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Teoria Geral do Direito Civil II – Aulas Revistas

§ Aula 1 (21/02/2022)

1º - O Direito Civil contemporâneo emerge com o fim do sistema feudal – o sistema feudal
era marcado por relações institucionais, em que os Homens eram senhores de outros Homens
e não se aplicava o Direito Civil como conhecemos hoje (“from status to contract”). Não
havendo igualdade, nem autonomia privada.

2º - Com as Revoluções Liberais, acabam-se os Sistemas Feudais e emerge o verdadeiro


Direito Civil.

Este Direito Civil saído do antigo regime traz uma sociedade de Direito Privado: o Direito do
Homem comum (liberdade e igualdade).

3º - O Direito Europeu de Bruxelas trouxe um ataque à autonomia privada, transformando-se,


gradualmente, embora que não totalmente, num Direito Social.

4º - O Direito Civil atual é social, por uma constante busca de proteção da parte mais fraca (Ex:
Direito do Consumo, Direito Bancário, etc.) e por uma tentativa de equilíbrio das partes.
4ºa) – O Direito Civil Regulado (terceira fase) caracteriza-se pela emergência de
entidades de supervisão que controlam diariamente a atuação de algumas partes mais fortes
(Ex: bancos, seguradoras)

Direito Civil Privado – Direito Civil Social – Direito Civil Regulado

Art.º 227 do CC – culpa in contrahendo


Art.º 334 do CC – abuso de Direito

Nota: Para o regente – só em 1977 é que há Direito Civil Social com a equidade jurídica da
mulher casada perante o homem.

Direito Civil patrimonial – há cada vez menos autonomia


Direito Civil não patrimonial – há cada vez mais autonomia privada (Ex: aborto, casamento
homossexual, mudança de sexo)

- O nosso modelo jurídico atual é muito marcado pelos avanços políticos.

Autonomia Privada

A liberdade de constituir e de conformar situações jurídico-privadas, de acordo com a livre
vontade do sujeito, sem necessidade de fundamentar ou de explicar as suas opções.

Salvo algumas exceções, onde as partes são obrigadas a contratar, como por exemplo, serviços
mínimos bancários, águas, gás, eletricidade, etc.

Para António Menezes Cordeiro – “A autonomia privada é, ela própria, o produto de uma
atribuição da Ordem Jurídica”. Deixando a cada um o sentido que lhe quer dar, e à dogmática
jurídica a tarefa de construir um processo de realização que concretize, da melhor maneira, a
ideia básica do ordenamento.

Justificativas para a Autonomia Privada:



- Fundamentos éticos e político-sociais: a autonomia privada não é uma opção livre do Direito
Civil; ela corresponde a exigências da dignidade humana e da liberdade geral de cada um;
- Fundamentos económico-sociais: a História mostra que, sob regimes alargadas de
autonomia, consegue-se um máximo de equilíbrio social e de eficiência economia.

Ação Humana

A autonomia privada abre as portas à liberdade da ação humana – muitas vezes misturadas,
ambas abrem em universos distintos: sem prejuízo de a correta exploração da primeira
depender, em certa medida, do entendimento da segunda.

- A ação humana traduz o essencial da eficácia jurídica no campo civil, preenchendo a


autonomia privada. O Direito Privado surge, por definição, como uma zona de liberdade,
onde as pessoas são convidadas a agir.

Definição (de Manuel Gomes da Silva): “A ação humana não pode ser entendida como
puramente casual, no sentido de o agente provocar, de forma mecânica, determinadas
alterações no mundo exterior: a ação é final porque o agente, consubstanciado previamente o
fim que visa atingir, põe, na prossecução deste, as suas possibilidades.”
 Então,
Ação não-humana: traduz-se na sucessão mecânica de causa-fim, sendo este determinado por
aquela.
Ação humana: há uma prefiguração do fim que determina o movimento para o alcançar e os
meios para tanto selecionados: o próprio fim é a “causa”.

Nota: existe liberdade de estipulação, mas todo o conteúdo dos contratos tem limites (art.º
280 e 405 do CC)
§ Aula 2 (25/02/2022)

Princípio da Igualdade – tem pouca relevância no Direito Privado, por razões de


corporativismo, questões de tempo (que levam a opções de matérias lecionadas), etc.

Estudos sobre o princípio da igualdade:


O ponto de partida é o art.º 13 nº2 da CRP, que protege qualquer discriminação positiva ou
negativa (devendo ser utilizado, nomeadamente, para discutir quotas).
[Nota: até 1977 não existia a sociedade de direito privado em Portugal devido ao papel
submisso da mulher casada e os estatutos dos filhos ilegítimos – por exemplo, isto é suficiente
para justificar que antes do 25 de abril de 1974 não vigorava uma sociedade de direito privado
em Portugal.]

Notas:

1º - Não se deve utilizar o princípio da igualdade para todas as questões de supostas
desigualdades sociais – por vezes, existem aparentes desigualdades sociais que, por diversas
justificativas não violam o princípio da igualdade presente no art.º 13 da CRP;

2º - A questão principal nesta parte da matéria é a não discriminação, por exemplo, na


contratação para trabalhos, em contratos, etc...

Exemplos jurídicos:

- Código do Trabalho (art.º 25 nº1) – ninguém pode ser discriminado. No entanto, está
presente no nº2 uma exceção, que diz que não constitui discriminação quando tal
desigualdade é devidamente justificada e é apresentado um motivo legitimo – uma justificação
que não é só jurídica, mas também social;
- Lei 14/2008 – Discriminação em função do sexo (ninguém pode ser discriminado em função
do sexo, género, orientação sexual);
- Lei 93/2017 – Proibição de discriminação em função de origem ética, racial ou territorial.

Conclusões

1º - No ponto de vista do nosso atual Direito Civil há um choque entre o princípio da igualdade
com o princípio da autonomia privada – um choque também acontece ao nível de Direito
Constitucional;

2º - É fundamental, no estudo e análise do caso prático, saber quem são as partes – por
exemplo, se é a FDUL ou sé é uma empresa privada;

3º - A justificação proposta no código do trabalho deve ser também ela proposta para todas as
situações - incluindo as leis de 14/2008 e 93/2017, mesmo tal não estando expresso;

4º - A responsabilidade civil ou contraordenação só funcionam se for exteriorizada uma


discriminação – ou seja, uma discriminação interior, no ponto de vista jurídico, é irrelevante;

5º - Exemplo: Pode o António ser obrigado a contratar um homem para ser baby-sitter dos
seus filhos? - Não, em caso de discriminação, este pode sofrer uma multa, mas ser obrigado a
contratar alguém que não quer é impossível.
§ Aula 3 (28/02/2022)

1º - Facto Jurídico – é normalmente definido como um evento ao qual o Direito associa


determinados efeitos – ou seja, acontecimentos reais sobre os quais o direito associa a
produção de efeitos jurídico (=/ factos não jurídicos)
Facto Jurídico stricto sensu – acontecimentos reais sobre os quais o Direito associa a
produção de efeitos jurídicos, só que a sua ocorrência não está associada a uma manifestação
de vontade humana (Ex: um terramoto – que está associada ao local onde ocorre, por
exemplo, se ocorrer numa Ilhas Deserta, é apenas um fato natural | um nascimento, que é
uma zona cinzenta). No entanto, este pode redundar numa manifestação de vontade humana
que, no entanto, não releve enquanto tal, em termos de eficácia – o ponto de ligação entre as
ambas é a presença de eficácia jurídica.
2º - Ato Jurídico – É um facto jurídico cuja ocorrência dependa da vontade humana (O
professor Pedro Pais de Vasconcelos fala em “comportamentos voluntários juridicamente
relevantes”).

Teoria Clássica (Savigny) – no ato jurídico a intenção do sujeito é juridicamente
irrelevante e no negócio jurídico a intencionalidade é um elemento central.
Doutrina não-tradicional (Paulo Cunha) – o que os distingue é que no ato jurídico
temos liberdade de celebração, no negócio jurídico temos liberdade de celebração e
estipulação - no ato jurídico temos liberdade de o praticar, mas a liberdade de estipulação
apenas existe no negócio – Doutrina vantajosa, na opinião de António Menezes Cordeiro.

3º - Negócio Jurídico – [definição depende da utilização da teoria clássica ou da doutrina não-


tradicional]

Classificação de Negócio

1º - Negócio unilateral ou bilateral / multilateral (ou contrato) – não interessa o número de


indivíduos, mas sim o número de partes.

Negócio Unilateral - Quando tem uma única parte / para MC – quando os efeitos não
diferenciam as pessoas quem eventualmente neles tenham intervindo;
vs.
Negócio Bilateral / Multilateral (ou contrato) - Quando se assuma como produto de duas ou
mais partes (Ex: comprador e vendedor) / para MC – os efeitos diferenciam duas ou mais
pessoas – ou seja, fazem surgir para cada interveniente regras próprias, que devem ser
cumpridas e que possam ser violadas, independentemente uma das outras.

2º - Negócio sinalagmático ou não sinalagmático – consoante deem lugar a obrigações


recíprocas.

Negócio sinalagmático – As partes ficam, em simultâneo, na situação de credor e devedor – ou
seja, há um espelho onde há um direito no outro lado há um dever, e vice-versa.

Negócio não sinalagmático – apenas facultam uma prestação; não havendo esse espelho
entre direitos e deveres perante as partes.

3º Negócios inter vivos ou mortis causa



Negócio inter vivos – destinam-se a produzir efeitos em vida dos seus celebrantes;

Negócio mortis causa – “manifestar-se-iam apenas depois da morte do seu autor”, mas para o
prof. Menezes Cordeiro esta definição não é suficiente, então – são aqueles que são pensados
para regular especificamente relações jurídicas que resultem depois da morte do seu autor.

4º - Negócios formal ou consensual



Negócio consensual – os negócios que, por não caírem sob a estatuição de normas
cominadores de forma especial, sejam suscetíveis de conclusão por simples consenso –
liberdade de forma;

Negócio formal – os negócios para cuja sua conclusão a lei exija determinado ritual / forma
especial, na exteriorização da vontade;

5º - Negócios reais quoad constitutionem [quanto à constituição] – são aqueles cuja


celebração depende da entrega da coisa – numa oposição aos contratos onde um acordo entre
as partes é suficiente para que se verifique a realização do contrato.

Exemplos, no Direito Português:
- Penhor (art.º 669 nº1) – é os dois ao mesmo tempo
- Comodato (art.º 1129)
- Mútuo (art.º 1142) – é os dois ao mesmo tempo
- Depósito (art.º 1185)

Para o prof. Menezes Cordeiro é apenas uma formalidade do negócio, não demonstrando
qualquer exteriorização de vontade.

Há autores que defendem que, apesar de existirem negócios que necessitam da entrega da
coisa para que haja celebração, as partes podem afastar isto com consenso contratual (nem o
regente, nem o assistente concordam)

Princípio da Tipicidade dos Direitos Reais – art.º 1306 do CC


=/= diferentes
Negócios reais quoad effectum – quando tem como consequência transmitir ou constituir um
direito real (direito real – tem por objetos coisas corpóreas e, também, têm uma eficácia
absoluta) – em oposição aos negócios obrigacionais (o credor pode exigir de um certo devedor
uma certa conduta – uma prestação)

6º - Negócios pessoais / obrigacionais ou reais – consoante a eficácia a que deem lugar seja
pessoal, obrigacional ou real.

7º - Negócios causais ou abstratos – Não existem negócios causais ou abstratos, mas sim
obrigações causais ou abstratas.

Obrigação causal – quando, para valer juridicamente, tenha de ser acompanhada pela sua
fonte (Ex: cheque) – é a regra no Direito Português (Por exemplo: se alguém quiser demandar
outra pessoa para que pague 10.000€, não basta afirmar que é credor, mas sim terá que
explicar que essa quantia lhe é devida por via de um contrato, comprovando-o ou a título de
indemnização, invocando e demonstrando os competentes pressupostos;

Obrigação abstrata – não tem que ser acompanhada pela sua fonte – ou seja, por exemplo, só
é necessário mostrar que tem o valor.

8º - Negócios típicos ou atípicos



Negócio típico – quando a sua regulação conste na lei;

Negócio atípico – quando tenha sido engendrado pelas partes.

Negócio misto – art.º 405 do CC

9º - Negócios onerosos ou gratuitos



Negócio onerosos – quando implique esforços económicos para ambas as partes, em
simultâneo e com vantagens correlativas;

Negócio gratuito – quando cada uma das partes retire, tão-só, vantagens ou sacrifícios.

Nota: o negócio pode ser oneroso para uma das partes – Ex: o donatário – e gratuito para a
outra – Ex: doador.

10º - Negócios patrimoniais ou não patrimoniais



Negócios patrimoniais: pela sua natureza é avaliável em dinheiro.
Negócios não patrimoniais – Exemplo: adoção, onde não há dimensão patrimonial.

Nota: a ideia de que, os negócios não patrimoniais, são aqueles que não podem ser avaliados
em dinheiro é errada.

- Fruição
Atos de Administração
 Atos de disposição
- Conservação 
- Alienação - Oneração

=/=

Declaração de Vontade – O negócio jurídico assenta em declarações de vontade, ou seja, em


vontade humana: uma ou mais. Efetivamente, apenas a vontade declarada, isto é,
exteriorizada, de modo a poder ser reconhecida, como tal, pelos operadores jurídicos e pelo
próprio sistema, pode provocar efeitos para o Direito.

Definição: é um pressuposto, dependente de uma opção humana comunicada para o exterior;
=/ (não pode ser confundida)
Negócio: é a efeito resultante da declaração, desde que esta seja reconhecida, pelo sistema,
como apta para modificar o universo jurídico / é claramente distinto quando seja multilateral,
ou seja, quando requeira, para a sua completude, mais de uma declaração de vontade

Exemplo: Savigny usava e confundia a expressão de negócio jurídico com declaração de


vontade; como todo o direito vem de convenções, não podemos pegar nos conceitos e os
deitar fora, visto que a comunicação seria impossível.

Esta declaração [ou seja, uma manifestação de vontade que pode ser feita por palavras ou
atos – nomeadamente, por exemplo, o revirar dos olhos  que também é relevante, para
além da vontade em si] pode dividir-se nas seguintes teorias:

Teoria da Vontade – diz que uma manifestação de vontade deve ser interpretada à luz do que
se queria dizer (com caráter numa dimensão interna)

Teoria da Declaração – diz que uma manifestação de vontade deve ser interpretada à luz do
que um Homem comum perceberia.

Temos ainda, para classificar as declarações:



Declaração expressa (art.º 217 nº1 do CC) – é uma clara demonstração de vontade de realizar
o negócio – ou seja, um ato finalisticamente produzido e interpretado para a produção de um
fim (Ex: um gesto com a mão);
Declaração tácita (art.º 217 nº1 do CC) – um comportamento que, com grande grau de
probabilidade, aponta em certo sentido (Ex: O António vai arranjar o relógio e entrega-o ao
dono da loja, custando x para arranjar; imaginemos que António então pede para enviar a
conta para uma morada – ora, este ato, apesar de não ser uma declaração expressa de
vontade, demonstra uma vontade de realização do negócio).
 Esclarecido pelo STJ, os comportamentos requeridos pela declaração tácita terão de ser:
significantes, positivos e inequívocos / para a determinação de uma declaração tácita há que
atender aos usos e ao ambiente social onde ocorram os factos.

Estas só devem ser “apuradas” quando haja verdadeira vontade, dirigida aos efeitos e
minimamente exteriorizada, ainda que de modo indireto.

Contrato – O contrato é apresentado como um negócio jurídico bilateral, mas como há


contratos onde apenas há liberdade de declaração, então não é correto dizer que todos os
contratos são negócios (Ex: casamento – é um ato).
§ Aula 4 (04/03/2022)

Elementos do Negócio -> O objetivo é tentar encontrar todos os elementos comuns entre os
vários negócios jurídicos, identificando uma base de elementos de semelhança em todos,
nomeadamente:

1º Partes – partes do negócio (Ex: comprador e vendedor), têm que existir, bem como têm que
ter capacidade jurídica e legitimidade;

2º Objeto – refere-se ao objeto em si (coisa ou bem) e ao conteúdo – entra em perguntas


como: se o objeto é válido, se tal conteúdo viola o conteúdo legal, entre outros.

3º Declaração – um consenso (nomeadamente num contrato) entre as partes sobre o bem e o


seu conteúdo.

Com isto em mente, não é possível existir um negócio jurídico sem estes elementos (Ex: O
António quer levar alguém a tribunal devido a um contrato x, alegando responsabilidade,
temos que apurar: 1º a identificação das partes / 2º se o bem y não foi entregue – ou seja, é
necessário identificar o bem ou coisa / 3º identificação se houve, de facto, consenso  Se isto
não foi cumprido, então não há contrato).

Princípio do consensualismo – o simples consenso é suficiente para a realização do negócio


(art.º 879 do CC) / Já no Direito Inglês, por exemplo, existem algumas situações onde a
proposta só pode ser completa quando o vendedor tiver conhecimento das possibilidades do
comprador para realizar o negócio.

Exemplo problemático na jurisprudência



- Temos A e B
A – Que comprar algodão / B – Quer vender algodão
O Algodão vem da India e vai chegar a Londres
À época que o contrato foi realizado, existiam 2 navios, ambos chamados perola com algodão
para chegar a Londres; um chegava em um mês, o outro noutro mês.
O contrato foi realizado para o “navio perola”
Neste caso não havia consenso – ou seja, não há contrato.

Silêncio [artigo 218 do CC – que enuncia em que casos o silêncio serve como declaração
negocial] – para o Direito, silêncio é a total ausência de comunicação por parte do sujeito
considerado / não só pela ausência de palavras, gestos ou escritos, mas sim que da
ambiência existente, não se possa, retirar nenhuma mensagem – ou seja, o nosso sistema
jurídico não vê o silêncio como sinonimo automático de um não, mas sim uma ausência da
exteriorização de vontade; com isto, o silêncio em si não é nada [MC – “Não possui qualquer
valor declarativo”], o que não leva à conclusão do negócio.
No entanto, é importante termos as seguintes exceções em mente:

1º - Quando a Lei diz que o silêncio vale como um sim – art.º 923 nº2 do CC;
2º - Casos dos usos – que em Portugal não existem;
3º - Convenção – ou seja, quando as partes determinem que o silêncio vale como um sim.
§ Aula 5 (07/03/2022)

Processo Negocial (presente do art.º 224 até o art.º 235, com exceção do art.º 227)

O modelo de processo negocial consagrado no nosso Código Civil é um modelo de propostas
entre ausentes, ou seja, o Código Civil não tem um modelo negocial para negócios unilaterais,
bem como, verifica uma ausência de modelo negocial entre presentes ou de um modelo de
contratação eletrónica.

Modelo de Resolução de Casos Práticos – proposta e aceitação



1º Proposta – pode ser definida como: a declaração feita por uma das partes e que, uma vez
aceite pela outra parte ou partes, dá lugar ao aparecimento de um contrato - a sua declaração
ou manifestação de vontade, ou seja, temos que atender:

a) se a proposta é completa - segundo qual o tipo de contrato em causa, tem que ter
presente os seguintes elementos: a identidade das partes, o objeto a vender, o
montante do preço, bem como qualquer outro elemento supletivo que as partes
entendam moldar, segundo a sua autonomia (por exemplo, se entra num contrato de
compra e venda temos o art.º 879 / ou seja, por exemplo, num contrato de compra e
venda para saber se é completo é necessário saber o objeto concreto (não um
automóvel, mas o automóvel x), se o preço está identificado);

b) se revela uma manifestação inequívoca de contratar – tudo aquilo que levante dúvidas
sobre a vontade de uma das partes não demonstra vontade inequívoca;

c) se reveste a forma requerida para o negócio (art.º 219 e art.º 220 do CC) – Exemplo:
quando a lei exige forma – compra e venda de um imóvel – é necessário averiguar se a
forma foi cumprida, uma vez que o não cumprimento da mesma determina a nulidade
do negócio – art.º 220 do CC

d) se respeita a natureza (art.º 230) - Quando é feita uma proposta, emerge na pessoa
jurídica que a recebe um direito potestativo (ou seja, o poder de alterar
unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, uma esfera jurídica), a
contraparte tem uma sujeição – a não ser que seja explicitada a possibilidade de
revogação / bem como o respeito pela forma legal prevista para o tipo de contrato em
questão.

Se isto tudo se verificar como cumprido, estamos perante uma proposta contratual.

2º Eficácia da Declaração Negocial (art.º 224 do CC) – Em que circunstancia é que há uma
vinculação, e quando é que há essa mesma vinculação – Por exemplo: António envia uma carta
a perguntar a Bento se este quer comprar o seu automóvel por 20.000€

Teoria da exteriorização – o negócio ficará concluído / vinculado quando a vontade tivesse
obtido a sua forma exterior, defendida por Savigny (Neste caso – quando o António escreve a
carta);
Teoria da expedição – empresta eficácia à declaração quando seja remetida rumo ao
destinatário, defendida pelos Ingleses (Neste caso – quando António envia a carta);
Teoria da receção – a eficácia de uma declaração dependerá de o destinatário a receber, em
Portugal sob o art.º 224 nº1 do CC (Neste caso – quando a carta entre no correio de Bento);
Teoria do acolhimento – quando a declaração chegasse ao poder do destinatário, em Portugal
pelo art.º 224 nº1 do CC (Neste caso – quando Bento tira a carta do correio);
Teoria do conhecimento – que chegue ao efetivo conhecimento do destinatário (Neste caso –
quando Bento lê a carta).

- É necessário também identificar se a proposta tem destinatário ou não; (art.º 224 - na


primeira parte, teoria da receção + teoria do acolhimento; em relação à segunda parte, no
limite, quando o publico em geral possa aceder àquela vontade).

3º Duração da proposta contratual



a) O fim da sujeição desaparece à data estabelecida (art.º 228/1 a)) – ou pelo proponente
ou por acordo das partes;
b) Se não houver fixação de data, mas o proponente pedir resposta imediata , esta fica
conservada até que, em condições normais, ela e a aceitação cheguem ao destino art.º
228/1 b)) - o que depende conforme o meio de envio*;
c) Se nada for dito, é o mesmo que a alínea b), só que com o acrescento de 5 dias (art.º
228/1 c)) **.

*exemplo, cartas para Portugal Continental são 3 dias úteis o tempo normal necessário para
que uma carta chegue ao destino, uma vez que é o tempo médio que esta demora a chegar,
acrescentando mais 3 dias úteis para receber a carte de volta; ou seja, se passados 6 dias úteis
a resposta não chegar, acaba a situação de sujeição;

**fica numa situação de sujeição durante 11 dias - Exemplo cartas - 3 dias úteis para a
proposta; chega, ocorrem 5 dias para x pensar e 3 dias úteis para enviar, 11 dias.

4º Se entre o tempo da proposta e da aceitação aconteceu alguma coisa – Exemplo: alguma


parte pode ter morrido (art.º 226 e art.º 231) / a modificação de proposta ou contraproposta
(art.º 233), voltando ao início como nova proposta, causa também que haja uma troca de
posições pelos sujeitos até que se verifique uma aceitação ou recusa.

5º Aceitação – é uma declaração recipienda, formulada pelo destinatário da proposta negocial


ou por qualquer interessado, quando haja uma oferta ao público; tendo que respeitar, no
entanto:

a) Deve traduzir uma concordância total e inequívoca;
b) Revestir a forma exigida para o contrato.

Desta aceitação resulta o contrato*

*Que se tem como celebrado no momento em que a aceitação se torne eficaz, ou seja, logo
que chega ao poder do destinatário ou dele conhecida (art.º 224).

Nota: para o professor António Menezes Cordeiro, a aceitação é um ato jurídico em sentido
estrito – podendo o destinatário rejeitar, nada fazer ou contrapor, além da sua aceitação
[liberdade de estipulação]
Tipos de negócios

Entre presentes – pessoalmente, telefone, zoom, etc. – é a certeza, ou incerteza, que aquilo
que nós dizemos chega no imediato.
ou
Entre ausentes – as outras situações, onde não há certeza da chegada no imediato, exemplo:
cartas / Nota: não significa que as pessoas estão fisicamente separadas, apenas que há uma
proposta, não seguida, de imediato, de aceitação.

Isto é importante porque nós vivemos na Era Digital – que se iniciou depois da II Guerra
Mundial – caracterizada por um espaço jurídico que ocorre tanto a nível físico, como a nível
digital.
§ Aula 6 (11/03/2022)

Culpa em contrariedade [culpa in contrahendo] - origens



Antes de o contrato estar propriamente celebrado, já existem uma serie de deveres pré-
contratuais, a que nós estamos sujeitos – deveres esses com origens distintas,
nomeadamente:

1º Origem Contratual – as partes hajam decidido concluir pactos preparatórios, ficando,
portanto, vinculadas a esses mesmos pactos – podendo até apresentar um processo
autónomos de formação; o juiz deve interpretar e aplicar esses contratos dentro da lógica a
que foi realizado. [Ex: António começa a negociar com o Bento e diz que no futuro irão sempre
negociar neste sentido, se Bento concordar as partes impõem-se a si próprias deveres pré-
contratuais];

2º Origem Legal Específica – surgem em diversos campos, tendo origem numa base legal
específica [Ex: Leis Bancarias, Leis dos Seguros, Leis das Clausulas Contratuais Gerais] – ou seja,
a lei impõe a estas instituições que prestam algumas informações antes da realização do
contrato;

3º Origem Legal Genérica – o dever de proceder segundo as regras da boa-fé, presente no


artigo 227º nº1 do CC – também conhecida como culpa in contrahendo.
Nota: o artigo 227 não serve para anular nada, mas sim responsabilizar as partes pelos danos
por si causados.

Elementos Históricos e Comparados da culpa in contrahendo



Diz-se que a culpa in contrahendo foi criada, ou pelo menos impulsionada, por Jhering – um
dos pais da contratação civil. A ideia de que as partes têm deveres pré-contratuais existe há
muito tempo – foi o Jhering que deu um nome (“culpa in contrahendo”) e as concretizou – não
o criou;

Atenção: O Direito Inglês acha que um acordo entre as partes para futuramente atuarem em
boa-fé é “repugnante”;

=/=

Alemanha – culpa in contrahendo germânica



Depois de um desenvolvimento da ciência jurídica que se deveu com a realização de centenas
de casos em vários países, temos no centro da Teoria Alemã – segurança1, lealdade2 e
informação3.
Isto significa que a boa-fé impõe a cada uma das partes deveres de informação, de segurança e
de lealdade.
1
Dever de Segurança – as partes devem providenciar para que, durante as negociações,
ninguém sofra danos, seja na sua saúde ou integridade física, seja no seu património.

Pergunta: Não bastaria fixar um dever de indemnização por danos causados à integridade
física ou ao património do lesado?

Para MC – Não, a construção deste novo sistema permite uma solução mais efetiva e eficaz, na
medida em que, permitiria um regime desfavorável, no qual não há concreta violação ou
qualquer presunção de culpa.

Opinião da doutrina portuguesa – neste caso, prof. Pedro Pais de Vasconcelos vs. António
Menezes Cordeiro

O professor Pedro Pais de Vasconcelos afirma que os casos do dever de segurança não existem
no Direito Português – substituindo uma resolução pelo art.º 227, por uma resolução com uso
ao art.º 483.
O professor justifica esta posição com uma ideia de que não é um dever pré-contratual que
está a ser violado, mas sim um direito – isto, sendo assim, devido ao art.º 500 do CC.

Exemplo: este artigo diz que, por exemplo, se o continente contratasse um funcionário para
tratar da segurança, não é o próprio funcionário que vai ser responsabilizado, mas sim o
continente / Já na Alemanha, o continente só era responsabilizado se não houvesse uma
correta contratação do funcionário – afirmando que existe um dever de segurança.
=/ isto difere da opinião do prof. António Menezes Cordeiro
O professor António Menezes Cordeiro afirma que em Portugal há, de facto, um dever de
segurança – uma vez que, como no exemplo anteriormente referido, é extremamente difícil
responsabilizar o continente; mas se considerarmos que existe uma violação de um dever pré-
contratual, então vamos aplicar o art.º 798, tornando esta responsabilização muito prática.

Nota: os Tribunais portugueses tendem a não reconhecer o dever de segurança.

Por fim, na opinião do regente, não houve desenvolvimentos do sistema de segurança porque
não houve necessidade para tal.

2
Dever de Informação – a culpa in contrahendo visa a circulação de toda a informação
necessária para a contratação entre as partes. Dentro deste, temos que destacar:

1º Deveres de informação ativos – impõe a uma das partes o dever de divulgar informação à
outra, mesmo quando esta não requisita referida informação;
2º Deveres de informação passivos – impõe apenas a um dever de verdade às questões que
são perguntadas pela parte oposta.

O art.º 227 quanto à informação: existem primeiro deveres de informação passivos (Ex:
António e Bento estão a negociar a compra de um automóvel – António faz várias perguntas
sobre o automóvel a Bento / já num stand de automóvel o dono tem que dizer tudo – o art.º
227, a informação ativa só existe se for relevante sobre o negócio que está a ser celebrado; por
exemplo: é necessário dizer que o motor não funciona).
3
Dever de Lealdade – as partes não podem, in contrahendo, adotar comportamentos que se
desviem da procura, ainda que eventual, de um contrato, nem assumir atitudes que induzam
em erro ou provoquem danos injustificados – sendo distinguido do dever de informação, uma
vez que este também é um problema de conduta.

Critério da confiança para a aplicação da boa-fé (em geral, nos três deveres, mas mais
frequente no dever de Lealdade)

Para saber se alguém inspirou confiança noutra pessoa temos que criar um instituto geral de
confiança – Em Portugal foi consolidado pelo prof. Menezes Cordeiro (Ex: em algumas
situações os rompimentos das negociações podem violar princípios de lealdade e de boa-fé –
António convence o Bento que para celebrar um negócio sobre o imóvel não é preciso formal
escrita – depois vai invocar isto para declarar o negócio nulo / Ex: “isto é uma questão de dias,
celebramos amanhã o negócio” – este está numa situação de confiança*, tendo justificação
de confiança** / quem é que criou a espectativa de segurança? Foi a contraparte, ou seja, foi
imputada pela outra parte*** / com base nesta informação toda, houve um investimento de
confiança****, uma atuação que invista essa confiança – Ex: despesas, recusar outro contrato
(Ex: comprou uma garagem para o automóvel)

*Situação de confiança
**Justificação de confiança
***Imputação de confiança
****Investimento de confiança

Se tudo isto é preenchido, houve uma violação do dever de confiança / lealdade.
Nota: é necessário aquele que invoca o 227 (nomeadamente nestes requisitos) tenha ele
próprio exigido em boa-fé.

A doutrina chegou à conclusão de que apenas estes 3 deveres não chegam, existem situações
típicas – Ex: rompimento de negociações, desigualdades entre partes, etc.

=/=

Ideias chave da culpa in contrahendo

1º - O artigo fundamental é o artigo 227 – mas também temos o artigo 229/1 do CC que
apresenta elementos da boa-fé.

A doutrina e jurisprudência à sede do artigo 227 retiram alguns deveres pré-contratuais:

a) Segurança;
b) Informação – as partes devem informar as outras quanto aos aspetos que são
relevantes para a conclusão do contrato, devemos dar as informações suficientes para
que a outra parte tome uma decisão consciente e informada;
c) Lealdade – não exercer coação, usura, enganar, criar forte espectativa para a criação
do contrato e depois sem motivo rompe as negociações.

Tipos de situações que dão uso ao artigo 227 do Código Civil



a) Uma parte culposamente leva a outra parte a celebrar um contrato que sabe que é
invalidado ou ineficaz – pode anular o negócio + a parte em culpa pode ver
responsabilidade civil por termos do artigo 227 do Código Civil – violação dos deveres
da culpa in contrahendo;
b) Conhecimento do vício sem informar a outra parte;
Um sujeito deixa passar o prazo de 1 ano para anular (mas estava coagido), mas pode
ainda pedir uma indemnização por culpa in contrahendo;
Exemplo: contrato entre A e B por venda de quadro por 100.000€ (liberdade de forma); A
disse ao B que tinha que ser por escritura publica e pôs B a pagar o custo da escritura
pública; apesar de o negócio ser válido, pode haver responsabilização por violação da
culpa in contrahendo apesar de não existir invalidade.
c) Quando o contrato não chega a formar devido a culpa ou má-fé de uma dar partes,
que corta as negociações apenas por má-fé – há um direito de não celebrar contratos,
mas se é uma situações que criou fortíssimas espectativas no outro, pode haver
responsabilização por culpa in contrahendo / a pessoa também pode estar em má-fé
desde o início, por exemplo, iniciando as negociações sem qualquer objetivo de
negociar de facto.

2º - Muita doutrina associa muito o art.º 227 à tutela da confiança – ver página anterior.
§ Aula 7 (14/03/2022)

[artigo 280 do Código Civil]

Conteúdo do Negócio Jurídico – regulação que resulta do negócio jurídico, ou seja, efeitos que
se pretende produzir com a realização do negócio jurídico, para isto:

a) Elementos voluntários – são as clausulas estipuladas por quem realiza o negócio
jurídico;

b) Elementos normativos – regras aplicáveis ex lege, isto é, àquelas que o Direito associe
à celebração dos negócios, independentemente de uma expressa vontade negocial
nesse sentido.
a. Normas jurídicas imperativas (ou injuntivas) – que se impõe à vontade das
partes, não sendo passiveis de ser afastadas;
b. Normas jurídicas dispositivas (ou supletivas) – são meramente supletivas,
podendo ser afastadas pelas partes.

Negócios típicos vs. Negócio atípicos (Ex: art.º 405 do CC)



Quando estamos perante negócios jurídicos haverá um maior contributo normativo para este
tipo de negócios, mas se estivermos a pensar em negócios atípicos que não estão regulados na
lei, a probabilidade de não terem uma grande intervenção de elementos jurídicos é maior.

Objeto do Negócio Jurídico – realidade (quid) sobre qual recai os efeitos do negócio – Ex:
negócios que visam transmitir um negócio real, o objeto é a coisa.

Nota: existem autores que não falam em conteúdo, mas apenas objeto, distinguindo objeto
imediato de objeto mediato – o conteúdo será o objeto imediato; e o objeto será o objeto
mediato. Isto para dizer que – por influência destes professores – o CC por vezes a palavra
objeto neste sentido amplo, por exemplo, o art.º 280 do CC – onde objeto é usado no sentido
amplo que abarca quer o conteúdo, quer o objeto ou o art.º 251, onde, mais uma vez, objeto é
usado num sentido amplo.

Requisitos do objeto e do conteúdo negocial (art.º 280):



1º - Determinabilidade do negócio – quando suceda que, do negócio, não derive uma
informação clara quanto ao seu conteúdo, ou quanto ao seu objeto, estamos perante um
negócio indeterminável – esta pode resultar de uma confusão vocabular inultrapassável ou de
uma remissão para realidades que, por si, não tenham teor percetível.
Aqui, é importante distinguir entre:
a) Negócio Indeterminado – o negócio não permite, de momento, apreender o seu
objeto ou o seu conteúdo – não obstante que, quer a lei, quer as partes possam
determinar, ulteriormente, uma determinação [Servem de Exemplo: art.º 400 –
quanto à determinação da prestação / art.º 883 – quanto à determinação do preço].
Em resumo: o negócio é indeterminado, mas surge determinável.
b) Negócio Indeterminável – o negócio é, de todo, indeterminável – o negócio
indeterminável é nulo (art.º 280 nº1 – que veda negócios cujo conteúdo ou cujo
objeto não possam ser determinados no momento da sua conclusão).

2º - Objeto tem que ser fisicamente possível – apenas pela interpretação do negócio, na dupla
dimensão do seu conteúdo e do seu objeto é viável formular uma possibilidade de juízo de
possibilidade.
A possibilidade pode ser:
a) Absoluta ou relativa (também chamada de objetiva ou subjetiva) – absoluta: conforme
atinga o objeto do negócio, sejam quais forem as pessoas envolvidas / relativa: opere
somente perante os sujeitos concretamente considerados; para o prof. Menezes
Cordeiro - em bom rigor, apenas a absoluta é verdadeira impossibilidade: o sujeito
concretamente impedido de atuar certo negócio poderá, não obstante, celebrá-lo,
desde que se faça, depois, substituir na execução.
b) Temporária ou definitiva – é temporária quando é previsível que ela cesse, ao
contrário do que sucede no segundo. Sendo o elemento negativo a impossibilidade
definitiva; sendo ela meramente temporária, o negócio poderá ser viável, dentro das
regras das coisas futuras.
c) Impossibilidade efetiva ou impossibilidade meramente económica – no primeiro caso,
o objeto do negócio é ontologicamente inviável; no segundo, ele é pensável, mas
surge economicamente tão pesado, que se torna injusto ou iníquo – tendo nota que o
objeto “difícil”, tendo sido querido validamente pelas partes, é juridicamente
operacional.
d) Impossibilidade inicial ou impossibilidade superveniente – a primeira opera logo no
momento da celebração, vindo a segunda a manifestar-se, apenas, mais tarde; esta
distinção é fundamental visto que:
a. A impossibilidade inicial conduz à aplicação do art.º 280/1 do CC: ou seja,
nulidade do negócio.
b. A impossibilidade superveniente também atinge os requisitos do negócio,

[apenas casos que, logo à partida, têm impossibilidade física – Ex: Imaginemos que uma pessoa
venda uma coisa que não exista, numa situação dessas não é possível determinar fisicamente
essa coisa, é nulo – atenção: uma coisa pode ser vendida como coisa futura, não entrando
neste regime, nem sendo nulo.
Aqui está a supor-se uma impossibilidade objetiva, onde ninguém pode cumprir fisicamente o
objeto – art.º 401 nº3 / art.º 791].

3º - Tem que ser conforme a Lei – a licitude é o requisito dos negócios jurídicos que consiste
na não-ultrapassagem dos limites injuntivos do ordenamento (não se confundindo com o
inverso da ilicitude, presenta na responsabilidade civil – nos negócios esta é mais ampla;
podendo haver negócios contrários à lei, que não envolvam qualquer responsabilidade civil)
São contrários à lei, os negócios por:
a) A conduta em si;
b) O resultado da ação;
c) Os meios usados;
d) O fim prosseguido;
e) A relação meios/resultados ou meios/fim.
Nota: se apenas o fim do negócio for contrário à lei ou à ordem pública, o negócio só é nulo
quando for comum a ambas as partes (art.º 281 do CC) – elemento subjetivo

Em suma, o objeto (em sentido amplo) não pode ser contrário à lei (quaisquer regras jurídicas
aplicáveis) – Ex: o negócio em que alguém promete realizar um crime, por exemplo, homicídio,
fabricação de notas falsas, etc. Mesmo que o art.º 280 não dissesse que o negócio contrário a
lei é nulo, chegaríamos ao mesmo resultado com o art.º 294 do CC.

4º - O objeto tem que ser legalmente possível – ou seja, um impossibilidade originaria onde
existe um obstáculo legal para a realização do negócio – para a distinção entre este e negócio
contrário à lei: Ex: negócios que estão em domínio público, que são impossíveis de ser
adquiridos (art.º 202 nº2 do CC), onde o estado vai vender ao privado – tal não pode acontecer
e se o fizer a consequência é um negócio legalmente impossível; mas existem autores que
dizem que é um negócio contrário à lei; ou um testamento feito a favor de um animal, este
será um negócio com objeto legalmente impossível.

5º - Tem que estar em concordância com a ordem pública (art.º 280/2 do CC) – ordem pública
é o conjunto dos princípios estruturantes na ordem jurídica dos quais não prescinde (para o
prof. Menezes Cordeiro – “ordem existente numa sociedade”; como resultado de um conjunto
de princípios emergentes da lei, da jurisprudência e dos valores constitucionais”); vai contra a
lógica do sistema, mesmo não violando nenhuma norma concreta - Ex: contratos que exigem
esforços demasiados ao devedor ou negócios que atinjam valores constitucionais ou a venda
da intenção de voto.
Ordem Pública – diferente dos bons costumes, a ordem pública constitui um fator sistemático
de restrição da autonomia privada. A autonomia privada é limitada por normas jurídicas
imperativas; todavia, o sistema não inclui apenas normas, a retirar das fontes, pela
interpretação: ele abrange, antes, também princípios, a construir pela Ciência Jurídica – sendo
valores não expressamente legislados, mas de funcionamento importante (serve de exemplo o
art.º 81/1 do CC).

6º - Tem que estar em conformidade com os bons costumes (art.º 280/2 do CC) – um
conceito indeterminado, está a pensar-se nas regras morais e éticas que numa determinada
época e num determinado lugar são aceites por pessoas honestas que atuam com boa-fé.
Tendo em atenção que a jurisprudência tem vindo a aperfeiçoar o sistema, limitando os bons
costumes às regras de conduta sexual e familiar – com uma nova riqueza dos mesmos com um
conteúdo jurídico-económico.

Nota: O 280 também pode entrar na culpa in contrahendo.

Nota: para o professor Menezes Cordeiro o artigo 281 deve ser interpretado de forma
extensiva, na medida em que, “o fim comum a ambas as partes” traduza-se, tão somente, do
conhecimento de ambas as partes sobre o fim do negócio e não a persecução do mesmo fim
pelos mesmos.
§ Aula 8 (18/03/2022)

1º O problema da fraude à lei

A propósito da licitude, coloca-se o problema do chamado negócio em fraude à lei.


Doutrina:
a) Prof. Menezes Cordeiro – a “fraude à lei” corresponde a um instituto com dimensões
culturais e científicas próprias;
b) Prof. Manuel de Andrade – a “fraude à lei” ocorre na celebração de um negócio, sendo
aqueles que procuram contornar ou circunvir uma proibição legal, tentando chegar ao
mesmo resultado por caminhos diversos dos quais a lei designadamente previu e
proibiu.

Sendo que, para os professores referidos, o problema da fraude à lei é um problema de


interpretação do negócio em si e da norma proibitiva – com uma crise da sua autonomia e
determinação própria. Sendo que poderemos atender que a conclusão é nulidade.

“Fraude à lei é forma de ilicitude, com consequência da nulidade negocial.”

Então: haverá fraude relevante caso se mostre que o intuito da lei foi proibir não apenas os
negócios que especificamente visou, mas quaisquer outros tendentes a prosseguir o mesmo
resultado, só não os mencionando por não ter previsto a sua possibilidade, ou ter tido
deliberadamente mero propósito exemplificativo.

2º Usura (artigo 282 do CC)

Entendida como o aproveitamento/exploração de uma situação para benefícios excessivos


próprios – o artigo 282 do CC prevê a sua anulabilidade.

Artigo 283 do CC - pode ser anulado ou, nos termos do número 2 deste artigo, existir uma
modificação determinada pelo juiz dentro do poder de equidade (determinar valor correto
para boleia ao hospital, no exemplo mais à frente descrito).

Tendo nota de que:


a) A usura está muitas vezes associada ao juro – com uma variação da taxa de juro
presente nos termos do artigo 1146 do CC.
b) A usura está relacionada com o necessário equilibro que o Direito pretende que se
exija, tanto na celebração do negócio, como no resto; o legislador ainda se preocupou
em particular com a matéria dos juros.

Exemplo clássico:
X tem um acidente e está a sangrar no meio da estrada; Y diz que só o leva ao hospital por
30000 €. Há, manifestamente, um aproveitamento de uma situação de necessidade. Poderia
também ser inexperiência, estado mental... A ideia é que a contratação aconteça num estado
de paridade (282º). A consequência é a anulação.

3º Cláusulas Típicas (ou gerais – prof. António Menezes Cordeiro)

As cláusulas contratuais gerais (ccg) são proposições impessoais e pré-elaboradas, que os


contratantes podem adotar, para efeitos de conclusão de um negócio [tendo em nota que a
terminologia não está fechada].

Nota, opinião do prof. António Menezes Cordeiro:


“Um mínimo de reflexão mostra que, no dia-a-dia, não há qualquer oportunidade de negociar,
ponto por ponto, os diversos contratos. Embora, teórica e tecnicamente, todos sejam livres de
o fazer, isso não é viável. Nos transportes, na banca, nos seguros, e nas mais diversas
prestações de serviço, os interessados limitam-se a aderir a proposições pré-elaboradas, assim
surgindo o negócio”.

Nota: é perfeitamente possível criar contratos atípicos legalmente – ao abrigo do art.º 405 do
CC, e da liberdade contratual).

Cláusulas típicas são as que podem ser utilizadas em vários tipos de negócio:

a) Condição (artigo 270 do CC e seguintes)

A cláusula tipo utilizada é a de produção de efeitos jurídicos, numa simultaneidade: uma


causa-efeito natural – ou seja, está relacionada com a eficácia do negócio.
Mas, nada impede as partes de estipularem, por exemplo, “o contrato é já celebrado, mas os
efeitos não são já produzidos” – a condição sujeita a eficácia a um acontecimento ou facto
futuro incerto, manipulando a linha temporal.
A condição de um facto futuro incerto (art.º 270) – Nota: art.º 1618 nº2 proíbe condições em
casamentos ou o art.º 1852.

Serve de exemplo:
Posso vender um automóvel sob condição de ir trabalhar para Lisboa. Se eu for trabalhar para
Lisboa, a venda produz os seus efeitos. Se eu não for, a venda não produz os seus efeitos.

Artigo 270 do CC – Regime da Condição


Exemplo: O vendedor pode até alterar preços sob certa condição. A condição pode até ter um
prazo acertado (“a senhora tem de emagrecer no prazo de 20 dias”). Só pode ser usada na
condição factualidade incerta. Não pode haver, por exemplo, a morte. A morte nunca é uma
condição, por ser um facto certo.

Condição suspensiva vs. Condição resolutiva:


- A suspensiva impede temporariamente a eficácia do negócio;
- A resolutiva destrói a eficácia do negócio.

Enquanto a situação se verifica ou não, entramos numa situação de pendência (artigos 272º,
273º, 274º do CC). Existem certos direitos e deveres de ambos os lados. Aquele que vende, no
período de pendência, tem de agir de modo a não danificar a coisa. Para além disto, pode
vender a C o mesmo objeto, mas, se se verificar a condição da venda de B, é para ele que vai o
efeito. Se a primeira venda não fracassar, a segunda venda não produz efeitos. Um bem
vendido sob condição pode ser vendido sucessivamente, mas, se não se verificar a condição,
tudo o resto cai em cascata (274).

Artigo 275 do CC – A condição pode ser difícil de verificar; se a verificação for impedida contra
as regras da boa-fé da outra parte, a condição tem-se por verificada (272). A certeza de que a
condição não se vai verificar reporta para o 275/1.

Quando a condição se verifica, há retroatividade negocial. Previsto no 276º.

b) Termo (artigos 278 e 279 do CC)

O termo está fortemente ligado ao prazo (artigos 278 e 279 do CC), tendo nota de que:
a) O termo mais comum é um dia – ou seja, produz efeitos a 24 de janeiro, etc.);
b) O termo é sempre quanto a factos certos – o que separa a condição do termo é
exatamente a certeza ou não da verificação de certo facto.
Prevê um acontecimento que é certo (art.º 278 e art.º 279) – Nota: art.º 1618 nº2 proíbe
termos em casamentos ou o art.º 1852.

Podemos ainda distinguir entre: termos resolutivos vs. termos suspensivos.

O artigo 279 é uma regra de aplicação muito vasta; sendo das poucas que se destinam à
contagem de prazos. Aqui aplica-se à contagem do termo: pode ser estipulado num dia
concreto, mas também em anos ou meses – ou seja, este artigo define as regras.

c) Modo

Surge nos negócios gratuitos. Se existe uma dimensão de abstenção do destinatário da


gratuitidade, então o negócio não é gratuito.
O modo é uma maneira diferente de fazer uma gratuitidade, impondo uma adstrição ao
destinatário desta.
Para o professor Pedro Pais de Vasconcelos – “o modo, mais do que simplesmente obrigar o
beneficiário, modela funcionalmente a utilização que ele deverá fazer do bem. O bem doado ou
deixado deverá ser utilizado de certo modo”.

d) Sinal (artigo 440 do CC e seguintes)

É uma antecipação do cumprimento. Uma das partes antecipar o cumprimento. Muito vulgar
no contrato promessa. O contrato promessa não transmite a propriedade, mas obriga as
pessoas a celebrar um dado contrato que o faça. É uma maneira de agarrar a outra pessoa
que, muitas vezes, pode perder o sinal se não cumprir. Cláusula típica dos contratos onerosos.
e) Cláusula penal (art.º 810 do CC)

Artigo 810º - vem permitir que seja adotada num contexto de incumprimento. Acordo que visa
um montante de indemnização exigível, ou seja, as partes podem fixar estes montantes

A reter:
a) As cláusulas típicas não pertencem atualmente a nenhum elemento essencial do tipo,
mas as partes podem as juntar ao tipo negocial;
b) Permitem manipular os elementos negociais;
c) Podemos encontrar distinção entre elementos essenciais e acidentais; os essenciais
são essenciais ao tipo - Ex: para haver compra e venda, têm de estar presentes os
elementos essenciais.
§ Aula 9 (21/03/2022)

Interpretação e Integração – Artigo 236 e seguintes, do Código Civil



Para o professor António Menezes Cordeiro – “A interpretação do negócio visa determinar o
sentido juridicamente relevante”.

Notas iniciais:

a) Não se deve confundir a interpretação do negócio jurídico (ou da declaração) com a
interpretação da lei – por consequente, não será aplicado nunca o artigo 9 do CC;
b) A interpretação do negócio jurídico posiciona-se como uma especialização da
interpretação em geral;
c) Ao contrário da lei, os contratos são feitos, em grosso modo, por leigos ao Direito –
que usam uma linguagem comum e visam ordenar os seus interesses, sem
preocupações técnico-jurídicas.
d) As declarações de vontade são feitas, de modo geral, de forma linguística – uma forma
que não é uniforme, nem fatal – dependendo do declarante e do declaratário.
e) A interpretação do negócio jurídico obedece a regras – que transcendem largamente o
Direito.
f) Para o professor António Menezes Cordeiro “conquanto a lei não o diga de modo
expresso, parece-nos claro que a interpretação não deve deixar de atender à boa-fé”.

Hipóteses de Interpretação:

a) Sob o que é que o declarante acha que está a dizer;
b) Sob o que é que o declaratário acha que o declarante está a dizer;
c) Sob como é que um terceiro, externo àquela declaração, interpreta.

Nota rápida: o nosso código civil adota a hipótese c) (como é que um terceiro interpreta).

Artigo 236 do Código Civil

Diretrizes interpretativas

a) O sentido da impressão do declaratário normal (236.º/1, 1ª parte);
b) O qual, razoavelmente, possa ser imputado ao declarante (236.º/1, 2ª parte);
c) A vontade real do declarante (236.º/2).

Além de:
d) “casos duvidosos” (237.º);
e) Negócios formais (238.º).

Artigo 236 nº1 – regime objetivista / com exceções do 236 nº1 (segunda parte) e nº2.
- Fazer paralelismo sempre que possível ao art.º 9 [MAS NUNCA UTILIZAR O ART 9]

1º - 236.º/1, 1ª parte

“A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição
do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”

- O CC adota a 3ª hipótese de interpretação (como é que um terceiro interpretaria);


- Este declaratário normal não é uma pessoa abstrata para todas as situações, tem que ser um
declaratário normal face às situações (Ex: num determinado contrato técnico, o declaratário
normal é quem percebe desses contratos e não um português comum que não faz ideia do
que se trata o contrato – Ex: O António chega ao pé do Bento e oferece para vender uma
margarida; no dia seguinte aparece o António com um leitão à porta de Bento a dizer que trata
os leitões por margaridas – neste caso).

2º - 236.º/1, 2ª parte

“Salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”

- “Com ele” - ou seja, com o sentido que o declaratário normal, colocado naquela situação,
interpretaria; nestes casos não se utiliza a 3ª hipótese, mas sim o sentido interno.

Então, quando é que não se pode “razoavelmente contar com ele”?

Exemplo: quando nós celebramos um contrato com uma seguradora, dão-nos um papel com
letras pequenas que depois é aceite por essa mesma seguradora; aquele papel vai ser
interpretado à luz daquele que conheça o contrato (3ª hipótese) - ou seja, quando se utiliza
um clausulado criado pelo declaratário, que é muito complexo, o sentido atribuído àquele
conteúdo é tão complexo de ser interpretado, que não pode ser imputado / uma vez que o
declarante nunca iria perceber este contrato, e o próprio terceiro tem que ser especialista para
o perceber.

Neste caso, é interpretado à luz do declaratário, e não do declarante.

3º - 236.º/2

“Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que
vale a declaração emitida”
- Esta nº2 adota a 1ª hipótese da interpretação.

Nota: neste caso a doutrina não se entende (visto que também não há jurisprudência sobre
esta matéria, não havendo casos reais suficientes).

Exemplo: O António chega ao pé do bento para vender uma margarida e o Bento sabe que
este se refere ao leitão, então, deve ser interpretado pela 1ª hipótese - o nº2 serve para
código de linguagem especifica conhecida pelas partes – que deve ser utilizada.

Que elementos é que o interprete aplicador deve considerar para efeitos de interpretação?

1º - Letra do negócio – ou seja, a letra que exprima o negócio, que pode ser feita de forma
falada, escrita, ou até, através de gestos. É o ponto de partida para qualquer interpretação.
2º Textos circundantes – num contrato de compra e venda de café, grosso modo, não existem;
mas em contratos complexos existem, nomeadamente, notas explicativas, anexos, etc...
3º Antecedentes – no ponto de vista da construção dos contratos – não é relevante, a não ser
que fique claro que uma determinada interpretação não é pretendida. Muitas vezes o que se
está a discutir não é o sentido da palavra, mas a palavra que foi utilizada;
4º O contexto e a prática negocial – o contexto é o elemento sistemático (temos que ver o
contrato todo, por exemplo) / já a prática negocial leva-nos para a ideia de como é que as
partes interpretam o contrato (Ex: António e Bento celebram um contrato e vivem durante 5
anos durante esse contrato; depois de 5 anos António vai a tribunal dizer que afinal uma parte
significa y; neste aspeto apenas seria considerado o significado x);
5º Fim do negócio – o que as partes queriam;
6º Elementos extra negociais – um negócio jurídico tem que ser sempre interpretado à luz da
boa-fé, da autonomia privada, etc. (Se a interpretação A é contraria aos bons costumes e a
interpretação B não é; é interpretado segundo o sentido B)

Artigo 237 – aplicado a “Casos Duvidosos”

Os “casos duvidosos” são aqueles que, à luz do artigo 236, não são passiveis de uma conclusão
sobre a interpretação; nestes casos, os negócios são divididos em 2:

a) Negócios gratuitos – utiliza-se o menos gravoso para o declarante (Ex: entre 10 e 20,
usa-se o 10);
b) Negócios onerosos – utiliza-se o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (Ex:
entre 10 e 5 – vai-se utilizar 7,5).

Artigo 238 – aplicados a “Negócios Formais”

Este artigo serve para linear a importância dos elementos escritos num contrato que esteja
escrito.

Artigo 239 – Integração

Este artigo é igual o art.º 10 [sendo que nunca foi feito na prática] - aqui também, nunca foi
feito na prática.
Nota: Para se utilizar na prática teríamos que chegar a um negócio em que as partes nada
disseram e queriam dizer, temos que ter um regime supletivo que não exista (o que é difícil),
tendo que ser algo que não pode ser decisivo – só assim vamos ao 239 e o juiz tem que pensar
o que é que as partes iriam decidir nesta situação.

§ Aula 10 (28/03/2022)

Introdução aos vícios de vontade – Forma

Os vícios podem incidir em dois planos:



a) Na própria vontade em si – o processo que leva à tomada de decisão do sujeito
autónomo é perturbado – havendo um vício na formação de vontade;
b) Na declaração – a vontade, em si, formou-se devidamente; no entanto, algo interfere
aquando da sua exteriorização, de tal modo que a declaração não corresponda à
vontade real do sujeito – havendo divergência entre a vontade e a declaração.

Neste sentido, temos:

a) Na própria vontade em si
a. Ausência de vontade:
i. Coação física (artigo 246);
ii. Falta de consciência da declaração (artigo 246);
iii. Incapacidade acidental (artigo 257, em parte).
b. Vontade deficiente:
i. Por falta de liberdade (coação moral, artigos 258 e seguintes);
ii. Por falta de conhecimentos (erro-vício, artigos 251 e 252 e dolo,
artigos 253 e 254);
iii. Por ambos (incapacidade acidental, artigo 257, em parte).

b) Na declaração
a. Intencionais:
i. Simulação (artigos 240 e seguintes);
ii. Reserva mental (artigo 244);
iii. Declarações não sérias (artigo 245);
b. Não intencionais:
i. Erro-obstáculo (artigo 247);
ii. Erro de cálculo ou de escrito (artigo 249);
iii. Erro na transmissão (artigo 250).

Tendo nota de que: as soluções que o Direito faz corresponder a estes vícios são norteadas
por dois princípios fundamentais: autonomia privada e tutela da confiança.
Introdução – Forma

Numa acessão ampla, todas as declarações de vontade têm uma forma; não sendo essa
acessão que é utilizada pela definição de “forma” no Direito – esta é utilizada, no nosso
Direito, como uma exteriorização de vontade mais solene.

Nota: tradicionalmente diz-se que o Direito Comercial é mais ágil e menos formal, que o
Direito Civil; mas temos de ter em atenção que em áreas como o Direito Financeiro (bancário,
seguros, etc..) foi introduzida mais formas para tentar equilibrar a desigualdade entre as
partes, que acontece com frequência nesta área – ou seja, num sentido macro, no âmbito de
direito comercial, é necessário distinguir a forma:

- Em critério substantivo – respeito à declaração enquanto um todo; se não for respeitada, o
resultado é a nulidade – exemplo: art.º 220;
- Em critério declaratório – exemplo: art.º 364 nº2.

Perguntas sobre a Forma



1º Qual é a diferença entre a Forma e Formalidade?
R: A forma é apenas como é que a exteriorização de vontade se assume; a formalidade são
todos os outros elementos formais que o legislador impõe (Ex: art.º 410 nº3 do CC)

2º Porque é que se exige Forma?


R: por diversos motivos, nomeadamente:
a) solenidade – uma serie de contratos que pela sua importância a lei impõe uma forma;
b) reflexão – a exigência de uma forma leva a ponderação de uma forma mais efetiva das
consequências;
c) prova – é muito mais difícil provar a existência e o conteúdo de um contrato celebrado
oralmente, face a um contrato com forma;
d) dinheiro – a razão por que historicamente foram impostas formas especiais foi a
necessidade de dinheiro por parte do Estado – tendo nota de que ainda hoje é assim.

Em suma:
- A palavra forma é usada numa acessão estrita;
- É necessário distinguir tipos de formas;
- É, também, necessário distinguir entre formas e formalidades;
- É necessário conhecer o porquê de se exigir a forma.

Base Legal importante para esta parte:



- art.º 219 e 220
- art.º 221 / 222 e 223 – clarificam também o que é que acontece às estipulações acessórias.

Existem 3 tipos de origens de formas:
- Formas especiais exigidas por Lei – exemplo, 874;
- Formas voluntarias – o declaratório adota uma forma especifica que não era necessária –
222;
- Formas convencionais – 223 – as partes assumem
=/=

Nota: para a matéria dos vícios de vontade fazer um esquema, com situações tipo, para cada
um dos vícios.

Vícios da Vontade – parte mais relevante do semestre [vem sempre nas frequências e orais]

Respeitam a dois momentos distintos – ou à vontade em si, ou os vícios respeitam à
declaração, que é incorreta (com exteriorização de vontade).

Vícios Atípicos:

Vício da influência indevida – o negócio só foi celebrado porque uma das partes exerce uma
influência indevida sobre a outra parte – este vicio não está no nosso Código Civil, mas pode
ser:
a) Necessário trazer vícios atípicos para o Código Civil, na medida em que seja possível
reconduzi-los a um artigo do Código Civil – Ex: reconduzir o vicio da influência indevida
ao da coação moral - Nota: isto é o mesmo que dizer que não existem vícios atípicos;
b) Admitir que existem vícios atípicos – onde os vícios estão consagrados na sistemática;
§ Aula 11 (01/04/2022)

Nota inicial: o artigo 246, para o professor António Menezes Cordeiro, “na parte em que refere
a falta de consciência da declaração, entra em colisão com as regras de interpretação e,
particularmente, com o artigo 236” e com o artigo 247.

Vícios de Vontade – a vontade é que é malformada e, neste caso concreto, não há vontade de
celebrar; a forma de analisar e aplicar estes vícios é perceber cada elemento destes – devem
sempre ser analisados à luz do artigo 236.

1º Coação absoluta (art.º 246) [para o regente, física não é um nome correto] – Exemplos:
a) “Se não me vendes o teu computador, vou dizer mal de ti a toda a gente” – coação
moral por meios morais;
b) “Não me vendes, dou-te um tiro” – isto não é uma coação física, mas uma coação
moral por meios físicos, não cai no 246;
c) “A está distraído, B pega-lhe na mão e assina o contrato à força com a mão dele” –
coação física. São situações de coação absoluta.

Requisitos
1- Vontade é realizada por outro sujeito;
2- De forma forçada.

Consequências

a) inexistência;
b) nulidade – aplicado à coação absoluta, art.º 286;
c) anulabilidade.

2º Falta de consciência da declaração de vontade (art.º 246) – o caso português é curioso


porque o legislador de 1966 positivou vários vícios que são muito teóricos;
Exemplo tipo: António entra dentro de uma leiloeira quando está a ser realizado um leilão;
imaginando que António levanta a mão para dizer adeus e é interpretado como querer fazer
uma oferta. / Isto levanta uma análise perante o artigo 236;
Declarante – António
Declaratário – leiloeiro

O artigo 246 só pode ser invocado para efeitos de consciência de declaração, se o declaratório
normal perceber a falta de consciência. Portanto, para resolver o caso do leilão, se para o
declaratário normal aquilo é um lance, então o lance foi feito e a consciência é irrelevante; só
podemos invocar o artigo 246 quando o declaratário normal vier a dizer que não existe uma
declaração de vontade - nesse caso não produz efeitos e cai na nulidade.

Artigo 246 (última parte), sob análise sobre caso do leilão: levanta e mão e o leiloeiro acha que
é um lance, mas não é e cai na nulidade; mas no caso do declaratário normal achar que mesmo
assim a pessoa podia achar que era um lance, o outro tem dever de indemnizar. O
comportamento pode causar dúvidas.

Nota: o artigo 246 é a exceção; na falta de consciência de declaração, é necessário analisar


sempre à luz do caso do leilão / sendo este artigo sempre utilizado com o artigo 236.
Consequências

a) nulidade – mas mesmo sendo nulo pode dar azo a indemnização à luz da parte final do art.º
246.

Nota: Este é um vicio que se não existisse o sistema dava uma solução.

3º Incapacidade acidental (art.º 257) – visam a proteção do próprio incapaz

Requisitos:

Tem 3 requisitos subjetivos (que respeita ao sujeito concreto):



a) Acidentalmente incapacitado – significa que não está sempre incapacitado e, portanto,
permite distingui-lo do regime de maior acompanhado;

b) Devido a qualquer causa – estamos a reportar um sujeito concreto, é alguém que está
incapacitado, momentaneamente, devido a qualquer causa, não havendo distinção
perante a lei; o problema mais obvio é: e se o sujeito se tiver colocado nessa situação?
– neste caso, continua igual (pelo 257/1 – não fazer nenhuma distinção), só era
diferente se este se colocou voluntariamente na situação para realizar um negócio e
invocar o princípio da incapacidade acidental (abuso de direito – 334).

c) Aquela situação em que se encontra leva:



- A que não consiga entender o sentido da declaração;
ou
- A que não esteja a exercer livremente a sua vontade.

E também 1 requisito objetivo:



a) Tudo o que foi falado é relevante, mas se ninguém se apercebe os requisitos subjetivos
são insignificantes; os art.º 236 e 257/2 vão resolver isto – se um declaratário normal o
pudesse notar.

Consequências

a) anulabilidade – diz-nos o art.º 257.
b) Alguém que conscientemente negocie com alguém em capacidade acidental pode
sujeitar-se, não só à impugnabilidade no negócio (257/1), como também incorrer em
responsabilidade, por violação dos deveres de lealdade e de segurança in contrahendo
(227/1) ou, até, por atentado aos direitos de personalidade (483/1).

§ Aula 12 (04/04/2022)

Coação Física

Para o professor António Menezes Cordeiro, “a primeira e mais radical forma de atentado à
liberdade negocial é a coação física”.

Nesta, alguém é levado, pela força, a emitir uma declaração, sem ter qualquer vontade de o
fazer.

Diferenças entre coação física e coação moral



a) Coação física – exercida por meios materiais - Exemplo: pegar na mão à força para
assinar;
b) Coação moral – exercida por meios psicológicos - Exemplo: ameaças de agressão se
não assinar.

Coação moral [artigos 255 e 256 do Código Civil]

Requisitos:

a) Haver ameaça – pode ser:
a. Expressa – Exemplo: se não celebras este contrato levas um tiro;
b. Tácita – Exemplo: meter uma arma em cima da mesa;

podem ser ainda:


a. Contra pessoas;
b. Contra bens.
Exemplo: um mafioso quer celebrar um contrato com x; a reputação de “mafioso” pode
significar ameaça? - mesmo quando não havia qualquer intenção para tal? – para este autor
sim, em casos onde há uma fama que ele é muito violento, então há coação; o regente não
tem a certeza sobre a resposta – sistema móvel (quando um dos requisitos do sistema móvel é
muito forte, podendo a não verificação dos restantes não serem um entrave) – temos que ter
em atenção a diferença entre a doutrina e os tribunais.

b) Ilicitude da ameaça (art.º 255 nº3) – existem ameaças licitas, nomeadamente, a


ameaça de levar o processo a tribunal; (Ex: ou tu pagas o que deves ou vou dizer aos
jornais que és um caloteiro – o regente não sabe se é uma ameaça licita ou ilícita;
agora num país onde a justiça funciona de forma extremamente lenta, a ameaça de
exposição ao público da situação será válida? – para o regente parece que sim);

c) Dupla causalidade da ameaça – diz-nos que é necessário que a ameaça cause medo e
que esse medo seja determinante para a celebração do negócio (Ex: imaginando que
uma criança chega a fazer uma ameaça, considera-se que essa ameaça não cause
medo);

d) Finalidade de extorquir uma declaração negócio – é um ponto fulcral.

Consequência:

a) Anulabilidade da declaração negocial; sendo a coação também passível de ser feita
por terceiro (Ex: ou tu vendes o computador ao meu filho ou...), porém neste caso os
requisitos são mais exigentes.

Artigo 255/3 – “nem o simples temor reverencial” – há de uma das partes do negócio uma tal
admiração pela outra, que lhe leva a celebrar um contrato; ou até um “medo” de desiludir a
outra parte, então, esta celebra o negócio.
 [leva-nos ao problema da]
Influencia indevida – Direito Inglês

1º - Há uma capacidade por parte de uma dar partes para influenciar outro;
2º - Essa capacidade de influenciar é efetivamente exercida;
3º - Essa influência é feita de forma indevida;
4º - Há um nexo de causalidade entre a forma que essa influência foi exercida e a declaração
negocial.

Exemplo: um professor que chega ao pé de um aluno a propor um contrato;

Para resolver este caso – temos várias opções:



a) Digo que cai na coação (mas a ameaça tem que ser preenchida de forma mais ampla);
b) Um negócio celebrado por influência indevida viola os bons costumes – alemães;
c) Dizer que é um vício atípico e deve ser trazido para o direito comum.

Hoje em dia, ou utilizamos o a) ou o b) – para o regente podemos usar qualquer um dos dois.

Nota, sobre Direito Internacional: no ponto de vista do Direito Europeu, este vicio é
consagrado.
Nota: Isto cai: no Direito do Consumo e no regulamento geral de proteção de dados.

§ Aula 13 (08/04/2022)

Declarações não sérias [artigo 245 do Código Civil] – a declaração diz-se não-séria quando o
declarante, apesar de lhe dar uma conformação jurídica, a faça não com o objetivo de concluir
um negócio, mas, simplesmente, de efetuar uma tirada jocosa, jactante, publicitária, cénica ou
ilustrativa.

Nota: o artigo 245 deve sempre ser analisado em relação ao artigo 236.

Na declaração não séria temos três situações distintas:



a) Declaração patentemente não séria – art.º 245 nº1 – não produz efeitos; (Ex: temos
uma peça de teatro onde o ator diz que casa com a primeira pessoa que disser sim e
uma pessoa da plateia diz aceito). Elementos/requisitos:
a. Falta de Vontade – o declarante não pretende concluir qualquer negócio;
b. Modo – o modo como essa vontade é exteriorizada evidencia essa falta de
vontade (à luz do declaratório normal);
c. Expectativa – temos uma expectativa que a falta de seriedade não seja
desconhecida (sendo um elemento subjetivo).

b) Declaração patentemente não séria, mas que, por particulares condicionalismos,


enganou o declaratório – o que está em causa é o art.º 245 nº2; aos três requisitos
anteriores vamos acrescentar mais três:
a. O declaratório acha que a declaração é seria – no caso concreto a pessoa
acreditou;
b. Há um conjunto de circunstância que provocam aquela convicção;
c. Essa convicção é justificável – ou seja, o declaratório normal confrontado com
aquilo tudo acha que para o declaratório real isso se justifica.
As consequências disto é a possibilidade de responsabilização civil (final do nº2 do art.º
245) – Nota: isto nunca foi aplicado. / A aplicação disto é quase uma atribuição de
culpa ao declarante, sendo que neste caso este teria que ter conhecimento que
poderia estar a causar tal coisa.

c) Declaração secretamente não séria – aqui falta o 2º requisito (o modo) - Ex. alguém
diz com ar sério num ambiente negocial que quer negociar; esta declaração cai no art.º
244 – o negócio é valido.

Hipótese problemática: a declaração normal que, por força das circunstâncias, seja entendida
como não-séria. O declaratário que, nessa base, a aceita, fica vinculado?

Resposta para o professor Menezes Cordeiro: “a chave reside no artigo 236.º. Se a declaração
for tomada, pelo declaratário normal, na posição real, como não-séria, ela cai no artigo
245.º/1, mesmo quando fosse seriíssima. Logo, a sua aceitação é irrelevante”.

Nota: Inexistência é igual a nulidade para o professor António Menezes Cordeiro e para a
maior parte da escola de Lisboa / tendo nota que existem professores clássicos que fazem a
distinção.

Reserva Mental (artigo 244 do Código Civil)



Diz-se haver reserva mental quando o declarante emita uma declaração contrária à sua
vontade real, com o intuito de enganar o declaratário – ou seja, o declarante quer uma coisa e
diz outra: não por engando, mas para fazer crer, ao declaratário, que a sua vontade era
diversa.

Tipos

Reserva absoluta – caso o declarante não pretenda nenhum negócio;
Reserva relativa – queira um negócio diferente do declarado.

Reserva inocente – não vise prejudicar ninguém;


Reserva fraudulenta – vise prejudicar outrem.

Tendo nota de que, sendo a reserva mental um critério interno, não prejudica a validade da
declaração; tal como diz o professor Manuel de Andrade:

“É difícil conceber que existe alguém tão falho do senso jurídico que suponha que, pelo simples
facto de não querer os efeitos jurídicos correspondentes à sua declaração, isto baste para
invalidar o respetivo negócio”.

Quanto à remissão para o uso dos efeitos da simulação quando a reserva seja conhecida pelo
declaratário, Menezes Cordeiro – “Ora, na reserva conhecida pelo declaratário, não há tal
acordo nem, logicamente, o comum intuito de enganar terceiros. A remissão final do artigo
244.º/2 deve, pois, ser lida em termos cabais para a simulação (...): esta só se aplicará se se
encontrarem reunidos os seus diversos requisitos”.
Consequências

a) Nulidade – SE E APENAS SE a reserva for conhecida pelo declaratário; em qualquer


outro caso, a reserva mental não “prejudica a validade da declaração”.

§ Aula 14 (11/04/2022)

Simulação [artigo 240 do Código Civil]

Simulação

Relativa Aboluta

Subjetiva Objetiva

Total Parcial

Requisitos:

a) Acordo entre declarante e declaratório – não basta, para anunciarmos simulação, que
existe diferença entre a vontade real e a vontade declarada (o que a permite distinguir
da reserva mental, presente no art.º 244);
Nota: como há necessidade de acordo, a doutrina discute se um contrato unilateral
pode ser simulado – mas, conclui-se que, pode existir simulação, com intervenção
externa (Ex: António deixa casa a Bento por testamento, mas António, Bento e Carlos
estão todos acordados para quando tal acontecer ser Carlos a utilizar a casa);
b) Divergência intencional entre a vontade real e vontade declarada – as partes
declaram uma vontade para o exterior, quando na verdade têm outra vontade;

c) Intenção de enganar terceiros – no Código de Seabra dizia-se prejudicar terceiro,


agora basta a intenção de o enganar –> a) declaração fraudulenta / b) declaração
inocente | há uma nova ideia de uma professora que nega a ideia do professor
Menezes Cordeiro, onde diz que a lei é clara e basta enganar; mas para o regente, para
o Direito Civil apenas importa o dinheiro, se nos casos a parte não foi prejudicada,
deverá o tribunal intervir? – para o regente à luz de uma interpretação do art.º 9 tal
não pode ser; mas o regente aceita a intervenção em apenas declarações
fraudulentas.

Modalidades [importante saber todas]:


a) Absoluta vs. Relativa
a. Absoluta – é absoluto quando as partes não pretendam celebrar qualquer
contrato; nós temos sempre o negócio simulado (o que vem para o exterior) e
o negócio dissimulado (o que fica no interior), nas simulações absolutas por
debaixo do negócio simulado não há nada (Ex: a compra e venda de uma casa
onde não é pago dinheiro, nem é entregue a casa) – o negócio dissimulado é
apenas uma negação – “tudo fica na mesma”;

b. Relativa – aqui as partes pretendem uma efetiva alteração do status real, mas
com contornos distintos dos declarados para o exterior; o que é escondido é o
negócio que realmente queremos (Ex: negócio de compra e venda onde o
negócio dissimulado é uma doação) – há sempre algo que está escondido e é
diferente do que foi dito.
i. Subjetiva – sempre que incidir sobre as próprias partes; exemplo:
negócio dissimulado onde as partes reais são diferentes das partes
declaradas pelo exterior (subjetiva – sujeito) – Exemplo: A vende a B e
ambos combinam que se declare vender a C.
1. Por interposição fictícia de pessoa – existe uma pessoa que se
interpõe ficticiamente (Ex: negócio simulado entre A e C, mas
na verdade era entre a A e B);
2. Por supressão do sujeito real – há supressão (eliminação) de
um sujeito (Ex: negócio entre A e B e, depois, de B e C; pode
haver simulação para parecer que o negócio foi diretamente
entre A e C).
ii. Objetiva – quando a divergência recaia sobre o objeto do negócio ou
sobre o seu conteúdo - a divergência está no objeto (em sentido
amplo)
1. Total – a divergência entre o tipo de negócio que é simulado e
o negócio que é pretendido (Ex: contrato de compra e venda
e, na verdade, aconteceu uma doação);
2. Parcial – a divergência é em relação a clausulas – Ex: preço*.

*Parcial [exceção] – é uma construção jurisprudencial, se for parcial, nomeadamente com


valores de dinheiro, não há verdadeiro nulidade, mas sim é a clausula dissimulada que deve ter
sida em consideração para efeitos jurídicos, no fundo o que se faz não é dizer que a compra e
venda é nula, mas sim o preço.
Exemplos de simulação: António vende uma casa a Bento que tem valor de 150.000€,
declaram 100.000€ ao fisco e os outros 50.000€ vão por debaixo da mesa / As partes fingem
celebrar doação quando, na verdade, estão a celebrar um contrato de compra e venda / Na
compra de um café pelo BCP, é utilizado outra pessoa como comprador para comprar a preço
de café e depois poder construir uma decretal – em vez de pagar o preço de uma decretal.

Simulação inocente – quer apenas enganar, tendo sempre em conta o próprio resultado;
Simulação fraudulenta – quer também prejudicar, tendo sempre em conta o próprio resultado
– menção no artigo 242/1 do Código Civil.

O que acontece se verificarmos que o negócio é simulado? - art.º 240/2 do CC, É NULO (quer
seja absoluto, relativo - 241, subjetivo, objetiva, total) – Ex: doação que é um negócio
simulado, onde o negócio dissimulado é uma compra e venda + é muito importante esclarecer
as consequências também no negócio dissimulado – art.º 241 do Código Civil.

Há exceções, nomeadamente:
- Casamento simulado – anulável (art.º 1635 d) do Código Civil);
- Testamento simulado – anulável (art.º 2200 do Código Civil).

Art.º 241 – salva a vontade real das partes; onde a vontade simulada é nula, mas a vontade
dissimulada é salva – tendo que ser, no entanto, sempre analisada sobre a sua validade [o que
se está a dizer é para analisar o dissimulado, como se este tivesse sido feito às claras] – ou seja,
mesmo que o negócio simulado seja sempre nulo, o dissimulado pode ser válido.
Art.º 241 nº2 – faz exceção (Ex: António e Bento celebram negócio de doação de automóvel,
onde a verdadeira vontade é de compra e venda – salvo pelo 241 / o nº2 só se vai aplicar a
negócios que exigem forma legal – Exemplo: imoveis – onde a vontade real não é salva. *

*Teorias:
a) Teoria da forma da declaração [prof. Mota Pinto e Galvão Telles] – só é possível salvar a
doação se na declaração da vontade se conseguir retirar de lá que as partes queriam um
contrato de compra e venda; se a lei exige uma determinada forma, então as declarações em
que se depreende que querem outro negócio, tem que respeitar a forma legal, ou seja, as
contradeclarações também teriam que respeitar a forma legal do dissimulado – problema:
nunca vamos retirar isto – o regente diz para descartar;
b) Teoria da forma do negócio [prof. Pedro Pais de Vasconcelos, Antunes Varela e Pires Lima] –
há a validade, sempre que exista uma identidade entre a forma empregue pelo negócio
simulado e a forma exigida pelo negócio dissimulado, por exemplo, diz que se a doação de
bens imoveis exige escritura pública e a compra e venda também exige escritura pública – se
há uma coincidência entre a necessidade formal entre o negócio simulado e o negócio
dissimulado então a forma foi cumprida; se tiver sido usada no simulado a forma que a lei
exige para o dissimulado, então estará tudo bem - não é necessário que as declarações que
são feitas às escondidas tenham a forma prevista;
c) Teoria da ratio da forma [prof. António Menezes Cordeiro, Castro Mendes, Carvalho
Fernandes] – todas as formas têm um propósito, não bastando a coincidência das formas;
temos que ver se as razões da forma do negócio 1 é igual à do negócio 2; se não forem não
basta o comprimento da forma – caminho hoje percorrido pela esmagadora maioria da nossa
jurisprudência; basicamente dizem que a primeira teoria é demasiado rígida, e a segunda
pouco rígida, então veem dizer que a forma do simulado aproveita o dissimulado, desde que o
simulado contenha os elementos essenciais para os quais a lei exige aquela forma para o
dissimulado. Temos que saber as razões de ser da forma exigida, e se essas razões
corresponderem às razões do dissimulado, então a forma do simulado aproveita a do
dissimulado.
Nota: se a lei prever uma forma mais exigente para o negócio dissimulado, então só é válido se
a contradeclaração obedecer a essa forma mais exigente.

Art.º 242 – permite a nulidade do negócio simulado pelos próprios simulados – contraria a
máxima que diz que se alguém vem a tribunal pedir uma coisa é bom que venha de mãos
limpas, não podendo ser esta quem cometeu a ilicitude e pedir – o art.º 242 nº1 permite
afastar o art.º 334 e permite o afastamento da máximo referida / nº2 – Ex: os pais celebram
um negócio para prejudicar um filho e beneficiar outro filho – pode o filho prejudicado, com os
pais vivos, invocar simulação? – sim, se se provar que o negócio foi feito para prejudicar
diretamente.

Art.º 243 – nº1 – Ex: o direito de preferência na compra de um imóvel, vamos imaginar que
António vende imóvel x por 100.000€, por debaixo da mesa Bento dá mais 50.000€ e Carlos
tinha direito de preferência e bate os 100.000€ - neste caso, os tribunais têm considerado que,
por vários caminhos, mas o mais fácil será pelo abuso de direito – se o Carlos for informado
que o negócio é dissimulado e o negócio na verdade é 200.000€, não pode ir a tribunal dizer
que o negócio é de 100.000€ - neste caso, os simuladores não podem dizer que o preço era, na
verdade, 200.000€ - ou seja, não podem arguir simulação contra terceiros de boa-fé.

Nº2:
Divergência na doutrina:

Boa-fé em sentido psicológico (interpretação declarativa do artigo) – boa-fé como ignorância
do vício, ou seja, se o sujeito não conhecia do vício;
Boa-fé em sentido ético (prof. Menezes Cordeiro) – aqui não basta a mera ignorância, mas sim
se for uma ignorância não culposa (se por acaso o terceiro não sabia da simulação, mas tinha
obrigação de saber, então não deve estar considerado em boa-fé).

A simulação pode dar origem a 3 tipos de conflitos entre terceiros



a) Conflito entre dois subadquirentes – conflitos entre C e D, cada um adquire de um
tipo de simulador; neste caso – Ex: Há um bem que pertence a A (simulador alienante)
que vende simuladamente a B (simulador adquirente); depois B vende a C (C adquiriu
do simulador adquirente); posteriormente A vende a D (D adquiriu do simulador
alienante)

b) Conflito entre credor do simulador alienante e credor do simulador adquirente – Ex:


A vende simuladamente a B; B tem um credor C e A tem um credor D; C, que é credor
de B quer penhorar o bem; mas o D também quer penhorar o bem.

c) Conflito entre credor de um e um subadquirente de outro – pode ainda haver conflito


entre credor de um e subadquirente de outro; Ex: A vende simuladamente a B, que
vende a C; mas A tem um credor D.

Nota para resolver o problema – hipóteses:



i) Ambos podem estar em má-fé – podem invocar simulação entre si – visto que
estão ambos em má-fé; se a lei permite ao simulador que é um sujeito em má-fé,
também tem que permitir a terceiro em má-fé;
ii) Um estava em má-fé e outro em boa-fé – apenas pode invocar o vício aquele que
estava em boa-fé;
iii) Os dois estão em boa-fé – aqui, Galvão Telles defende a tutela da aparência, ou
seja, diz que prevalece aquele que confiou na aparência; o resto da doutrina diz
que se ambos estão em boa-fé não dá para desempatar, tendo que utilizar os
critérios gerais para resolver – no primeiro exemplo, seria D; ou seja, quando há
um negócio simulado que é nulo, parece mais justo dar vantagem a quem realizar
um negócio que não tem por si um antecedente de nulidade – “estando os dois de
boa-fé, prevalece o terceiro que se arroga de um direito que se deriva do
verdadeiro titular”; a única hipótese polémica é quando os dois estão em boa-fé.

=/=
A é proprietário da casa e B tem direito de preferência; A violando o direito de preferência
vende a casa a C – mas A e C para evitarem impostos tão elevados, na escritura pública de
compra e venda disseram que o negócio estava a ser feito por 300.000€, mas por detrás
disseram que era 500.000€.
O negócio simulado por 300.000€ é nulo – 241; e o negócio dissimulado por 500.000€ é válido
(neste caso não levanta o problema das teorias do art.º 242/2 – visto que é só o preço); neste
exemplo, surge o problema sobre o direito de preferência – quando o preferente B tomou
conhecimento da escritura por 300.000€ veio exercer direito de preferência a dizer que não
lhe foi dada a oportunidade de preferir; aqui pode haver um problema – pode o B exigir que o
direito de preferência seja exigido por 300.000€ ou o simulador pode exigir que a preferência
seja por 500.000€ - neste caso, o prof. Menezes Cordeiro (ou Mota Pinto, Carvalho Fernandes,
Almeida e Costa, etc.) diz que deve ser exercido o direito de preferência pelo preço real, sob
pena de agir em abuso de direito – dizem que quando o 243/1 proíbe a invocação da
simulação é proteger o terceiro de boa-fé, mas o objetivo da lei é apenas evitar que o terceiro
tenha prejuízo, não dar uma vantagem ao mesmo; (Antunes Varela, Menezes Leitão) mas há
quem diga que, como B é um terceiro em boa-fé, pelo art.º 243, A não pode declarar
simulação contra B, então este pode preferir pelo prazo mais baixo, 300.000€.

§ Aula 15 (22/04/2022)

Frequência – sai ainda vícios (de certeza absoluta – vai sair obrigatoriamente a boa-fé e a
culpa in contrahendo, mas também outros) e o abuso de direito.

=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=/=

Erro [artigo 247 e seguintes do Código Civil] – o legislador usa, hoje, o erro na declaração para
fixação do regime geral – erro na declaração:

Serve de exemplo o seguinte: A passa numa loja, onde na montra está uma jarra chinesa azul;
entra e pergunta se é uma jarra chinesa e a dona diz que sim; no dia seguinte a montra da loja
é alterada para uma jarra vermelho; A telefona para la para comprar a jarra da montra.

Neste caso, a vontade não foi formada erradamente, nem ninguém enganou – mas, por
alguma razão, há diferença entre as vontades – no art.º 247 pensar sempre no exemplo da
jarra.

Requisitos [art.º 247]:



a) Vontade declarada não corresponde à vontade real do autor – tendo um ato de
aplicação muito mais restrito;

b) Essencialidade da divergência – diz-se que há essencialidade relativa a certo elemento


quando, sem ele, o declarante não tivesse emitido a declaração de vontade com o
sentido que veio a ser exteriorizado – ou seja, se essa não correspondência foi
determinante; distingue-se de essencialidade:

a. Total – erro é de tal forma que o declarante não concluiria o contrato;
b. Parcial – o declarante até teria feito negócio, só que em termos diferentes.

c) Cognoscibilidade da essencialidade – o conhecimento da essencialidade do elemento,


por parte do declaratário - Exemplo: ela conhecia? Não; tinha o dever de conhecer?
Também não / isto é muito importante – se é exigível à outra parte saber a vontade
real do declarante – ou seja, o declarante tem que de demonstrar que o declaratário
conhecia, ou devia conhecer, a essencialidade da divergência (se fosse do erro, seria
dolo).

Artigo 248 – Ex: o proprietário da loja diz que lhe pode enviar a jarra azul; na vida prática, as
partes normais, mesmo não tendo preenchido os princípios da cognoscibilidade ainda o fazem.

Artigo 251 – efetivo erro, mais comum.



a) Quanto “à pessoa do declaratário” – pode reportar-se à sua identidade ou às suas
qualidades – só será relevante quando colha um elemento concretamente essencial,
sendo – ou devendo ser – essa essencialidade conhecida pelo declaratário (247);
b) Quanto “ao objeto do negócio” – é entendido como, não só, a sua identidade ou as
suas qualidades, como também o seu valor (segue, também, o regime do 247).

Exemplo: possível quadro do Picasso – entro numa galeria e olho para um quadro e acho que é
um Picasso, não dizendo nada sobre achar que era um Picasso e compro sem mencionar que
queria comprar um Picasso; depois chego a casa e dizem-me que não é um Picasso.

Exemplo: entro numa galeria e digo que sempre quis comprar um Picasso e compro por
1.000.000€ - aqui há a obrigação do vendedor saber a real vontade;
Entro numa galeria e digo que sempre quis comprar um Picasso e compro por 1.000€ - aqui o
vendedor pode achar que ele estava a brincar, por causa dos 1000€.

Pensar sempre no caso do Picasso
+ usar SEMPRE os 3 requisitos para este artigo.

Consequência:

a) Anulabilidade (art.º 287)

- Este artigo 287 abrange também a pessoa do declaratário (Ex: entra alguém no escritório e
diz que está aflito, dizendo também que precisa do melhor professor de direito do país e o
professor era de matemática e não sabia nada de direito – achava que essa pessoa tinha
experiência e não o tinha), tem os 3 requisitos:
a) era essencial ele ser professor de direito?
b) era possível o professor de matemática não saber que ele queria um professor de direito?

Dolo [artigo 253 e 254 do Código Civil] – erro com dolo (diferente de erro simples)

Artigo 253 – O dolo dá lugar a uma espécie agravada de erro: é um erro provocado, nas
palavras de Manuel de Andrade.

Ex: entro na galeria e o vendedor diz que está ali um Picasso, quando não o é; compro esse
quadro por 100€; chego a casa e descubro que não é Picasso e quero devolver;
ou
Ex: entro na galeria e o vendedor diz que está ali um Picasso, quando não o é; compro esse
quadro por 1.000.000€; chego a casa e descubro que não é Picasso e quero devolver.

O problema é que a frase “está ali um Picasso” pode ser utilizada para significar um quadro,
por exemplo, de excelência ou para um quadro parecido.

Nestes casos – art.º 253:

Requisitos:

a) Haja uma sugestão ou um artificio – ou seja, que o declarante esteja em erro e que
esse erro tenha sido causado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro – que
recorreu a qualquer artifício, sugestão ou embuste para o fazer – são os 3
requisitos.

b) Intenção ou consciência de induzir ou manter o erro o autor da declaração – tem


que ser analisada à luz dos factos todos – no exemplo anterior, temos que olhar
para o preço, nos 100€ este, quando diz “está ali um Picasso”, pode estar a brincar;
já no segundo caso, há uma sugestão que é intenção de induzir ou manter em erro;

c) Dissimulação – Exemplo: eu pergunto se é um Picasso e o vendedor diz: “é um


quadro único, nunca vi nada assim”, sem responder se é um Picasso ou não – isto
tem como função dissimular.

Nº2 – exemplos:

a) Um anúncio da Axe onde era colocado o axe, sai a rua e todas as mulheres estão
interessadas; alguém compra a achar isto;
b) Alguém compra um Red Bull e salta da janela a pensar que dava asas.

Estas situações são sugestões consideradas legitimas quanto às conceções dominantes no
comércio jurídico;

- Mas o nº2 levanta a questão do 227 (segunda parte do nº2): se eu entrar dentro da FNAC e
disser que quero comprar este computador porque tem CDs e não o tem, o vendedor está
obrigado a informar;

Resposta: depende – o António coloca o automóvel à venda e Bento coloca várias perguntas;
há casos onde não é evidente a necessidade do dever de informação ativa.
Artigo 254/2 – dolo de terceiro, para o negócio ser anulado, se o declaratário não soube do
dolo, mas deveria ter conhecimento do dolo.

- O facto do negócio não ser anulado por dolo, não significa que este não possa ser anulado
por erro – neste caso, temos que ver os requisitos do vício que foi cometido.

Consequências:

a) Anulabilidade (artigo 254/1 do Código Civil).
b) Tendo nota de que: pode fazer-se, em simultâneo, apelo às regras da culpa in
contrahendo.

§ Aula 16 (29/04/2022)

Erro sobre os motivos [artigo 252/1 do Código Civil] – é a exceção feita ao princípio de que os
motivos da celebração do negócio não servem para a sua anulação – ou seja, o
reconhecimento, por acordo, da essencialidade do motivo durante a celebração.

Exemplo clássico: Antónia acha que foi convidada para um baile de gala; entra numa loja e diz
que só vai comprar o vestido porque foi convidada para um baile de gala; chega a casa e
percebe-se que o convite não era para ela; no dia seguinte vai à loja e diz que vai devolver o
vestido porque, afinal, não foi convidada para o baile – há um erro (falsa perceção da
realidade) porque acha que foi convidada para o baile, mas tal só seria anulável se fosse
reconhecida pelas a essencialidade do motivo.

Requisitos

a) Falsa perceção da realidade;
b) Essencialidade – aquele motivo é essencial – foi por causa dessa falsa perceção da
realidade que foi realizado o negócio;
c) Acordo – tem que haver um acordo [que pode ser tácito] – no caso anterior: a pessoa
da loja tem que demonstrar que entende que havia essencialidade.

Nota: para identificar se o que está em causa é um erro do objeto, pessoas ou motivo –
pensar qual o motivo que os leva a consagrar o negócio.

Nota: não confundir com a condição resolutiva, visto que esta implica vontade condicional.

Erro sobre as bases do negócio [artigo 252/2 do Código Civil] – é muito difícil encontrar o
núcleo deste artigo – mas na celebração de um negócio já está implícito que a celebração
apenas acontece devido àquele pressuposto objetivo e quando não é absoluto, não é
soberano;

- A base do negócio não se confunde com as alterações das circunstâncias [Ex: António sabe
que por uma determinada rua irá passar uma coroação de uma princesa, no dia 3; António
celebra contrato de arrendamento de uma janela no dia 1 para o dia 3; no dia 2 a coroação é
desmarcada porque a princesa apanha COVID] – ou seja, no dia 1 ele não tem falsa perceção
da realidade – ou seja, aqui temos uma alteração das circunstancias; seria um erro sobre a
base do negócio se, por exemplo, por informação errada convenceram-se, erradamente, que o
desfile iria passar nessa rua, sendo que isso nem estava previsto.

Uma alteração das circunstâncias difere-se do erro sobre a base do negócio, pois esta
alteração não tem falsa perceção da realidade.

Ex: alguém em janeiro de 2020 celebrou um contrato de arrendamento em Lisboa; com o
COVID perde muito dinheiro.

Exemplo do bar – A compra um terreno para construir um bar; mas depois a camara não dá a
licença para que tal aconteça.

As circunstâncias quase que fazem parte do próprio contrato – não consegue a licença, então
há erro sobre as bases do negócio;

- No ponto de vista prático, utilizamos a argumentativa se é possível utilizar os bens para os


meios pretendidos – Ex: Antónia pode continuar a usar o vestido; já no terreno, este foi
comprado para a possibilidade de construir um bar – há erro sobre as bases dos negócios.

Tipologia das ineficácias



a) Ineficácia em sentido amplo;
b) Invalidade
a. Nulidade
b. Anulabilidade
c. Invalidades mistas
d. Inexistência
c) Ineficácia em sentido estrito.
c) Ineficácia em sentido estrito

Na ineficácia em sentido estrito, o negócio, em si, não tem vícios; apenas se verifica uma
conjunção com fatores extrínsecos que conduz à referida não-produção.

Invalidades – numa resolução de casos de vícios de vontade, a primeira parte é a identificação


do vício em si – e preenchem-se os requisitos, depois temos as consequências de tal/tais
vícios:

a) Inexistência – não há artigo (mas é incorreto dizer que não existe), no caso da
inexistência, temos (- Ex: coação física)
a. Inexistência material – na inexistência material não haveria nada – uma vez
que faltariam os próprios elementos materiais; isto é, por exemplo, não haver
declaração, ou seja, faltam elementos na declaração;
b. Inexistência jurídica – aqui, surgiria ainda uma configuração negocial, a que o
Direito retiraria, no entanto, qualquer tipo de ineficácia
A solução é, quando o legislador usa a expressão inexistência, para se referir a
inexistência jurídica, usar a nulidade.

Exemplo de resposta: por razões históricas e culturais a expressão inexistência foi
incluída no nosso Código Civil, mas para efeitos dogmáticos, bem como, do nosso
regime jurídico, a inexistência assemelha-se ao regime da nulidade.

Tendo nota de que: para o professor Menezes Cordeiro, a inexistência não é reconhecida
como vício autónomo.

b) Nulidade – presente no artigo 286; temos como exemplo a simulação


 [características]
a. Invocável a todo o tempo;
b. Pode ser invocada por qualquer interessado – o que é um interessado? É
necessário interesse jurídico, ou basta interesse fáctico? – para o regente não
parece haver respostas certas, mas o que parece é a necessidade de interesse
no regime jurídico; ou seja, um interesse fáctico não basta para invocar
nulidade.
c. Conhecimento oficioso – ou seja, mesmo que aquele problema não seja
invocado em tribunal, este está obrigado em o conhecer – isto significa que o
tribunal é obrigado a dizer que o negócio é nulo, mesmo que as partes não o
invoquem – tendo nota de que o tribunal não declara a nulidade do negócio,
apenas a declarar.

c) Anulabilidade – presente no artigo 287; temos como exemplo o erro


 [características]
a. Apenas 1 ano até à cessação do vício que lhe deu origem – por exemplo, se
temos uma situação de erro no dia 1 de janeiro de 2020; mas tarde, 10 anos
depois, António descobre que foi enganado – pode invocar a anulabilidade
até 1 ano depois do seu conhecimento do vicio.
b. Apenas as pessoas em cujo interesse a lei estabelece – o problema é que a lei
não o diz; ver caso da coação moral – quem foi coagido pode de certeza; mas
surgem questões, nomeadamente, o pai do coagido – não é claro que seja
assim tão diferente da nulidade; ou seja, a parte lesada; + o regente assume
que a parte que lesou também pode anular; e os outros é mais duvidoso – a
resolução de casos é exclusiva retorica, argumentação.

Aproveitamento de negócios inválidos: a redução e a conversão – Favor negotti – artigos 292


e 293 do Código Civil.

A invalidade dos negócios jurídicos não impede, ainda, a produção de efeitos – ou de alguns
efeitos – nas hipóteses de redução ou de conversão.

Redução – artigo 292 do Código Civil



Requisitos:
a) Uma nulidade ou anulação meramente parciais – o que a lei diz é que a nulidade ou
anulação parcial não determina a invalidade do conjunto;
b) A vontade das partes – tem que se mostrar que, sem a parte viciada, aquele concreto
negócio não teria visto a luz – através do artigo 236 ou 239.

Exemplo: celebrado num contrato de compra e venda, que lhe falta algo, poderá este negócio
ser transformado em um contrato de promessa de compra e venda? – Depende, se este
preenche os requisitos dos artigos.

Conversão – artigo 293 do Código Civil



Requisitos:
a) A manutenção dos requisitos essenciais de substância e de forma – isto deve ser
integrado com os elementos a retirar dos artigos 236/2 e 238/2;
b) O respeito pela vontade hipotética das partes – através da boa-fé e os demais
elementos atendíveis.

A conversão não é parcial (funcionando de forma semelhante à simulação relativa);



Ou seja, quando há um vício, poderá um negócio converter-se noutro?
R: Só o pode quando estejam preenchidos os requisitos do artigo.

§ Aula 17 (02/05/2022)

Direito subjetivo – o conceito de direito subjetivo (ver conceito pelo prof. MC – que foi criado
no ponto de vista de propriedade, comum entre os civilistas; professores de diferentes áreas
apresentam outras bases), mas temos que ter em consideração que não é possível apresentar
uma definição que seja 100% correta – visto que depende do ponto de partida (quero incluir
apenas o sistema português, o legado romano, quero incluir todos os sistemas mundiais, quero
apenas direito privado ou público) tudo isto leva a que seja impossível apresentar uma
definição definitiva.
A ideia transmitida é sempre a mesma – a ideia de autonomia privada.

=/=
Abuso de Direito [artigo 334 do Código Civil] – o preenchimento deste artigo, sem atender à
análise doutrina e à base jurisprudencial é impossível; segundo isto, e nesta linha de
pensamento, o professor António Menezes Cordeiro (onde a utilização do artigo provêm da
tese de doutoramento do professor em 1984):

“é ilegítimo o exercício” – temos que depreender que “ilegítimo” não está usado em sentido
técnico, assim, o legislador pretendeu dizer “é ilícito” ou “não é permitido”.

“quando o titular exceda manifestamente os limite” – deixa-nos um apelo a uma realidade de


nível superior.

“Limites impostos pela boa-fé” – aparentemente, lidamos com a mesma realidade presente
noutros preceitos, com relevo:
a) Artigo 227/1;
b) Artigo 239;
c) Artigo 437/1;
d) Artigo 762/2.
Isto resultaria a um apelo aos dados básicos do sistema, concretizados através de princípios
mediantes: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

“Limites impostos pelo bom costume” – remetem-nos para as regras da moral social

Como o artigo 334 não comporta uma exegese comum, cabe um apelo à Ciência do Direito
atualizada, constituinte e experiente; nesta linha:

A partir do Código Civil, o abuso do direito foi concretizado pela jurisprudência e pela doutrina
na base de grandes grupos de situações abusivas e de acordo com os vetores de uma
sistemática integrada. Apenas depois do seu conhecimento se pode encarar a reconstrução
desse instituto.
Temos que olhar para o abuso de direito (e boa-fé) como mecanismos que pretendem resolver
questões concretos – que não podem invocar conceitos vazios como justiça, etc.

Princípios da boa-fé – para aplicar qualquer destes princípios temos*:



a) Tutela da Confiança – está a proteger a tutela que alguém tem;

Exemplo para perceber: António durante 10 anos estacionou o carro na garagem do vizinho
Bento, que nunca em nenhuma situação lhe cobrou nada; passados 10 anos apresenta uma
conta com 10 de renda da sua garagem; com base isto:
*
1 – Situação da confiança – António estava convencido que podia estacionar gratuitamente na
garagem;
2 – Justificação da confiança – será que a situação do António se justifica à luz do declaratário
normal? Sim, devido aos 10 anos em que Bento não disse nada.
3 – Imputação da confiança – quem é que podemos imputar essa espectativa – neste caso, foi
por Bento que é o dono da garagem; se fosse pela porteira já não estava preenchido;
4 – Investimento da confiança – o que temos que avaliar é se há algum prejuízo causado a
António pela confiança causada – neste caso, os 10 anos de renda que teria que pagar, se este
soubesse que era pago não tinha estacionado lá.

Resposta: é ilegal o Bento exercer o seu direito de propriedade (exigir o pagamento) na
medida me que isso excede os limites impostos pela boa-fé; não há argumentação de justiça,
mas sim dos 4 requisitos anteriormente referidos.

Nota: Para resolução temos que olhar para os factos e tentam preencher os 4 elementos
referidos;

Nota 2: As previsões específicas de confianças dispensam, por vezes, algum ou alguns dos
pressupostos referidos; assim sucederá quando os restantes assumam, in concreto, uma tal
intensidade que possam suprir a falha em causa.

§ Tipos de atos abusivos – sempre em atenção à tutela da confiança

1. A Exceptio Doli

A exceptio doli (ou exceção de dolo) faz apelo à:



- No âmbito dos vícios das declarações negociais, o dolo traduz (...) qualquer sugestão ou
artifício que alguém empregue com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro
o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do
declarante – artigo 253/1 do CC.

- Ela traduz – ou traduziria – o poder, reconhecido a uma pessoa, de paralisar a pretensão de


certo agente, quando este pretendesse prevalecer-se de sugestões ou de artifícios não
permitidos pelo Direito.

2. Venire Contra Factum Proprium

A expressão à letra significa: “vir contra facto próprio” e materialmente: “contradizer o seu
próprio comportamento” – sendo uma declaração de vontade expressa ou tácita (que cria a
situação de confiança por parte de Bento).

Para o Direito – “o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes
assumida ou proclamada pelo agente”.

- Ressalvada ficará, como é natural, a possibilidade de o venire assentar numa circunstância


justificativa e, designadamente, no surgimento ou na consciência de elementos que
determinem o agente a mudar de atitude – ou seja, o venire contra factum proprium só o
será, em última análise, se não tiver nenhum fator que o justifique.

- Estruturalmente, o venire postula duas condutas da mesma pessoa, lícitas em si e diferidas no
tempo; a primeira – o factum proprium – é contrariada pela segunda; o óbice reside na relação
de oposição entre ambas.

Como este comporta um espectro fluido de significados, o professor António Menezes


Cordeiro faz a seguinte delimitação:

- Só se considera como venire contra factum proprium a conduta direta entre a situação
jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor; exclui-se
pois, no fundamental, a suppressio, a atuação por conta própria, a situação dita tu quoque e a
do chamado dolo inicial; por outro lado, afasta-se, também à partida, a hipótese de o factum
proprium (por integrar os postulados da autonomia privada).

Assim, temos que fazer a distinção entre:



a) Venire positivo – uma pessoa manifesta uma intenção ou, pelo menos, gera uma
convicção de que não irá praticar certo ato e, depois, pratica-o mesmo;
b) Venire negativo – o agente em causa demonstra ir desenvolver certa conduta e,
depois, nega-a.
c) Existe ainda um campo onde o exercente, contra as expectativas criadas, se venha
prevalecer de uma nulidade formal.

- A doutrina da confiança, aplicada ao venire contra factum proprium, tem obtido os maiores
desenvolvimentos – assim, Wieacker, no seu conhecimento escrito sobre o precisar do §242
do BGB, afirma que “... o princípio do venire é uma aplicação das proposições da confiança no
tráfego jurídico e não uma proibição específica de dolo e de mentira”.

Entre nós, o venire foi aproximado da tutela da confiança, por nomes como António Menezes
Cordeiro, Baptista Machado, Carneiro da Frada, Mota Pinto, entre outros.

Assim, Menezes Cordeiro, “a dissolução do venire contra factum proprium consiste, por fim,
em reconduzir as diversas manifestações que o preenchem a distintos institutos.

A doutrina hoje dominante reconduz pois o venire contra factum proprium a uma
manifestação da tutela de confiança – nestas linhas de pensamento, António Menezes
Cordeiro - “Substituir a referência à boa-fé pela menção confiança não é trocar uma fórmula
vazia por outra similar. A confiança permite um critério de decisão: um comportamento não
pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança de pessoas. A confiança
contorna, ainda, o problema dogmático, de solução intrincada, emergente da impossibilidade
jurídica de vincular, permanentemente, as pessoas aos comportamentos uma vez assumidos.
Não é disso que se trata, mas tão-só de imputar aos autores respetivos as situações de
confiança, que de livre vontade, tenham suscitado”.

- Pergunta-se: A existência de princípios contraditórios – neste caso: proibição de venire


contra factum proprium e permissão de contraditoriedade – não deve confundir: é conquista
da Ciência do Direito moderna a possibilidade de oposições desse tipo, sem rutura do sistema
e sem quebra de validade para nenhum dos princípios em presença. Fica em aberto a
oportunidade da sua aplicação, em cada caso concreto.
Para tentar compreender o quantum de credibilidade necessária para integrar uma previsão
de confiança, por parte do factum proprium, é assim função do necessário para convencer
uma pessoa normal, colocada na posição do confiante razoável, tendo em conta o esforço
realizado pelo mesmo confiante na obtenção do fator a que se entrega.

Elemento subjetivo – veste o sentido de boa-fé ética, assim, basta que o confiante ignore a
instabilidade do factum proprium sem ter desacatado os deveres de indagação que ao caso
caibam.

3. Inalegabilidade Formal

Os negócios jurídicos são nulos caso não assumam a forma legalmente prescrita – sendo que a
nulidade do negócio pode ser alegada a todo o tempo e por qualquer interessado.

- Chamaremos inalegabilidade formal à situação em que a nulidade derivada da falta de forma
legal de determinado negócio não possa ser alegada sob pena de se verificar um “abuso do
direito”, contrário à boa-fé – ou seja, quando a invocação da nulidade formal comporta em si
um abuso do direito contrário à boa-fé.

Exemplo clássico: O agente convence a contraparte a concluir um negócio nulo por falta de
forma, prevalece-se dele e, depois, vem alegar a nulidade.

Primordial é a posição da pessoa contra quem se pretenda fazer vale a nulidade formal ,
equacionando-se em dois aspetos:

a) A sua relação com o vício – deve entender-se a necessidade de boa-fé subjetiva por
parte de quem queira fazer valer a inalegabilidade – ou seja, de desconhecimento,
aquando da “celebração” do contrato, da necessidade formal.

b) As consequências para ela emergente da nulidade, caso seja declarada – tem vindo a
ser sublinhado, pela jurisprudência, que a inalegabilidade surge justificada apenas
quando a destruição do negócio tivesse, para a parte contra qual é atuada, efeitos
“não apenas duros, mas insuportáveis”.

O professor António Menezes Cordeiro tinha sido relutante a admitir a existência deste
instituto em Portugal; diz ainda que “de nada valeria, ao beneficiário, bloquear a alegação
da nulidade pela contraparte quando, afinal, o próprio juiz teria, por dever de função, de a
declarar”.

A opinião é revertida pela persistência da jurisprudência portuguesa.
Devemos mencionar ainda:

1º - Doutrina da confiança – o doloso provoca, na outra parte, a impressão de que o negócio é
eficaz e assume, assim, a confiança desta: deve responder, pois, pela situação de confiança
obtida” – assim, a inalegabilidade seria uma sub-hipótese da proibição de venire contra
factum proprium, com a particularidade de, por factum proprium, aparecer um contrato
formalmente nulo.

2º - As saídas negociais (partem da construção da confiança) – afirma que o contrato nulo é,


pela sua natureza voluntária como pelos seus regimes e efeitos, um contrato verdadeiro; só
que não lhe seriam aplicáveis as disposições cominadoras de forma.
- Em Portugal tem se verificado um certo desfasamento entre a doutrina e a jurisprudência;
assim, a doutrina tem grande dificuldade em superá-las: seja pela via da confiança, seja
através da sua redução teleológica; já a jurisprudência, confrontada com a realidade de
situações clamorosamente injustas e contrárias à lógica do sistema, tende a admitir, em casos
marcantes, as inalegabilidades formais.

Requisitos – além dos requisitos associados à tutela da confiança:



a) Devem estar em jogo apenas os interesses das partes envolvidas; nunca, também, os
de terceiros de boa-fé;
b) A situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a
responsabilizar;
c) O investimento de confiança apresentar-se-á sensível, sendo dificilmente assegurado
por outra via.

Nessa altura, a tutela da confiança impõe, com boa-fé, a manutenção do negócio vitimado pela
invalidade formal.

4. A suppressio e a surrectio

Suppressio – utilizada para designar a posição do direito subjetivo (ou, mais latamente, a de
qualquer situação jurídica), que não tendo sido exercido, em determinadas circunstâncias e
por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa-
fé – de referir a utilização dos 4 elementos (+ o da passagem do tempo) da tutela da confiança.
A suppressio tem origem jurisprudencial, mas foi desenvolvida de uma maior forma com as
perturbações económicas causadas pela primeira grande guerra e, sobretudo, pela inflação – a
suppressio surgiu como instituto autónomo, destinado a resolver problemas concretos; só
depois ela foi aproximada da boa-fé e do abuso do direito.

Na suppressio podemos encontrar as seguintes teorias:

a) Negativistas – na base destas posições está a afirmação da insegurança que, pela


suppressio, se poderia instituir.

b) Teoria da renúncia – surge como a doutrina da suppressio como renúncia ao direito


por parte do exercente (Nota: para o professor Menezes Cordeiro é uma teoria
baseada na ficção, visto que “a suppressio não pode, de facto, ser qualificada como
renúncia, por não reunir os pressupostos respetivos” (...) “a suppressio não ficaria
deslindada: seria necessário reunir ou acrescentar uma série de fatores, tais como a
forma e a aceitação da contraparte, para que se pudesse falar de uma figura
verdadeiramente negocial”.

c) Teoria da boa-fé – com unanimidade crescente da doutrina e da jurisprudência é


associada à boa-fé – assim, da boa-fé ao exercício inadmissível de direitos por demora
do titular vai, no entanto, um caminho que deve ser explicitado; assim surgiram três
subteorias:
a. A da exceptio doli – foi, inicialmente, o caminho mais fácil para acolher a
suppressio; com os problemas inerentes: a exceptio corresponde a uma
regulação demasiado fluída, para permitir uma concretização mínima;

b. A da venire contra factum proprium – teve mais sucesso, a recondução da


suppressio à venire contra factum proprium: o titular do direito, abstendo-se
do exercício durante um certo lapso de tempo, criaria, na contraparte, a
representação de que esse direito não mais seria atuado; quando,
superveniente, viesse agir, entraria em contradição;
Para tentar esta aproximação, o factum proprium seria, aqui, a inatividade do
titular do direito, desde que se prolongasse por tempo suficiente (apesar de
que isto, para o professor MC não é satisfatória, visto que venire contra
factum proprium é uma atuação positiva, não uma omissão)

c. A da remissão direta para a boa-fé – o próprio Siebert defendeu que a


suppressio era apenas uma sub-hipótese de exercício inadmissível de direitos,
por contrariar a boa-fé.

Nota: para o professor António Menezes Cordeiro, “a tendência posterior de


reconduzir a própria proibição de venire contra factum proprium a um tipo de exercício
inadmissível de direitos acabou por retirar interesse à discussão: a suppressio torna-se
uma forma de exercício inadmissível de direito, por venire contra factum proprium.

Em conclusão, o panorama doutrinário atual sobre a suppressio vive dominado pela


sua recondução ao exercício inadmissível dos direitos; nuns casos, porém, a sua
localização dogmática fica-se por aí; noutros, pelo contrário, mantém-se a mediação
do venire contra factum proprium.

Requisitos para a suppressio – na sequência do seu desenvolvimento autónomo



a) Que todos os direitos ou posições similares lhe estão sujeitos, salvo determinadas
exceções;

b) Que se exige um certo decurso de tempo sem exercício, tempo esse que varia
conforme as circunstâncias (mas podemos, mesmo assim, marcar balizas: será inferior
ao da prescrição, ou a suppressio perderá utilidade; além disso, equivalerá àquele
período decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado
pelo juiz, já não será de esperar o exercício do direito atingido);

c) Que, além disso, se requerem indícios objetivos de que o direito em causa não será
exercido.

d) Sendo um instituto totalmente objetivo, não requer qualquer culpa do titular


atingido, mas apenas o facto da sua inação.

Em suma ainda: a suppressio não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob
pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição; assim, fica-
nos a ideia de que a suppressio é, no fundo, uma forma de tutela da confiança do beneficiário,
perante a inação do titular do direito.

Assim, para concluir:



- Um não-exercício prolongado;
- Uma situação de confiança;
- Uma justificação dessa confiança;
- Um investimento de confiança;
- A imputação da confiança ao não-exercente.

Com analogia à interpretação do artigo 226.

5. Tu Quoque

A fórmula tu quoque (também tu!) exprime a regra pela qual a pessoa que viole uma norma
jurídica não pode depois, sem abuso:

- Ou prevalecer-se da situação daí decorrente;
- Ou exercer a posição violada pelo próprio;
- Ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.

As consequências seriam várias, podendo ir desde o bloqueio do exercício até à limitação de


sanções – Ex: artigo 126 do CC.

Podemos ainda fazer a ressalva às semelhanças com a compensação da culpa – ou culpa do


lesado; este instituto teria um certo paralelo com o tu quoque na medida em que em ambos o
prejudicado não pode, de algum modo, ser totalmente ressarcido por estar implicado numa
prática: desvalorizada. O paralelo é, no entanto, apenas descritivo pois, enquanto a
compensação de culpas se prende com a imputação do dano, no tu quoque os
comportamentos das partes são desencontrados, não se reportando, ambos, ao mesmo dano.

- Há quem considere que o venire contra factum proprium poderia integrar o tu quoque: a
pessoa que desrespeita um contrato e exige, depois, a sua observância à contraparte parece
incorrer em contradição – aqui, haveria um alargamento prévio do venire, uma vez que, no
tu quoque, a contradição não está no comportamento do titular-exercente em si, mas nas
bitolas valorativas por ele utilizadas para julgar e julgar-se.

Para o professor Menezes Cordeiro a utilização do venire de uma forma tão ampla não seria
recomendável até pela extensão grande, revestida pelo próprio entendimento restrito, as
especificidades tu quoque seriam de tal ordem que não permitiriam uma integração
coerente e produtiva.

A materialidade subjacente – posição adotada pelo professor Menezes Cordeiro



No tu quoque contratual, o titular-exercente excede-se por recorrer às potencialidades
regulativas de um contrato que ele próprio já violara. Põe-se, agora, o problema num nível de
generalidade maior – é admissível, fora do fenómeno contratual, o exercício de posições
jurídicas em cuja base tenha havido atuações incorretas? – em termos aqui delineados,
responde-se negativamente.

- A atuação de posições jurídicas indevidamente obtidas tem sido, com unanimidade,


considerada contrária à boa-fé – assim, é abusiva perante o artigo 334 do CC.

Assim, nas linhas de pensamento do professor Menezes Cordeiro, “a pessoa que, mesmo fora
do caso nuclearmente exemplar do sinalagma, desequilibre, num momento prévio, a
regulação material expressa no seu direito subjetivo, não pode, depois, pretender, como se
nada houvesse ocorrido, exercer a posição que a ordem jurídica lhe conferiu”.

Serve de exemplo: Uma rapariga com 21 anos que se suicida e o pai é o único herdeiro;
soubesse que o pai abusou sexualmente a rapariga durante anos; o tribunal diz que é
inadmissível que ele venha a exercer o direito pois excede a boa-fé.

Não basta um cumprimento formal da lei, mas sim um cumprimento material da mesma.

Nota final (sob a opinião do professor Menezes Cordeiro) – “Por tudo isto, entendemos que,
no tu quoque, já não está em jogo uma manifestação de tutela da confiança: antes a de um
outro princípio mediante, concretizador da boa-fé e a que damos o nome de primazia da
materialidade subjacente”.

=/=  casos – situações típicas (saber)

§ O desequilíbrio no exercício

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