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Direito Civil I

Introdução

Direito Público VS Direito Privado

No Direito Privado, o interesse público não está excluído, mas é o interesse privado o mais
importante (plano horizontal). Por oposição, no Direito Público prevalece o interesse público (plano
vertical). Como característica do Direito Público temos, então, o desequilíbrio entre sujeitos, intervindo os
entes públicos como autoridade perante os entes privados.

Podemos, assim, dividir o direito em dois polos opostos – público e privado. O primeiro trata da vertente
comunitária, social e coletiva, procurando o bem comum (direito heterónomo). O segundo, por sua vez,
centra-se na vertente pessoal, individual e privada. Apesar da existência destes dois polos, não é raro que
estes se cruzem. (Ex: Direito da Família (privado) tem vertentes de ordem pública, como o casamento).

O Direito Civil constitui uma parte fundamental do Direito Privado. Podemos, dentro deste, destacar uma
parte ética (baseada na dignidade humana) e uma parte técnico-jurídica. Fazem parte do Direito Civil os
chamados dados pré-legais – pessoas, bens e ações – sem os quais o próprio direito não existiria. Estas
representam realidades independentes do Direito, mas que o condicionam. São os pontos de partida do
Direito.

Acima de tudo as pessoas, razão pela qual o Direito existe. Seguem-se as ações, dado que as pessoas
atuam na sociedade e, sem esse contacto social, também não existiria direito. Por fim, os bens, que, por
serem sempre escassos, geram conflito e, desse modo, contacto social. A ideia de uma sociedade
duradouramente saciada é uma utopia.

O QUE É O DIREITO CIVIL? COMO SE POSICIONA ENQUANTO DIREITO PRIVADO?

É o direito privado e é o direito comum.

Direito Privado Comum ou geral – É o Direito Civil, é o direito aplicado a todas as relações jurídicas
privadas, exceto aquelas que forem especiais. Ex: contrato de trabalho feito a um menor de 15 anos,
temos de consultar tanto o Código Civil como o Código do Trabalho. Neste caso o Código Civil é
subsidiário, em primeiro consultamos o Código do trabalho, e na falta (insuficiência) neste, aplica-se o
Código civil.

 Direito Privado Especial - *Comercial; **trabalho; ***direito internacional

privado.

O Direito Civil tem 4 sub-ramos: Obrigações, coisas, família, sucessões, vamos estudar o que é
em comum a todos os ramos do Código Civil.

DIVISÃO DO DIREITO

Teoria que procura dizer as situações que são de Direito Público e de Direito Privado. Divide-se
em 3 teorias que servem para saber qual o tribunal para cada situação jurídica.

1) TEORIA DOS INTERESSES: Distingue Publico e Privado consoante os interesses de cada.


As normas estão ao serviço de todos. Interesses privados e coletivos.

2) TEORIA DA SUPRA-ORDENAÇÃO/INFRA-ORDENAÇÃO: Supra-ordenação significa


que o Direito Publico é o direito em que um dos suspeitos está numa posição superior (dar ordens) e o
outro sujeito está numa posição inferior. Esta teoria traz uma desigualdade entre os dois. No direito
publico há desequilíbrio entre partes. No direito privado à situação de igualdade e paridade entre os dois
sujeitos. Esta teoria não serve porque o direito publico regula também relações entre Estados e não só
relações entre Estado e cidadãos. Neste caso os Estados estão em pé de igualdade, não há um sujeito em
posição superior e outro em posição inferior. No caso do direito privado no caso de parentalidade ou
contrato liberal há também sujeito superior e inferior.
3) TEORIA DOS SUJEITOS (adotada por nós) ou TEORIA DA QUALIDADE dos sujeitos da
relação jurídica: Uma relação jurídica de compra e venda de uma casa, sujeitos A e B, o objeto é a casa
por 10.000€, a fonte é o contrato de promessa compra e venda. Esta relação jurídica é regulada pelo
direito privado e as normas encontram-se no Código Civil. Imaginemos agora que quem quer comprar a
casa é o Presidente da Junta para fazer um lar, mas o vendedor não aceita vender a casa à câmara. O
Presidente aciona um mecanismo de expropriação por interesse publico, mediante o que está previsto na
lei. Ou seja, o Estado com a sua qualidade de soberania, faz o que acha ser o melhor para o interesse
publico. Primeiro executa e depois discute. Chama-se a isto “Privilégio do Direito Prévio”.

Análise das teorias:

A Teoria dos Interesses, distingue Publico e Privado consoante os interesses de cada, as normas
estão ao serviço de todos e tanto de interesses privados como coletivos.
Estaríamos perante uma norma de direito publico, quando o fim da norma fosse a tutela de um interesse
publico, já uma norma de direito privado. Seria quando a norma visa tutelar ou
satisfazer interesses individuais e dos particulares.
Acentue-se que todo o direito, seja publico ou privado, visa proteger simultaneamente
interesses publico e interesses particulares. As normas de direito privado não se dirigem apenas à
realização de interesses dos particulares, tendo em vista também frequentemente, interesses públicos (ex:
venda de imóveis é feito através de escritura publica como requisito de validade do ato – art 875º). Neste
caso tem-se em vista defender as partes contra uma precipitação e realizar os interesses públicos da
segurança do comercio jurídico, da prova fácil do ato e das negociações.
Já as normas de direito publico, para além do interesse publico, pretendem também, dar
adequada tutela aos interesses dos particulares (ex: normas para a promoção dos funcionários públicos,
têm em vista para além do interesse publico do eficaz funcionamento dos serviços e uma proteção justa
dos interesses das pessoas singulares a que se dirigem estas normas).
Pode dizer-se que todas as normas, visam também um fundamental interesse publico, o da
realização do direito e da segurança.
Segundo este critério podemos então dizer que o direito publico tutelaria predominantemente
interesses da coletividade e o direito privado protegeria predominantemente interesses dos
particulares, mas não em exclusivo. Mas isto não seria totalmente aceitável, uma vez que em
muitos casos não é possível saber qual o interesse predominante, se o da coletividade ou um
interesse particular. E também porque há normas que são classificadas como sendo de direito
privado visando, no entanto, interesses públicos, como o caso das normas imperativas, que se
aplicam a uma situação, mesmo que os sujeitos dessa situação jurídica tenham manifestado vontade
contrária.

A Teoria da Supra-ordenação e infra-ordenação, é outro dos critérios aos quais se podem


recorrer. Significa que o Direito Publico é o direito em que um dos suspeitos está numa posição superior
(dar ordens) e o outro sujeito está numa posição inferior. Esta teoria traz uma desigualdade entre os dois.
No direito publico há desequilíbrio entre partes. No direito privado à situação de igualdade e paridade
entre os dois sujeitos.

Esta teoria não serve porque o direito publico regula também relações entre Estados e não só
relações entre Estado e cidadãos. Neste caso os Estados estão em pé de igualdade, não há um sujeito em
posição superior e outro em posição inferior. No caso do direito privado no caso de parentalidade ou
contrato liberal há também sujeito superior e inferior.

Uma relação jurídica de compra e venda de uma casa, sujeitos A e B, o objeto é a casa por
10.000€, a fonte é o contrato de promessa compra e venda. Esta relação jurídica é regulada pelo direito
privado e as normas encontram-se no Código Civil. Imaginemos agora que quem quer comprar a casa é o
Presidente da Junta para fazer um lar, mas o vendedor não aceita vender a casa à câmara. O Presidente
aciona um mecanismo de expropriação por interesse publico, mediante o que está previsto na lei. Ou seja,
o Estado com a sua qualidade de soberania, faz o que acha ser o melhor para o interesse publico. Primeiro
executa e depois discute. Chama-se a isto “Privilégio do Direito Prévio”.

A Teoria dos Sujeitos seria o critério mais adequado para nós, também designada como teoria da
qualidade, em virtude de assentar na qualidade dos sujeitos das relações jurídicas disciplinadas pelas
normas a qualificar como de direito publico ou de direito privado.
Segundo este critério, o direito privado regula as relações jurídicas estabelecidas entre
particulares ou entre particulares e o Estado.

Regula também as relações entre outros entes públicos, mas sempre com a intervenção do
Estado. Isto acontece quando o Estado faz compras ou um arrendamento a um particular. Neste caso
atuam em pé de igualdade com o vendedor ou senhorio e estão fora do exercício de funções soberanas.
Podemos verificar que a distinção entre Direito publico e Direito privado vai muitas vezes
determinar as vias judiciais a que o particular que se considera lesado pelo Estado deve recorrer ou vice-
versa.
Se o particular tem uma pretensão contra o Estado ou vice-versa, há que averiguar, se a relação
jurídica de onde essa pretensão deriva é uma relação de direito privado ou publico. Essa averiguação irá
determinar o tribunal competente para a apreciação da lide, pois a competência deste é demarcada,
segundo um princípio de especialização, e em função da matéria sujeita a aprovação.
As ações entre particulares ou entre um particular e o Estado derivadas de uma relação de direito
privado devem ser propostas nos tribunais judiciais. Questões de relações jurídicas entre publico e estado,
o litígio é resolvido nos tribunais administrativos.
Já a responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de indemnizar os prejuízos sofridos, decorrente
de uma atividade do Estado ou órgão publico está sujeita a um regime diverso, consoante os
danos não causados no exercício de uma atividade de gestão publica ou de uma atividade de
gestão privada.
Se os danos resultam de uma atividade de gestão publica, os pedidos de indemnização feitos à
administração são apreciados pelos tribunais administrativos.
Se os danos resultarem de uma atividade de gestão privada, os pedidos de indemnização são feitos contra
a administração local e são deduzidos perante os tribunais judiciais, sendo o regime o constante no
Código Civil (art 501º e 500º).
Pode concluir-se que atividade de gestão publica é a atividade da administração pelo direito
publico, e atividade de gestão privada é a que é regida pelo direito privado.

Aula teórica 2

Fontes do DC - como surgem e onde estão contidas? *leis avulsas

(Estão no código civil 1966 na Constituição da República Portuguesa de 1976 e na Legislação


complementar (avulsa), após 1966 e que não está no código.)

1º parte teoria geral do ordenamento jurídico civil

1. Formas de surgimento das normas jurídicas

Os modos de aparecimento das normas integradoras do ordenamento jurídico civil vêm indicados nos
primeiros artigos do Código Civil. Não são apenas as fontes de direito a única matéria de âmbito geral
cuja sede formal é imputada ao Código Civil. Idêntico fenómeno sucede com as matérias do começo e da
cessação da vigência das leis (arts. 5º e 7º), com a da relevância da relevância do desconhecimento da lei
art. 6 etc.

Dispõe o artigo 1 do código civil que são fontes do direito as leis e as normas corporativas. Por
lei entende-se toda a disposição imperativa e geral da criação estadual, isto é, emanada dos órgãos
estaduais competentes segundo a constituição. Como normas corporativas consideravam-se as disposições
gerais e imperativas emanadas das entidades reconhecidas na Constituição de 1933 com a designação de
organismos corporativos. Com a extinção dos organismos corporativos, as normas corporativas deixaram
de existir, pelo que estas não são hoje fonte de direito.

Além das leis, eram fontes de direito civil os assentos do Tribunal Pleno (art.2ºCC). Todavia, o
instituto dos assentos veio a ser revogado em 1995, na sequência de discussões no sentido da sua
inconstitucionalidade. Assim, hoje os assentos também já não são fontes de direito.

O Código Civil refere-se igualmente aos usos conformes aos princípios da boa-fé (art.3ºCC).
Não se trata, porém, aqui de verdadeiras normas jurídicas ou de um reconhecimento do costume como
fonte do chamado direito consuetudinário. Os usos só valem quando a lei o determinar e não se exige a
consciência da obrigatoriedade dos referidos usos por parte dos que o adotam.

O artigo 4º permite aos tribunais a admissão da equidade, a qual foi acantonada, porém, dentro
de apertados limites: a existência de disposição legal que a permita ou convenção das partes.

Verifica-se, portanto, que o costume não é reconhecido como fonte de direito, nem sequer como
meio de integração das lacunas da lei, não se reconhecendo um direito consuetudinário vigente.

A jurisprudência está igualmente excluída do quadro das fontes de direito. O caráter constitutivo
desta intervenção judicial é sobretudo importante no que se refere à aplicação aos casos da vida de
conceitos indeterminados e cláusulas gerais em que aliás o atual Código Civil é fértil. Nestes casos, o juiz
vai afastar uma norma que atribui um certo direito e define o seu exercício ou determina um certo regime
– vai assumir, portanto, uma clara atitude valorativa ou constitutiva. Apesar, porém, do caráter
concretizador da atividade do juiz, não podemos atribuir à jurisprudência o caráter de fonte de direito. Os
resultados a que o julgador chegou só têm força vinculativa para o caso concreto a ser decidido.

2. Diplomas fundamentais do direito civil português:

A lei é a fonte mais importante do direito civil português. O vértice de todo o ordenamento
jurídico é constituído pelo direito constitucional. O repositório fundamental do nosso direito
civil é, todavia, o Código Civil português de 1966.

Entre os princípios constitucionais suscetíveis de condicionar o conteúdo das normas de direito civil
avultam os direitos, liberdades e garantias enunciados nos artigos 24º e seguintes. É igualmente
importante para o direito civil o artigo 36º, contendo princípios fundamentais sobre a família, casamento e
filiação, nomeadamente a igualdade dos cônjuges e a não discriminação dos filhos nascidos fora do
casamento; reconhecimento à iniciativa privada (art.61º), art.62º e artigos 80º e ss.; 13º e 84º também são
importantes.

O Código Civil português de 1966 foi objeto de uma revisão geral depois da Constituição de 1976, levada
a cabo pelo DL nº 496/77, de 25 de novembro.

As normas de direito civil estão fundamentalmente contidas no Código Civil português de 1966, revisto
em 1977. Alguns diplomas avulsos regulam, porém, igualmente, matérias do direito privado comum;
Problemas de direito civil podem encontrar a sua solução numa norma que não é de direito civil, mas de
direito constitucional. A Constituição contém uma força geradora de direito privado; a Constituição
confere aos tribunais o poder e o dever de não aplicar disposições legais ordinárias que infrinjam o
disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. As normas constitucionais têm, também,
eficácia no domínio das relações entre particulares (relações jurídico-privadas). Esta ideia, referida na
doutrina alemã por eficácia reflexa ou eficácia em relação a terceiros, encontra hoje apoio no artigo 18º/1
CRP.

Chamada de atenção para a necessidade de atenuações à plena afirmação de um ou outro princípio


constitucional, isoladamente considerado, por força de princípios fundamentais de direito privado,
também eles consagrados na Constituição – por exemplo, o princípio da igualdade dos cidadãos não pode
prevalecer, antes tem de ceder, sobre a liberdade contratual (art.405º CC); o direito de liberdade de
expressão não pode prevalecer sobre o dever de segredo ou fidelidade que, em certos contratos, regula
para as partes de cooperação, segundo a boa fé, para se atingir o interesse na prestação ou no contrato
(762º CC).

3. Código Civil português: as circunstâncias históricas da sua elaboração e as caraterísticas do tipo


de formulações legais utilizado:

Com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, cessou a sua vigência o Código Civil de 1867,
também conhecido por Código de Seabra.

O Código Civil português adota fundamentalmente o tipo de formulação mediante conceitos


gerais-abstratos, o mesmo sucedendo com o Código Civil alemão. Com essa combinação de conceitos
gerais-abstratos, aparentemente fixos ou determinados, e cláusulas gerais e conceitos indeterminados
tenta o Código Civil conciliar a necessária dose de certeza e segurança com uma preocupação de justiça
para todas as situações concretas. No emprego de cláusulas gerais e conceitos maleáveis diretamente
aplicáveis ao caso concreto deve o julgador considerar certos momentos racionais e denominadores
objetivos, como o sentido objetivo da cláusula no ambiente social, a sua função, o conteúdo material ou
de interesses da hipótese concreta, as conexões teleológicas da sua utilização.

Princípios fundamentais

4. Princípios básicos do direito civil:

Esses princípios jurídicos oferecem-nos assim os traços fundamentais do sistema de direito


civil, na medida em que modelam o conteúdo do direito vigente, penetrando e cimentando os
seus valores normativos. Por outro lado, este quadro de princípios não brotou por espontânea
geração no solo da vida social de hoje. Trata-se de um produto histórico, em cuja gestação
concorrem opções fundamentais sobre a organização económica e social e mesmo sobre a conceção do
Homem. Constituem o sistema interno do nosso direito civil, por oposição ao
sistema externo.

Os princípios básicos do direito civil são:

1. O reconhecimento da pessoa humana e dos direitos de personalidade;


2. A autonomia privada;
3. A responsabilidade civil;
4. A boa-fé;
5. Concessão da personalidade jurídica às pessoas coletivas;
6. A propriedade privada;
7. A relevância jurídica da família;
8. O fenómeno sucessório.

Ao longo de todo o direito civil se manifestam, porém, duas ideias caraterizadoras do seu
sentido atual: a autonomia e a igualdade.

1. O reconhecimento da pessoa humana e dos direitos de personalidade

A aplicação do direito civil à convivência humana desencadeia uma teia de relações jurídicas entre os
homens, relações traduzidas em poderes (direitos) e deveres jurídicos.

Os seres humanos não são necessariamente, do ponto de vista lógico, pessoas em sentido
jurídico. O conceito técnico-jurídico de pessoa não coincide, portanto, necessariamente com o de homem
ou de ser humano. A atribuição ou o reconhecimento da personalidade de, pelo menos, alguns seres
humanos é também um pressuposto lógico do direito.

O nosso atual direito civil tem por base o princípio humanista correspondente ao ideal de justiça
vigente no espaço cultural onde nos situamos e no tempo em que vivemos (um princípio de direito
natural) – reconhece-se personalidade jurídica a todo o ser humano a partir do nascimento completo e
com vida (art.66º/1). Paralelamente, arts. 12º, 13º e 15º CRP.

A personalidade jurídica, a suscetibilidade de direitos e obrigações, corresponde a uma condição


indispensável da realização por cada ser humano dos seus fins ou interesses na vida com os outros – e o
direito existe ao serviço do Homem. A personalidade das pessoas singulares é assim uma qualidade
jurídica ou um estatuto onde se vaza diretamente a dignidade da pessoa humana, de todos e de cada ser
humano.

Toda a pessoa pode ser titular de relações jurídicas – nisto mesmo consiste a personalidade ou
qualidade de sujeito de direito. Toda a pessoa jurídica é titular de alguns direitos e obrigações. Mesmo
que, no domínio patrimonial, lhe não pertençam por hipótese quaisquer direitos, sempre a pessoa é titular
de um certo número de direitos absolutos – são os chamados direitos de personalidade (arts. 70º e ss. do
CC).
Incidem os direitos de personalidade sobre a vida da pessoa, a sua saúde física, a sua integridade
física, a sua honra, a sua liberdade física e psicológica, o seu nome, a sua imagem ou a reserva sobre a
intimidade da sua vida privada. É este um círculo de direitos necessários; um conteúdo mínimo e
imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa.

O direito civil protege os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade. A violação de
alguns desses aspetos da personalidade é até um facto ilícito criminal. Pode também ser um facto ilícito
civil, traduzido na violação de um direito de personalidade, desencadeando a responsabilidade civil do
infrator, bem como certas providências não especificadas e adequadas às circunstâncias do caso, com o
fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. Os direitos da
personalidade são irrenunciáveis, podendo, todavia, ser objeto de limitações voluntárias que não sejam
contrárias aos princípios da ordem pública (81º).

Aula teórica 3

2. Autonomia privada (pp 54 à 65)

Dois mecanismos de atuação: direito subjetivo e negócio jurídico

Negócios unilaterais só se podem realizar aqueles que a lei prevê

Liberdade contratual 405,

contrato atípico contrato que a lei não prevê, típicos estão no código civil

jurisgenico – criador de direito

O princípio da autonomia privada tem a sua dimensão mais visível na liberdade contratual (art.
405ºCC). Os seus fundamentos constitucionais mais explícitos encontram-se nos artigos 26º/1 e 61º CRP.

O negócio jurídico é uma manifestação do princípio da autonomia privada ou da autonomia da


vontade, subjacente a todo o direito privado. A autonomia da vontade ou autonomia privada consiste no
poder reconhecido aos particulares de autorregulamentação dos seus interesses, de autogoverno da sua
esfera jurídica. Esta ordenação das suas relações jurídicas, este autogoverno da sua esfera jurídica,
manifesta-se, desde logo, na realização de negócios jurídicos, de atos pelos quais os particulares ditam a
regulamentação das suas relações, constituindo-as, modificando-as, extinguindo-as e determinando o seu
conteúdo. A autonomia privada manifesta-se tanto num negócio jurídico como no exercício de um direito
subjetivo.

A autonomia privada é um princípio fundamental do direito civil. É a ela que corresponde à


ordenação espontânea dos interesses das pessoas, consideradas como iguais, na sua vida de convivência.

A autonomia privada está presente nos domínios em que o direito civil visa uma função de
modelação e disciplina positiva da vida social. Estabelecemos esta delimitação para excluirmos o domínio
em que cabe ao direito civil uma função de proteção ou de defesa dos direitos constituídos ao abrigo da
sua função modeladora. O dever de indemnizar, em que se traduz a responsabilidade civil não se constitui
por força de uma declaração de vontade do autor do dano.

O negócio jurídico é, como vimos, um meio de atuação da autonomia privada. Uma importante
classificação dos negócios jurídicos é a resultante do critério do número e modo de disposição das
declarações de vontade que os integram. Segundo este critério, os negócios jurídicos agrupam-se em duas
classes: os negócios jurídicos unilaterais e os negócios jurídicos bilaterais ou contratos.

O negócio unilateral perfaz-se com uma só declaração de vontade; o negócio bilateral é


constituído por duas ou mais declarações de vontade convergentes, tendentes à produção de um resultado
jurídico unitário. Só há negócio jurídico bilateral ou contrato, quando uma parte formula e comunica uma
declaração de vontade (proposta) e a outra manifesta a sua anuência (aceitação).

A autonomia privada tem a sua manifestação mais expressiva nos negócios jurídicos bilaterais,
ou contratos, enquanto liberdade contratual.
Quanto aos negócios jurídicos unilaterais, a autonomia da vontade não está excluída, mas sofre
restrições muito acentuadas. Há um importantíssimo negócio unilateral (o testamento). Nos negócios
unilaterais dirigidos à produção de efeitos em vida da parte respetiva, a autonomia privada está sujeita a
muitos maiores restrições do que nos contratos: enquanto as partes podem celebrar contratos diferentes
dos previstos no Código Civil ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver (art.405º, relativo ao
princípio da liberdade contratual), os negócios unilaterais constitutivos de obrigações são apenas os que
estiverem previstos na lei (princípio da tipicidade ou do numerus clausus). Nesses casos, em que a lei
atribui eficácia vinculativa a um negócio unilateral, a parte respetiva tem o poder de fixar livremente o
conteúdo da promessa e, nessa medida, reaparece a autonomia da vontade.

Quanto aos negócios unilaterais modificativos ou extintivos de relações jurídicas vigora também
o princípio da tipicidade. Impossibilidade de modificar ou extinguir unilateralmente as relações
emergentes de um contrato. O contrato é vinculativo para as partes – o princípio segundo o qual os
contratos devem ser cumpridos ponto por ponto (pacta sunt servanda). (406º).

A liberdade contratual é a mais visível manifestação da autonomia privada (405ºCC). A


disposição legal em questão consagra explicitamente apenas a liberdade de modelação, liberdade de
fixação ou liberdade de estipulação do conteúdo contratual. Da norma citada emerge também, contudo, o
reconhecimento da liberdade de celebração ou conclusão dos contratos.

A liberdade de celebração dos contratos consiste na faculdade de livremente realizar contratos ou


recusar a sua celebração. A ninguém podem ser impostos contratos contra a sua vontade ou podem ser
aplicadas sanções por força de uma recusa de contratar nem a ninguém pode ser imposta a abstenção de
contratar. Pode considerar-se tal princípio da liberdade de celebração dos contratos contidos no âmbito
dos sentidos implícitos no art.405º. A faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos implica ser-
se livre de os celebrar ou não.

Algumas restrições à liberdade de celebração dos contratos:

a) Na consagração de um dever jurídico de contratar, pelo que a recusa de contratar de uma das partes não
impede a formação do contrato ou sujeita o obrigado a sanções diversas – ex: celebração obrigatória do
contrato de seguro de responsabilidade civil;

b) Na proibição de celebrar contratos com determinadas pessoas (877º e 953º);

c) Na sujeição do contrato a autorização de outrem, eventualmente de uma autoridade

pública.

A liberdade de modelação do conteúdo contratual consiste na faculdade conferida aos


contraentes de fixarem livremente o conteúdo dos contratos, celebrando contratos do tipo previsto no
Código Civil, com ou sem aditamentos, ou estipulando contratos de conteúdo diverso dos que a lei
disciplina – princípio expressamente consagrado no 405º CC. Podem, portanto, as partes:

a) Realizar contratos com as caraterísticas dos contratos previstos e regulados na lei (contratos típicos ou
nominados), bastando indicar o respetivo nomen iuris, sem necessidade de convencionar a
regulamentação correspondente;

b) Celebrar contratos típicos ou nominados aos quais acrescentam as cláusulas que lhes aprouver,
eventualmente conjugando-se dois ou mais contratos diferentes (contratos mistos);

c) Concluir contratos diferentes dos contratos expressamente disciplinados na lei (contratos atípicos ou
inominados).

A liberdade de fixação ou modelação do conteúdo dos contratos conhece também algumas


restrições, logo aludidas no artigo 405º. Procura o direito civil assegurar, pelo menos contra as suas
negações extremas, uma justiça efetiva e substancial nas relações entre as partes, bem como valores ou
interesses da coletividade, tais como os bons costumes, a ordem pública, a celeridade, a facilidade, a
segurança do comércio jurídico.
Para realizar estes objetivos são consagradas limitações à liberdade de fixação do conteúdo
contratual. Importa criar e garantir os pressupostos da formação dos contratos – corrigir ou impedir os
desenvolvimentos ilimitados da liberdade contratual, assegurando uma situação de real liberdade e
igualdade dos contraentes, bem como as exigências da justiça social. Algumas dessas restrições são:

a) Submete-se o objeto do contrato aos requisitos do artigo 280º (são nulos os contratos contrários à lei, à
ordem pública e aos bons costumes);

b) São anuláveis em geral os chamados negócios usurários (282º);

c) A conduta das partes contratuais deve pautar-se pelo princípio da boa-fé (762º/2).

Uma importante limitação de ordem prática à liberdade de modelação do conteúdo contratual é a


que se verifica nos chamados contratos de adesão (ou por adesão). São hipóteses em que uma das partes
formula prévia e unilateralmente as cláusulas negociais e a outra parte aceita essas condições, mediante a
adesão ao modelo ou impresso que lhe é apresentado, ou rejeita, não sendo possível modificar o
ordenamento negocial apresentado. Tais contratos são celebrados através da aceitação (=adesão) de
cláusulas prévia e unilateralmente redigidas para todos os contratos que a empresa venha a celebrar no
futuro, falando-se, a esse propósito de “cláusulas contratuais gerais” ou de “condições negociais gerais”.
É o que sucede nos contratos de seguro, de transporte marítimo, aéreo ou terrestre, de fornecimento de
certos bens importantes para a vida quotidiana e, frequentemente, nas vendas de certos aparelhos.

As causas e a finalidade da disseminação na vida moderna dos contratos de adesão são diversas:
vantagem para as empresas e para a vida económica na organização, racionalização e normalização da
atividade contratual dirigida a um número elevado e indeterminado de clientes;

intenção do emitente do impresso de contrato de transferir certos riscos para a outra parte;

insuficiência dos tipos contratuais legalmente previstos para cobrir satisfatoriamente formas negociais
recentemente surgidas na vida económica.

Teoricamente não há aqui restrições à liberdade de contratar. O consumidor do bem ou serviço é


livre de rejeitar o contrato. Simplesmente, esta liberdade seria a liberdade de não satisfazer uma
necessidade importante, pois os contratos de adesão surgem normalmente em zona do comércio onde o
fornecedor está em situação de monopólio ou quase monopólio. Rejeitar as condições apresentadas
significa a impossibilidade de satisfazer com outro parceiro contratual a respetiva necessidade – daí a
restrição factual à liberdade de contratar. A legislação hoje existente neste domínio veio introduzir fortes
limitações à liberdade de modelação do conteúdo contratual, a fim de proteger o aderente. São, assim,
evidentes os perigos de abuso desta figura dos contratos de adesão (exemplos: página 115 do livro)»
diretiva 93/13/CEE, DL 446/85.

A liberdade contratual vigora em maior medida nos chamados contratos obrigatórios ou


obrigacionais, ou seja, naqueles contratos cuja eficácia constitutiva, modificativa ou extintiva se situa no
domínio das obrigações em sentido técnico ou direitos de crédito. Nesta categoria de contratos tem lugar a
liberdade de conclusão ou celebração dos contratos e são reduzidas as limitações à liberdade de
modelação do respetivo conteúdo. Salvo essas limitações, as partes podem produzir os efeitos
obrigacionais que lhes aprouver.

O Código Civil regula as fontes das obrigações, isto é, os factos jurídicos que dão origem ao
vínculo obrigacional. Considera como tais o contrato (405º), o negócio unilateral (457º), a gestão de
negócios (464º), o enriquecimento sem causa (473º) e a responsabilidade civil (483º). Entre as fontes
indicadas revestem importância primacial o contrato, meio por excelência da realização pelo Direito
Privado da sua função modeladora da vida social, mediante autónomas composições de interesses, e a
responsabilidade civil, instrumento da função protetora e reparadora das situações constituídas.

A tutela constitucional da liberdade contratual decorre do reconhecimento da iniciativa privada


(art.61º), devendo esta norma articular-se com os preceitos constitucionais que tutelam a propriedade
privada (arts. 62º e 89º) e com os que consagram o direito de livre escolha de profissão ou género de
trabalho (47º).
3. Boa Fé

Um princípio fundamental da ordem jurídica, particularmente relevante no campo das relações civis e de
todo o direito privado. Exprime a preocupação da ordem jurídica pelos valores éticos jurídicos da
comunidade, pelas particularidades da situação concreta a regular e por uma juridicidade social e
materialmente fundada. A consagração da boa fé corresponde à superação de uma perspetiva positivista
do direito – uma visão em conformidade com a que subjaz ao Estado de Direito Social dos nossos dias. O
princípio da boa fé tem um âmbito muito vasto, invadindo todas as áreas do direito, assumindo uma
importância muito grande no domínio dos contratos.

Importa distinguir a boa fé em sentido objetivo da boa fé em sentido subjetivo. A boa fé em sentido
subjetivo reporta-se a um estado subjetivo, tem em vista a situação de quem julga atuar em conformidade
com o direito, por desconhecer ou ignorar, designadamente, qualquer vício ou circunstância anterior – ex:
243º/2, 291º/3, 612º, 1260º/1, 1294 e ss.; Aplicado aos contratos, o princípio da boa fé em sentido
objetivo constitui uma regra de conduta segundo a qual os contraentes devem agir de modo honesto,
correto e leal, não só impedindo assim comportamentos desleais como impondo deveres de colaboração
entre eles – ex: 227º/1, 239º, 334º, 437º/1, 762º/2.

Pode dizer-se, assim, que o princípio da boa-fé, em sentido objetivo, acompanha a relação contratual
desde o seu início, permanece durante toda a sua vida e subsiste mesmo após se ter extinguido.

É ainda a boa fé que conforma, em certa medida, a relação contratual, pois ela é um dos critérios a que se
recorre para determinar o âmbito da vinculação negocial. Do contrato fazem parte não só as obrigações
que expressa ou tacitamente decorrem do acordo das partes, mas também, designadamente, todos os
deveres que se fundam no princípio da boa fé e se mostram necessários a integrar a lacuna contratual.
Assim, importa sublinhar o papel decisivo da boa fé no enriquecimento do conteúdo do contrato,
mormente por constituir a matriz dos denominados deveres laterais, como os deveres de cuidado para
com a pessoa e o património da contraparte, os deveres de informação e esclarecimento, etc. Do ponto de
vista da responsabilidade, a violação da boa fé é suscetível de gerar responsabilidade pré-contratual,
responsabilidade contratual ou até responsabilidade pós-contratual.

Uma manifestação especialmente relevante do princípio da boa fé e que vem adquirindo já hoje uma
particular densidade e identificação é o princípio da confiança. Trata-se, no fundo, de acolher a ideia de
que, em certos casos, deve relevar juridicamente a confiança justificada de alguém no comportamento de
outrem, quando este tiver contribuído para fundar essa confiança e ela se justifique igualmente em face
das circunstâncias do caso concreto. Essa relevância jurídica pode levar a atribuir efeitos jurídicos a uma
situação tão só aparente, ou ficar-se, como sucederá normalmente, por criar a obrigação de indemnização
pela frustração das legítimas expetativas (254º, 256º, 227º).

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