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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA DA BAHIA II - NOTURNO
DOCENTE: Carlos da Silva Jr.
2022.2
DISCENTE: Daniel da Silva Santos Rosa

PROVA I

Questão I:
“[...] a conquista da independência em 1822 foi o desfecho de duas décadas conturbadas nas
quais o projeto da elite para o novo estado foi vigorosamente contestado pelos grupos
excluídos”.
“Os conflitos raciais e de classe que a Sabinada provocou trouxeram à tona as tensões sociais que
afligiam a sociedade brasileira”.
Com base nessas duas afirmativas de Henridk Kraay, discuta o movimento da Sabinada e as
tensões raciais inerentes ao projeto político federalista na Bahia”.
TEXTO BASE
Hendrik Kraay, “‘Tão assustadora quando inesperada’: a Sabinada baiana, 1837-1838”. In:
Mônica Dantas (org.), Revoltas, motins, revoluções: homens livres pobres e libertos no Brasil do
século XIX. São Paulo: Alameda, 2018, pp. 264-294.

TEXTO COMPLEMENTAR
LOPES, Juliana Serzedello Crespim. Identidades Políticas e Raciais na Sabinada (Bahia, 1837-
1838). Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
USP. São Paulo, 2008.

A Sabinada (1837-1838) constituiu-se como parte da reação federalista à centralização do


Império no Rio de Janeiro, durante o denominado Período Regencial. Não obstante, mais que a
autonomia provincial, a revolta que comportou diferentes grupos sociais também foi atravessada
por projetos políticos e sociais conflitantes. Assim, ainda que encabeçada inicialmente pelo
grupo político dos exaltados, a revolta mobilizou membros dos exércitos insatisfeitos com as
reformas militares, oficiais das extintas milícias de cor e libertos. Tal acomodação de grupos
distintos nas fileiras do movimento tensionava as questões sociais e raciais inerentes à sociedade
baiana do século XIX. Para compreender a Sabinada podemos atentar-nos para essas questões
elucidadas no texto do Hendrik Kraay presente no enunciado.
O período em que ocorre a revolta marca um momento de declínio econômico da Bahia.
Kraay destaca desse momento a concorrência do açúcar produzido em Cuba, de melhor
qualidade que o baiano, e as restrições estabelecidas pela Inglaterra para o tráfico de escravos.
Em 1837, ano inicial da Sabinada, já ocorriam acordos com os britânicos em relação ao tráfico.
1815, marca a determinação de fim do tráfico na costa da África ao norte do Equador. Em 1817,
já podiam ser formadas comissões mistas para a visitação das embarcações e atestar se as rotas
não desrespeitavam acordos firmados. Então, com esse processo, coroado com a primeira lei de
extinção do tráfico datada de 1831 – que não bastou para cessar a atividade –, a Bahia passa a ter
dificuldades também em relação à indústria do tabaco. Tais dificuldades econômicas, como
explicita Kraay, têm como consequência a exacerbação das instabilidades social e raciais, como
podiam se ver nas tensões que levaram a inúmeras revoltas escravas, com ênfase na Revolta dos
Malês, de 1835.
Esse apelo do fator econômico, somada à insatisfação dos exaltados – que se dispunham
contra os altos impostos e exigiam reformas no sistema legal -, militares, ex-milicianos e
libertos, segundo Kraay, “têm sido interpretadas como a reação à ‘revolução da dependência, de
caráter conservador’ de 1822, na qual senhores mantiveram, com sucesso, o seu domínio político
e social” (2018, p. 268). Juliana Lopes (2008), na dissertação intitulada Identidades Políticas e
Raciais na Sabinada (Bahia, 1837-1838), destaca ainda que 1837, ano da revolta, marca um
retorno à política centralizadora no Império, este é o momento que o regente Feijó renuncia ao
cargo em nome de Araújo Lima, mais conservador que o primeiro. Assim, em contraste aos
aspectos liberais do início do Período Regencial, o que se vê, no momento em que ocorre a
Sabinada, é o início do processo de retomada da centralização que, com a Lei de Interpretação do
Ato Adicional, em 1840, seria agravada.
A reforma militar que levara soldados do exército ao campo dos revoltosos, juntava-se à
diminuição dos contingentes dessa força e a falta de promoção para o oficialato que acumulava
membros nas patentes mais inferiores da organização. Além disso, a formação de uma Guarda
Municipal Permanente extraía soldados das ruas da cidade. Soma-se a esses acontecimentos,
como fatores para a presença de militares na revolta, a extinção dos batalhões criados para as
guerras de independência que se organizavam com base na cor, inclusive o batalhão dos
Henriques, formado por pessoas de cor que, participando do exército, também buscavam uma
forma de relativa ascensão social.
Ademais, o isolamento da cidade de Salvador, palco dos conflitos durante a revolta, deu-
se pela mobilização das tropas da Guarda Nacional e das polícias, que agora desempenhavam
parte das funções que antes realizavam-se pelo Exército e milícias de cor, estas que se
encontravam sob suspeição das autoridades e classes abastadas. A estratégia das tropas legalistas,
segundo Lopes (2008) era a mesma utilizada na Guerra de Independência (1822-1823) e na
expulsão dos holandeses (1625) e constituía em cercar a capital por suas vias terrestres e
marítimas, dada a geografia local de Salvador. Assim, a revolta liderada por Francisco Sabino e
João Carneiro da Silva Rego, que visavam o desligamento da Bahia do governo central até a
maioridade de dom Pedro II, necessitava do alargamento das tropas, o que levou ao desvio do
curso previsto para a Sabinada.
A entrada de pessoas escravizadas nas fileiras do movimento, sob a promessa de
liberdade e indenização dos antigos proprietários, acabou estimulando fugas em massa e, por
fim, o decreto de liberdade para os escravizados nascidos no Brasil – africanos, que formavam
dois terços da população escrava estavam excluídos da medida. Como afirma Kraay, “o
reconhecimento da dimensão racial do conflito não tornou a liderança da Sabinada em
abolicionista (2018, p. 276). Alguns componentes das divisões formadas para a resistência do
movimento também recusavam-se servir com os libertos. As questões raciais sofriam poucas
alterações no decorrer dos acontecimentos da Sabinada.
A falha na quebra do cerco criado pela Guarda Nacional desmantelou o movimento. A
partir disso, os revoltosos foram derrotados e composição social e racial da revolta talvez possa
explicar, em parte, a violência desmedida com qual as tropas legalistas enfrentaram-lhes. O
contraste das forças fica evidente nos dados que Kraay traz. Enquanto 40 soldados das tropas do
governo foram mortos durante o embate, entre os rebeldes esse número alcançou a marca de
1091, além dos 2989 que forma presos.

QUESTÃO 3
“Mas a Medicina também teve de lidar com a prevenção e o tratamento da doença. O cólera foi
certamente o maior desafio enfrentado pelo saber médico baiano no século XIX”.
A partir da afirmação de Onildo Reis David, apresente as principais características do
desembarque do cólera na Bahia, enfatizando o impacto das medidas sanitárias sobre a
população negra e outros grupos sociais subalternizados.
TEXTO BASE
Onildo Reis David, O inimigo invisível: epidemia na Bahia no século XIX. Salvador: Sarah
Letras/Edufba, 1996, pp. 45-73.

O desembarque do cólera na Bahia, à época e ainda hoje, é motivo de especulações que,


por mais que tenham alguma fundamentação, não podem ser confirmadas plenamente. O que se
sabe é que quando se espalhou pela Bahia o cólera já era um problema no norte geográfico do
Brasil, entretanto, a notícia da epidemia que chegou da província do Pará não conseguiu
estimular a execução de medidas mais eficazes na Bahia para evitar, ou ao menos amenizar, o
que se tornaria uma epidemia também nessa localidade. O “inimigo invisível” de que fala Onildo
Reis David, foi responsável por desafiar os conhecimentos médicos desse período, estimular a
execução dos projetos modernizadores – e segregacionistas –, “suscitar atitudes de rebeldia e
resgatar medos étnico-raciais” (DAVID, 1996, p. 69). A epidemia do cólera, para além das
questões de saúde, evidenciou as marcas de uma sociedade escravista em seu tratamento das
populações negras e subalternas numa situação de crise.
Em 1855, ano em que se registram os primeiros casos do cólera na Bahia, as causas da
cólera, segundo David (1996), eram, pelos contemporâneos, associadas aos supostos “miasmas”
- gases que eram exalados na atmosfera a partir da decomposição de matéria orgânica. Assim, as
primeiras medidas tomadas para conter a epidemia foram a retirada de lixo dos locais como
praias e praças, limpeza das ruas e desinfecção das casas. Sobre a chegada da doença, entretanto,
a causa era desconhecida, mas alvo de suposições.
Uma dessas suposições era a de que o navio inglês “Mercury” teria trazido a doença a
bordo em sua passagem pela Bahia. Vindos do Caribe, área onde existiam casos da doença, os
tripulantes teriam chegado doentes à província e espalhado a enfermidade. À essa suposição,
entretanto, David (1996) contrapõe conhecimentos científicos mais atuais sobre o período de
incubação do cólera, demonstrando a inviabilidade dessa hipótese devido aos dias necessários
para viajar-se do Caribe à Bahia.
A segunda hipótese, mais viável, teria sido a da chegada do cólera através da embarcação
“Imperatriz”, em 1855. Vinda do Pará, o vapor, segundo as autoridades, teria passado pela
quarentena e, por isso, não poderia ser a via de acesso do cólera à Bahia. Apesar disso, a partir
dos dados sobre o alastramento da doença, os historiadores atuais, segundo David (1996),
deduzem que essa possa ser a hipótese mais provável para a chega do cólera.
Não obstante, a preocupação dos médicos e das autoridades baianas não se reservava ao
caminho percorrido para a chegada dessa mazela à província, nem mesmo de como tratar aqueles
que adoeciam, mas pautava, também, como evitar que a doença se espalhasse ainda mais pelo
território. Nesse sentido, uma atenção especial foi dada às atividades que poderiam contribuir,
segundo os contemporâneos, para a piora da epidemia. Apesar disso, é possível ver que não
apenas questões sanitárias eram pautadas, ligadas a um projeto modernizador, as atitudes das
autoridades também consideravam a moralidade dos comportamentos a serem extinguidos.
Assim, a criação de porcos em centros urbanos foi colocada sob suspeita e como
atividade a ser encerrada. A retalhação e a venda de baleias nas cidades também era má vista. Os
mendigos igualmente eram alvos dessa política e precisariam ser retirados dos espaços públicos.
Essas ações não atingiam igualmente a população. As atividades relacionadas à venda da carne
de baleia, por exemplo, era uma atividade onde predominavam africanos e a população ligada à
mendicância era notavelmente negra.
Essa desigualdade também era sentida em outros âmbitos. As visitas previstas pela
Comissão de Higiene não ocorriam do mesmo modo pelo espaço urbano, David (1996) indica
que as periferias eram lugares desprivilegiados quanto a presença dos médicos, que muitas vezes
negavam realizar as inspeções nessas áreas.
Além disso, David, indica que em uma reunião na Faculdade de Medicina foi atestado
por um médico que no Rio Vermelho, povoado da capital, um terço dos que adoeciam chegavam
a óbito, e entre esses todos eram “de cor escura” (1996, p. 50). Assim, ainda que o cólera não
estivesse restrito a apenas um espaço ou grupo social, o dos negros, a força com que as
condições sociais criadas pelo escravismo no Brasil, com a marginalização das pessoas não-
brancas, impactavam sobre a epidemia, tornavam essa parte da população mais vulnerável. Tanto
em relação à doença em si, quanto no que diz respeito à forma com que as medidas de profilaxia
atingiam as suas atividades.

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