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NOTAS SOBRE O ORDENAMENTO HEGEMÔNICO DO SISTEMA

INTERNACIONAL NA VIRADA DO SÉCULO XX PARA O XXI

Área Temática: Economia Política Internacional

Júlio Gomes da Silva Neto


Pós-doutorando do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus Marília/SP

Luiz Eduardo Simões de Souza


Professor Doutor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

Resumo

Considerado por um famoso historiador uma “era de extremos”, o século XX


reuniu em seu corte cronológico duas guerras mundiais, uma reconhecida grande
crise do capital, sucedidos por um período de grande tensão e polaridade entre dois
blocos de países. Observada a Ordem Mundial construída em torno da hegemonia
estadunidense e de seu equilíbrio bi-polarizado com a URSS no século passado,
há a premência de uma discussão em torno do fim ou da continuidade de uma
hegemonia, ou ainda, da alteração ou adaptação do ordenamento hierárquico
mundial, tendo à frente o modelo econômico e ideológico norte-americano. A
proposta desse trabalho é, portanto, analisar a perspectiva dos ciclos hegemônicos
a luz das principais contribuições e metodologias, considerando posições pró e
contra a perspectiva de alteração da ordem mundial no atual momento do Sistema
Internacional.

1
Nas últimas décadas do século passado e no primeiro decênio do século XXI,
a humanidade vem testemunhando o que parece ser um nítido movimento de
enfraquecimento hegemônico, mudança de equilíbrio de forças e transição de
modelo econômico. Eric Hobsbawm define o século XX como um período “breve”,
iniciado com a deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), e delimitado
por três “eras”, a saber, uma de “catástrofe” (1914 – 1945), outra de “ouro” (1945 –
1973), e outra de “desmoronamento” (1973 – 1991). O fim da URSS, em 1991, e o
colapso dos regimes socialistas do leste europeu marcariam o final do século XX,
para o historiador.
A coesão entre esse três períodos, segundo Hobsbawm, é dada pelo
surgimento do equilíbrio econômico-político entre capitalismo e socialismo. A
principal potência capitalista do século XX, os EUA, teriam sua supremacia afirmada
por sobre o mundo ocidental, com raras exceções, no período. Ao longo do século,
os EUA teriam superado e agregado à sua zona de influência tanto o antigo Império
Britânico, principal potência do século anterior, quanto suas principais rivais –
Alemanha e França – e mesmo uma forte antítese ao poder britânico surgida no
oriente, o Japão.
A principal força opositora ao capitalismo norte-americano surgiria em meio à
Primeira Guerra Mundial, em plena Revolução Russa (1917). A partir dali, fosse sob
a forma de aliança, fosse sob o antagonismo da Guerra Fria, os mundos socialista e
capitalista estariam ligados entre si na condução de suas políticas internas e
externas. O equilíbrio de forças estabelecido após a Era da Catástrofe (1914 –
1945), marcada pelas duas guerras mundiais (1914 e 1939), além da Crise de 1929,
seria o fator causal de fenômenos históricos como a Corrida Armamentista e a
composição de uma Organização das Nações Unidas, e mesmo, no plano das idéias
políticas, de formas tão esquizóides como os Totalitarismos, o Estado do Bem-Estar,
e o Populismo. O mesmo se dá com formas econômicas como a NEP (Nova
Economia Política) leninista dos anos 1920 e o Keynesianismo, sobretudo em sua
forma cronologicamente mais próxima da década de depressão econômica mundial
que se seguiu à Crise de 1929. A periferia dessa ordem econômica e política seria
obrigada a dividir-se também entre as duas potências, EUA e URSS.

2
Esse sistema entraria em crise, segundo Hobsbawm, a partir de meados da
década de 1970, com a falência do planejamento econômico da URSS e dos países
do Leste Europeu, de um lado, e da crise do estado Keynesiano, de outro.
Hobsbawm realiza seus recortes cronológicos, então, a partir da seguinte
perspectiva: os EUA não seriam um país poderoso e influente o bastante para
assumir a supremacia mundial, até que Alemanha, França e Inglaterra não
estivessem mais em condições de competir pela condição de potência capitalista.
Adicionalmente, tal supremacia se deu à sombra da contraposição com o mundo
socialista, marcado pela URSS e seus países-satélites, além da China e algumas
outras ex-colônias que tentaram, ao menos por algum tempo, a via socialista.
É exatamente desse ponto que parte o contraponto de Giovanni Arrighi. Para
ele, o “longo” século XX é o século da afirmação dos EUA como potência inconteste,
processo que tem início com a consolidação do território estadunidense, na década
de 1860, e afirma-se progressivamente até 1990. O colapso da URSS marca, para
Arrighi, o zênite do poder dos EUA, o momento em que estes se tornam a potência
militar e econômica inconteste do planeta. Na verdade, Arrighi busca deixar de lado
a primazia da visão de Estados-Nações disputando a supremacia do poder mundial,
consolidada ao longo da historiografia do século XX , da qual se pode considerar
mesmo o marxista Hobsbawm como tributário, para adotar uma perspectiva de
consolidação de sistemas-mundo. No caso, após sua forma mercantil-genovesa e
industrial-britânica, o capitalismo do século XX adotaria o perfil das corporações
predominantemente norte-americanas, em um processo crescente de expansão
mundial, que teria sua consolidação exatamente no início dos anos 1990.
Por um lado, o processo de globalização financeira, constituído para dar
continuidade e alguma sustentação à hegemonia norte americana, permitiu flagrar o
início de um período de descontinuidade econômica daquele país, a partir dos anos
19(70). Esse movimento aparece agora de forma mais dramática, considerados os
últimos lances das crises de 2008 (EUA) e 2009 (Europa).
Em contrapartida, no final daqueles mesmos anos 19(70), o início da abertura
econômica da República Popular da China (RPC) foi, paulatinamente, atraindo os
investimentos do mundo, alocando-os dentro de uma vigorosa estrutura de
planejamento, imaginável apenas sob os auspícios de sistemas políticos correlatos
ao chinês. O resultado desse processo, em sua tessitura mais visível, tem sido a
rápida transformação histórica da economia chinesa que, com suas contínuas taxas
3
de alto com elevado e perene crescimento econômico, transformou-se em
perspectiva de lucro certo para os investimentos do mundo.
Sob essa primeira superfície, o capital internacional vem identificando
características promissoras em Potências Regionais – dentro dos chamados
“Grandes Estados Periféricos” –, com oportunidades de investimento real
semelhantes às da China. Os grandes investidores internacionais, ao identificarem
esse novo grupo de países que, economicamente, se destacariam dos demais,
denominaram-nos pela sigla „BRIC‟ composta pelas iniciais de Brasil, Rússia e Índia,
além da China (ou em alusão a palavra „tijolo‟ em inglês - brick). A articulação desse
grupo como um bloco formalmente constituído, muito embora ainda não exista,
demonstra uma clara manifestação dos grupos de investimentos internacionais em
direcionar suas expectativas para Potências Médias, onde poderiam ser incluídos,
em menor escala, México, África do Sul, Indonésia e Coréia do Sul.
A idéia central por trás do estudo proposto aqui é a de que as mudanças
geoeconômicas em curso seriam reflexivas das alterações que se verificam pela
reorientação hegemônica do Sistema Internacional (SI)1. Nesse caso, o Sistema
Internacional deve ser definido como o ambiente de dimensões globais,
caracterizado pela heterogeneidade e diversidade de seus atores (Estados, OIGs,
FTs) e fenômenos, cujo ordenamento obedece uma estrutura hierárquica sustentada
por um equilíbrio de poder (EP). A ordem internacional emerge a partir da dinâmica
de competição e choque mútuo entre Estados, que se anulam mutuamente ao
perseguirem seus interesses, orientando o equilíbrio de poder a partir da hierarquia
resultante dessa competição. No topo da ordem hierárquica encontra-se o Estado
hegemônico.2
No entendimento de uma corrente significativa de autores a ordem hierárquica
internacional vem sendo alterada nos últimos tempos. Dentre as correntes mais
significativas defensoras dessa idéia destaca-se a que deriva das teses de
economia-mundo, originária na “Escola dos Annales”. A perspectiva de Arrighi
também é tributária, até certo ponto, das concepções de “longa duração” e de
“ondas longas” de Fernand Braudel. Para Braudel, a história universal se daria na
composição de diversas ondas, de diferentes durações, com diferentes “tempos”,
nos quais as transformações econômicas de longo prazo se dariam na base de
ondas mais estreitas e de maior visibilidade aos analistas, como as mudanças
políticas, culturais e sociais.
4
Um dos principais representantes do grupo de estudiosos de economias-
mundo é Immanuel Wallerstein. Em contribuições recentes o autor acentua que a
hegemonia econômica, política e militar dos Estados Unidos da América esta
chegando ao fim, assim como a economia do mundo capitalista, tal como se
conhece. Ao observar a história universal a partir da afirmação de modos de
produção, em suas distintas variedades, mas com alguns elementos característicos
comuns, Arrighi vê na afirmação do poder estadunidense a consolidação de uma
variedade específica do modo de produção capitalista. Mais do que os eventos,
como marcos divisórios, Arrighi observa um movimento de longa duração, qual seja
a transformação do modo capitalista de produção, em meio a antíteses e alternativas
presentes em diferentes momentos do século XX.
Em nossa opinião, não se pode negar que os Estados Unidos continuam
desfrutando de grande poder no mundo contemporâneo. No entanto, sua eficiência
produtiva, antes inigualável, vem sofrendo com a pesada concorrência internacional,
capitaneada pela RPC e demais países do BRIC. Por outro lado, o apoio
incondicional de seus aliados na Europa e na Ásia passou a ser contestado,
considerando, por exemplo, os episódios da invasão do Iraque e dos programas
nucleares do Irã e da Coréia do Norte. Resta saber, segundo Wallerstein, se apenas
a superioridade militar será capaz de resgatar uma potência em declínio.
Na verdade o receituário de idéias políticas que dava sustentação hegemônica
aos Estados Unidos teria deixado de ter significância quando no último decênio do
século XX a União Soviética se desmancha. Wallerstein sustenta que o colapso do
comunismo corresponde, na verdade, ao colapso do liberalismo. A ruína do sistema
soviético, enfraquecendo o discurso das “velhas esquerdas”, reduz a importância do
discurso liberalista por retirar da cena internacional a importante justificativa
ideológica que os Estados Unidos tinham para legitimar sua hegemonia: fazer frente
à alternativa comunista.
Com o fim da bipolaridade e do equilíbrio de poder que a envolvia, a
hegemonia norte americana passou a ser contestada de forma mais veemente. Esse
teria sido o resultado dos ataques que envolveram o“11 de setembro” de 2001.
Nessa ótica, a cruzada internacional contra o terrorismo, nos moldes propostos por
George W. Bush (2001 – 2009), teria contribuído para a aceleração do processo de
declínio da preponderância norte americana. A partir desse episódio, Wallerstein
pontua os elementos que determinariam o declínio decisivo da hegemonia dos EUA,
5
podendo ser enumerados em: (1) endividamento econômico crescente, pela
manutenção do braço bélico; (2) a perda de legitimidade do exercício político ao
contrariar resoluções internacionais – como o conselho de segurança da ONU; (3) o
desgaste do Soft and Cooptive Power (poder brando).3
Joseph Nye Jr. oferece uma leitura diferente do atual posicionamento político
norte americano no Sistema Internacional. Embora o autor admita que a China
continue a registrar taxas de crescimento econômicas muito elevadas durante as
próximas décadas, aproximando seu Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados
Unidos, dificilmente o „Império do Meio‟ se tornará a maior potencia mundial durante
o século XXI. Um erro comum entre os analistas, segundo Nye Jr. é o de fazerem
previsões baseadas exclusivamente no crescimento do PIB, ignorando por completo
outros fatores de poder (“hard” e “soft”), muitos dos quais resultados de décadas de
investimento (NYE Jr., 2002).
Por outro lado, Nye Jr. não nega o fato de que países como a RPC, a Índia ou
a Alemanha têm potenciado o crescimento desses dois níveis de poder,
constrangendo os EUA a enfrentar as exigências da interdependência entre os
Estados. Contudo, sob esta perspectiva poder-se-ia falar, no máximo, de um
“declínio relativo” de poder dos Estados Unidos em face de outros países, não tanto
pela fragilização do poder norte americano, mas, sobretudo, pela valorização dos
vários recursos que algumas nações têm potenciado. No entanto, as conclusões
nesse sentido devem ser contidas, considerando que o processo de reequilíbrio de
poder entre essas nações e os Estados Unidos poderá demorar, segundo ele,
décadas ou nem sequer vir a existir.
Tratando diretamente da China, Nye afirma que, embora se propale a
possibilidade da China substituir a preponderância norte americana no Extremo
Oriente, e que, no médio prazo, postule a posição de potência dominante mundial,
tal premissa mostra-se extremamente duvidosa. Segundo o autor, a despeito de seu
crescimento econômico e do investimento do governo de Pequim em “poder
brando”, é duvidoso que a nação asiática possa ter tal capacidade, principalmente
considerando seus problemas de ordem interna, oriundos de seu sistema político.
Há um eco dessa visão no que Paul Kennedy afirma sobre a China em
Ascensão e Queda das Grandes Potências (KENNEDY: 1991, p. 426):

6
“(...) um país que luta para desenvolver seu poderio (em todos os
sentidos da palavra) por todos os meios pragmáticos, equilibrando o
desejo de estimular o empreendimento, a iniciativa e a mudança
com uma determinação estatista de conduzir os acontecimentos, de
modo a alcançar os objetivos nacionais o mais depressa e
suavemente possível”.

Usando um referencial teórico distinto, José Luiz Fiori, em obra cujo próprio
título polemiza-se com o trabalho de Wallerstein (FIORI, 2008), recorre à teoria do
universo em expansão para explicar os constrangimentos sistêmicos
contemporâneos4.Segundo ele, ao longo da história, o processo de competição das
nações, regularmente cria a ordem e desordem, a expansão e a crise nos sistemas,
moldando através dos conflitos de status e poder a geopolítica mundial. Para ele
(KENNEDY: 1991, p. 20),

“as derrotas militares americanas e a expansão chinesa fazem parte


de uma grande transformação expansiva do sistema mundial, que
começou na década de 1970 e se prolonga até hoje, associada, em
grande medida, à expansão contínua e vitoriosa do próprio poder
americano neste período”.

Trata-se de uma visão alternativa ao pensamento de Wallerstein, que,


conforme descrito acima, defende que os últimos lances da hegemonia americana
iniciam-se através do processo de declínio que teria começado na década de 1970 e
que, no presente, se transforma em uma crise terminal do sistema como um todo.
Pela concepção de Fiori a situação evoluiria em contrário. O poderio americano
estaria, na verdade, aumentando nessas últimas três décadas. Teria começado com
o fim do padrão-ouro, seguindo pela aliança estratégica com a própria China – tendo
essa aliança contribuído para o fim da União Soviética e da Guerra Fria –, e
culminaria com a vitória na Guerra do Golfo em 1991.
Ainda segundo Fiori, o ponto fraco das teorias que proclamam o declínio do
poder norte americano estaria no seu universo de tempo, considerando a
observação apenas de uma situação imediata, ignorando um universo estrutural de
longo prazo. Nesse caso, o principal desafio para os EUA seria o de superar os
limites e as contradições da estrutura de poder global "made in USA" construída
para dar apoio ao seu sistema. Não se trataria portanto, de um colapso hegemônico,

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mas sim de obstáculos que, de uma forma ou de outra, seriam contornados.O autor
acredita que (FIORI, 2008)
"as dificuldades políticas e econômicas desta primeira década do
século XXI poderão se prolongar e aprofundar, mas não se trata do
fim do poder americano, muito menos da economia capitalista".

A crítica que Fiori faz a Wallerstein, na verdade, serve para pontuar uma
diferença fundamental entre a concepção de substituição hegemônica desse último
autor e a de Giovanni Arrighi, outro seguidor da teoria do sistema-mundo. Para
Arrighi, a fonte última de mudança dentro do sistema capitalista moderno não pode
ser considerada como um fator exógeno ao seu próprio desenvolvimento. Segundo
sua interpretação, as variações hegemônicas que ocorrem ao longo do
desenvolvimento capitalista não podem ser associadas a meras propriedades
sistêmicas estruturais. Por isso, ele acredita na possibilidade de transformação
sistêmica ao invés de transição sistêmica. Em outros termos, uma nova hegemonia
implica em uma reorganização fundamental do sistema sem que este se encerre.
Arrighi aponta para a existência de ciclos de 150 a 200 anos que são
caracterizados por uma forte concentração de capital numa região geográfica que
exerce a hegemonia sobre o sistema mundial de seu tempo (ARRIGHI, 1996). Neste
caso, o movimento hegemônico teria partido da transferência do capitalismo
genovês (século XVI) para o capitalismo holandês (século XVII), seguindo com a
mudança para o capitalismo inglês (séculos XVIII e XIX) e finalmente para o
capitalismo norte americano (século XX). Segundo observa o autor, todas essas
passagens foram acompanhadas de profundas crises financeiras, ao mesmo tempo
em que os modelos hegemônicos financeiros se faziam acompanhar de seu poderio
bélico.
O autor considera que os ciclos de acumulação sempre foram capitaneados
pelas altas finanças, categoria fundamental para Arrighi, responsável, em última
instância, pela direção do sistema capitalista (ARRIGHI, 1996, p IX).

“Nesse esquema, o capital financeiro não é uma etapa especial do


capitalismo mundial, muito menos seu estágio mais recente e
avançado. Ao contrário, é um fenômeno recorrente, que marcou a
era capitalista desde os primórdios, na Europa do fim da Idade
Média e início da era moderna. Ao longo de toda a era capitalista, as

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expansões financeiras assinalaram a transição de um regime de
acumulação em escala mundial para outro. Elas são aspectos
integrantes da destruição recorrente de “antigos” regimes e da
criação simultânea de “novos”.”5

As etapas de constituição desses ciclos foram assim definidas por Arrighi: (1) a
existência de uma acumulação anterior que se esgota pela impossibilidade da
expansão indefinida do comércio sem uma queda de rentabilidade; (2) neste
período, surgem grandes excedentes de capital financeiro não aplicado na expansão
comercial ou industrial que geram uma euforia de bem-estar e progresso material
baseado no consumo e no estilo de vida; (3) a busca de uma nova oportunidade de
expansão do investimento, por meio de novas zonas ou vias comerciais, para onde
tende a reorientar-se e concentrar-se o capital financeiro através de uma
transferência ou emigração de investimentos; (4) a iniciação de um ciclo de
acumulação novo que deverá esgotar-se após a expansão territorial do Estado e/ou
das empresas-chaves do novo centro de acumulação; (5) esta expansão territorial é
viabilizada pela externalização de seus custos militares que deverão ser pagos pelas
próprias operações de expansão.
Na atualidade, estaríamos presenciando um novo deslocamento hegemônico
financeiro, com o crescimento econômico do sudeste asiático exercendo uma
grande força atrativa de investimentos para a região, posicionando o sistema na
quarta etapa cíclica de Arrighi. Conforme o próprio autor pontua, finalmente, em seu
Longo Século XX, a quinta etapa se mostra ainda como uma grande incógnita 6. A
partir dos impasses que se originam das expectativas dessa “quinta etapa”, surgem
questões que perpassam mesmo obras subsequentes de Arrighi, como, por
exemplo:
(1) como enquadrar a atual supremacia militar dos EUA , com o crescente
poder de economias emergentes, dotadas elas também de poderio militar
significativo, como Índia e China ?
(2) as corporações teriam poder suficiente para não apenas deflagrar, mas
também impedir conflitos militares?
(3) como entender o fenômeno da dialética terrorismo-complexo militar
industrial, em sua evolução dos anos 1980 para a atualidade ?

9
(4) se, em dado momento, os empreendimentos militares representaram um
importante componente do crescimento econômico dos EUA, eles manteriam este
papel hoje?

Bibliografia

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_______. O Declínio do Poder Americano: Os Estados Unidos em um Mundo
Caótico. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.

1
“A hegemonia, da forma como a entendo, envolve liderança, capacidade de mobilizar outros países
de acordo com uma agenda particular. Em outras palavras, significa fazer com que os outros países
acreditem em um consenso em torno desse líder, na sua capacidade de agir em favor do interesse
dos liderados. Nesse sentido, os Estados Unidos não são mais hegemônicos. Por enquanto, são a
maior economia, e aquela com o maior aparato militar. E é precisamente por isso que podem
dominar: porque têm um impacto sobre o mundo muito maior do que qualquer outra nação. Esse
domínio, contudo, não significa que os outros países necessariamente seguirão sua liderança. Na

10
verdade, eles não a seguem mais.” Giovanni Arrighi em entrevista a Revista Carta Capital edição de
junho/2008, p. 26-30.
2
Essas sentenças se baseiam em MARLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais.
Brasília, UnB, 1981.Por outro lado, o SI pode ser apresentado como um sistema de Estados “quando
dois ou mais Estados têm suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas
decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo.”
(,BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília. UnB/IPRI, 2002, p. 15).
3
. WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano: Os Estados Unidos em um Mundo
Caótico. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. Segundo classificação desenvolvida por Joseph Nye Jr.
(Bound to Lead. Basic Books, New York. 1990) quanto à tipologia dos recursos o poder se divide em
duro (hard power) e brando com cooptação (soft and cooptive power). O poder duro corresponde aos
recursos de caráter tradicional: dimensões territoriais, posicionamento geográfico, clima, demografia,
capacidade industrial instalada, disponibilidade de matérias-primas e status militar. Por sua vez, o
poder brando e de cooptação refere-se às fontes de poder econômicas, ideológicas, tecnológicas e
culturais que correspondem à capacidade de adaptação, flexibilidade e convencimento de um
determinado Estado sobre seus pares.
4
Para detalhes da teoria da Expansão Sistêmica de Fiori ver O Poder Americano. Petrópolis. Vozes,
2004.
5
Para Fernand Braudel, este sistema se monta sobre estruturas de produção e mercantis seculares
não-capitalistas, arquitetadas pelos financistas (ver BRAUDEL, 1993, p. 43).
6
Talvez a síntese dessa etapa redima o que é considerado como um dos erros preditivos mais
flagrantes no tema, supostamente cometido por Joseph Alois Schumpeter em Capitalismo,
Socialismo e Democracia (1943), o qual afirmou que o modelo estadunidense de capitalismo estaria
fadado a desaparecer sob a dominância de uma economia mais planificada e centralizada.

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