Você está na página 1de 26

“IGUALDADE E PARTICIPAÇÃO PLENA”: OS MODELOS TEÓRICOS DA

DEFICIÊNCIA E A COMISSÃO NACIONAL DO ANO INTERNACIONAL DAS


PESSOAS DEFICIENTES (1980-1981)1

Daniel da Silva Santos Rosa2

Como parte dos preparativos para o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, que ocorreria em 1981,
foi criada no Brasil a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Devido ao fato
de sua formação contar com integrantes das entidades de e para pessoas com deficiência, os
documentos gerados por essa comissão são lugares privilegiados para visualizar o momento histórico
em que se encontravam as discussões e as práticas relacionadas à temática da deficiência no Brasil.
Assim, através da bibliografia especializada e da análise das representações das pessoas com
deficiência e de suas instituições - tendo em vista os modelos médico e social da deficiência -, esse
trabalho pretende colaborar com a compreensão do contexto vivenciado pelas pessoas com deficiência
em um ambiente de retomada das mobilizações sociais e de aumento da visibilidade de grupos
historicamente afastados das esferas de decisão.
Palavras-chave: Ano Internacional das Pessoas Deficientes; deficiência; Revista Mensagem da APAE;
modelos teóricos da deficiência; Federação Nacional das APAEs.

1. Introdução

Em 1976, a Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução


31/123, proclamou o ano de 1981 como Ano Internacional das Pessoas Deficientes
(AIPD). A Resolução veio um ano após a promulgação da Declaração dos Direitos
das Pessoas Deficientes, de 1975, e o evento fez parte de uma sequência de Anos
Internacionais3 promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que
chamavam a atenção dos Estados membros e de outras organizações para questões
de relevância social, política e econômica. Durante o período preestabelecido para o
Ano Internacional, a questão a ser tratada recebia a atenção dos órgãos relacionados,
que buscavam, além da promoção dessa perante a sociedade, a formulação de
estudos e soluções para os problemas que ganhavam destaque com a realização do
evento.

Após a resolução que estabeleceu o AIPD, outras foram promulgadas para a


sua melhor gestão. Nesse sentido, a Resolução 32/133 de 1977 estabeleceu um

1 Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina Estudos Monográficos II, sob a orientação
da Prof. Dra. Laura de Oliveira, como requisito para conclusão do curso de Licenciatura em História.
2 Graduando em História na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da

Bahia (FFCH – UFBA).


3 Uma lista completa dos Anos Internacionais, desde 1960 até 2024, pode ser encontrada no site da

ONU. Disponível em: https://www.un.org/en/observances/international-years. Acesso em: 19 set. 2022.


secretariado especial na ONU para o AIPD, onde haveria representantes dos Estados
membros; através dessa, também se criou um Comitê Assessor e se elaborou um
plano de ação preliminar. Mas, somente com a Resolução 34/154, de 1979, o Plano
de Ação foi consolidado. Além disso, alterou-se, com essa última medida, o tema do
AIPD de “Participação Plena” para “Igualdade e Participação Plena”. Por fim, ainda
em 1978, por meio da aprovação da Resolução 33/170, foi sugerida a formação de
comissões em nível nacional e presidencial para “PLANEJAR, COORDENAR e
FAZER EXECUTAR as ações relativas ao ANO INTERNACIONAL DAS PESSOAS
DEFICIENTES”, sendo participantes dessas comissões os membros de órgãos
governamentais e de entidades não governamentais (BRASIL, 1981, p. 2-3, grifo no
original).

Desse modo, formou-se no Brasil, a partir do decreto 84.919/1980 (BRASIL,


1980), a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (CNAIPD),
responsável por tratar das questões relativas ao AIPD no país, devendo formular as
medidas necessárias para que se promovesse, assim como previa o tema atribuído
ao evento, a igualdade e a participação plena das pessoas com deficiência na
sociedade brasileira. Nesse sentido, os documentos gerados por essa comissão são
lugares privilegiados para visualizar o momento histórico em que se encontravam as
discussões e as práticas relacionadas à temática da deficiência no Brasil.

O que aqui compreendemos por deficiência liga-se ao debate acerca dos


modelos teóricos que se confrontam desde a década de 1970, quando ocorreu o
surgimento do modelo social da deficiência como contraponto ao modelo biomédico4,
que até aquele momento permanecia como a única via de compreensão da
deficiência. Assim, entendemos que esse conceito possui uma historicidade sobre a
qual trataremos à frente e que é diferente da noção da deficiência como uma variação
do normal – uma criação discursiva do século XIX, segundo Debora Diniz (2007).
Nesse sentido, é necessário que percebamos, sumariamente (e aceitando o modelo
social como mais apropriado para abordar essa questão), que a deficiência surge da
interação entre fatores biológicos e ambientais – estes, diversos e externos ao
indivíduo. Desse modo, as limitações e restrições de funcionalidade ou habilidade não
têm como consequência natural e inerente a experiência da deficiência, que se traduz

4 O modelo médico - ou biomédico - da deficiência relaciona-se às perspectivas que não destacam, ou


recusam, a influência do ambiente na produção das deficiências.
como uma forma de desigualdade apenas num ambiente pouco sensível à diversidade
humana (DINIZ, 2007).

Na pesquisa realizada para a construção deste artigo, foi possível notar que
existem poucos trabalhos dedicados a compreender o AIPD e a CNAIPD em seu
contexto e importância, no sentido de avaliar como esse evento refletiu as disputas
entre as entidades de e para pessoas com deficiência5 e, também - o que demarca a
especificidade deste trabalho -, como a Comissão Nacional mobilizou durante o
período de suas atividades, entre 1980 e 1981, os modelos teóricos da deficiência,
interpretados aqui como formas de representações coletivas, no sentido que Chartier
(1991; 2011) atribui ao termo.

Os estudos correntes acerca do AIPD e da CNAIPD costumam analisá-los pela


ótica da formação do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil,
através da formação das entidades, principalmente no final da década de 1970 e início
da década 1980, criadas e geridas por PCD’s6, que tinham como base a noção de que
a deficiência era parte da experiência coletiva que abarcava esses indivíduos e, assim,
organizavam-se para requisitar o acesso aos seus direitos de forma conjunta.

Nesse sentido, esta pesquisa avança no sentido de compreender como o


contexto histórico em que a CNAIPD formou-se, permitiu que as entidades, tanto de
quanto para pessoas com deficiência, mobilizassem-se em sentido de disputar a
participação na Comissão Nacional, pois, assim, buscavam garantir que seus
interesses e concepções fossem defendidas nesse espaço, que se legitimava como o
principal organizador do AIPD no Brasil. Apesar disso, a Comissão Nacional não teve
a repercussão e a capacidade de transformação esperada por aquelas entidades,
sendo notáveis as críticas formuladas por essas à CNAIPD.

5
Na bibliografia utilizada para a pesquisa, tratam dessas temáticas o artigo “A organização política das
pessoas com deficiência no Brasil e suas reivindicações no campo educacional” (AMORIM; RAFANTE;
CAIADO, 2009); a tese da Ana Maria Morales Crespo (2009) intitulada “Da invisibilidade à construção
da própria cidadania: os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas
com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes” e a dissertação de Idari Alves
Silva (2002), denominada “Construindo a cidadania: uma análise introdutória sobre o direito à
diferença”. Também é possível ver breve menção à temática na tese da Késia Pontes de Almeida
(2019): “Do assistencialismo à luta por direitos: as pessoas com deficiência e a sua atuação no
processo de construção do texto constitucional de 1988”.
6 Sem prejuízos, o termo PCD’s será utilizado como abreviação de Pessoas com Deficiência para evitar

exaustivas repetições.
Desse modo, esta pesquisa tem como finalidade, a partir da análise das fontes7
e da bibliografia especializada, compreender como os modelos médico e social,
entendidos como formas de representações coletivas, relacionam-se às práticas e
representações ligadas às pessoas com deficiência na CNAIPD e nas entidades
geridas por elas e para elas, e como isso contribui para o reconhecimento do AIPD
não só como um evento importante para tratar da gênese das entidades políticas de
pessoas com deficiência, mas também como momento privilegiado para entender as
rupturas e continuidades do modelo médico e das práticas paternalistas com o
surgimento da perspectiva social da deficiência, também mobilizada pela Comissão
Nacional.

2. Os modelos médico e social da deficiência

Inicialmente, devemos destacar que o conceito de deficiência não é estático e


os estudos sobre as pessoas com deficiência também sofreram mudanças ao longo
do tempo. Assim, é necessário destacar que a perspectiva médica sobre o corpo com
deficiência, que surge, segundo Diniz (2007), no século XVIII, enxergava-o como
anormal e desviante. Essa concepção alimentou as intervenções médicas que
visavam corrigir esses sujeitos, segundo o que se concebia como um indivíduo padrão
e saudável. Entretanto, essa perspectiva não se limitou ao século XVIII e a bibliografia
especializada atesta as continuidades embutidas nesse conceito ao longo dos séculos
seguintes.

Nesse sentido, o modelo médico, assim como o social, também deve ser
tratado tendo em vista a sua historicidade. A pesquisadora Ana Maria Morales Crespo
(2009), a partir da leitura de Eucenir Fredine Rocha (2006) e de Foucault (1979),
elenca que o processo histórico que pôs a pessoa com deficiência como objeto dos
tratamentos de reabilitação, por meio da patologização da deficiência na medicina e

7 Foram selecionadas como fontes para esta pesquisa as atas de reunião da Comissão Nacional
produzidas e fornecidas à Federação Nacional das APAES para exposição em seu periódico Revista
Mensagem da APAE; o Relatório Geral das Atividades da Comissão Nacional do Ano Internacional das
Pessoas Deficientes. Disponíveis em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002911.pdf. Acesso em: 19 set. 2022; e as
impressões sobre a CNAIPD produzidas pela FENAPAES - também reproduzidas em seu periódico
institucional.
nas ciências sociais, assim como indica Diniz, inicia-se na segunda metade do século
XVIII, mas a conformação desse modelo dá-se no século XIX e início do XX.

De acordo com Rocha, as ‘instituições de reabilitação são aquelas que


dispõem de um conjunto de técnicas voltadas à finalidade específica de
recuperar os aspectos físicos, psíquicos ou sociais’. Foram criadas no final
do século XIX e início do XX, estruturadas em hospitais ou abrigos
especializados. Somente nas décadas de 1920 e 1930, a reabilitação passou
a ser considerada uma especialidade da medicina. (ROCHA, 2006, p.26 apud
CRESPO, 2009, p. 38)

Nesse sentido, a história do conceito de deficiência acompanha a própria


história do campo das ciências médicas e da transformação das instituições voltadas
à assistência médica. Assim, com a acepção da deficiência como patologia e do
hospital como um espaço para o tratamento técnico-científico dos indivíduos doentes,
a deficiência tornou-se objeto do modelo assistencialista de tratamento de modo que,
sobre a atenção dada a ela, imprimiu-se um duradouro caráter caritativo (NALLIN,
1994 apud CRESPO, 2009).

Desse modo, o desenvolvimento do modelo médico da deficiência, a partir dos


processos de patologização e manutenção dos cuidados assistencialistas, manteve-
se como consenso nas instituições de reabilitação ao menos até a metade do século
XX, levando em consideração que, mesmo com as críticas que se estabeleceram após
esse período, o modelo médico permaneceu hegemônico (CRESPO, 2009).

Não obstante, a partir da década de 1970, com as críticas formuladas a esse


modelo, estudiosos, principalmente PCD’s que haviam sido submetidas a tratamentos
de reabilitação, debruçaram-se sobre a experiência coletiva da deficiência e passaram
a analisá-la como um fenômeno sociológico (CRESPO, 2009; DINIZ, 2007).

Os analistas do campo das ciências sociais não negavam a necessidade dos


cuidados médicos às pessoas com deficiência, mas requeriam que os estudos sobre
a deficiência não estivessem subordinados completamente ao campo biomédico. Para
os pesquisadores que, naquele momento, encontravam-se principalmente no Reino
Unido e nos Estados Unidos, deficiência e lesão não significavam a mesma coisa,
mantinham alguma relação, mas, se a segunda era objeto de estudo do campo
biomédico, o estudo da primeira era atribuição do campo das humanidades. Para eles,
a lesão tinha ligação com aos mecanismos corporais e a deficiência era resultado da
interação desse corpo com lesão e de um ambiente pouco sensível às suas
necessidades (DINIZ, 2007).
Esse novo olhar sobre a deficiência é denominado modelo social, em
contraposição ao modelo médico, que - considerada a construção histórica da sua
legitimidade e hegemonia sobre o campo da deficiência (CRESPO, 2009) – a
enxergava apenas como uma consequência direta da lesão.

Segundo Diniz (2007), um impulso relevante ao modelo social é dado com a


publicação da carta do sociólogo Paul Hunt no jornal The Guardian, em 1972. É essa
carta que estimula outras pessoas com deficiência física, assim como Hunt, a unirem-
se na Liga dos Lesados Físicos Contra a Segregação (Upias), que foi a “primeira
organização política sobre deficiência a ser formada e gerenciada por deficientes”
(DINIZ, 2007, p. 14, grifo da autora). Ainda na década de 1970, outro movimento
fortalecia o modelo social: a entrada das análises sobre a deficiência no mundo
acadêmico.

O curso, intitulado ‘A Pessoa Deficiente na Comunidade’ foi promovido pela


Universidade Aberta (Open University), no Reino Unido, em 1975 [...] [e] O
primeiro curso de pós-graduação foi promovido pela Universidade de Kent,
também no Reino Unido, onde se registrou pela primeira vez a expressão
‘estudos sobre deficiência’ para delinear o campo disciplinar de pesquisas
sociológicas e políticas sobre a deficiência (DINIZ, 2007, p. 31).

Ademais, os modelos teóricos não se limitaram à análise da natureza da


deficiência e dos modos de intervenção sobre o corpo com deficiência e sobre o
espaço que o circundava, mas se puseram também a investigar as noções correntes
sobre o pensar e o agir desses indivíduos. Assim, em consonância aos estudos de
Késia Pontes de Almeida (2019), podemos considerar que o modelo médico
alimentava as representações paternalistas sobre PCD’s e que, desse modo,
engendravam práticas de atendimento que se pautavam pela caridade e pela
filantropia. Em oposição a isso, o modelo social, mais atento às questões sociológicas,
permitia ver a agência política na pessoa com deficiência e, nesse sentido, fomentou
a criação, a partir de 1970, de “organizações da sociedade civil dirigidas por pessoas
com deficiência que se opunham ao modelo caritativo de atendimento delas mesmas”
(ALMEIDA, 2019, p. 37). Essas organizações, diferentes daquelas ligadas ao modelo
assistencialista, visavam à participação de PCD’s em todas as etapas da vida política,
uma reivindicação que atravessa o movimento político das pessoas com deficiência
no Brasil e o colocam na posição de críticos à CNAIPD.

Não obstante, os avanços em direção ao modelo social da deficiência não


foram, na década de 70, o bastante para que a concepção da deficiência como
fenômeno sociológico estivesse presente na Declaração dos Direitos das Pessoas
Deficientes, proclamada pela ONU em 1975. Assim, aparece nesse documento -
ignorando a separação entre lesão e deficiência - que o

[...] termo “pessoas deficientes” refere-se a qualquer pessoa incapaz de


assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma
vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1975 apud CRESPO, 2009,
p.44, grifo nosso)

Semelhante rejeição ao modelo social aparece, como informa Idari Silva (2002),
na legislação brasileira dos anos 90. O decreto 3298/99, ao qual se refere Silva, traz
em seu texto, ignorando as relações do corpo com o ambiente e o debate internacional
que considerava a existência desta relação8, que

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser
humano;
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um
período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter
probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos [...]. (BRASIL,
1999)

Desse modo, é possível observar a existência de rupturas e permanências em


relação aos modelos teóricos da deficiência, dotados de historicidade, que permearam
as discussões do campo dos estudos sobre a deficiência por um longo período. Assim,
tomando lugar no início da década de 1980, o AIPD, como evento direcionado à
questão da deficiência não poderia estar imune a esse debate e às consequências
que derivaram das novas percepções da deficiência. Ou seja, o estudo desse evento
permite-nos conhecer o momento histórico das discussões acerca das representações
coletivas da deficiência.

8
Crespo (2009), analisando documentos nacionais e internacionais que tratam das pessoas com
deficiência e elaboram algum nível de definição para o conceito, identifica que em 1993, a Declaração
de Maastritch já reconhecia a deficiência como uma questão coletiva, não inerente a uma
“anormalidade de estrutura ou função” como indica o Decreto de 1999. Ademais, trataram a deficiência
como uma variação comum da condição humana ou como restrição agravada por questões econômico
e sociais (ambientais) a Carta para o Terceiro Milênio, de 1999, e a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência, também
de 1999 (CRESPO, 2009).
3. Os modelos teóricos da deficiência como formas de representações
coletivas

Para compreender a função dos modelos teóricos na construção das


perspectivas sobre as pessoas com deficiência, que, de modo diferente, atravessaram
a formação do movimento político das pessoas com deficiência e a CNAIPD,
buscamos atrelar esses modelos à categoria de representações coletivas. Assim,
entendemos que esses compõem sistemas de representação em constante diálogo
com as práticas sociais das quais decorrem e as quais também produzem na
sociedade. Desse modo, é relevante indicar que esse diálogo se dá de maneira
dinâmica e o ordenamento e a hierarquia social construída e recriada ao longo do
tempo pressupõem o fenômeno das lutas de representação.

Sem negar a importância do recorte socioprofissional, Chartier admite,


afastando-se de uma “história social dedicada exclusivamente ao estudo das lutas
econômicas” (1991, p. 184), a relevância de se formular as narrativas históricas
através de novos sistemas de classificação e diferenciação, esses também sociais,
tais como “as pertenças sexuais, geracionais, as adesões religiosas, as tradições
educativas, as solidariedades territoriais, os hábitos de ofício” (CHARTIER, 1991, p.
181) e, em nosso caso, as perspectivas sobre a deficiência.

A esses “esquemas geradores dos sistemas de classificação e percepção”,


Chartier (1991, p. 183) atribui a incorporação das divisões do mundo social e o
funcionamento como matrizes construtivas desse mundo. Para esse autor, o conceito
de representações coletivas

[...] foi e é um precioso apoio para que se pudessem assinalar e articular, sem
dúvida, melhor do que nos permitia a noção de mentalidade, as diversas
relações que os indivíduos ou os grupos mantêm com o mundo social: em
primeiro lugar, as operações de classificação e hierarquização que produzem
as configurações múltiplas mediante as quais se percebe e representa a
realidade; em seguida, as práticas e os signos que visam a fazer reconhecer
uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a
significar simbolicamente um status, uma categoria social, um poder; por
último, as formas institucionalizadas pelas quais uns ‘representantes’
(indivíduos singulares ou instâncias coletivas) encarnam de maneira visível,
‘presentificam’ a coerência de uma comunidade, a força de uma identidade
ou a permanência de um poder. (CHARTIER, 2011, p. 20)

Assim, tomamos que as formas de representação coletiva da deficiência - os


modelos teóricos da deficiência -, funcionam como esquemas geradores de
representações e práticas sociais, como indica a formulação de Chartier, e são
capazes de articular dimensões diversas das relações sociais, perpassando desde os
modos de classificar e hierarquizar, de se fazer ser reconhecido pelo seu e por outros
grupos sociais, até fazer-se representado pelos meios institucionalizados que
legitimam sua identidade social.

De modo sintético, Francismar Alex Lopes de Carvalho (2005) define, a partir


de Chartier, que

As representações são entendidas como classificações e divisões que


organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção
do real. As representações são variáveis segundo as disposições dos grupos
ou classes sociais; aspiram à universalidade, mas são sempre
determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam. O poder e a
dominação estão sempre presentes. As representações não são discursos
neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma autoridade,
uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas. (p. 149, grifo nosso)

Desse modo, as representações coletivas não estão separadas do mundo


social, mas fazem parte desse, incorporando relações de poder e desigualdades, ao
tempo em que são ferramentas para geração dessas mesmas. Assim, é importante
ressaltar que, segundo análise de Carvalho (2005), apesar das limitações do conceito
– que talvez sugira determinismo cultural – esse não deve ser lido como uma
ferramenta pós-moderna que deslegitima as possibilidades de construção da narrativa
histórica como ciência, indiferenciada das narrativas literárias. Para Carvalho, as
representações “se constituem através de várias determinações sociais para, em
seguida, tornarem-se matrizes de classificação e ordenação do próprio mundo social”
(2005, p. 151), nesse sentido, não se opõem ao real.

Assim, demonstrar como a categoria de representação coletiva pode ser


operacionalizada neste trabalho, podemos perceber que, em sua análise, Crespo
(2009) relata que os centros de reabilitação, ao menos entre as décadas de 60 e 80,
foram “instituições fortemente baseadas na disciplina, ou seja, calcadas no modelo
médico da deficiência e no discurso científico tido como verdade absoluta” (CRESPO,
2009, p. 39). Nota-se, assim, que o tratamento das pessoas com deficiência, como
destaca a autora, por muito tempo dependeu da operação das fórmulas baseadas em
perspectivas estigmatizadas sobre PCD’s, ou seja, representações produzidas pelas
instituições médicas e assistencialistas derivadas do modelo médico da deficiência.
Além disso, a existência das representações em um sistema dinâmico de
construção e reconstrução das divisões e classificações do social pressupõe o
fenômeno das lutas de representação. Carvalho (2005), considerando a contribuição
de Roger Chartier, destaca a impossibilidade de se lerem os fenômenos de modo
unitário, desprovidos das contradições possíveis que os caracterizam, sem os quais
os fenômenos seriam estáticos. O autor afirma que “é porque se reconhecem essas
tensões que nós, como cidadãos, temos um espaço de intervenção” (CARVALHO,
2005, p. 158).

Dessa forma, podemos entender a Comissão Nacional, considerando a teoria


de Chartier (1991), como um ponto de entrada particular para a análise das
representações em confronto e como as práticas da Comissão ajudam-nos a entender
as contradições características das lutas de representação.

4. As entidades de e para pessoas com deficiência

Tendo em vista o que elencamos até aqui acerca dos modelos teóricos,
podemos, então, tratar das entidades que se relacionavam à questão da deficiência
no momento histórico que abordamos. Assim, didaticamente, mas considerando a
existência de disputas internas dentro destas organizações, é possível que dividamos
as entidades desse período entre aquelas criadas para pessoas com deficiência -
imbuídas de práticas predominantemente assistencialistas e relacionadas ao modelo
médico - e as de pessoas com deficiência – baseadas no modelo social, geridas por
PCD’s e que visavam à participação social e política desses na sociedade.

Apesar de podermos tratar das entidades de pessoas com deficiência no Brasil


a partir do final da década de 1970, não foi nesse momento que as primeiras
associações geridas por PCD’s surgiram no país. Crespo (1999), por exemplo, relata
que desde a década de 1950 essas associações já existiam. Havia, então, o Clube de
Paraplégicos de São Paulo (CPSP), que foi fundado em 1958, a Associação Brasileira
de Deficientes Físicos (Abradef), fundada em 1961, também em São Paulo, e a
Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes (FDC), criada na França em 1945 e que
chegou ao Brasil em 1972, com seu primeiro núcleo brasileiro em São Leopoldo (RS).
A diferença entre essas associações citadas e as que surgem, mobilizadas em
sentido de organizarem-se para o AIPD, dá-se pela amplitude de ação das novas
entidades. Enquanto as primeiras atuavam de maneira isolada, as últimas “já
nasceram com um caráter político, mobilizador e aglutinador” (CRESPO, 2009, p. 96).
Assim, devido a isso, considera-se que o movimento político das pessoas com
deficiência inicia-se efetivamente no final da década de 1970.

Sobre o contexto sociopolítico em que surgiu o movimento político de PCD’s no


Brasil, é importante destacar que esse foi um momento de reabertura política e de
crise do regime civil militar instalado no país desde 1964, sendo esse período
historicamente compreendido entre os anos de 1974 e 1985. Nesse sentido, ressalta-
se que o fim dos anos 70, marcados pelas ações distensionistas da ditadura, foram
responsáveis pelo fim do AI-5, pela volta do pluripartidarismo à política nacional e pela
restituição do habeas corpus.

Assim, em consonância à reabertura política, ressurgem nesse período os


movimentos sociais dos trabalhadores e, com eles, os movimentos identitários9, que,
segundo Almeida, “ganharam força no período de reagrupamento da classe
trabalhadora, o que permitiu o desenvolvimento dessas bandeiras de luta” (2019, p.
34). Nesse sentido, entendemos que o movimento político das pessoas com
deficiência participou de uma mobilização mais ampla de luta e busca pela visibilidade
política por parte da sociedade civil brasileira. Desse modo, para além do contexto de
transformação dos modelos teóricos da deficiência, as pessoas com deficiência no
Brasil viveram nesse momento uma conjuntura de transformação política significativa,
que constituiu parte das condições históricas para sua ação.

9
Apesar de Almeida (2019) não conceituar o que são movimentos identitários, acreditamos que esses
possam ser entendidos através da elaboração conceitual da socióloga Maria da Glória Gohn, elencada
no texto de Amorim, Rafante e Caiado (2009), que define movimentos identitários como movimentos
“que lutam por direitos sociais, econômicos, políticos e, mais recentemente, culturais. São movimentos
de segmentos sociais excluídos, usualmente pertencentes às camadas populares (mas não
exclusivamente)” e, assim, “podem-se incluir, nesse formato, as lutas das mulheres, dos afro-
descendentes, dos índios, dos grupos geracionais (jovens, idosos), grupos portadores de necessidades
especiais, grupos de imigrantes sob a perspectiva de direitos, especialmente dos novos direitos
culturais construídos a partir de princípios territoriais (nacionalidade, Estado, local), e de
pertencimentos identitários coletivos (um dado grupo social, língua, raça, religião etc.)” (GOHN, 2008,
p. 439-440).
Resultado, então, desse movimento, e catalisado pela instituição do AIPD, é o
surgimento das novas entidades de pessoas com deficiência e da Coalizão Nacional
formada para conectar essas organizações.

Apesar das diferentes instituições existentes, segundo Adilson Ventura


(2010), até o final da década de 1970 não havia uma articulação entre elas.
Há um consenso entre os entrevistados de que a definição feita em 1976 pela
Organização das Nações Unidas (ONU), estabelecendo o ano de 1981 como
o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD), foi fundamental para
fomentar a articulação entre as diferentes entidades de pessoas com
deficiências, no sentido de se mobilizarem para organizar, no país, ações
significativas relacionadas ao AIPD. Esse cenário engendrou três encontros
nacionais de entidades de pessoas com deficiência e a criação da Coalizão
Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes. (AMORIM; RAFANTE;
CAIADO, 2009)10

Segundo Almeida (2019), que também discute a formação do movimento


político organizado das pessoas com deficiência, a partir de 1979, as entidades de
PCD’s passaram a tratar de metas a nível nacional e, nesse mesmo ano, formaram a
Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes – conhecida
como Coalizão Nacional. Em decorrência disso, promoveram o primeiro encontro de
entidades, realizado em Brasília, em 1980.

A Coalizão Nacional, influenciada pelas representações da deficiência calcadas


no modelo social, buscava enfrentar tanto os obstáculos físicos impostos às pessoas
com deficiência, quanto aqueles que eram culturais – entendidos por nós como
derivados do modelo médico da deficiência. Assim, era objetivo da coalizão “combater
as ideias caritativas e clientelistas”. Desse modo, para além das questões
arquitetônicas, pautavam-se também as questões filosóficas (CRESPO, 2010 apud
ALMEIDA, 2019, p. 40).

Entretanto, essa união das entidades deu-se mediante conflitos. Nota-se que,
na sua formação,

A maior divergência para a formalização da Coalizão deu-se sobre a questão


do tipo de entidade que poderia compor a Coalizão: apenas entidades de
deficientes ou seriam aceitas as entidades para deficientes? Ficou
estabelecido que apenas as primeiras poderiam compor a entidade nacional.
Essa decisão gerou conflito entre algumas entidades do movimento que
buscavam a articulação com as entidades para pessoas com deficiência.
(AMORIM; RAFANTE; CAIADO, 2009, p. 13, grifo nosso)

10 As entrevistas às quais se referem as autoras, encontram-se compiladas, por Mário Cléber Martin
Lanna Júnior, no livro História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil, publicado
em 2010 pela Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da
Pessoa com Deficiência. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/21097_arquivo.pdf. Acesso em: 25 set. 2022.
É possível que essa articulação requerida por algumas entidades, como
informam as autoras, tenha relação com a influência que as entidades para pessoas
com deficiência exerciam sobre as esferas de decisão governamental. Nesse sentido,
a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) serve como exemplo de
como essa atuação política das associações era posta em prática (RAFANTE; SILVA;
CAIADO, 2019).

A primeira APAE foi criada na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1954, e se


constituiu com base nas ideias e com a participação de George e Beatrice Bemis,
norte-americanos que estiveram presentes na fundação da National Association for
Retarded Children (Narc), nos Estados Unidos, que funcionaria como modelo para a
construção das APAE no Brasil. A Narc seria, assim, um exemplo de como se
organizariam as APAEs em sua forma administrativa, mas também de como
conceberiam a educação para excepcionais (RAFANTE; SILVA; CAIADO, 2019).

Na seção denominada “Carta do Presidente”, em sua revista institucional,


porta-voz da entidade (BEZERRA, 2017), a APAE define-se deste modo:

Impõe-se, desde logo, saber-se que uma APAE é uma sociedade civil,
filantrópica, estabelecida, geralmente em um Município sobre cuja base
territorial tem jurisdição e procura atingir os seus objetivos exercendo a sua
atuação junto aos órgãos do Poder Público, tanto Federal, como Estadual, a
Municipal, assim como, procurando atingir a comunidade para motivá-la e
esclarecê-la sobre a existência da deficiência, dos meios e métodos de
combatê-la e promover a busca de novos meios, métodos e técnicas para se
alcançarem novos avanços na prevenção e recuperação do excepcional
(MENSAGEM..., 1982, p.1)

Assim, está no cerne da APAE o seu caráter participativo, em todos os níveis,


na política do Estado, buscando, tal como a associação norte-americana, “influenciar
a legislação e obter financiamento” para as suas atividades (RAFANTE; SILVA;
CAIADO, 2019, p. 5). Ademais, é notável que as definições que a APAE faz de si nem
sempre têm um aspecto objetivo como esse transcrito aqui, podendo ser encontrados
trechos como este, que afirma que

[...] a APAE é mais do que uma instituição devidamente organizada, é uma


força espiritual em marcha, impulsionada pelo ideal de ver transformados em
cidadãos úteis e produtivos os excepcionais antes marginalizados por
carências e incompreensões de toda ordem. (MENSAGEM..., 1979, p. 8, grifo
nosso)

Apresenta-se, assim, um sentido de missão à APAE e ao que denominam


movimento apeano. Portanto, acreditamos que a APAE, a partir dessa definição,
atribuiu a si uma função de libertar os excepcionais – termo que a associação utiliza
para se referir às pessoas com deficiência.

Em outras passagens do periódico institucional também podemos ver que a


entidade considera que ela “nasceu de um ato de amor”, tendo, assim, “a sustentá-la
as bençãos de Deus e o devotamento de seus dirigentes, associados, [e] amigos”
(MENSAGEM..., 1979, p. 6). Além disso, o sentido de missão, com certo caráter
religioso, pode ser visto no modo que a entidade se refere ao projeto da Lei Básica do
Excepcional, promovido pela APAE, como “Lei Áurea do Excepcional”
(MENSAGEM..., 1980, p. 1), e no apontamento do AIPD como “Ano da Redenção do
Excepcional” (MENSAGEM..., 1980, p. 1).

Assim, acreditamos que a análise das fontes, sem negar a afirmação de Nallin
de que “a partir do discurso científico, reelaboram-se as concepções assistencialistas
e se constrói a ideia de que o deficiente deve ser merecedor de uma técnica que lhe
é ofertada como doação” (1998 apud CRESPO, 2009, p. 39), permite inferir que as
instituições para pessoas deficientes usavam também de uma linguagem mais afetiva
e menos científica - baseada na medicina – para dar sentido à sua assistência. Desse
modo, compreendemos que as representações derivadas do modelo médico
atribuíram às instituições médicas e assistencialistas, como as APAES, um caráter de
redentores e às pessoas com deficiência a função apenas de objeto dessa assistência
prestada.
Ademais, para que as metas mais gerais dessa instituição, identificadas na
influência sobre a formulação da legislação e o angariamento de recursos para suas
atividades, fossem alcançadas, as APAES precisavam também organizar-se
internamente e manter a coesão entre as associações difusas pelo Brasil. Para
cumprir essa finalidade, foi constituída a Federação Nacional das APAES
(FENAPAES), em 1962, e, já em 1963, foi criado o periódico institucional da
Federação, a Mensagem da Apae, onde encontramos as informações expostas
anteriormente.

Considerando a existência das lutas de representação e a impossibilidade de


observar os fenômenos como estruturas monolíticas, podemos destacar que a APAE
não pôde ignorar e, ao menos discursivamente, não ignorou que o excepcional “não
desejava favores, materializados pela filantropia, pois é sujeito de direitos”, como
afirmou, ainda em 1963, o presidente da comissão organizadora da primeira Reunião
Nacional das APAES, Stanislau Krynski (RAFANTE; SILVA; CAIADO, 2019, p. 7).
Entretanto, como afirmam Rafante, Silva e Caiado,

[...] mesmo que os discursos dos dirigentes das APAES reivindicassem a luta
por direitos das pessoas com deficiência, suas ações não avançaram nessa
direção, permanecendo no campo da filantropia, silenciando os sujeitos,
mantendo a ordem social e a sua existência institucional. (2019, p. 15)

Além disso, é preciso destacar que, ao tratarmos das APAES, falamos de uma
instituição que, apesar da especialização no atendimento de pessoas com deficiência
múltipla e intelectual, à época tratada como “retardamento mental” (BEZERRA, 2017),
se dirige em seus discursos, de forma ampla, aos chamados excepcionais. Estes
estão definidos na ementa da Lei Básica promovida pela entidade, onde se ausenta a
relação entre o indivíduo e o ambiente, como

[...] a criança, o adolescente ou o adulto que se desvia do padrão médio pelas


suas características físicas, mentais, sensoriais, emocionais ou sociais,
exigindo, conforme o caso, modificações ou adaptações nos serviços de
educação, formação, colocação profissional e previdência social, ou situação
legal especiais, notadamente nos setores do trabalho e a da vida civil.
(MENSAGEM..., 1979, p. 50)

São notáveis as diferenças entre as diversas formas de deficiência e não


desconhecemos a existência de especificidades das pessoas com deficiência
intelectual, sobre as quais Almeida (2019) ressalta a dificuldade mais acentuada de
falarem por si – o que não denota impossibilidade. Entretanto, o Dr. Justino Alves
Pereira - presidente da FENAPAES durante o AIPD, entra na CNAIPD como
representante de entidades não governamentais de reabilitação e educação de
deficientes, e, quando fala de excepcionais, isso possivelmente denota uma
representação de um grupo mais amplo do que apenas as pessoas com deficiência
intelectual e múltipla. Consideramos isso quando tratamos das representações
coletivas das deficiências e a CNAIPD.

5. O AIPD e a CNAIPD

Como presidente da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas


Deficientes cabe-me a honra de apresentar o Relatório Geral das atividades
desenvolvidas, a nível federal, estadual e municipal nas diversas unidades
federadas do país, que refletem, sem dúvida, a dedicação e o empenho de
todos aqueles que participaram ativamente, no sentido de criar condições,
buscar caminhos e novas perspectivas que favoreçam uma mais efetiva
integração social e realização pessoal dos deficientes. (BRASIL, 1981)
Assim, inicia-se a apresentação escrita pela Dra. Helena Bandeira de
Figueiredo - presidente da Comissão Nacional e representante do Ministério da
Educação e Cultura - para o Relatório da CNAIPD. Essa destaca a amplitude da
Comissão, já que atravessou os três níveis de governo – federal, estadual e municipal
-, a sua importância para que o deficiente fosse integrado à comunidade e como essa
resultou do empenho e da dedicação de seus participantes.

Apesar do discurso da presidente, como veremos, a Comissão teve seus


resultados relativizados tanto por entidades de quanto para pessoas com deficiência.
Reclamaram essas da pouca eficiência da Comissão em efetivar suas ações, mas
também – principalmente por parte das entidades de pessoas com deficiência -,
reclamou-se do fato de uma comissão voltada à questão da deficiência, à integração
social de PCD’s, não ter a participação direta de pessoas com deficiência como
representantes das suas organizações, denunciando, assim, o caráter paternalista da
CNAIPD – um indício das permanências do modelo médico.

Não obstante, diante da impossibilidade de se ler qualquer fenômeno de modo


unitário (CARVALHO, 2005), podemos perceber que a CNAIPD adotou também o
modelo social como representação da deficiência, assim, apresentando uma relativa
ruptura com o modelo médico, este predominante até aquele momento.

A Revista Mensagem da APAE, a partir da edição de número 17, de 1979,


passou a tratar do AIPD. Assim, sob o título “As Nações Unidas e suas agências, 1981
– Ano Internacional dos Excepcionais” (MENSAGEM..., 1979), esse periódico
institucional abordou o evento sob a ótica da importância da Liga Internacional -
organização voltada à questão da deficiência intelectual – na divulgação das
informações e na construção do AIPD. Desse modo, o informe iniciou a sequência de
edições da revista dedicadas ao Ano Internacional.

Destacam-se na Mensagem as matérias publicadas especialmente para o


AIPD, mas é preciso levar em consideração também a seção Carta do presidente,
onde Justino Alves Pereira e, depois, Elpídio Araujo Neris expuseram, entre os anos
de 1979 e 1982, posicionamentos acerca da Comissão e do AIPD. Assim, na edição
de número 18, de 1979, adentrando o âmbito dos preparativos para o Ano
Internacional, a Carta do presidente traz que
Em 1980 iremos nos preparar para a comemoração, em 1981, do Ano
Internacional do Excepcional, já criado pela ONU em estreita colaboração
com a Liga Internacional de Associação Pró Deficientes Mentais, da qual
participamos. Nessa ocasião, o mundo e, particularmente o Brasil, verá, em
grandes painéis, a discriminação que se faz com um cidadão igual a
qualquer outro, que mais que qualquer outro, necessita de amor e
compreensão para que deixe de ser um agente consumidor de afeição e
de insumos da coletividade, para se tornar um agente produtivo de alegrias
e de recursos para a micro-comunidade que é a família e para a macro-
comunidade que é toda a sociedade. (MENSAGEM..., 1979, grifo nosso)

Nesse trecho destacam-se as expectativas para o evento e o potencial que ele


tinha para a transformação das relações entre a sociedade, em geral, e as pessoas
com deficiência. É notável a associação que a FENAPAES faz entre a integração
social das pessoas com deficiência e o avanço da economia no país. Isso já foi
discutido por Amorim, Rafante e Caiado no âmbito da CNAIPD, quando, a partir da
análise do Relatório, as autoras afirmaram que

O olhar voltado para as pessoas com deficiências, nesse contexto, teve como
impulso o fator econômico. Seria mais eficaz investir e aproveitar a mão-de-
obra dos deficientes para o mercado de trabalho, que mantê-los à base de
programas de assistência, com custos elevados de manutenção e nenhum
retorno econômico. Além de tornar a pessoa com deficiência produtiva na
sociedade capitalista, o relatório brasileiro evidencia que essa forma de
organizar o atendimento contribuía para liberar seus familiares para o
trabalho. (2009, p. 11)

Ademais, ressaltamos que, ao fazer essa associação, as representações da


deficiência elencadas reiteram o que já destacamos sobre modelo médico. O
deficiente, apesar de ser referido como cidadão como qualquer outro, é, entretanto,
ainda um agente consumidor de afeição, necessitando de amor e compreensão mais
que os outros. Essa linguagem afetiva, apesar de bem-intencionada, parece-nos
resultado das representações e práticas paternalistas para com as pessoas com
deficiência. Estas, objetos da assistência, da afeição, não plenamente sujeitos de
direitos, como a relação com o termo cidadania poderia sugerir.

Mas não apenas a FENAPAES preparava-se para o AIPD, as entidades


organizadas em torno da Coalizão Nacional também atuavam para participar das
ações do AIPD. Requisitando também a sua entrada na Comissão a ser constituída.

[Em 1980] O 1º Encontro Nacional de Pessoas Deficientes, já organizado pela


Coalizão Nacional Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas
Deficientes, composta por 25 entidades de 10 Estados, tinha por objetivo
preparar 1º Encontro Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, que foi
realizado em Brasília, em outubro daquele ano [...]. Um dos resultados do
evento realizado em São Paulo foi a aprovação do documento apresentado
ao Presidente da República, a fim de solicitar a alterar o Decreto nº 84919,
que instituiu a Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas
Deficientes, sem incluir pessoas com deficiência entre seus membros.
(CRESPO, 2009, p. 116)

Não apenas a CNAIPD foi formada sem a participação das pessoas com
deficiência entre seus membros principais – representantes de órgãos
governamentais e não governamentais -, mas também as comissões estaduais o
foram. Segundo Crespo (2009), devido à ação das entidades políticas de PCD’s, foi
formada em São Paulo a Comissão Estadual de Apoio e Estímulo ao Desenvolvimento
do Ano Internacional das Pessoas Deficientes e, “ao contrário da Comissão Nacional,
a Estadual contava com a participação de líderes do movimento” (p. 137). Entretanto,
como informa Candido Pinto de Melo, ativista do Movimento pelo Direitos das Pessoas
Deficientes (MDPD), essa participação também foi resultado de luta, já que,
inicialmente, a Comissão não tinha a presença de pessoas com deficiência (MELO,
1981 apud CRESPO, 2009, p. 159).

Nesse sentido, a formação das Comissões pode ser considerada como uma
prática paternalista, ainda que em subcomissões ou em um segundo momento essas
comissões adotassem práticas mais coerentes com o modelo social, revendo a
participação daqueles que antes estavam apenas como objeto da sua ação e reflexão.

A partir da edição de número 22, de 1980, a Mensagem da APAE passou a


compartilhar as atas das reuniões da CNAIPD, que foram aqui utilizadas junto às
representações na revista, em um exercício de se fazer História por meio dos
periódicos (LUCA, 2005), para compreender melhor a Comissão. Essas publicações
foram finalizadas após a 10ª reunião ordinária da Comissão, datada de setembro de
1981. Assim, na seção Conversa com o leitor em seu número 27, de 1982, a
Mensagem indica que as atas das reuniões não foram mais fornecidas, restando a
essa edição apenas a publicação do Relatório Geral da CNAIPD. Infere-se, a partir
disso, que três Atas foram suprimidas já que as reuniões tinham frequência mensal e
encerraram-se em 1981.

Segundo a leitura das atas, apesar de não se encontrarem inicialmente nas


reuniões da Comissão, membros de entidades de pessoas com deficiência estavam
presentes nas subcomissões ou na função de consultores. Assim, numa discussão
sobre o censo realizado em Brasília e o levantamento sobre a população com
deficiência nesse local, o Dr. Olavo Mesquita de Araújo, representante do Ministério
do Trabalho e coordenador da Subcomissão de Capacitação Profissional e acesso ao
Trabalho da CNAIPD, indica a participação de Benício de Cunha Mello, presidente da
Associação dos Deficientes Físicos de Brasília (ADFB) na subcomissão que coordena
(MENSAGEM..., 1981).

Outro participante da Comissão, foi o coronel Luiz Gonzaga de Barcellos


Cerqueira, membro da Associação dos Deficientes Físicos do Rio de Janeiro11.
Encontrando-se na condição de consultor da CNAIPD, o coronel aparece na lista de
participantes no Relatório de Atividades e tem colaboração ativa na Comissão, como
sugere o indício de sua participação, na ata da 7ª reunião ordinária, na discussão
sobre a “Lei Pró-Deficientes” que se debatia na Câmara dos Deputados
(MENSAGEM..., 1981).

Entretanto, nas condições de consultor e de participante de uma subcomissão,


esses integrantes não tinham direito a voto na Comissão. Assim, a mesma
participação que indica rupturas com a postura paternalista, sugere que o modelo
social e o lema do AIPD, “igualdade e participação plena”, não eram adotados
integralmente.

Assim, a entrada de José Gomes Blanco, membro da Coalizão Nacional, na


CNAIPD, colocou em evidência essas contradições. Segundo, Almeida, no Relatório
da Comissão

[...] consta o nome do único representante da Coalizão Nacional de Entidades


de Pessoas Deficientes, Sr. José Gomes Blanco. E, segundo Sassaki apud
Lanna Junior (2010), foi ainda fruto de muita pressão, sobretudo do Núcleo
de Integração de Deficientes (NID). (2019, p. 42)

A admissão de Blanco na Comissão pode ser identificada na ata da 9ª reunião


da CNAIPD (MENSAGEM..., 1981). Informa esse documento que, após fazer um
breve histórico da Coalizão Nacional, a presidente Helena Bandeira de Figueiredo
tratou das reivindicações dessa entidade.

A primeira era referente ao pedido, por parte da coalizão, de que um elemento


da entidade fizesse parte da Comissão Nacional. Esclareceu a presidente que
eles já faziam parte das Subcomissões, mas que achavam que uma
participação mais direta facilitaria a integração dos trabalhos dessa entidade
com a Comissão Nacional. Disse a presidente ter esclarecido que a maneira
mais rápida da inclusão desse elemento na Comissão Nacional seria como
consultor, uma vez que a modificação do decreto presidencial demoraria e,
como já estávamos no meio do ano, acreditava que a primeira solução fosse

11Este nome surge nas atas das reuniões, mas na dissertação de Idari Alves Silva (2002), a entidade
aparece como Associação dos Deficientes Físicos do Estado do Rio de Janeiro (ADEFERJ) (p. 42).
a mais aconselhável. Leu a seguir o teor do pedido feito pela Coalizão e
colocou-o em discussão. (MENSAGEM, 1981, p. 49)

A reunião cessa com o acordo feito, com consenso, de que Blanco integrasse
a Comissão como consultor, mas, para que pudesse ter poder de voto, fariam o pedido
de aditamento ao decreto presidencial para a inclusão desse como representante de
sua entidade. Esse aditamento ocorreu em 3 de dezembro do corrente ano, com o
decreto n. 86.692 (BRASIL, 1981), acrescentando, ao artigo 2º do decreto que instituiu
a comissão, o inciso X, que admitia na CNAIPD “um representante da Coalizão
Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes”.

Nesse sentido, é notável que a participação de Blanco tenha sido menos


incisiva do que gostaria a coalizão, visto que não teve poder de voto durante as
reuniões seguintes, sendo provável que tenha tido somente na última reunião da
CNAIPD que ocorreria no mês em que houve a modificação do decreto. Ademais, a
leitura de Crespo (2009) dá a entender que a suposta harmonia com que ocorreu a
admissão do representante da coalizão precisa ser relativizada.

Segundo a Ata da 9ª reunião (MENSAGEM..., 1981), a presidente da CNAIPD


teria realizado, informalmente, uma reunião com os membros da Comissão Executiva
da coalizão, onde esses expuseram suas reivindicações, demonstrando certo diálogo
com a entidade. Entretanto, os conflitos parecem ter sido mais presentes que o
diálogo. Segundo Crespo, “o NID, em carta, com título ‘Mais iguais’, publicada em
28/01/81, na seção ‘A Palavra do Leitor’, do jornal Folha de S. Paulo, comenta a
atitude arrogante de Helena Bandeira de Melo” ao recusar-se a conversar com
membros dessa entidade em um evento em Bauru (2009, p. 161). Ademais, Idari Silva
(2002) também destaca a dimensão do conflito. Segundo esse,

Em edição especial, o boletim informativo do MOVIMENTO PELOS


DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES, com data de junho de 1981,
transcreve vários documentos entregues ao então presidente da República,
General João Baptista de Oliveira Figueiredo, e à Presidente da Comissão
Nacional do Ano Internacional, Sra. Helena Bandeira de Figueiredo [...]. O
teor dos documentos é de profunda indignação frente ao desrespeito das
autoridades e da Comissão para com as pessoas deficientes ou
representantes das entidades na Comissão e da falta de respeito da
presidente da Comissão em não atender, não responder correspondência e
não permitir aos deficientes presentes nas reuniões nenhum direito a emitir
opinião, apenas ouvir. (SILVA, 2002, p. 42-43)

Além disso, renegando a Comissão, em dezembro de 1980, um evento com


palestra de Romeu Sassaki foi realizado em Ourinhos (São Paulo) como abertura
paralela do AIPD (CRESPO, 2009).
Em contraste a esses indícios das práticas calcadas no modelo médico, o
Relatório de Atividades da CNAIPD destaca “A NECESSIDADE DE AUMENTAR A
COMPREENSÃO DA SOCIEDADE, sensibilizando-a para perceber que a deficiência
nada mais é do que uma relação entre a pessoa e seu meio ambiente” (BRASIL, 1981,
grifo no original). Além disso, apresenta entre suas prioridades o “máximo de
integração e participação ativa de pessoas deficientes em todos os aspectos da vida,
econômica, político e social de sua comunidade” (BRASIL, 1981).

A relação entre o indivíduo e o ambiente como interação imprescindível para a


existência da deficiência - em situações em que há a desigualdade entre a capacidade
daquele e a acessibilidade desse - é, como já foi dito, uma premissa básica do modelo
social. Ademais, a participação política efetiva também pode ser tida como base das
práticas ligadas a esse modelo.

Consideramos a aceitação dessa premissa em um documento oficial do


governo brasileiro um avanço em direção ao modelo social da deficiência. As
contradições internas são claras quando observamos as práticas descritas até aqui –
podendo ser entendidas como lutas de representação. Entretanto, compreendemos
que isso não anula a importância de a Comissão admitir a deficiência como fruto da
relação entre um indivíduo e um ambiente pouco sensível à diversidade humana. A
Mensagem da APAE, por exemplo, em sua edição de número 29, traz na Conversa
com o leitor que

O relatório geral da CNAIPD apresentado pela Dra. Helena Bandeira de


Figueiredo dá-nos os planos de Ação a curto, médio e longo prazos relativos
ao deficiente. Temos a obrigação de conhecê-lo para funcionar como um
elemento de ação e cobrança. (MENSAGEM..., 1982)

Assim, o Relatório, nesse período, criou um precedente oficial para cobranças


futuras acerca dos projetos e decisões que se relacionavam às pessoas com
deficiência.

Por fim, podemos elencar que a presença do Dr. Justino Alves Pereira na
CNAIPD desde o começo de suas atividades também não teve para a FENAPAES o
efeito desejado pela instituição. No texto intitulado “Reflexão sobre o Relatório da
Comissão Nacional para o Ano das Pessoas Deficientes”, publicado no ano seguinte
ao AIPD, a revista institucional da FENAPAES destaca o desapontamento com a
CNAIPD. O autor do texto, que afirma ter participado da Comissão Municipal do Rio
de Janeiro, que teria realizado um “trabalhado meticuloso e digno de ser levado a
sério”, diz ter sido “envolvido por uma onde de frustração” ao ler o Relatório da
CNAIPD (MENSAGEM..., 1982, p. 18).

A leitura do Relatório da Comissão dá, entretanto, ideia muito diversa da


realidade. Fala demais no que deve ser feito, coisa já por demais sabida antes
de qualquer Comissão funcionar. Aborda, sem a profundidade que devia, o
que foi feito no ano dedicado ao DEFICIENTE. (MENSAGEM..., 1982, p. 19)

É interessante que à má atuação da CNAIPD o autor da crítica contrasta, além


da Comissão Municipal do Rio, a “valorosa” atuação dos presidentes Castello Branco,
Costa e Silva e Médici, que durante a ditadura teriam apoiado as APAES12. Assim,
para o autor o problema não era a atuação do Estado como um todo - mesmo o
presidente Figueiredo foi elogiado nessa conjuntura –, a frustração da Federação
estava canalizada para a Comissão Nacional e a alguns ministérios e secretarias
(MENSAGEM..., 1981).

6. Considerações Finais

A análise da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes,


sob a ótica das representações coletivas, permite inferir que, não obstante às críticas
elaboras pelas entidades de e para pessoas com deficiência, houve a consideração
do modelo social na elaboração do seu Relatório de Atividades, mesmo que não
declarado explicitamente nas atas da comissão. Isso demarca nessa conjuntura um
avanço das discussões acerca da participação das pessoas com deficiência no Brasil,
embora, em meio às contradições internas da comissão – traduzidas como lutas de
representação entre as permanências e rupturas com o modelo médico - a
participação efetiva desse grupo não tenha ocorrido como esperava movimento
político de PCD’s.

A participação de representantes das entidades para pessoas com deficiência,


como podemos ver, também não se conformou como garantia da concretização dos
objetivos dessas instituições durante o AIPD. A FENAPAES declara abertamente sua
insatisfação com a não promulgação da Lei dos Excepcionais, que era a principal meta

12
A relação entre a FENAPAES e a ditadura brasileira (1964-1985) foi objeto de estudo no artigo “A
Federação Nacional das APAES no contexto da Ditadura Civil-Militar no Brasil: construção da
hegemonia no campo da educação” (RAFANTE; SILVA; CAIADO, 2019), que denotou a íntima relação
entre a instituição e o governo militar vista, por exemplo, na presença de militares na presidência da
Federação e na concessão de títulos de sócios-beneméritos a presidentes da Ditadura.
da Federação ao adentrar a Comissão Nacional. Nesse sentido, a revista Mensagem
da APAE foi fundamental para observar as expectativas e o posicionamento interno
das APAEs quanto às atividades da Comissão.

Ademais, as fontes e a bibliografia permitiram analisar como as entidades de e


para pessoas com deficiência relacionaram-se com as formas de representação da
deficiência. Como a leitura sobre a deficiência variou entre essas organizações,
aproximando ou afastando-se das representações elaboradas segundo o modelo
médico da deficiência.

Por fim, a leitura das atas foi importante para dimensionar a participação das
pessoas com deficiência na Comissão, sendo possível perceber que a crítica da
Coalizão Nacional tinha por base a formação da CNAIPD sem representantes dessa
organização, mas isso não necessariamente implicou na ausência de PCD’s em
subcomissões ou no papel de consultor da Comissão.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Késia Pontes de. Do assistencialismo à luta por direitos: as pessoas com
deficiência e sua atuação no processo de construção do texto constitucional de 1988.
Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia,
2019.

AMORIM, Joyce; RAFANTE, Heulalia; CAIADO, Kátia. A organização política das


pessoas com deficiência no Brasil e suas reivindicações no campo educacional. In:
Revista Educação Especial, v. 32, p. 1-26, Santa Maria, 2009. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.5902/1984686X38129. Acesso em: 20 jun. 2022.

BEZERRA, Giovani Ferreira. A Federação Nacional das Apaes e seu periódico (1963-
1973): estratégias, mensagens e representações dos apeanos em (re)vista. Tese
(Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da
Grande Dourados, Dourados, 2017.

CARVALHO. Francismar Alex Lopes de. O conceito de representações coletivas


segundo Roger Chartier. In: Diálogos, Universidade Estadual de Maringá, v. 9, n. 1, p.
143-165, Maringá, 2005. Disponível em:
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/41423/21739. Acesso
em: 01 jul. 2022.

CHARTIER, Roger. Defesa e ilustração da noção de representação. In: Fronteiras,


Dourados, v. 13, n. 24, jul-dez, 2011, p. 15-29. Disponível em:
https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/view/1598. Acesso em: 20 set.
2022.

CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In: Estudos Avançados, vol. 5, n.


11, p. 173-191, 1991. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-
40141991000100010. Acesso em: 27 jun. 2022.

CRESPO, Ana Maria Morales. Da invisibilidade à construção da própria cidadania: os


obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com
deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. Tese (Doutorado
em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

DINIZ, Debora. O que é deficiência. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.

GOHN, Maria da Glória. Abordagens teóricas no estudo dos movimentos sociais na


América Latina. In: Caderno CRH, v. 21, n. 54, p. 439-455, set/dez, Salvador, 2008.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
49792008000300003. Acesso em: 26 set. 2022.

JÚNIOR, Lanna; MARTINS, Mário Cléber (Comp.). História do Movimento Político das
Pessoas com Deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos.
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.

LUCA, Tania Regina. Fontes impressas: História dos, nos e por meio dos periódicos.
In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2008, p. 111-
154.

NALLIN, Araci. Reabilitação em Instituição: suas razões e procedimentos. Análise de


representação do Discurso. Brasília, Coordenadoria Nacional para Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), 1994.

RAFANTE, Heulalia; SILVA, João Henrique; CAIADO, Kátia. A Federação Nacional


das Apaes no contexto da Ditadura Civil-militar no Brasil: construção da Hegemonia
no campo da Educação Especial. In: Arquivos analítico de políticas educativas,
Arizona State University, v. 27, n. 64, 3 jun. 2019. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.14507/epaa.27.4474. Acesso em: 20 jun. 2022.

ROCHA, Eucenir Fredini. Reabilitação de Pessoas com Deficiência, a Intervenção em


discussão. São Paulo: Roca, 2006.

SILVA, Idari Alves. Construindo a cidadania: uma análise introdutória sobre o direito à
diferença. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002.

LISTA DE FONTES

ORGANIZAÇÂO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração dos Direitos das Pessoas


Deficientes, 1975. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf. Acesso em: 20 set. 2022.

BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Brasília, 1999. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em: 25 set.
2022.

BRASIL. Decreto n. 84.919, de 16 de julho de 1980. Brasília, 1980. Disponível em:


https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-84919-16-julho-
1980-434246-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 jun. 2022.

BRASIL. Decreto n. 86.692, de 3 de dezembro de 1981. Brasília, 1981. Disponível em:


https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-86692-3-dezembro-
1981-436423-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 07 out. 2022.

BRASIL. Ministério de Estado da Educação e Cultura. Comissão Nacional do Ano


Internacional das Pessoas Deficientes. Relatório de Atividades Brasil. Brasília, 1981.
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002911.pdf.
Acesso em: 20 jun. 2022.
MENSAGEM da Apae. X Congresso: 2500 participantes em Belo Horizonte. Ano 8, n.
25, jul.-set., 1981.

MENSAGEM da Apae. X Congresso da Federação Nacional das APAEs. Ano 8, n.24,


abr.-jun., 1981.
MENSAGEM da Apae. 1979 Ano Internacional da Criança. Ano 6, n. 18, out-dez, 1979.

MENSAGEM da Apae. 1.981 Ano Internacional das Pessoas Deficientes. Ano 7, n.


22, set.-dez., 1980.

MENSAGEM da Apae. A educação do excepcional. Ano 9, n. 27, jan.-mar., 1982.

MENSAGEM da Apae. APAE de São Paulo cria projeto para Centro Residencial. Ano
7, n. 20, abr.-jun., 1980.

MENSAGEM da Apae. As novas perspectivas para o excepcional debatidas no


Congresso das APAEs. Ano 6, n. 17, jul.-set., 1979.

MENSAGEM da Apae. Na próxima edição: 20 Anos da Federação Nacional das


APAES. Ano 9, n. 29, jul.-set., 1982.

MENSAGEM da Apae. Um depoimento de amor, Krynsid fala da prevenção da


deficiência mental. Ano 7, n. 19, jan.-mar., 1980.

Você também pode gostar