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Belo Horizonte
2015
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RESUMO
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Introdução
A versão final deste ensaio foi concluída um mês depois da visita de Li Keqiang, Primeiro
Ministro do Conselho de Estado da República Popular da China, a quatro países da América
Latina: Brasil, Colombia, Peru e Chile.
A visita oficial, realizada entre os dias 18 e 26 de maio de 2015, recebeu intensa cobertura
dos meios de comunicação e foi acompanhada com atenção pelas instituições vinculadas
com a política externa e as relações internacionais.
Ao mesmo tempo, crescem as evidências de que as relações entre China e América Latina
entraram numa nova etapa (CEPAL, 2015). Este texto busca desenvolver este argumento,
da seguinte forma. A primeira seção descreve a atual situação internacional, localizando a
China e a América Latina e Caribe neste contexto. A segunda e a terceira seções abordam
os desafios que o atual cenário internacional coloca para o “socialismo de mercado” chinês.
A quarta e última seção relaciona estes desafios com a América Latina e Caribe.
O contexto internacional
Uma análise completa da situação internacional vai além dos propósitos deste texto. Assim,
nos limitaremos a indicar as variáveis que consideramos principais, atualizando o debate
realizado a respeito na IV Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional
(MOSCARDO, 2010).
Uma quinta característica da situação internacional é a busca que outros Estados fazem
para estabelecer uma nova hegemonia, de tipo análogo ou diverso. Uma sexta
característica, resultante das anteriores, é a formação de blocos e instituições com
finalidades essencialmente defensivas (VISENTINI, 2013).
Este conjunto de características (ou variáveis) aponta para um período mais ou menos
prolongado de instabilidade internacional, bem como para o surgimento de “soluções”
intermediárias, temporárias e ineficazes.
A instabilidade faz com que seja ao mesmo tempo urgente e difícil a construção de
alternativas: o velho padrão não funciona adequadamente, mas continua forte; novos
padrões estão surgindo, mas não são hegemônicos.
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No terreno estrito das políticas econômicas, isto gera uma situação paradoxal: fortes
discursos em favor de uma mudança profunda, acompanhadas de terapias minimalistas que
fazem correções marginais no modus operandi dos chamados mercados. Como resultado, a
crise adquire um caráter crônico, prolongado e com efeitos degenerativos no terreno
ideológico, político e militar (LETIZIA, 2012).
Uma das questões postas, nos processos citados, é como consolidar laços econômicos,
sociais, políticos, militares e ideológicos, que possibilitem aos países envolvidos conviver,
sem subordinação ou dependência, com o espaço geopolítico e com as dinâmicas
hegemonizadas pelos Estados Unidos, União Européia e Japão? (GUIMARÃES, 2013)
Deste ângulo, uma das perguntas centrais é a seguinte: será possível, mais do que
conviver, substituir o arranjo econômico internacional que tem nos Estados Unidos seu
elemento organizador (e desorganizador) central, por um novo arranjo? E qual seria a
natureza deste novo arranjo?
Estamos diante de disputas de longo curso, que serão travadas num ambiente de acentuada
instabilidade, em pelo menos dois planos distintos, porém articulados: a) a disputa no
interior de cada país; b) a competição entre os diferentes estados e blocos regionais.
O modelo chinês se propõe ou pode ser considerado como uma alternativa ao capitalismo
anglo-saxão ou ao capitalismo em geral? O Estado chinês enxerga seu “desenvolvimento
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pacífico” nesta perspectiva? Nestes marcos, qual papel jogam os BRICS, bem como qual
papel jogam as relações entre China e América Latina? (VISENTINI, 2013)
O fato não surpreendeu Lênin, para quem a Rússia constituiria o elo mais fraco da cadeia
imperialista. Admitindo ser mais fácil tomar o poder ali do que na Alemanha, Lênin
reconhecia, entretanto, que na Rússia seria mais difícil construir o socialismo, devido ao
atraso político, social e econômico (LENIN, 1986).
Bloqueada a Oeste, a revolução expandiu-se em direção Leste. Já em 1918, Stalin diria que
“o grande significado mundial da Revolução de Outubro consiste principalmente no fato de
ter lançado uma ponte entre o Ocidente socialista e o Oriente oprimido, constituindo uma
nova frente da revolução que, dos proletários do Ocidente, através da revolução da Rússia,
chega até os povos oprimidos do Oriente, contra o imperialismo mundial” (STÁLIN, 1954).
A “ponte” foi lançada sobre uma região já em ebulição, causada em grande medida pela
penetração do capitalismo. Muitos fatos evidenciam isto, entre os quais a vitória do Japão na
guerra contra o Império Russo e a revolução de 1911 na China.
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Esta novidade não era totalmente estranha à tradição socialista russa: os narodniks se
caracterizaram exatamente por tentar construir um caminho que fosse do feudalismo russo
ao socialismo, sem passar pelo capitalismo. Lênin iniciou sua trajetória política combatendo
esta teoria, mas o curso dos acontecimentos o levou a capitanear um experimento que
poderia ser considerado uma variante do “populismo”, acusação que lhe foi dirigida à época
por seus adversários no movimento social-democrata (CLAUDIN, 1974).
A guerra de 1939-1945, que começou antes na Ásia, com a ofensiva japonesa de 1937, é o
pano de fundo da segunda grande revolução socialista vitoriosa. Desta vez não mais em
território de fronteira, mas totalmente oriental: a revolução chinesa de 1949.
Sessenta anos depois, seguem visíveis os três pilares daquela “ponte”: a defesa da
soberania nacional, a modernização econômica capitaneada pelo Estado e a consideração
pelos interesses do campesinato.
A radicalização dos camponeses pobres (sem os quais a revolução não teria vencido) é uma
das principais explicações para os ziguezagues que marcaram os primeiros trinta anos do
poder instalado em 1949. O “grande salto adiante” e a “revolução cultural proletária”
expressavam, em essência, a vontade de ultrapassar rapidamente o capitalismo, lançando
mão do voluntarismo ideológico e apoiando-se em forças produtivas muito atrasadas. Este
socialismo camponês (ou pequeno-burguês, ou populista) fracassou em grande medida por
não ter sido capaz de oferecer senão um igualitarismo na pobreza (POMAR, 1987).
As reformas chinesas iniciadas em 1978 (de maneira similar à Nova Política Econômica
soviética implementada nos anos 1920) representaram, por sua vez, a reafirmação de um
aspecto central da tradição marxista: a idéia de que um modo de produção só desaparece
quando desenvolve todas as forças produtivas capaz de conter. Noutras palavras: só é
possível superar o capitalismo, desenvolvendo-o. O que, aliás, corresponde à acepção
hegeliana do termo “superação” (JABBOUR, 2012).
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nos países capitalistas avançados; ou, pelo menos, contaria com o apoio destes. Tal era,
por exemplo, a expectativa dos bolcheviques ao tomar o poder em 1917 (BOFFA, 1964).
A idéia de uma transição “curta” perde sentido, entretanto, quando o ponto de partida é uma
sociedade essencialmente pré-capitalista, fazendo com que o Estado produto da revolução
seja obrigado não apenas a controlar, mas também estimular a exploração capitalista da
força de trabalho, como meio para aumentar a riqueza social e a produtividade média.
Processo que para alguns autores deveria ser denominado de acumulação primitiva
socialista, termo rejeitado por outros (NABUCO, 2009).
Entretanto, o sucesso (nos seus próprios termos) do “socialismo de mercado” chinês criou
um excesso relativo de capitais. Ao exportar estes capitais, o Estado chinês torna-se
participante ativo da disputa global por mercados, matérias-primas, valorização do capital e
áreas de influencia. Será possível participar desta disputa, sem adotar os mesmos
comportamentos dos países imperialistas?
O Estado chinês considera essencial a preservação da paz, seja por conhecer o custo
econômico-social das guerras, seja por perceber os limites que têm -- para um projeto de
orientação socialista -- o tipo de desenvolvimento proporcionado pelo investimento no
complexo militar, ou ainda por entender que neste terreno os Estados Unidos dispõe de
vantagem (XI, 2014).
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Em decorrência, a China adota uma política externa que enfatiza a solução pacífica dos
conflitos. Ao mesmo tempo, busca a capacidade militar necessária para defender a
soberania nacional, proteger o entorno geopolítico e dissuadir ataques (CARRIÇO, 2013).
Nos anos 1970 teve início o refluxo dos processos revolucionários: o Vietnã foi a última
grande revolução socialista vitoriosa no século XX. Caberia pesquisar em que medida esta
percepção influenciou a reaproximação com os Estados Unidos e a retirada estratégica
praticada desde então. Igualmente caberia analisar o movimento praticado pelos chineses à
luz das reflexões de Antonio Gramsci (GARCIA, 2011) acerca da disputa de hegemonia,
formação de blocos históricos, a longa duração dos processos de transformação, a
prevalência da guerra de posição. Aliás, já foi notada certa simetria entre algumas das
propostas de Gramsci para o movimento comunista ocidental dos anos 1930 e a política
seguida pelos comunistas chineses no mesmo período: o “cerco da cidade pelo campo” e a
construção de “áreas libertadas”, por exemplo, constituem exemplos práticos da “guerra de
posição”. Hoje, estas afinidades podem ser percebidas com mais nitidez (PORTANTIERO,
1977).
Já os vínculos entre China e Estados Unidos são de tipo diferente. Desde a diplomacia do
ping-pong, na qual os Estados Unidos embarcou na perspectiva de derrotar a URSS e
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reorganizar sua presença no sudeste asiático, a China veio assumindo crescente
importância econômica, para o capitalismo em geral e para os Estados Unidos em particular
(KISSINGER, 2011).
O diferencial é que a China aproveitou os capitais estrangeiros para dinamizar sua própria
economia. Quase quarenta depois do início das reformas, a China consolidou a condição de
principal pólo do desenvolvimento econômico mundial. Chegou a esta condição exatamente
porque no ponto de partida: a) não concentrava o estoque principal de riquezas acumuladas;
b) possuia uma renda per capita baixa; c) dispunha de uma composição orgânica do capital
diferente da existente nos países de capitalismo maduro (JABBOUR, 2012).
Desde 1978 até o momento, o Estado chinês conseguiu administrar as tensões decorrentes
do crescimento, evitando que os conflitos internos interrompessem a dinâmica atual de
desenvolvimento. Frente à crise internacional de 2007-2008, por exemplo, a China reagiu
dobrando a aposta no seu mercado interno, na integração do seu entorno geopolítico e
ampliando a exportação de capitais (CUNHA, 2012).
A China constitui um importante desafio para os Estados Unidos – mas também para a
União Européia e o Japão -- nos termos próprios da competição intercapitalista por dinheiro
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e poder. Por este motivo, os modelos estratégicos herdados da Guerra Fria mais confundem
do que esclarecem (LANXIN, 2009).
A China constitui, igualmente, um desafio para países como a Índia e a Rússia, assim como
para os países do seu entorno direto, inclusive para o Japão. Por razões e de maneiras
diversas, estes países são atraídos pela força gravitacional do desenvolvimento chinês
(VISENTINI, 2013).
A China também constitui num desafio importante para os países da África e da América
Latina e Caribe. Por um lado, constitui uma possibilidade alternativa à hegemonia dos
Estados Unidos e seus aliados. Por outro lado, independente do que pensemos acerca das
qualidades do “socialismo de mercado” para a sociedade chinesa, sua projeção externa é
extremamente contraditória. A China é uma grande potência, com interesses a defender,
plano em que todos os gatos parecem ser pardos. O que acaba enfatizando mais o
“mercado” do que o “socialismo”.
Importa destacar que o “sonho chinês” de Xi Jinping (RUIZ, 2014) depende muito do êxito
da exportação de capitais chineses para a África e para a América Latina e Caribe. Neste
último caso, o “Documento sobre la Política de China hacia América Latina y el Caribe“
(State Council, 2009) explicita que a política chinesa é se tornar “sócia” dos países
latinoamericanos e caribenhos.
No dia 8 de janeiro de 2015, em discurso proferido por ocasião do I Foro Ministerial China-
CELAC, Xi Jinping afirmou1: “trabajemos juntos por realizar la meta de que en los
próximos 10 años el intercambio comercial entre China y la Región Latinoamericana y
Caribeña llegue a los 500,000 millones de dólares, y el stock de la Inversión Directa de
China en la Región, a los 250,000 millones de dólares”.
1
http://www.el19digital.com/articulos/ver/titulo:25167-presidente-xi-jinping-en-i-foro-celac-
china acessado em 22/6/2015.
2
http://www.fmprc.gov.cn/esp/zxxx/t1266013.shtml acessado em 22/06/2015.
12
respeito a “la construcción cooperativa en América Latina y el Caribe en tres grandes vías, la
logística, la electricidad y la informática”, a “interacción virtuosa entre las empresas, la
sociedad y el Gobierno” e a “ampliación de los tres canales de financiamiento que son los
fondos, los créditos y los seguros”.
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Referências Bibliográficas
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asiáticos e consequências para o Ocidente”. In: Boletim de Economia e Política Internacional
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perspectiva brasileira. Porto Alegre: UFRGS/FCE/DERI, 2012.
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LI, Keqiang. Discurso proferido no dia 22/5/2015 e intitulado “Forjar la „versión actualizada‟
de la cooperación práctica entre China y América Latina y el Caribe mediante el nuevo
modelo 3x3”. Disponível em http://www.fmprc.gov.cn/esp/zxxx/t1266013.shtml Acessado em
22/06/2015.
LANXIN, Xiang. La relación triangular entre Europa, China y Estados Unidos. Disponível em:
http://www.anuarioasiapacifico.es/pdf/2009/11-LanxinXiang.pdf. Acessado em 22/06/2015.
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LENIN, V. I. O imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo: Alfa Omega, 1986.
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15
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2010
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jinping-en-i-foro-celac-china acessado em 22/6/2015.
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