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A ascensão e a queda dos impérios

Daniel da Silva Santos Rosa

O século XIX marcou o agravamento das relações assimétricas entre metrópoles e colônias.
O novo estágio do capitalismo esteve acompanhado de uma nova fase de exploração dos
dominadores sobre os dominados. A expansão que ocorreu nesse período carregou consigo mitos e
ideologias europeias para o mundo colonizado, mas este, consciente de sua insatisfação com essas
relações, resistiu. Ainda que suas práticas de resistência, segundo Hobsbawm (1995), tenham sido
ocidentalizadas, assim, baseadas em um repertório de ação que foi construído dentro do mundo
ocidental, isso não significa dizer que esses agentes da resistência tenham sido passivos dos valores
culturais europeus que embasaram sua luta. Embora, as relações de dependência afetassem
profundamente as sociedades coloniais, um novo rearranjo das forças no plano internacional -
relacionado à Grande Depressão e às guerras mundiais -, em contato com as conjunturas internas
em metrópoles e colônias, criou uma situação favorável à autonomia e emancipação das últimas,
mesmo que limitada pelas condições em que se deu esse fenômeno.
Hobsbawm (1988), indica que os anos decorridos entre 1875 e 1914 demarcam o surgimento
dos impérios coloniais, quando “a maior parte do mundo, à exceção da Europa e das Américas, foi
formalmente dividida em territórios sob governo direto ou sob dominação política indireta de um ou
outro Estado de um pequeno grupo” (p. 57), predominantemente Europeu (Grã-Bretanha, França,
Alemanha, Itália, Holanda e Bélgica), mas entre os quais também encontravam-se os Estados
Unidos e o Japão. Assim, por exemplo, o processo de espoliação da África de que fala a Maria
Yedda Leite Linhares (2002), que teria tido início no século XVI, é aprofundado nos últimos trinta
anos do século XIX, com o desenvolvimento do fenômeno do imperialismo: uma “nova era de
expansão e conquista do mundo” (p. 38) onde, segundo a leitura que faz de Edward Said, ocorreu “a
extensão do domínio e da soberania sobre diferentes populações e territórios, com o objetivo de
aumentar força e poder, e, de outro, a cultura” (p. 39).
Esse processo que tomou impulso com a aceleração do desenvolvimento do capitalismo, que
necessitava, então, de mercados e matérias-primas para a fabricação de novos produtos em larga
escala, teve grande impacto sobre os Estados que subjugava (HOBSBAWM, 1988; LINHARES,
2002). Não apenas materiais, mas também culturais. O imperialismo imbuía-se de fundamentos
morais que buscavam justificar a exploração que executava. Assim, as ideologias liberais e o mito
da superioridade do homem branco, este como a parte da raça humana que carregaria consigo a
civilização aos povos não-esclarecidos, buscam dar uma base de sustentação teórica a uma
desastrosa intervenção em países que se encontravam à margem do capitalismo mundial.
Essa situação sofre alterações ao longo do tempo, tanto por condições internas aos Estados
ligados pelas relações imperialistas, quanto por questões internas relacionadas às relações entre as
metrópoles. Assim, os fenômenos da Grande Depressão (1929-1933), a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918) e a Segunda Guerra (1939-1945), são marcos importantes das transformações do plano
internacional.
Para Hobsbawm (1995), a economia capitalista permeou todo o globo terrestre, ainda que a
Revolução Russa tenha criado precedente para relações econômicas e sociais baseadas em outros
interesses. Assim, quando a Grande Depressão atingiu as metrópoles do capital, criou tensões
econômicas entre essas e suas colônias, submetendo estas a pressões financeiras que foram capazes
de pôr em contato nesses territórios as minorias ligadas à política e as massas. Desse modo, o autor
identifica que esse processo fez surgir na periferia do capitalismo as “tendências gerais da política
de massa do futuro” (p. 212), criando condições para transformações internas que resultaram tanto
no populismo latino-americano quanto na resistência de base comunista no Vietnã.
Além disso, é imprescindível a análise das guerras mundiais para compreender esse
momento a partir do qual houve um “poder internacional em fase de redefinição” (LINHARES,
2002, p.47). Assim, é interessante notar que a Primeira Guerra, segundo Hobsbawm (1995),
constitui um primeiro abalo nas estruturas criadas pelo imperialismo colonial. Isso, pois, com o fim
do primeiro conflito mundial, houve a dissolução dos impérios alemão e otomano, que tiveram suas
possessões divididas entre a Grã-Bretanha e a França, reconfigurando as relações de poder no
ambiente europeu e nos territórios recém conquistados.
Entretanto, foi a Segunda Guerra Mundial, que impactou mais profundamente as colônias e
pavimentou o caminho para as suas emancipações. Isso, devido tanto a participação de nações
africanas no conflito mundial, quanto pelo surgimento de novas potências mundiais que se
apartavam dos velhos laços coloniais. Segundo, Linhares (2002), com a internacionalização do
conflito as grandes potências da época passam a buscar no continente africano o apoio de seus
súditos e colonos para a guerra. Assim, o mito da superioridade do homem branco (europeu) é
abalado. Ademais, a entrada do Japão no conflito, segundo a autora, seria uma demonstração de que
os povos antes subjugados – asiáticos eram ditos amarelos, não brancos – não estavam isolados do
conflito e tinham participação efetiva na Guerra.
O fim do conflito determina não apenas a derrocada dos países do Eixo, ou a vitória dos
aliados, mas confirma também a ascensão dos Estados Unidos e da URSS como potências mundiais
que foram decisivas no resultado da batalha. Essa ascensão é fundamental para os eventos que
sucedem a Guerra e relacionam-se ao processo de descolonização das nações submetidas ao
imperialismo colonial. O novo rearranjo das forças no plano internacional ofereceria agora um outro
modelo a ser seguido, “o socialismo era parte da experiência soviética como uma alternativa de
desenvolvimento para povos, países e nações que gravitavam na órbita do capitalismo”
(LINHARES, 2002, p. 42). Embora Hobsbawm (1995) afirme ser que os modelos ofertados pelas
potências capitalista e socialista serem de um mesmo tipo, apesar dos interesses diferentes, o
modelo socialista tornava-se uma alternativa viável a algumas das colônias.
É interessante notar que no Terceiro Mundo - conceito desenvolvido para abarcar aqueles
Estados que não eram potências capitalistas nem países comunistas (LINHARES, 2002) – a
transformação, segundo Hobsbawm (1995), parte das elites, de um minoritário grupo letrado que
atua em prol da emancipação de um Estado dominado pelo imperialismo. Elikia M’Bokolo (2011),
apesar de relativizar em certo ponto o papel dado de forma exagerada aos intelectuais e às elites,
tratados como heróis nacionais, aborda esse fenômeno, relatando que houve inicialmente um
processo de europeização das elites para obtenção de status dentro da colônia. Entretanto, um
processo de tomada de consciência teria se dado no período entre as guerras mundiais e o contato
desses indivíduos com o Ocidente teria contribuído para que importassem “para a África
instrumentos ‘modernos’ de luta”, como o boicote e a greve (M’BOKOLO, 2011, p. 551). Sendo
essas formas de luta importantes para a construção de novas formas de resistência.
As lutas pela descolonização tomam força na segunda metade do século XX, de tal modo
que no final da década de 1950 o fim do velho colonialismo já era previsto pelas metrópoles e, “em
1970, nenhum território de tamanho significativo continuava sob administração direta das ex-
potências colonialistas [...], a não ser no centro e Sul da Ásia – e, claro, no Vietnã” (HOBSBAWM,
1995, p. 218). Conflitos foram travados entre as colônias e as metrópoles, mas a violência com que
foram deflagradas dependeu de cada situação particular (LINHARES, 2002).
O fim das lutas pela independência não representou necessariamente a instituição da paz e
harmonia dentro dos espaços das ex-colônias. A redefinição das fronteiras criadas pelo
imperialismo e a exploração a que foram submetidas a áreas subjugadas pelo poder colonial
construíram laços de dependência, forçosamente criados com as antigas metrópoles, que eram
demasiado profundos para extinguir-se em um curto período de tempo. Linhares (2002) narra essa
conjuntura, indicando que “a outorga da independência não significava, necessariamente, a
conquista da felicidade para todos e, muito menos, o reconhecimento da autodeterminação do novo
país no plano econômico, político e cultural” (p. 58).
A guerra em Moçambique, que sucede o período colonial e ocorre entre os anos de 1974 e
1990, é um exemplo de uma situação em que os desequilíbrios internos desenvolvidos pelo
colonialismo e alimentados pelo neocolonialismo, onde os mecanismos de submissão subsistem às
transformações políticas da independência (LINHARES, 2002), levam o Estado recém
independente ao conflito e à desorganização interna. Os inúmeros anos de espoliação
enfraqueceram as colônias e criaram dinâmicas artificiais insustentáveis fora da lógica do
imperialismo. A independência parece ter sido apenas um passo, ainda que imprescindível, de uma
longa caminhada das ex-colônias em direção à libertação dos laços mais profundos com o
colonialismo.
Outra situação a ser destacada e que exemplifica as novas circunstâncias em que ocorre o
desenvolvimento das ex-colônias é a do Vietnã, onde ocorre “uma guerra revolucionária, com
profundas repercussões políticas, e um evento que simboliza a nova realidade internacional”
(VISENTINI, 2007, p. 71). A independência conquistada da França, em 1954, a partir de uma
eficaz campanha militar que durou de 1946 a 1954, não ofereceu a esse território a possibilidade da
autodeterminação sem grandes conflitos. Liderado por Ho Chi Minh, o Vietnã representava a
“corrente de esquerda mais radical e comunista dos movimentos de descolonização” (LINHARES,
2002, p. 46). Isso teve um peso importante após a independência e colocou o pequeno Estado em
conflito com a maior potência capitalista do seu tempo: os EUA. Estes, que dispostos a conterem o
avanço das ideologias comunistas, estabelecem-se na região Sul do Vietnã e travam uma guerra
contra o governo situado ao norte do território. Ainda que independente da França, o Vietnã estava
à mercê das novas relações internacionais no ambiente da Guerra Fria, que transferia para os
territórios das colônias e ex-colônias o conflito entre os grandes Estados (LINHARES, 2002).
Desse modo, nota-se que o processo de descolonização é complexo e multifacetado,
promovido em uma conjuntura internacional favorável, mas em constante diálogo com as situações
internas e particulares a cada Estado subjugado pelo imperialismo colonial, ao tempo em que
mesmo a independência desses territórios não significou a completa libertação, corroborando com a
afirmação de Linhares (2002) que entende que as heranças do colonialismo interagem com a
política recente dos Estados recém-independentes, não tendo sido extinta de todo.

HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios. 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Cia. das
Letras, 1995.
LINHARES, Maria Y. L. “Descolonização e lutas de libertação nacional”. In: REIS FILHO,
Daniel Aarão (et. al.) O século XX. vol. III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 35-64
M’BOKOLO, Elikia. O despertar político. In: História da África Negra. Salvador:
EDUFBA, São Paulo: Casa das Áfricas, 2011, p. 541-574.
VISENTINI, Paulo F. “A guerra de libertação nacional”. In: A Revolução Vietnamita: da
libertação nacional ao socialismo. São Paulo: Editora da Unesp, 2008, p. 71-90.

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