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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS - CCJE

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO - FND

ABRAÃO LINCOLN ARAUJO DOS SANTOS - DRE: 122047443

ANA BEATRIZ RODRIGUES DA SILVA CORDEIRO - DRE: 122052448

JULIA LOPES GALLO - DRE: 121038938

RAPHAEL SANTOS DA SILVA PEIXOTO - DRE: 122080831

MINUSTAH: MAIS UM CICLO DE VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS DA


POPULAÇÃO HAITIANA CAUSADA PELA INTERVENÇÃO DE AGENTES
INTERNACIONAIS

Rio de Janeiro - RJ

2023
RESUMO

Este trabalho crítico tem como objetivo analisar os impactos da intervenção da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) em 2004 devido ao momento de
instabilidade política, social e econômica que o país convivia há tempos e se intensificou à
época. A intervenção militar, ainda que tenha obtido alguns indícios de sucesso, foi usada
para ocultar abusos de poder, abusos sexuais por parte das tropas para com a população, e
a postergação do firmamento do Estado Democrático de Direito no país que foi a primeira
colônia latino-americana a conquistar a independência junto do fim do regime escravocrata
mas, ainda assim, ao longo de sua história continuou a ser dominado por países
imperialistas que, por interesse econômico, continuaram a intervir no território haitiano para
impedir a estabilidade da nação a ponto de não ser mais explorada por terceiros. Assim, o
trabalho busca resgatar desde a conjuntura que levou o Haiti à tamanha fragilidade até os
efeitos decorrentes de mais uma intervenção de terceiros no controle da nação.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...............................................................................................................3

2. RAZÕES DA CONJUNTURA DE INSTABILIDADE NO HAITI ...........................3

3. A RESPOSTA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU .................................4

4. COALIZAÇÃO DE FORÇAS ......................................................................................5

5. A INTERVENÇÃO DA MINUSTAH ...........................................................................7

6. CRÍTICAS FORMULADAS ACERCA DA INTERVENÇÃO .................................8

7. EFEITOS GERADOS PELA PRESENÇA DA MINUSTAH NO TERRITÓRIO


HATIANO .......................................................................................................................12

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………………………………………………13

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1. INTRODUÇÃO

A história do Haiti, marcada por instabilidade política, desastres naturais e tensões


sociais, levou à intervenção internacional liderada pela ONU. Este trabalho propõe uma
análise crítica do contexto histórico que antecedeu a presença das forças de paz no país,
examinando as condições sociopolíticas e econômicas que demandaram a intervenção das
Nações Unidas.

Ao longo das décadas, o Haiti enfrentou desafios estruturais, desde golpes de estado
a desastres naturais devastadores, exacerbando a pobreza e a instabilidade política. A criação
da missão em 2004 marcou um ponto crucial na história do país, representando um esforço
internacional para restaurar a ordem e promover a estabilidade.

O presente trabalho também investigará a estrutura da missão, examinando suas


operações, objetivos e a composição das forças de paz. Além disso, serão abordadas as
críticas levantadas em relação à eficácia e impacto da presença internacional no Haiti,
explorando questões de soberania, alegações de abusos por parte das forças de paz e a
limitação na implementação de soluções duradouras para os desafios enfrentados pelo país.

Por meio desta análise crítica, busca-se oferecer uma compreensão mais abrangente da
intervenção no Haiti, avaliando seu papel no contexto haitiano.

2. RAZÕES DA CONJUNTURA DE INSTABILIDADE NO HAITI

A nação, que se encontra na mesma ilha caribenha que a república dominicana, tem
um histórico conturbado desde sua formação desde sua colonização iniciada pela Espanha e
depois seguida pela França, no fim do século XVII, após isso a colônia passou por um
processo de revolução em busca da independência do país e o fim da escravatura que era a
base da forte economia açucareira da colônia de São Domingos, como era chamado à época,
sendo a primeira das Américas que conquistou tal feito.

O processo, inspirado no que havia recentemente acontecido nos Estados Unidos, foi
iniciado pela burguesia branca que buscava não estar mais sujeita às taxas e decretos vindos
do continente europeu visto que a produção de açúcar prosperava cada vez mais e eles queria

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aumentar seus lucros. No entanto, ao ver os senhores se rebelando, os escravizados viram
uma oportunidade de liberdade, e tomaram a frente do movimento em busca também do fim
da escravidão no país, o que levou á primeira insurreição ainda em 1791. Já em 1793, em
meio ao conflito entre França e Inglaterra, São Domingos foi invadida, e, assim para
aumentar as tropas de defesa, houve o primeiro decreto de abolição da escravidão, que ainda
assim não foi suficiente para realmente abolir a população negra.

Em 1803, já com Napoleão no controle da França e suas colônias, novamente devido


aos conflitos com a Inglaterra, o hoje Haiti ficou sem o controle necessário para reprimir
revoluções pela independência e pela abolição, sendo a última batalha em 18 de novembro de
1803, a Batalha de Vertieres.

Assim, a partir do século 19 a luta da nação passou a ser tentar ter sua soberania
reconhecida, frustrar tentativas de invasão por países imperialistas que buscavam se
estabelecer a fim de lucrar recursos do território e criar um ambiente socioeconômico
próspero após a destruição causada por anos de lutas pela independência

A primeira ocupação foi pelos Estados Unidos em 1915, após seis presidentes terem
passado no poder em quatro anos e a hegemonia da comunidade alemã sobre domínio de
grande parte da economia local incomodar, uma vez que o momento era em que a 1º Guerra
Mundial acontecia e os EUA estava em lado contrário à Alemanha. Assim, o domínio
americano começou em 1915 e teve fim apenas em 1947.

A partir de então, o país começou uma série de governos ditatoriais e golpes de


estado, chegando em 2004 com um rompante de violência devido à tensão política instaurada
com a eleição do Presidente Jean-Bertrand Aristide. Foi quando o Conselho de Segurança da
Nações Unidas decidiu intervir por meio da Resolução 1542 de 2004.

3. A RESPOSTA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Era janeiro de 2004 quando a oposição do presidente começou a se fortalecer e tomar


as ruas das cidades haitianas em protestos por muitas vezes violentos, mas foi em 5 de
fevereiro que a cidade de Gonaives foi tomada pelo grupo paramilitar organizado que tomou
o país do controle das forças legítimas, levantando uma onda de violência estapafúrdia, uma
vez que não havia autoridade policial em exercício. Dentro de dias tomaram Cap-Haitien,

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segunda maior cidade, e já buscavam tomar a capital Porto Príncipe quando em 29 de
fevereiro de 2004 Aristides renunciou ao cargo e saiu do país.

O Conselho de Segurança da ONU, com base no Capítulo VII da Carta da ONU


(intervenção para restabelecer a segurança, a ordem ou a paz), já em 30 de abril de 2004 já
havia votado e aprovado a resolução que instaurava a Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (MINUSTAH), sendo assim uma resposta muito célere para a crise
vivida pela nação caribenha com atribuições como apoiar a restauração da Polícia Nacional
Haitiana, a segurança pública e a lei, proteger civis de violência e monitorar as condições de
direitos humanos.

4. COALIZAÇÃO DE FORÇAS

Conforme pôde ser evidenciado, após a ascensão do médico sanitarista Jean-Bertrand


Aristide à presidência do Haiti em 1990, as eleições que se sucederam foram marcadas por
diversas crises políticas e acusações de deslegitimação democrática. Isso pois, uma vez eleito
democraticamente em seu primeiro mandato, utilizou-se de discursos demagógicos durante
um período de instabilidade política no Haiti, prometendo uma “reconstrução democrática”
do país, incluindo a implementação de reformas econômicas e sociais, a promoção da
democracia e o combate à corrupção (PIERRE-CHARLES, 2004).

Sua trajetória no poder ocorreu de forma instável, pois com o início do confronto
armado na cidade de Gonaïves e sua disseminação no território haitiano, Aristide assinou
então uma carta de renúncia e solicitou asilo na África do Sul, sendo substituído por Boniface
Alexander, que anteriormente havia sido Chefe de Justiça do país. O presidente interino
apelou às Nações Unidas por assistência imediata. O Conselho de Segurança das Nações
Unidas realizou, portanto, uma sessão extraordinária para discutir medidas a tomar à luz da
deterioração da situação política e da violência generalizada no país. Como resultado, a
Resolução 1529 (2004) previu o estabelecimento de uma força multinacional provisória de
manutenção da paz a ser enviada ao território haitiano no dia seguinte. A força de
manutenção da paz, composta pelos Estados Unidos, França, Chile e Canadá, pretendia
garantir que Bonifácio tivesse uma capacidade mínima de governação e preparar a chegada
de tropas de uma nova operação de paz, a MINUSTAH, que mais tarde seria autorizada pela
resolução 1542 (2004).

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Com a Resolução 1542 (2004), a missão de paz MINUSTAH ficou responsável
realizar a manutenção do processo político e constitucional haitiano. Nesse sentido, a missão
não visava criar a paz no Haiti, mas reintegrar a paz que já existia através do apoio à
mediação e à conciliação dos partidos políticos já existentes, do auxílio nas questões
logísticas e administrativas que eram demandadas pelas eleições e pelo auxílio na governança
do país. Entretanto, não foi um papel fácil, pois o cenário político do Haiti possuía
complexidades que dificultaram a atuação da MINUSTAH no que tange a reconciliação
partidária. Houve a necessidade de ser criado, em conjunto com programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento, o projeto de Diálogo Nacional, que possuía o objetivo fornecer
uma visão geral da situação política no Haiti e, ao reconhecer os atores políticos existentes,
permitir o início de um diálogo entre eles, sendo constituído por 12 membros de diversos
setores da sociedade e de grupos políticos (TORCHIARO, 2007).

Em sequência, foi necessário concentrar forças para os momentos de mais


instabilidade social, qual seja, o período de eleições. Utiliza-se como exemplo os diversos
ataques à sede do Conselho Eleitoral Provisório durante as tentativas de eleições tidas no
final de 2005. Foi por esse motivo que a MINUSTAH teve o incremento de suas tropas nos
períodos de eleição autorizado pelo Conselho. Ademais, as instabilidades entre outras
organizações e a MINUSTAH, como a OEA, dificultaram a efetivação dos objetivos da
missão de forma célere. Conforme estabelece Torchiaro, as dificuldades gerenciais entre a
OEA, responsável pelo recenseamento eleitoral, os Centros de Votação Provisórios e a
MINUSTAH implicaram no adiamento das eleições de 2005, ocorrendo apenas no início de
2006. A MINUSTAH, portanto, desempenhou um papel crucial na garantia da segurança das
eleições em 2006, trabalhando em estreita colaboração com a Polícia Nacional Haitiana. No
entanto, a situação da PNH era preocupante e necessitava de reformas significativas para
garantir a eficácia e a confiança no papel da polícia nas eleições e na manutenção da
segurança no Haiti, pois contava com profissionais não capacitados, entre outros problemas
institucionais.

Por fim, é válido ressaltar a forma com que a missão vem impactando a situação
econômica e financeira do Haiti em conjunto com o Poder Executivo do país. Os esforços da
Missão nesse sentido incluem projetos de alto impacto, como aquele em que os atores
financeiros locais receberam oito semanas de treinamento no Ministério da Economia e
Finanças (TORCHIARO, 2007, p. 59). Através destes projectos, a MINUSTAH contribuiu

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para a expansão do poder nacional. No domínio legislativo, esta missão apoia o Presidente da
Câmara dos Deputados e o Presidente do Senado no seu trabalho diário. Também coordena a
ajuda internacional e facilita reuniões regulares a nível técnico e político entre doadores e
autoridades nacionais.

5. A INTERVENÇÃO DA MINUSTAH

Tendo em vista a faceta multidisciplinar da crise vigente no Haiti, a MINUSTAH,


proporcionalmente possuiu caráter multifacetado. Dessa forma, são inúmeros os mecanismos
estruturantes, entre tais, operações de apoio ao governo e de condução de programas de
desarmamento populacional.

Tais projetos objetivaram, primordialmente, a garantia da segurança e a instauração do


procedimento eleitoral determinado pelo texto constitucional haitiano. Para tal, dessa forma,
houve um projeto de reformulação da Polícia Nacional, a qual era caracterizada à época como
instituição extremamente permeada pela corrupção e que facilitava o acesso à armas pelos
grupos paramilitares.

Apesar da multidisciplinaridade anteriormente mencionada, o mandato da Minustah


perseguiu os eixos determinados pela Resolução 1542 de 2004, esses são : segurança,
processo político e direitos humanos. Em primeiro momento, conforme leciona Mariana
Dalalana, houve um predomínio do aspecto político na missão, de forma que a estruturação
de um processo eleitoral democrático foi a primeira preocupação assumida no mandato. Em
seguida, o enfoque da MINUSTAH tornou-se perante a segurança, foi nesse momento que os
olhos da ONU voltaram-se ao processo de desmobilização armamentista de grupos paralelos
e reestruturação da polícia Nacional. Após a pacificação, ganha os holofotes o projeto de
fortalecimento das instituições haitianas, de forma a garantir diretamente o último aspecto
abordado na resolução responsável pela criação da missão de paz no Haiti.

Nesse aspecto, há uma complexação da MINUSTAH, a qual nasce como operação


para a manutenção da paz, mas adquire aspectos de missões construtoras da paz. Devido a tal
complexação, há uma forte ampliação do número de militares presentes no território e, por
consequência, da configuração da missão, a qual, nesse momento, possui secretaria geral,
diversos centros - como o legal, da análise da missão e conduta- e numerosos escritórios e
setores.

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Há de se destacar o “Core Group”, grupo de países centrais e determinantes na
condução da MINUSTAH, o qual o Brasil pertenceu. O exército brasileiro foi inserido na
missão posteriormente e junto com Argentina e Chile, formou o chamado “ABC”, o qual,
inicialmente, ansiava pela manutenção da segurança e estabilidade no território. No entanto, a
atuação dos referidos países ganhou destaque pelos programas de reformulação da estrutura,
saúde pública e construção civil. Inclusive, a participação dos países do Cone Sul foi
determinante para a MINUSTAH, principalmente, na fase posterior da missão, época na qual
essas nações possuíram, conjuntamente, mais de três mil militares.

6. CRÍTICAS FORMULADAS ACERCA DA INTERVENÇÃO

As diretrizes que orientaram a política externa parecem, à primeira vista, estar


comprometidas com a defesa da democracia e a promoção de uma globalização solidária e
humanista. No entanto, uma análise crítica sugere que a implementação dessas diretrizes pode
ser questionável. A busca por um continente politicamente estável, socialmente justo e
economicamente próspero, embora nobre em teoria, levanta dúvidas sobre a eficácia das
ações concretas para alcançar tais metas.

Além disso, é válido analisar a concordância ou confronto dessas diretrizes com os


interesses nacionais, e em determinadas situações, questionar se podem ser interpretadas
como uma manifestação velada de projeção de poder.

A intervenção do CSNU no Haiti, apresenta falhas desde a sua motivação, que


segundo Vasconcelos, visava proporcionar um ambiente seguro, estável social e
economicamente, auxiliar no desenvolvimento do processo político que estava sob constantes
embates entre as oposições, e principalmente, atender as demandas relacionadas ao respeito
aos Direitos Humanos.

A falha na motivação é nítida quando analisamos o histórico intervencionista no Haiti.


A partir dos ano de 1990 até o CSNU intervir com a MINUSTAH, o Haiti sofreu 4
intervenções, que de acordo com Vasconcelos, nos aspectos sociais, políticos e econômicos
foram absolutamente mal sucedidas. A MINUSTAH, não era verdadeiramente preocupada
com a nação, mas com a mensagem que devia ser passada, a ideia de que as intervenções tem
todo o potencial para serem bem sucedidas, sobretudo em nações que não estão
historicamente alinhadas com o que é, ocidentalmente, considerado exemplo civilizatório.

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Em outro trecho, neste mesmo documento (S/2004/300:35), o
Secretário-Geral, reforçando o discurso, que se apóia sobre a
conturbada história haitiana, uma vez mais se lamenta pela ineficácia
das intervenções anteriores, mas concomitantemente apresenta esse
momento, de ocupação da MINUSTAH, como uma nova
oportunidade para a comunidade internacional se redimir de seus
fracassos, deixando também evidente que o ônus de um outro
fracasso recairá, em última instância, sobre o Haiti:

Es de lamentar que en este año en que celebra su bicentenário


Haití tenga que recurrir una vez más a la comunidad internacional
para que la ayude a superar una grave situación política y de
securidad. Hace 11 años las Naciones Unidas, junto com a OEA,
enviaron a Haití una misíon y más adelante las Naciones Unidas
desplegaron otra misión para ayudar a las autoridades locales a
desarrollar la capacidad socioecómica e instituiciones eficaces y
democráticas. La última misión de las Naciones Unidas terminó en
2001. En retrospectiva, nuestra participación fue demasiado breve y
tropezó con demasiados obstáculos internos e internacionales. Ahora
la comunidad internacional tiene otra oportunidad de ayudar a Haití y
a su pueblo en la transición hacia un futuro pacífico y democrático ya
decidir su próprio destino [...] nuestra tarea no será fácil. La situación
parece más difícil hoy en dia que hace um decênio. [...] Por último, el
êxito o el fracaso de Haití será em última instancia responsabilidad
de Haití. (Grifos nossos).

A citação deixa claro ainda que, em eventual falha na intervenção, essa deve ser
atribuída diretamente a nação, transmitindo a ideia que o Haiti em momento algum conseguiu
se firmar politicamente ou sequer enquanto sociedade, e sempre teve a necessidade de
recorrer a ajudas de outros Estados, principalmente os de histórico imperialista, que
altruisticamente sempre se dispuseram a ajudar, não sendo a nação haitiana capaz o suficiente
de estar alinhada com a intenção externa e aceitar o que é melhor para ela. Essa ideia de
considerar a nação haitiana seres incapazes de manter a ordem é uma visão já criticada por
outros autores. Vasconcelos, por exemplo:

Podemos buscar em SCARAMAL (2006:11) um esclarecimento


dessa perspectiva:

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Talvez por ser o primeiro país das Américas a conquistar sua
independência por escravos insurretos (1791-1804) – em um continente no
qual os países tinham por base econômica a utilização da mão-de-obra
escrava -, o Haiti passou a ser o arquétipo da perturbação da ordem. Talvez
por ter criado uma religião amalgamada em ritos pagãos, passou a ser o
reino da desordem. Sabe-se, porém, que, até os dias de hoje, aos haitianos
não foi concedida a entrada – de forma cabal – à condição humana.
Acreditamos que, muito embora o considerável distanciamento temporal,
como indica a autora supracitada, o haitiano, ou melhor, as representações,
bem como as identidades haitianas são, ainda hoje, indissociavelmente
ligadas a essas experiências revolucionárias e religiosas, utilizadas, quer na
historiografia, quer na literatura, para localizá-los à margem da ‘condição
humana’, tornando-os, por este viés, incapazes/impossibilitados portanto, de
exercer sua soberania política...

E provando esse ponto, “Dag Hammarskjöld, Secretário-Geral da ONU no período de


1953-1951, cita em seu trabalho: “A ONU não foi criada para nos trazer o céu, mas para nos
salvar do inferno.”” (VASCONCELOS, 2009).

Com base nos aspectos citados, por óbvio verifica-se que a preocupação maior da
ONU não era solucionar os problemas políticos de maneira ratificada pela nação, e sim tentar
implementar um modelo de intervenção que, dando certo, serviria de modelo para novas
possíveis intervenções, a fim de manter os parâmetros de civilização ocidental, e que dando
errado, seria justificado com o argumento de que a nação não é suficientemente preparada
para implementação de tal modelo civilizatório.

Ademais, pertinente crítica se encontra no âmbito do (des)respeito aos Direitos


Humanos. Partindo da premissa que a MINUSTAH é tudo aquilo que se espera no sentido
positivo, ou seja, garantidora da paz e do equilíbrio, promotora dos Direitos Humanos e que
esses são os únicos objetivos da missão, outra falha se mostra presente no período da
intervenção.

De acordo com Braga e Toledo, o abuso sexual no Haiti à época da intervenção, teve
inúmeros desdobramentos, não se resumindo ao abuso físico de forma direta e coercitiva.
Para além disso, em razão do estado de vulnerabilidade em que se encontrava o país,
aumentou substancialmente o número de abusos sexuais em troca favores, dinheiro,
alimentos, etc., e como resultado, a ONU redefiniu seu significado de abuso sexual,

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Desse modo, a organização define abuso sexual como “qualquer abuso ou
tentativa real que se comete tendo como fundamento uma posição de
vulnerabilidade, diferença de poder ou situação de confiança entre as
pessoas, para se obter vantagens sexuais. Isto inclui, porém não se limita a,
benefícios monetários, sociais ou políticos da exploração sexual de uma
pessoa” (ONU, 2003 [tradução nossa]).

Além disso, alegam também os autores, que o número de exploração sexual com a
cafetinagem, tráfico e escravização sexual na chamada “Economia de Peacekeeping”, termo
usado para se referir justamente a esse aumento na exploração sexual, devido a crescente de
demanda por serviços de prostituição com a chegada de militares estrangeiros. Em razão
disso, os autores apontam que houveram inúmeros casos de tráfico de pessoas que eram
seduzidas com ofertas enganosas de empregos, e eram, no fim, exploradas sexualmente.

Apesar do compromisso com a proteção aos cidadãos assumido no mandato,


a partir de 2004 surgiram várias acusações acerca de abusos cometidos
contra meninas e mulheres. À guisa de exemplificação, segundo
informações levantadas por Paisley Dodds (2017), ao menos 150 alegações
de abuso e violência sexual por parte de peacekeepers foram reportadas
entre 2004 e 2016. Há, por exemplo, o caso dos 134 soldados do Sri Lanka
acusados de traficar sexualmente nove crianças. Desse total, 114 foram
mandados de volta para casa, porém nenhum foi condenado (DODDS,
2017).

Além disso, tais crimes eram pouco mencionados, maquiados talvez pelo cenário que
compunha a situação, e pela distribuição das relações de poder.

É crucial destacar que a liderança do exército brasileiro na MINUSTAH recebeu


críticas significativas de diversos setores da comunidade internacional. Parlamentares que se
opuseram à intervenção argumentaram que as questões de segurança interna do país deveriam
ter prioridade sobre intervenções estrangeiras. No entanto, é conhecido que a extrema
pobreza e a fome representam uma ameaça à paz e à segurança, minando fundamentalmente a
convivência entre povos e nações. Esses problemas são parte de uma realidade estrutural,
abrangendo aspectos econômicos, sociais e culturais, que prejudica a plena realização da
dignidade humana. A defesa do ser humano pressupõe valores éticos, e a dignidade da
pessoa, assim como a garantia dos direitos das nações, são princípios morais que transcendem
as meras normas jurídicas.

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Portanto, a análise crítica ressalta a necessidade de abordar essas questões não apenas
como desafios operacionais, mas como imperativos éticos e morais que demandam uma
abordagem abrangente e comprometida com o bem-estar humano e a justiça social.

7. EFEITOS GERADOS PELA PRESENÇA DA MINUSTAH NO TERRITÓRIO


HATIANO

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) teve efeitos
significativos para a economia e a segurança da população haitiana, bem como para o mundo
em geral. A Missão promoveu o investimento estrangeiro no Haiti, estabelecendo um
ambiente seguro e estável, o que atraiu investidores estrangeiros. Isso contribuiu para o
crescimento econômico do Haiti, pois os investimentos estrangeiros são capazes de trazer
capital, conhecimento e habilidades para o país. Além disso, a assistência técnica oferecida
pela Missão para os agricultores haitianos, ajudando-os a melhorar suas técnicas de cultivo e
a aumentar a produtividade, contribuíram para o crescimento da agricultura no Haiti, que é
uma das principais fontes de renda para a população. Em suma, a missão trabalhou para
promover o desenvolvimento inclusivo e envolver a inclusão de todos os membros da
sociedade na participação econômica, implicando na redução da pobreza e da desigualdade
no Haiti.

No que tange a segurança pública, a MINUSTAH teve um impacto significativo na


reestruturação da Polícia Nacional Haitiana (PNH). A missão ajudou a treinar os agentes da
PNH, o que melhorou a eficácia da polícia. Além disso, a missão auxiliou no estabelecimento
de um programa de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR), que é crucial para
a segurança pública. Foram realizadas, também, diversas operações em cooperação com a
PNH para conter a violência nas grandes cidades. Isso incluiu o patrulhamento ostensivo nas
favelas, ações para a detenção de líderes das principais gangues, criação de checkpoints nas
entradas e saídas das favelas, ações anti-sequestro e treinamento de novos policiais. Essas
operações contribuíram para restaurar, ainda que parcialmente, a confiança e o respeito da
população na Polícia Nacional. Em relação à segurança no processo eleitoral, a MINUSTAH
também foi responsável por garantir a ocorrência das eleições de 2006, apesar de alguns
incidentes terem sido registrados, sendo crucial para a estabilidade política do Haiti.

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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTE, F. Sucesso ou fracasso? Uma avaliação dos resultados da MINUSTAH.


e-cadernos CES, n. 06, 1 dez. 2009.

DALALANA CORBERLINI, M. Haiti: da crise à Minustah. pdf —Universidade Federal do


Rio Grande do Sul: [s.n.].

DINIZ, Eugenio. O Brasil e a MINUSTAH. O Brasil e a MINUSTAH, Minas Gerais, Brasil,


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https://www.researchgate.net/profile/Eugenio-Diniz-Costa/publication/267797091_O_Brasil_
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em: 13 dez. 2023.

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Minustah (missão das nações unidas para a estabilização do Haiti)-de 2004 a 2017.,
Florianópolis, p. 44-53, 1 jan. 2019. Disponível em:
https://1library.org/document/q7r1vwry-reforma-seguranca-durante-minustah-missao-nacoes-
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13
TOLEDO, Aureo.; BRAGA, Lorraine M. Abuso e exploração sexual em operações de paz: o
caso da MINUSTAH. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, 2020. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/ref/a/RDnBBGSDCQHczJ4XRzpx9nL/?format=pdf&lang=pt
Acesso em: 13 dez. 2023.

VASCONCELOS, Alex D. MINUSTAH - O Haiti sob supervisão do Conselho de Segurança


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https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/113/o/IISPHist09_AlexDonizeelos.pdf Acesso em: 13
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2004.

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