantástica para fazer avançar as coisas,
porque havia um processo constitucional em curso.
Houve um jantar aqui na faculdade, sentámo-nos todos à mesma mesa,
constitucionalistas e administrativistas, estavam na faculdade os responsáveis políticos
da gestão do processo de revisão constitucional. Pelo partido socialista, que estava na
altura no poder, o professor Vital Moreira, pelo PSD o professor Marcelo Rebelo de
Sousa (líder do principal partido da oposição), do CDS estava o professor Freitas do
Amaral e do partido Comunista, também havia um representante (Vítor qualquer coisa,
um excelente administrativista que lecionava na Autónoma e que também fez parte do
acordo).
Sentámo-nos os não políticos também e fomos metendo coisas numa revisão
constitucional, que obrigasse o legislador a fazer alguma coisa, porque não era possível!
Agora o artigo 268º/4 começava pela tutela plena efetiva dos direitos dos particulares. E
para assegurar a tutela diz-se que os tribunais asseguram, nomeadamente, a
impugnação, a condenação, a declaração de direitos, o processo executivo, o processo
declarativo, o processo cautelar, da forma mais completa possível. Portanto, ironizando,
este artigo 268º/4 ficou mais que prefeito. Os alemães tinham o prefeito, este é o mais
que prefeito. Parecia não faltar nada. Parecia… Porque já estávamos todos muito
satisfeitos com o resultado, até que o prof. Barbosa de Melo se volta para todos e diz: -
Epah! Estamo-nos a esquecer dos regulamentos! Então os regulamentos não ficam? - É
claro que era um esquecimento ninguém se tinha lembrado dos regulamentos, exceto
24
ele. E então ainda fizemos uma tentativa de incluir no n.º 4, porque a ideia era fazer só
um número, uma vez que a dualidade que existia antes não tinha dado bons resultados.
Então, vamos ver se metemos num só número todas as coisas e fizemos algumas
tentativas de incluir os regulamentos no n.º 4, só que não cabia. Não encaixava! Era
muito difícil! O português ficava cada vez pior e não encaixavam de todo! Por outro
lado, havia outro problema que era o guardanapo do prof. Rebelo de Sousa já não
permitia escrever mais nada. Estava todo cheio de setinhas e rabiscos, escrito de um
lado e do outro. Já não permitia alargar mais o 268º, isto explica porque nasceu o n.º 5.
Nós queríamos todos fazer só um artigo, mas como um não foi possível, tivemos que
fazer o n.º 5 para os regulamentos e, portanto, estabelece uma tutela jurídica subjetiva
para os regulamentos. E ficámos satisfeitos!
Agora tinha de ser! Tínhamos de avançar com a reforma do contencioso administrativo!
Mas não foi logo e não foi imediato. Os órgãos do poder político continuavam a resistir
e como continuavam a resistir recorreu-se a um outro mecanismo, que foi, pode-se
dizer, uma grande manifestação da justiça administrativa, com juízes, advogados,
professores, e vamos dizer que é preciso mudar.
Na altura o que é que estava a suceder e o que é que ficou pelo caminho? Na altura o
governo lançou à discussão três projetos, que foram muito discutidos, o primeiro tinha
um texto inicial que que vinha de uma comissão de juízes que era muito conservador,
que mantinha praticamente tudo, só mudava os nomes. E nós discutimos aquilo e aquilo
foi tudo para o caixote do lixo.
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Aquilo que serviu de lançamento da reforma foram dois diplomas, um estatuto, aquilo
que depois viria a ser o código de processo, que o governo pôs à discussão para
reformar a justiça administrativa, mas nós administrativistas achámos que era pouco e,
já que o governo estava a querer fazer coisas, até fez uma discussão política, uma
promoção de uma discussão jurídica, levou a que nós propuséssemos que houvesse a
regulação simultânea da responsabilidade civil, que também é uma questão importante,
que vem desde Blanco e que continuava por resolver.
A ordem dos advogados adotou um texto jurídico, tendo criado uma comissão que era
presidida pelo professor Rui Medeiros, e esse texto acresceu e passou a estar em
votação na assembleia juntamente com os outros dois do governo, e, portanto, o
governo assumiu no quadro da tal reforma legislativa esses três diplomas.
O que é que aconteceu? Porque é que essa transformação não foi até ao fim? Em
primeiro lugar não foi até ao fim, porque se repararem os dois textos jurídicos principais
um chama-se estatuto dos tribunais administrativos e fiscais e o outro chama-se, apenas,
código do processo dos tribunais administrativos, caiu a aplicação aos fiscais, ninguém
sabe porquê. Tiveram medo de estar a ir longe demais. Acharam que quem tem a tutela,
entre aspas, sobre as questões fiscais é o ministério das finanças, o resto passa pelo
ministério da justiça, o melhor e não avançar.
Então temos uma jurisdição única e temos dois códigos, porquê? Ninguém sabe! Deve
ser a lógica de um país dois sistemas, qualquer coisa assim, politicamente pode fazer
algum sentido.
Sendo o direito fiscal uma coisa totalmente autónoma, ninguém quer invadir a dimensão
do direito fiscal, não havia nenhuma razão para que o código de processo não tive as
mesmas regras, porque as relações jurídicas fiscais, são relações jurídicas
administrativas especiais, com regras próprias, mas administrativas. Há uns lunáticos
que dizem que o direito fiscal é direito privado, não sei como é que eles são capazes de
dizer isso, mas, enfim, há gente para tudo!
Esta situação criou algo que ainda hoje não esta resolvida, porque no contencioso fiscal
ainda existem os traumas da infância difícil, porque o código que está em vigor é um
código de procedimento e processo tributários, junta administração e justiça, e põe
funcionários administrativos a fazerem as funções de juiz e juízes a fazer funções de
funcionários. Assenta na promiscuidade entre administração e justiça! Realmente há ali
uma realidade que vem do passado e que não faz qualquer sentido.
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O ministro da justiça, o senhor que é o atual primeiro-ministro, Dr. António Costa, que
lançou esta iniciativa da reforma, numa das sessões finais documentadas da reforma,
resolveu dizer, até de uma forma aborrecida, há aí um professor, o prof. Vasco Pereira
da Silva que diz que o código merecia quinze valores e que a lei orgânica, apenas
deveria ter nove, para ir à oral, porque era muito fraquinha. Eu devo dizer que nunca
tinha dito, em público, não gosto de classificar assim, classifico os meus alunos, mas
não tenho hábito de classificar coisas. Quem tem esse hábito é o outro colega que agora
é Presidente da República e que, naquelas homilias dominicais, dava notas aos políticos
e às atuações políticas, e, portanto, eu nunca disse isso, disse sempre bom ou medíocre.
Mas como o ministro da justiça dizia que eu tinha dito, e como isso correspondia à
verdade, era exatamente isso que eu pensava, passei a dizer, e, portanto, quando eu
estava presente, sim senhor, tem toda a razão, esta lei de processo é medíocre, não
merece mais do que nove e este código é um bonzinho, é bom, digamos que um bom
grande! Um quinze! Pode ser um Quinze!
A razão porque fiz isto é uma razão também cinéfila, espero que tenham visto, se não
viram devem ver aquele filme fantástico, que os americanos dizem que foi a descoberta
do estado de direito, que é O Homem que matou Liberty Valance, é um western, é um
filme policial em que há três grandes interpretes, um que é mau como as cobras, que é o
Liberty Valance, o bandido pior de todo o oeste, que no final é liquidado e consegue-se
construir o Estado de Direito, depois há o homem do futuro, o candidato ao senado, o
advogado, aquele que não sabe disparar uma arma, mas é aquele a quem vai ser
atribuída a morte de Liberty Valance, porquê? Porque ele foi o único que teve coragem
de lhe fazer frente e dizer: – Vamos a um duelo! - Quem salvou a honra do convento foi
o terceiro, o John Wayne, aquele que perdeu a namora e perdeu o cavalo, enfim, termina
o filme sozinho, a caminhar, naquelas paisagens magnificas do John Ford.
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- Não fui eu que matei, foi ele! Eu devo-lhe isso para toda a vida! Fui eu que institui a
ordem aqui, a ordem jurídica de Estado de Direito, mas o responsável foi ele, foi ele
quem matou o Liberty Valance.
E na altura a jornalista grava tudo e no final diz:
- Senador, se me permite, eu não vou publicar nada disto.
- Mas porquê?
- Porque criou-se uma lenda. E quando a lenda é maior do que o homem, imprima-se a
lenda, não o homem!
E, portanto, neste caso criou-se uma lenda, eu não tinha dito nem quinze, nem nove,
mas se alguém dizia que eu tinha dito e se isso correspondia à verdade então imprima-se
a lenda! Print the legend, not the man! É como termina o filme do John Ford, de uma
forma fantástica! Têm de ver este filme!
Ora bem, isto para dizer que os dois diplomas que correspondem à reforma do
contencioso administrativo, um o código de processo estabelece um conjunto de meios
processuais que estão regulados de uma forma que permite a tutela plena efetiva dos
direitos particulares, que permita realizar o modelo constitucional, e, portanto, são uma
boa solução, para alguns problemas, outras normas poderiam ter sido adaptadas,
veremos isso no quadro da constituição. Por outro lado, temos um estatuto que é um
disparate! Melhorou um bocadinho em 2019, mas continua na mesma! O estatuto, a
meu ver, tem uma situação esquizofrénica, que é um tribunal esquizofrénico, que é o
supremo tribunal administrativo, porque qualquer supremo tribunal em qualquer país do
mundo o que é que faz? É um tribunal de recurso, apenas discute a lei, não julga factos.
O que é que faz o STA? Tem uma secção de contencioso administrativo, para tribunal de
primeira instância, depois têm o plenário e o pleno, que esses sim são verdadeiros
supremos. Isto não existe em mais pais no mundo, mas nós mantemos isto! Para quê?
Porque os atos do ministro, do primeiro-ministro, do presidente não podem ser tratados
por qualquer juizinho de primeira instância! Há uma diferença protocolar que faz com
que essas atuações sejam julgadas no STA. Não há regras diferentes (mal seria), mas há
esta realidade protocolar.
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A matéria que vamos dar a seguir tem a ver com aquilo que é o novo processo
administrativo e os problemas que ele enfrenta.
Já vimos na aula passada que a reforma se traduziu em dois diplomas que mudaram a
estrutura e a natureza do processo administrativo que são: (i) o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (que tem as regras de organização da justiça administrativa,
nomeadamente, o modo como se organizam os tribunais e qual é a sua competência, ou
seja, tudo aquilo que tem a ver com a organização da justiça) e (ii) o Código de
Processo nos Tribunais Administrativos (que contém todas as regras que correspondem
ao interno processual. Tudo aquilo que se passa no processo está regulado no Código de
Processo nos Tribunais Administrativos).
29
Esta opção de ter dois diplomas, não é necessária (se me tivessem perguntado a mim,
tinha feito apenas um, mas não tem nada de errado), e pode-se dizer que é uma tradição
da justiça administrativa portuguesa.
Só que a tradição, no passado, era determinada por várias razões. Era precisamente
porque o Tribunal Administrativo não era um verdadeiro tribunal que era preciso ter um
estatuto diferente dos outros tribunais. E, portanto, havia aqui este trauma da infância
difícil que, estando agora superado, permitiria ter um único diploma. Mas esse não é o
ponto.
Portanto, vamos hoje olhar para o Estatuto (sei que estão a fazê-lo nas aulas práticas e
agora terão um complemento mais crítico do que aquele que já tiveram) que mostra que
o Estatuto é um diploma que fica muito aquém daquilo que podia fazer. Mesmo sendo
certo, se é certo, que a reforminha de 2019 já melhorou ligeiramente alguma coisa.
Embora estando longe de ter resolvido a situação.
Uma questão terminológica, que já ouviram em aulas passadas, (caso contrário, estão-
me a ouvir falar): a reforma de 2002/2004, a reforminha de 2015 e reforminha de 2019.
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uma reforma ideológica) a reforma serviu apenas para mudar nomes e para manter os
nomes do passado.
Por exemplo (e vamos ver isso no Artigo 4.º): tinha desaparecido, na sequência da
contratação pública, a referência à expressão de contrato administrativo porque a noção
de contrato administrativo, hoje, não faz sentido.
Os contratos administrativos a que o legislador se refere são apenas uma das várias
peças de contratos administrativos. Não são todos os contratos públicos. E, portanto, a
noção de contratos administrativos só esquizofrénica, deixou de fazer sentido.
Agora fala de contratos administrativos próprios, fica lá com aquela nota, mas a solução
continua a ser a mesma, continua a ser boa. Isso foi aquilo que o legislador fez, resolveu
corrigir uma coisas que não gostava e pronto, aqui e ali.
O que é que mudou com a Constituição? A ideia de ato lesivo, não é por um ato ser mais
apático que lesa os direitos dos particulares, é a relação entre particular e administração
que está no Artigo 212.º.
Mas o legislador achou que se devia parar. Nos pressupostos processuais falar em ato
aplicável, ato que produz efeitos e na legitimidade falar em ato lesivo. Porquê? Porque
um dos membros da Comissão, o professor Sérvulo Correia entendia que o verdadeiro
pressuposto era o da legitimidade e por causa disso alterou o Estatuto que estava de
acordo com a Constituição.
É muito discutível porque não faz sentido dizer que um pressuposto relativo ao ato que
o lesa e que é um pressuposto do ato é a mesma coisa que o pressuposto da
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legitimidade, que é relativo às pessoas. E, portanto, dizer que o ato são pessoas é
confundir atos com partes.
Eu também aprendi isso, por sua vez já tinha aprendido o professor Marcelo Caetano e
por sua vez tinha aprendido um dos primeiros legisladores portugueses do século XVIII
e do século XIV.
É verdade que ser presidente de uma Comissão dá uma sensação de “agora é que é
bom”, mas precisamente por isso é que é preciso ter a psicanálise de dizer “não, eu
agora vou é, de forma objetiva, e tendo em conta o que eu penso, estabelecer um regime
que seja a par para todos”. E, portanto, as conceções ideológicas, as minhas opiniões
pessoais, não têm de lá estar. Tem, sim, de estar aquilo que corresponde à melhor
coordenação e o resto é para a doutrina. Aliás, o legislador não tem de fazer definições.
As definições são erradas. O legislador deve regular e, a partir dessa regulação, quem
faz as definições é a doutrina e a jurisprudência.
Eu chamo-lhe reforminha? Sim. Por um lado, é real porque 20 artigos não é a mesma
coisa que 500. Depois, tenho uma crítica. Mas, deixem-me agora dizer o contrário,
também pode ter o seu lado ternurento. Reforminha é uma coisa fofinha. Tal como a
geringonça, que até os próprios da geringonça adotaram, é uma coisa fofinha. E,
portanto, chamar reforminha não tem nada de mal. É uma expressão ternurenta.
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Mas isto para vos dizer que isto do “ah, agora vou fazer uma lei” é uma sensação boa,
agradável. Ainda por cima se as coisas correrem bem no âmbito da Comissão.
Éramos 5 pessoas: o João Martins Claro, o João Caupers, João Raposo, eu e o professor
Freitas do Amaral. Fazíamos tudo. No princípio nem secretária tínhamos, pelo que,
queríamos fazer um questionário à Administração Pública e, portanto, fizemos uma
cadeia de montagem: um escrevia o envelope, o outro dobrava e o Professor Freitas do
Amaral lambia os selos e metia os selos. Mas foi fantástico e cinco pessoas mudam
muita coisa. E, realmente, eu percebo que isso cria vontade de “ah, agora é que eu me
vou vingar daquele malandro que disse que o que eu disse era uma desgraça, mas quem
tem razão sou eu”, mas não é assim que se faz uma lei. Uma lei não está na
universidade, não se está a defender de uma tese científica.
Bem, fica explicada a terminologia. A reforma é a reforma de 2002/2004; alterações
pontuais que decidem mudar 10 ou 30 artigos são reforminhas, ou seja, mini reformas
que não podem ter o mesmo peso do que as reformas.
Mas vejamos então o Estatuto. O Estatuto tem um conjunto de regras que são absurdas,
incoerentes e ineficazes. Começando pelo princípio, que tem a ver com a origem do
Estatuto e a transformação que aconteceu no Código de Processo.
Já repararam que o Estatuto é dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, da
jurisdição administrativa; e o Código de Processo é dos tribunais administrativos.
Porquê? A explicação tem a ver com o facto dos deputados, no momento em que
apreciaram os diplomas apresentados pelo governo, terem tido medo de alterar as
finanças que não tinham participado no processo de elaboração do Código do Processo
Administrativo.
Isto gera um problema que até hoje não foi resolvido que é: por um lado, existirem dois
códigos, o que é um disparate quando estamos perante uma jurisdição única, dois
códigos (não vejo nenhuma razão, não ocorre nas outras legislações, portanto, porque é
que tem de ocorrer no processo administrativo?) e, sobretudo, por outro porque a
legislação do processo tributário, embora, tenha sido aproximada, depois da reforminha
de 2019, da reforma do processo administrativo continua a ser marcada pelos traumas
de infância.
Em primeiro lugar é no Código de Procedimento e Processo Tributário que está o
pecado original da confusão entre a administração e a justiça.
E esta confusão nota-se por algumas normas que são inconstitucionais.
Em primeiro lugar, observa-se o processo de execução. Isto pode trazer solenidade, mas
isto é inconstitucional.
Para além disso, há numerosas normas no código que misturam procedimento e
processo o que, portanto, continua a manter a orientação monista que, em Portugal,
também vigorou no Contencioso Administrativo. O código de processo continua a ter
esta ligação monista que desvaloriza o procedimento e que desvaloriza o processo. Não
são realidades autónomas, mas complementares. São realidades que se continuam, que
são a mesma realidade.
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É verdade que a reforminha de 2019, entre as coisas boas que fez, aproximou os dois
processos. Há outras normas antes dela, mas, não deixa de ser verdade que temos uma
esquizofrenia do processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais em que, por um lado,
há um código de processo adequado à sua lógica nacional e europeia; e, por outro temos
um Código de Procedimento e Processo Tributário que remota ao regime com algumas
alterações. Portanto, é algo que, mesmo tendo sido melhorado, ainda não foi atingido.
Porquê? Não sei. Se falarem com qualquer fiscalista, ele vai dizer que acha que devia
ser aplicado no processo, com auto dos tribunais administrativos, com ligeiras
alterações. Coisa que eu sempre defendi. Não faz sentido nenhum existirem dois
códigos diferentes para uma realidade que é substancialmente administrativa. Isso não
tem nada a ver com a autonomia do direito fiscal, com a autonomia científica, com a
autonomia pedagógica, com a autonomia legislativa, não é nada disso que está em
causa. Mas o direito fiscal só corresponde a relações administrativas especiais.
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que na base, pelo que o sistema funciona como uma pirâmide invertida porque o STA
são três tribunais. Há a 1.ª Secção do Contencioso Administrativo, que é o tribunal de
1.ª instância, mais o tribunal de recurso de algumas decisões dos Tribunais
Administrativos de Círculo. Depois há o Pleno da Secção, que é de 2.ª instância, quer
em relação às decisões do Tribunal Administrativo de Círculo quer às do TCA. E depois
ainda há o Pleno da Secção que é o verdadeiro Supremo Tribunal onde se tomam as
decisões que cabem, em regra, aos tribunais superiores. E, portanto, é uma verdadeira
maratona, aquilo que se passa dentro dos Tribunais.
É difícil de inventar um tema mais complicado. Um tema em que os juízes são
chamados a fazer duas tarefas contraditórias. Esta situação esquizofrénica cheira-me,
por si só, um problema.
Eu ando a brandar contra isto há 30 anos (a primeira vez que escrevi sobre isto), mas
continua no mesmo, vão-se introduzindo umas soluçõezinhas, assim umas soluções à
portuguesa, assim uma coisa parecida.
Quais são as vantagens de haver uma jurisdição especial? (Vantagens que são afastadas
por este esquema). Para além da maldade intrínseca do sistema, que é haver esta
esquizofrenia, esta esquizofrenia também não permite que aquilo que podia ser a lógica
normal num Contencioso Administrativo, que é um contencioso especializado, funcione
na sua máxima.
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consumo, com o direito económico, com direito do ambiente, com direito do urbanismo,
direito da medicina, direito da saúde, com tudo aquilo que hoje é direito administrativo?
Se olharem para o que se passa na França ou na Alemanha, vêm isto, que precisamente
depois desta especialização há uma lógica de formação, não só no início, como
continuada ao longo da vida, no quadro do direito administrativo. E, portanto, temos um
primeiro problema: a falta da verdadeira especialização da formação.
O segundo problema prende-se com a falta de uma cadeira autónoma para os juízes dos
tribunais administrativos. Porque, para além de se admitir, e isto é bom, porque a
personalidades do excecionalmente no domínio do direito administrativo ou tributário
possam concorrer aos tribunais administrativos, (é algo que eu nunca vou fazer, mas se
não gostasse de dar aulas, poderia pensar), que é o doutor de direito que concorre
diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal
Administrativo.
O facto de a cadeira estar aberta a profissionais do concurso interno, designadamente,
aqueles que tenham doutoramento, choca-me e é uma opção para a justiça
administrativa. Só que isto significou que nesta alínea concurso de mérito, entram juízes
de outros tribunais.
E porque é que entram? Porque como no STA que é maior, há mais lugares de topo, há
mais juízes conselheiros porque há juízes conselheiros desde a Secção do Contencioso
Administrativo ao Contencioso Tributário, à autoridade e ao governo.
Um juiz que é desembargador e já está a caminho da reforma, a 2 anos de se reformar,
não encontra lugar no Supremo Tribunal de Justiça, concorre ao Supremo Tribunal
Administrativo, fica colocado, o que é que ele sabe de direito administrativo? Nada.
Nunca na vida resolveu um único caso de direito administrativo.
O que é que ele vai estudar? Para dois anos, não vai estudar muito. Vai ver o código
sobre a autoridade tributária, ou seja, está a zero no quadro da formação específica.
Os melhores, como eu já vi, em termos estatísticos, são os que vêm do direito do
trabalho, não sei porquê.
E, portanto, temos um Supremo Tribunal Administrativo que até há pouco tempo era
composto por juízes do direito da família que nem tinham tido a formação suficiente em
direito administrativo.
A culpa não é deles, é do sistema. O sistema permite que os juízes dos tribunais judiciais
concorram, sem mais, aos tribunais administrativos. Isto não tem nada a ver com as
pessoas. Estas pensam bem, legitimamente, em ser promovidas, e terminar a sua vida
como juízes conselheiros, que é legítimo, mas a organização da justiça administrativa
não deveria permitir isto. E, portanto, é mais outro problema da justiça administrativa.
Não significa isto que agora não tenhamos os melhores juízes nos Supremos Tribunais
de Justiça, porque temos. Porque a primeira geração de juízes formada a partir de 2004,
a primeira formação ad hoc, foi uma formação excecional porque todos nós, professores
do direito administrativo, achávamos que tínhamos a missão patriótica de ir ajudar a
formação dos juízes. Eu dei a estes juízes, tinha acabado de entrar para o quadro,
processo administrativo, direito do ambiente e ainda dei as normas de direito
administrativo suplente. E, como eu, todos: o Professor Freitas do Amaral, o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor Vieira de Andrade, o Professor Vital Moreira.
Fomos todos, os auxiliares a formar estes juízes e, por isso, até agora, os juízes de 1.ª
instância e os juízes que já chegaram, e começam a chegar agora, ao Supremo Tribunal
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Administrativo, estão todos muito bem formados, são excelentes juízes. Os que já lá
estão, depende. Alguns muito bons, outros não o são.
Mas há uma terceira dimensão da especialização é que se a jurisdição administrativa é
uma jurisdição especializada, ela deve ter também tribunais especializados.
Porque é isso que acontece nos outros países e nos tribunais judiciais especializados em
razão da matéria. Na Alemanha, no processo administrativo, há tribunais ditos sociais, o
direito administrativo especial, há tribunais de direito administrativo do ambiente e de
direito administrativo do urbanismo, salvo as matérias essenciais que são tribunais
especializados na interna jurisdição administrativa, não implica nenhuma alteração e
implica apenas encaminhar o processo daquela matéria ao tribunal. E depois o recurso
faz-se nos termos normais.
Isto era a forma de aumentar a eficácia da justiça administrativa. O legislador quis
resolvê-lo em 2004, dando uma colher de chá que o que dizia nos Estatutos era “podem
haver tribunais administrativos”, mas eles só surgiram em 2020. Só em 2019 é que o
legislador, que devia ter criado logo esses tribunais, os criou. E mesmo assim, criou em
termos limitados: a contratação pública, o urbanismo e o ambiente. Não a ideia do
social, a intervenção da administração no âmbito da Segurança Social, e, portanto,
deixou claramente, o legislador, a continuação da sua tarefa.
O legislador previu, em 2019, quais deviam ser os aspetos destes tribunais, e até agora,
tanto quanto eu sei, criou um, em 2020. E, portanto, já estamos perante uma verdadeira
especialização, está criado.
Eu lembro-me perfeitamente quando isto foi anunciado que, estava cá o governo, os
senhores secretários de estado, “senhor professor, eu sei que nos vai criticar, mas eu já
tenho o diploma pronto” “ponha lá o diploma então” e conseguimos com que aquilo
avançasse.
Ora bem, por tudo isto, este Contencioso não funciona a juntar a todos os outros
problemas, como a falta de tribunais de 1.ª instância distribuídos por todo o país, e a
todos os outros problemas, a justiça administrativa não funciona. Agora isto tem que ver
com problemas de organização da justiça administrativa e isto que é a parte nativa do
Estatuto é compensado, no entanto, pela parte cumulativa que vai ficar para a próxima
aula.
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Em rigor no quadro da jurisdição começamos por ter dois códigos - duas regras
diferentes em que haja razões para isso. Tratam relações administrativas especiais e
noutra gerais, mas não havia razões para distinções processuais, mesmo que pudesse
haver razões para distinguir materialmente direito administrativo e fiscal, mas não há
razão para distinções de normas processuais, que deviam ser unas.
A estrutura dos tribunais é estranha e absurda porque temos uma jurisdição com dois
tipos de tribunais esquizofrénicos.
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2 - Era preciso assegurar uma carreira própria para os juízes administrativos - para se
especializarem na carreira dos tribunais administrativos e fiscais, mas não há uma
institucionalização da formação.
Tribunais arbitrais são bons, mas quando se substituem à justiça administrativa, é mau.
Tribunais arbitrais são o complemento dos tribunais administrativos. No domínio dos
contratos significa que a justiça não está a funcionar.
Isto é mau e faz com que haja problemas na justiça administrativa - todas as críticas à
incapacidade de agir decorrem da má estruturação da justiça administrativa que tem
consequências.
Mas nem tudo está mau - segundo dizem, a nota 9 dada aos estatutos vem do artigo 4º:
do n. º1 e podemos acrescentar que o nº 2 e o 3.
Problema base que estudámos na aula passada da justiça administrativa era o problema
do âmbito de aplicação, era apenas a justiça do ato administrativo. As ações contratuais
surgiram tardiamente de forma limita.
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Portanto, esta realidade fazia com que em Portugal se vivesse no domínio da ficção. Se
pegamos num manual dos anos 80 de Freitas do amaral, verão que continuam a ser
utilizados os critérios da definitividade da decisão. Só que as exceções são maiores que
a regra: "só são impugnáveis os atos praticados pelos órgãos de topo (...), mas sempre
que uma decisão de um órgão puser termo a uma realidade, então é uma exceção". As
exceções eram tantas que apagavam a regra. Eram tantas e maiores que a exceção
apagava a regra: era a ficção que marcava a lógica do contencioso administrativo.
Dizia-se "só são," mas depois acrescentava-se uma exceção que era maior que a regra.
Faz lembrar a piada da escola primária: qual é diferença entre o gato e o cão? um deles
mia exceto o cão.
É uma regra que não serve para nada - era a ficção que marcava a lógica do contencioso
administrativo.
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O legislador em 2015, numa tentativa de meio passo atrás, não muito efetiva, introduz
invenções ideológicas.
Mas o legislador continuou a ter em 2004 e em 2015 todos os critérios e mais alguns.
Basta olhar para esta norma do nº1 que vai da alínea a) à alínea o).
1 - O critério dos direitos é um critério amplo: todos os direitos que o particular tenha
no âmbito de uma relação administrativa são um critério para aceder à jurisdição
administrativa.
Quanto à responsabilidade civil, legislador em vez de uma tem 3... surge a ideia que os
privados praticam atos administrativos e quando praticam são responsáveis pela sua
atuação.
O concecionário da ponte é empresa privada, mas que por exercer aquela tarefa, está a
exercer a função administrativa: A sua atuação é do âmbito do contencioso
administrativo.
Tudo funciona como uma válvula de escape para o que não devia acontecer. Ainda se a
válvula de escape fosse como os filmes de hollywood, isso era pelo menos o sucedâneo
para não haver guerra. Agora temos a guerra e aqueles hooligans que passam
salvaguardados pela polícia para irem para o estádio - são cenas escabrosas que
supostamente são de utilidade pública: estão submetidos ao tribunal arbitral -cabem no
âmbito da jurisdição administrativa. Se alguma entidade desportiva recorrer ao tribunal
(há pouco aconteceu com um clube que foi expulso da 1ª divisão, apesar da FIFA dizer
que era uma coisa à parte, não obstante, há competência para o exercício da função
administrativa e apesar das tentativas de reclamar a ausência do controle jurisdicional,
cabe ao contencioso administrativo.
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Diz-se que é a norma da justiça administrativa, que qualifica da forma mais ampla
possível o universo do controle administrativo.
Depois temos a alínea l) que contempla as impugnações judiciais de decisões da
Administração Pública em que esteja em causa a aplicação de uma coima imposta pela
autoridade administrativa, no domínio do urbanismo.
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Por outro lado, quanto à especialização dentro do tribunal, também aqui se estão a dar
os primeiros passos, mas, em rigor, apenas está a funcionar uma fase instaladora do
Tribunal de matéria de contratação pública, e os outros tribunais não existem, o que
contribui para o não funcionamento do sistema. É por isto que o Professor não gosta do
Estatuto.
Já quando falamos do Código, a situação é muito diferente, porque este adota boas
soluções, adequadas a nível constitucional, mesmo que em muitos casos a técnica
legislativa não seja a melhor.
O problema agora é que deixou de haver uma separação entre o texto constitucional e a
realidade europeia e aquilo que é a realidade da justiça administrativa.
Vamos começar agora por analisar alguns artigos emblemáticos, que são aquilo a que
correspondem os nossos princípios, mostrando o que se quis colocar logo no início no
Código do Processo, para se mostrar que se queria fazer algo radicalmente novo ao
nível da justiça administrativa. De seguida, vamos olhar para os elementos do processo
(sujeitos e objeto) e para os pressupostos processuais.
Qual era a grande aposta que se colocava ao legislador de 2002/2004 e que não podia
deixar de se fazer? Assegurar aquilo que na Constituição aparece quando se estabelece o
princípio da tutela jurisdicional plena e efetiva. É este princípio que marca a
evolução constitucional e a evolução europeia da justiça administrativa, que introduz a
superação de alguns dos principais traumas da justiça administrativa e corresponde a um
modelo que começou a aparecer nos finais dos anos 70 e que se generalizou a partir do
ano 2000.
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Este modelo foi o que acabou por ser feito em Portugal, de uma forma muito evidente
na versão de 2005. O legislador português em 2004 criou 2 meios processuais aos quais
deu o nome de ação administrativa comum e ação administrativa especial.
Depois, com a reforminha de 2015, e na sequência de múltiplas críticas quanto ao
sistema, o legislador unificou os 2 meios processuais, passando a haver apenas uma
ação administrativa, mesmo que esta corresponda a várias ações.
Esta solução adotada cumpre as exigências constitucionais, porque existindo dois meios
processuais, um meio apenas, ou vários, há uma lógica similar à do processo civil de
não deixar nada de fora e permitir que cada direito encontre um meio processual
adequado. Isto encontra-se explanado no artigo 2º/2 CPTA – princípio da tutela
jurisdicional efetiva, a cada direito corresponde uma tutela adequada junto dos
tribunais administrativos.
Esta realidade é algo que aproxima o processo administrativo do processo civil e realiza
a tutela plena e efetiva, porque agora não existe nenhuma posição de vantagem nem
nenhum direito subjetivo que fique fora do processo.
Esta opção subjetivista é uma opção assumida, neste momento da reforma, como uma
maneira de conseguir uma tutela integral, porque quando falamos em direitos dos
cidadãos diante da Administração Pública, estes direitos correspondem a uma conduta
estabelecida na lei, que realiza o princípio da legalidade. Assim, o reverso da tutela
jurisdicional efetiva é uma realização total, completa e eficaz do princípio da legalidade.
A discussão que tem de ser vista nesta dupla dimensão: como os direitos dos cidadãos
correspondem a deveres da Administração, a existência de uma tutela da Administração
significa que esta também está a cumprir a legalidade.
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Em primeiro lugar, remete-se para as normas aplicáveis do artigo 1.º, mas o relevante é
o artigo 2º CPTA, onde o legislador vai desenvolver aquilo que, segundo ele, é o
princípio da tutela jurisdicional efetiva. E vem dizer que, para além do que está na CRP,
a tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter em prazo razoável e
mediante processo equitativo uma decisão. Infelizmente, isto não está realizado, o que
significa que também aqui existe muito a fazer para atingir o ótimo constitucional. Em
Portugal, infelizmente, devido à falta de recursos e ao modo como está organizada, a
justiça administrativa não está a cumprir o objetivo constitucional.
A referência a “processo equitativo” está aqui por causa da Europa, porque o Tribunal
de Justiça, nos anos 90, tinha criticado os tribunais de alguns países por permitirem que
houvesse essa transição de membros da secção jurisdicional para a secção
administrativa. Precisamente na tal lógica de autonomia de carreiras e de especialização,
o TJ condenou a Bélgica, França e Luxemburgo, por terem permitido a transição de
funcionários administrativos para juiz, o que violava a separação de poderes.
Portanto, temos aqui logo uma noção de uma tutela jurisdicional efetiva que completa a
dimensão constitucional, e que também é materialmente constitucional.
O legislador, em vez de criar categorias teóricas que esgotam a realidade, vai enumerar
todos os critérios possíveis e imaginários, fazendo longas listas sobre todas as hipóteses,
como aliás conseguimos perceber, pois neste artigo 2.º CPTA quase nada fica de fora,
está cá tudo. Ou seja, o legislador enumera todas as posições que considera essenciais;
como através do método da enumeração, não quer deixar nada de fora, acaba por se
repetir.
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O legislador depois quando nos artigos 37.º e ss. CPTA fala de ação administrativa,
definindo o seu objeto, vai repetir todas estas alíneas e incluir mais algumas.
Esta coleção, que depois aparecia a propósito das diferentes ações, agora desapareceu,
mas existe ainda a propósito da ação de anulação, por exemplo.
O legislador quis mostrar que, de forma inequívoca, estávamos perante um novo
contencioso pleno e efetivo, pelo que a norma é paradigmática.
Uma referência à esquizofrenia de falar em ações comuns e ações especiais: aquilo que
o legislador fazia era dizer que havia uma ação comum, que era a mais importante, pois
cobria mais casos no processo administrativo, mas depois criava uma ação dita especial,
que dizia respeito a tudo o que se relacionava com atos e regulamentos; ora, isso
significava 99,9% do processo administrativo.
O Senhor Professor Vasco Pereira da Silva diz que não fazia sentido distinguir as ações
comuns e ações especiais, porque estas já tinham cadastro: do ponto de vista histórico, a
ação especial era o recurso de anulação, relativa a atos e regulamentos. A partir do
momento em que isso desaparece, e as ações são guarda-chuva, onde tudo é possível
numa ação, não fazia sentido utilizar essa dupla terminologia. Por isso, o legislador
deveria ter utilizado outros nomes ou até combiná-los.
Isto não se percebe: aquilo a que o legislador chamou de ação comum era
verdadeiramente a ação especial, porque era aqui que se resolviam muitos processos,
segundo as regras que constavam do Código, porque na versão de 2004 apenas estava
regulada a ação especial. Caso apenas pudesse escolher entre estes dois nomes, então
pelo menos acertasse no seu nome, trocando-os.
Estas críticas fizeram mossa e, segundo o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
soube, a Comissão tomou em conta essas críticas e resolveu unificar.
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Artigo 2º CPTA, consagra o princípio da tutela judicial plena e efetiva, significa isto que
no quadro da ordem constitucional que há uma ação subdividida em quatro sub-ações.
Dr. José Coimbra vê outras formas para além destas quatro consagradas aqui no código,
refere 5 ou 6 - “sistema do shampoo 4 em 1”.
Mas o que é facto e já analisado na aula passada, com a reforma do 2015 o legislador
codificou os meios processuais, havia dois em 2004 (ação comum e judicial) agora só
há a ação administrativa. Essa ação administrativa formal permite todos os pedidos e
permite que haja todo o tipo de sentenças (sentenças de simples apreciação, sentenças
condenação e sentenças condenatórias), maior parte das sentenças têm um carácter
misto e ao mesmo tempo que assim é o legislador tendo aparentemente unificado os
meios processuais criou quatro ações que são verdadeiras ações autónomas.
São verdadeiramente ações autónomas, sendo que cada uma delas
- Impugnação de atos administrativos
- Condenação para a prática de ato devido
- Impugnação + emissão em matéria de regulamentos
- Ação em matéria de contratos
Artigo 4º CPTA, permite a cumulação de pedidos cuja significa trazer para cada
processo administrativo a integralidade da relação jurídica administrativa. O critério do
objeto do CAT do ponto constitucional são as relações jurídico-administrativas. Estas
entram num processo em que todos os pedidos são possíveis e que todas as sentenças
são suscetíveis de surgir no processo (“lógica de ação guarda-chuva).
Artigo 4º/1 CPTA, estabelecem-se regras nas quais são permitidas cumulação de
pedidos no qual cabe praticamente tudo:
Alínea a) - o que está em causa são realidades que integram a mesma relação
jurídica material, critério da relação jurídica material trazida por eles.
Alínea b) - quando está em causa a apreciação dos mesmos factos ou apreciação
das mesmas normas isso também deve ser analisado de forma cumulativa e
todos os pedidos são cumulativos.
Artigo 4º/2 CPTA, exemplos dessa cumulação, tanto pedidos constitutivos como
pedidos de simples apreciação junto com pedidos de condenação da prática de ato
administrativo. Continua a nos aparecer esta lógica de condenação com qualquer de que
tudo é cumulável, o que significa que a noção de cumulação de pedidos que aqui está
não é a mesma que o CPC. Isto dá-se porque, tal como chamou à atenção o professor
Miguel Teixeira de Sousa, no artigo que escreveu sobre a reforma, a maior parte dos
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casos que aqui estão são de cumulação aparente e não de cumulação real dado que está
em causa a mesma relação administrativa, ou, na logica administrativo do professor
enunciado “o mesmo valor jurídico da causa”.
Considera, o Regente que o professor Miguel Teixeira de Sousa tem razão apenas em
parte porque se pensarmos na lógica do processo administrativo o que aqui está não é
aparente, na verdade o que está em causa é real, mas isto não significa que não há caos
de cumulação real – mas esses acontecem exatamente nos termos do processo civil,
logo, não são relevantes para o processo administrativo. O que são relevantes são as
cumulações aparentes; porque o que tínhamos antes é que o processo administrativo
através dos meios processuais que existiam estava partido em fatias, fatias autónomas e
subsidiárias, portanto era preciso primeiro ir a tribunal e pedir a declaração do ato ferido
de nulidade, apenas depois de perdidos anos a discutir a validade do ato, só depois é que
se podia pensar em anular os atos contratos subsequentes, e apenas depois se podia
pensar em ação de responsabilidade, deste modo vemos que o processo estava
seccionado em secções autónomas e primeiro era preciso discutir a validade. Em que a
ação principal era a da legalidade ou ilegalidade do ato, se essa não fosse ganha não
surgiam as seguintes.
Hoje já não é assim, este mecanismo em fatias que impedia a justiça administrativa foi
revogado, a integralidade da relação jurídica administrativa pode ser levada ao tribunal
administrativo- todos os pedidos relativamente àquela relação jurídica sejam levados
naquele caso concreto. Percebesse porque o legislador vem falar no processo
administrativo de cumulação, cumulação aparente essa que era a grande mudança que a
reforma necessitava, é o que assegura a tutela plena efetiva do particular. Faz com que a
cumulação de pedidos conduza a sentenças com múltiplos conteúdos (conteúdos
constitutivos, conteúdos de condenação e conteúdos de simples apreciação na mesma
sentença) – não basta ao particular anular a decisão administrativa é preciso sempre
reintegrá-lo na situação que se encontrava antes da prática do ato administrativo.
Note-se que podemos dizer que antes da reforma era o “recurso hierárquico
jurisdicionalizado” dado que o juiz anulava o ato tal como o superior hierárquico o
poderia fazer.
É esta reforma que produz a verdadeira mudança no CAT, MTS na lógica do processo
civil não se tenha apercebido e entendeu o que já descrevemos, entendimento ao qual o
Regente respondeu que esta é a cumulação aparente se não fosse assim a realidade
administrativa estava dividida em fatias.
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da lei, escolha balizada dentro do ordenamento jurídico, escolha conformada por todos
os princípios da ordem jurídica – esta realidade transformada não podia deixar de ter
consequências processuais). O que está aqui em causa é o princípio da juridicidade, a
ideia de vinculação da administração à lei e ao direito.
Esta norma é fundamental para explicar, a norma que é relativa as ações de condenação
na prática de atos devidos:
Artigo 71º CPTA, estabelece que o quadro da ação de condenação o particular pode
pedir ao juiz que esclareça a administração qual é o correto exercício do poder
discricionário, ou seja, o tribunal não se pode substituir à administração, mas pode
indicar o modo de exercício do poder discricionário. O legislador é cuidadoso diz que o
tribunal não pode determinar qual o conteúdo do ato praticado, mas o tribunal deve
explicitar as vinculações a observar pela administração na emissão do ato
administrativo; pode indicar as escolhas possíveis entre as possíveis, como tal, não é
uma escolha livre é uma escolha entre as opções que cabem na letra e no espírito da lei.
Por outro lado, avaliando as circunstâncias e aplicando as vinculações que
correspondem ao exercício do poder discricionário são ilegais algumas opções e por isso
determina que a elas não podem aplicar – sobre este assunto há um livro do professor
Regente publicado na revista “direito constitucional e direito administrativo sem
fronteiras” que versa sobre uma visão ampla das fontes de direito que não apenas
abrange todas as situações que temos no direito e vinculações de toda a ordem jurídica
por isso o princípio da legalidade tem uma vertente supraconstitucional (direito
constitucional, direito europeu, direito global) e infraconstitucional (regulamentos e
contratos), sobre o princípio da legalidade que é a versão hoje consagrada no CPA e
CPTA a legalidade não é a violação da concreta lei que regula a matéria, mas a
legalidade é a subordinação ao direito no seu conjunto. Neste sentido, o juiz pode nos
termos do artigo 73º CPTA o juiz pode elaborar sentenças no quadro do poder
discricionário numa lógica de separação de poderes.
Cada um dos núcleos presentes no artigo 3º CPTA, produz uma lógica nova renovada do
princípio da separação de poderes.
Artigo 3º/2 CPTA, em termos autónomos pega-se num mecanismo jurídicos que nasceu
na execução das sentenças em França e que o legislador português adotou “sanções
pecuniárias compulsórias”. Diz que para assegurar a fiabilidade da tutela, os tribunais
administrativos podem selecionar o praxo para o cumprimento de deveres que
imponham à administração aplicar quando se verifique sanções pecuniárias
compulsórias. Ou seja, os tribunais não dizem apenas qual o resultado, também dizem
em que momento esse resultado deve ser verificado – o tribunal interfere no poder
discricionário. A administração não tem discricionariedade quanto ao momento de
execução, tem de executar no momento em que o tribunal determina, isto é assim
porque as ações de condenação pela sua natureza são as mais rigorosas, prevê-se que
nestas logo que emite a sentença o juiz fixe a sanção pecuniária. Logo no processo
declarativo a administração determina prazos, montantes de multas eventuais por não
pagamento no momento correto e, assim, sucessivamente. É uma realidade relacionada
com o assegurar que as sentenças são condenatórias, efetivas e que se executam logo de
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Artigo 3º/3 CPTA, prevê a tutela cautelar, está neste artigo porque ela foi a razão
europeia da reforma. A tutela cautelar limita-se a salvaguardar as situações para que no
futuro, caso o autor tenha razão, a sentença tenha efeito útil. O juiz não está a olhar para
as normas para saber qual a melhor solução possível, está a pretender saber qual o valor
mais importante / mais afetado pela execução da decisão e, no quadro desse juízo,
decide proteger uma das posições, ou seja, está a fazer um juízo de mérito [e não de
legalidade].
Artigo 6º CPTA, princípio da igualdade – antes de 2004 não havia partes no processo
administrativo nem em sentido processual nem substantivo, a administração era uma
autoridade recorrida que ajudava o juiz a descobrir a legalidade e o particular ia ajudar a
descobrir a legalidade.
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Por outro lado, o particular não era parte, porque o particular não podia ter direitos em
face da Administração e também não era parte em sentido processual. Como dizia
Maurice Hauriou, a posição do particular era igual à do Ministério Público. Estava ali
para auxiliar o Juiz e a Administração a tomar a melhor medida de satisfação das
necessidades e prossecução do interesse público no quadro da legalidade. Portanto não
havia partes. O particular não ia a Tribunal para tutelar um direito usado, o particular ia
a Tribunal apenas como um bom escuteiro fazendo a sua boa ação diária para ajudar a
que a justiça e a legalidade se realizassem. Era esta a lógica dominante do Contencioso
Administrativo, que era um Contencioso objetivo, de total dimensão objetiva virado
apenas para a legalidade em que não havia partes
Em 85, como eu vos disse, já começa a surgir alguma realidade que tem a ver com o
futuro processo de parte, mas esse processo de parte só se realiza integralmente com
reforma de 2002/2004. E, portanto, é natural que o legislador da reforma, para além de
dizer o que é que partes, dissesse que essas partes são iguais. Há igualdade de partes.
Porque há, do ponto de vista constitucional, uma posição de igualdade, de paridade
entre o particular e Administração que estabelecem relações jurídicas em posição de
paridade, porque se a Administração prossegue o interesse público, o particular tem por
si os direitos fundamentais que vinculam diretamente a Administração e portanto é uma
relação equilibrada do ponto de vista substantivo e é uma relação que do ponto de vista
processual é exatamente a mesma porque as partes intervêm nos mesmo termos em
todos os Processos Administrativos.
O objeto do processo, diferentemente do que se passava no passado, é constituído pelas
partes. O Processo Administrativo é também o processo basicamente de natureza
acusatória, como vamos ver nos artigos 95.º e seguintes. Há aqui uma nova realidade e,
portanto, é razoável que o legislador, que quer mostrar esta nova realidade, diga que
estamos perante a igualdade das partes. Esta norma é emblemática, gosto dela. Há quem
diga que tem o meu nariz, e é verdade, porque há aqui algumas coisas que têm a ver
com a discussão do passado e que usam os meus argumentos, mas independentemente
disso, isto corresponde à transformação que se deu no Processo Administrativo.
Precisamente porque esta norma, para além de falar na igualdade efetiva das partes do
processo, esta norma depois acrescenta que isto significa que seja possível no processo
aplicar culminações ou sanções processuais designadamente por litigância de má fez.
Isto é um corolário da igualdade de partes, mas isto não tem o mesmo valor da
igualdade das partes. Eu diria que isto não devia estar aqui, ou, ao estar aqui, deveria
estar pelo menos no número dois. Dizer “corolário da igualdade das partes é a
possibilidade de culminação de sanções e a litigância de má-fé”. Agora, porque é que
isto está aqui, porque é que eu digo que isto tem o meu nariz? É que quando discutimos
nos anos 80 e 90 se deviam haver ou não partes no Processo Administrativo, o grande
argumento, quanto ao qual eu discuti, que era o argumento de Marcello Caetano e que
depois foi retomado em parte por Freitas do Amaral e mesmo por Sérvulo Correia e Rui
Machete, o grande argumento era “não há partes porque no Processo Administrativo
nenhuma das partes tem de pagar as custas do processo, não há nenhuma sanção
correspondente ao pagamento de custas, até porque não há, de um ponto de vista
processual, valores para as diferentes ações e não pode haver litigância de má-fé”. Estes
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dois argumentos eram sempre utilizados contra aqueles que, como eu, diziam que o
processo tem de ser de partes e tem de haver igualdade de partes.
Eu respondia precisamente o contrário, tal como veio a acontecer no quadro dessa
reforma, e por isso é que eu brinco dizendo que tem o meu nariz, porque por um lado
agora todos os processos têm um valor, é possível e resulta da lógica do processo que
quem perde a ação possa ser condenado no pagamento das custas e pode haver sanções
por litigância de má-fé. Isto decorre do facto de estarmos perante um processo de partes.
Não é tão essencial como a afirmação do princípio das partes e da igualdade destas, mas
pronto, também não vem mal ao mundo. O legislador nestas normas de vez em quando
excede-se um bocado, mas percebe-se. Ele está tão satisfeito por aquilo que conseguiu
realizar que aqui resolve introduzir não apenas a solução, mas introduzir os argumentos
que apontavam nesse sentido aquilo que era uma consequência da qualidade de partes.
Antes eu dizia “não há, mas deve haver, isso é uma das coisas que falta para que haja
um processo integralmente de partes, ao lado de outras, e a discussão tinha a ver com
esta realidade. Depois há outro argumento que vem a seguir, já falaremos também, e que
é extremamente importante. Portanto, temos agora uma nova realidade processual
Depois temos o artigo 7.º que é o da “promoção de acesso à justiça” que também é um
artigo fundamental. Aqui se diz que o objetivo do processo é conseguir que haja uma
decisão sobre o mérito das partes. Uma decisão material. O que se pretende não é
apenas que o processo seja um conjunto de formalidade, como muitas vezes era o
Processo Administrativo, mas pretende-se que as partes que usam do Processo
Administrativo tenham uma justiça material adequada às suas situações. Isto não tem
giz nem coisa do género, mas eu vou métodos completamente audiovisuais, isto é, o
último grito, melhor do que a internet, melhor do que os powerpoints, porque é
totalmente virtual. Nem se quer fica cá nada, não é? Há uma figura que eu costumo usar
para explicar aos meus alunos a teoria da legalidade, falaremos disso mais tarde numa
das próximas aulas quando falarmos do pedido e da causa de pedir, que eu digo que a
ilegalidade do Direito Administrativo é uma espécie de um grande bolo, bolo de
aniversario com diferentes fatias. Cada fatia gera por si só a ilegalidade do ato. Uma
fatia é para as ilegalidades de natureza material, outra é para a incompetência, outra é
para vicio de forma, outra é para o Procedimento Administrativo.
Portanto há ilegalidades formais em sentido amplo correspondentes ao procedimento, à
competência e à forma e depois há invalidade materiais que têm a ver com as pretensões
dos particulares, os direitos dos particulares que estão a ser discutidos. Basta comer uma
fatia do bolo para morrer envenenado, mas cada fatia do bolo tem um veneno diferente.
A fatia da competência tem estricnina, a fatia material tem heroína, a outra tem mata-
ratos, enfim. O que significa que basta comer uma fatia para morrer, ou seja, basta haver
uma ilegalidade para o ato ser ilegal, mas pode-se morrer de maneira diferente
consoante haja várias fatias e normalmente há várias fatias envenenadas e, portanto, a
dose do sofrimento é maior. Estricnina com mata-ratos é pior do que só estricnina ou só
mata-ratos. O que é que acontecia antigamente? Havendo em regra alguma ilegalidade
procedimental ou alguma ilegalidade de competência, o Juiz não apreciava as
ilegalidades materiais, anulava apenas com fundamento na ilegalidade de ordem formal,
a Administração corrigia o ato e o particular tinha que ir outra vez a juízo para discutir
as relações materiais que tinham sido utilizadas por aquele ato. Isto agora acabou
56
também. Como veremos também mais tarde, o artigo 95, º vem dizer no quadro do
objeto do processo que o Juiz tem de considerar todos os pedidos feitos pelo particular e
tem que considerá-los a todos, não pode ficar pelo formal, pelo da competência, pelo da
forma em sentido restrito. Tem de analisar a competência, a forma, a ilegalidade
material. Tem de analisar até ao fim todas as ilegalidades. Porquê? Porque o particular
deve ser integralmente protegido com essa ida a Tribunal, com esse acesso ao Juiz e a
Administração não deve ter a possibilidade de corrigir a legalidade. Às vezes é muito
simples, por exemplo faltou uma notificação de um particular, a Administração notifica
e o ato continua imediatamente válido e a produzir efeito a menos que o particular o
impugne outra vez. Para evitar esta ilegalidade, é preciso dizer que o principio do acesso
à justiça não é apenas à justiça formal, uma justiça formalística que só se preocupa com
o cumprimento do procedimento e com o cumprimento das regras de competência de
formas, mas é preciso o respeito da legalidade material e daí o facto deste artigo art.
95.º vir a dizer de uma forma completa que o Juiz deve conhecer de tudo aquilo que foi
alegado pelas parte e deve conhecer de forma completa de tudo aquilo que foi alegado.
O Juiz não pode deixar de considerar todas as causas do processo. Portanto este artigo é
também um artigo emblemático. Porque aqui o que acontecia na maior parte dos casos
até esta reforma era que o Contencioso Administrativo era um contencioso de meras
formalidades. Não ia ao fundo da causa, não discutia as discussões materiais.
Depois surgiu-nos com a “reforminha” de 2015 este artigo 7.º a) que estabelece deveres
de gestão processual a cargo dos Juízes. É um artigo que resulta de uma reforma que é
comum também ao Processo Civil, aparece no Código de Processo Civil, aparece no
âmbito de todos os processos e atribui ao Juiz responsabilidades para que não haja
dilações, para que o processo corra da forma mais célere possível… É uma regra
importante não é uma regra privativa do Contencioso Administrativo e tanto assim que
ela não estava na reforma de 2004, mas acho que o legislador de 2015 fez bem em ter
introduzido esta cláusula em termos similares às do Processo Civil. Mas vejamos agora
uma outra norma, que estando correta e correspondendo a algo que é essencial
simultaneamente é um bocadinho exagerado, enfim, porque junta várias coisas. Ora
bem, aquilo que aqui se consagra é o princípio da cooperação e boa-fé processual, o que
faz todo o sentido, porque se há partes e se as partes estão em posição de igualdade é
preciso que essas partes cooperem uma com a outra e com o Juiz e que haja boa-fé no
quadro das relações entre elas. Assim faz sentido num processo judicial a consagração
deste pedido. Isto também é, se quiserem, uma consequência, um corolário da lógica da
identidade de partes, mas o legislador não diz apenas assim, diz aqui algumas coisas que
os senhores à partida estranharão. Por exemplo, diz-se que a Administração Pública no
quadro da cooperação deve enviar o Procedimento Administrativo para o Juiz, para o
Tribunal. Isto é importante, mas não é tao importante como o resto. Isto é uma
consequência da cooperação. Porque é que aqui está isto? É que antes, quando não havia
partes, o processo estava, já em 85, para um futuro processo de partes, mas havia a tal
realidade compromissória, a tal dimensão compromissória da parte do legislador e uma
das grandes discussões, outra das coisas que eu tive de discutir com o professor
Marcello Caetano por intermédio do Professor Freitas do Amaral que assumiu esses
argumentos, era a questão de saber se no Processo Administrativo havia ou não um ónus
de impugnação por parte da Administração na resposta ao articulado apresentando pelos
particulares, mas também dos particulares no quadro de qualquer processo que esteja
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em causa. Ou seja, o que se dizia era que como aquilo não era bem um processo de
partes, diferentemente do que se passa no Processo Civil, no Processo Penal e nos
outros processos, não havia ónus de impugnação e não havia ónus de contestação.
O argumento utilizado pelo Professor Marcello Caetano era dizer “não há ónus de
contestação nem de impugnação porque a lei de processo não consagrava a ideia de que
se os factos não fossem refutados eles tinham-se como provados. A ideia da impugnação
especificada do Processo Civil. Ou seja, no Processo Civil se alguém diz alguma coisa e
a outra parte não contraria, tem-se como provada essa realidade.
O que é que se dizia no Processo Administrativo? Confundia-se o ónus da impugnação
com o ónus da impugnação especificada. Dizia-se “como não há ónus de impugnação
especificada, não há o processo de partes”. Aquilo que a Administração deve fazer como
resposta que pode dar ao particular é enviar o procedimento para o Juiz e fazendo isso
ela não tem de responder porque não é obrigada, não há nenhum ónus, não há nenhuma
vantagem em responder ao particular porque o princípio é o da livre convicção do Juiz.
Ora bem, o que é que eu dizia no quadro desta discussão que depois o legislador
também me resolve dar aqui uma colher de chá? Eu dizia que essa discussão estava
trocada e assentava numa confusão entre ónus de impugnar e sanção de se terem como
comprovados os factos não contestados, o ónus de impugnação especificada que são
duas cosias diferentes. Uma coisa é o ónus de impugnar, qualquer parte tem e se não
usar esse ónus corre o risco de que o Tribunal veja a formação de uma vontade que é
contrária aquilo que pretende. Portanto quer a Administração quer a parte já antes da
reforma tinham este ónus de impugnação. Isto não se confundo com o ónus de
impugnação especificada, porque mesmo no Processo Civil, ónus de impugnação
especificada que é uma regra geral tem exceções designadamente quando estão em
causa pessoas coletivas, quando estão em causa incapazes, entidades cuja formação da
vontade possa ser difícil de determinar.
Ora, no Processo Administrativo o que está em causa são vontades publicas, são
entidades coletivas através de órgãos, o que está em causa caberia exatamente nos
mesmos termos do que a regra do Código do Processo Civil. Portanto eu dizia que isto
era uma confusão: confundir o ónus de impugnação com o ónus de impugnação
especificada e que no Processo Administrativo como no Processo Civil, se ninguém
refutasse os argumentos da outra parte, veria o Juiz entender que a parte provavelmente
teria razão, ainda que no quadro da livre convicção do Juiz.
Não vai mal ao mundo ter feito isto. Não era absolutamente necessário tê-lo feito, ou tê-
lo feito nos termos em que o fez. Agora, é compreensível que o tenha feito porque esse
foi o argumento decisivo dos anos 80 e dos anos 90.
58
Ao fazer isto, o legislador não precisava, embora precisasse de ter aqui a ideia da
cooperação, de estar a dizer tudo o que ela significava ou estar a meter tudo no mesmo
saco. Agora, compreende-se que o tenha feito, tal como o legislador que gosta de muito
de repetir, também introduz aqui aquilo que já tinha dito no Artigo 6.º que é evitar a
dilação por parte dos sujeitos processuais e, portanto, o juiz pode sancionar as partes.
Tudo isto tem a ver com a colaboração, com a colaboração entre as partes e a
colaboração entre com juiz. Agora, tudo isto está aqui também pré-determinado pela
discussão que vinha do passado.
Muito bem, vem agora a questão das partes, e, portanto, no Artigo 8.º-A e ss., há um
conjunto de regras essências que tem a ver com os elementos do processo que são
aquelas realidades sem as quais não existe uma relação jurídica processual, são
realidades constitutivas essenciais de um qualquer processo. Estudámo-las no processo
administrativo, no processo civil, no processo penal, no processo constitucional, em
qualquer realidade de natureza processual. E estes elementos do processo correspondem
a duas realidades essenciais: a primeira é a das partes do processo - e, portanto, vamos
estudar as partes no processo que é algo que decorre deste princípio da igualdade das
partes (antes não era preciso estudar porque não havia, mas agora é) - e a segunda é o
objeto do processo - e, portanto, vamos estudar a posição dos particulares e da
administração nos processos multilaterais.
E, portanto, a primeira coisa que vamos estudar é isso. Vamos ver as regras da
legitimidade que aparecem aqui no Artigo 9.º e no Artigo 10.º e depois vamos analisar
as questões do objeto do processo, as questões relativas ao pedido e à causa de pedir.
O pedido é aquele que o particular vai solicitar diretamente ao juiz, aquilo que ele vai
pedir diretamente ao juiz, como a anulação do ato, a anulação da administração, a
declaração de direito. E esta solicitação existe para a tutela do direito dos particulares.
E, portanto, quando falamos em pedido, estamos a pensar quer naquilo que é
imediatamente solicitado ao particular, quer no direito subjetivo que é tutelado por
aquilo que é pedido. E aqui quando falamos em direito subjetivo estamos a usar a
expressão em sentido amplo porque o direito subjetivo abrange quer o direito subjetivo
59
Quem fazia esta distinção entre pedido mediato e pedido imediato era o Professor
Manuel de Andrade. Segundo este, o pedido imediato é aquilo que se solicita
imediatamente ao juiz, enquanto que o pedido mediato é os direitos que são tutelados
através deste pedido.
E depois há uma causa de pedir que é a razão de ser do processo, aquilo que leva o
particular a ir ao tribunal, aquilo que justifica a queixa por parte do particular. Neste
caso, a lesão do direito através da prática de uma ação ilegal. E, portanto, a causa de
pedido, no processo administrativo, tem a ver com esta realidade, de apreciar a validade
de um comportamento administrativo que é lesivo e este corresponde à causa de pedido.
É isto que vamos fazer, começando hoje, e fazendo nas próximas aulas. Enfim, uma ou
duas aulas para terminarmos esta parte da matéria e depois é que vamos analisar os
diversos meios e os pressupostos processuais.
Ora bem, o que é que está aqui em causa? O que é que mudou quer do ponto de vista do
particular, quer do ponto de vista da administração?
Em primeiro lugar, o particular passou a ser o sujeito processual, ou seja, passou a ser o
sujeito de direito que tem relações com a administração e relações que são paritárias,
que são relações jurídicas, são determinadas pelo direito. E esta qualidade de ser sujeito
de direito é a qualidade que vem da dignidade da pessoa humana, dos direitos
fundamentais, da posição do particular em face da Administração, que provém da ordem
constitucional.
O particular não é um objeto do poder como era para Otto Mayer ou como era para o
Professor Marcelo Caetano. O particular é o sujeito de direito que estabelece relações
com a Administração.
Isto obriga a superar tabus: um deles é a noção de direito subjetivo porque o direito
administrativo sempre viveu mal com os direitos subjetivos. E ainda hoje há resquícios
dessa situação.
Como eu vos disse já há pouco, Otto Mayer achava inadmissível a existência de direitos
subjetivos em frente à Administração Pública. O particular não pode ter direitos perante
uma entidade toda poderosa, o particular é um objetivo do poder soberano, diz
expressamente Otto Mayer...
E esta teoria negacionista, depois, é até levada às últimas consequências, até pelo
primeiro positivismo. Kelvin Merkel tem relutância em reconhecer direitos subjetivos
dos particulares contra a Administração Pública.
É uma realidade que chega praticamente até aos nossos dias, mais que não seja por
influência do positivismo jurídico que é uma espécie de filho tardio do liberalismo
jurídico, e, portanto, vai transformar em teorias jurídicas realidades que vinham dos
60
Mas havia outra teoria negacionista que vinha da lógica processual francesa e que está
nas construções de LaFeerrie, Bonarte, todos os grandes autores do Contencioso
Administrativo.
O que é diziam esses autores? Diziam que o particular não tem qualquer direito perante
a administração, não está a ser julgado neste processo. Logo, a solução natural, destes
recursos perante o Conselho de Estado, seria a que o processo tivesse aberto a toda a
gente, se não há direito, devia haver uma espécie de ação popular.
Isto era, apesar de tudo, insuficiente para fechar o Contencioso Administrativo porque a
lógica que estava subjacente à perspetiva autoritária do Contencioso Administrativo não
era de abrir, era de fechar. Portanto aí surgiu aquela que é a construção brilhante do
Maurice Hauriou que vigorou no direito português até 2004. Era a ideia que o interesse
podia ser jurídico, não tinha que ser apenas fático e tinha que ser qualificado: direto,
pessoal e legítimo. Era o que se dizia na lei do processo, era a regra em Portugal até à
reforma de 2002/2004.
Isto significava, que na prática, estava-se a construir o processo para direitos subjetivos
sem os admitir. Porque é que o interesse era direto, pessoal e legítimo? Era direito
porque afetava aquele cidadão que é processo, era pessoal porque era algo que estava na
sua esfera jurídica e era legítimo porque era protegido pela ordem jurídica. Ou seja, era
um direito subjetivo (digo eu).
E, portanto, como eu de resto escrevi na minha tese de mestrado, aquilo que lá estava
era deixar entrar pela janela aquilo em relação à qual se tinha fechado a porta. Fechava-
se a porta aos direitos. “Não, não pode entrar direito no Contencioso Administrativo”.
Mas depois dizia-se: o que é que é legitimidade que é o que define o acesso ao juiz? É o
interesse direto, pessoal e legítimo, ou seja, é o direito subjetivo que não se queria
admitir.
E, portanto, isto funcionava como sucedâneo da ideia do direito subjetivo e foi aqui que
a doutrina começou a perceber que não fazia sentido, não era adequado à lógica do
61
Foi tardiamente, foi já na segunda metade do século XX que isto se sucedeu. Mas isto
vai pôr em causa esta estrutura clássica da justiça administrativa. E, portanto, isto são
ideias passadas.
Como é que hoje em dia, a teoria do direito substantivo, do direito administrativo, olha
para os direitos subjetivos? E faço aqui este ligeiro enxerto porque metade dos senhores
não foi meu aluno no segundo ano então não conhece a minha teoria do direito subjetivo
e é importante que conheça porque isto releva, aqui, para efeitos do processo.
Há a conceção clássica que pode ser binária (Marcelo Rebelo de Sousa) ou trinitária
(Freitas do Amaral, Sérvulo Correia, Rui Manchete).
Mas, considerar que estas três realidades são realidades substantivas, são formas de
proteger os particulares. Não são bem direitos subjetivos, mas são uma coisa parecida,
uma coisa em forma de assim. Há uns que são direitos, outros são assim assim: são
direitos de segunda, são direitos de terceira, realidades que não sabem o que são. Não há
nenhum problema em saber o que são, como já veremos a seguir. E, portanto, esta é a
primeira explicação que durante muito tempo, foi maioritária.
Depois surgiu a segunda, no quadro de discussão dos anos 80, e eu fui até o primeiro a
lançar, embora depois me tenha arrependido e tenha reconstruído a minha posição.
A primeira coisa que eu defendi, ainda durante a escola, no quinto ano no trabalho que
fiz para Contencioso Administrativo, com o Professor Freitas do Amaral, que foi um
curso excecional, éramos cinco alunos a frequentar uma disciplina facultativa.
E eu na altura dizia que esta história de direitos de primeira, segunda e terceira não fazia
sentido nenhum porque não há aqui nada de unitário que resolva estas coisas. E, na
altura descobri aquilo que dizia García de Enterria (42.15). García de Enterria foi um
autor importantíssimo para a geração portuguesa dos anos 80 e 90, embora quase
ninguém o reconheça. Ia-se a Espanha comprar caramelos e comprar García de Enterria
que era absolutamente essencial e dizia tudo o que era importante dizer. E o García de
62
Aquilo pareceu-me uma coisa interessante. Temos apenas um direito e trouxe esta
discussão para Portugal.
Ainda hoje há quem siga esta posição, o Professor Rui Medeiros inspirado pelas ideias
da responsabilidade civil, o Professor Mário Aroso de Almeida no quadro da teoria geral
do processo e o Professor Pedro Machete.
O que é estava por trás desta ideia de direito reativo? Era dizer, no Direito
Administrativo, os particulares têm direitos e quando estes direitos são lesados podem ir
a tribunal e têm sempre direito de ir a tribunal.
Isto era interessante, mas eu abandonei logo. Acreditei nisto durante 6 meses ou um ano.
Logo a seguir no outro em publiquei já tinha mudado, já fazia crítica disto.
Porque o Professor Mário Aroso de Almeida, influenciado pela teoria do direito reativo,
tem uma visão especial, peculiar em relação à causa do pedido, que a seguir criticamos.
Isto tem consequências que é confundir a relação processual com a relação substantiva.
E as duas são distintas, mesmo se a processual deva coincidir com a substantiva. Mas as
relações não se confundem, e não há necessidade as confundir. Mas isso também
veremos mais tarde.
63
O particular, pensando naquela lógica da doutrina trinitária, tem sempre direitos, mas os
direitos podem ter um conteúdo diferente. E se pensarmos bem, aquilo que os autores
trinitários diziam, ou procurando dar algum sentido útil àquilo que diziam, era que o que
estava em causa era apenas o modo de atribuição da norma pelo legislador. O legislador
pode atribuir um direito através de uma norma que diz que “o fulano tal tem direito”.
Por exemplo, os funcionários públicos com mais de quarenta anos de serviço e mais de
sessenta e cinco anos de idade têm direito à reforma. Pronto, é um direito subjetivo,
ninguém põe em causa.
Não é isto que se passa no Direito Civil? É. Não é a mesma coisa o Código Civil dizer
que o comprador tem direito à entrega da coisa ou que o vendedor tem o direito de
entregar? O direito de entregar uma coisa do vendedor não é o direito do comprador
receber a coisa? Claro que é.
E depois os interesses difusos que alguns autores difusos acham que é uma coisa muito
bonita. O direito ao ambiente, para darmos o exemplo básico do direito difuso,
propagado pela Doutora Carla Amado Gomes como sendo uma coisa fantástica,
verdadeiramente nova. O que é que se diz? O direito ao ambiente corresponde a uma
tutela objetiva da legalidade. E como é objetiva, não pode ser apropriada e ninguém
pode ser dono do ambiente, logo não podem haver direitos subjetivos sobre o ambiente.
Errado, uma coisa é a tutela objetiva do ambiente, e ninguém poder ser titular do
ambiente; outra coisa é a existência de direitos, permissões normativas de
aproveitamento do ambiente em benefício do particular e isso constitui um direito.
Por exemplo: A praia. Ninguém pode ser proibido de entrar na praia, a praia é um bem
público, mas os banheiros têm direitos a explorar as sombras porque fizeram um
contrato com a capitania para explorar as sombras. As pessoas podem ir à praia, só não
podem utilizar as sombras, a menos que paguem ao banheiro - que depois tem outras
obrigações, designadamente de limpeza das praias e de garantia da segurança.
Mas o facto de o bem ser público, não significa que não haja direitos à sua utilização.
No fundo, esta teoria da norma de proteção, corresponde à lógica da teoria unitária do
direito subjetivo, não tem qualquer diferença o direito subjetivo no direito público e no
direito privado.
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O legislador, em Portugal, de resto fala sempre dos direitos e nos interesses legalmente
protegidos e nunca aparece o roque sem a amiga, são sempre os dois.
Aliás, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa diz que não há diferença jurídica entre
direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. É uma questão de amor à
verdade. Mas aqui a verdade é uma batata. Porque não há verdade alguma por trás desta
teoria e, portanto, a forma adequada é falarmos em direitos subjetivos.
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ligado ao professor Marcelo Caetano, dizia que eram regras diferentes. Mas não é nada
disso porque a nossa lei fala apenas em direitos e interesses legalmente protegidos, não
em interesses legítimos. O que existe são direitos com conteúdos diferentes consoante
aquilo que é atribuído.
Pesando num concurso na faculdade para professor em que há quatro candidatos:
os candidatos submetem-se a provas e vão passando pelas várias fases. Depois a
administração seleciona os candidatos e a respetiva ordem.
O prof. Freitas do Amaral dizia que não há direito enquanto não se tomar posse e depois
quando tomar posse adquire todos os direitos provenientes de se tornar professor. Mas a
questão é que não se tratam apenas desses direitos, todos os direitos relacionados com o
procedimento do concurso já são direitos dos particulares. Não é apenas o ponto último
que é direito, são todos até lá que são relevantes. É esta mudança do modo de fazer as
coisas que marca a teoria do direito subjetivo.
E os interesses difusos são uma situação que é protegida objetivamente e que
permite ao particular beneficiar de um bem que é públicos (ex. saúde, ambiente). É um
verdadeiro direito porque o individuo se pode aproveitar do bem.
No fundo, isto vai dar á logica dos direitos subjetivos da teoria geral do direito
civil. O direito subjetivo é uma permissão normativa especifica de aproveitamento de
um bem. Tanto faz que essa permissão resulte de uma norma permissiva, de uma norma
que diga que a administração tem um dever ou que diga que há uma situação objetiva
que pode ser defendida individualmente.
A ideia de dizer que não são direitos não faz sentido! São todos direitos subjetivos no
direito administrativo tal como nas outras realidades.
Olhando para as leis, elas estabelecem a ideia da legitimidade processual
enquanto pressuposto processual que se destina a chamar ao processo os titulares de
posições ativas ou passivas no quadro da reação jurídico-processual.
Isto opõe-se a um processo que era integralmente objetivo (sem partes), onde o que o
juiz analisava era um ato administrativo independentemente de quem tivesse praticado.
E também aquele ato era tratado independentemente de afetar aquela pessoa. Os
particulares também não eram sujeitos de direito, eram uma espécie de ministérios
públicos que atuavam para defesa da legalidade e do interesse publico. Não ocupavam
uma posição no processo e, portanto, o que acontecia, no quadro da doutrina clássica,
era limitar a posição de parte á ideia processual de legitimidade.
O que se fez, depois, foi criar características para a legitimidade que criassem uma
situação que se assemelhasse a um direito. A substancialização do interesse como
condição da legitimidade, aliás, nasceu desta evolução do contencioso administrativo.
Como dizia a lei portuguesa em 85, a legitimidade resultava de um interesse,
inicialmente processual e depois substantivo. Era um interesse que tinha de ser direto,
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pessoal e legitimo. Mas a única característica que era relevante, em termos processuais,
era o interesse “direto” que, aliás, é a única que se mantém hoje. Os particulares foram
diretamente afetados por aquela realidade- “direto”. Quanto ao “pessoal” e “legitimo”
resulta da titularidade dos direitos. É pessoal porque afeta a sua esfera jurídica (normal
pois estamos perante um direito subjetivo) e é legitimo porque é protegido pela lei.
A qualificação do interesse significava que o interesse se assumia como interesse
sucedâneo daquilo que se pretendia negar. Basicamente era fechar a porta á teoria geral
do direito subjetivo, mas deixar que ela entrasse pela janela. Definiu-se o interesse
processual de uma forma que correspondia a um direito.
Mas a mudança constitucional trouxe um novo paradigma comum a todos os
países que resulta da constitucionalização e da europeização. Agora diz-se que o
particular tem sempre direitos, está sempre protegido da administração e o contencioso
é subjetivo, ou seja, destina-se à tutela desses direitos (art.278º/4 CRP). E o objeto do
processo são as relações jurídico-administrativas. Esta mudança radical teve uma
consequência radical em termos de legitimidade.
O art.9º/1 e art.10º/1, correspondem a uma realidade que o professor regente
tinha reivindicado antes. Mas os outros números são muito criticados. Quanto ao nº1 do
art.9º, o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material
controvertida. É a totalidade de posições ativas e passivas que faz com que alguém que
alegue a titularidade do direito, seja um autor. É o critério, que agora, á semelhança do
processo civil, visa ligar a relação processual á relação substantiva, chamando á ação
aqueles que têm, no quadro da relação substantiva, uma relação jurídica. No art.10º/1, o
processo é proposto contra a outra parte na relação material controvertida. Quem tem
um dever, um ónus ou outra realidade. Alguém que tenha interesses contrapostos aos do
autor. A definição remete para a relação substantiva e é a relação jurídica substantiva
que é o objeto do processo (art.212º/3 CRP). Este objeto do processo faz com que a
legitimidade se destine a chamar os titulares dessa relação. Agora, deixou de haver
diferenças entre o processo civil e o processo administrativo, e ainda bem. Agora a
lógica processual é a mesma. Está em causa um litígio e é necessário chamar ao litígio
os titulares de posições positivas ou negativas na relação jurídica. Portanto a
legitimidade é uma forma de ligação entre o processo e a realidade substantiva e
destina-se a chamar ao processo os titulares desta relação.
O Professor Vasco Pereira da Silva afirma que se fosse legislador ficava
satisfeito com isto e não se preocupava com mais nada porque esta realidade de
considerar que são considerados autores e têm direitos, associada à noção ampla de
direitos, significa proteger todas as realidades possíveis e imaginárias. Na Alemanha só
existe uma norma como esta, porque esta norma protege tudo o que é protegido pelo
direito. Qualquer dever da administração, qualquer regra de atuação, dá direitos aos
particulares e esta é a realidade de um Estado de Direito Administrativo. E, portanto,
isso bastaria para tornar completo o contencioso administrativo porque a tutela dos
direitos subjetivos, entendida neste sentido amplo, corresponde à tutela completa da
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servem para tudo. É necessário este critério diferenciador, até porque há regras
diferentes: por exemplo, neste momento, há a regra de que a ação popular é muito mais
barata, então o juiz procura algum interesse, para se aplicar a ação popular que sai mais
barata. Depois, esse interesse é secundário porque o contencioso administrativo tem
como objetivo a tutela de interesses. E, portanto, esta realidade, por qualquer assento
constitucional e como diz o Professor Sérvulo Correia, quando se fala da ação popular
em geral e se fala do governo de direito público, esta consagração constitucional é
comportante, se necessário, da atuação do particular que atua para a tutela dos
respetivos interesses.
Curiosamente fez-se o levantamento das ações populares e as ações públicas,
entre 1933 e 2004, num contencioso que era objetivo, quantas ações populares havia em
Portugal? Zero. Um contencioso objetivo que não tinha ação popular e o Ministério
Público também não usava isso. Isto mostra que a lógica objetiva (visto que o
contencioso é objetivo por natureza) não era nem do ponto de vista teórico nem do
ponto de vista da realidade uma circunstância que existisse verdadeiramente em
Portugal. De alguma maneira, ou a defesa da legalidade e do interesse público era uma
forma de prosseguir interesses dos particulares ou então ela não existia.
O Professor Vasco Pereira da Silva fala de uma ironia: depois da reforma de
2004, tivemos 3 ou 4 processos intentados pelo “António”, cidadão de Lisboa, sobre
obras do metro e do Marquês, mas era certo que não andava no metro e por isso não era
afetado por aquilo. Então o António, cidadão de Lisboa, deixou de intentar processos
quando foi nomeado vereador. Ou seja, houve 4 ou 5 processos na história do Direito
Administrativo. Isto mostra que, apesar de certa doutrina dizer que a norma tem aqui um
elemento objetivo e que este elemento é determinante para quantificar o contencioso,
para o Professor Vasco Pereira da Silva não o é, nem do ponto de vista prático nem do
ponto de vista teórico porque, em primeiro lugar, isto não era necessário; em segundo
lugar, estando cá e não tem nada a estar cá, tem de se ocupar o lugar de dimensão
subjetiva.
A haver esta defesa da legalidade e do interesse público como interesse
protegido pelo processo, os autores públicos e populares têm de ser partes, intentar a
ação e intervir no processo. Qual é a diferença em relação aos particulares? É que aqui
eles são parte, mas não tem direitos subjetivos, eles vão atuar para a defesa da
legalidade, mas isto não acrescenta nada ao n.º 1 apenas completa, em razão de uma
tradição portuguesa, o contencioso administrativo. E serve também para aqueles que
não gostam da ação subjetiva, e que discutem essa transformação, defenderem que não
desapareceram as normas objetivas do contencioso português e que há muitas normas
objetivas e essenciais. O Professor Regente entende que há, de facto, normas objetivas,
algumas delas com sentido outras mais ou menos, mas elas integram-se no contencioso
subjetivo e esta tutela autónoma da legalidade e do interesse público faz-se através
destas normas. E uma razão foi a questão do Direito Europeu, quando nos anos 90, o
TJUE e a Convenção dos Direitos do Homem, andou a condenar os países europeus
porque não asseguravam a tutela completa da legalidade e do interesse público, houve
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perfeitamente ser utilizada e não choca nada o professor Vasco Pereira da Silva, tendo
até o próprio professor já tendo aconselhado o uso da ação pública.
Agora temos uma boa solução, apesar de não ideal, é uma boa solução, o uso
desta expressão “independentemente do interesse” deve ser feito de forma coletiva,
como o professor Sérvulo Correia e o próprio professor Vasco Pereira da Silva já
entendem desde os anos 90, é haver (ou não) o interesse que a distingue uma da outra.
Menos bem estão as coisas no tempo do artigo 10º por causa de questões de
coerência, por causa também de uma boa intenção que não corresponde a uma logica
teoricamente correta. O que é que o legislador pensou: por um lado, estão em causa as
pessoas ou entidades com interesses particulares, a contraparte do ato de ação pública. E
o legislador olhou para o Processo Civil e verificou que quem era a parte em que estava
em causa uma entidade diferente era a pessoa coletiva. E, portanto, veio dizer que o
sujeito do processo é a pessoa coletiva pública. Este critério surge designadamente e em
parte na referência a entidades ou pessoas, que já possam ter uma leitura mais ampla,
mas depois surge no número 2 em que o critério que aparece determinado é a
titularidade da pessoa coletiva. Ora, o legislador teve aqui boas intenções, que, no
entanto, não são muitas. No Direito Administrativo pensem no Estado, e pensem num
ato praticado por um funcionário público da fazenda das Finanças da Madeira, que é um
ato imputável ao Estado. Não faz sentido que quem vai responder pela Tesouraria das
Finanças seja o Ministro das Finanças, ou a presidência do Conselho de Ministros. Isto
não é tornar a função subjetiva, ela só é subjetiva porque é o órgão que praticou e que
deve ser chamado. Aquilo que o legislador devia ter feito era tornar esse sujeito da
relação pública processual subjetiva, mas o órgão que atuou, porque este é que
estabelece uma relação, é o ato dele que vai ser avaliado pelo juiz. Isto por várias
razões: porque o Estado se complexificou e agora é uma coletividade das pessoas
coletivas autónomas; porque há órgãos que decidem, e são cada vez mais aqueles que
têm competência para atuar; porque há numerosos órgãos hoje em dia que não integram
a pessoa coletiva publica, todas as entidades das novas que nasceram no quadro da
regulação, não integram o Estado. Depois, porque os órgãos têm relações uns com os
outros, e quando atuam uns em relação aos outros, mesmo dentro da mesma pessoa
coletiva, há uma relação coletiva. Um subalterno contesta uma ordem do seu superior
hierárquico, ele tem direito de o fazer, se um instituto publico impugna uma decisão de
um ministro, isto é uma massada interorgânica porque o princípio da legalidade não se
aplica apenas para fora, mas também para dentro da administração. Não há, hoje em dia,
aquela impressão interna em que a administração faz o que quer: não há. Mas, a ideia de
que dentro da administração ela pode fazer o que quiser, não faz sentido, porque o
princípio da legalidade regula a atuação do órgão, de cada órgão, e, portanto, as relações
orgânicas são relações jurídicas administrativas, e cada vez mais o universo dos litígios
processuais é um universo passado no seio da administração.
O legislador teve boa vontade, mas apesar disto, e o professor diz uma coisa que
já disse várias vezes: o cão e o gato são iguais, ambos ladram exceto o gato e ambos
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Ou seja, é a pessoa coletiva, mas como esta numa pessoa coletiva muito especial, não
acontece nada. Vejamos agora o número 4:
Ele acaba por consagrar dizendo que é uma exceção à regra, mas não é realidade,
porque a regra está expressamente violada.
Depois, veja-se o número 6:
6 - Havendo cumulação de pedidos, deduzidos contra diferentes
pessoas coletivas ou Ministérios, devem ser demandados as pessoas
coletivas ou os Ministérios contra quem sejam dirigidas as pretensões
formuladas.
Tudo isto são exceções. Apesar de ter dito, para ser simpático com o Processo Civil, que
o critério é da pessoa coletiva, na prática o que existe é o critério do órgão, porque esse
é o critério, porque a complexificação da Administração Pública conduziu a duas
realidades diferentes, do ponto de vista teórico.
Há uma que hoje defendida por alguns autores italianos, que dita entre órgão e pessoa
coletiva não há uma ideia de representação: o órgão é que manda, o órgão é que toma a
decisão. A doutrina italiana achou por bem acabar com essa distinção, a partir dos anos
80, introduzir o conceito de servicii: ideia de que há um serviço que assegura, e esse
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processo. E temos desde logo, o início de uma discussão acerca desta matéria que é uma
questão que normalmente ocupa a doutrina processualista, mas que no caso do processo
administrativo, introduzia questões que nunca tinham sido discutidas. Portanto, a lógica
habitual do processo administrativo levava a que não fossem discutidas questões que
são importantes do ponto de vista da teoria do objeto do processo.
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Da minha perspetiva, eu acho que esta visão que faz mais sentido para o
processo administrativo também se aplica ao processo civil e eu acho que efetivamente
no quadro da teoria geral do processo faz sentido esta correlação entre o pedido e a
causa de pedir. Aquilo que se passa na teoria do processo, no quadro das discussões
processualistas que provavelmente já tomaram conhecimento na disciplina de Processo
Civil, é que há duas grandes orientações: há aqueles que dão prevalência ao pedido e ao
dar prevalência ao pedido introduzem uma noção considerada substancialista do
processo que parece defendida sobretudo por autores da escola de Coimbra e há quem
atribui uma maior importância à causa de pedir, introduz uma concessão chamada
processualista do processo que tem tradicionalmente os autores de Lisboa como os mais
defensores, desde o Professor Castro Mendes até aos nossos dias.
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prevê todos os pedidos e o art. 4.º que prevê a correlação de todos os pedidos, e,
portanto, não há agora qualquer razão para limitar o pedido à anulação. A anulação é
apenas um dos muitos pedidos e normalmente a anulação nunca vem sozinha, e porquê?
Porque a maior parte dos atos são executados, e esta execução faz com o pedido da
anulação tenha de ser acompanhado do pedido da restauração da situação atual
hipotética em que o particular se encontraria se não tivesse havido a prática do ato.
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ss. diz aquilo que deve dizer, ou seja, que o pedido e a causa de pedir são importantes e
constam do objeto do processo, que o pedido é mediato e imediato. Mas aqui discai para
dizer o que era o tabu e realidade desde o séc. XVIII mesmo que hoje seja uma norma
declarativa, que não tem nenhuma eficácia nem nenhum efeito.
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imaginárias do processo; e os que diziam que isso era impossível e se isso acontecesse,
os processos tornavam-se intermináveis e, para além disso, a consequência do efeito da
sentença com efeito de caso julgado significaria que o juiz não tinha tido oportunidade
de apreciar todas as coisas, e veria a formação de uma decisão administrativa que tinha
esse efeito como se tivesse verificado todas as coisas possíveis e imaginárias.
E esta 2ª teoria veio impor-se. Veio impor-se logo no início, embora fosse aquela
que correspondesse menos à realidade teórica. A razão para justificar as restrições ao
princípio do inquisitório, vai ser aquilo que se chamou, no quadro francês, a teoria das
hipóteses de erro. É uma teoria totalmente processual para explicar uma realidade
teórica do direito processual administrativo. Veio dizer que se o juiz tivesse que fazer
um juízo de todas as hipóteses possíveis e imaginárias, teria uma grande probabilidade
de erro, porque era difícil, em função dos factos legados a juízo, fazer aquilo que
corresponderia à procura de todas as ilegalidades possíveis e imaginárias e, por isso,
havia uma grande possibilidade de erro associado à eficácia de caso julgado, que teria
um efeito incomportável pelo processo. Ora, isto era contraditório; mas mostrava que,
apesar da construção do Contencioso Administrativo francês ser afirmadamente
objetivista, muitas das conclusões tiradas eram, pelo contrário, de natureza subjetivista e
que já havia nessa altura, esta ideia latente de que haveria já um poder inquisitório, mas
que se teria de prestar atenção ao princípio do preparatório e, portanto, o juiz vai
verificar o que as partes alegam e só depois poderá verificar mais alguma coisa. Tudo
isto mostra que a construção objetivista era falsa e que havia manifestações também do
subjetivismo, ou como o Professor Regente escreveu na sua tese de mestrado, como por
vezes os objetivistas portugueses eram mais subjetivistas do que pareciam, e na prática
podiam ter algumas manifestações de natureza jurídico-objetiva. Mesmo que isso não
fosse a realidade normal no quadro do sistema.
Ora bem, portanto, houve, no início, uma tentativa de não admitir o processo
integralmente inquisitório e de introduzir uma construção marcada por uma lógica de
natureza em que havia uma importância do processo de declaração. No entanto, a
doutrina procurava sempre fazer um compromisso: por um lado, era importante aquilo
que o particular declara; mas não se pretende que o juiz procure coisas que o particular
não alega. E, portanto, para compensar esta ideia de o processo não ter um âmbito
próprio inquisitório, procurou-se limitar os poderes do juiz, através da teoria dos vícios
do ato administrativo (ou, as vias para apreciar do Contencioso Administrativo).
O que desde o início o Tribunal Administrativo começou a dizer que, para
averiguar a ilegalidade do ato há vícios tipificados que o juiz e só ele pode perceber.
Numa lógica de evitar que o juiz conhecesse a integralidade da situação material
controvertida, que limitasse o conhecimento da realidade aquilo que constava dos vícios
do âmbito. Há quem diga que “é como se tivesse a espreitar da janela a legalidade do
ato como se tivesse que se contentar com o espreitar para a festa”. O juiz conhecia tudo
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dentro dos vícios, mas não conhecia se não o seu vicio, daí a divergência entre a
corrente mais objetivista e a mais subjetivista.
Isso explica que ainda hoje em termos e traumas do passado, a Teoria do vicio
dos atos administrativos que não está consagrada na lei, ainda que a enumeração do
vicio desapareceu, e em que a lógica é da investigação do pedido e da causa de pedir (no
quadro das normas processuais), aquilo que as partes têm que ver diz-se nas disposições
sobre a marcha do processo é identificar o pedido e a causa de pedir, isso apenas está
em causa. Mas hoje em dia, os advogados quando intentam uma ação continuam a usar
os vícios do ato administrativo, o juiz continua a autorizar o uso da teoria do ato
administrativo para demostrar que há ali algo que corresponde a causa de pedir e a
causa de pedir vista através do vicio.
Levando deste modo, a algumas consequências que o Código visou afastar:
1-O contencioso se transformar em um contencioso de formalidades: A teoria do
vicio nasceu do contencioso administrativo, e no quadro francês há uma nomenclatura
que corresponde a uma fragilidade histórica. No quadro português, foi a lei que
introduziu essa teoria do vicio. Dizia-se que correspondeu a elementos essenciais do ato
administrativo, a causa de pedir do processo administrativo.
1- Incompetência: que é o primeiro poder que a administração tem e a primeira
situação;
2-A forma do ato: como o ato se apresenta, despacho administrativo, ou decreto
entre outras modalidades entre o despacho e o decreto;
3-Desvio de poder: correspondia ao vicio típico do poder discricionário ou vicio
em que a administração não prosseguia o fim legalmente estabelecido;
4-Violação da lei: desrespeito dos princípios e requisitos materiais da
administração.
Isto apareceu no âmbito da teoria do vicio do ato administrativo teorizada por
Marcelo Caetano, seguido por Freitas do Amaral, Sérvulo Correia e grande parte dos
autores dos nossos dias. Mas há aqui uma voz dissonante com a qual o professor Vasco
Perira da Silva concorda que é do professor André Gonçalves Pereira, que na sua tese de
doutoramento dizia em primeiro lugar que essa divisão dos vícios era absurda, ilógica e
surgiu por razões históricas, mas não tinha lógica alguma e era incompleta porque não
esgotava as modalidades e que por isso não podia responder nem as modalidades nem a
causa de pedir dos pedidos.
5-Usurpação de poder: vicio de tal maneira grave que violava a divisão de poder.
Esses eram os cinco vícios dos atos administrativos que em Portugal estavam
em várias leis: Estatuto dos tribunais administrativos fiscais, a lei do processo
80
administrativo e lei das autarquias locais dos anos 80. Hoje essa enumeração
desapareceu da ordem jurídica, esta enumeração sem sabermos ao certo o porquê, mas
continua a ser utilizada.
A tese do professor Marcelo Caetano vem nos dizer que este vicio corresponde a
um aspeto do ato administrativo, exemplo a usurpação do poder e a incompetência são
um aspeto do ato administrativo, que é a competência. Portanto, significava que a ideia
de fazer corresponder todas cada uma dessas modalidades a um elemento do ato aqui
não se verificavam.
Olhando para a violação do ato estava muito haver com as vinculações materiais
contidas na lei, esta realidade além de ilógica porque não tinha a ver com os elementos
essenciais do ato era incompleta porque ficavam coisas de fora.
Estava preocupado com o que chamavam “vicio da falta da falta” - são as
ilegalidades decorrentes do juízo do sujeito que pratica atos administrativos que levou a
situação e vícios intrínsecos e tanto podem existir no Direito Administrativo assim
como, no Direito Civil. Outra questão é que a forma é uma realidade exterior ao caso,
não tinha lógica porque não correspondia aos elementos do ato administrativo e como se
deixa fora algumas realidades.
O professor Vasco Pereira da Silva entende que a forma correta de entender as
ilegalidades é falar da incompetência de usurpação de poder, falar da forma, do
procedimento uma vez que a forma não abrange o procedimento. No fundo temos
ilegalidades formais, materiais, procedimentais e de competência é esta a dimensão
aberta do entendimento das ilegalidades.
Mas há uma outra consequência, é que como o juiz há várias causas de pedir que
lhe são colocadas, qualquer uma gera por si só a invalidade do ato, e o que o juiz fazia
era ter de decidir a questão da incompetência e da forma, anular o ato com base nisso e
não se pronunciava sobre nenhuma das outras coisas. Ao se pronunciar sobre uma das
outras cosias a administração depois refazia o ato corrigindo essa ilegalidade. E o
particular tinha que ir outra vez para discutir as causas da ilegalidade material que já
tinha invocado, mas que o juiz não tinha consultado por causa da lógica de ligar os
elementos da causa de pedir com efeito do caso julgado. Do ponto de vista da teoria
intermedia essa realidade era posta em causa.
As preocupações do legislador quando trata desta questão é que em lado nenhum
se faz menção aos vícios e a célere classificação dos vícios do ato administrativo. Desde
a revisão de 89 em que que o art.268º/4 fala de ilegalidade de um ato que viola o direito
do particular que se passou a ser inconstitucional essa enumeração da teoria dos vícios.
Porque ela deixou de ter sustento constitucional, pode existir tantas causas de pedir
quanto aquelas correspondam a lesão dos direitos dos particulares. E a causa de pedir
não esgota a realidade que será levada a cabo.
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defendesse a chamada teoria das hipóteses de erro, ou seja, a que se dissesse que isso
fazia com que o Juiz pudesse errar com muita frequência, não analisar a integralidade da
legalidade do ato e isso teria um efeito prejudicial para os particulares e para a
Administração que decorreria no caso julgado.
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Desvio
Violação
Vício
Incompetência
de
UsurpaçãodeForma
de
dePoder
Lei
Poderes
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Esta lista tradicional tem uma lógica incompleta, faltava os vícios de vontade e
faltava do procedimento, e não está desde os anos 80 em nenhuma das leis portuguesas,
nem em matéria de Contencioso Administrativo nem em matéria de Procedimento nem
em matéria de Direito Substantivo, contrariamente ao que acontecia até aos anos 80,
porque o Professor Marcello Caetano tinha sido o responsável por esta enumeração,
tinha-a incluído na LOSTA e no RSTA, e isso esteve em vigor até 85, porque a lei de
processo já não exigia essa identificação de vícios e, mais do que isso, pode-se dizer que
a lógica constitucional do artigo 268º/4 também não permite a utilização desta
enumeração dos vícios porque o que se diz é que o particular pode impugnar tal como
apresentar todos os pedidos relativamente ao ato administrativo com fundamento numa
ilegalidade que lesa os seus direitos.
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introduzir o elenco de uma lista que é ilógica, incompleta e que deixou de estar em
vigor.
E se olharmos com mais atenção as normas que estão nos artigos 92º e seguintes
e, em especial, o artigo 95º, regulam o objeto do processo, e que estabelecem regras
relativas a esse objeto do processo. Esta realidade está conseguida em termos
integralmente subjetivos no quadro de uma lógica que é quase integralmente acusatória,
e quase porque há exceções – um único caso – que põe em causa a regra geral.
O que se diz no artigo 95º/1 é que a sentença deve decidir todas as questões que
as partes tenham remetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões
suscitadas.
O Juiz deve conhecer integralmente aquilo que foi alegado pelas partes, mas só pode
conhecer aquilo que foi alegado pelas partes – é o princípio do acusatório que esta
consagrado como regra do Processo Administrativo português.
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Era isto que o Professor Mário Aroso de Almeida entendia, mas atualmente não
se tem a certeza se mudou de ideias ou não, porque o Professor Regente afirma ainda
não ter lido a nova versão que o Professou escreveu da sua tese de doutoramento (ou
seja, reescreveu a sua tese). A verdade é que na nova versão das lições a polémica
desapareceu. A ideia de que a pretensão é ao afastamento da ilegalidade é errada, na
opinião do Professor Regente, porque o direito reativo corresponde a um direito de
reagir contra violações de direito que resultam da violação de normas que consagram
deveres para a administração. E, portanto, só aqueles vícios/ilegalidades que forem
invocados pelos particulares é que podem ser objeto de processo. Se não for assim, as
partes e o juiz estariam a trazer factos novos para o processo e isso é a violação da
lógica constitucional do juiz porque este, por um lado, é imparcial e, por outro lado, é
neutro. O juiz fica à espera que as partes lhe tragam o objeto do processo e em relação a
esse objeto ele pode fazer muita coisa.
Como é que o Professor Vasco Pereira da Silva interpreta o artigo 95.º/3? Este
“identificar a existência de causas de invalidades diversas das que tenham sido
alegadas” significa, em primeiro lugar, que o juiz pode não adotar a teoria dos vícios
mesmo quando o particular usou essa enumeração na identificação das causas de pedir e
significa, em segundo lugar, que o juiz pode conhecer do direito e, se a parte qualificar
mal a situação jurídica, pode corrigir desde que isso resulte dos factos alegados pelas
partes. Se a parte não alegar o vício material e se ele não resultar dos factos alegados, o
juiz já não pode conhecer. E, segundo o Professor Mário Aroso de Almeida, como essa é
uma das ilegalidades que cabe na noção de pretensão ao afastamento da ilegalidade,
poderia alegar.
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com o Professor Mário Aroso de Almeida, tem mais poderes agora do que tinha antes,
mas os poderes que tem são os poderes de não usar a frecha dos vícios do ato
administrativo e verificar diretamente a ilegalidade da decisão administrativa que está
em causa e o poder de qualificar de forma diferente os vícios invocados pelo particular.
Assim, não pode nunca ir à procura de factos e se o fizer está a pôr em causa a sua
posição de juiz, está a violar as normas constitucionais e a norma do artigo 95.º.
E como já foi dito, o Professor Mário Aroso de Almeida, na última versão das
lições “deixou cair a poeira” e diz aquilo que se acabou de ver, o que provavelmente
significa que mudou de decisão.
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Pereira da Silva porque não pode carrear factos novos para o processo”, ou seja,
“arranjem-se, eu não quero saber disso, estejam à vontade” e isto poderia ter
consequências. Poderia ter consequências se, efetivamente, o juiz introduzisse factos
novos no processo e o tribunal preferiu não se pronunciar e o Professor Vasco Pereira da
Silva supõe que fez bem, porque, enfim, da perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, o Senhor Professor gostava mais que se tivesse pronunciado a seu favor, mas fez
bem no sentido de não ter adotado a versão inversa que não caberia nem na letra nem no
espírito desta reforma que adota uma lógica acusatória de entendimento do processo.
Ora bem, perguntaram ontem ao Professor Vasco Pereira da Silva uns colegas
nossos: “Ó Professor, então isso significa que isto é tudo integralmente subjetivista?”
Enfim, foi a conclusão do aluno. Pois, isto significa é que o Código tem normas que
estão pensadas e correspondem a uma lógica subjetivista embora possa também tutelar
diretamente a legalidade e interesse público através de partes como ator publico e ator
popular que defendem a legalidade e o interesse público, agora, o processo em si é,
integralmente, um processo subjetivista. Aliás, voltando atrás, já que isso é uma questão
importante, o Professor Vasco Pereira da Silva diria, como se diz no Direito Alemão
(como diz Krebs), que a questão de saber se é objetivista ou subjetivista deixou de fazer
sentido porque hoje em dia as reformas são subjetivistas; hoje em dia na sequência da
constitucionalização e europeização, em todos os países se consagra um contencioso
destinado à tutela dos direitos dos particulares que tem partes e as partes constituem o
objeto do processo. Agora, qual é a questão que hoje se coloca? A questão é a de saber
em que medida - diz Krebs - o sistema subjetivista pode também tutelar diretamente a
legalidade e o interesse público e, portanto, alguns sistemas, como é o caso do
português, têm também formas de, através de um processo de partes, sem pôr em causa
a realidade subjetivista, também proceder a uma tutela direta da legalidade e do
interesse público. Por causa de uma tradição, por causa da lógica clássica tradicional
que falava disso poderá haver mil razões para essa explicação; agora, o que é facto é
que a estrutura e organização do processo é claramente subjetiva. Poderá haver aqui ou
ali algumas normas, umas adequadas, outras criticáveis (e vamos ver agora nas
próximas aulas quando falarmos nas diferentes modalidades de ação administrativa
como algumas dessas normas aparentemente objetivistas introduzem perturbação e são
erradas, algumas, do ponto de vista da lógica do processo, vamos ver a seguir), agora o
que é facto é que a orientação, a lógica como de resto determina a Constituição é um
processo virado para a tutela plena e efetiva dos direitos dos particulares nas relações
jurídicas administrativas.
Bem, com isto passamos para a análise do meio processual “Ação
Administrativa” nas suas diferentes subações e, diria o Professor Vasco Pereira da Silva,
nas suas formas de ação escondidas, enfim, não assumidas conscientemente, embora
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administrativa, cumprindo aquilo que ele efetivamente tinha dito, ele não levou isto até
ao fim e, ao não ter levado isto até ao fim, ele estabeleceu um regime que,
verdadeiramente, conduz a várias ações - é uma espécie de sistema de shampoo 4 em 1
ou, se quisermos adotar algumas das terminologias do Dr. José Coimbra (e estamos à
espera da sua tese de doutoramento), é um 5 em 1 ou 6 em 1 porque ele [o Professor
José Duarte Coimbra] diz e, se calhar bem, que, para além destas que estão enumeradas,
há outras sub-repticiamente num quadro do processo administrativo.
Para terminar em trinta segundos, o Professor Vasco Pereira da Silva falou do
artigo 37.º e não quer deixar de fazer referência a uma norma que é correta, que é boa,
que, aliás, alarga a do artigo 4.º do Estatuto, mas que está escrita com os pés. A regra é a
do n. º3 do artigo 37.º e é uma regra para a qual é preciso ter fôlego, porque, contando
na versão do Código do Senhor Professor, com a letra que ali está (que é a letra normal),
isso corresponde a doze linhas - doze linhas sem um ponto final. É, verdadeiramente,
obra; enfim, isto vai muito além do Saramago porque, (estas linhas aqui), o Saramago
tem sentido poético e estas não têm. Estas correspondem a uma lógica de que é meio:
“mas o que é que este gajo quer dizer com isto?” Então, diz o seguinte: “quando, sem
fundamento em ato administrativo impugnável, particulares, nomeadamente
concessionários, violem vínculos jurídico-administrativos decorrentes de normas, atos
administrativos ou contratos, ou haja fundado receio de que os possam violar, sem que,
solicitadas a fazê-lo, as autoridades competentes tenham adotado as medidas adequadas,
qualquer pessoa ou entidade cujos direitos ou interesses sejam diretamente ofendidos
pode pedir ao tribunal que condene os mesmos a adotarem ou a absterem-se de certo
comportamento, por forma a assegurar o cumprimento dos vínculos em causa.”
Perceberam não foi? Bem, o que aqui está é correto e corresponde à ideia de que as
relações jurídicas multilaterais e os pedidos em relação tanto à Administração Pública
como aos particulares, também são objeto do processo. É algo que já resultava do artigo
4.º, mas que aqui se torna mais nítido e, portanto, em qualquer atuação, mesmo que
privada, em que haja necessidade de fiscalização e intervenção de uma entidade
pública... - por exemplo, as nossas rifas (para alguma viagem de finalistas) são
controladas por uma autoridade administrativa e o Professor Vasco Pereira da Silva
admite que tenhamos pedido autorização, mas, se não tivéssemos pedido autorização,
quem não recebeu a rifa poderia usar o Contencioso Administrativo porque a
possibilidade de intervenção de uma autoridade administrativa transformava a relação
em administrativa. Qual é o critério que aqui se indica? Transformava desde que alguém
se queixasse à autoridade competente e a autoridade competente não tivesse feito nada
e, portanto, a forma prática de alargar relações que de outra forma eram administrativas
e as incluir no Contencioso Administrativo é fazer intervir a autoridade administrativa
competente.
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Agora já não há a distinção, que não fazia sentido, entre ação comum e ação especial,
agora há uma única ação administrativa, embora o legislador tenha regulado
especificamente 4 modalidades de ação como se fossem ações completas, com regras
acerca de todos os elementos da realidade processual.
Começamos por aquela que o legislador coloca a abrir a arrumação que faz desta
realidade que é a ação de impugnação de atos administrativos, constante dos artigos 50.º
e seguintes.
Como vimos na aula passada, esta ação de impugnação junta-se a uma ação de
condenação, que é uma realidade nova que nunca tinha existido no direito português e
que se considerava tradicionalmente violar a regra da separação de poderes, depois há
uma impugnação de normas de condenação a emissão de normas, aqui a impugnação já
existia desde, pelo menos, 1985, mas a condenação é uma realidade nova no direito
português. E depois há uma ação em matéria de contratos, em que intervém a
administração, contratos públicos, de acordo com a sua formulação ampla que são
objeto do contencioso administrativo.
E a primeira analise que é preciso fazer, porque é aquilo que salta aos nossos olhos, é
porque é que aquela modalidade de ação que supostamente era já conhecida, aquela que
correspondia à realidade habitual do contencioso administrativo português, é aquela que
é regulada num conjunto maior de normas, é aquela que merece um maior
desenvolvimento legislativo do que as outras modalidades de ações, que são novas.
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Isto é estranho, porque se o legislador criar duas ações de condenação e se essas são
radicalmente novas, esperar-se-ia que ele tivesse uma maior preocupação em regulá-las
precisamente por isso do que aquilo que aconteceu. O legislador preocupou-se
sobretudo com a regulação da chamada ação de impugnação.
O que é que era o recurso de anulação? O recurso de anulação era um meio processual
para impugnar atos administrativos, um meio processual que tinha resultado da
transformação do recurso hierárquico em recurso contencioso e, portanto, era um meio
limitado em que não havia prova dos factos; era um meio como um recurso em que só
se analisava o direito; um meio objetivo em que não havia partes; em que o processo era
todo inquisitório, em que havia uma realidade que era marcada pela infância difícil.
Esta situação mudou. Mudou, desde logo, com a constituição de 1976 e as suas
sucessivas revisões, que separam a administração e a justiça. Isso significa que o
recurso não pode continuar a ser recurso, passa então a haver uma ação e esta é uma
marca desta realidade que tem consequências processuais.
Uma ação é a primeira apreciação jurisdicional de um litígio. A primeira coisa que o juiz
tem de fazer é apurar os factos e só depois é que julga o direito. Portanto, há uma
transformação que tem a ver com a natureza da ação, mas há também uma
transformação que tem a ver com a plenitude de poderes que o juiz passa a ter. Agora, o
juiz não tem apenas poderes de impugnação, nestas ações de impugnação passa a poder,
simultaneamente com o pedido de impugnação, apreciar pedidos de condenação e de
simples apreciação.
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A passagem de um sistema em que o juiz estava limitado nos seus poderes a um modelo
de plena jurisdicionalização tem consequências no processo administrativo. Pode-se até
mesmo dizer que a maior parte das ações que adotam (e seguem) o modelo de
impugnação, são ações de natureza mista porque os pedidos não são apenas de anulação
e porque as sentenças não são apenas de anulação, são sentenças de carácter misto.
Qual era a razão de ser destas afirmações? Primeiro, o recurso não era um recurso; o
que estava em causa não era uma segunda apreciação, a administração e o juiz não eram
a mesma entidade, o processo não continuava da administração para o juiz, não passava
de gracioso a contencioso (como dizia o Professor Marcelo Caetano), havia um
procedimento e um processo. O processo estava a ser julgado pela primeira vez e devia
ser julgado em condições de completude. Portanto, isto significaria no futuro que era
preciso transformar, como aconteceu, a natureza jurídica daquele meio processual, que
não podia continuar a ser um recurso.
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Em segundo lugar, o recurso de anulação não era de anulação; em termos rigorosos, não
era apenas de anulação. E isto porquê? Porque na maior parte dos casos quando o
particular impugna, a decisão administrativa já foi tomada e se a decisão administrativa
já foi tomada, então a satisfação dos interesses do particular não se conforma e não é
suficiente se for apenas de anulação. Porque a anulação é um efeito constitutivo de
afastar da ordem jurídica o ato ilegal.
E se isto já era assim antes, havia várias tentativas para explicar, há até uma discussão
muito engraçada no direito francês nos anos setenta e oitenta que é a de saber se,
efetivamente, as sentenças tinham como conteúdo apenas a anulação. A doutrina
clássica e maioria dizia que sim, embora houvesse efeitos fora da sentença,
nomeadamente, o efeito de caso julgado, que se dizia que impedia a administração de
repetir o ato e o efeito de execução das sentenças, que obrigava a reconstituir a
sentença, mas como figura genérica. Portanto era algo colocado fora da sentença,
embora correspondesse aos efeitos da sentença. Estão a ver a contradição…
Dizia-se que a sentença é apenas de anulação, mas aquilo que se fazia corresponder à
sentença através de um processo de execução das sentenças, que era um processo
objetivo e não era daquela sentença era das sentenças em geral, era este dever de
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O professor Freitas do Amaral, adotou esta perspetiva e dizia que há caso julgado da
execução das sentenças, que isso vai além do efeito anulatório, mas as sentenças são
apenas anulatórias e, portanto, havia uma mistificação em razão dos traumas da infância
difícil e colocava-se fora da sentença aquilo que deveria estar no conteúdo da sentença.
Se isto já era assim, já implicava esta mudança e que se poderia dizer que, a sentença
não é apenas de anulação e depois o movimento da doutrina italiana do Nigro e do
Cassese, tal como tentou o professor Vasco Pereira da Silva fazer em Portugal, foi o de
fazer corresponder o conteúdo da sentença aos seus efeitos porque não fazia sentido
dizer que, isto é o conteúdo da sentença, mas os efeitos são outros. O professor Vasco
Pereira da Silva defende que é preciso fazer corresponder o conteúdo da sentença aos
seus efeitos e, portanto, o juiz tem logo de condenar a administração, dar-lhe ordens,
tem logo que resolver toda a situação do particular.
Em primeiro lugar, ele vai reafirmar esta ideia de que o que está em causa é toda a
relação jurídica material e, portanto, o particular deve apresentar todos os pedidos, daí
toda a enumeração dos pedidos em termos amplificados. Já estava no artigo 2º CPTA e
no artigo 4ºCPTA, está agora de novo de forma diferente, mas com o mesmo conteúdo
no artigo 37ºCPTA. Portanto, todos os pedidos são possíveis e as sentenças têm em
princípio carácter unívoco. Podemos dar um passo, e saber quais são aquelas que são
meramente anulatórias, meramente constitutivas e aquelas que tem efeitos acoplados,
efeitos condenatórios e efeitos de simples apreciação. Tudo depende de o ato ter sido
executado ou não porque se o ato não foi executado, ou a administração não o quis
executar, podendo e o não quis executar, ou porque o juiz determinou a suspensão da
eficácia do ato administrativo e agora, com esta reforma pretendeu-se alargar as
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O particular em vez de pedir apenas a anulação como fazia antes, e esperar pela decisão
da anulação para depois pedir a execução das sentenças, o particular pede logo quando,
intenta a ação os efeitos que corresponderiam a reconstituição da situação atual e
hipotética, os efeitos da condenação e da declaração de direitos que tem a ver com a
reposição da ordem tal como ela existia antes da prática do ato ilegal. O que está aqui é
algo que conduz a que na maior parte dos casos, as sentenças ditas de impugnação
sejam sentenças mistas com uma componente de condenação, uma componente de
declaração de direitos e uma componente constitutiva. Só nos casos em que a
99
É uma diferença brutal em relação ao que existia antes porque antes não se podia antes
de obter o efeito da anulação, não se podia ter os outros efeitos da sentença de
reconstituição da situação atual e hipotética porque eles eram colocados como a gema
fora do ovo, eles não eram considerados nos efeitos da sentença e, portanto, esta
mudança é uma mudança radical. O legislador que para além desta mudança, em termos
conceptuais e de organização, regulou de forma diferente todas estas realidades, como
nos pressupostos processuais que aparecem razoavelmente modificados.
O legislador quando no artigo 50ºCPTA fala de efeitos de impugnação, dizer aquilo que
não deveria ter dito porque esta fórmula tem por objeto a anulação ou a declaração de
nulidade que corresponde aquela orientação clássica de considerar que o objeto do
processo é apenas o pedido e o pedido imediato, o legislador diz que não é assim.
Analisamos os artigos 92º CPTA e seguintes, em particular o artigo 95º CPTA, em que o
legislador estabelece um objeto do processo complexo determinado pelo pedido e pela
causa de pedir. Esta norma do artigo 50º, nos termos do nº1 é algo que é irrelevante.
Depois existe aqui uma realidade muito discutida no quadro da reforma, que era de
saber se o pedido de impugnação devia ou não ter efeito suspensivo obrigatório, à
100
semelhança do direito alemão tal como o professor Vasco Pereira da Silva defendeu no
quadro da discussão pública, a maioria dos colegas do professor considerou que não e
foi essa opção do legislador, mas o legislador diz que pode haver suspensão automática
quando esteja apenas em causa o pagamento de uma quantia certa e, portanto isto
significa que adotou aquela solução meias tintas embora em princípio não favorável, à
ideia da suspensão imediata.
A suspensão imediata servia para inverter uma lógica de um processo em que a tutela
cautelar não funcionava e não funcionava porque o particular tinha de ir a tribunal e o
juiz não reconhecia o interesse do particular e para que a tutela cautelar fizesse sentido,
ele dizia há que inverter esta lógica, há que adotar a lógica do sistema alemão porque no
sistema alemão é a administração que no mesmo prazo de 15 dias se dirige ao tribunal
para pedir a execução do ato e em função do pedido o juiz vai comparar ambos os
efeitos.
O que é que aconteceu em Portugal por causa desta função tradicional que se quis
manter? O que se fez foi o particular vai ter de pedir a suspensão, mas não é o juiz que
decide, é a administração. A administração que no prazo 15 dias diz se quer ou não
executar o ato de que há motivo de interesse público. Isto é um disparate total! É o
mesmo que o réu dizer num processo penal – Oh Sotôr Juiz não me mande para prisão
preventiva, que eu gosto muito da minha casinha! Eu gosto muito da minha casinha,
então eu decido que vou continuar cá fora! - E o Juiz não diz nada! Verifica, apenas, se
ele pode decidir isso ou não, ou seja, se está nas condições de decidir isso ou não. É o
que faz o juiz administrativo em Portugal. Só ao final do ano é que ele vai apreciar o
pedido de eficácia, portanto o pedido deixou de ser cautelar! É um disparate completo!
101
O sistema que temos agora, por um lado, como não é carne nem peixe, em
relação a ações em que está apenas em causa o pagamento de uma quantia certa sem
natureza sancionatória e tenha sido prestado uma garantia, é algo que permite a
suspensão de eficácia. Isto aplica-se aos processos fiscais. É a única regra do código de
processo de aplicação ao contencioso fiscal, mas é a prova de que podia aplicar-se,
porque o fundamento do contencioso fiscal é esta norma do processo administrativo e,
portanto, isto é mais um argumento no sentido em que não há razão para esta dualidade
de códigos, esta dualidade de leis processuais, e, portanto, a lei processual
administrativa deveria valer para o contencioso fiscal.
Ora bem, este n.º 2 diz que está em causa o pagamento quer no âmbito do
contencioso administrativo, mas aplicável sobretudo ao tributário, e depois, também,
aqui no n.º 3 dá-se a ideia de que todos os pedidos estão ligados. O n.º 4 tem que ver
com a declaração de inexistência do ato e o que se deve fazer a seguir. São normas
pouco importantes, não precisavam de estar aqui com este título pomposo “objeto e
efeitos da impugnação”, mas não têm um sentido útil muito grande.
O primeiro pressuposto processual é um dos que eu gosto mais. Tem sido objeto
da minha investigação académica e sobre ele eu já escrevi alguns milhares de páginas.
Já tinha escrito sobre a impugnabilidade a propósito da tese de mestrado, depois na tese
de doutoramento, de novo a questão da impugnabilidade é uma questão essencial e este
mecanismo é típico do processo de impugnabilidade. Eu não diria apenas que é típico da
impugnação, porque esta ideia de impugnabilidade também aparece nas ações de
condenação.
102
era mais ampla e mais adequada do que esta, mesmo se esta não chega a pôr em causa o
que estava estabelecido na primeira.
103
nenhuma situação jurídica de ninguém, não tem sequer a mínima noção de que esteja a
tomar uma decisão de natureza jurídica, ele está a decidir em função das condições
atmosféricas e do tráfego do aeroporto. Este ato não define o direito. Quando a
administração atribui um subsídio, atribui um bem ou serviço, não está a definir o
direito de ninguém. Só haverá utilização do direito e a prática de atos com conteúdo
jurídico no domínio da administração polícia, fora desse domínio a administração não
define o direito. Quem define o direito é o juiz.
Em segundo lugar, o ato não é o termo do procedimento, pode ser ou não ser,
porque qualquer ato procedimental produz efeitos jurídicos e, ao produzir efeitos
jurídicos, pode ser um ato administrativo e pode ser impugnado, é o que nos diz o art.
51º do código do procedimento, ainda que não ponham termo ao procedimento, o ato
pode ser impugnado. Qualquer ato, em qualquer momento do procedimento, pode ser
impugnado e, portanto, a definitividade horizontal é, também, um disparate!
Em terceiro lugar, porque a maior parte dos atos administrativos não têm de
subir até ao topo, a regra não é a de que o governo decide sobre todas as coisas, não é
como era no século XVIII, a regra do recurso hierárquico necessário, agora qualquer
órgão administrativo com competência para decidir, decide de forma final sobre esta
matéria, o principio da desconcentração administrativa obriga a essa realidade, e,
portanto, a ideia da definitividade é uma ideia que tem de ir para o caixote do lixo! Não
é uma característica dos atos administrativos de todos os atos administrativos, muito
menos daqueles que são impugnáveis, não tem nada a ver com a ideia de
impugnabilidade, é um disparate!
104
uma característica do ato, não é uma característica do poder administrativo, é algo que
existe nos atos da administração de polícia, sempre que a lei atribui esse poder.
105
Aquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva procurou provar era que nenhuma
dessas características pertencia ao ato administrativo, não era uma característica geral
dos atos administrativos, os atos não eram nem definitivos nem executórios e, por outro
lado, que o ato impugnável era igual ao ato administrativo, produzia efeitos no caso
concreto, só que estava numa situação que era suscetível de lesar os particulares e,
portanto, a lógica do processo devia ser, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, a considerar que qualquer ato administrativo, qualquer ato produtor de feitos
jurídicos numa situação individual, num caso concreto, se estivesse numa condição de
lesar o direito do particular, numa situação da vida, era um ato impugnável.
106
em termos do direito administrativo português porque hoje em dia uma noção ampla de
ato como aquela que encontramos no CPA – um ato produtor de efeitos jurídicos, numa
situação individual e num caso concreto, qualquer destes atos se se encontrar numa
situação suscetível de produzir uma lesão, qualquer destes atos é impugnável e portanto
não há nada que distinguir nem há de considerar aqui um conceito de natureza
substantiva.
E suponho que vimos que o legislador português, de alguma maneira, no art. 51º
afasta completamente estas ideias que estavam associadas ao ato administrativo.
É, de resto, por causa de algumas dessas limitações que muitas vezes o Professor
Vasco Pereira da Silva (que tem escrito num estudo que está na e-Pública sobre a
“reforminha” de 2015) refere que a “reforminha” de 2015, sem mudar nada, escreve as
coisas de outra maneira que são escusadas, mas que tinham por trás a ideia de limitar
sem limitar o que efetivamente estava em jogo.
107
O ato do controlador aéreo que está na Portela a mandar levantar voo ou mandar
aterrar aviões está a praticar atos administrativos, não está a definir nenhuma posição,
não tem a mínima noção de estar a praticar um ato com conteúdo jurídico, é, no entanto,
um ato administrativo que em razão das condições meteorológicas e da circulação na
pista, manda os aviões levantar ou manda os aviões aterrar.
Depois, os atos dos dias de hoje também não são horizontalmente definitivos
porque qualquer procedimento é complexo e qualquer ato praticado num procedimento
normalmente tem uma lógica múltipla e complexa produz efeitos jurídicos e se esses
efeitos jurídicos forem lesivos, qualquer ato num procedimento é suscetível de ser
impugnado
E, portanto, o ato não é definitivo, mas o ato também não é executório. E não é
executório por 3 razões.
Em primeiro lugar, porque a discussão dos atos também depende da lei, não é
um privilégio da Administração, famigerado do direito de execução prévia, não é nada
108
que possa existir se não houver uma lei. Lei que vale para a declaração, mas que vale
também para a execução.
Hoje, de resto, o CPA vem dizer na versão de 2015 que os poderes de execução
dependem da lei. Se não houver lei não há execução.
Era algo que o Professor Vasco Pereira da Silva defendia há muito tempo. O
Professor Freitas do Amaral, que fazia a anotação da versão da Comissão acerca daquele
artigo dizia que “esta é a minha posição, mas alerto para o facto que o Professor Pereira
da Silva me ter dito o contrário”.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, não faz sentido nenhum que o princípio
da legalidade não valha também para a execução. A execução só existe nos casos em
que a lei determina e nos termos em que a lei determinar.
E, por outro lado, em segundo lugar, a maior parte dos atos administrativos,
todos os atos da Administração prestadora, porque são favoráveis ao particular, não
podem ser impugnados contenciosamente contra a vontade do particular. Não faz
sentido, o particular quer receber a bolsa de estudos, foi ele que a pediu; o particular
quer a reforma, foi ele que pediu a reforma; o particular quer construir uma casa, foi ele
que construiu a casa. Não faz sentido dizer que este ato prestador favorável ao particular
é suscetível de execução coativa.
Por outro lado, e é o último argumento na nossa ordem jurídica, é que a lei pode
proibir a execução de determinados atos e isso está no CPA. O CPA proíbe a execução
de todos os atos que correspondem ao pagamento de uma quantia monetária. E,
portanto, todos esses a lei diz que não são suscetíveis de execução coativa, não são
executórios.
109
Podem tentar convencer as pessoas, não as podem obrigar a pagar, tem de ser um
tribunal.
Posto isto, faz sentido dizer que o ato é executório? Não faz.
O Professor faz esse elogio fúnebre já antes, quando fez a última edição das
lições do Professor Marcello Caetano (anotando em letra miúda, para ver o que escreveu
o Professor Marcello Caetano e o que foi acrescentado pelo Professor Freitas do
Amaral), escreveu, depois de repetir o conceito do Professor Marcello Caetano, o ato
suscetível de execução coativa contra a vontade do particular, o Professor acrescentou
“no entanto, isto hoje não se verifica em todos os casos, isto hoje já não é a regra” e
110
acrescenta que “hoje em dia, talvez o único sentido possível para a ideia de
executoridade seja o sentido do Professor Rogério Soares, o sentido da eficácia” e,
portanto, o ato executório só fará algum sentido se for entendido como ato eficaz.
A partir daí o professor Vasco Pereira da Silva passou a dizer, no livro “Em
busca do ato administrativo” que, a exigência desse requisito processual tornou-se
inconstitucional por violação da separação de poderes. A separação entre administração
e justiça não permite fazer depender o acesso ao juiz do uso de uma garantia
administrativa. Tornou-se inconstitucional por causa do princípio do acesso ao direito. O
direito fundamental de aceder a um tribunal que é posto em causa se não houver o
exercício prévio da garantia administrativa. Tornou-se inconstitucional por causa da
desconcentração administrativa que obriga a que decisão do subalterno seja
imediatamente impugnável.
Esta luta, que para o professor Vasco Pereira da Silva começou nos anos 80,
talvez não esteja integralmente resolvida. Se a generalidade da doutrina e da
jurisprudência, a começar pelo Tribunal Constitucional, foi dizendo que realmente as
noções de definitividade horizontal e material e a noção de executoriedade tinham sido
afastadas que, no entanto devesse ser mantida a função de definitividade vertical e as
sentenças do tribunal constitucional, as que existem dos anos 80 e dos anos 90, o
tribunal constitucional diz que não se pode dizer que haja uma violação do direito
fundamental de acesso ao direito porque o particular que usou a garantia administrativa,
que fez primeiro o recurso hierárquico e depois recorreu a tribunal, o particular não é
prejudicado e como não é prejudicado, então não há uma violação do direito.
111
O CPA na sua versão originária, dos anos 80, estabelecia a regra oposta, a regra
da obrigatoriedade do recurso hierárquico e em face da alteração constitucional e da
primeira versão do CPA em que isso desaparecia, este código em nenhuma das suas
normas fala da necessidade de um prévio recurso hierárquico. Onde é que teria de estar
esse pressuposto processual? Deveria estar no código de processo. Se isso fosse um
pressuposto processual, tinha de estar no CPTA. Isso desapareceu. Na perspetiva do
professor a exigência do recurso hierárquico não só era inconstitucional como era ilegal
e inútil. Era ilegal porque tinha sido afastada essa exigência e era inútil porque sendo
superior hierárquico ou o autor do ato aqueles que estavam envolvidos no poder
decisório, eles normalmente não decidiam de forma contrária e, portanto, em 99,9% dos
casos, o superior hierárquico confirma a decisão do subalterno. Na prática, ele confirma
sempre. Era inconstitucional, ilegal e inútil. Algo que o professor continua a defender
apesar das alterações que houve.
Apesar do professor defender esta teoria e haver muita gente a defender esta
tese, surgiu uma construção chamada de intermédia, que foi defendida pelo professor
Freitas do Amaral e pelo professor Mário Aroso de Almeida. O que era a posição
intermédia que acabou por ser dominante? Era a ideia de que, o recurso hierárquico
112
Só é possível dizer que há uma exceção à regra enquanto existir a regra. Quando
a regra desaparece, desaparece também a exceção. Se a regra era a consagração de um
regime de obrigatoriedade, se essa obrigatoriedade deixa de fazer sentido, então a
exceção não pode existir porque a exceção não era exceção antes, só passa a exceção
depois. Se a norma afastou a regra, também tem de afastar as normas especiais que
afastam a exceção.
No dia em que o professor foi convidado pela Ministra da Justiça para estar
numa sessão de apresentação do código de procedimento com os membros da comissão,
o professor manifestou tristeza pelo facto de o legislador do CPA que deveria ter
afastado esta garantia enquanto necessária, não enquanto facultativa, não o tenha feito e,
portanto, o professor voltou aos argumentos da inconstitucionalidade.
113
Seis meses depois o professor foi a uma sessão exatamente igual de apresentação
do código de processo e o professor ficou satisfeito porque no sítio em que devia estar
consagrado o recurso hierárquico necessário, que é no código de processo, não estava e
se não estava isso significa que houve revogação da ideia de necessidade que estava no
CPA. Passou também a ser ilegal a exigência do recurso hierárquico necessário.
Quanto a ideia de utilidade tal como está concebido, é inútil porque não serve
para nada. O superior confirma sempre os atos do subalterno, é isso que diz a prática.
Ele podia ser útil à semelhança do Administrative Tribunal, como o professor sugeriu.
114
Se querem tornar uma garantia facultativa de alguma utilidade para evitar o acesso ao
juiz, é preciso que quem decida dessa garantia seja independente, não seja o superior
hierárquico nem o autor do ato porque esses já decidiram e vão manter a decisão. Se
houvesse a ideia de criar algo de novo, então esse novo deveria ser algo diferente em
que este recurso administrativo, que teria de ser sempre facultativo, teria um efeito útil
da apreciação por uma entidade administrativa independente, como o é o Administrative
Tribunal no Reino Unido.
Bem, começámos pelo último porque é aquele que ainda tem mais resistências e,
portanto, afastámos a definitividade vertical, mas o legislador também afastou, de forma
expressa, todas as outras manifestações de definitividade.
E quanto à definitividade horizontal, o artigo 51.º diz logo isso: “Ainda que
não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no
exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos externos numa
situação individual e concreta […]”. Esta é a definição geral, é a cláusula geral de
impugnabilidade e, logo aqui, não há referência à definitividade horizontal, que é a
primeira a ser afastada - qualquer ato (qualquer procedimento) pode ser impugnado em
115
que condições? Desde que seja lesivo, e há a ideia de que a única característica do ato é
a produção de efeitos jurídicos. Portanto, o legislador afastou definitivamente.
É que o legislador, sem ter alterado rigorosamente nada, pretendeu fingir que introduzia
limitações:
116
Sérvulo Correia] que redigiu estas normas, o artigo 55.º/n.º 1/a) é onde aparece a
referência ao ato lesado - é um artigo sobre legitimidade.
Ora bem, só que este desaparecimento não tem qualquer efeito útil porque, em primeiro
lugar, a Constituição estabelece a regra do ato lesivo; depois, o artigo 50.º fala na lesão
e fala no ato lesivo (o direito à reparação dos atos tem que ver com a lesão… isto está
aqui um pouco a latere, mas surge aqui a ideia de que a lesão está em causa), e a lesão é
necessária para distinguir as regras de legitimidade do 9.º/n.º 1 e do 9.º/n.º 2. E,
portanto, o legislador não afastou, nem poderia ter afastado, essa referência à lesão
porque não basta que o ato seja ilegal, é preciso que o ato lese um particular. [Por
exemplo], há uma ilegalidade a ocorrer em Freixo de Espada À Cinta: o particular não
pode impugnar porque não é parte legítima, mas também porque o ato não lhe afeta),
portanto há a dimensão da legitimidade, que é uma dimensão efetiva da lesão (que
determina o sujeito ativo), mas há a característica do ato que lesa e é em função dessa
dimensão que o particular vê negada ou pode ver negada a possibilidade de intervir.
E depois há, para além disso, outras manifestações. Por exemplo, temos esta norma do
artigo 51.º que é muito ampla (o Professor Vasco da Silva critica-a, mas é norma ampla,
e critica porque podia ainda ser um bocadinho mais ampla por ter lá o ato lesivo, mas
pronto, não o tem, mas é como se tivesse), mas o legislador, a seguir, dá uma
enumeração exemplificativa que é restrita; isto não vale nada, enfim, porque ele [o
legislador] diz “são, designadamente impugnáveis”, e não há dúvida que estes dois são
casos de atos impugnáveis, agora, ao reduzir apenas estes dois casos, e que têm caráter
restritivo, o legislador está a dar entender que são estes e que são apenas os com caráter
restritivo.
Claro que sim, as questões deixam de poder ser apreciadas e esse ato procedimental
pode ser impugnado – é óbvio. O legislador não contraria a regra, mas deixa pairar a
117
ideia de que só neste caso e no outro é que isto vale. Não é - são “designadamente
impugnáveis” e, portanto vale a regra geral do 51.º/n.º 1.
O segundo caso:
Pois, com certeza. Num procedimento complexo, em que participam vários órgãos, um
órgão deixou de participar, pois, é esse o momento adequado para impugnar aquela
decisão.
Ora bem, isto não alterou nada – manteve, reafirma o que está no 51.º/n.º 1 –
mas isto dá a entender que não é uma hipótese muito generalizada porque o legislador,
quando dá exemplos, quantos é que ele põe? Vinte, trinta, não é?
Outras normas abertas - a propósito dos pedidos, a propósito dos efeitos da sentença, o
legislador põe tudo (aquilo é ali a lógica do repete, do repete repete… está lá tudo);
aqui, só estão estes dois casos. O legislador está aqui, em termos psicanalíticos, a dizer:
“Bem estes é que são os casinhos, vejam lá se têm cuidado…” Não, os casos são os do
n.º1, esses é que definem o critério e, portanto, estas são regras.
Há, no entanto, uma única limitação, que o Professor Vasco Pereira da Silva não
gosta (mas que também não põe em causa a regra), e esta limitação tem a ver com o
seguinte: o legislador no n.º5 adota a regra que o Professor Vasco Pereira da Silva
considerava adequada que é a de dizer que o particular deve escolher, enquanto
estratégia processual, o momento mais adequado para atacar o ato administrativo, e esse
momento tanto pode ser o início do ato – o início do procedimento – como o meio,
como o fim. Portanto, há aqui uma escolha que o particular pode fazer.
O legislador diz isso no n.º 5 e para dizer isso é preciso duas coisas:
- É preciso que o particular que impugnou e que esperou pelo ato final não seja
prejudicado por causa disso e, portanto, diz-se, expressamente, que o particular pode
impugnar só o ato final e não é prejudicado por não ter impugnado os atos anteriores:
118
- Diz-se também que, [quanto ao] particular que impugna um ato inicial e um ato
intermédio, isso tem consequências nos atos futuros porque os outros atos não podem
ser praticados porque o ato foi afetado.
Mas o legislador diz aqui uma coisa que, na perspetiva do Professor Vasco Pereira da
Silva, introduz uma limitação ao conteúdo desta realidade, que é o estabelecimento de
um prazo - a ideia de que os atos iniciais ou os atos intermédios só podem ser
impugnados até ao fim do procedimento. Se o procedimento já foi terminado e já foi
praticado o ato final, o particular só pode impugnar o ato final. O Professor Vasco
Pereira da Silva não vê razão para isso; [o prazo] não põe em causa a norma, mas
também não há razão para isso - o particular deve escolher aquele momento que é
decisivo.
119
ato, mesmo que esteja disfarçado de lei e outro regulamento, não deixa de ser ato
administrativo e pode ser impugnado.
Outras normas do CPTA relativas à ação de impugnação, sendo que é ele que tem uma
derrogação maior no quadro destas normas e as normas que respeitam a legitimidade.
Aquilo que o legislador vai fazer no artigo 55º do CPTA é enumerar de forma diferente
aquilo que já tinha estabelecido no artigo 9º. Ao fazer isto o legislador pode causar
equívocos, tal como o artigo 55º/2.
Nas diferentes alíneas do artigo 55º/1 aparece quem alegue ser titular de um interesse
direto e pessoal designadamente por ter sido lesado os seus direitos, ela está no nº1 por
outras palavras.
Entidades públicas e privadas quanto aos direitos cujo interesse lhes incumbe defender,
isto corresponde à ação por defesa de diretos, quer no âmbito de entidades púbica quer
no âmbito de entidade privada e ao fazer referência a entidade pública já abrange o nº1.
120
Também órgãos administrativos relativamente aos atos praticados por outros órgãos da
mesma pessoa coletiva pública, relações interorgânicas, que são relações no quadro do
contencioso administrativo. Esta é a única norma que não encontramos outra igual.
Os presidentes de órgãos colegiais tem legitimidade em reação aos atos praticados pelos
seus inferiores. a norma do artigo 55º faz todo o sentido, uma vez que se o presidente do
órgão tem o dever de executar a norma, só pode fazê-lo se entender ser legais, sendo
que se não forem ilegais já não tem o dever de mandar executar.
Mas o artigo 55º/2 causou alguma divergência porque qualquer eleitor no gozo dos seus
direitos civis e políticos pode permitido impugnar as decisões e deliberações adotadas
por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado,
assim como das entidades instituídas por autarquias locais ou que destas dependam.
Esta norma está formulada de forma diferente, no entanto, esta formulação é exatamente
as mesma que estava no Código desde o início do século XX, redigida pelo professor
Marcelo Caetano. Esta norma foi acrescentada à última da hora, sendo que a sua
explicação é psicanalítica.
Depois parece uma última referência, que de acordo com o Professor Vasco Pereira da
Silva é de criticar, porque a sua razão de se não faz sentido. Diz que a intervenção do
interessado no procedimento em que tenha sido praticado o ato administrativo constitui
mera presunção de legitimidade para a sua impugnação. Esta ideia de que há uma mera
presunção de legitimidade não faz sentido, de acordo com o Professor. Porque não é
mera presunção, quem participou no procedimento tem um interesse em participar no
processo, tem legitimidade processual, não sendo necessário este artigo, o que está em
causa é a necessidade de aferir a legitimidade de forma diferente.
Depois há uma norma relativa à aceitação do ato. A primeira coisa que é preciso referir
é o facto de não se perceber o porquê de ela lá estar, sendo que o Professor Vasco
Pereira da Silva acha-a absurda. Este artigo (56º do CPTA) não é legitimidade. Não é
121
pelo facto de a ação ser executado que ele, o particular, fica sem o direito a intervir
judicialmente, isto não faz sentido no processo administrativo.
Não pode impugnar um ato administrativo com fundamento na sua mera anulabilidade
quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado. A aceitação tácita
deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de
impugnar.
Aceitar tacitamente é sentir a produção de efeitos na sua esfera jurídica, que ocorrem
automaticamente, logo não faz sentido ter que haver uma aceitação, de acordo com o
Professor Vasco Pereira da Silva.
O princípio fiscal é o oposto: a regra do pagamento dos imposto funciona da forma que
o particular paga os imposto e depois se quiser impugnar a decisão. Resulta da vontade
das partes, estas toma a decisão de querer impugnar, sem colocar em causa a
necessidade de pagar o imposto. Hoje em dia o próprio processo prevê a possibilidade
da falta de interesse no processo, designadamente nos processos no quaro da
impugnação.
No artigo 57º CPTA aparece uma norma, certa e bem formula que tem a ver com a
legitimidade e a figura do contrainteressado. O processo não é apenas unilateral, mas é
sobretudo uma pluralidade ou dualidade de interessados e contrainteressados. Esta
norma está correta, pacífica doutrinalmente.
Temos depois uma norma muito saudável e que é de saudar por ter estabelecido as
situações de possibilidade de um prazo máximo de 1 ano nos casos de justo
impedimentos, que é a norma dos prazos para impugnação.
122
Isto significa que o verdadeiro caso não é o de três meses, mas sim o de 1 ano. Mesmo
dependendo de uma análise de juiz, mas tal como no processo civil estas causas são
quase sempre consideradas. Isto tem efeitos de superação de um tabu no universo
administrativo, devido ao contexto histórico da necessidade do carimbo dos correios
para contagem dos prazos no âmbito dos processos administrativos.
Esta norma também é importante porque tem de ser conjugada com o art. 38º CPTA,
que foi feita, na visão do Prof. Vasco Pereira da Silva, utilizando o esquema do partido
escolhido pelo professor, sobre a necessidade de saber se o prazo de 1 ano tinha uma
eficácia sanatória dos atos administrativos, ou seja, se para além de um ano, aquele ato
podia ou não continuar a ser.
Nos anos 70 havia uma disposição administrativa a dizer que qualquer funcionário
público que adira à greve, faltando ao serviço, teria uma sanção disciplinar. A maior
parte das pessoas nem se apercebiam que tinham tido essa sanção disciplinar. Mesmo
que estivessem doente e tivessem apresentado atestado médico, bastava não se terem
apresentado ao serviço para haver essa sanção. Os particulares afetados descobriam isso
anos depois quando iam pedir a reforma. E portanto, terem uma sanção disciplinar
contra a qual não reagiram não podia ter eficácia definitiva e tinha que ser impugnada.
O ato nulo sana-se por decurso do prazo, mas esta sanação não faz sentido tal como não
faz sentido falar em caso decidido como forma própria de estabilidade dos atos
administrativos porque a administração não é o tribunal.
123
Para além disto, não é o decurso do prazo que torna um ato ilegal em ilegal. Mesmo que
não fosse impugnado, não se transformava ilegal.
No processo civil, em relação a uma sentença injusta que não pode ser impugnada, não
se pode dizer que se sana. Continua a ser ilegal, mas não pode ser impugnada por razões
de certeza e segurança, não é por questões de justiça.
O professor defendeu então que mesmo quando um ato se tornava impugnável, poderia
continuar a ser impugnado ainda que não nos mesmos termos que antes. Na discussão
que foi tida com Vieira de Andrade, o professor entende que esta ideia de milagre pelo
decurso do prazo é um disparate e por isso argumenta que o legislador diz e bem no
artigo 38º CPTA, "os casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no
domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o
tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que
já não possa ser impugnado" - atenção não pode ir a T pedir a impugnação mas pode
dizer
Não pode reagir diretamente contra o ato, pode pedir a simples apreciação da declaração
de um direito.
O professor diz ainda que a única coisa que o baralha no preceito é a expressão
"designadamente a responsabilidade civil", com a qual não concorda - designadamente é
um exemplo, e a responsabilidade civil era um bom exemplo porque quem não tivesse
impugnado o ato não podia pedir a ação de responsabilidade e hoje pode - hoje quem é
afetado pelo ato administrativo pode receber uma indemnização.
124
funcionar, ele corresponderia não a um pressuposto suis generis mas sim da falta de
interesse processual.
O juiz no domínio do poder e dos atos e regulamentos não podia condenar nem dar
ordens - fazê-lo era violar o princípio da separação de poderes. Esta realidade vai ser
afastada no quadro do novo modelo da justiça administrativa: este artigo e esta ação têm
a maior amplitude possível como resulta deste artigo 66º. No contencioso francês tinha
surgido a ficção do ato tácito, que servia para reagir contra omissões da administração,
quando a administração não dizia nada, fingia-se que tinha praticado o ato
administrativo, o particular fingia que ia impugnar o ato, o juiz fingia também, depois
fingia-se que o ato era violado e depois na consequência destas ficções, que o particular
tinha direito a que a administração praticasse o ato. É tanta ficção vai além da própria
lógica do Fernando pessoa e do poeta fingidor. O fingimento era total que não
funcionava. O que vai surgir no direito alemão do pós-guerra é uma ação que permite
por um lado permite reagir, através dos atos tácitos de indeferimento: sempre que a
administração indeferir, o meio processual é a ação de condenação. Isto quer dizer que o
particular deve usar a ação de condenação.
125
126
agradáveis não deve aproveitar o facto de ser legislador para se “vingar”. Não acha bem
resolver problemas pela via legislativa. Para o Professor também nestes casos devia ser
usada sempre a ação de condenação, mas o nº3 permite que seja uma ou outra. Não é
necessário, não é adequado porque este é um mecanismo específico.
Mas há uma coisa que aparece aqui e essa o legislador não alterou, e é a solução
constante do direito alemão, que o Professor acha que é correta, mas vai ter
consequências que o legislador não ponderou, nomeadamente em sede de legitimidade.
Porque no nº2 do artigo 66.º diz que “Ainda que a prática do ato devido tenha sido
expressamente recusada, (haja um ato administrativo de conteúdo negativo,) o objeto do
processo é a pretensão do interessado (o direito) e não o ato de indeferimento”.
É uma ação imprópria, não se deve debruçar sobre um ato administrativo que não é
objeto da sentença; deve ter por objeto o direito do particular, condenando a
Administração que não tem em caso algum de se preocupar com o ato administrativo. É
destinado à tutela completa do direito dos particulares.
Direito a obter uma resposta tem apenas uma proteção instrumental. Este argumento o
Professor usou para criticar a primeira tentativa de caracterizar esta ação como sendo
uma ação de impugnação com uns “pozinhos a mais.”
O Professor considera que era uma visão à luz da lei anterior, que previa que tinha de
haver sempre impugnação; já não é necessária porque o ato administrativo desparece da
ordem jurídica a partir da condenação.
Se esta ação, diferentemente das outras tem apenas por objeto a determinação do direito
e a cominação da condenação da Administração significa que a legitimidade que aqui
devia existir devia ser meramente subjetiva. o Professor entende que quando o artigo
73.º prevê que ao lado da ação jurídico-subjetiva aparece também a ação pública e
popular esta ação não tem objeto e é fisicamente impossível, porque o objeto da ação é
sempre o direito. Isso significa que o legislador no artigo 72.º está a admitir uma ação
porque os defensores destas ações atuam no âmbito do interesse publico. É preciso fazer
uma interpretação corretiva; o objeto da ação não existe é física ou legalmente
impossível.
O artigo 67.º ocupa se dos pressupostos processuais desta, modalidade de ação
estabelecendo as características especificas desta ação que se não existirem devem
conduzir à absolvição da instância.
Quando no artigo 67.º o legislador os define, relativos à realidade que permite o uso
deste meio processual, em termos da lógica do artigo 66.º e nos termos de dar uma
satisfação a um direito material do particular. Diz-se em sentido amplo que pode ser
pedida quando tendo sido apresentado requerimento que tenha constituído o órgão no
dever de decidir, não tenha sido proferido decisão dentro do prazo, e tenha sido
praticado ato administrativo de indeferimento ou recusa de apreciação do requerimento
127
e quando tenha sido praticado ato administrativo de conteúdo positivo que não
satisfação integralmente a pretensão do particular.
Quando não estava lá o n.º 3, o que resultava da combinação do 66.º com 67.º era que a
forma adequada era o processo de condenação, mas agora temos essa alternativa. No
n.º1 são definidos de forma ampla os casos em que se pode considerar que a
Administração indeferiu o pedido do particular. As situações não são iguais porque
numa não há ato nas outras há uma recusa.
Depois diz-se no n.º 2, é um outro argumento para a ação jurídico subjetiva, aquilo que
releva é o direito do particular, não interessa saber se houve ou não ato administrativo e
se a competência foi corretamente exercida. Quando dirigida a órgão incompetente, e
este não remeter ao competente a inercia é imputada ao seguinte, continua a ser válida a
condenação da Administração.
É devido ao facto de isto não ter sido percebido bem, que surgiram equívocos na
doutrina portuguesa; destina-se ao direito do particular, o direito de obter decisão é
instrumental. A lógica do processo é mais ampla do que aquela que corresponderia a
uma lógica de ser uma ação de impugnação com mais particularidades.
O n.º 4 ainda vai mais longe porque admite se que mesmo nestes casos de uma
condenação para um ato administrativo devido em que o pressuposto é a apresentação
de requerimento, também quando n foi apresentado se admite a propositura da ação de
condenação.
O Professor acha que deve ser interpretado em sentido amplo “lei” senão não faz
sentido.
Isto mostra como o legislador toma uma opção por construir um esquema de proteção
dos direitos materiais do particular atribuídos pela lei (lei no sentido amplo,
Ordenamento Jurídico no seu conjunto) e, portanto, o que está aqui em causa é esta
tutela jurídico-material. O direito alemão afirmava de forma nítida; o português também
o faz, mas alguns desenvolvimentos doutrinários não partem dessa proposição que o
Professor considera criticáveis.
Dado que se destina à tutela de dto substantivo n faz sentido ação publica nem ação
popular.
Legitimidade: “quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente
protegido”; O Ministério Público não faz sentido nenhum, porque é um defensor da
legalidade e interesse público, o MP nem sequer defende direitos fundamentais, os
interesses público especialmente relevantes também não valem.
Antes de estar consagrado, na “reforminha” de 2015, o Professor já defendia que o MP
não devia ter legitimidade, o objeto é impossível e deve haver absolvição.
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Esta matéria encontra-se regulada nos artigos 72.º a 77.º do CPTA. Na verdade,
podemos dizer que aquilo que acaba por estar regulado é a possibilidade de impugnação
directa de normas administrativas lesivas com eficácia externa, temos de conjugar este
regime com o Código de Procedimento Administrativo.
Antes o CPTA tinha um regime que era uma confusão, hoje a lógica é diferente.
O CPTA agora visa a uniformização do regime de impugnação das normas
administrativas, ou seja, hoje todas e quaisquer normas administrativas,
independentemente da sua origem, sejam normas emanadas do Estado, sejam normas de
uma região autónoma, têm o mesmo regime de impugnação, que é o que está hoje
regulado nestes artigos 72.º e seguintes.
Ora bem, mas como se faz a impugnação das normas? Temos uma impugnação
directa das normas ou uma impugnação por via incidental ou por via de excepção.
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Dito isto vamos analisar o regime da impugnação das normas e a primeira coisa
que é preciso perceber é em que é que consiste a referência no âmbito do artigo 72.º a
“normas de direito administrativo” para efeito de normas emanadas ao abrigo de
disposições de direito administrativo. Nem sempre é fácil dizer, não há propriamente
um trailer a dizer o que é uma norma de direito administrativo, tem de ser o intérprete
verificar se isso assim acontece. Fundamentalmente, para que nós tenhamos uma norma
de direito administrativo temos de ter essencialmente normas emanadas por um órgão
de direito administrativo. Por exemplo, um regulamento de um condomínio é privado,
porque emana de entidades privadas e não se destina à prossecução de interesse público.
Quem pode aprovar estas normas de direito administrativo? Podem ser entidades
públicas, mas também podem ser entidades privadas, por exemplo, um concessionário
de serviço público que é uma entidade privada que exerce a função administrativa e que
pode emitir regulamentos susceptíveis de impugnação contenciosa nos tribunais
administrativos. Por exemplo, um regulamento de funcionamento de uma autoestrada.
Há um critério elaborado por um grande jurista que tem a ver com o conceito de
classe aberta e classe fechada. Sempre que tenhamos uma classe aberta temos uma
norma, quando temos uma classe fechada não temos uma norma. Por exemplo, se
tivermos uma ordem para dispersão de manifestantes, à partida é individual e concreto,
porque se destina àqueles manifestantes, naquele dia, naquele local em concreto. Ou,
por exemplo, se há uma ordem para incorporação no exército dos homens com idade
superiores a 18 anos, esta ordem pode ser um grupo de destinatários determináveis, mas
é duvidoso.
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Quais são os vícios que podem ser imputados a um regulamento e que geram a
sua invalidade?
Outra situação está expressamente prevista no artigo 72.º/2 parte final que é a
possibilidade de haver invalidade dos actos praticados no âmbito do processo de
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impugnação: isto quer dizer que no final do procedimento nós temos uma norma, mas
ao longo de aprovação ou reprovação do regulamento vão ser praticados vários actos
administrativos. O que é que acontece? Se houver um fundamento de invalidade de
algum acto administrativo praticado durante o processo de impugnação do regulamento,
esse fundamento de invalidade vai necessariamente contaminar a validade do
regulamento. Se, por exemplo, houver uma lei que estabelece que no âmbito da
formação do regulamento tem de ser emitido um parecer por uma fonte externa e não
for emitido esse parecer, então há uma preterição de uma formalidade essencial que leva
a um vício de forma, o que vai necessariamente levar à invalidade da norma.
Nós podemos ter vícios próprios das normas, mas podemos também ter vícios
que, por exemplo, ao longo do seu procedimento de formação tivemos uma situação em
que o próprio acto praticado pelo procedimento é um acto inválido. E isso
evidentemente contamina ou inquina a validade da norma.
Bom, um outro aspeto para o qual queria chamar a vossa atenção tem que ver
com o disposto no art. 72.º/2 do CPTA, e este artigo obriga a repescar aqui alguns
conceitos de Justiça Constitucional ou de Direito Processual Constitucional que são
seguramente vossos conhecidos e que tem que ver com a competência do Tribunal
Constitucional para a fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade. Como
sabem o Tribunal Constitucional não aprecia apenas a inconstitucionalidade de normas,
mas também a ilegalidade com força obrigatória geral em determinadas situações,
sobretudo quando está em causa uma situação que exige que uma norma, que até pode
ser uma norma constante de uma lei que viola uma lei de valor reforçado, por exemplo.
Aí, no fundo, há uma situação de ilegalidade pois há uma desconformidade com uma lei
de valor reforçado. Ora bem, o que é que resulta do art. 72.º/2 CPTA? O que resulta aqui
expressamente é a impossibilidade de se invocar uma inconstitucionalidade direta de
uma norma regulamentar, inconstitucionalidade direta é no fundo apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
Depois pode haver igualmente excluído de acordo com o art. 72.º/2 do CPTA,
encontra-se aquela situação de nulidade de normas constantes de diploma regional,
com base, por exemplo, em violação do estatuto jurídico-administrativo de uma Região
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Autónoma. Aqui o que temos é algo que se encontra, à partida excluído da competência
dos Tribunais Administrativos. Ora, os Tribunais Administrativos não são competentes
nesta matéria, quem é competente nesta matéria é penas o Tribunal Constitucional.
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Ora bem, permitam-me dizer que este regime de declaração de ilegalidade com
força obrigatória geral de normas administrativas é um regime de grande medida
decalcado do regime com força obrigatória geral e encontram uma consagração disso
mesmo no n.º 4 do art. 73.º, quando se afirma que “O Ministério Público tem o dever de
pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha
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Ora bem, avançando agora no regime, coloca-se agora a questão de saber qual é
o prazo para intentar uma ação de impugnação de normas administrativas e aqui é
importante ter presente que o que na verdade acontece é que quando se trata do regime
da invalidade das normas administrativas, este regime da invalidade é
fundamentalmente um regime de nulidade não de anulabilidade e isso mesmo resulta da
previsão do art. 74.º/1 quando diz que se pode requerer a nulidade a “(…) a todo o
tempo.” Isso é tipicamente característico, como sabem, do regime da nulidade. Acontece
que o art. 74.º tem o n.º 2 e este número tem a ver com situação respeitante às chamadas
ilegalidades formais ou procedimentais. O legislador vem prever o regime de
impugnação. O que aqui se estabeleceu foi um prazo de 6 meses o que significa que
decorrido este prazo, caduca o direito de requerer a invalidade da norma, ou seja,
basicamente o que nos temos é uma situação em que o legislador considerou, se
quiserem assim, que há "vícios de primeira" e “vícios de segunda". Os vícios
respeitantes ao conteúdo, que podem ser suscitados a todo o tempo nos termos do art.
74.º/1, e os vícios de natureza formal ou procedimental, que apenas podem ser
suscitados num período mais curto, de 6 meses. Um única exceção respeitante aos
vícios de natureza formal ou procedimental tem que ver com os vícios em que está em
causa é garantir a participação na formação das normas, nomeadamente, ao nível da
chamada consulta pública.
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Permitam-me dizer igualmente que há aqui uma ponderação nos termos do art.
76.º/2, o legislador refere se a situações correspondentes ao "trânsito em julgado da
sentença quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de
excecional relevo, devidamente fundamentadas, o justifiquem.", reparem no fundo isto
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significa que o legislador manda o tribunal fazer uma apreciação de forma a que não
sejam postas em causa estas situações.
Outra possibilidade tem a ver com aqueles casos em que estão em causa
sobretudo normas correspondentes a sanções sancionatórias da Administração. Se
olharem para o n.º 3 do art. 76.º, diz assim: "(...) a aplicação do disposto no número
anterior não prejudica a eliminação dos efeitos lesivos causados pela norma na esfera
jurídica do autor.", ou seja, isto está pensado sobretudo para aquelas situações em que
há uma norma sancionatória mais favorável que evidentemente deve prevalecer por ser
mais recente e mais favorável. O art. 76.º consagra a regra da repristinação da norma
mais favoráel. A repristinação neste âmbito pode significar a represtinação de uma
norma revogada há 20 ou 30 anos, ou até há mais tempo. E essa norma pode encontrar-
se completamente desfasada daquilo que é a realidade atual. O legislador preferiu existir
regulação jurídica baseada numa norma datada do que não regular a situação.
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