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“China Goes Global”

David Shambaugh

China’s Global Identities

Os rumos dos impactos chineses sobre o mundo vão depender de uma série de variáveis
internacionais e domésticas, mas uma variável de extrema importância é o fato de como os
chineses percebem seu papel internacional como nação.

“China is not prepared for world leadership. When the world asks China: What do you want
to be? It doesn’t know, and that’s the problem.” - PROFESSOR YAN XUETONG, Tsinghua
University, 20121

“Internationally, our country’s goal should change from saying what we don’t want to [saying]
what we do want.” - PROFESSOR WANG JISI, Peking University, 20113

“China remains an inward-looking country. It is essentially not interested in the outside world,
except to make money. So the West should not expect too much from China in global
affairs.” - PROFESSOR JIN CANRONG, Renmin University, 20103

“China is a Big Power; we can handle any country one-on-one. No one should try. to lead us;
no one should tell us what to do.” - PROFESSOR SHEN DINGLI, Fudan University, 20104

As quatro citações (retiradas do texto) mostram a diversidade de opinião entre a


comunidade chinesa especializada no assunto, a China passa por uma crise de identidade
internacional, essa questão “pode ser resumida na frase: as grandes potências são a chave,
as áreas circunvizinhas são a primeira prioridade, os países em desenvolvimento são a
base, e os fóruns multilaterais são a etapa importante.” (pg. 4)

Como fruto dessa competição entre identidade internacionais, a política externa (PE) da
China exibe uma diversidade, que às vezes é conflituosa e às vezes complementar. Por
hora os líderes chineses sentam à “grande mesa” dos encontros intergovernamentais
jogando o jogo das potências globais e fazendo o papel de uma potência engajada e
responsável. Às vezes o mundo escuta um discurso beligerante dos oficiais governamentais
e dos cyber nacionalistas. Em outros momentos a Chila importuna seus vizinhos em
questões de reivindicações territoriais, age de forma neo-imperialista ao explorar nações
distantes e seus recursos naturais ou pode ser vista estreitando acordos comerciais ou
expandindo sua rede global de parceiros, todos esses posicionamentos de Pequim indicam
um conflito interno de debates.

Portanto, conforme a China continua em franca ascensão é cada vez mais importante se
aprofundar nos discursos de relações internacionais (RI) da China (assim como a opinião
pública) para identificar as possíveis direções e ações que ela pode vir a tomar
Discurso Aberto em um Ambiente Restrito
O discurso sobre as RI na China é bem diverso e aberto, a censura é óbvia mas o nível de
abertura possibilitada nesse assunto é maior do que a maioria dos estrangeiros podem
pensar, entretanto ainda existem alguns tópicos “proibidos” como direitos humanos,
intervenções humanitárias e a própria crítica a política externa chinesa, fazer uma crítica
aberta desse cunho seria considerada sedição.

Entretanto os discursos sobre a identidade internacional da China ainda acontecem em uma


ambiente político restrito o que traz consequências para o próprio discurso. Os estudiosos
políticos chineses não tem um cultura de criticar diretamente uns aos outros, o que torna
difícil identificar quem defende qual ponto de vista. Enquanto isso, os pontos de vistas
também não são tão claros quanto na delimitação institucional, diferentes pontos de vista
são mais associados com indivíduos do que com instituições.

Mesmo que o debate acadêmico esteja crescendo e ganhando força, oficiais do governo
ainda mantém uma rígida disciplina Leninista, eles raramente expressam opiniões pessoais
e possuem um rígido script quando falam com estrangeiros. Todos os discursos oficiais são
analisados por agências governamentais e autoridades de propaganda, tornando o
vazamento de informações oficiais para a imprensa praticamente inexistentes, por
consequência desse ambiente restrito os debates de Ri na China servem como uma “janela”
para o pensamento político governamental. É importante ressaltar que as RI e o papel da
China internacionalmente são estritamente ligados a política interna chinesa, todas as
ações internacionais são pensadas com base no reflexo que elas causarão internamente no
país.

O amplo espectro que esse debate pode ter, mesmo que dentro de um ambiente restrito,
possibilita a existência de um segmento de opinião oficial que nega a China como uma
grande potência e afirma que ela ainda é um país (socialista) em desenvolvimento. Outro
segmento de opinião argumenta que a China está mais para um potência regional. Existe
ainda uma outra opinião peculiar, a weltanschauung que é um opinião vitimista que trata da
humilhação de que o país passou sob o domínio de outras potências, essa opinião
apresenta duas sub vertentes, a primeira que foca nas humilhações pelas mãos do
Ocidente e do Japão e outra que resgata o histórico da China como uma antiga potência e
que merece voltar ao seu status. Esses pontos de vistas são encontrado até hoje nos
discursos e documentos oficiais do governo chinês embora majoritariamente a opinião seja
no sentido de reconhecer a China como uma potência mundial, ou pelo menos no caminho
de ser, o que leva o discurso para a pergunta que tipo de potência a China deve se tornar.

Problemas de contenção
Um dos mais antigos debate é sobre a postura/política de Deng Xiaoping, líder chinês que
em 1078 catalisou as políticas de reforma e abertura do país. Deng defendia uma posição
representada nesse seu discurso “nós só vamos ser um grande poder político se
mantermos low profile (sem confrontamento direto a ordem internacional e aos grandes
atores do SI) e trabalharmos duro por alguns anos, e assim vamos ter adquirido mais
influência no cenário internacional”, (pg. 19) para ele a China não deveria tomar a liderança,
mas ainda poderia “fazer algumas coisas” se engajando de forma seletiva nos assuntos
mundiais.
A partir disso o debate que surge é de como manter esse low profile e o quanto a China
deveria atuar no SI (“fazer algumas coisas”). Alguns alegam que essa frase de Deng está
ultrapassada, ela fazia sentido na década de 1990 mas agora e é hora da China ser mais
ativa na defesa dos seus interesses. Um consenso foi alcançado em relação a esse debate
em 2010 com o encontro anual da associação chinesa de RI, onde se concluiu que a linha
de pensamento de Deng deveria ser mantida e ainda fizeram mais recomendações como:
não confrontar os EUA ou ao sistema internacional em geral, não usar da ideologia para
guiar a PE, não liderar o “campo” anti Ocidente, não entrar em atrito com a maioria dos
países mesmo que a China esteja certa e mudar a imagem que o país tem através de
grandes eventos internacionais.

Um dos esforços dos chineses foi de criar uma teoria sobre a “ascensão pacífica” da China
já que era notado uma grande adesão a “teoria da ameaça chinesa”, a ideia era a de
acalmar os estrangeiros, principalmente os EUA, mas essa teoria deu lugar ao termo
“desenvolvimento pacífico”, já que a palavra ascensão era considerada um pouco
agressiva.

Outro debate que existe é sobre a estrutura do SI, a maioria dos acadêmicos chineses está
dentro da tradição Realista, e acreditam no conceito de pólos nas Ri e acreditam que o SI
está indo em direção à multipolaridade. Existem várias visões sobre a distribuição de poder
na estrutura global uma delas é de que o SI é ao mesmo tempo unipolar e multipolar, outra
visão é a de duas superpotências e várias potências, onde o mundo seria liderado pela
China e EUA de forma global e outros potências atuariam de forma mais regional.
Mas o que é de forma geral um consenso na China é a aversão em relação a governança
global, eles acreditam que o conceito e uma armadilha ocidental/americana que tenta minar
a soberania chinesa e conter seu crescimento de forma a atrair o país para uma série de
compromissos os quais a China não pertence.
Mas um conceito que está caindo nas graças dos governantes chineses é o Soft Power, a
China tem tomado noção da sua péssima imagem internacional e agentes de propaganda
atuam e pesquisam como se aproveitar dessa nova forma de poder e lançou uma “ofensiva
charmosa” na sua diplomacia pública.

O espectro do discurso sobre a identidade internacional chinesa


Existem 7 grandes escolas de pensamento nas RI da China, dentro do espectro ideológico
começamos com os os “Nativistas”, esse grupo é um coletivo de populistas, nacionalistas e
marxistas, eles desconfiam do mundo exterior, buscam autonomia internacional e acreditam
que o envolvimento multilateral internacional como armadilha, são críticos ferozes do
Ocidente e acreditam que as reformas e o processo de abertura custaram a identidade
socialista da China, corroem a sua cultural com influência estrangeira assim como
compromete a soberania do país. Para eles a idéia de “evolução pacífica” quer destruir o
socialismo e é uma forma do Ocidente de afastar gradativamente a China do governo do
Partido Socialista
Alguns desse grupo defendem a ideia de que enfrentar o Ocidente não é suficiente e de que
a China uma vez que construiu sua força, deve se vingar com força e firmeza as mazelas
que os ocidentais causaram aos chineses e para isso eles deveriam fechar as portas da
China para a influência estrangeira.

Outro grupo de pensamento são os Realistas, esse grupo representa a maioria dos
pensadores das Ri na China e embora sejam marcadamente nacionalistas são de uma
vertente muito menos xenofóbica do que os nativistas. Como a tradição realista manda eles
defendem um Estado forte para lidar com o ambiente anárquico do SI, ele usam do conceito
de nação-estado como o centro da sua análise. Os realistas podem ser divididos em dois
subgrupos, realismo ofensivo (“hard”) e realismo defensivo (“soft”).
Os hard-power realistas argumentam a favor do fortalecimento do poder nacional,
principalmente do econômico e militar para coagir outros estados em direção dos interesses
chinese e também são pessimistas sobre o envolvimento chinês nos assuntos
internacionais, eles acreditam que as relações com os EUA eventualmente se tornaram
uma relação competitiva, já os realistas do soft-power focam no âmbito da diplomacia e no
fortalecimento da cultura (soft power).

Outra escola de pensamento é a “The Major Power School”, eles acreditam que a China
deve concentrar seus esforços diplomáticos com as grandes potências e grandes blocos do
mundo, como Rússia, União Europeia e a Rússia, para eles os países do Ocidente
representam uma grande fonte de tecnologia e financiamento para o país. Dentro desse
grupo há aqueles que defendem as relações com os EUA como prioritárias, mas conforme
os atritos com Washington tem se tornado mais frequentes alguns pensadores desse grupo
defendem uma aproximação maior com a Rússia pelo fato de que compartilham
características em comum e embora tenha diminuído em influência ao longo dos anos ela
ainda é uma grande potência e aliada da China economicamente e no âmbito da política
internacional.

Outra linha de pensamento é a chamada “Ásia primeiro”, esse grupo defende que a China
deve primeiro estabilizar o seu entorno de forma a criar um ambiente propício para o seu
desenvolvimento, dessa forma atenuando questões que podem comprometer a sua
segurança nacional. Esse tipo de pensamento teve força no final da década de 1990,
quando na época os chineses estabeleceram laços diplomáticos com vários dos seus
vizinhos, mesmo que com alguns ressentimentos com Japão, Índia e Vietnã. Um importante
subgrupo defende ainda o multilateralismo regional, reforçando a ideia de que a China deve
se integrar cada vez mais as instituições da região e colaborar para a criação de mais. É
importante lembrar que esse grupo não defende a primazia da região em detrimento das
relações com outros países, mas sim que a Ásia deveria ser priorizada.

A escola “The Global South School”


Os pensadores dessa escola acreditam que a identidade chinesa está muito mais ligada a
questão colonial a qual o país passou ao longo das décadas, principalmente sob o domínio
colonial do Ocidente, para esses acadêmicos a China tem fortes laços que a ligam aos
demais países vítimas do imperialismo e colonialismo. Para essa escola a China deve
continuar a se ver como um país em desenvolvimento, mesmo que tenha alcançado vários
dos países desenvolvidos e portanto tem o dever de trabalhar junto de outros países em
desenvolvimento para alcançar objetivos em comum. Essa escola acusa a atual ordem
institucional internacional de ser injusta e tendenciosa para com os países
desenvolvidos,portanto defendem grupos como os BRICS o G20 e a própria iniciativa deles
de lutar por uma redefinição e redistribuição de poder concentrados no Norte para o Sul nas
instituições internacionais

The selective Multilateralists


Indo em direção a “direita” no espectro esse grupo advoga que a China deve expandir seu
envolvimento interacional gradativamente mas somente naqueles temas em que os
interesses (de segurança) chineses estejam diretamente envolvidos. Para eles a China
deve ser vista como uma contribuinte para a governança global, para eles contribuir para a
governança global é uma tática e não uma filosofia, eles não são liberais institucionalistas,
estão mais para “realistas internacionais” (International version of realists, pg. 40). Eles
desconfiam de compromissos internacionais mas sabem que a China precisa “fazer
algumas coisas” como Deng Xiaoping sugeria para não ser vista como uma viajante livre
movida por interesses próprios nos assuntos internacionais.

Eles defendem o envolvimento chinês nas iniciativas da ONU como as missões de paz,
auxílio em desastres, combate a pirataria no Golfo de Aden e o envolvimento diplomático
com a Coréia do Norte e com o problemático programa nuclear do Irã porém ainda são
relutantes em se envolver em operações internacionais de segurança movidas por questões
humanitárias. Eles acreditam que o chamado do Ocidente para um papel mais participativo
pela China é uma armadilha de forma a envolver o país em responsabilidades e custos que
os chineses não tenham como suportar.

The Globalists
Na ponta direita extrema do espectro temos os globalistas, eles defendem um envolvimento
ainda maior na governança global, eles podem ser considerados o equivalente aos liberais
institucionalistas no Ocidente, eles são mais dispostos com o humanitarismo, compactuam
com a globalização e acreditam que problemas transnacionais devem ter respostas e
parcerias transnacionais. Eles se interessam mais pelo soft power do que no hard power e
colocam sua fé na diplomacia e nas parcerias pan-regionalistas.

Para eles a China deveria aprender a ser uma líder da comunidade internacional e aprender
a contribuir verdadeiramente para os interesses internacionais, os globalistas são em
essência institucionalistas da interdependência, o foco deles está nos assuntos não
tradicionais de segurança, como a segurança humana, segurança econômica,
contraterrorismo, saúde pública, crime organizado, tráfico, cyber hacking, pirataria e etc.

Existe um consenso entre todo o espectro que vai dos realistas até os globalista onde a
necessidade por uma China mais envolvida nas instituições internacionais é clara,
entretanto há discordância entre esses grupos de como e onde isso deve ocorrer, os únicos
que negam a cooperação internacional são os nativistas.
Através da análise dessas diversas escolas de pensamento de RI que existem dentro da
China é possível concluir que a China possui múltiplas identidades internacionais que
conflituam entre si. Mas é possível identificar que embora ela não seja estática ela pende
em direção a esquerda ancorada nos Realistas (maioria no país), com os Nativistas atuando
como segunda maior influência e ainda com as escolas Major Powers e Global Shout com
uma menor influência. Enquanto o exército chinês é uma instituição central para a escola
realista, os oficiais no Ministério das Relações Exteriores e no Comitê Central para
Assuntos Estrangeiros estão centrados nas escolas Major Powers e Global Shout, mas
esses oficiais ainda precisam responder as vozes nativistas e realistas na sociedade,
exército e no Partido Comunista. Essas vozes são tão influentes que foram elas em
2009/2010 que levaram a China a incomodar praticamente todos os seus vizinhos, os EUA
e a UE com uma conduta mais áspera ao se demonstrar uma nação procurando maximizar
seu poder atuando em direção aos seus interesses.

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