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MANUAL PRÁTICO DE

DIREITO IMOBILIÁRIO

AUTOR: Jaylton Lopes Jr.

1ª Edição 2023

ISBN:

EDITORA: Editora DPA

Direito Processual Aplicado Cursos Jurídicos Ltda.


SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO DIREITO IMOBILIÁRIO ...................................................................................10

1. DIREITOS REAIS: ASPECTOS GERAIS .......................................................................................................10


1.1. O que são direitos reais ....................................................................................................................... 10
1.2. Características ..................................................................................................................................... 10
1.3. Constituição Dos Direitos Reais Imobiliários........................................................................................ 12
1.4. Situações práticas envolvendo ITBI ..................................................................................................... 12
1.5 Aspectos Práticos Da Transmissão Da Propriedade Imobiliária ........................................................... 14
2. PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA ..................................................................................................................17
2.1. Estrutura do direito de propriedade .................................................................................................... 17
2.2. Aquisição da propriedade imobiliária .................................................................................................. 19
2.3. Extinção da propriedade imobiliária .................................................................................................... 22
3. OUTROS DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS ................................................................................................25
3.1. Direito Real De Laje ............................................................................................................................. 25
3.2. Direito real de aquisição ...................................................................................................................... 31
3.3. Direito real de superfície ...................................................................................................................... 33
3.4. Servidão ............................................................................................................................................... 37
4. USUFRUTO ............................................................................................................................................43
4.1. Noções e questões práticas gerais ....................................................................................................... 43
4.2. Objeto .................................................................................................................................................. 45
4.3. Constituição do usufruto sobre bens imóveis ...................................................................................... 46
4.4. Direitos do usufrutuário ....................................................................................................................... 47
4.5. Deveres do usufrutuário ...................................................................................................................... 49
4.6. Extinção do usufruto ............................................................................................................................ 50
4.7. Algumas questões práticas importantes envolvendo o usufruto reservado (ou usufruto deducta) .... 51

CAPÍTULO 2 POSSE ........................................................................................................................................58

1. POSSE ...................................................................................................................................................58
1.1. Introdução ........................................................................................................................................... 58
1.2. É possível reconhecer o exercício de posse por pessoa incapaz? ......................................................... 59
1.3. Posse e detenção ................................................................................................................................. 59
1.4. Classificação da posse ......................................................................................................................... 61
1.5. Constituto possessório (cláusula constituti) ........................................................................................ 66
1.6. Efeitos da posse ................................................................................................................................... 67
1.7. Perda da posse..................................................................................................................................... 70
1.8. Desforço incontinenti ........................................................................................................................... 71
2. AÇÕES POSSESSÓRIAS ...........................................................................................................................72
2.1. Ações possessórias e ações petitórias ................................................................................................. 72
2.2. Natureza dúplice das ações possessórias ............................................................................................ 72
2.3. Ações de força nova e ações de força velha ........................................................................................ 73
2.4. Fungibilidade das ações possessórias .................................................................................................. 74
2.5. Legitimidade ........................................................................................................................................ 74
2.6. Competência ........................................................................................................................................ 75
2.7. Procedimento das ações de reintegração e manutenção de posse ..................................................... 75
2.8. Litígio coletivo pela posse de imóvel.................................................................................................... 80
2.9. Interdito proibitório ............................................................................................................................. 81
2.10. Ações possessórias e ações petitórias ............................................................................................... 81
2.11. Natureza dúplice das ações possessórias .......................................................................................... 82
2.12. Ações de força nova e ações de força velha ...................................................................................... 83
2.13. Fungibilidade das ações possessórias ................................................................................................ 83
2.14. Legitimidade ...................................................................................................................................... 83
2.15. Competência ...................................................................................................................................... 84
2.16. Procedimento das ações de reintegração e manutenção de posse ................................................... 85
2.17. Litígio coletivo pela posse de imóvel ................................................................................................. 89
2.18. Interdito proibitório ........................................................................................................................... 90

CAPÍTULO 3 USUCAPIÃO ...............................................................................................................................91

1. USUCAPIÃO – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ...........................................................................................91


2. ALGUNS EFEITOS GERADOS PELA USUCAPIÃO .......................................................................................92
3. REQUISITOS DA USUCAPIÃO .................................................................................................................92
3.1. Requisitos pessoais .............................................................................................................................. 92
3.2. Requisitos reais .................................................................................................................................... 95
3.3. Requisitos formais ............................................................................................................................... 97
3.4. Sucessão e acessão de posses (soma de posses) ................................................................................. 98
4. MODALIDADES DE USUCAPIÃO .............................................................................................................99
4.1. Usucapião extraordinária .................................................................................................................... 99
4.2. Usucapião ordinária ............................................................................................................................ 99
4.3. Usucapião especial rural (ou pro labore) ........................................................................................... 101
4.4. Usucapião especial urbana (ou pro misero) ...................................................................................... 102
4.5. Usucapião especial urbana coletiva (lei nº 10.257/01) ..................................................................... 103
4.6. Usucapião especial urbana familiar .................................................................................................. 104
4.7. Usucapião especial indígena ............................................................................................................. 105
4.8 Usucapião Administrativa .................................................................................................................. 105
4.9 Usucapião Extrajudicial ...................................................................................................................... 105
4.10 Usucapião imobiliária e a questão intertemporal ............................................................................ 106
4.11 Usucapião de bens móveis ................................................................................................................ 106
5. ASPECTOS PROCESSUAIS DA USUCAPIÃO ............................................................................................106
5.1. Procedimento comum ........................................................................................................................ 106
5.2. Legitimidade ...................................................................................................................................... 107
5.3. Competência ...................................................................................................................................... 107
5.4. Passo a passo do procedimento ........................................................................................................ 107

CAPÍTULO 4 AÇÕES PETITÓRIAS ..................................................................................................................112

1. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA ............................................................................................................112


1.1 Promessa de compra e venda ............................................................................................................. 112
Introdução ................................................................................................................................................ 112
1.2. Cláusula de arrependimento.............................................................................................................. 113
1.3. Outorga uxória .................................................................................................................................. 113
2. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA JUDICIAL .............................................................................................114
2.1. Notificação extrajudicial .................................................................................................................... 114
2.2. Propositura da ação de adjudicação compulsória ............................................................................. 114
2.3. Requisitos .......................................................................................................................................... 115
2.4. Legitimidade ...................................................................................................................................... 116
2.5. Competência ...................................................................................................................................... 117
2.6. Participação do cônjuge .................................................................................................................... 117
2.7. Petição inicial ..................................................................................................................................... 118
2.8. Audiência de conciliação ou mediação .............................................................................................. 118
2.9. Contestação ....................................................................................................................................... 119
2.10. Reconvenção .................................................................................................................................... 119
2.11. Réplica ............................................................................................................................................. 119
2.12. Saneamento..................................................................................................................................... 119
2.13. Instrução .......................................................................................................................................... 120
2.14. Alegações finais ............................................................................................................................... 121
2.15. Sentença .......................................................................................................................................... 122
3. AÇÃO REIVINDICATÓRIA .....................................................................................................................122
3.1. Introdução ......................................................................................................................................... 122
3.2. Requisitos .......................................................................................................................................... 123
3.3. Legitimidade ...................................................................................................................................... 124
3.4. Participação do cônjuge ou do companheiro .................................................................................... 124
3.5. Competência ...................................................................................................................................... 125
3.6. Procedimento..................................................................................................................................... 125
3.7. Reconvenção ...................................................................................................................................... 130
3.8. Réplica ............................................................................................................................................... 131
3.9. Saneamento....................................................................................................................................... 131
3.10. Instrução .......................................................................................................................................... 132
3.11. Alegações finais ............................................................................................................................... 133
3.12. Sentença .......................................................................................................................................... 133
4. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE ...............................................................................................................133
4.1. Introdução ......................................................................................................................................... 133
4.2. Cabimento da ação de imissão de posse ........................................................................................... 134
4.3. Legitimidade ...................................................................................................................................... 136
4.4 Participação do cônjuge ou do companheiro ..................................................................................... 136
4.5. Competência ...................................................................................................................................... 137
4.6. Procedimento..................................................................................................................................... 137
4.7. Reconvenção ...................................................................................................................................... 142
4.8. Réplica ............................................................................................................................................... 143
4.9. Saneamento....................................................................................................................................... 143
4.10. Instrução .......................................................................................................................................... 144
4.11. Alegações finais ............................................................................................................................... 145
4.12. Sentença .......................................................................................................................................... 145
5. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE DECORRENTE DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL........................145
5.1. Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel .............................................................................. 145
5.2. Consolidação da propriedade imobiliária .......................................................................................... 146
5.3. Questões práticas importantes.......................................................................................................... 148
5.4. Aquisição de bem imóvel objeto de contrato de locação: imissão de posse ou despejo? ................. 151
6. AÇÃO PUBLICIANA ..............................................................................................................................152
6.1. Ação publiciana ................................................................................................................................. 152
6.2. Requisitos .......................................................................................................................................... 153
6.3. Procedimento..................................................................................................................................... 154
7. AÇÃO EX EMPTO .................................................................................................................................154
7.1. Venda ad corpus e ad mensuram ...................................................................................................... 154
7.2 Ações judiciais cabíveis ....................................................................................................................... 156
8. AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES ...........................................................157
8.1. Aspectos práticos sobre a ação de divisão e demarcação de terras particulares.............................. 157
8.2. Necessidade de demarcação ............................................................................................................. 158
8.3. necessidade de divisão ...................................................................................................................... 158
8.4. Cumulação de pedidos ....................................................................................................................... 158
8.5. Posição dos confinantes na demarcação e divisão ............................................................................ 159
8.6. Demarcação e divisão extrajudicial ................................................................................................... 159
8.7. Procedimento da ação demarcatória ................................................................................................ 159
8.8 . ........................................................................................................................................................... 161
Introdução ................................................................................................................................................ 161
8.9. Primeira fase ...................................................................................................................................... 162
8.9.1.Segunda fase ................................................................................................................................... 164
CAPÍTULO 5 AÇÕES LOCATÍCIAS ..................................................................................................................168

1. AÇÕES LOCATÍCIAS - LEI Nº 8.245/91 ...................................................................................................168


1.1. Introdução ......................................................................................................................................... 168
1.2. Competência ...................................................................................................................................... 168
1.3. Valor da causa ................................................................................................................................... 168
1.4. Ausência de efeito suspensivo da apelação nas ações locatícias ...................................................... 169
1.5. Execução de título extrajudicial ......................................................................................................... 170
2. AÇÃO DE DESPEJO ...............................................................................................................................170
2.1. Introdução ......................................................................................................................................... 170
2.2. Denúncia vazia e denúncia cheia ....................................................................................................... 171
2.3. Especialidade do procedimento ......................................................................................................... 172
2.4. Petição inicial ..................................................................................................................................... 172
2.5. Liminar ............................................................................................................................................... 173
2.6. Citação ............................................................................................................................................... 176
2.7. Contestação ....................................................................................................................................... 178
2.8. Procedimento comum ........................................................................................................................ 179
2.9. Sentença e prazo para a desocupação .............................................................................................. 179
3. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO DE ALUGUEL E ACESSÓRIOS .........................................................................180
3.1. Cabimento ......................................................................................................................................... 180
3.2. Legitimidade ...................................................................................................................................... 182
3.3. Pressuposto ....................................................................................................................................... 182
3.4. Procedimento..................................................................................................................................... 182
3.5. Citação e depósito judicial ................................................................................................................. 182
4. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL ..........................................................................................................184
4.1. Cabimento ......................................................................................................................................... 184
4.2. Natureza ............................................................................................................................................ 185
4.3. Legitimidade ...................................................................................................................................... 185
4.4. Procedimento..................................................................................................................................... 186
4.5. Petição inicial ..................................................................................................................................... 186
4.6. Cabimento ......................................................................................................................................... 189
4.7. Natureza ............................................................................................................................................ 189
4.8. Legitimidade ...................................................................................................................................... 189
4.9. Procedimento..................................................................................................................................... 190

CAPÍTULO 6 DIREITO CONDOMINIAL ..........................................................................................................197

1. CONDOMÍNIO ORDINÁRIO ..................................................................................................................197


1.1. A Exclusividade Da Propriedade ........................................................................................................ 197
1.2. As Obrigações Dos Condôminos ........................................................................................................ 199
2. CONDOMÍNIO EDILÍCIO .......................................................................................................................201
2.1. Personalidade Do Condomínio........................................................................................................... 202
2.2. Relação Locador/Condomínio ............................................................................................................ 203
2.3. Legitimidade Do Condomínio............................................................................................................. 203
2.4. Normas Condominiais ........................................................................................................................ 204
2.5. Cotas Condominiais ........................................................................................................................... 205
2.6. Expulsão Do Condômino Antissocial .................................................................................................. 205
2.7. O síndico e a obrigação de prestação de contas ............................................................................... 206
2.8. O Síndico E A Destituição ................................................................................................................... 207

CAPÍTULO 7 DIREITO IMOBILIÁRIO EXTRAJUDICIAL ....................................................................................208

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL .............................................................................208


1.1. Natureza jurídica sui generis da atividade ........................................................................................ 210
1.2. A delegação do poder público ........................................................................................................... 210
1.3. Gerenciamento da serventia ............................................................................................................. 210
1.4. Fé pública notarial e registral ............................................................................................................ 211
1.5. Autenticidade e segurança jurídica ................................................................................................... 212
1.6. Princípios ........................................................................................................................................... 212
1.7. Terminologia: notário e registrador .................................................................................................. 213
1.8. Classificação dos atos de registro ...................................................................................................... 214
1.9. Quadro funciona da serventia ........................................................................................................... 214
1.10. Responsabilidade civil ...................................................................................................................... 215
1.11. Direitos do delegatário .................................................................................................................... 216
1.12. Deveres do delegatário .................................................................................................................... 216
1.13. Incompatibilidades e impedimentos ................................................................................................ 216
1.14. Penas aplicáveis aos delegatários ................................................................................................... 217
1.15. Fiscalização ...................................................................................................................................... 217
1.16. Criação, anexação e extinção de serventias .................................................................................... 218
2. NOTARIADO ........................................................................................................................................218
2.1. Tabelionato de notas ......................................................................................................................... 218
2.2. Tabelionato de protesto .................................................................................................................... 220
2.3. Tabelionato de notas e ofício de registro de contratos marítimos .................................................... 226
3. REGISTROS ..........................................................................................................................................226
3.1. Distribuição ........................................................................................................................................ 226
3.2. Registro civil de pessoas naturais ...................................................................................................... 227
3.3. Registro de títulos e documentos (rtd) .............................................................................................. 232
3.4. Registro de imóveis ............................................................................................................................ 233
4. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL ....................................................................................................240
4.1. Histórico ............................................................................................................................................. 240
4.2. Conceito ............................................................................................................................................. 241
4.3. Diferenças entre alienação fiduciária e hipoteca .............................................................................. 242
4.4. Natureza jurídica ............................................................................................................................... 242
4.5. Características ................................................................................................................................... 243
4.6. Requisitos subjetivos.......................................................................................................................... 244
4.7. Requisitos objetivos ........................................................................................................................... 244
4.8. Alienação de frações ideais ............................................................................................................... 245
4.9. Graus sucessivos ................................................................................................................................ 246
4.10. Garantia de mais de um imóvel ....................................................................................................... 246
4.11. Forma .............................................................................................................................................. 247
4.12. Deveres e obrigações do devedor fiduciante ................................................................................... 248
4.13. Deveres e obrigações do credor fiduciário ....................................................................................... 248
4.14. Aspectos registrais ........................................................................................................................... 250
4.15. Aditamento e novação..................................................................................................................... 250
4.16. Quitação .......................................................................................................................................... 251
4.17. Execução da alienação fiduciária de imóveis .................................................................................. 252
4.18. Vencimento antecipado ................................................................................................................... 253
4.19. Discussão judicial da dívida e execução extrajudicial ...................................................................... 254
4.20. Purgação da mora ........................................................................................................................... 254
4.21. Consolidação da propriedade .......................................................................................................... 256
4.22. Dação em pagamento ..................................................................................................................... 258
4.23. Leilão ............................................................................................................................................... 258
4.24. Arrematação .................................................................................................................................... 258
4.25. Cessão da posição contratual .......................................................................................................... 259
4.26. Partilha de imóvel alienado ............................................................................................................. 259
5. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL................................................................................................................259
5.1. Introdução ......................................................................................................................................... 260
5.2. Aspectos materiais usucapião ........................................................................................................... 260
5.3. Procedimento extrajudicial ................................................................................................................ 261
6. INCORPORAÇÃO E CONDOMÍNIO ........................................................................................................281
6.1. Incorporação imobiliária ................................................................................................................... 281
6.1.2. Espécies de incorporação................................................................................................................ 283
6.1.3. Qualificação e procedimento de registro........................................................................................ 283
6.1.4. Memorial de incorporação ............................................................................................................. 284
6.2. Condomínio ........................................................................................................................................ 294
6.2.1. Espécies de condomínio .................................................................................................................. 294

CAPÍTULO 8 PROMESSA DE COMPRA E VENDA ...........................................................................................305

1. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - ANÁLISE JURÍDICA .................................................305


1.1 Como fica a promessa de compra e venda de imóveis? ..................................................................... 307
2. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA ........................................................................309
2.1 Contrato de compra de coisa futura, com assunção de risco pela existência (emptio spei ou contrato
de esperança) ......................................................................................................................................................... 310
2.2 Contrato de compra de coisa futura, sem assunção de risco pela existência (emptio rei speratae ou
compra de coisa esperada) .................................................................................................................................... 310
2.3 Contrato de compra de coisa presente, mas exposta a risco assumido pelo contratante ................. 311
3. ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA COMPRA E VENDA .................................................................................311
3.1 Preço ................................................................................................................................................... 311
3.2. Objeto ................................................................................................................................................ 313
3.3. Consentimento................................................................................................................................... 313
3.4 Compra e venda entre cônjuges ......................................................................................................... 315
3.5 Compra e venda de bem condominial ................................................................................................ 315
3.6 Venda de bens de pessoas sujeitas ao dever de zelar e guardar ........................................................ 316
3.7 Venda por pessoa casada ................................................................................................................... 316
4. EFEITOS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA ....................................................................................319
5. SITUAÇÕES ESPECIAIS DE COMPRA E VENDA .......................................................................................320
5.1. Venda por amostras .......................................................................................................................... 320
5.2. Compra e venda ad mensura e ad corpus ......................................................................................... 321
6. CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA ......................................................................................322
6.1. Cláusula de retrovenda ...................................................................................................................... 322
6.2. Preempção, Prelação ou Preferência. ................................................................................................ 323
6.3. Cláusula de reserva do domínio ......................................................................................................... 324
6.4. Cláusula de venda a contento e venda sujeita a prova ..................................................................... 325
6.5. Modelo - Promessa de Compra e Venda de Imóvel (Instrumento Particular) ................................... 326
6.6. Modelo de Escritura Pública .............................................................................................................. 337
7. DOAÇÃO .............................................................................................................................................342
7.1 Definição, Características e Interpretação ......................................................................................... 342
7.2 Objeto ................................................................................................................................................. 345
7.3. Situações especiais ............................................................................................................................ 346
7.4. Revogação da doação........................................................................................................................ 352
7.5. Modelo de Promessa de Doação ....................................................................................................... 354
8. LOCAÇÃO ............................................................................................................................................358
8.1. Locação de coisas: análise jurídica .................................................................................................... 358
8.2. Elementos essenciais do contrato de locação ................................................................................... 358
8.3. Obrigações do locador ....................................................................................................................... 362
8.4. Obrigações do locatário..................................................................................................................... 369
8.5. Do termo final da locação ................................................................................................................. 371
8.6. Lei do inquilinato ............................................................................................................................... 373
8.7. Locação em Shopping Center............................................................................................................. 379
8.8. Modelos ............................................................................................................................................. 380

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................403
CAPÍTULO 1

CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO AO DIREITO IMOBILIÁRIO

1. DIREITOS REAIS: ASPECTOS GERAIS


1.1. O que são direitos reais
Os direitos reais podem ser compreendidos como o poder direto e imediato do sujeito
sobre uma coisa com eficácia e oponibilidade erga omnes. Ao se adquirir um direito de
usufruto (direito de usar e fruir de uma coisa), ainda que essa coisa seja vendida a um
terceiro este não poderá expulsar o usufrutuário do bem. O direito real não é um “direito à
coisa” (relação obrigacional), mas um “direito na coisa”. Diferentemente ocorre no caso de
locação.

O novo proprietário poderá expulsar o usufrutuário da coisa. Enquanto no direito


obrigacional há uma relação jurídica entre sujeitos específicos, nos direitos reais a relação
jurídica é entre o titular do direito e a coletividade, a qual tem um dever jurídico de
abstenção.

1.2. Características
1.2.1. Absolutismo

Os direitos reais são oponíveis a toda a coletividade. Esse poder da pessoa sobre a
coisa é oponível erga omnes, pois gera uma sujeição universal, ou seja, abstenção da
coletividade.

1.2.2. Sequela

Os direitos reais aderem à coisa, sujeitando-a ao poder do seu titular. Esse poder
permite ao titular perseguir o bem quando ele estiver em poder de terceiros. Esse poder de
sequela decorre do absolutismo do direito real. Se há um dever de abstenção por parte da
coletividade é possível reivindicar o bem de quem quer que seja. Exemplo: A hipoteca é um
direito real de garantia. Se o proprietário vende o imóvel a alguém, a hipoteca permanece, ou
seja, acompanha o bem. 2.3. Preferência Essa característica está presente
predominantemente nos direitos reais de garantia (ex.: hipoteca; alienação fiduciária).
Confere ao titular do direito real a prerrogativa de obter o adimplemento da obrigação com o
valor do próprio bem. Havendo outros credores, esse titular terá preferência em relação aos
demais. É uma consequência do direito de sequela.

Essa característica não é absoluta., ela vem perdendo força. Vejam o exemplo da
recuperação judicial:

10
CAPÍTULO 1

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I -


os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e
cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de
trabalho; II - os créditos gravados com direito real de garantia até o limite do
valor do bem gravado; (...)
Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com
precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir,
aqueles relativos: (...)

1.2.3. Taxatividade

Os direitos reais são aqueles assim definidos pela lei. Estão elencados em um rol
taxativo. Somente a lei cria direitos reais.

Art. 1.225. São direitos reais:


I - a propriedade;
II - a superfície;
III - as servidões;
IV - o usufruto;
V - o uso;
VI - a habitação;
VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII - o penhor;
IX - a hipoteca;
X - a anticrese.
XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;
XII - a concessão de direito real de uso; e
XIII - a laje.

Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel


infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. Art.
1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito
real à aquisição do imóvel.

Os particulares podem remodelar um direito real? Sim. Embora os direitos reais sejam
taxativos, não há uma tipicidade. Assim, há dentro de cada direito real um espaço para os
sujeitos modificarem o conteúdo do direito real (ex.: convenção de condomínio; propriedade
de shopping center; flat; time sharing (multipropriedade).

1.2.4. Permanência

Os direitos obrigacionais são transitórios, pois dependem do adimplemento. Os


direitos reais estão vinculados ao titular. Isso significa que os direitos reais somente serão
sacrificados se houver a vontade do seu titular (ex.: propriedade).

11
CAPÍTULO 1

1.3. Constituição Dos Direitos Reais Imobiliários


1.3.1. Princípio da inscrição

Os direitos reais sobre imóveis nascem, em regra, com o registro do título na matrícula
do imóvel perante o Cartório de Imóveis (art. 1.227 e 1.245 do CC).

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por


atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de
Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos
neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do


título translativo no Registro de Imóveis.

Cuidado: A escritura pública de compra e venda, por si só, não constitui o direito real
de propriedade sobre o bem imóvel. A constituição do direito real de propriedade exige o
registro da escritura na matrícula do imóvel.

1.3.2. Exceções ao princípio da inscrição

a) Usucapião (art. 1.238 e 1.260 do CC): a sentença é meramente declaratória;

b) Sucessão causa mortis (art. 1.784 do CC): princípio da saisine. Transmissão


automática no momento da morte;

c) Aquisição do imóvel por acessão (art. 1.248 do CC): quando o sujeito constrói em seu
imóvel, a constituição da propriedade sobre essa construção ocorre no momento em
que ela é realizada. A averbação posterior junto ao C.R.I é ato meramente declaratório;

d) Comunicação pelo regime de bens (art. 1.639, § 1º, do CC): a comunicação da


propriedade ocorre no momento em que é adquirida. Se uma pessoa é casada com a
outra sob o regime da comunhão parcial de bens, caso um dos cônjuges adquira, de
forma onerosa, um bem imóvel, o outro passará a ser coproprietário, ainda que o
imóvel seja registrado apenas em nome do adquirente. Se o regime for o da comunhão
universal, no momento do casamento, cada cônjuge passará a ser coproprietário dos
bens já pertencentes ao outro;

e) Perda da propriedade pelo perecimento da coisa (art. 1.275, IV, do CC): posterior
averbação é ato meramente declaratório.

1.4. Situações práticas envolvendo ITBI


O ITBI é o imposto de transmissão de bens imóveis e direitos a ele relativos. Trata-se
de tributo de competência do município, conforme prevê o art. 156, II, da CF:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

12
CAPÍTULO 1

(...);
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens
imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,
exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

O art. 35 do Código Tributário Nacional trata o ITBI. Vejamos:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens


imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I - a transmissão,
a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por
natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a
qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de
garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos
incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos
geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

Embora o supracitado artigo se refira ao ITBI como imposto de competência dos


Estados, com o advento da CF/88, tal tributo passou a ser de competência dos municípios (art.
156, II, da CF/88).

1.4.1. Fato gerador

O direito real sobre imóvel é constituído com o registro. Logo, o registro é o fato
gerador. Assim, é indevida a exigência de pagamento de ITBI por ocasião da lavratura da
escritura pública de compra e venda. Nesse sentido decidiu o STF, no ARE 1294969, com
repercussão geral (Tema 1124).

1.4.2. ITBI X Promessa de compra e venda

Para o STJ, a promessa de compra e venda não é fato gerador do ITBI.

O contrato de promessa de compra e venda, por sua vez, é um instrumento preliminar,


cujo objeto é a futura celebração de contrato definitivo.

“[...] 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o fato gerador


de ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do imóvel,
sendo inexigível no contrato de promessa de compra e venda. Incide,
portanto, a Súmula 83/STJ. [...]” (AgRg no AREsp n. 813.620/BA, relator Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/12/2015, DJe de 5/2/2016.)

Se a promessa de compra e venda não é fato gerador do ITBI, também não o será a
sua cessão.

1.4.3. ITBI e procuração em causa própria

É muito comum a “venda disfarçada” por meio de procuração em causa própria. O


comprador paga o preço do imóvel e, em contrapartida, o proprietário outorga procuração

13
CAPÍTULO 1

por escritura pública, para que o procurador (comprador) transfira a propriedade para si
(contrato consigo mesmo) ou para terceiro.

Se a promessa de compra e venda não pode ser considerada como fato gerador do
ITBI, o mesmo raciocínio deve ser aplicado à procuração em causa própria.

1.5 Aspectos Práticos Da Transmissão Da Propriedade Imobiliária


1.5.1. Tabelionato de notas X registro de imóveis

No Brasil, a transmissão da propriedade imobiliária ocorre com o registro na matrícula


do imóvel (art. 1.245, § 1º, do CC).

A escritura pública de compra e venda é realizada no tabelionato de notas, pelo


tabelião (ou notário). Pode ser feita em qualquer cartório do Brasil (art. 8º da Lei nº 8.935/94).
O registro, por sua vez, só pode ser feito no registro de imóveis, em cartório específico do
local onde o imóvel está localizado (art. 169 da Lei nº 6.015/73). Cada imóvel tem uma única
matrícula (unicidade matricial) e o registro do título (escritura de compra e venda) é realizado
nessa matrícula. Quem promove esse registro é o registrador de imóveis, titular do Cartório.

1.5.2. Alguns princípios do registro imobiliário

a) Legalidade: o oficial de imóveis deve promover a análise da legalidade do título. Com


isso, busca-se evitar o registro de títulos inválidos ou ineficazes

b) Publicidade: em regra, qualquer pessoa pode consultar matrículas de imóveis. Isso


permite que qualquer pretenso comprador possa analisar a situação do imóvel (ex.:
existência de hipoteca, penhora etc.) antes de comprar;

c) Continuidade: registral: um registro deve apoiar-se no outro. Deve ser assegurada a


cadeia dominial. Assim, o título de um dono decorre do título do dono antecedente. Se
o promitente comprador morrer, seus herdeiros precisam, primeiro, buscar registrar o
imóvel em nome do de cujus, para, após a partilha, registrá-lo em seu nome.

d) Prioridade: os títulos serão registrados observando a sequência rigorosa de


apresentação (art. 182 da Lei nº 6.015/73);

e) Concentração da matrícula e a Lei nº 13.097/15

Todas as ocorrências relevantes e pertinentes ao imóvel devem constar na matrícula.


Assim, o que não está na matrícula não está no mundo.

Esse princípio é muito importante para conferir maior segurança jurídica e proteger
terceiros de boa-fé. Assim, se a existência de ação de execução não foi averbada na matrícula
do imóvel, o adquirente é terceiro de boa-fé e não poderá sofrer os efeitos da evicção.

Vejam o art. 54 da Lei nº 13.097/15:

14
CAPÍTULO 1

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou
modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos
precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas
na matrícula do imóvel as seguintes informações:
I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a
execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença,
procedendo-se nos termos previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de
março de 2015 (Código de Processo Civil);
III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos
registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação
cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu
proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da Lei
nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula
no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que
adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o
disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as
hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro
de título de imóvel.
§ 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput
deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de
imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:
I - a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles
requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de
1985; e (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
II - a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.

1.5.3. A questão da dupla compra e venda

O que acontece quando o proprietário celebra contrato de compra e venda de imóvel


com mais de uma pessoa?

João celebra contrato de compra e venda com Pedro. Pedro é imitido na posse do
imóvel, porém não leva o título a registro. Meses após, João vende o mesmo imóvel a Maria, a
qual, diligentemente, registra o título na matrícula do imóvel. De quem será o imóvel? Pedro e
Maria estavam de boa-fé, logo, o imóvel ficará com aquele que registrou em primeiro lugar. O
que Maria deve fazer? Ajuizar ação de imissão de posse contra Pedro. O que Pedro pode
fazer? Ajuizar ação de perdas e danos contra João.

Como saber se Maria estava de má-fé? Primeiro, é preciso lembrar que a boa-fé se
presume e a má-fé precisa ser provada. O ônus da prova será de Pedro. O primeiro passo é
mostrar que não é crível que uma pessoa compre um bem imóvel e sequer o visite antes de
assinar o contrato. Além disso, Pedro pode investigar as relações existentes entre João e

15
CAPÍTULO 1

Maria colhendo provas que possam demonstrar o conluio entre os dois. Não é uma tarefa
fácil, mas é possível provar a má-fé.

1.5.4. Contrato de gaveta: o que é e qual a sua força no Brasil?

O contrato de gaveta é um instrumento particular que só gera efeitos entre as partes.


Não há oponibilidade erga omnes. Quando tiver por objeto a compra e venda de um bem
imóvel, ele deve ser considerado como promessa de compra e venda.

O promitente comprador pode, inclusive, exigir do promitente vendedor a outorga da


escritura pública, inclusive mediante ação de adjudicação compulsória.

O direito à adjudicação compulsória independe do registro da promessa de compra e


venda na matrícula, conforme súmula 239 do STJ.

Súmula 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao


registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

E se o promitente comprador promover a cessão da promessa a terceiro. O cessionário


pode requerer a adjudicação em face do proprietário (promitente vendedor originário)?
Precisa inserir no polo passivo o cedente?

Para o STJ, o cessionário pode demandar diretamente contra o proprietário


(promitente vendedor) e não precisa inserir no polo passivo o cedente. Vejam:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CESSÃO DE


DIREITOS. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. SÚMULA 239/STJ. REEXAME DOS
CONTRATOS FIRMADOS E DO CONTEXTO FÁTICOPROBATÓRIO. SÚMULAS 5 E 7
DO STJ. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. 1. Hipótese em
que o Tribunal local consignou (fl. 172, e-STJ): "Diante da cessão de direitos
oriundos de promessa de compra e venda, os cessionários podem exigir do
promitente vendedor - já quitado o preço - a outorga da escritura definitiva.
Trata-se de exigir cumprimento de obrigação de fazer, e não há necessidade
de registro da cadeia de cessões, imponível apenas a quem quer o efeito real
da promessa e posteriores cessões. Como não há terceiro afetado, e já
passadas décadas desde a promessa, a cessionária faz jus à adjudicação do
imóvel em seu favor (súmula n º 239 do STJ)". 2. O STJ possui jurisprudência de
que na "ação de adjudicação compulsória não é necessária a participação dos
cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima
para figurar no pólo passiva da demanda" (AgRg no Ag 1.120.674/RJ, Rel.
Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 13.5.2009). 3. O entendimento
adotado pelo Tribunal de origem, ou seja, de que a falta de registro do
instrumento particular de promessa de compra e venda não impede a
propositura de ação de adjudicação compulsória, está em sintonia com a
orientação jurisprudencial do STJ, consolidada na Súmula 239/STJ. 4. Além
disso, para modificar o entendimento firmado no acórdão recorrido, seria
necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que

16
CAPÍTULO 1

demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, bem como


examinar os contratos firmados, o que é impossível no Recurso Especial, ante
os óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 5. Finalmente, ainda que se
afastassem tais óbices, não se pode conhecer da irresignação contra a ofensa
aos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/1973 e aos arts. 4º, § 4º, e 20 do Decreto
55.738/1965, uma vez que os mencionados dispositivos legais não foram
analisados pela instância de origem. Ausente, portanto, o indispensável
requisito do prequestionamento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula
282/STF. 6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não
provido. (REsp n. 1.698.807/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 21/11/2017, DJe de 19/12/2017).

2. PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA
2.1. Estrutura do direito de propriedade
O direito de propriedade possui um conceito complexo, pois se revela a partir de uma
série de faculdades conferida pela lei ao sujeito, para que possa agir em relação à coisa. Nos
termos do art. 1.228, caput, do CC, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Quando todas essas faculdades estão reunidas e exercidas por uma única pessoa
podemos chamar a propriedade de propriedade plena. (ou domínio unificado). Aliás, nos
termos do art. 1.231 do CC, “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em
contrário”. Contudo, é possível destacar essas faculdades gerando, assim, direitos reais a
serem exercidos por outras pessoas (direitos reais sobre coisa alheia), tais como direitos reais
de fruição e de garantia. Quando há esse tipo de destacamento, a propriedade passa a ser
limitada.

Tais faculdades não prescrevem pelo não uso. Apenas a posse por terceiro por longo
tempo é que pode gerar a modificação subjetiva da propriedade em razão da usucapião.

2.1.1. Faculdade de usar

Faculdade de servir-se da coisa de acordo com a sua destinação econômica. O uso


pode ser direto (utilização pessoal) ou indireto (em benefício de terceiro ou por alguém que
esteja a serviço do proprietário).

O exercício da faculdade de usar deve observar, ainda, o interesse da coletividade. É


exatamente por isso que o art. 1.229 do CC dispõe que “a propriedade do solo abrange a do
espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício,
não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma
altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las”. Por sua vez,
o art. 1.230, caput, do CC prevê que “a propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e
demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos
e outros bens referidos por leis especiais”.

17
CAPÍTULO 1

Com efeito, não se pode perder de vista, ainda, que a faculdade de usar deve ser
exercida de acordo com a finalidade social e econômica da coisa, de modo a atender a função
social do direito de propriedade e a violação ao abuso de direito. Conforme prevê o § 1º do
art. 1.228 do CC, “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Por sua vez,
o § 2º do mesmo dispositivo estabelece que São defesos os atos que não trazem ao
proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de
prejudicar outrem”. Muito embora o texto se refira à “intenção de prejudicar outrem” trata-se
de responsabilidade objetiva, ou seja, basta a verificação do exercício abusivo da faculdade de
usar para que seja possível a responsabilização civil do proprietário.

O uso gera o direito à percepção dos frutos naturais da coisa.

2.1.2. Faculdade de gozar (ou fruir)

Consiste na faculdade de explorar economicamente a coisa, mediante a percepção dos


frutos e dos produtos que vão além da simples percepção dos frutos naturais. Quando o
proprietário extrai os frutos naturais ele está exercendo tão somente o direito de uso. Por
outro lado, a fruição (ou gozo) ocorre quando o proprietário extrai os frutos industriais
(transformados pelo homem) e os frutos civis (rendas decorrentes da utilização da coisa por
terceiro – ex.: aluguéis e juros).

Nos termos do art. 1.232 do CC, “os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda
quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a
outrem”.

Frutos: são bens acessórios que se renovam à medida em que são retirados (aluguéis,
juros etc.);

Produtos: bens acessórios que vão se exaurindo à medida em que são retirados
(minério, petróleo etc.).

Além dos frutos e produtos, também estão inseridas na faculdade de gozar as


pertenças. Nos termos do art. 93 do CC, “são pertenças os bens que, não constituindo partes
integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de
outro”. É o que ocorre, por exemplo, com o trator em relação à fazenda. Trata-se de bem
móvel que não se incorpora à propriedade imobiliária - princípio da não aderência, mas é
empregado para fins de exploração econômica.

As pertenças não se confundem com as benfeitorias, as quais, são aderidas ao bem


principal. As benfeitorias podem ser de três tipos: a) necessárias; b) úteis; e c) voluptuárias,
nos termos do art. 96 do CC:

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.

18
CAPÍTULO 1

§ 1 o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso


habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado
valor.
§ 2 o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3 o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se
deteriore.

2.1.3. Faculdade de dispor

É a faculdade que o proprietário tem de alterar a própria coisa, ou seja, a escolha da


destinação do bem.

A disposição pode ser material ou jurídica:

Disposição material: é o que ocorre com a destruição ou o abandono da coisa. Tais


atos implicam perda da propriedade (art. 1.275, III e IV, do CC);

Disposição jurídica: pode ser total ou parcial. Será total quando o proprietário alienar o
bem (ex.: contrato de compra e venda). Será parcial quando houver instituição de um
gravame sobre o bem (ex.: usufruto em favor de terceiro e hipoteca). Há, nesses casos,
transferência de poderes dominiais.

2.1.4. Faculdade de reivindicar

É a prerrogativa do titular do direito de propriedade de excluir terceiros de eventual


ingerência sobre o bem. Decorre do direito de sequela. Há uma sujeição universal por parte
da coletividade de respeito ao exercício do direito real pelo titular. Quando alguém violar esse
dever de abstenção nasce para o titular do direito real a pretensão reivindicatória.

O tema será mais bem estudado nas ações reivindicatória e de imissão de posse.

2.2. Aquisição da propriedade imobiliária


Viu-se que, em regra, a aquisição da propriedade imobiliária se dá por meio do registro
do título no Registro Imobiliário. A causa da constituição do direito real de propriedade pode
se dá por meio de:

• Transmissão: ato jurídico translativo (ex.: compra e venda, doação, dação em

pagamento, arrematação em leilão etc.);

• Sucessão causa amortis: aberta a sucessão (com a morte) transmite-se,

automaticamente, a propriedade dos bens do de cujus aos seus herdeiros (art.

1.789 do CC);

• Usucapião: aquisição da propriedade em razão do exercício da posse de forma

contínua, ininterrupta, com ânimo de dono e pelo tempo previsto na lei;

19
CAPÍTULO 1

• Legitimação fundiária: decorre de regularização fundiária, conforme prevê a

Lei nº 13.465/2017;

• Acessão: ampliação do objeto da propriedade em razão de fato natural

(acessão natural) ou ato humano (acessão artificial)1.

2.2.1. Acessão sobre imóveis

Trata-se de acréscimo. É a expansão horizontal ou vertical do imóvel ou mesmo


adensamento do solo em razão de acréscimo de área, de construção ou de plantação.

A acessão pode ser natural ou artificial.

2.2.2. Acessão natural

São espécies de acessão natural:

• Aluvião: acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por

depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo

desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais,

sem indenização (art. 1.250, caput, do CC);

• Avulsão: “quando, por força natural violenta, uma porção de terra se

destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a

propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem

indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. Recusando-se

ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a

porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida” (art.

1.251 do CC);

• Formação de ilha: as ilhas que se formarem em correntes comuns ou

particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros,

observadas as regras seguintes: a) as que se formarem no meio do rio

consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos

fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a

linha que dividir o álveo em duas partes iguais; b) as que se formarem

entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos

1
Nos termos do art. 1.248 do CC, “a acessão pode dar-se: I - por formação de ilhas; II - por
aluvião; III - por avulsão; IV - por abandono de álveo; V - por plantações ou construções.

20
CAPÍTULO 1

terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado; c) as que se formarem

pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos

proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram;

• Álveo abandonado: álveo é o leito (ou fundo) do rio. Ocorre, grosso

modo, quando o rio seca ou muda o seu curso gerando, com isso, um

aumento da área ribeirinha. Nos termos do art. 1.252 do CC, “o álveo

abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas

margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde

as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se

estendem até o meio do álveo”.

2.2.3. Acessão artificial: plantação e construção

Ao construir uma edificação ou realizar uma plantação, o sujeito amplia a sua


propriedade. Há uma presunção de que as construções e as plantações foram feitas pelo
proprietário do imóvel (art. 1.253 do CC).

A construção deve ser averbada na matrícula do imóvel (art. 167, II, “4”, da Lei nº
6.015/73). Trata-se, contudo de ato meramente declaratório, pois a constituição da acessão já
ocorreu, de fato, pela construção.

Não raras vezes, a construção é realizada em terreno próprio, mas com material
alheio, ou, ainda é realizada em terreno alheio. Tais situações possuem consequências
jurídicas práticas muito relevantes. Vejamos:

a) Construção ou plantação em terreno próprio com matéria-prima alheia: aquele


que construir ou plantar em terreno próprio com matéria-prima alheia não perde a
propriedade. Todavia, deverá pagar o valor da matéria-prima. Se agiu de má-fé deverá
pagar, ainda, uma indenização por perdas e danos (art. 1.254 do CC). ATENÇÃO: A ação
do proprietário da matéria-prima, nesse caso, será uma “ação de ressarcimento por
enriquecimento ilícito cumulada com perdas e danos”. É preciso ficar atento para o
prazo prescricional de 3 (três) anos da pretensão relativa ao enriquecimento (art. 206, §
3º, IV, do CC) e da pretensão relativa à reparação de danos (art., 206, § 3º, V, do CC). A
ação observará o procedimento comum do CPC e admite pedido de tutela provisória,
devendo o autor demonstrar o preenchimento dos requisitos legais;

b) Construção ou plantação em terreno alheio: aquele que construiu de boa-fé em


terreno alheio terá direito a uma indenização. Esse construtor, porém, poderá,
excepcionalmente, reivindicar a propriedade do imóvel alheio quando a construção
exceder consideravelmente o valor do próprio terreno. Nesse caso, o construtor deverá
pagar uma indenização ao proprietário do terreno. O proprietário do terreno, por outro
lado, poderá provar que o construtor estava de má-fé. Nesse caso, se ficar comprovada
a má-fé, o proprietário do terreno ficará com a construção (ou plantação) sem precisar
pagar absolutamente nada ao construtor. Caso ambos estejam de má-fé, o proprietário

21
CAPÍTULO 1

do terreno ficará com o bem e com a construção (ou plantação) e pagará ao construtor
indenização. Se a construção foi feita com matéria-prima de terceiro, este poderá exigir
perdas e danos do construtor. Não conseguindo obtê-la poderá pleitear do proprietário
do terreno;

c) Construção parcialmente em terreno alheio: é possível que a construção avance,


em parte, no terreno vizinho. Se a invasão for superior a 20% do imóvel vizinho, o
construtor de boa-fé poderá adquirir a propriedade vizinha, pagando ao proprietário
indenização, cujo valor deve servir para reparar a perda do terreno, a desvalorização da
área e evitar o enriquecimento ilícito do construtor com a valorização que a construção
teve com a invasão. Se o construtor estiver de má-fé, ele será punido da seguinte forma:
não terá direito à indenização; terá de demolir a construção; e deverá pagar indenização
em dobro ao proprietário do imóvel vizinho. Por outro lado, se a construção invade
parte de solo alheio em proporção não superior a 20% do terreno, o construtor de boa-
fé adquirirá a propriedade da parte do solo invadido, se o valor da construção exceder o
dessa parte, devendo pagar indenização ao proprietário do terreno invadido em
montante que represente o valor da área perdida e a desvalorização da área
remanescente. Se o construtor estiver de má-fé deverá demolir a construção que
avançou sobre o terreno vizinho. Se a demolição comprometer a construção como um
todo, o construtor de má-fé adquirirá a propriedade da parte invadida, mas pagará o
décuplo as perdas e danos.

2.3. Extinção da propriedade imobiliária

Alienação

Por ato de
Abandono
vontade

Renúncia
Extinção da
propriedade
imobiliária
Por ato do Estado Desapropriação

Pela perda do
Perecimento
objeto

A extinção da propriedade imobiliária em razão de alienação e desapropriação são


mais comuns. Mas também é possível visualizar a extinção pelo perecimento, embora seja
uma situação rara. Basta imaginar a inundação de uma cidade, a qual fica submersa para
sempre.

Em relação à extinção em razão de abandono e renúncia é preciso fazer uma


importante distinção entre esses dois institutos. Enquanto a renúncia é um ato formal e
expresso, o abandono decorre do comportamento do proprietário no sentido de não mais ser
dono.

• Renúncia: se o imóvel for de valor superior a 30 salários mínimos, a


renúncia deve ser feita por escritura pública. Nesse caso, a coisa fica

22
CAPÍTULO 1

vaga. O seu destino dependerá da natureza desse imóvel. Se for imóvel


urbano será incorporado ao patrimônio do município, exatamente como
ocorre com os imóveis abandonados, conforme art. 1.276, caput, do CC
(“o imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não
mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de
outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos
depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar
nas respectivas circunscrições”). Se o imóvel for rural, passará, após 3
(três) anos, ao patrimônio da União, da mesma forma como ocorre com
os imóveis abandonados, nos termos do § 1º do art. 1.276 do CC (“o
imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias,
poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à
propriedade da União, onde quer que ele se localize”);

• Abandono (ou derrelição): decorre do comportamento do proprietário,


que passa a a agir com a intenção de não mais ser dono do imóvel. Não
se exige formalidade. Quanto ao destino, aplica-se o que já foi dito em
relação à renúncia. O município (em caso de imóvel urbano) ou a União
(em caso de imóvel rural) expedirá um ato de arrecadação, no qual
atestará que o imóvel está abandonado. Passados 3 (três) anos desse
ato, o bem será incorporado ao patrimônio do ente público. Trata-se de
aquisição automática devendo ser averbada na matrícula do imóvel,
mediante requerimento do ente público.

2.3.1. Abandono e direito de arrependimento

O antigo proprietário poderá exercer o direito de arrependimento, da data do


abandono até o término do prazo de 3 (três) anos da data da arrecadação.

Se o imóvel ainda não foi declarado vago pelo poder público (arrecadação), basta que o
proprietário ingresse novamente na posse do bem ou lavre um instrumento público
declaratório e averbe na matrícula do imóvel (em caso de renúncia).

Se o imóvel já foi arrecadado pelo ente público, o arrependimento deve ser expresso e
por escrito. Se o imóvel tiver valor superior a 30 salários mínimo, o arrependimento deverá
ser realizado por escritura pública, a qual será averbada, com o consentimento do município,
na matrícula do imóvel. Se o município não concordar, o antigo proprietário dependerá de
ordem judicial.

Impende destacar, ainda, que, nos termos do § 2º do art. 1.276 do CC, “presumir-se-á
de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse,
deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais”. Percebe-se que, conforme o comando
legal, haverá uma presunção absoluta de abandono quando o proprietário não mais exercer
posse sobre o imóvel e, ainda, deixar de pagar os tributos incidentes sobre o bem (ex.: IPTU).

23
CAPÍTULO 1

Por fim, vale registrar que o procedimento de arrecadação do bem e incorporação ao


patrimônio público só ocorrerá se não houver ninguém na posse do bem. Assim, se o
proprietário abandonar e uma outra pessoa passar a exercer posse sobre o bem, o poder
público não poderá declarar o imóvel vago e esse possuidor poderá, inclusive, adquieir a
propriedade pela usucapião.

2.3.2. Arrecadação de bem vago como política de regularização fundiária urbana

A Lei nº 13.465/17 disciplina a regularização Funciária Urbana – REURB. Dispões o art.


15, IV, da lei:

Art. 15. Poderão ser empregados, no âmbito da Reurb, sem prejuízo de outros
que se apresentem adequados, os seguintes institutos jurídicos:
(...);
IV - a arrecadação de bem vago, nos termos do art. 1.276 da Lei nº 10.406, de
10 de janeiro de 2002 (Código Civil) ;

O procedimento de arrecadação no âmbito do Reurb está previsto nos arts. 64 e 65 da


lei:

Art. 64. Os imóveis urbanos privados abandonados cujos proprietários não


possuam a intenção de conservá-los em seu patrimônio ficam sujeitos à
arrecadação pelo Município ou pelo Distrito Federal na condição de bem vago.
§ 1º A intenção referida no caput deste artigo será presumida quando o
proprietário, cessados os atos de posse sobre o imóvel, não adimplir os ônus
fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana, por cinco
anos.

O procedimento observará as seguintes fases:

Inércia do
Arrecadação
proprietário
Comprovação do Notificação ao
Abertura do
tempo de abandono proprietário
procedimento
e inadimplência
administrativo (prazo de 30 dias)
fiscal Ressarcimento
Impugnação prévio das
despesas

Os imóveis arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal poderão ser


destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da
Reurb-S ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que
comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros,
no interesse do Município ou do Distrito Federal (art. 65 da Lei nº 13.465/17).

24
CAPÍTULO 1

3. OUTROS DIREITOS REAIS IMOBILIÁRIOS


3.1. Direito Real De Laje
3.1.1. Aspectos introdutórios

Segundo Carlos E. Elias e João Costa-Neto, “o direito real de laje é aquele por meio do
qual o titular da construção-base cede a superfície superior (o telhado) ou inferior (a base)
para a criação de uma unidade autônoma em projeção vertical ascendente (aérea) ou
descendente (subterrânea)”2.

O direito real de laje surgiu como forma de reconhecimento jurídico de uma realidade
de fato: os “puxadinhos” edificados sobre uma mesma construção-base. O objetivo é
regularizar essas unidades sobrepostas através da criação de matrículas próprias permitindo,
assim, maior autonomia e segurança jurídica ao titular da laje.

O Código Civil disciplina o direito real de laje nos arts. 1.510-A ao 1.510-E. Nos termos
do art. 1.510-A, caput, do CC, “o proprietário de uma construção-base poderá ceder a
superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha
unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”. Há, portanto, duas espécies
de laje: a aérea e a subterrânea.

O direito real de laje abrange o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou


privados, tomados em projeção vertical, o qual passa a ser considerado como unidade
imobiliária autônoma, não contemplando, entretanto, as demais áreas edificadas ou não
pertencentes ao proprietário da construção-base.

Para que seja instituído um direito real de laje é necessário que haja alguma
construção-base devidamente averbada na matrícula do imóvel. Isso porque o direito de laje
aérea pressupõe uma construção-base para apoiá-la. De igual forma, sem que haja uma
construção-base, eventual laje subterrânea inviabilizará o proprietário do terreno promover a
sua edificação, já que será necessário o uso do subsolo para a devida fundação.

O direito real de laje será registrado em matrícula própria podendo o titular exercer
todas as faculdades relativas ao exercício da propriedade, tais como usar, gozar e dispor (art.
1.510-A, § 3º, do CC. Nota-se que o titular da laje é dono apenas daquela unidade. Ele não
possui direito a uma fração ideal do terreno ou qualquer participação nas lajes já edificadas.

3.1.2. Quem são os proprietários?

O direito de laje constitui unidade imobiliária autônoma. Regra geral, o titular do


direito de laje é diferente do titular da construção-base. Isso não impede, contudo, que o
mesmo titular da construção-base também o seja do direito real de laje.

2
ELIAS, Carlos E.; COSTA-NETO, João. Direito civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense;
Método, 2022, p. 1037.

25
CAPÍTULO 1

3.1.3. Graus de laje (ou lajes sucessivas)

É possível a instituição de lajes sobrepostas. Para tanto, o proprietário de uma laje


deve ceder a superfície de sua construção para a instituição da laje sucessiva, mas é preciso
que haja autorização expressa dos demais titulares das lajes inferiores e do titular da
construção base, bem como respeito às normas de posturas editalícias e urbanísticas do
município.

3.1.4. Acesso para as lajes

Embora o direito real de laje constitua uma unidade imobiliária autônoma, a lei não
exige que o acesso à laje seja independente e autônomo. Nada impede que o acesso se dê
pela laje inferior (ou superior, no caso de acesso ao subsolo).

Não havendo acordo entre os titulares das lajes, aquele que não possui acesso à sua
laje (laje encravada) poderá se valer do instituto da passagem forçada, mediante o
pagamento de indenização, nos termos do art. 1.285 do CC, perfeitamente aplicável ao direito
real de laje. Vejamos:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou
porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho
a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e
facilmente se prestar à passagem.
§ 2 o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes
perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve
tolerar a passagem.
§ 3 o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da
alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o
proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

3.1.5. Questões práticas relevantes

3.1.5.1. Matrícula própria

O titular do direito real de laje tem direito à abertura de uma matrícula própria no
Registro de Imóveis para a sua unidade imobiliária, conforme art. 176, § 9º, da Lei nº 6.015/73.

Art. 176 - O Livro nº 2 - Registro Geral - será destinado, à matrícula dos imóveis
e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos
ao Livro nº 3.
(...);
§ 9º A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma
matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato
na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com
remissão recíproca.

26
CAPÍTULO 1

3.1.5.2. Instituição do direito de laje no Registro de Imóveis

Vejamos o passo a passo:

1º) O proprietário do imóvel e titular da construção-base deve assinar um ato de


constituição do direito real de laje e o protocolar no Cartório de Registro de Imóveis;

2º) O registrador analisará o ato e a matrícula do imóvel, bem como a legislação


urbanística. Se estiver tudo regular, o oficial registrará o ato na matrícula do imóvel onde está
averbada a construção-base (matrícula-mãe);

3º) Em seguida, o registrador abrirá uma matrícula-filha (a da laje) consignando


remissões recíprocas nas matrículas, ou seja, a matrícula-mãe faz remissão à matrícula-filha e
vice-versa;

4º) Se o titular da laje for pessoa diferente do titular da construção-base estará


configurada a alienação do direito real de laje (doação ou compra e venda, conforme o caso).
Nesse caso, se o imóvel for superior a 30 salários mínimos deve ser lavrada lima escritura
pública (de doação ou compra e venda), a qual será registrada na matrícula-filha, mediante o
pagamento do ITBI (alienação onerosa) ou ITCMD (alienação gratuita);

5º) Ao instituir o direito real de laje, é importante que o instituidor especifique o


seguinte: a) forma de administração e rateio das despesas; b) Prazo para o exercício do
direito de preferência. Não havendo especificação, as despesas serão pro rata e o prazo para
o exercício do direito de preferência será de 30 dias.

3.1.5.3. Instituição de direitos reais sobre o direito real de laje

O direito real de laje é um direito real imobiliário sobre coisa própria, pois há a criação
de uma matrícula própria da unidade e o registro em nome do respectivo titular. Logo, o
titular da laje pode instituir direitos reais sobre ela, tais como usufruto, hipoteca, alienação
fiduciária etc.

3.1.5.4. Fato gerador do IPTU/ITR

O fato gerador do imposto territorial (urbano ou rural) é a laje em si. É ela unidade
autônoma em relação às demais lajes e à construção-base. Logo, há incidência de IPTU/ITR
sobre ela e de forma autônoma. Isso significa dizer que os titulares das demais lajes e o titular
da construção-base não podem ser responsabilizados pelo pagamento do imposto incidente
sobre a laje. Nesse sentido é o art. 1.510-B, § 2º, do CC:

Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a


superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje
mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.
(...);
§ 2º O titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que
incidirem sobre a sua unidade.

27
CAPÍTULO 1

3.1.6. Condomínio necessário

O direito real de laje não se confunde com o condomínio, pois o titular da laje não é
titular de parte ideal sobre o terreno. Cada laje é considerada um imóvel distinto. É como se
houvesse um “parcelamento vertical do imóvel”. Sendo mais claro, o titular do direito de laje
não possui nenhum direito sobre a propriedade do solo, a qual pertence exclusivamente ao
titular da construção-base.

Não obstante, as partes que servem a construção base e as lajes (estrutura que divide
o pavimento inferior do pavimento superior) devem ser consideradas como sujeitas a um
condomínio necessário, assim como ocorre com os muros divisórios entre terrenos.

Por tal razão, as regras referentes ao direito de vizinhança se aplicam às relações entre
os titulares das lajes, a exemplo da regra que proíbe o uso anormal da propriedade (art. 1.277
e seguintes do CC), assim como regras relativas ao condomínio edilício.

Quanto às despesas necessárias à conservação e fruição das partes que servirem a


todo o edifício serão elas partilhadas entre o titular da construção-base e o titular da laje, na
proporção estabelecida em contrato, conforme art. 1.510-C do CC:

Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos
condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias
à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao
pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o
proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a
ser estipulada em contrato.

O § 1º do art. 1.510-C do CC, aliás, define o que são partes que servem a todo o edifício.
Vejamos:

1º São partes que servem a todo o edifício:


I - os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes
que constituam a estrutura do prédio;
II - o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso
exclusivo do titular da laje;
III - as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar
condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e
IV - em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.

A forma como as despesas serão partilhadas pode ser estabelecida no próprio ato de
constituição do direito real de laje, com a devida averbação nas matrículas.

28
CAPÍTULO 1

3.1.7. Direito de preferência

Conforme já mencionado, o direito real de laje não se confunde com o condomínio,


embora haja muitas semelhanças. Diante dessas semelhanças, em especial o fato de cada
pessoa ser titular de uma unidade autônoma a partir de uma construção-base, caso o titular
de uma das lajes resolva alienar o seu direito real, os titulares das demais lajes e o titular da
construção-base terão direito de preferência. Contudo, há uma ordem de prioridade para o
exercício do direito de preferência. Vejamos:

• Prioridade 1: o proprietário da construção-base tem prioridade para o

exercício do direito de preferência sobre todos os titulares das lajes.

• Prioridade 2: se o proprietário da construção-base não quiser adquirir a

laje daquele que quer aliená-la, terão prioridade os titulares das lajes

ascendentes, iniciando-se pelo titular da laje ascendente contígua;

• Prioridade 3: se o proprietário da construção-base e os titulares das lajes

ascendentes não quiserem adquirir a laje daquele que quer aliená-la,

terão prioridade os titulares das lajes descendentes, iniciando-se pelo

titular da laje descendente contígua.

Art. 1.510-D. Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas,


terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os
titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados
por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato
dispuser de modo diverso.
§ 1º O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento
da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a
parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e
oitenta dias, contado da data de alienação.
§ 2º Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das
lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade
para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada.

O direito de preferência só deve ser observado quando se tratar de alienação onerosa,


pois o art. 1.510-D se refere ao “depósito do respectivo preço”. Logo, tratando-se de cessão
doação ou de permuta, o titular da laje não precisará notificar os demais titulares, pois não
haverá direito de preferência nesse caso.

29
CAPÍTULO 1

3.1.7.1. Passo a passo para o exercício do direito de preferência

Alienação a
Titulares não se
terceiro + registro
interessam
na matrícula

Notificação aos
1º) Titular da
demais titulares
construção -base
(30 dias)

Titular pretende Titulares se Observência das 2º) Titulares das


vender interessam prioridades lajes ascendentes

Ação de
Alienação a adjudicação 3º) Titulares das
terceiro sem compulsória + lajes
notificação depósito (180 descendentes
dias)

A ação de adjudicação compulsória do direito real de laje se sujeita a um prazo


decadencial de 180 (cento e oitenta) dias. Tendo em vista que o direito real de laje é um
direito real imobiliário, a ação deve ser proposta na vara cível da comarca onde está situada a
laje (art. 47 do CPC). Se o autor for casado deverá obter o consentimento do seu cônjuge,
salvo se casados sob o regime da separação absoluta de bens (art. 73, caput, do CPC). Se o
réu for casado, o autor deverá requerer a citação do respectivo cônjuge (litisconsórcio passivo
necessário), salvo se casados sob o regime da separação absoluta de bens (art. 73, § 1º, I, do
CPC).

3.1.8. Penhora sobre direito real de laje

O direito real de laje possui nítido valor econômico e integra o patrimônio do seu
titular. Logo, está sujeito a penhora. Caso se trate de unidade residencial da entidade familiar
será considerado como bem de família e, portanto, gozará da proteção especial prevista no
art. 1º da Lei nº 8.009/90, observadas, evidentemente, as mitigações estabelecidas no art. 3º
da referida lei.

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é


impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e
todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados.

30
CAPÍTULO 1

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução


civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I (REVOGADO)
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção
ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em
função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem,
do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições
devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real
pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de
bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

3.1.9. Extinção da laje

Há duas formas de extinção da laje: a) voluntária; b) legal.

• Voluntária: quando duas ou mais lajes contíguas passam a pertencer a


uma única pessoa. Nesse caso, o titular poderá promover a fusão das
matrículas em uma só, de novo número. As matrículas anteriores serão
encerradas (art. 234 da Lei nº 6.015/73);
• Legal: a própria lei estabelece a forma de extinção. O art. 1.510-E do CC
prevê, como forma de extinção do direito real de laje, a ruína: “Art. 1.510-
E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje,
salvo: I - se este tiver sido instituído sobre o subsolo; II - se a construção-
base for reconstruída no prazo de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. O
disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil
contra o culpado pela ruína.

3.1.10. Usucapião do direito real de laje

A usucapião é o modo originário de constituição de propriedade. Embora não haja


expressa previsão legal, o direito real de laje pode, sim, ser objeto de usucapião. Aliás, esse é
o entendimento consagrado no enunciado 627 da VIII Jornada de Direito Civil – CJF.

3.2. Direito real de aquisição


O direito real de aquisição ocorre em dois grandes casos: promessa de compra e venda
e alienação fiduciária em garantia.

31
CAPÍTULO 1

3.2.1. Promessa de compra e venda de imóvel

Trata-se de contrato preliminar por meio do qual o promitente vendedor se


compromete a, no futuro, após o advento do termo ou condição pactuada, celebrar o
contrato definitivo de compra e venda.

O contrato de promessa de compra e venda pode ou não conter cláusula de


arrependimento. Havendo, pode ser desfeito unilateralmente pelo promitente vendedor. Não
havendo, caso o promitente vendedor se recuse a assinar o contrato definitivo de compra e
venda (escritura pública), o promitente comprador poderá se valer da ação de adjudicação
compulsória.

Por meio da ação de adjudicação compulsória, o promitente comprador buscará obter


uma sentença que substituirá o próprio contrato, nos termos dos arts. 463 e 464 do CC:

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no


artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento,
qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo,
assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro


competente.

Art. 464. Esgotado o prazo poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a


vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

A ação de adjudicação compulsória, portanto, suprirá a emissão de declaração de


vontade, conforme art. 501 do CPC:

Art. 501. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a
sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado,
produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

A adjudicação compulsória também pode ser realizada extrajudicialmente, conforme


prevê o art. 216-B da Lei nº 6.015/73.

A promessa de compra e venda deve ser registrada no Registro Imobiliário, nos termos
dos arts. 1.417 e 1.418 do CC:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou


arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito
real à aquisição do imóvel.

32
CAPÍTULO 1

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do


promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos,
a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no
instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do
imóvel.

Vale lembrar que a promessa de compra e venda gera efeitos obrigacionais entre as
partes, de tal modo que a sua validade e a sua eficácia não estão condicionadas à existência
de uma escritura pública. Assim, a promessa de compra e venda pode ser formalizada por
simples instrumento particular. De igual forma, o direito à adjudicação compulsória é de
caráter pessoal, restrito aos contratantes, podendo ser exercido ainda que o contrato de
promessa de compra e venda não tenha sido registrado no Registro Imobiliário, conforme
súmula 239 do STJ, in verbis:

Súmula 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao


registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

3.2.2. Alienação fiduciária em garantia

Na alienação fiduciária em garantia, o credor fiduciário torna-se titular do direito real


de propriedade sob condição resolutiva consistente no pagamento da dívida garantida pelo
devedor fiduciante. Por sua vez, o devedor fiduciante terá um direito real de aquisição, pois
adquirirá o imóvel após o pagamento total do preço.

3.2.3. Outros contratos preliminares

Há quem entenda, com razão, que outros contratos preliminares onerosos relativos a
bens imóveis também geram o direito real de aquisição. Bata imaginar o contrato de
promessa de permuta de bens imóveis e o contrato de promessa de dação em pagamento
por meio de bem imóvel. Nesses casos, a parte interessada poderá levar o contrato para ser
registrado na matrícula do imóvel.

3.3. Direito real de superfície


O direito de superfície é um direito real por meio do qual uma pessoa, chamada de
fundeiro ou concedente, concede a outra, chamada de superficiário, o direito de construir ou
de plantar em seu terreno (direito de implante). Trata-se, portanto, de direito real sobre coisa
alheia.

3.3.1. Instituição

O direito de superfície é instituído mediante escritura pública, independentemente do


valor do imóvel. Após lavrar a escritura pública, esse instrumento deve ser levado ao Registro
Imobiliário para ser registrado na matrícula do imóvel.

33
CAPÍTULO 1

Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de


plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública
devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo
se for inerente ao objeto da concessão.

3.3.2. Objeto

O objeto do direito de superfície deve ser certo e individualizado. Embora o Código Civil
preveja o direito real de superfície apenas para construção e plantação, nada impede que
também seja instituído para exploração do espaço aéreo.

Já em relação ao subsolo, a regra é a impossibilidade de sua exploração por meio de


instituição do direito real de superfície, salvo se tal exploração for inerente ao próprio objeto
da concessão, conforme prevê o parágrafo único do art. 1.369 do CC.

Não obstante, tratando-se de imóvel urbano, o direito real de superfície se sujeita às


regras previstas no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), o qual prevê, expressamente, que
“o direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo
relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação
urbanística” (art. 21, § 1º).

Exemplo de direito real de superfície para exploração do espaço aéreo: João é


proprietário de dois imóveis, onde construiu um edifício em cada um deles. Os dois imóveis
estão separados por um outro imóvel, o qual pertence a Pedro, conforme representação
abaixo:

Imóvel de Imóvel de Imóvel de


João Pedro João
Imóvel A Imóvel B Imóvel C

João necessita construir uma passagem aérea, por meio de uma ponte, ligando o
imóvel A ao imóvel C. Diante disso, João e Pedro instituem o direito real de superfície, a fim de
que João explore o espaço aéreo por meio de uma ponte ligando o 12º andar do prédio A ao
12º andar do prédio C. O mesmo poderia se dar em relação ao subsolo, para instituição de
um túnel subterrâneo ligando os dois prédios.

3.3.3. Tributo

O direito de superfície é um direito real sobre bem imóvel e, como tal, constitui fato
gerador do ITBI ou ITCMD, se a transmissão for onerosa ou gratuita.

O Código Tributário Nacional prevê a incidência do ITBI na transmissão de direitos


reais sobre imóveis. Vejamos:

34
CAPÍTULO 1

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens


imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens
imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;
II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os
direitos reais de garantia;
III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos
geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

Na prática, no ato da lavratura da escritura pública, o tabelião exige o comprovante de


pagamento do ITBI (ou ITCMD se a superfície decorrer de ato gratuito). Aliás, muitas leis
municipais preveem que o imposto deve ser recolhido até a data da lavratura da escritura
pública. Todavia, a constituição do direito real se dá com o registro na matrícula do imóvel,
razão pela qual a exigência do tabelião não nos parece correta. Quem deve exigir o prévio
recolhimento do imposto é o oficial do registro imobiliário.

A base de cálculo deverá observar a legislação municipal.

Instituído o direito real de superfície, o superficiário responderá pelos encargos e


tributos que incidirem sobre o imóvel (art. 1.371 do CC).

3.3.4. Cânon superficiário (art. 1.370 do CC)

Na instituição do direito real de superfície é possível pactuar a obrigação do


superficiário ao pagamento de um valor ao concedente. Esse valor pode ser pago de uma só
vez ou em prestações sucessivas. Esse valor é chamado de cânon.

Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa; se onerosa,


estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou
parceladamente.

É importante registrar que o concedente não pode exigir do superficiário o pagamento


de um valor em razão da alienação do direito real de superfície. Assim, o superficiário pode
alienar o seu direito real de superfície, de forma gratuita ou onerosa. Esse direito também é
transmitido aos herdeiros do superficiário em caso de morte. Contudo, se o superficiário
quiser alienar esse direito, ele não precisa pagar nada ao concedente.

Art. 1.372. O direito de superfície pode transferir-se a terceiros e, por morte


do superficiário, aos seus herdeiros.
Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum
título, qualquer pagamento pela transferência.

35
CAPÍTULO 1

3.3.5. Direito de preferência

Assim como o superficiário pode alienar o seu direito real de superfície, o concedente
também pode alienar a propriedade do seu imóvel. Em ambos os casos haverá direito de
preferência. Nos termos do art. 1.373 do CC, “em caso de alienação do imóvel ou do direito de
superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de
condições”.

Embora o Código Civil seja omisso nesse ponto, a doutrina entende que aquele que
pretender alienar o imóvel (no caso do cedente) ou o direito real de superfície (no caso do
superficiário) deve oferecer antes, ao outro, para que o adquira, mediante o pagamento do
respectivo valor.

Se o proprietário alienar o imóvel sem notificar previamente o superficiário para o


exercício do direito de preferência, poderá este, no prazo de 6 (seis) meses, contado do
registro da alienação, promover a adjudicação compulsória do bem, mediante o depósito do
preço. Nesse sentido é o enunciado nº 510 da V Jornada de Direito Civil:

Enunciado 510. Ao superficiário que não foi previamente notificado pelo


proprietário para exercer o direito de preferência previsto no art. 1.373 do CC
é assegurado o direito de, no prazo de seis meses, contado do registro da
alienação, adjudicar para si o bem mediante depósito do preço.

3.3.6. Superfície de segundo grau

A doutrina discutia a possibilidade ou não de instituir direito real de superfície sobre


outro direito real de superfície (direito de sobreelevação). Tal discussão perdeu a razão de
existir com o advento do direito real de laje (art. 1.510-A do CC).

3.3.7. Prazo

O art. 1.369 do CC estabelece que o prazo do direito real de superfície deve ser
determinado. Já o Estatuto da Cidade diz que o prazo pode ser determinado ou
indeterminado (art. 21).

A despeito da discussão sobre esse aparente conflito entendemos que o Estatuto da


Cidade, por ser lei especial, deve ser aplicado, de modo que, na prática é possível instituir
direito real de superfície por prazo indeterminado.

3.3.8. Extinção

A extinção do direito real de superfície pode se dar nos seguintes casos:

• Pelo advento do termo (art. 23, I, do Estatuto da Cidade);


• Pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo
superficiário (art. 23, II, do Estatuto da Cidade);

36
CAPÍTULO 1

• Quando, antes do termo final, o superficiário der ao terreno destinação


diversa daquela para que foi concedida (art. 1.374 do CC);
• Em caso de desapropriação do terreno pelo poder público.
Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno.
Se houver previsão de direito à indenização pelas acessões e benfeitorias, o proprietário
deverá pagar ao superficiário. Não havendo previsão no instrumento de instituição, o
proprietário (concedente) recuperará, além do domínio do terreno, as acessões e benfeitorias
introduzidas no imóvel, independentemente de indenização.

A extinção do direito de superfície deverá ser averbada no cartório de registro de


imóveis.

No caso de extinção do direito de superfície, em razão de desapropriação, a


indenização será cabível tanto ao proprietário quanto ao superficiário, no valor
correspondente ao direito real de cada um.

3.4. Servidão
3.4.1. O que é uma servidão?

A servidão é o direito real por meio do qual cria-se uma relação de vinculação de um
imóvel a outro, a fim de que prestar-lhe maior utilidade. Há dois imóveis, pertencentes a
pessoas diferentes: o imóvel dominante e o imóvel serviente. Na servidão, o proprietário do
imóvel dominante extrairá alguma utilidade do imóvel serviente. Nota-se, assim, que a
servidão acaba impondo certas restrições ao direito de propriedade do imóvel serviente.

A título de exemplo, imagine uma servidão instituída para que o proprietário de um


imóvel (dominante) ingresse com o seu gado no imóvel serviente para que possa beber água
no lago pertencente a esse imóvel.

Na servidão, o proprietário do imóvel serviente transfere ao proprietário do imóvel


dominante parcela do seu direito de propriedade, em especial as faculdades de uso e fruição.

Nos termos do art. 1.378 do CC, “a servidão proporciona utilidade para o prédio
dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante
declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no
Cartório de Registro de Imóveis”.

O proprietário do imóvel serviente sofre uma limitação no seu direito de propriedade,


pois uma parcela dos seus direitos dominiais será concedida ao proprietário do imóvel
dominante, para que ele pratique atos de extração da utilidade que lhe foi concedida.

3.4.2. Características da servidão

As características da servidão possuem grande relevância prática, principalmente para


identificar a possibilidade de instituição de uma servidão ou, ainda, para compreender os
reflexos da servidão para atos futuros.

37
CAPÍTULO 1

a) Predialidade

A servidão só pode ser instituída sobre imóveis corpóreos (ex.: terreno ou


apartamento). Não se admite a instituição de servidão sobre bens móveis, incorpóreos ou
futuros.

b) Acessoriedade

A servidão segue a sorte do imóvel dominante. Assim, se o proprietário do imóvel


dominante o alienar, o adquirente o receberá com a servidão já instituída, ou seja, passará a
ser proprietário do imóvel e titular da servidão. O dono do prédio serviente tem o dever de
não impedir ou embaraçar o exercício da servidão (art. 1.383 do CC).

c) Inalienabilidade

A servidão não pode ser alienada sozinha. Isso significa que ela só pode ser alienada
juntamente com a propriedade dominante.

d) Indivisibilidade

A servidão não pode ser fracionada. Ainda que o imóvel seja desmembrado, a servidão
permanece íntegra. Nos termos do art. 1.386 do CC, “as servidões prediais são indivisíveis, e
subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio
dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo se, por natureza,
ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro”.

A servidão também não pode recair sobre partes ideais do imóvel. Ela recai sobre todo
o imóvel.

e) Perpetuidade

Tradicionalmente, costuma-se dizer que a servidão é perpétua, pois visa suprir uma
carência natural do prédio dominante, como ocorre no exemplo da servidão para que o gado
possa beber água no lago localizado na propriedade vizinha, ou mesmo, no caso de servidão
de passagem.

E se os proprietários dos prédios resolverem estabelecer um prazo determinado para a


servidão?

Embora a perpetuidade seja uma característica da servidão, doutrina e jurisprudência


admitem que as partes estabeleçam um prazo de duração ou uma condição resolutiva,
situação que fará com que a servidão seja extinta pelo advento do termo ou da condição.
Diante dessa possibilidade, autores como Carlos Elias e João Costa-Neto defendem que a
perpetuidade não é uma característica da servidão; e, embasados na doutrina de Clóvis
Beviláqua, entendem que o ideal seria atribuir, como característica, a “duração indefinida”.

38
CAPÍTULO 1

3.4.3. Conservação da servidão e benfeitorias necessárias

O titular do prédio dominante tem o direito de realizar as obras necessárias, a fim de


manter a utilidade e a conservação da servidão. Se a servidão servir a mais de um prédio, tais
despesas serão rateadas entre todos os titulares dos prédios dominantes.

Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à
sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão
as despesas rateadas entre os respectivos donos.

Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo
dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser expressamente o
título.

Como deve ser feito esse rateio? Se no ato de instituição da servidão não houver
disposição em sentido contrário, o rateio deve se dar de forma igualitária.

Quando as benfeitorias também beneficiarem o dono do prédio serviente, ele também


deve participar do custeio da benfeitoria. Nada impede, também, que o ato de instituição da
servidão preveja que as despesas de conservação da servidão sejam realizadas e custeada
pelo titular do prédio serviente.

É possível, ainda, que o titular do prédio serviente, nos casos em que ele participa do
custeio das obras de conservação da servidão, entenda que tal participação é mais onerosa
do que a própria manutenção da propriedade. Nesse caso, o proprietário do imóvel serviente
poderá renunciar a sua propriedade (total ou parcialmente) em benefício do dono do prédio
dominante. Trata-se de renúncia liberatória.

Art. 1.382. Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este


poderá exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao
dono do dominante.
Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber
a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras.

Embora o art. 1.382 se refira à “abandono”, o correto é falar em renúncia. Como essa
renúncia ocorre em favor do dono do prédio dominante, configura um verdadeiro ato de
transmissão de uma posição jurídica, razão pela qual depende da aceitação do dono do
prédio dominante. Mesmo que o dono do prédio dominante não aceite a propriedade, ele
deverá arcar com as despesas das obras de conservação da servidão.

3.4.4. Exercício da servidão e princípio da menor onerosidade

O exercício da servidão deve observar os limites das necessidades do dono do prédio


dominante e, portanto, a finalidade para a qual a servidão foi instituída. Por conseguinte, o
seu exercício deve se dar da forma menos onerosa possível para o dono do prédio serviente.

39
CAPÍTULO 1

No exercício da servidão, o dono do prédio dominante deve evitar agravar o encargo


que recai sobre o prédio serviente. Trata-se de dever que decorre do princípio da boa-fé
objetiva, conforme se extrai do art. 1.385, caput, do CC:

Art. 1.385. Restringir-se-á o exercício da servidão às necessidades do prédio


dominante, evitando-se, quanto possível, agravar o encargo ao prédio
serviente.

Na prática, é muito importante que o dono do prédio serviente convencione com o


dono do prédio dominante, da forma mais precisa possível, a finalidade da servidão e seus
limites. Isso evita problemas futuros no exercício da servidão.

É exatamente por isso que o § 1º do art. 1.385 do CC estabelece que “constituída para
certo fim, a servidão não se pode ampliar a outro”. No mesmo sentido, o § 2º do supracitado
artigo dispõe que “nas servidões de trânsito, a de maior inclui a de menor ônus, e a menor
exclui a mais onerosa”. A título de exemplo, na servidão de passagem de veículos
automotores deve ser admitida a passagem de bicicleta ou de cavalos; porém, a servidão de
passagem de bicicletas e/ou de cavalos não compreende a passagem de veículos
automotores.

Por fim, vale registrar que a servidão instituída não se estende ao novo imóvel
adquirido pelo dono do prédio serviente. Exemplo: A servidão foi instituída no imóvel A,
pertencente a João. Se João adquirir um imóvel vizinho (imóvel B), a servidão instituída no
imóvel A não se estenderá ao imóvel B.

3.4.5. Ampliação compulsória da servidão

A servidão deve ser útil ao titular do prédio dominante. É possível que as atividades
desenvolvidas pelo dono do prédio dominante exijam o alargamento (ampliação) da servidão
(exemplo: a servidão foi instituída para a passagem de veículos de pequeno porte, mas o
dono do prédio dominante precisa passar com caminhões). Nesse caso, o dono do prédio
serviente é obrigado a tolerar a ampliação da servidão, porém terá direito a uma indenização
em razão desse excesso, conforme prevê o § 3º do art. 1.385 do CC:

§ 3 o Se as necessidades da cultura, ou da indústria, do prédio dominante


impuserem à servidão maior largueza, o dono do serviente é obrigado a sofrê-
la; mas tem direito a ser indenizado pelo excesso.

3.4.6. Imutabilidade da finalidade da servidão

Conforme já mencionado, a servidão se limita á finalidade para a qual foi instituída.


Logo, ela não pode ser modificada ou ampliada para outro fim. Isso não impede, contudo,
que as partes pactuem tal ampliação, promovendo-se o respectivo registro no Registro
Imobiliário.

40
CAPÍTULO 1

3.4.7. O proprietário do prédio serviente está obstando o exercício da servidão. E


agora?

Conforme estudado, o dono do prédio serviente não poderá embaraçar de modo


algum o exercício legítimo da servidão” (art. 1.383 do CC). Há, portanto, uma obrigação
negativa imposta pela lei ao proprietário do prédio serviente, qual seja: abstenção de praticar
atos que impeçam ou dificultem o exercício do direito real de servidão. Descumprindo tal
dever, o dono do prédio dominante poderá se valer de ações judiciais diversas, a depender
do tipo de ato praticado pelo dono do prédio serviente, tais como:

• Ação de obrigação de fazer (exemplo: obrigação de fazer para que o


dono do prédio serviente realize a benfeitoria necessária, conforme
previsto no contrato);
• Ação inibitória (exemplo: ação para impedir que o dono do prédio
serviente destrua o pasto que serve para alimentar os animais do dono
do prédio dominante);
• Ação possessória (exemplo: reintegração de posse, em razão de o dono
do prédio serviente ter colocado uma cerca ao redor do lago, impedindo
que o dono do prédio dominante retire água, situação que configura
esbulho).

3.4.8. Servidão aparente e servidão não aparente

A servidão aparente é aquela visível aos olhos de qualquer pessoa. É o que ocorre com
a servidão de passagem, a servidão para passagem de tubulação. Já a servidão não aparente,
ao contrário, não é visível. É o que ocorre, por exemplo, com a instituição de servidão para
que não seja possível construir acima de determinada altura.

3.4.9. Extinção da servidão

Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com


respeito a terceiros, quando cancelada (art. 1.387, caput, do CC). Se o imóvel dominante
estiver hipotecado, e a servidão se mencionar no título hipotecário, será também preciso para
cancelar o consentimento do credor. Exige-se o consentimento do credor hipotecário porque
com a extinção da servidão há, naturalmente, a redução do valor da propriedade dominante
(objeto da hipoteca) e, consequentemente, redução da garantia hipotecária.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald lembram um outro aspecto prático


relevante: a aplicação desse mesmo raciocínio em caso de usufruto. Imagine o seguinte
exemplo: A e B instituem uma servidão, sendo o imóvel de A o dominante e o imóvel de B o
serviente. A, contudo, celebra um negócio jurídico com C, concedendo-lhe o usufruto do
imóvel. Meses depois, A e B resolvem cancelar a servidão. Nesse caso, o usufrutuário C ficará
prejudicado, pois não poderá mais beneficiar-se da servidão. Diante disso, interpretando o
Código Civil de forma sistemática mostra-se necessário, também, o consentimento do
usufrutuário C para que haja o cancelamento da servidão entre A e B.

41
CAPÍTULO 1

As formas de extinção da servidão estão previstas nos arts. 1.387 a 1.389 do CC.
Vejamos cada uma delas e suas repercussões práticas:

a) Cancelamento por ato voluntário: as partes podem cancelar a servidão, mediante


escritura pública (quando o valor do imóvel for superior a 30 salários-mínimos). Nesse
caso, o instrumento deve ser averbado na matrícula do imóvel. Note que, nesse caso,
enquanto o instrumento não for averbado na matrícula, o cancelamento só produz
efeitos entre as partes (dono do prédio dominante e dono do prédio serviente);
b) Desapropriação: a desapropriação do poder público é causa extintiva da servidão.
Nada impede, porém, que o próprio poder público autorize a manutenção da servidão;

c) Ação judicial: o art. 1.388 do CC estabelece as hipóteses. São elas:


1ª) Quando o titular houver renunciado a sua servidão: a ação judicial objetivando o
cancelamento da servidão em razão da renúncia só deve ser promovida, caso a
renúncia não seja instrumentalizada por escritura pública e devidamente averbada na
matrícula do imóvel. Se a renúncia se der por escritura pública e for averbada na
matrícula, o ato se tornará perfeito e acabado, não sendo necessária a propositura de
ação judicial. Vale lembrar que se mais de uma pessoa for proprietária do prédio
dominante (copropriedade) é necessário que todos os coproprietários renunciem;
2ª) Quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que
determinou a constituição da servidão: é o que ocorre, por exemplo, quando o dono do
prédio dominante usa o prédio serviente para passagem de tubulação para escoamento
de esgoto, porém, posteriormente, o poder público realiza obra de saneamento e faz a
ligação do sistema de água e esgoto;
3ª) Quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão: ocorre quando o dono do
prédio serviente celebra um negócio jurídico com o dono do prédio dominante
estabelecendo o pagamento de uma quantia para que o prédio serviente seja liberado
do ônus imposto pela servidão. Se as partes não chegarem a um acordo, o dono do
prédio serviente poderá ajuizar ação de resgate oferecendo um valor ao dono do prédio
dominante para desoneração do imóvel;

d) Outras modalidades de extinção (art. 1.389 do CC):


1ª) Confusão: quando há reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa (ex.: o
dono do prédio serviente compra o imóvel dominante);
2ª) Supressão de obras por efeito de contrato: ocorre quando a servidão era utilizada
para permitir a realização de obras. A cessação das obras gera a perda da utilidade da
própria servidão. Nesse caso, basta que os donos do prédio serviente e dominante
lavrem uma escritura pública estabelecendo a extinção da servidão e averbem na
matrícula do imóvel;
3ª) Pelo não uso, durante dez anos contínuos: se o proprietário do imóvel dominante
não exercer o direito real de servidão pelo prazo de 10 (dez) anos, extingue-se a
servidão. Presumem-se, nesse caso, a inutilidade e a perda da função social da servidão.
O prazo começará a fluir a partir do último ato praticado. A extinção da servidão, nesse
caso, dependerá de ação judicial a ser proposta pelo dono do prédio serviente, a quem
cabe o ônus da prova da omissão acerca do não uso da servidão, pelo réu, durante o
prazo de 10 (dez) anos;

e) Usucapião: na usucapião do imóvel dominante ou do imóvel serviente gera a


extinção da servidão. Isso porque a usucapião é modo originário de aquisição da
propriedade. Preenchidos os requisitos legais, o possuidor adquire a propriedade
imobiliária pela usucapião. Com o respectivo registro na matrícula do imóvel inaugura-

42
CAPÍTULO 1

se uma nova cadeia de titulações, ficando afastados todos os direitos reais anteriores
instituídos sobre o imóvel, inclusive a servidão. Quanto ao prazo da usucapião, o art.
1.379 do CC dispõe que “o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente,
por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu
nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado
a usucapião”. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que “se o
possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos”.

3.4.10. Aspectos processuais

Quando a servidão é negada, arguida indevidamente ou mesmo agredida por qualquer


das partes, o interessado poderá propor, respectivamente, ação confessória; ação negatória;
e ação possessória.

Vejamos o objetivo de cada uma delas:

Ação confessória: quando o dono do prédio serviente ou mesmo terceiro nega a


existência da servidão. Nesse caso, o dono do prédio dominante pode ajuizar ação
confessória, objetivando pronunciamento judicial acerca da existência da servidão. No polo
ativo constará o dono do prédio dominante. Já no polo passivo, constará o dono do prédio
serviente podendo essa ação ser proposta, também, contra qualquer outra pessoa (terceiros)
que negar o direito do dono do prédio dominante ao exercício da servidão;

Ação negatória: é a ação proposta pelo dono do prédio serviente, objetivando


pronunciamento judicial que reconheça a inexistência de servidão. A ação será proposta
contra aquele que se diz titular do direito de servidão;

Ação possessória: sempre que o exercício do direito de servidão for turbado,


esbulhado ou ameaçado cabível será a ação possessória (ação de manutenção de posse; ação
de reintegração de posse e ação de interdito proibitório);

Ação de obrigação de não fazer: o dono do prédio serviente poderá ajuizar ação de
obrigação de não fazer contra o dono do prédio dominante, em caso de abuso do direito no
exercício da servidão.

4. USUFRUTO
4.1. Noções e questões práticas gerais
O usufruto é um direito real temporário, concedido a uma pessoa determinada (intuito
personae), no qual o usufrutuário recebe do nu-proprietário as faculdades de uso e fruição do
bem, mantendo-se em poder do nu-proprietário a faculdade de disposição.

No usufruto, há o desdobramento das faculdades inerentes ao direito de propriedade.

43
CAPÍTULO 1

Nu-proprietário Usufrutuário

•Faculdade de dispor •Uso


da coisa •Fruição
•Instituir ônus real

No usufruto também há o desmembramento da posse. Enquanto o usufrutuário passa


a exercer a posse direta sobre o bem, o nu-proprietário mantém-se como possuidor indireto.
É exatamente por isso que se o usufrutuário morrer (causa extintiva do usufruto) e os seus
herdeiros não restituírem o bem ao nu-proprietário, este poderá se valer da ação de
reintegração de posse, diante da configuração de esbulho.

O usufruto é intransmissível, ou seja, o usufrutuário não pode alienar esse direito a


terceiros, seja de forma gratuita, seja de forma onerosa, tendo em vista o seu caráter intuito
personae. O usufrutuário, evidentemente, também não pode alienar o próprio bem (art.
1.393 do CC). O nu-proprietário, por sua vez, pode dispor da coisa, mas a alienação da
propriedade não extinguirá o usufruto.

Também não é possível a instituição de usufrutos sucessivos em um só ato (ex.:


concedo o usufruto do imóvel a João por 10 anos. Com o término do prazo, o usufruto
passará a Marina). Havendo cláusula nesse sentido a parte final, relacionada ao segundo
usufruto, será considerada como não escrita.

É possível que uma pessoa doe um bem a outrem com cláusula de inalienabilidade, e
mantenha consigo o usufruto vitalício da coisa. Nesse caso, enquanto o doador estiver vivo,
ele será o usufrutuário do bem e o donatário o nu-proprietário, porém sem a possibilidade de
dispor, em razão da cláusula de inalienabilidade. Com a morte do doador haverá a extinção
do usufruto, porém será mantida a cláusula restritiva de inalienabilidade. Para o STJ, é
possível afastar a cláusula de inalienabilidade, desde que preenchidos os seguintes requisitos:

a) Inexistência de risco evidente de diminuição patrimonial dos


proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de prodigalidade
ou de dilapidação do patrimônio);
b) Manutenção do patrimônio gravado que, por causa das circunstâncias,
tenha se tornado origem de um ônus financeiro maior do que os
benefícios trazidos;
c) Existência de real interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a
proteger, trazendo-lhes melhor aproveitamento de seu patrimônio e,
consequentemente, um mais alto nível de bem-estar, como é de se
presumir que os instituidores das cláusulas teriam querido nessas
circunstâncias;

44
CAPÍTULO 1

d) Ocorrência de longa passagem de tempo; e


e) Nos casos de doação, se os doadores já forem falecidos.

Nesse sentido:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. ESTATUTO DA PESSOA IDOSA. DOAÇÃO.


IMÓVEL RURAL. CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE.
CANCELAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 1.848 DO CÓDIGO CIVIL.
INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. CRITÉRIOS JURISPRUDENCIAIS.
PRESENÇA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2
e 3). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o cancelamento das cláusulas de
inalienabilidade e impenhorabilidade melhor promoveria os direitos
fundamentais dos recorrentes, pessoas idosas, e se existente ou não justa
causa para o levantamento dos gravames no imóvel rural dos recorrentes. 3.
No caso, a alegação de afronta aos arts. 2º, 3º e 37 do Estatuto da Pessoa Idosa
deve ser analisada em conjunto com a arguição de violação do art. 1.848 do
CC/2002, por meio de interpretação sistemática e teleológica. 4. A
possibilidade de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e
impenhorabilidade instituída pelos doadores depende da observação de
critérios jurisprudenciais: (i) inexistência de risco evidente de diminuição
patrimonial dos proprietários ou de seus herdeiros (em especial, risco de
prodigalidade ou de dilapidação do patrimônio); (ii) manutenção do patrimônio
gravado que, por causa das circunstâncias, tenha se tornado origem de um
ônus fin anceiro maior do que os benefícios trazidos; (iii) existência de real
interesse das pessoas cuja própria cláusula visa a proteger, trazendo-lhes
melhor aproveitamento de seu patrimônio e, consequentemente, um mais alto
nível de bem-estar, como é de se presumir que os instituidores das cláusulas
teriam querido nessas circunstâncias; (iv) ocorrência de longa passagem de
tempo; e, por fim, nos casos de doação, (v) se já sejam falecidos os doadores.
5. Na hipótese, todos os critérios jurisprudenciais estão presentes. 6. Recurso
especial provido. (REsp n. 2.022.860/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)

4.2. Objeto
O usufruto pode recair sobre um ou mais bens móveis e imóveis, em um patrimônio
inteiro ou parte dele. Mas é preciso que o bem ou o patrimônio seja suscetível a apropriação
e alienação e tenha aptidão para gerar frutos (frutos naturais, civis ou industriais). Nesse
sentido é o art. 1.390 do CC, in verbis:

Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis,


em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em
parte, os frutos e utilidades.

45
CAPÍTULO 1

Todavia, o usufruto não será admitido nos casos em que o bem estiver gravado com
cláusula de inalienabilidade (art. 1.911 do CC) ou quando se tratar de bem de família.

O usufruto estende-se aos acessórios (benfeitorias, frutos, pertenças etc.) e aos seus
acrescidos (ex.: acessões). Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis
terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o
equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor,
estimado ao tempo da restituição.

Esse usufruto sobre coisas consumíveis e/ou fungíveis é chamado de quase usufruto
ou usufruto impróprio. Se o usufruto recair sobre coisa consumível ou fungível, o
usufrutuário, ao final do usufruto, deve restituir coisa de mesmo gênero., quantidade e
qualidade.

Se há no prédio em que recai o usufruto florestas ou os recursos minerais a que se


refere o art. 1.230 devem o dono e o usufrutuário prefixar-lhe a extensão do gozo e a
maneira de exploração.

Se o usufruto recai sobre universalidade ou quota-parte de bens, o usufrutuário tem


direito à parte do tesouro achado por outrem, e ao preço pago pelo vizinho do prédio
usufruído, para obter meação em parede, cerca, muro, vala ou valado.

4.3. Constituição do usufruto sobre bens imóveis


O usufruto de bens imóveis se constitui com o registro do título na matrícula do
imóvel. O instrumento de constituição do usufruto segue a regra do art. 108 do CC. Assim, se
o valor do bem não for superior a 30 (trinta) salários-mínimos, o instrumento pode ser
particular; sendo superior, exige-se escritura pública.

Há, contudo, casos em que o usufruto sobre bens imóveis decorre da própria lei, não
se exigindo o registro na matrícula do imóvel. São eles:

a) Usufruto dos pais sobre os bens imóveis dos filhos menores (art. 1.689, I, do CC);

b) Usufruto do cônjuge sobre bens imóveis particulares do outro cônjuge (art. 1.652, I,
do CC);

c) Usufruto da brasileira casada com estrangeiro sob regime excludente da comunhão


universal (art. 17 do Decreto-lei nº 3.200/41);

d) Índios sobre as riquezas do solo (art. 231, § 2º, da CF).

O usufruto pode ser instituído de forma gratuita ou onerosa; e por ato inter vivos (ex.:
contrato) ou causa mortis (ex.: testamento). Da mesma forma que o proprietário do bem
imóvel pode alugar a coisa ou arrendá-la pode, também, convencionar a instituição de
usufruto mediante contraprestação pecuniária. Plenamente possível!

46
CAPÍTULO 1

Quando o proprietário instituir usufruto sobre um determinado bem por testamento


haverá, nesse caso, um legado de usufruto beneficiando algum herdeiro ou outra pessoa
qualquer. Se o testador não estabelecer o prazo de duração do usufruto presume-se vitalício,
conforme prevê o art. 1.921 do CC (“O legado de usufruto, sem fixação de tempo, entende-se
deixado ao legatário por toda a sua vida”).

É possível que o proprietário aliene a coisa, de forma gratuita ou onerosa, e


mantenham, em seu poder, o usufruto do bem, por prazo determinado ou de forma vitalícia.
A título de exemplo, basta imaginar a doação de bem imóvel feita pelos genitores aos filhos
com cláusula de reserva de usufruto vitalício. Fala-se, nesse caso, em usufruto por retenção
(ou usufruto deducta).

Imagine, ainda, o proprietário de bem imóvel que não tenha herdeiros ou que não
pretenda deixar bens vultosos a seus herdeiros, mas queira continuar explorando o bem
imóvel, dada a sua alta rentabilidade. Nesse caso, ele pode celebrar contrato de compra e
venda do imóvel com reserva de usufruto. Para o comprador, o negócio pode ser ótimo, pois
o preço a ser pago será bem menor e, no futuro, terá um bem altamente valioso.

4.3.1. Usufruto por usucapião

Da mesma forma que ocorre com outros direitos reais, como a propriedade e a
servidão, o usufruto também pode ser adquirido pela usucapião. A previsão const6a do art.
1.391 do CC, in verbis:

Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião,


constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A dúvida que surge é: se a pessoa exerce posse mansa e pacífica, de forma contínua e
ininterrupta, com ânimo de dono e por longo período, por qual motivo pretenderá usucapir o
usufruto e não a propriedade integral do imóvel?

Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias apresentam um interessante exemplo. É


possível que uma pessoa seja usufrutuária de um bem imóvel decorrente de negócio jurídico
celebrado com o proprietário. Tempos depois, se descobre que o concedente, em verdade,
não é proprietário do bem. Note que o usufrutuário nunca exerceu a posse com animus
domini, porque ciente de que sua posse decorria de usufruto. Contudo, tendo em vista o justo
título e sua boa-fé poderá usucapir o usufruto, o qual deverá ser respeitado pelo verdadeiro
proprietário.

4.4. Direitos do usufrutuário


São direitos do usufrutuário:

Direito à posse da coisa: o usufrutuário terá a posse direta do bem, enquanto o nu-
proprietário terá a posse indireta. O usufrutuário, por ser possuidor direto, poderá se valer

47
CAPÍTULO 1

das ações possessórias, inclusive contra o nu-proprietário. Poderá se valer, ainda, da ação
confessória, quando o próprio direito real de usufruto for contestado;

Direito de fruir as utilidades da coisa: é o direito de perceber os frutos naturais,


industriais ou civis da coisa, assim como os produtos. O usufrutuário, portanto, terá as
mesmas faculdades de fruição que teria se proprietário fosse. O usufrutuário pode explorar
economicamente a coisa. Esse direito de fruição pode ser pleno ou restrito. Será pleno
quando a utilização da coisa se der em sentido amplo, abrangendo todos os seus acessórios.
Será restrito quando as partes estabelecerem limites (ex.: instituição de usufruto apenas de
uma parte do terreno ou limitando o usufruto a percepção apenas de frutos naturais). Salvo
direito adquirido por outrem, o usufrutuário terá direito aos frutos naturais, pendentes ao
começar o usufruto, sem ter de pagar as despesas de produção (art. 1.396 do CC). Os frutos
civis (ex.: aluguéis), vencidos na data inicial do usufruto, pertencem ao proprietário, e ao
usufrutuário os vencidos na data em que cessa o usufruto;

Direito de administrar a coisa: a administração da coisa é inerente ao exercício do


usufruto. O usufrutuário, contudo, deve observar a destinação econômica originária da coisa.
É por isso que o art. 1.399 do CC estabelece que “o usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou
mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação econômica, sem
expressa autorização do proprietário”. Assim, se a propriedade é utilizada para a agricultura,
não pode o usufrutuário, sem autorização do nu-proprietário, explorar atividade pecuária;

Direito de ceder o seu exercício: o usufruto é inalienável e intransmissível, dado o seu


caráter intuito personae. Contudo, é possível ceder o seu exercício, ou seja, a exploração da
coisa. É o que ocorre, por exemplo, quando o usufrutuário da fazenda celebre contrato de
arrendamento, para que um terceiro possa explorar a área economicamente. Nesse caso, o
usufrutuário permanecerá como tal. O arrendatário não terá nenhum direito real, pois esse
permanece com o usufrutuário. Note que, nesse caso, há duas relações jurídicas: uma entre o
nu-proprietário e o usufrutuário; e outra entre o usufrutuário e o arrendatário. Tal
possibilidade consta do art. 1.399 do CC, que prevê que “o usufrutuário pode usufruir em
pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe a destinação econômica,
sem expressa autorização do proprietário”.

4.4.1. Inalienabilidade do usufruto, direitos reais de garantia e penhora

Conforme estudado, o usufruto é inalienável (art. 1.393 do CC). Por conseguinte, não
pode o usufrutuário não pode dar o imóvel ou o próprio usufruto em garantia real como, por
exemplo, hipoteca.

De igual forma, o usufruto é impenhorável, nos termos do art. 883, I, do CPC. Assim, se
o usufrutuário for executado em um processo judicial, o usufruto não pode sofrer penhora.
Isso não impede, contudo, que a penhora recaia sobre os frutos e rendimentos obtidos pelo
usufrutuário, nos termos do art. 867 do CPC:

48
CAPÍTULO 1

Art. 867. O juiz pode ordenar a penhora de frutos e rendimentos de coisa


móvel ou imóvel quando a considerar mais eficiente para o recebimento do
crédito e menos gravosa ao executado.

Se o executado for o nu-proprietário e o usufruto for a título oneroso, o exequente


pode penhorar a nua propriedade, situação que não afetará o usufrutuário, pois, ainda que o
bem imóvel seja levado à hasta pública, o usufruto permanecerá intacto.

4.5. Deveres do usufrutuário


Há um dever principal do usufrutuário, que é o de restituir a coisa ao nu-proprietário ao
término do usufruto.

Também são deveres do usufrutuário:

Inventariar os bens recebidos: nos termos do art. 1.400 do CC, “o usufrutuário, antes
de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado
em que se acham, e dará caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela
conservação, e entregá-los findo o usufruto”. Na prática, é muito importante que o
usufrutuário faça uma vistoria, na companhia do nu-proprietário, e lavre o respectivo termo, o
qual será assinado por ele e pelo nu-proprietário. A vistoria também interessa ao nu-
proprietário, para que, ao término do usufruto, possa exigir, por exemplo, indenização pela
deterioração da coisa. O termo de vistoria deve conter a descrição pormenorizada do imóvel,
seu estado de conservação, acessórios, pertenças, frutos pendentes etc. Com isso, o
usufrutuário terá maior segurança no momento de restituir a coisa ao nu-proprietário,
evitando desgastes e litígios desnecessários. Vale lembrar que o usufrutuário não é obrigado
a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto (art. 1.402 do CC);

Dar caução real ou fidejussória: conforme art. 1.400, parte final, do CC, o nu-
proprietário pode exigir caução real ou fidejussória. Vê-se, assim, que essa garantia pode ou
não ser exigida. Depende do nu-proprietário. Essa garantia busca assegurar a reparação de
eventuais danos causados pelo usufrutuário à coisa. Caso o usufruto seja instituído em favor
do doador (doação com reserva de usufruto), o donatário não poderá exigir caução ao
usufrutuário (doador). Se a caução for exigida, mas o usufrutuário não quiser ou não puder
prestá-la, perderá o direito de administrar o usufruto. Nesse caso, os bens serão
administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante caução, a entregar ao
usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de administração, entre as quais se
incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do administrador (art. 1.401 do CC).
Note que, nesse caso, se as partes não chegarem a um acordo, o nu-proprietário deverá
ajuizar ação para que o juiz fixe o valor da remuneração;

Conservar a coisa: ao usufrutuário incumbe a conservação da coisa. Por conseguinte,


deve arcar com as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os
recebeu, assim como pagar os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída
(ex.: IPTU, ITR e IPVA). Em relação aos débitos propter rem, como são as taxas condominiais, a

49
CAPÍTULO 1

obrigação será tanto do usufrutuário quanto do nu-proprietário. As despesas extraordinárias


devem ser suportadas pelo nu-proprietário, devendo o usufrutuário lhe pagar os juros do
capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o
rendimento da coisa usufruída. Se o nu-proprietário não fizer as reparações a que está
obrigado, e que são indispensáveis à conservação da coisa, o usufrutuário pode realizá-las,
cobrando daquele a importância despendida

Dar ciência ao nu-proprietário de qualquer lesão à posse da coisa: o usufrutuário é


possuidor direto. Como tal, pode se valer das ações possessória para defender a posse de
qualquer agressão. Não obstante, à luz do dever de informação que decorre do princípio da
boa-fé objetiva deve dar ciência ao nu-proprietário de qualquer interferência indevida ao
exercício da posse, sob pena de ser responsabilizado por qualquer agravamento de danos
decorrente de sua omissão;

Pagamento do seguro: se a coisa estiver segurada incumbe ao usufrutuário pagar,


durante o usufruto, as contribuições do seguro (art. 1.407 do CC). Ainda que o seguro seja
contratado pelo usufrutuário, o proprietário terá direito à respectiva indenização. Contudo,
independentemente de quem tenha contratado o seguro, o direito do usufrutuário fica sub-
rogado no valor da indenização do seguro. Assim, se o imóvel foi destruído por um incêndio,
a regra geral é a extinção do usufruto, ainda que o nu-proprietário reconstrua a coisa.
Contudo, havendo seguro e utilizada a indenização para a reconstrução do bem, o usufruto
deverá ser mantido, tendo em vista a sub-rogação do direito do usufrutuário no valor da
indenização.

4.6. Extinção do usufruto


São causas de extinção do usufruto e consequente cancelamento do registro no
Cartório de Registro de Imóveis:

a) Renúncia ou morte do usufrutuário;


b) Termo de sua duração;
c) Extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi
constituído ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em
que se começou a exercer;
d) Cessação do motivo de que se origina;
e) Destruição da coisa;
f) Consolidação;
g) Por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar
os bens não lhes acudindo com os reparos de conservação ou quando,
no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a
aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395;
h) Pelo não uso, ou não fruição da coisa em que o usufruto recai.

50
CAPÍTULO 1

Se o usufruto for concedido a duas ou mais pessoas conjuntamente, o falecimento de


uma delas extingue esse direito real em relação à parte do falecido. Contudo, é possível que o
ato de instituição do usufruto preveja que, em caso de morte de um dos usufrutuários, seu
quinhão caberá ao sobrevivente.

4.7. Algumas questões práticas importantes envolvendo o usufruto reservado


(ou usufruto deducta)
4.7.1. Atos no Cartório de Registro de Imóveis

Haverá dois registros na matrícula: um referente à alienação (compra e venda ou


doação) e outro referente ao usufruto. A menção à reserva de usufruto é imprescindível, não
bastando a menção à simples alienação da nua-propriedade.

4.7.2. Compra e venda bipartida

O proprietário pode vender o bem a uma pessoa e instituir usufruto em favor de outra.
Contudo, é importante observar a ordem em que isso deve ser feito. Primeiro ele deve
instituir o usufruto, pois ainda é proprietário. Em seguida, ele aliena a propriedade. Assim, se
a venda é feita antes do usufruto, o usufruto não será mais possível, pois o vendedor não
será mais proprietário do bem.

No caso de instituição de usufruto e venda do bem haverá dois fatos geradores do ITBI:
1º) transmissão do usufruto; 2º) transmissão onerosa da nua propriedade. A alíquota será
diferente para cada situação, conforme previsão na lei municipal.

4.7.3. Pais que compram imóveis para o filho e instituem cláusula de inalienabilidade
e usufruto vitalício

Há casos em que os pais compram um imóvel em nome do filho gravam o bem com
cláusula de inalienabilidade e, ainda, instituem usufruto em seu benefício. É preciso entender
essas operações jurídicas, o que elas representam e quais os seus efeitos práticos.

Perante o tabelionato de notas e registro de imóveis é possível pensar em duas


grandes formas de negociação:

1ª) Compra do imóvel pelos pais por escritura pública e registro no C.R.I; pagamento
do ITBI em razão da compra e venda. Em seguida, doação do imóvel ao filho por escritura
pública e registro no C.R.I; pagamento do ITCMD; averbação da cláusula de inalienabilidade e
registro reserva de usufruto em favor dos pais;

2ª) Doação do dinheiro ao filho com encargo de ser adquirido o bem imóvel e instituído
usufruto em favor dos pais doadores (doação sujeita ao ITCMD). Lavratura da escritura de
compra e venda registro no C.R.I; pagamento do ITBI em razão da transmissão do imóvel;
averbação da cláusula de inalienabilidade; registro do usufruto em favor dos pais do
adquirente na matrícula do imóvel.

51
CAPÍTULO 1

Note que, em ambos os exemplos, houve doação dos pais para os filhos. Com a morte
dos pais extinguir-se-á o usufruto e será devido o ITCMD calculado sobre o valor do usufruto.
Além disso, o filho deverá levar o bem (dinheiro ou imóvel, conforme o tipo de doação) à
colação, a fim de igualar as legítimas, salvo se houver expressa dispensa pelos pais e o objeto
doado estiver dentro da parte disponível.

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente


comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações
que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

O passo a passo dessa operação jurídica pode ser representada da seguinte forma:

• Instituição de usufruto vitalício em favor dos pais;


• Doação de dinheiro pelos pais ao filho com encargo de comprar a nua-
propriedade e com cláusula de inalienabilidade (doação modal);
• Compra e venda da nua propriedade com sub-rogação da
inalienabilidade já instituída na doação.

Em termos tributários é preciso observar o seguinte:

• Se a instituição do usufruto for onerosa, incide ITBI;


• Incidência do ITCD na doação do numerário;
• Incidência do ITBI na compra e venda do imóvel

Note que, nesse exemplo, houve doação dos pais para o filho. Com a morte dos pais
extinguir-se-á o usufruto e será devido o ITCMD calculado sobre o valor do usufruto. Além
disso, o filho deverá levar à colação o dinheiro recebido a título de doação, pois equivale à
antecipação de herança, nos termos dos art. 544 e 2.002 do CC:

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro,


importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente


comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações
que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.
Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será
computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.

Caso o dinheiro doado ao filho não ultrapasse, na data da liberalidade, 50% de todo o
patrimônio dos pais é possível dispensá-lo da colação. Tal dispensa deve ser expressa e
constar no contrato, conforme prevê o art. 2.005 do CC:

52
CAPÍTULO 1

Art. 2.005. São dispensadas da colação as doações que o doador determinar


saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu
valor ao tempo da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita
a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na
qualidade de herdeiro necessário.

4.7.4 Deveres do usufrutuário

Há um dever principal do usufrutuário, que é o de restituir a coisa ao nu-proprietário ao


término do usufruto.

Também são deveres do usufrutuário:

Inventariar os bens recebidos

Nos termos do art. 1.400 do CC, “o usufrutuário, antes de assumir o usufruto,


inventariará, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e
dará caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e
entregá-los findo o usufruto”. Na prática, é muito importante que o usufrutuário faça uma
vistoria, na companhia do nu-proprietário, e lavre o respectivo termo, o qual será assinado por
ele e pelo nu-proprietário.

A vistoria também interessa ao nu-proprietário para que, ao término do usufruto, possa


exigir, por exemplo, indenização pela deterioração da coisa. O termo de vistoria deve conter a
descrição pormenorizada do imóvel, seu estado de conservação, acessórios, pertenças, frutos
pendentes etc. Com isso, o usufrutuário terá maior segurança no momento de restituir a
coisa ao nu-proprietário, evitando desgastes e litígios desnecessários. Vale lembrar que o
usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do
usufruto (art. 1.402 do CC).

Dar caução real ou fidejussória

Conforme art. 1.400, parte final, do CC, o nu-proprietário pode exigir caução real ou
fidejussória. Vê-se, assim, que essa garantia pode ou não ser exigida. Depende do nu-
proprietário. Essa garantia busca assegurar a reparação de eventuais danos causados pelo
usufrutuário à coisa.

Caso o usufruto seja instituído em favor do doador (doação com reserva de usufruto),
o donatário não poderá exigir caução ao usufrutuário (doador). Se a caução for exigida, mas o
usufrutuário não quiser ou não puder prestá-la perderá o direito de administrar o usufruto.
Nesse caso, os bens serão administrados pelo proprietário, que ficará obrigado, mediante
caução, a entregar ao usufrutuário o rendimento deles, deduzidas as despesas de
administração, entre as quais se incluirá a quantia fixada pelo juiz como remuneração do
administrador (art. 1.401 do CC). Note que, nesse caso, se as partes não chegarem a um
acordo o nu-proprietário deverá ajuizar ação para que o juiz fixe o valor da remuneração.

53
CAPÍTULO 1

Conservar a coisa

Ao usufrutuário incumbe a conservação da coisa. Por conseguinte, deve arcar com as


despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu, assim como
pagar os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufruída (ex.: IPTU, ITR e IPVA).
Em relação aos débitos propter rem, como são as taxas condominiais a obrigação será tanto
do usufrutuário quanto do nu-proprietário.

As despesas extraordinárias devem ser suportadas pelo nu-proprietário devendo o


usufrutuário lhe pagar os juros do capital despendido com as que forem necessárias à
conservação, ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída. Se o nu-proprietário não fizer
as reparações a que está obrigado, e que são indispensáveis à conservação da coisa, o
usufrutuário pode realizá-las, cobrando daquele a importância despendida

Dar ciência ao nu-proprietário de qualquer lesão à posse da coisa

O usufrutuário é possuidor direto. Como tal, pode se valer das ações possessória para
defender a posse de qualquer agressão. Não obstante, à luz do dever de informação que
decorre do princípio da boa-fé objetiva, deve dar ciência ao nu-proprietário de qualquer
interferência indevida ao exercício da posse, sob pena de ser responsabilizado por qualquer
agravamento de danos decorrente de sua omissão.

Pagamento do seguro

Se a coisa estiver segurada incumbe ao usufrutuário pagar, durante o usufruto, as


contribuições do seguro (art. 1.407 do CC). Ainda que o seguro seja contratado pelo
usufrutuário, o proprietário terá direito à respectiva indenização. Contudo,
independentemente de quem tenha contratado o seguro, o direito do usufrutuário fica sub-
rogado no valor da indenização do seguro.

Assim, se o imóvel foi destruído por um incêndio a regra geral é a extinção do usufruto,
ainda que o nu-proprietário reconstrua a coisa. Contudo, havendo seguro e utilizada a
indenização para a reconstrução do bem o usufruto deverá ser mantido, tendo em vista a
sub-rogação do direito do usufrutuário no valor da indenização.

4.7.5. Extinção do usufruto

A extinção do usufruto se dá pelo cancelamento do registro no Cartório de Registro de


Imóveis. O Código Civil elenca as hipóteses que levam à extinção do usufruto. Na prática, o
interessado deve se dirigir ao registro imobiliário e apresentar o documento comprobatório
da causa de extinção do usufruto. (ex.: certidão de óbito do usufrutuário), a fim de que o
cancelamento seja averbado na matrícula do imóvel (art. 167, II, “2”, da Lei nº 6.015/73).

De uma forma geral, o cancelamento do usufruto será realizado, independentemente


de ação judicial nos seguintes casos: a) morte do usufrutuário; b) renúncia do usufrutuário; c)

54
CAPÍTULO 1

advento do termo; d) consolidação; e) fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando


ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória.

Fora dessas hipóteses, se não for possível obter o cancelamento administrativamente


no cartório a parte deverá propor uma ação judicial, a qual seguirá o procedimento especial
de jurisdição voluntária, nos termos do art. 725, VI, do CPC.

Vejamos as hipóteses de extinção do usufruto:

Morte do usufrutuário

O usufruto é inalienável e intransmissível. A morte do usufrutuário crava o termo


máximo de duração. O direito real de usufruto não se transmite ao herdeiro do usufrutuário.
Sequer o nu-proprietário pode estabelecer essa transmissão (proibição de usufruto sucessivo).

É possível, contudo, a instituição de usufruto simultâneo, ou seja, aquele concedido, ao


mesmo tempo para mais de uma pessoa (ex.: filho institui usufruto em favor do pai e da mãe
conjuntamente). Quando um dos usufrutuários morrer extingue-se o usufruto em relação à
sua parte, salvo se houver cláusula de direito de acrescer. Havendo, a parte do usufrutuário
falecido acrescerá ao usufrutuário sobrevivente (art. 1.411 do CC).

Se o usufruto for concedido exclusivamente a uma pessoa, ele não se estenderá ao seu
cônjuge ou companheiro. Logo, ainda que se trate de imóvel residencial, o cônjuge do
usufrutuário falecido não poderá alegar direito real de habitação (art. 1.831 do CC).

Quando se tratar de legado de usufruto a mais de um legatário (usufruto sobre o


mesmo bem) e um deles morrer haverá direito de acrescer em relação aos demais
colegatários, salvo se o testador estipular a parte que toca a cada (ex.: instituo o usufruto do
imóvel X em favor de João, Antônio e Pedro, tocando a cada um o exercício do usufruto sobre
1/3 do imóvel).

Se o usufrutuário tiver alugado o bem, o nu-proprietário poderá denunciar a locação,


notificando o locatário para que desocupe o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias. Esse direito
potestativo (denúncia da locação) deve ser exercido no prazo de 90 (noventa) dias da
averbação do cancelamento do usufruto no registro imobiliário (art. 7º da Lei nº 8.245/91).

Extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído ou, se ela
perdurar pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer

Se o usufrutuário for pessoa jurídica será extinto com a extinção dela. Não sendo
estabelecido prazo de duração do usufruto em favor da pessoa jurídica, também haverá
extinção quando transcorrer o prazo de 30 (trinta) anos.

Renúncia do usufrutuário

A renúncia é o ato por meio do qual o usufrutuário abdica desse direito real. A
consequência é o retorno dos poderes de uso e gozo ao nu-proprietário. O usufrutuário

55
CAPÍTULO 1

deverá formalizar a renúncia por escrito (se o valor do imóvel for superior a 30 salários-
mínimos, a renúncia deverá ser feita por instrumento público) e averbar na matrícula do
imóvel.

Por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens

A extinção, nesse caso, depende de sentença a ser proferida em ação proposta pelo
nu-proprietário, o qual deverá provar que o usufrutuário não conservou o bem, deteriorando-
o.

Destruição da coisa

Na destruição total haverá a extinção do usufruto, pois não há mais objeto, não
havendo como exercer as faculdades de uso e fruição. De igual forma, a destruição total da
coisa também extingue o usufruto sobre os seus acessórios. Se a destruição for parcial, o
usufruto continuará em relação á parte remanescente.

A extinção não ocorrerá nas hipóteses dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409 do CC:

Art. 1.407. Se a coisa estiver segurada, incumbe ao usufrutuário pagar,


durante o usufruto, as contribuições do seguro.
§ 1º Se o usufrutuário fizer o seguro, ao proprietário caberá o direito dele
resultante contra o segurador.
§ 2º Em qualquer hipótese, o direito do usufrutuário fica sub-rogado no valor
da indenização do seguro.

Art. 1.408. Se um edifício sujeito a usufruto for destruído sem culpa do


proprietário, não será este obrigado a reconstruí-lo, nem o usufruto se
restabelecerá, se o proprietário reconstruir à sua custa o prédio; mas se a
indenização do seguro for aplicada à reconstrução do prédio, restabelecer-se-á
o usufruto.

Art. 1.409. Também fica sub-rogada no ônus do usufruto, em lugar do prédio,


a indenização paga, se ele for desapropriado, ou a importância do dano,
ressarcido pelo terceiro responsável no caso de danificação ou perda.

Termo de sua duração

O usufruto pode ter prazo de duração. Para tanto é preciso que as partes o
estabeleçam expressamente no instrumento de instituição do usufruto.

Consolidação

Quando a nua-propriedade e o usufruto forem reunidos na mesma pessoa. É o que


ocorre quando o usufrutuário adquire o imóvel do nu-proprietário.

Implemento da condição resolutiva

56
CAPÍTULO 1

Trata-se de hipótese não prevista no CC, mas plenamente possível de ser estabelecida
pelas partes. As partes, portanto, podem estipular uma condição resolutiva (evento futuro e
incerto) como causa de extinção do usufruto (ex.: o usufruto será extinto quando o
usufrutuário for aprovado em um concurso público e nomeado no respectivo cargo).

Pelo não uso, ou não fruição da coisa em que o usufruto recai

Trata-se de decadência. A inércia do titular do direito real de usufruto gera a extinção


desse direito real. É importante que as partes estabeleçam o prazo decadencial. Não havendo
a extinção ocorrerá pelo “abandono” imediatamente à sua configuração, não se aplicando o
prazo de 10 (dez) anos previsto no art. 1.389, II, do CC. Conforme prevê o enunciado 252 da III
Jornada de Direito Civil – CJF, “a extinção do usufruto pelo não-uso, de que trata o art. 1.410,
inc. VIII, independe do prazo previsto no art. 1.389, inc. II”.

Cessação do motivo de que se origina

Trata-se da cessação da causa determinante da instituição do usufruto. Assim, se o


usufruto foi constituído para que o usufrutuário pudesse manter o seu rebanho para poder
explorar o córrego que passa dentro da fazenda, caso esse córrego deixe de existir (ex.: o
córrego secou ou houve o desvio do seu curso), haverá a extinção do usufruto.

57
CAPÍTULO 2

CAPÍTULO 2 POSSE

1. POSSE
1.1. Introdução
A ingerência física de uma pessoa sobre a coisa é fenômeno merecedor de proteção
jurídica, independentemente da preexistência de um vínculo formal subjacente. Tal
ingerência revela o exercício, sobre a coisa, de um ou alguns dos poderes inerentes à
propriedade. Em outras palavras, o direito deve proteger aquele que, mesmo sem ser
proprietário, age como tal.

Duas grandes teorias buscaram conceituar a posse como fenômeno jurídico: teoria
subjetiva e teoria objetiva.

Para a teoria subjetiva, desenvolvida por Savigny, posse é o poder de fato exercido
sobre a coisa por alguém que tenha a intenção de exercer suas potencialidades como se
proprietário fosse. Para essa teoria, a posse é composta por dois elementos: a) corpus
(exercício material de um poder sobre a coisa); animus (intenção de agir como proprietário,
de ter a coisa para si).

A grande contribuição da teoria subjetiva foi a de conferir autonomia à posse, como


um fato da vida merecedor de proteção jurídica independentemente da existência de prévios
vínculos formais ou mesmo do reconhecimento do direito de propriedade. Há posse sem
propriedade.

Para a teoria objetiva, desenvolvida por Ihering, posse é o poder de fato da pessoa
sobre a coisa que, ao assim agir, se comporta como se proprietário fosse. A teoria objetiva se
contrapõe à teoria subjetiva por não contemplar o elemento animus com o mesmo sentido
atribuído por Savigny. Para Ihering, não se mostra relevante que o possuidor tenha a intenção
de ser dono, mas apenas que aja como se dono fosse. E esse agir como dono está ínsito no
elemento corpus.

O Código Civil adotou a teoria objetiva. Segundo o seu art. 1.196, “considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”. Além disso, dentro de uma perspectiva constitucional de
despatrimonialização do direito civil, para que a posse receba a devida proteção jurídica é
preciso, ainda, o atendimento de sua função social.

58
CAPÍTULO 2

Assim, podemos conceituar a posse como a ingerência física de uma pessoa sobre a
coisa, de forma pública, capaz de exteriorizar o exercício, pleno ou não, de um ou alguns dos
poderes inerentes à propriedade e conferir à coisa uma destinação social e/ou econômica.

No tocante à natureza jurídica da posse, a despeito das discussões históricas sobre o


tema, é preciso compreender que o termo posse representa, a um só tempo, fato e efeito
jurídico. Para Pontes de Miranda, a palavra posse é empregada no sentido de poder fático e
também no sentido de conjunto de direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e
exceções que se irradiam daquele mesmo poder fático. No primeiro sentido, posse é fato; no
segundo, posse é direito subjetivo3.

Se qualquer direito subjetivo tem como fonte um determinado fato jurídico, posse é
direito subjetivo. Mas um direito de natureza real ou pessoal?

O Código Civil trata o instituto da posse no Título I do Livro III, dedicado ao direito das
coisas. Os direitos reais são tratados em seguida, no Título II do Livro III. O direito das coisas é
mais amplo que os direitos reais. Embora a posse contenha muitas das características
próprias dos direitos reais, quis o legislador conferir a ela natureza híbrida, ora com as vestes
de direito pessoal, ora com as vestes dos direitos reais.

1.2. É possível reconhecer o exercício de posse por pessoa incapaz?


Há duas grandes correntes:

a) Corrente negativista: para essa corrente, para o reconhecimento da posse, exige-se


capacidade do agente, pois é necessário provar a intenção do agente. Logo, o incapaz
também não pode usucapir.

b) Corrente afirmativista: para essa corrente, o incapaz pode exercer posse, pois a
posse é uma situação de fato, pouco importando a intenção do agente. O que importa saber
é se o agente aparenta ser titular de direito real sobre a coisa, pois se comporta como titular.
Ademais, para fins de usucapião, o que importa é o comportamento do agente, ou seja, posse
contínua, ininterrupta e com ânimo de dono pelo tempo determinado pela lei. Ao incapaz,
basta que aja como se dono fosse, pois não se exige que a posse seja exercida com a
intenção qualificada se ser dono.

1.3. Posse e detenção


Não é qualquer ingerência de uma pessoa sobre a coisa que configura posse. Se
alguém, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome
deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas, não será considerado possuidor, mas
sim mero detentor (art. 1.198 do CC). O detentor, justamente por não ter de fato o exercício,

3
MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes. Tratado de direito privado. 2ª edição. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1954, t. X, p. 75.

59
CAPÍTULO 2

pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, não faz jus à proteção
possessória.

É a lei que define se um ato é ou não considerado como detenção ou posse. Ocorre
que somente com a análise do caso concreto será possível o comportamento do agente como
sendo posse ou detenção.

Vejamos as hipóteses de detenção

a) Fâmulo da posse (art. 1.198 do CC)

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de


dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas.
Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como
prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se
detentor, até que prove o contrário.

A detenção não gera efeitos jurídicos. Logo, o detentor não pode se valer das ações
possessórias, porém, como ele age em nome do possuidor, ele pode exercer a autotutela da
posse. Nesse sentido é o enunciado 493 da V Jornada de Direito Civil:

Enunciado 493. O detentor (art. 1.198 do Código Civil) pode, no interesse do


possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder.

Não se pode perder de vista que a detenção pode ser convertida em posse, conforme
o caso concreto. Isso ocorrerá quando houver o rompimento da relação de subordinação e o
fâmulo da posse passar a praticar atos possessórios em nome próprio (o empregador
dispensou o empregado, mas este permaneceu residindo na área)

b) Atos de tolerância ou permissão (art. 1.208, primeira parte, do CC)

Quando o sujeito exerce poderes de fato sobre a coisa porque o possuidor permite ou
tolera a ocupação, tal ato não configura posse.

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Haverá permissão quando o possuidor expressamente autoriza a utilização da coisa


em caráter temporário e precário. O ocupante tem plena ciência acerca dessa precariedade,
ou seja, que a qualquer momento deverá restituir a coisa.

A tolerância decorre de autorização tácita ou simples ausência de oposição. O


possuidor não perde o controle sobre a coisa, mas deixa que o sujeito dela se utilize. Se essa
tolerância se prolongar de tal modo que o ocupante passe a acreditar que o possuidor não
tem mais interesse em reclamar a coisa, a detenção será convertida em posse.

60
CAPÍTULO 2

A permissão e tolerância configuram detenção dependente e interessada porque: a)


dependente, detentor está subordinado à vontade do possuidor; b) interessada, porque o
detentor age conforme os seus próprios interesses em relação à utilização da coisa, ou seja a
utiliza em proveito próprio.

c) Atos violentos ou clandestino (art. 1.208, segunda parte, do CC)

Atos violentos, como o próprio nome diz, são aqueles praticados com o uso da força
(invasão de uma fazenda). Já os atos clandestinos são aqueles praticados de forma oculta, ou
seja, às escondidas (ex.: sujeito ingressa no imóvel na calada da noite).

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim
como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão
depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Essa hipótese de detenção é muito discutida na doutrina, pois a violência e a


clandestinidade são vícios da posse. Assim, em tese, haverá posse, porém, injusta, pois
adquirida de forma violenta ou clandestina, conforme art. 1.200 do CC:

Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.

Na prática, a questão deve ser resolvida da seguinte forma: a) enquanto perdurar a


violência ou a clandestinidade não haverá posse, mas mera detenção; b) cessada a violência
ou a clandestinidade, a detenção será convertida em posse, porém uma posse injusta, tendo
em vista a forma como foi adquirida (de forma violenta ou clandestina).

A título ilustrativo, imagine a invasão de um grupo de pessoas em um imóvel rural. A


ocupação da área pode levar dias ou mesmo semanas. Durante o processo de ocupação (ex.:
derrubada de cercas, ingresso de pessoas e coisas) tal fato configura mera detenção. Cessada
a violência, já com os invasores devidamente instalados no local, a detenção converte-se em
posse. Note que a caracterização da detenção e sua conversão em posse depende do caso
concreto.

1.4. Classificação da posse


É importante conhecer a classificação da posse, pois há inúmeras consequências
práticas. Em outras palavras, a depender do tipo de posse, é possível pleitear uma tutela
jurisdicional específica.

1.4.1. Posse violenta, clandestina e precária (vícios objetivos)

Conforme já estudado, tem a ver com a forma de aquisição da posse.

A distinção entre posse violenta, clandestina e precária pode ser assim definida:

Posse violenta: quando adquirida pelo uso da força física ou psíquica (ex.: grupo
armado invade uma fazenda e expulsa o possuidor);

61
CAPÍTULO 2

Posse clandestina: quando alcançada mediante ardil, às ocultas (ex.: um possuidor, às


escondidas, muda os marcos divisórios entre a sua área a do seu vizinho, passando a exercer
posse sobre uma fração do seu vizinho);

Posse precária: aquela que decorre do abuso da confiança do verdadeiro possuidor


(ex.: arrendatário, após o vencimento do contrato de arrendamento, não restitui o bem).

Em que momento cessa a clandestinidade? Essa é uma questão muito importante,


porque é exatamente nesse momento que a detenção se transforma em posse. A dúvida é: é
preciso que o possuidor injusto não mais oculte a conduta ou é preciso que a vítima tenha
efetiva ciência acerca do esbulho? A cessação da clandestinidade ocorre no momento em que
seja possível à vítima conhecer o esbulho, ou seja, quando o comportamento do esbulhador é
revelado.

Os vícios da violência, clandestinidade e precariedade são relativos. Isso porque estão


relacionados ao momento da aquisição. Adquirida a posse e cessada a violência,
clandestinidade ou precariedade, haverá posse, ainda que injusta. A posse, nesse caso, só
será injusta em relação à vítima. Em relação a terceiros, a posse do esbulhador será justa. Por
conseguinte, esse possuidor poderá promover ação possessória para defender a sua posse.
Dizendo por outras palavras, não há posse injusta com caráter erga omnes.

Nota-se, assim, que a relevância de se saber se uma posse é justa ou injusta reside
precisamente no campo da legitimidade passiva da ação de reintegração de posse, pois
somente pode ser demandado em ação de reintegração de posse aquele que adquiriu a
posse de forma violenta, clandestina ou precária (posse injusta).

Para fins de defesa da posse, o conceito de posse injusta para ações possessórias é
restrito e não se confunde com o conceito de posse injusta para fins de ação
reivindicatória (ação petitória).

Posse injusta para ações Posse injusta para a ação


possessórias reivindicatória
•Violenta •Qualquer pessoa que não
•Clandestina seja proprietário ou que não
•Precária mantenha com ele nenhuma
relação jurídica.
•A posse do não proprietário
pode até ser justa

1.4.1.1. Interversão da posse

Interversão da posse significa inversão da natureza da posse. Nos termos do art. 1.203
do CC, “salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi
adquirida”. Isso significa que se a posse é injusta, ela manterá essa natureza em relação à

62
CAPÍTULO 2

vítima do esbulho. Ocorre que o próprio dispositivo estabelece uma ressalva (“salvo prova em
contrário...”).

Com efeito, é possível que haja a cessação da violência, clandestinidade e precariedade


da posse, a depender das circunstâncias fáticas, em especial do comportamento do
possuidor. Nesse ponto, o que importa não é a vontade dele, mas como ele se relaciona com
a coisa e qual o comportamento da vítima. Assim, pode-se dizer que a inversão da posse
injusta para posse justa ocorrerá quando houver:

Prática de Inércia do
Função
atos legítimo Interversão
sociação à
concretos possuidor da posse
posse
e materiais (vítima)

Nesse sentido é o enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil – CJF:

Enunciado 237. É cabível a modificação do título da posse - interversio


possessionis - na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar
ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por
efeito a caracterização do animus domini.

Note que, o comportamento comissivo do atual possuidor, consistente na prática de


atos materiais de posse, somado ao comportamento omissivo (inércia) do antigo possuidor
(vítima do esbulho) gera a modificação do caráter da posse – transformação da posse injusta
em posse justa –, permitindo, inclusive, a contagem de prazo para fins de usucapião.

Esse mesmo raciocínio se aplica à precariedade. Um bom exemplo é a locação. A posse


do locatário tem base em uma relação jurídica. Se o locatário parar de pagar o aluguel, sua
posse será precária e, portanto, injusta. Contudo, se o locador ficar inerte (não cobrar os
alugueres e não requerer o despejo) por longo período de tempo e o locatário continuar na
posse do bem, conferindo a ele função social, haverá a conversão da posse injusta em posse
justa, podendo esse possuidor (locatário), inclusive, usucapir o bem.

O STJ já decidiu questão semelhante reconhecendo, inclusive a usucapião

“[...] 4. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de ser admissível a usucapião de


bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com exclusividade.

5. A posse exercida pelo locatário pode se transmudar em posse com animus domini na
hipótese em que ocorrer substancial alteração da situação fática. 6. Na hipótese, os
possuidores (i) permaneceram no imóvel por mais de 30 (trinta) anos, sem contrato de

63
CAPÍTULO 2

locação regular e sem efetuar o pagamento de aluguel, (ii) realizaram benfeitorias, (iii)
tornaram-se proprietários da metade do apartamento, e (iv) adimpliram todas as taxas e
tributos, inclusive taxas extraordinárias de condomínio, comportando-se como proprietários
exclusivos do bem. 7. É possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva ainda que o prazo
exigido por lei se complete apenas no curso da ação de usucapião. Precedentes. 8. A
contestação não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida
pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. 9.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 1.909.276/RJ, relator Ministro Ricardo Villas
Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022.)”

1.4.2. Posse de boa-fé e posse de má-fé (vício subjetivo)

A posse de boa-fé é aquela na qual o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que


impede a aquisição da coisa (art. 1.201, caput, do CC). Se o possuidor tiver justo título haverá
presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite
esta presunção (art. 1.201, parágrafo único, do CPC).

O justo título que gera presunção de boa-fé é aquele capaz de transmitir a propriedade
ad usucapionem. Os enunciados 302 e 303 da IV Jornada de Direito Civil tratam do tem.
Vejamos:

Enunciado 302. Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato
jurídico capaz de transmitir a posse ad usucapionem, observado o disposto no
art. 113 do Código Civil.

Enunciado 303. Considera-se justo título, para a presunção relativa da boa-fé


do possuidor, o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse,
esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Compreensão na perspectiva da função social da posse.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e


os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do
negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo
de negócio; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III - corresponder à boa-fé; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
(Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão
discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade
econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento
de sua celebração. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

64
CAPÍTULO 2

§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de


preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas
daquelas previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

A boa-fé do art. 1.201 é subjetiva. Assim, o sujeito precisa ignorar o vício e ainda ter
cautela e se comportar de forma diligente no momento de adquirir a posse. A título de
exemplo, se o imóvel foi objeto de recente invasão amplamente conhecida e divulgada no
município e o sujeito adquire direitos possessórios de forma verbal de alguém que se dizia
possuidor, deve ser afastada a boa-fé.

Nesse sentido, é preciso fazer a seguinte pergunta: uma pessoa cautelosa e diligente,
se estivesse no lugar desse sujeito, também teria adquirido a posse desse bem? Se a resposta
for sim, significa que o erro na aquisição da posse é perdoável, pois o sujeito estava, de fato,
de boa-fé. Por outro lado, se a resposta for não, significa que a posse daquele sujeito que
adquiriu não pode ser considerada como de boa-fé.

Para fins de ação possessória, a boa-fé é irrelevante. Isso significa que o possuidor de
má-fé – aquele que conhece ou deveria conhecer os vícios – pode se valer das ações
possessórias.

A boa-fé e a má-fé terão, contudo, repercussão em outras situações, tais como: a)


usucapião; b) benfeitorias; c) responsabilidade pela deterioração da coisa; d) indenização dos
frutos e produtos; e) aquisição da propriedade pela acessão invertida (art. 1.255, parágrafo
único, do CC).

Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em
proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de
boa-fé, terá direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente
o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a
propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada
judicialmente, se não houver acordo.

O terceiro, que recebeu a posse de boa-fé não pode ser demandado em ação
possessória, apenas em ação petitória (ex.: ação reivindicatória). Se recebeu a posse de má-fé
poderá ser demandado tanto em ação possessória quanto em ação de indenização, conforme
prevê o art. 1.212 do CC.

Art. 1.212. O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização,


contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.

Nesse sentido é o enunciado 80 da I Jornada de Direito Civil – CJF:

Enunciado 80. É inadmissível o direcionamento de demanda possessória ou


ressarcitória contra terceiro possuidor de boa-fé, por ser parte passiva
ilegítima diante do disposto no art. 1.212 do novo Código Civil. Contra o

65
CAPÍTULO 2

terceiro de boa-fé, cabe tão-somente a propositura de demanda de natureza


real.

1.4.2.1. Vício subjetivo e alteração do caráter da posse

Não basta que o sujeito adquira a posse de boa-fé é preciso que a boa-fé se mantenha
durante todo o exercício da posse. No momento em que o possuidor passa a ter ciência do
vício objetivo da posse (aquisição mediante violência, clandestinidade ou precariedade) cessa
a boa-fé. Vê-se, assim, que a posse de boa-fé pode transformar-se em posse de má-fé.

Na prática, identificar o momento exato em que o possuidor passou a ter ciência do


vício não é nada fácil. Segundo o art. 1.202 do CC, “a posse de boa-fé só perde este caráter no
caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não
ignora que possui indevidamente”.

De uma forma geral, a doutrina entende que essa transformação da posse de boa-fé
em posse de má-fé só ocorre com a citação do possuidor em demanda ou interpelação
judicial, capaz de gerar a retomada da coisa pelo autor. Há quem entenda que a mera
notificação extrajudicial também é capaz de transformar a posse de boa-fé em posse de má-
fé. Entendemos que, em relação a atos extrajudiciais, somente pode ser aceito aquele no qual
o próprio possuir reconheça o vício ou que reconheça a existência de um melhor título em
favor de outra pessoa.

1.5. Constituto possessório (cláusula constituti)


A posse também pode ser adquirida pelo constituto possessório. Trata-se de aquisição
que decorre de uma relação jurídica na qual há a manutenção do estado de fato, mas
alteração do título que fundamenta a posse.

No constituto possessório, aquele que possuía o bem em nome próprio passa a


possuir a coisa em nome alheio, por prazo determinado ou indeterminado, conforme a
convenção entre as partes. A título de exemplo, basta imaginar um contrato de compra e
venda de imóvel no qual as partes convencionam que o vendedor continuará na posse do
imóvel por 6 (seis) meses, a título de comodato (também, se aplica à locação e ao
arrendamento).

Por meio da cláusula constituti o vendedor, além de transferir a propriedade para o


comprador, transfere-lhe, ainda, a posse indireta. Essa cláusula confere maior segurança ao
comprador. Por receber a posse indireta, caso o vendedor não desocupe o imóvel na data
convencionada, poderá o comprador ajuizar ação de reintegração de posse, ainda que jamais
tenha exercido posse direta. Note que, nesse caso, não será cabível ação de imissão de posse
(ação petitória), mas simples ação de reintegração de posse (ação possessória).

66
CAPÍTULO 2

1.5.1. Modelo de cláusula constituti

Por meio da presente cláusula constituti, o vendedor transfere a posse, direitos


e ações a ela inerentes sobre o imóvel objeto deste contrato ao comprador,
continuando, porém, com a posse direta sobre o bem, exercendo-a, a título de
comodato, até o dia __/__/___, data em que deverá devolvê-la ao comprador
livre de pessoas e coisas, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito ao
pagamento de uma multa diária de R$__ (___ reais), independentemente de
notificação judicial ou extrajudicial. Todas as despesas decorrentes do uso do
imóvel ora alienado, até a data da efetiva entrega, correrão por conta exclusiva
do vendedor, que deverá, no ato da entrega, apresentar ao comprador as
provas dos pagamentos de todos os impostos, taxas e encargos incidentes
sobre a coisa, vencidos até a data da efetiva entrega do bem. O vendedor
responderá pelos riscos e pela perda ou deterioração do imóvel, ainda que
não tenha dado causa, ou seja, inclusive em caso fortuito ou força maior,
devendo, se julgar conveniente, desde já, segurá-lo.

1.6. Efeitos da posse


A posse gera diversos efeitos, os quais estão relacionados à boa-fé e à má-fé do
possuidor. Vejamos os principais efeitos:

a) Interditos possessórios

A proteção possessória corresponde a um dos efeitos da posse e se volta contra atos


de ameaça, turbação ou esbulho. Segundo o art. 1.210, caput, do CC que “o possuidor tem
direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de
violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”.

Para a proteção possessória, o possuidor deve lançar mão dos chamados interditos
possessórios, ou seja, instrumentos processuais de defesa da posse em caso de turbação,
esbulho ou ameaça.

67
CAPÍTULO 2

Esbulho: é uma agressão ao poder de fato que uma pessoa exerce sobre a coisa e
que gera o seu desapossamento. Em outras palavras, o possuidor é destituído indevidamente
da posse pelo esbulhador mediante a prática de um ato violento, clandestino ou precário.
Exemplo: grupo armado que expulsa o possuidor de uma fazenda. A ação possessória cabível
será a ação de reintegração de posse, a qual tem por objetivo o retorno daquele que foi
destituído indevidamente do exercício do poder de fato sobre a coisa.

Turbação: é a agressão ao poder de fato que uma pessoa exerce sobre a coisa, mas
que não gera o seu desapossamento. Exemplo: derrubada da cerca ou dos piquetes divisórios
de uma determinada área. Nesse caso, a ação possessória cabível será a ação de manutenção
de posse, a qual tem por objetivo a cessação da agressão e manutenção do possuidor na
posse do bem.

Ameaça: como o próprio nome sugere é a intimidação ao poder de fato que uma
pessoa exerce sobre a coisa. Exemplo: possuidor se depara com um grupo de pessoas
acampadas em frente à sua fazenda, as quais manifestam o desejo de invadir a área. A ação
possessória cabível será a ação de interdito proibitório, a qual tem por objetivo impedir a
ocorrência do esbulho ou turbação iminente.

b) Direito à percepção dos frutos

Enquanto o possuidor estiver de boa-fé terá direito à percepção dos frutos. Vejamos:

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos
percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem
ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio;
devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos,


logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Se o possuidor estiver de má-fé responderá pelos frutos colhidos e percebidos,


conforme art. 1.216 do CC:

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e


percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o
momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção
e custeio.

c) Benfeitorias e direito de retenção

As benfeitorias podem ser necessárias, úteis ou voluptuárias:

• Necessárias: as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore;

• Úteis: as que aumentam ou facilitam o uso do bem;

68
CAPÍTULO 2

• Voluptuárias: as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do


bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.

O direito às benfeitorias e o direito de retenção são tratados nos arts. 1.219 a 1.221 do
CC.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem
pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá
exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias


necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem
o de levantar as voluptuárias.

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao


ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor


de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao
possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

No que tange às benfeitorias voluptuárias é preciso atentar para um detalhe prático


muito importante: a opção entre levantar a benfeitoria voluptuária ou pagar a respectiva
indenização é daquele que está reivindicando o imóvel. Caso ele não exerça a opção, o
possuidor de boa-fé terá o direito de levantá-la.

O direito de retenção é um “contradireito”, ou seja, uma defesa apresentada pelo


possuidor na própria contestação. Assim, enquanto o reivindicante não pagar a indenização
pelas benfeitorias (quando devida a indenização) o possuidor poderá permanecer no imóvel.

O direito de retenção por benfeitorias estende-se, evidentemente, às construções e às


plantações. Nesse sentido é o enunciado 81 da I Jornada de Direito Civil:

Enunciado 81. O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil,


decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica
às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

Conforme mencionado, trata-se de um contradireito exercido na própria contestação,


de modo que o possuidor não precisa apresentar reconvenção para alegar o direito à
indenização e, consequentemente, o direito de retenção. É preciso, contudo, tomar cuidado
com um ponto muito importante: a não alegação do direito de retenção na contestação gera
preclusão. Isso significa que se o réu não alegar tal direito, não poderá invocá-lo no mesmo
processo e deverá desocupar o bem, sem prejuízo de, após, ajuizar ação indenizatória
autônoma contra o reivindicante do bem, conforme entendimento do STJ:

69
CAPÍTULO 2

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. OFENSA AO


ART. 535 NÃO CONFIGURADA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMBARGOS DE
RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. DISCUSSÃO NÃO REALIZADA NA FASE
COGNITIVA. PRECLUSÃO. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no
art. 535, inciso II, do CPC, verifico que o julgado recorrido não padece de
omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua
análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos
interesses da parte. 2. O acórdão encontra-se em sintonia com a
jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que, tratando-se de ação
de reintegração de posse - como no caso dos autos -, o pedido de retenção das
benfeitorias deve ser formulado no processo de conhecimento, no bojo da
própria contestação (CPC, art. 922), sob pena de preclusão. 3. Agravo
Regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 385.662/DF, relator Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/2/2015, DJe de 6/4/2015.)

d) Perda ou deterioração da coisa

A posse de boa ou de má-fé repercute, ainda, no campo da responsabilidade civil e,


consequentemente, nas perdas e danos decorrentes da perda ou deterioração da coisa
possuída. A questão é tratada pelos arts. 1.217 e 1.218 do CC.

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da


coisa, a que não der causa.

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da


coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado,
estando ela na posse do reivindicante.

O art. 1.217 trata de hipótese de responsabilidade subjetiva, pois exige-se a prova da


culpa do possuidor em relação à perda ou à deterioração da coisa.

Já o art. 1.218 do CC trata de hipótese de responsabilidade objetiva, pois independe de


culpa. E mais, o possuidor de má-fé responderá, ainda, pela perda ou deterioração da coisa
decorrente de caso fortuito ou força maior. Todavia, se o possuidor de má-fé provar que a
perda ou deterioração da coisa teria ocorrido ainda que o próprio reivindicante estivesse
nela, ficará afastada a sua responsabilidade.

e) Usucapião

O exercício da posse de forma contínua, ininterrupta e com ânimo do dono pode gerar
a aquisição da propriedade pela usucapião. O tema será estudado em módulo específico.

1.7. Perda da posse


A perda da posse pode decorrer de causas diversas. Nos termos do art. 1.223 do CC,
“perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o
bem, ao qual se refere o art. 1.196”. Por sua vez, o art. 1.224 do CC dispõe que “só se

70
CAPÍTULO 2

considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele,
se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”.

O Código Civil não elenca, em um rol específico, todas as causas da perda da posse.
Todavia, podem ser citadas as seguintes hipóteses:

• Abandono da coisa;

• Tradição;

• Perda ou destruição da coisa;

• Constituto possessório.

1.8. Desforço incontinenti


O possuidor, em casos excepcionais, também pode defender a sua posse com o uso da
força. Trata-se de uma legítima defesa da posse, por meio da qual o possuidor, valendo-se
dos meios adequados e proporcionais, repele uma agressão injusta, atual ou iminente, à sua
posse. Nos termos do § 1º do art. 1.210 do CC, “possuidor turbado, ou esbulhado, poderá
manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa,
ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.
A legítima defesa da posse configura, assim, o exercício de uma autotutela.

Os requisitos para a utilização do desforço incontinenti são:

Posse atual: não pode se valer do desforço incontinenti aquele que ainda não
adquiriu a posse e aquele que, ao perdê-la, podia coibir a agressão com o uso da força, mas
nada fez;

Agressão atual ou iminente: o uso da força pressupõe uma agressão que está
ocorrendo ou na iminência de ocorrer;

Resposta imediata: é preciso que os atos de defesa (autotutela) sejam imediatos à


agressão ou ameaça. Assim, aquele que foi esbulhado, por exemplo, não pode aguardar uma
semana para reunir pessoas de sua confiança para expulsar o esbulhador. A resposta não
será imediata. Deverá se valer da ação de reintegração de posse;

Proporcionalidade dos meios utilizados: os meios utilizados para repelir a agressão


ou ameaça devem ser proporcionais e indispensáveis à manutenção ou restituição da coisa.
Não pode haver excesso. Apenas a título ilustrativo, se os seguranças armados de uma
fazenda podem repelir a agressão à posse mediante disparo de arma de fogo para o alto,
mostra-se desproporcional o disparo contra alguma pessoa.

71
CAPÍTULO 2

2. AÇÕES POSSESSÓRIAS
2.1. Ações possessórias e ações petitórias
Não se pode confundir as ações possessórias com as ações petitórias. As ações
possessórias são aquelas que buscam uma proteção possessória com fundamento na própria
posse, nos casos de esbulho, turbação ou ameaça. As ações petitórias, por outro lado, são
aquelas que buscam uma proteção possessória com fundamento na propriedade (ex.: ação
reivindicatória).

A ação de imissão de posse tem natureza petitória e não se confunde com as ações
possessórias. A ação de imissão de posse é a ação ajuizada pelo proprietário não possuidor. É
o que ocorre, por exemplo, quando alguém arremata um bem em leilão judicial, tornando-se
proprietário, mas o antigo proprietário ainda reside no local e se recusa a desocupá-lo. O
novo proprietário não poderá ajuizar ação de reintegração de posse, porque, como nunca
exerceu posse sobre o bem, não se pode falar em esbulho. Deverá ajuizar a ação de imissão
de posse.

É possível, contudo, que, aquele que nunca exerceu posse direta sobre o bem, adquira
não apenas a propriedade como também a posse indireta. Isso ocorre quando, em um
contrato de compra e venda, as partes inserem a chamada cláusula constituti (constituto
possessório). Por meio dessa cláusula, que deve ser sempre expressa, o alienante transfere
ao adquirente a propriedade do bem e a posse indireta, permanecendo, contudo, na posse
direta (ex.: proprietário vendeu o imóvel, mas permaneceu na posse a título de arrendatário
do comprador).

Havendo cláusula constituti e não recebendo o adquirente a posse direta do bem na


data convencionada com o alienante, a ação cabível será a reintegração de posse4.

2.2. Natureza dúplice das ações possessórias


Uma das características das ações possessórias é a sua natureza dúplice. Isso significa
que o réu, em sua contestação, também pode requerer uma proteção possessória, sem ter
que se valer da reconvenção.

A natureza dúplice das ações possessórias é extraída do art. 556 do CPC, segundo o
qual “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a
proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho
cometido pelo autor”.

Com efeito, todas as faculdades conferidas ao autor de uma ação possessória


(cumulação com perdas e danos ou com indenização dos frutos, ou ainda pedido

Nesse sentido: AgRg no AREsp 760.155/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
4

TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 13/11/2015.

72
CAPÍTULO 2

antecipatório de proteção possessória – arts. 555 e 562 do CPC) também são conferidas ao
réu, quando requerer a proteção possessória na contestação.

Vamos a um exemplo: Tício ajuíza ação de reintegração de posse em desfavor de


Mévio, alegando que o réu, seu vizinho invadiu uma parte de sua fazenda, e lá passou a
plantar milho. Mévio, em contestação, alega que exerce posse sobre a referida área há mais
de 5 (cinco) anos e junta aos autos, além das respectivas provas, imagens do autor
derrubando uma parte das cercas divisórias. Mévio, na própria contestação, além de se
defender dos fatos narrados por Tício, formula pedido de manutenção de posse.

A natureza dúplice das ações possessória, contudo, não impede que o réu apresente
reconvenção, desde que o pedido reconvencional não seja de proteção possessória, perdas e
danos ou indenização dos frutos (art. 555 do CPC). O réu, por exemplo, pode, em sua
contestação, requerer proteção possessória e, em sede de reconvenção, pleitear a declaração
de nulidade de negócio jurídico relacionado com o litígio possessório e restituição de valores
pagos (art. 343 do CPC).

Por fim, não se pode confundir ações dúplices com ações com sinais trocados. A ação
possessória é dúplice, porque permite que o réu, em sua contestação, formule pedido
possessório em seu favor, sem ter que propor reconvenção.

As ações com sinais trocados são aquelas em que a improcedência para o autor
equivale à “procedência para o réu” e vice-versa. É o que ocorre no âmbito do controle
abstrato de constitucionalidade. O julgamento de improcedência de uma ação direta de
inconstitucionalidade equivale a um julgamento de procedência de uma ação declaratória de
constitucionalidade. Em outras palavras, ao dizer que a lei não é inconstitucional, o Supremo
Tribunal Federal estará emitindo um juízo declaratório de constitucionalidade, ou seja,
dizendo que a lei é constitucional. Daí, porque, se diz que tais ações são de sinais trocados.

Voltando para as ações possessórias, imagine o seguinte exemplo: Tício ajuíza ação de
reintegração de posse contra Mévio alegando que o réu invadiu uma parte de sua fazenda.
Na contestação, Mévio nega ter invadido a fazenda de Tício e diz que apenas está exercendo
posse sobre a sua própria propriedade sem, contudo, formular qualquer pedido de proteção
possessória. Ao final, o juiz julga o pedido de Tício improcedente, sob o fundamento de que o
autor não provou exercer posse sobre a parte supostamente invadida. Ao julgar o pedido de
Tício improcedente, o juiz não estará, necessariamente, reconhecendo qualquer direito de
Mévio sobre a suposta área invadida.

2.3. Ações de força nova e ações de força velha


Considera-se de força nova a ação possessória proposta dentro de ano e dia da data
da turbação ou esbulho. Por sua vez, considera-se de força velha a ação possessória proposta
após ano e dia da data da turbação ou esbulho. A distinção é importante, pois determina o
procedimento a ser seguido.

73
CAPÍTULO 2

Nos termos do art. 558, caput, do CPC, “regem o procedimento de manutenção e de


reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial". Por outro lado,
passado o referido prazo, será comum o procedimento não perdendo, contudo, o caráter
possessório (art. 558, parágrafo único, do CPC).

Note que, ainda que a ação possessória seja proposta após ano e dia da data da
turbação ou do esbulho, ela não perderá o caráter possessório. Contudo, deverá seguir o
procedimento comum. Isso significa dizer que eventual pedido liminar deverá preencher os
pressupostos exigidos para a tutela provisória de urgência (art. 300 do CPC) ou evidência (art.
311, II, do CPC) e não mais aqueles exigidos no art. 561 do CPC.

2.4. Fungibilidade das ações possessórias


Há uma fungibilidade entre as ações possessórias, ou seja a propositura de uma ação
possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a
proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados (art. 554 do CPC).
A título de exemplo, se o autor, em caso de turbação, propõe ação de reintegração de posse,
o juiz a receberá como ação de manutenção de posse.

2.5. Legitimidade
A legitimidade ativa nas ações possessórias será do possuidor direto ou indireto, ou
seja, tanto aquele que exerce o poder físico diretamente sobre a coisa quanto aquele que,
diante de uma relação jurídica criada com outrem transfere, temporariamente, a posse direta
(ex.: locador, arrendador, nu-proprietário etc.). Não tem legitimidade ativa, portanto, o mero
detentor, como é o caso do fâmulo da posse, ou seja, aquele que detém a coisa em nome do
verdadeiro possuidor (ex.: caseiro do sítio).

Se o autor for casado, a propositura de ação possessória dependerá do consentimento


do seu cônjuge, quando se tratar de composse ou ato por ambos praticado, nos termos do
art. 73, § 2º, do CPC. Tal regra também se aplica à união estável comprovada nos autos (art.
73, § 3º, do CPC).

A legitimidade passiva será, evidentemente, do responsável pela turbação, pelo


esbulho ou pela ameaça à posse do autor. Se o réu for casado, o art. 73, § 2º, do CPC exige a
formação de um litisconsórcio passivo entre ele e seu cônjuge, quando se tratar de composse
ou ato por ambos praticado, regra que também se aplica à união estável comprovada nos
autos (art. 73, § 3º, do CPC).

É possível que o esbulho ou turbação tenha sido praticado por um número grande de
pessoas, sem que seja possível ao autor identificar cada uma delas. Muitas vezes, em caso de
ocupação em massa de bem alheio, sequer é possível identificar o líder do movimento
ocupacional. Nesse caso, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados
no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério

74
CAPÍTULO 2

Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria


Pública (art. 554, § 1º, do CPC). Caberá ao oficial de justiça procurar os ocupantes no local por
uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados (art. 5554, § 2º, do CPC).
Ademais, o juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação e dos
respectivos prazos processuais podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio
locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios (art. 554, § 3º, do
CPC).

2.6. Competência
A ação possessória pode versar sobre bem móvel ou imóvel.

Tratando-se de bem móvel, a competência será determinada, como regra, pelo foro de
domicílio do réu (art. 46 do CPC) ou foro eleito pelas partes. A competência, nesse caso é
relativa, razão pela qual, se a ação não for proposta no foro de domicílio do réu ou, caso haja,
no foro eleito pelas partes, e o réu, em preliminar de contestação, não suscitar a
incompetência relativa haverá prorrogação da competência (art. 65 do CPC).

Tratando-se de bem imóvel, a competência será determinada pelo foro de situação do


imóvel, cujo juízo terá competência absoluta (art. 47, § 2º do CPC). Assim, se a ação não for
proposta no foro de situação da coisa e o réu não alegar a incompetência em preliminar de
contestação, não haverá preclusão podendo ser alegada em qualquer tempo e grau de
jurisdição, sem prejuízo de o juiz poder conhece-la de ofício. Se o imóvel se achar situado em
mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo
prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel (art. 60 do CPC).

2.7. Procedimento das ações de reintegração e manutenção de posse


2.7.1. Petição inicial

A petição inicial deverá preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC, cabendo ao
autor, ainda, individualizar o bem em relação ao qual busca a proteção possessória. No
tocante ao valor da causa, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que nas ações
possessórias, ainda que a pretensão formulada na demanda não tenha imediato proveito
econômico, o valor da causa deve corresponder ao benefício patrimonial pretendido pelo
autor5.

Na petição inicial, o autor poderá cumular o pedido de proteção possessória com: a)


condenação em perdas e danos; b) indenização dos frutos (art. 555, I e II, do CPC). Os pedidos
de perdas e danos e indenização dos frutos, para que possam ser cumulados com o pedido
possessório, devem ter alguma relação com o ato de turbação, esbulho ou ameaça. Exemplo:
terceiro invade o imóvel que o proprietário havia locado para outrem. O Proprietário-locador,

5
REsp 1807206/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
19/09/2019, DJe 18/10/2019.

75
CAPÍTULO 2

que é possuidor indireto do bem, ajuíza ação de reintegração de posse e cumula o pedido
possessório com o de indenização pelos frutos civis (alugueres) que deixou de perceber6.

Além da cumulação de pedidos, pode o autor requerer, ainda, imposição de medida


necessária e adequada para: a) evitar nova turbação ou esbulho; b) cumprir-se a tutela
provisória ou final (art. 555, parágrafo único, I e II, do CPC).

A despeito de o parágrafo único do art. 555 do CPC, aparentemente, indicar que a


imposição dessas medidas depende de prévio requerimento do autor, essa não é melhor
interpretação. Isso porque, nos termos do art. 139, IV, do CPC incumbe ao juiz “determinar
todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”. Ademais, o art. 537 do CPC, “a multa independe de requerimento da
parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou
na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se
determine prazo razoável para cumprimento do preceito”.

Nesse sentido, se a decisão judicial determina a manutenção ou reintegração de posse


do autor, qualquer ato posterior de turbação ou esbulho perpetrado pelo réu significará,
evidentemente, descumprimento da decisão judicial. Logo, não faz sentido condicionar a
imposição de tais medidas ao prévio requerimento do réu, sendo perfeitamente possível a
sua fixação de ofício.

2.7.2. Liminar

A concessão de liminar em ação possessória é possível, desde que preenchidos os


pressupostos legais. Tratando-se de ação de força nova, os pressupostos que devem ser
observados são aqueles previstos no art. 561. Por outro lado, tratando-se de ação de força
velha, os pressupostos serão aqueles exigidos para a concessão de tutela provisória de
urgência (art. 300 do CPC) ou da evidência (art. 311, II, do CPC).

Interessa, neste capítulo, a análise da liminar na ação de força nova, cujos


pressupostos são os seguintes, nos termos do art. 561 do CPC: a) prova da posse do autor; b)
prova da turbação ou o esbulho praticado pelo réu; c) prova da data da turbação ou do
esbulho; d) prova da continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a
perda da posse, na ação de reintegração.

Tais pressupostos são cumulativos. Uma vez provados, o juiz deferirá, sem ouvir o réu
(inaudita altera parte), a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração. A
liminar de manutenção ou reintegração de posse tem natureza antecipatória, pois satisfaz
desde já, a pretensão do autor. Corresponde a um adiantamento, no todo ou em parte, dos
efeitos pretendidos pelo autor com a decisão final de mérito. Configura, ainda, verdadeira

6
Nesse exemplo, o próprio locatário, que era possuidor direto do bem, também tem
legitimidade para ajuizar ação possessória. O ajuizamento da ação pelo proprietário-locador não exclui
a legitimidade do locatário.

76
CAPÍTULO 2

tutela da evidência, pois a concessão da liminar independe de demonstração de qualquer


situação de urgência, bastando o preenchimento dos pressupostos do art. 561 do CPC.

Caso o juiz entenda que os pressupostos do art. 561 do CPC não estão totalmente
preenchidos, ou que é necessário algum esclarecimento adicional, poderá designar audiência
de justificação prévia, determinando a citação do réu para comparecer ao referido ato.

A audiência de justificação não é obrigatória. Somente deve ser designada caso o juiz
entenda que os elementos fáticos e probatórios apresentados pelo autor na inicial carecem
de esclarecimentos. Mas é preciso que haja, já nesse primeiro momento, algum indício de
que o autor faça jus à proteção possessória, o qual pode ou não se confirmar na audiência. Se
o juiz verificar, desde já, a total ausência dos pressupostos legais deverá indeferir, de plano, o
pedido liminar e determinar a citação do réu.

Entendendo ser o caso de designar a audiência de justificação ele assim o fará, ainda
que não haja expresso requerimento do autor.

Ao designar a audiência, o juiz estará postergando a análise do pedido liminar, o que


pode, a toda evidência, causar algum prejuízo ao autor, especialmente quando se tratar de
ação de reintegração de posse. Entende-se que tal decisão equivale ao indeferimento, ainda
que provisório, do pedido liminar, razão pela qual deve ser admitida a interposição de agravo
de instrumento (art. 1.015, I, do CPC). Conforme entendimento firmado no enunciado nº 70
da I Jornada de Direito Processual Civil, “é agravável o pronunciamento judicial que postergar
a análise de pedido de tutela provisória ou condicioná-la a qualquer exigência”.

O réu será citado tão somente para integrar a relação processual e comparecer à
audiência de justificação. Não lhe cabe, contudo, apresentar contestação ou mesmo produzir
provas na referida audiência. A audiência é destinada para que o autor justifique o direito à
concessão da liminar pleiteada. Não obstante, o réu poderá comparecer com advogado e
formular perguntas.

Se o réu for pessoa jurídica de direito público não será deferida a manutenção ou a
reintegração liminar, sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais (art. 562,
parágrafo único, do CPC).

Realizada a audiência, caberá ao juiz proferi decisão concessiva ou denegatória da


liminar pleiteada. Considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de
manutenção ou de reintegração de posse (art. 563 do CPC).

A decisão concessiva de liminar em ação possessória é, conforme visto, verdadeira


tutela provisória satisfativa. Consequentemente ela é, assim como qualquer tutela provisória,
precária, de sorte que pode, no curso do processo, ser modificada ou mesmo revogada
gerando para o beneficiário da medida o dever de reparar os danos causados à outra parte
(responsabilidade objetiva pela teoria do risco-proveito).

77
CAPÍTULO 2

Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou


reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência,
responder por perdas e danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer
caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a
impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente (art. 559 do CPC).

Há uma aparente contradição no art. 559 do CPC, pois ao passo em que se exige
caução daquele que “carece de idoneidade financeira”, há dispensa para o “economicamente
hipossuficiente”. A contradição é apenas aparente. Se o beneficiário da liminar é
economicamente hipossuficiente há uma presunção de que não terá condições para prestar
caução, não pela carência de idoneidade financeira, mas por falta de condições financeiras
(ex.: operário que ganha um salário mínimo, possui um único imóvel modesto e não tem
dívidas. Embora ele seja economicamente hipossuficiente, não carece de idoneidade
financeira). Entretanto, a parte pode não ser economicamente hipossuficiente, exteriorizar
riqueza e, ainda assim, não ter patrimônio conhecido idôneo capaz de suportar, por si só,
eventual responsabilidade por perdas e danos (ex.: todos os bens daquele a quem foi
concedida a liminar de reintegração de posse estão gravados com penhoras provenientes de
diversas execuções, embora essa mesma pessoa ostente uma ótima condição de vida).
Portanto, é justa a exigência de caução daquele que carece de idoneidade financeira, embora
nção seja economicamente hipossuficiente.

Por fim, embora o art. 559 do CPC, aparentemente, busque conferir maior garantia ao
réu (“se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor...”) é possível que o próprio autor dela
se valha, quando, por exemplo, a tutela possessória for concedida provisoriamente ao réu
após contestação, diante da natureza dúplice desse tipo de ação.

2.7.3. Resposta do réu

Conforme visto no item anterior, a apreciação do pedido liminar pode ser feita
imediatamente pelo juiz ou após justificação prévia. No primeiro caso, diz o art. 564, caput, do
CPC que “concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou de reintegração, o autor
promoverá, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a citação do réu para, querendo, contestar a
ação no prazo de 15 (quinze) dias”. Tal dispositivo não exige que o réu seja citado em 5 (cinco)
dias, mas sim que o autor, no prazo de 5 (cinco) dias, traga as informações necessárias que
possibilitem a citação do réu (ex.: identificação do réu e especificação acerca do local onde ele
pode ser encontrado). No segundo caso (audiência de justificação), o prazo para contestar
será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar. Isso significa dizer
que o réu sairá da audiência devidamente intimado para apresentar sua contestação no
prazo de 15 (quinze) dias. Note que não há nova citação, já que o réu já foi citado para a
audiência de justificação e, portanto, já integrou a relação processual. O caso é de intimação
para contestar.

Na contestação, além da alegação de questões processuais (art. 337 do CPC), cabe ao


réu impugnar especificamente as alegações de fato formuladas pelo autor (ocorrência de

78
CAPÍTULO 2

esbulho, turbação ou ameaça) presumindo-se verdadeiras as não impugnadas (art. 341 do


CPC).

Na contestação, é vedado ao réu fundamentar a sua defesa no fato de ser proprietário


do bem. Veda-se, portanto, a exceptio dominii em ação possessória. Nesse sentido, é a
previsão constante no parágrafo único do art. 557 do CPC (“não obsta à manutenção ou à
reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”)7.

A posse é um direito que goza de autonomia em relação à propriedade, razão pela


qual merece proteção por si só. Aliás, é possível que o turbador ou esbulhador seja, inclusive,
o proprietário do bem. Basta imaginar a prática de atos de turbação ou esbulho pelo
proprietário-locador contra posse justa do locatário. Este poderá manejar a respectiva ação
possessória contra aquele.

Pendente uma ação possessória, a discussão quanto à propriedade do bem não pode
ocorrer sequer em ação autônoma, manejada pelo autor ou mesmo pelo réu. Dispõe o art.
557, caput, do CPC que “na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto
ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em
face de terceira pessoa”.

A discussão já existente no juízo possessório limita, em certa medida, o exercício do


direito de ação para a discussão da propriedade do bem. Mas é preciso que haja identidade
entre as partes e, obviamente, que a propriedade que se pretende discutir se refira ao bem
em relação ao qual a posse já está sendo discutida. A ação possessória, contudo, não impede
que autor ou réu ajuízem ação contra terceiro para discutir a propriedade do bem.

Por fim, é possível que nem autor nem réu exerçam um efetivo poder físico sobre a
coisa, caso em que o fundamento para a proteção possessória será, certamente, a
propriedade. Lembra Ernane Fidélis dos Santos que “o destino econômico do bem não exige
nenhuma relação física nem outro ato revelador de posse do possuidor com a coisa possuída;
daí questionar-se sobre o domínio, mas não para decidir sobre ele e sim para informar a
posse”8.

Nesse sentido, conforme o Supremo Tribunal Federal possui entendimento sumulado


no sentido de que “será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com
base neste for ela disputada” (súmula nº 487).

7
No mesmo sentido, é o § 2º do art. 1.210 do CC (“Não obsta à manutenção ou reintegração na
posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”).
8
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil, v. 3, 15ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 77.

79
CAPÍTULO 2

2.7.4. Instrução e julgamento

A especialidade do procedimento nas ações possessórias tem por limite a


apresentação da contestação. A partir da contestação, a ação observará o procedimento
comum (art. 566 do CPC).

2.8. Litígio coletivo pela posse de imóvel


Um dos grandes problemas da sociedade são os conflitos fundiários urbanos e rurais.
Não raras vezes, o possuidor esbulhado, que demorou para buscar a proteção possessória,
se depara com uma ocupação organizada e consolidada de um grande número de pessoas
sobre o seu bem. Tais ocupações, quase sempre, são fruto de uma realidade social desigual.

Nos litígios coletivos pela posse de imóvel em que a ação é de força velha, ou seja,
proposta após ano e dia da turbação ou esbulho o juiz, antes de apreciar o pedido de
concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30
(trinta) dias. Note que, por se tratar de ação de força velha, os pressupostos para a concessão
da liminar de reintegração ou manutenção e posse não serão aqueles previstos no art. 561 do
CPC, mas sim aqueles previstos para a tutela de urgência (art. 300 do CPC) ou da evidência
(art. 311, II, do CPC), conforme dispõe o art. 448, parágrafo único, do CPC.

O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria


Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça (art. 565,
§ 2º, do CPC). A intimação do Ministério Público é obrigatória, sob pena de nulidade, nos
termos do que já determina o art. 178, III, do CPC. A intimação da Defensoria Pública também
é obrigatória, quando houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.

Além disso, os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da
União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio
poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no
processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório (art.
565, § 4º, do CPC). A intimação dos referidos órgãos não é obrigatória, embora seja
recomendável, como forma de buscar a solução mais adequada para o conflito coletivo.

Concedida a liminar, deverá o autor diligenciar para que a decisão seja executada no
prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição. Se ela não for executada no referido
prazo caberá ao juiz designar audiência de mediação, nos termos dos §§ 2º a 4º do art. 565 do
CPC.

O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer
necessária à efetivação da tutela jurisdicional (art. 565, § 3º, do CPC).

Deferido ou não o pedido liminar, os réus serão intimados para apresentarem


contestação no prazo de 15 (quinze) dias prosseguindo-se, então, pelo procedimento comum.

80
CAPÍTULO 2

2.9. Interdito proibitório


O interdito proibitório é a ação vocacionada à defesa da posse em caso de ameaça de
turbação ou esbulho. É possível que o possuidor se depare com uma situação em que a
agressão à sua posse está na iminência de ocorrer (ex.: grupo de pessoas monta um
acampamento em frente a fazenda de um agricultor, ameaçando ocupá-la).

A proteção possessória, em casos assim, consistirá em uma determinação judicial para


que o réu se abstenha de praticar esbulho ou turbação na posse do autor. Nesse sentido,
prevê o art. 567 do CPC que “o possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente,
mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso
transgrida o preceito”.

Embora o referido dispositivo faça menção à fixação de uma pena pecuniária para o
caso de descumprimento da ordem pelo réu, nada impede que o juiz adote outras medidas
coercitivas ou sub-rogatórias para a efetivação da decisão, dentro do seu poder-dever geral
de efetivação (art. 139, IV, do CPC).

O procedimento será o mesmo das ações de reintegração e manutenção de posse,


acima estudado (art. 568 do CPC).

2.10. Ações possessórias e ações petitórias


Não se pode confundir as ações possessórias com as ações petitórias. As ações
possessórias são aquelas que buscam uma proteção possessória com fundamento na própria
posse, nos casos de esbulho, turbação ou ameaça. As ações petitórias, por outro lado, são
aquelas que buscam uma proteção possessória com fundamento na propriedade (ex.: ação
reivindicatória).

A ação de imissão de posse tem natureza petitória e não se confunde com as ações
possessórias. A ação de imissão de posse é a ação ajuizada pelo proprietário não possuidor. É
o que ocorre, por exemplo, quando alguém arremata um bem em leilão judicial, tornando-se
proprietário, mas o antigo proprietário ainda reside no local e se recusa a desocupá-lo. O
novo proprietário não poderá ajuizar ação de reintegração de posse porque, como nunca
exerceu posse sobre o bem, não se pode falar em esbulho. Deverá ajuizar a ação de imissão
de posse.

É possível, contudo, que aquele que nunca exerceu posse direta sobre o bem adquira
não apenas a propriedade como também a posse indireta. Isso ocorre quando, em um
contrato de compra e venda, as partes inserem a chamada cláusula constituti (constituto
possessório). Por meio dessa cláusula, que deve ser sempre expressa, o alienante transfere
ao adquirente a propriedade do bem e a posse indireta permanecendo, contudo, na posse
direta (ex.: proprietário vendeu o imóvel, mas permaneceu na posse a título de arrendatário
do comprador).

81
CAPÍTULO 2

Havendo cláusula constituti e não recebendo o adquirente a posse direta do bem na


data convencionada com o alienante, a ação cabível será a reintegração de posse9.

2.11. Natureza dúplice das ações possessórias


Uma das características das ações possessórias é a sua natureza dúplice. Isso significa
que o réu, em sua contestação, também pode requerer uma proteção possessória, sem ter
que se valer da reconvenção.

A natureza dúplice das ações possessórias é extraída do art. 556 do CPC, segundo o
qual “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a
proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho
cometido pelo autor”.

Com efeito, todas as faculdades conferidas ao autor de uma ação possessória


(cumulação com perdas e danos ou com indenização dos frutos, ou ainda pedido
antecipatório de proteção possessória – arts. 555 e 562 do CPC) também são conferidas ao
réu, quando requerer a proteção possessória na contestação.

Vamos a um exemplo: Tício ajuíza ação de reintegração de posse em desfavor de


Mévio, alegando que o réu, seu vizinho, invadiu uma parte de sua fazenda, e lá passou a
plantar milho. Mévio, em contestação, alega que exerce posse sobre a referida área há mais
de 5 (cinco) anos e junta aos autos, além das respectivas provas, imagens do autor
derrubando uma parte das cercas divisórias. Mévio, na própria contestação, além de se
defender dos fatos narrados por Tício, formula pedido de manutenção de posse.

A natureza dúplice das ações possessória, contudo, não impede que o réu apresente
reconvenção, desde que o pedido reconvencional não seja de proteção possessória, perdas e
danos ou indenização dos frutos (art. 555 do CPC). O réu, por exemplo, pode, em sua
contestação, requerer proteção possessória e, em sede de reconvenção, pleitear a declaração
de nulidade de negócio jurídico relacionado com o litígio possessório e restituição de valores
pagos (art. 343 do CPC).

Por fim, não se pode confundir ações dúplices com ações com sinais trocados. A ação
possessória é dúplice porque permite que o réu, em sua contestação, formule pedido
possessório em seu favor, sem ter que propor reconvenção.

As ações com sinais trocados são aquelas em que a improcedência para o autor
equivale à “procedência para o réu” e vice-versa. É o que ocorre no âmbito do controle
abstrato de constitucionalidade. O julgamento de improcedência de uma ação direta de
inconstitucionalidade equivale a um julgamento de procedência de uma ação declaratória de
constitucionalidade. Em outras palavras, ao dizer que a lei não é inconstitucional, o Supremo

9
Nesse sentido: AgRg no AREsp 760.155/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 13/11/2015.

82
CAPÍTULO 2

Tribunal Federal estará emitindo um juízo declaratório de constitucionalidade, ou seja,


dizendo que a lei é constitucional. Daí, porque, se diz que tais ações são de sinais trocados.

Voltando para as ações possessórias, imagine o seguinte exemplo: Tício ajuíza ação de
reintegração de posse contra Mévio alegando que o réu invadiu uma parte de sua fazenda.
Na contestação, Mévio nega ter invadido a fazenda de Tício e diz que apenas está exercendo
posse sobre a sua própria propriedade sem, contudo, formular qualquer pedido de proteção
possessória. Ao final, o juiz julga o pedido de Tício improcedente, sob o fundamento de que o
autor não provou exercer posse sobre a parte supostamente invadida. Ao julgar o pedido de
Tício improcedente, o juiz não estará, necessariamente, reconhecendo qualquer direito de
Mévio sobre a suposta área invadida.

2.12. Ações de força nova e ações de força velha


Considera-se de força nova a ação possessória proposta dentro de ano e dia da data
da turbação ou esbulho. Por sua vez, considera-se de força velha a ação possessória proposta
após ano e dia da data da turbação ou esbulho. A distinção é importante, pois determina o
procedimento a ser seguido.

Nos termos do art. 558, caput, do CPC, “regem o procedimento de manutenção e de


reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta
dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial". Por outro lado,
passado o referido prazo será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter
possessório (art. 558, parágrafo único, do CPC).

Note que, ainda que a ação possessória seja proposta após ano e dia da data da
turbação ou do esbulho ela não perderá o caráter possessório. Contudo, deverá seguir o
procedimento comum. Isso significa dizer que eventual pedido liminar deverá preencher os
pressupostos exigidos para a tutela provisória de urgência (art. 300 do CPC) ou evidência (art.
311, II, do CPC) e não mais aqueles exigidos no art. 561 do CPC.

2.13. Fungibilidade das ações possessórias


Há uma fungibilidade entre as ações possessórias, ou seja, a propositura de uma ação
possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a
proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados (art. 554 do CPC).
A título de exemplo, se o autor, em caso de turbação, propõe ação de reintegração de posse o
juiz a receberá como ação de manutenção de posse.

2.14. Legitimidade
A legitimidade ativa nas ações possessórias será do possuidor direto ou indireto, ou
seja, tanto aquele que exerce o poder físico diretamente sobre a coisa quanto aquele que,
diante de uma relação jurídica criada com outrem transfere, temporariamente, a posse direta
(ex.: locador, arrendador, nu-proprietário etc.). Não tem legitimidade ativa, portanto, o mero

83
CAPÍTULO 2

detentor como é o caso do fâmulo da posse, ou seja, aquele que detém a coisa em nome do
verdadeiro possuidor (ex.: caseiro do sítio).

Se o autor for casado, a propositura de ação possessória dependerá do consentimento


do seu cônjuge, quando se tratar de composse ou ato por ambos praticado, nos termos do
art. 73, § 2º, do CPC. Tal regra também se aplica à união estável comprovada nos autos (art.
73, § 3º, do CPC).

A legitimidade passiva será, evidentemente, do responsável pela turbação, pelo


esbulho ou pela ameaça à posse do autor. Se o réu for casado, o art. 73, § 2º, do CPC exige a
formação de um litisconsórcio passivo entre ele e seu cônjuge, quando se tratar de composse
ou ato por ambos praticado, regra que também se aplica à união estável comprovada nos
autos (art. 73, § 3º, do CPC).

É possível que o esbulho ou turbação tenha sido praticado por um número grande de
pessoas, sem que seja possível ao autor identificar cada uma delas. Muitas vezes, em caso de
ocupação em massa de bem alheio, sequer é possível identificar o líder do movimento
ocupacional. Nesse caso, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados
no local e a citação por edital dos demais determinando-se, ainda, a intimação do Ministério
Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria
Pública (art. 554, § 1º, do CPC). Caberá ao oficial de justiça procurar os ocupantes no local por
uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados (art. 5554, § 2º, do CPC).
Ademais, o juiz deverá determinar que se dê ampla publicidade da existência da ação e dos
respectivos prazos processuais, podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio
locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios (art. 554, § 3º, do
CPC).

2.15. Competência
A ação possessória pode versar sobre bem móvel ou imóvel.

Tratando-se de bem móvel, a competência será determinada, como regra, pelo foro de
domicílio do réu (art. 46 do CPC) ou foro eleito pelas partes. A competência, nesse caso, é
relativa, razão pela qual, se a ação não for proposta no foro de domicílio do réu ou, caso haja,
no foro eleito pelas partes, e o réu, em preliminar de contestação, não suscitar a
incompetência relativa haverá prorrogação da competência (art. 65 do CPC).

Tratando-se de bem imóvel, a competência será determinada pelo foro de situação do


imóvel, cujo juízo terá competência absoluta (art. 47, § 2º do CPC). Assim, se a ação não for
proposta no foro de situação da coisa e o réu não alegar a incompetência em preliminar de
contestação não haverá preclusão, podendo ser alegada em qualquer tempo e grau de
jurisdição, sem prejuízo de o juiz poder conhece-la de ofício. Se o imóvel se achar situado em
mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo
prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel (art. 60 do CPC).

84
CAPÍTULO 2

2.16. Procedimento das ações de reintegração e manutenção de posse


2.16.1. Petição inicial

A petição inicial deverá preencher os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC cabendo ao
autor, ainda, individualizar o bem em relação ao qual busca a proteção possessória. No
tocante ao valor da causa, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que nas ações
possessórias, ainda que a pretensão formulada na demanda não tenha imediato proveito
econômico, o valor da causa deve corresponder ao benefício patrimonial pretendido pelo
autor10.

Na petição inicial, o autor poderá cumular o pedido de proteção possessória com: a)


condenação em perdas e danos; b) indenização dos frutos (art. 555, I e II, do CPC). Os pedidos
de perdas e danos e indenização dos frutos, para que possam ser cumulados com o pedido
possessório devem ter alguma relação com o ato de turbação, esbulho ou ameaça. Exemplo:
terceiro invade o imóvel que o proprietário havia locado para outrem. O Proprietário-locador,
que é possuidor indireto do bem, ajuíza ação de reintegração de posse e cumula o pedido
possessório com o de indenização pelos frutos civis (alugueres) que deixou de perceber11.

Além da cumulação de pedidos, pode o autor requerer, ainda, imposição de medida


necessária e adequada para: a) evitar nova turbação ou esbulho; b) cumprir-se a tutela
provisória ou final (art. 555, parágrafo único, I e II, do CPC).

A despeito de o parágrafo único do art. 555 do CPC, aparentemente, indicar que a


imposição dessas medidas depende de prévio requerimento do autor, essa não é melhor
interpretação. Isso porque, nos termos do art. 139, IV, do CPC incumbe ao juiz “determinar
todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”. Ademais, o art. 537 do CPC, “a multa independe de requerimento da
parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou
na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se
determine prazo razoável para cumprimento do preceito”.

Nesse sentido, se a decisão judicial determina a manutenção ou reintegração de posse


do autor, qualquer ato posterior de turbação ou esbulho perpetrado pelo réu significará,
evidentemente, descumprimento da decisão judicial. Logo, não faz sentido condicionar a
imposição de tais medidas ao prévio requerimento do réu, sendo perfeitamente possível a
sua fixação de ofício.

10
REsp 1807206/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
19/09/2019, DJe 18/10/2019.
11
Nesse exemplo, o próprio locatário, que era possuidor direto do bem, também tem
legitimidade para ajuizar ação possessória. O ajuizamento da ação pelo proprietário-locador não exclui
a legitimidade do locatário.

85
CAPÍTULO 2

2.16.2. Liminar

A concessão de liminar em ação possessória é possível, desde que preenchidos os


pressupostos legais. Tratando-se de ação de força nova, os pressupostos que devem ser
observados são aqueles previstos no art. 561. Por outro lado, tratando-se de ação de força
velha, os pressupostos serão aqueles exigidos para a concessão de tutela provisória de
urgência (art. 300 do CPC) ou da evidência (art. 311, II, do CPC).

Interessa, neste capítulo, a análise da liminar na ação de força nova, cujos


pressupostos são os seguintes, nos termos do art. 561 do CPC: a) prova da posse do autor; b)
prova da turbação ou o esbulho praticado pelo réu; c) prova da data da turbação ou do
esbulho; d) prova da continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a
perda da posse, na ação de reintegração.

Tais pressupostos são cumulativos. Uma vez provados o juiz deferirá, sem ouvir o réu
(inaudita altera parte) a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração. A
liminar de manutenção ou reintegração de posse tem natureza antecipatória, pois satisfaz,
desde já, a pretensão do autor. Corresponde a um adiantamento, no todo ou em parte, dos
efeitos pretendidos pelo autor com a decisão final de mérito. Configura, ainda, verdadeira
tutela da evidência, pois a concessão da liminar independe de demonstração de qualquer
situação de urgência, bastando o preenchimento dos pressupostos do art. 561 do CPC.

Caso o juiz entenda que os pressupostos do art. 561 do CPC não estão totalmente
preenchidos ou que é necessário algum esclarecimento adicional poderá designar audiência
de justificação prévia, determinando a citação do réu para comparecer ao referido ato.

A audiência de justificação não é obrigatória. Somente deve ser designada caso o juiz
entenda que os elementos fáticos e probatórios apresentados pelo autor na inicial carecem
de esclarecimentos. Mas é preciso que haja, já nesse primeiro momento, algum indício de
que o autor faz jus à proteção possessória, o qual pode ou não se confirmar na audiência. Se
o juiz verificar, desde já, a total ausência dos pressupostos legais deverá indeferir, de plano, o
pedido liminar e determinar a citação do réu.

Entendendo ser o caso de designar a audiência de justificação ele assim o fará, ainda
que não haja expresso requerimento do autor.

Ao designar a audiência, o juiz estará postergando a análise do pedido liminar, o que


pode, a toda evidência, causar algum prejuízo ao autor, especialmente quando se tratar de
ação de reintegração de posse. Entende-se que tal decisão equivale ao indeferimento, ainda
que provisório, do pedido liminar, razão pela qual deve ser admitida a interposição de agravo
de instrumento (art. 1.015, I, do CPC). Conforme entendimento firmado no enunciado nº 70
da I Jornada de Direito Processual Civil, “é agravável o pronunciamento judicial que postergar
a análise de pedido de tutela provisória ou condicioná-la a qualquer exigência”.

86
CAPÍTULO 2

O réu será citado tão somente para integrar a relação processual e comparecer à
audiência de justificação. Não lhe cabe, contudo, apresentar contestação ou mesmo produzir
provas na referida audiência. A audiência é destinada para que o autor justifique o direito à
concessão da liminar pleiteada. Não obstante, o réu poderá comparecer com advogado e
formular perguntas.

Se o réu for pessoa jurídica de direito público não será deferida a manutenção ou a
reintegração liminar, sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais (art. 562,
parágrafo único, do CPC).

Realizada a audiência, caberá ao juiz proferi decisão concessiva ou denegatória da


liminar pleiteada. Considerada suficiente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de
manutenção ou de reintegração de posse (art. 563 do CPC).

A decisão concessiva de liminar em ação possessória é, conforme visto, verdadeira


tutela provisória satisfativa. Consequentemente ela é, assim como qualquer tutela provisória,
precária, de sorte que pode, no curso do processo, ser modificada ou mesmo revogada,
gerando para o beneficiário da medida o dever de reparar os danos causados à outra parte
(responsabilidade objetiva pela teoria do risco-proveito).

Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou


reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência,
responder por perdas e danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer
caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a
impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente (art. 559 do CPC).

Há uma aparente contradição no art. 559 do CPC, pois ao passo em que se exige
caução daquele que “carece de idoneidade financeira” há dispensa para o “economicamente
hipossuficiente”. A contradição é apenas aparente. Se o beneficiário da liminar é
economicamente hipossuficiente há uma presunção de que não terá condições para prestar
caução, não pela carência de idoneidade financeira, mas por falta de condições financeiras
(ex.: operário que ganha um salário mínimo, possui um único imóvel modesto e não tem
dívidas. Embora ele seja economicamente hipossuficiente, não carece de idoneidade
financeira). Entretanto, a parte pode não ser economicamente hipossuficiente, exteriorizar
riqueza e, ainda assim, não ter patrimônio conhecido idôneo capaz de suportar, por si só,
eventual responsabilidade por perdas e danos (ex.: todos os bens daquele a quem foi
concedida a liminar de reintegração de posse estão gravados com penhoras provenientes de
diversas execuções, embora essa mesma pessoa ostente uma ótima condição de vida).
Portanto, é justa a exigência de caução daquele que carece de idoneidade financeira, embora
não seja economicamente hipossuficiente.

Por fim, embora o art. 559 do CPC, aparentemente, busque conferir maior garantia ao
réu (“se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor...”) é possível que o próprio autor dela

87
CAPÍTULO 2

se valha, quando, por exemplo, a tutela possessória é concedida provisoriamente ao réu após
contestação, diante da natureza dúplice desse tipo de ação.

2.16.3. Resposta do réu

Conforme visto no item anterior, a apreciação do pedido liminar pode ser feita
imediatamente pelo juiz ou após justificação prévia. No primeiro caso, diz o art. 564, caput, do
CPC que “concedido ou não o mandado liminar de manutenção ou de reintegração, o autor
promoverá, nos 5 (cinco) dias subsequentes, a citação do réu para, querendo, contestar a
ação no prazo de 15 (quinze) dias”. Tal dispositivo não exige que o réu seja citado em 5 (cinco)
dias, mas sim que o autor, no prazo de 5 (cinco) dias traga as informações necessárias que
possibilitem a citação do réu (ex.: identificação do réu e especificação acerca do local onde ele
pode ser encontrado). No segundo caso (audiência de justificação), o prazo para contestar
será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar. Isso significa dizer
que o réu sairá da audiência devidamente intimado para apresentar sua contestação no
prazo de 15 (quinze) dias. Note que não há nova citação, já que o réu já foi citado para a
audiência de justificação e, portanto, já integrou a relação processual. O caso é de intimação
para contestar.

Na contestação, além da alegação de questões processuais (art. 337 do CPC), cabe ao


réu impugnar especificamente as alegações de fato formuladas pelo autor (ocorrência de
esbulho, turbação ou ameaça) presumindo-se verdadeiras as não impugnadas (art. 341 do
CPC).

Na contestação, é vedado ao réu fundamentar a sua defesa no fato de ser proprietário


do bem. Veda-se, portanto, a exceptio dominii em ação possessória. Nesse sentido, é a
previsão constante no parágrafo único do art. 557 do CPC (“não obsta à manutenção ou à
reintegração de posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa”)12.

A posse é um direito que goza de autonomia em relação à propriedade, razão pela


qual merece proteção por si só. Aliás, é possível que o turbador ou esbulhador seja, inclusive,
o proprietário do bem. Basta imaginar a prática de atos de turbação ou esbulho pelo
proprietário-locador contra posse justa do locatário. Este poderá manejar a respectiva ação
possessória contra aquele.

Pendente uma ação possessória, a discussão quanto à propriedade do bem não pode
ocorrer sequer em ação autônoma, manejada pelo autor ou mesmo pelo réu. Dispõe o art.
557, caput, do CPC que “na pendência de ação possessória é vedado, tanto ao autor quanto
ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em
face de terceira pessoa”.

No mesmo sentido, é o § 2º do art. 1.210 do CC (“Não obsta à manutenção ou reintegração na


12

posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”).

88
CAPÍTULO 2

A discussão já existente no juízo possessório limita, em certa medida, o exercício do


direito de ação para a discussão da propriedade do bem. Mas é preciso que haja identidade
entre as partes e, obviamente, que a propriedade que se pretende discutir se refira ao bem
em relação ao qual a posse já está sendo discutida. A ação possessória, contudo, não impede
que autor ou réu ajuízem ação contra terceiro para discutir a propriedade do bem.

Por fim, é possível que nem autor nem réu exerçam um efetivo poder físico sobre a
coisa, caso em que o fundamento para a proteção possessória será, certamente, a
propriedade. Lembra Ernane Fidélis dos Santos que “o destino econômico do bem não exige
nenhuma relação física nem outro ato revelador de posse do possuidor com a coisa possuída;
daí questionar-se sobre o domínio, mas não para decidir sobre ele e sim para informar a
posse”13.

Nesse sentido, conforme o Supremo Tribunal Federal possui entendimento sumulado


no sentido de que “será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com
base neste for ela disputada” (súmula nº 487).

2.16.4. Instrução e julgamento

A especialidade do procedimento nas ações possessórias tem por limite a


apresentação da contestação. A partir da contestação, a ação observará o procedimento
comum (art. 566 do CPC).

2.17. Litígio coletivo pela posse de imóvel


Um dos grandes problemas da sociedade são os conflitos fundiários urbanos e rurais.
Não raras vezes, o possuidor esbulhado, que demorou para buscar a proteção possessória,
se depara com uma ocupação organizada e consolidada de um grande número de pessoas
sobre o seu bem. Tais ocupações, quase sempre, são fruto de uma realidade social desigual.

Nos litígios coletivos pela posse de imóvel em que a ação é de força velha, ou seja,
proposta após ano e dia da turbação ou esbulho o juiz, antes de apreciar o pedido de
concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30
(trinta) dias. Note que, por se tratar de ação de força velha, os pressupostos para a concessão
da liminar de reintegração ou manutenção e posse não serão aqueles previstos no art. 561 do
CPC, mas sim aqueles previstos para a tutela de urgência (art. 300 do CPC) ou da evidência
(art. 311, II, do CPC), conforme dispõe o art. 448, parágrafo único, do CPC.

O Ministério Público será intimado para comparecer à audiência, e a Defensoria


Pública será intimada sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça (art. 565,
§ 2º, do CPC). A intimação do Ministério Público é obrigatória, sob pena de nulidade, nos
termos do que já determina o art. 178, III, do CPC. A intimação da Defensoria Pública também
é obrigatória, quando houver parte beneficiária de gratuidade da justiça.

13
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil, v. 3, 15ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 77.

89
CAPÍTULO 2

Além disso, os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da
União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio
poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no
processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório (art.
565, § 4º, do CPC). A intimação dos referidos órgãos não é obrigatória, embora seja
recomendável, como forma de buscar a solução mais adequada para o conflito coletivo.

Concedida a liminar, deverá o autor diligenciar para que a decisão seja executada no
prazo de 1 (um) ano a contar da data de distribuição. Se ela não for executada no referido
prazo caberá ao juiz designar audiência de mediação, nos termos dos §§ 2º a 4º do art. 565 do
CPC.

O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer
necessária à efetivação da tutela jurisdicional (art. 565, § 3º, do CPC).

Deferido ou não o pedido liminar, os réus serão intimados para apresentarem


contestação no prazo de 15 (quinze) dias, prosseguindo-se, então, pelo procedimento
comum.

2.18. Interdito proibitório


O interdito proibitório é a ação vocacionada à defesa da posse em caso de ameaça de
turbação ou esbulho. É possível que o possuidor se depare com uma situação em que a
agressão à sua posse está na iminência de ocorrer (ex.: grupo de pessoas monta um
acampamento em frente a fazenda de um agricultor, ameaçando ocupá-la).

A proteção possessória, em casos assim, consistirá em uma determinação judicial para


que o réu se abstenha de praticar esbulho ou turbação na posse do autor. Nesse sentido,
prevê o art. 567 do CPC que “o possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente,
mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso
transgrida o preceito”.

Embora o referido dispositivo faça menção à fixação de uma pena pecuniária para o
caso de descumprimento da ordem pelo réu, nada impede que o juiz adote outras medidas
coercitivas ou sub-rogatórias para a efetivação da decisão, dentro do seu poder-dever geral
de efetivação (art. 139, IV, do CPC).

O procedimento será o mesmo das ações de reintegração e manutenção de posse,


acima estudado (art. 568 do CPC).

90
CAPÍTULO 3

CAPÍTULO 3 USUCAPIÃO

1. USUCAPIÃO – ASPECTOS INTRODUTÓRIOS


A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade ou de outro direito
real (como usufruto) que pode recair tanto sobre bem móvel quanto sobre bem imóvel,
através de uma posse prolongada e qualificada.

Trata-se da posse mais nobre que possa existir, pois, além de longeva precisa ser
qualificada, ou seja, ad usucapionem. Assim, a usucapião pressupõe posse qualificada (ânimo
de dono, mansa, pacífica e ininterrupta).

As principais características da posse ad usucapionem são:

• Seja exercida com a intenção de dono (animus domini);


• Seja mansa e pacífica;
• Seja contínua e duradoura, com determinado lapso temporal a ser
cumprida.
A exceção é o art. 1.243 do Código Civil: “O possuidor pode, para o fim de contar o
tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores
(art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com
justo título e de boa-fé”.

O referido artigo admite que a soma de posses sucessivas:

• Seja justa, ou seja, não violenta, não clandestina e não precária;


• Caso a posse seja de boa-fé e com justo título haverá a usucapião
ordinária.
A usucapião extraordinária não depende de boa-fé e nem de justo título. O possuidor
pode, para o fim de contar o tempo exigido, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores,
contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, com justo título e de boa-fé.

São fontes normativas da usucapião:

• CF: arts. 183 e 191;


• CC: arts. 1.238 e seguintes;
• Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade): arts. 9º e seguintes;
• Lei nº 6.969/81 (Usucapião rural);
• Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos): art. 216-A.

Atenção! Proprietário desidioso – aquele que não atribui função social ao bem –
Usucapião enquanto sanção civil ao proprietário não funcional.

91
CAPÍTULO 3

2. ALGUNS EFEITOS GERADOS PELA USUCAPIÃO


São efeitos relevantes gerados pela Usucapião:

• Aquisição da propriedade pelo possuidor;


• Extinção dos vícios que a relação anterior ostentava;
• Extinção de ônus reais (ex.: hipoteca);
• Não incidência de ITBI ou ITCMD;
• Vinculação ao IPTU/ITR, taxas condominiais etc. (obrigações propter rem).

3. REQUISITOS DA USUCAPIÃO
3.1. Requisitos pessoais
Embora a usucapião não seja propriamente a prescrição, de alguma forma, ela se
assemelha à prescrição. Isso porque há uma mudança na situação jurídica em razão do
decurso do tempo.

Nesse aspecto, o legislador entendeu que as causas impeditivas e suspensivas da


prescrição se aplicam à usucapião.

Assim, estendem-se ao possuidor as causas que obstam, suspendem ou interrompem


a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião. Por isso, a usucapião é considerada
uma prescrição aquisitiva.

Nos termos do art. 1.244 do CC: “Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao


devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais
também se aplicam à usucapião”.

São causas suspensivas, de acordo com o art. 197 do CC:

Art. 197. Não corre a prescrição:


I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a
tutela ou curatela.

Obs.: Cuidado com o art. 1.240-A (usucapião familiar: 02 anos – abandono do lar por
um dos cônjuges).

Também são causas suspensivas, de acordo com o art. 198 do CC:

Art. 198. Também não corre a prescrição:


I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o ;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou
dos Municípios;

92
CAPÍTULO 3

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de


guerra.

Obs. E o art. 199 do CC? Na prática, esse artigo praticamente não terá incidência em
casos de usucapião. Isso porque não há relação obrigacional entre o possuidor e o antigo
proprietário nos incisos relacionados nesse artigo. Trata-se de uma relação nova que surge
do exercício da posse. De acordo com o art. 199 do CC:

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:


I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.

Obs. Usucapião entre parentes colaterais? Em casos de Direito Sucessório também é


reconhecido o direito à usucapião quando preenchidos os requisitos legais. Ex.: se eu possuir
um imóvel que pertence ao meu irmão eu poderei usucapir, a não ser que esse irmão seja
absolutamente incapaz (art. 198, inciso I, do CC).

No que se refere às causas interruptivas, há de se ter certa atenção. Isso porque elas
irão se relacionar ao tempo, ou seja, o tempo está sendo contado. Logo, há transcurso do
tempo. Em caso de incidência de causa interruptiva, o prazo começa a contar novamente do
início.

A interrupção da prescrição somente ocorrerá uma única vez. Nos termos do art. 202
do CC:

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez,
dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; - ver art. 240 do
Código de Processo Civil.
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em
concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.

A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do


último ato do processo para interrompê-la.

Atenção! O que diz o STJ em relação às ações possessórias? Segundo o STJ, “[...] A
citação efetuada em ação possessória julgada improcedente não é hábil à interrupção da
prescrição aquisitiva [...]” (AgInt no AgInt no AREsp n. 1.863.294/RS, relatora Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 23/5/2022, DJe de 25/5/2022.)

93
CAPÍTULO 3

Em outro julgado o STJ indicou que:

“[...] diferentemente do que acontece com a citação efetuada em ação


possessória julgada improcedente, a qual não interrompe o prazo para a
prescrição aquisitiva, se a ação proposta pelo proprietário visa, de algum
modo, à defesa do direito material, como é o caso de ação reivindicatória
fundada na propriedade do bem, deve-se reputar interrompido o prazo
prescricional a partir da citação verificada nesse processo [...]” (AgInt nos EDcl
no AREsp n. 1.771.282/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 27/9/2021, DJe de 29/9/2021.).

Atenção! Aplicação do art. 240, § 1º, do CPC:

Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente,
induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor,
ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002 (Código Civil) .
§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação,
ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura
da ação.

Atenção! Quanto à notificação extrajudicial, teoricamente, essa não interrompe o


prazo da prescrição para usucapião, mas constitui em mora o possuidor. Apesar disso,
segundo o STJ:

“[...] 1. Não obstante seja possível a contagem do prazo da prescrição aquisitiva


da usucapião durante a tramitação processual, existindo notificação
extrajudicial prevista no art. 202 do CC/2002, considera-se interrompido o
transcurso do lapso temporal [...]”. (AgInt no REsp n. 1.789.463/MG, relator
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 18/5/2020, DJe de
26/5/2020.)

Quanto à usucapião por terceiro de bem pertencente a mais de uma pessoa (bem em
condomínio), as causas suspensivas (arts. 197 e 198 do CC) aplicadas a um ou alguns dos
condôminos, regra geral, não aproveitam aos demais, devido ao seu caráter personalíssimo.

Entretanto, essa regra geral se aplica aos bens divisíveis, pois se o bem for indivisível, a
causa suspensiva se estenderá a todos. Nesse ponto, art. 201 do CC: “Suspensa a prescrição
em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for
indivisível”.

Atenção! Em caso de bem indivisível, mas passível de divisão, e com posses


localizadas, é possível reconhecer a usucapião de parte específica daquele imóvel.

No que se refere às causas interruptivas (art. 202 do CC) dispõe o art. 204 do CC que:

94
CAPÍTULO 3

Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros;
semelhantemente, a interrupção operada contra o co-devedor, ou seu
herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1º A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim
como a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e
seus herdeiros.

Assim, se houver a interrupção em favor de um dos possuidores se aplica aos demais


em caso de bem indivisível.

3.2. Requisitos reais


Ao tratar dos requisitos reais para a usucapião, o objetivo é demonstrar o que pode ser
objeto de usucapião.

Assim, não podem ser objeto de usucapião:

Bens públicos (vedação - CF, arts. 183, parágrafo único, e 191, parágrafo único);

Empresa pública e sociedade de economia mista, quando sujeitos ao interesse público:


Segundo STJ: “[...] Os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista
não são usucapíveis quando sujeitos a uma destinação pública [...]” (AgInt no REsp n.
1.769.138/PR, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em
28/3/2022, DJe de 31/3/2022.);

Bens inalienáveis, assim considerados aqueles: naturalmente inalienáveis (ex.: ar e


mar); legalmente inalienáveis (ex.: bens públicos); voluntariamente inalienáveis (ex.: doação,
testamento e bem de família). Em relação a este último, pode haver usucapião – bens
voluntariamente inalienáveis;

Bem em regime de condomínio e usucapião por condômino – é possível usucapir,


fazendo as seguintes distinções: posse exclusiva de um dos condôminos sobre todo o bem;
posse mansa, pacífica e com ânimo de dono; exclusão dos demais condôminos de suas
respectivas frações ou quotas.

Obs. Condomínio pro diviso (bem divisível) e pro indiviso (bem muitas vezes
juridicamente indivisível, mas pode ser que esse bem seja passível de divisibilidade) – no caso
de bem pro indiviso é necessário que se exerça posse com exclusividade para que seja
possível usucapir.

Atenção! No caso de condomínios edilícios (art. 1.331, § 2º, do CC) – bem indivisível:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva,
e partes que são propriedade comum dos condôminos.
(...)
§ 2º O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de
água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as

95
CAPÍTULO 3

demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados


em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou
divididos.

Nesse caso, em relação à parte exclusiva/privativa caberá usucapião. Quanto às partes


comuns, não poderá haver usucapião.

Não obstante, o STJ admite que quando a área comum perde a sua finalidade e passa a
ser utilizada com exclusividade por um dos condôminos, embora tal área não seja passível de
usucapião, é preciso reconhecer e garantir a continuação da posse exclusiva, com
fundamento nos institutos da supressio e surrectio.

“[...] CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a


corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser
ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos
demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não
indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo.
Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e
provido.[...]" (REsp 214680/SP, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,
QUARTA TURMA, DJ 16/11/1999).

“[...] o princípio da boa-fé objetiva tempera a regra do art. 3º da Lei nº


4.591/64" e recomenda a manutenção das situações consolidadas há vários
anos.[...]” (Resp(s) 214680/SP e 356.821/RJ).

Quanto à usucapião por um dos herdeiros, a jurisprudência do STJ manifesta-se pela


possibilidade de usucapião extraordinário:

“[...] 1. Possibilidade da usucapião de imóvel objeto de herança pelo herdeiro


que tem sua posse exclusiva, ou seja, há legitimidade e interesse do
condômino usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si
mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à
usucapião extraordinária [...]”(AgInt no REsp n. 1.840.023/MG, relator Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/5/2021, DJe de 13/5/2021.)

Atenção! A abertura do inventário interrompe o prazo da usucapião? Sim, sob o


fundamento do art. 202 do CC: “A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer
uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o
interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”.

A ação de inventário tem a finalidade de partilhar o bem e a demonstração por parte


do inventariante da necessidade de partilha daquele bem específico que um dos herdeiros
exerce posse.

96
CAPÍTULO 3

Além disso, é possível requerer ao juiz do inventário o arbitramento de aluguel


referente àquele bem, sob o argumento de impossibilidade de alugar aquele bem a terceiro
devido à ocupação exclusiva daquele herdeiro que exerce a posse sobre o bem.

Caso o juiz do inventário entenda pela impossibilidade de arbitramento do aluguel nos


autos do inventário caberá ação própria para arbitramento do valor dos aluguéis.

Sobre esse ponto, precedente do STJ:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.639.314 - MG (2016/0305091-0)Trecho do voto: “[...]


13. É dizer: o pedido de abertura de inventário, no que toca às disputas
internas entre meeiro, herdeiros e/ou legatários sobre o patrimônio do de
cujus, interrompe o curso do prazo prescricional para todas as pendengas
intramuros que exijam a definição de titularidade sobre uma parte do
patrimônio inventariado. 14. In casu, a própria titularidade ao direito matriz
(direito à fração das quotas) era questionada em juízo, não se podendo
vislumbrar o curso do prazo prescricional em face de quem ainda buscava o
reconhecimento do próprio direito à fração das quotas da sociedade [...]”.

3.3. Requisitos formais


3.3.1. Posse ad usucapionem

A posse ad usucapionem (para fins de usucapião) se trata da posse exercida de forma


pacífica, contínua, ininterrupta com animo de dono.

Nos termos do art. 1.196 do CC: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato
o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Segundo art. 1.197 do CC: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem
aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto”.

De acordo com o art. 1.198 do CC: “Considera-se detentor aquele que, achando-se em
relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em
cumprimento de ordens ou instruções suas” e, nos termos do seu parágrafo único, “aquele
que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à
outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”.

Quanto ao requisito “ânimo de dono” o possuir tem que exercer aquela posse com
domínio ou acreditando ser dono, ou seja, sem o receio de que possa perder aquela posse.
Exemplo: Locatário, arrendatário, fâmulo da posse etc. Obs. Ânimo de dono + ausência de
oposição.

Quanto ao requisito “posse ininterrupta” essa tem que ser contínua.

Obs. Importância da demanda judicial séria para quebrar a continuidade.

97
CAPÍTULO 3

Atenção! Que tipo de ação propor? Ação possessória, reivindicatória ou imissão de


posse, a depender do caso a caso.

3.3.2. Tempo

Posse ininterrupta pelo tempo previsto em lei.

3.4. Sucessão e acessão de posses (soma de posses)


No caso da sucessão (sucessio possessionis), segundo o art. 1.207 do CC: “O sucessor
universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado
unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”.

Atenção! Usucapião ou inventário? Depende do tempo da posse e das questões


registrais que os herdeiros ou possuidores queiram enfrentar.

Em caso de usucapião, quem tem legitimidade? O espólio e os herdeiros. Quais as


consequências registrais? Depende da via que for tomada: usucapião ou inventário.

No caso de acessão (accessio possessionis), segundo o art. 1.243 do CC: “O possuidor


pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua
posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e,
nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.

Quanto à homogeneidade das posses, dispõe o art. 1.203 do CC: “Salvo prova em
contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”.

Qualquer tipo de usucapião admite a soma das posses pela acessão? Não. “A accessio
possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra
aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da
normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente”
(Enunciado 317 da IV Jornada de Direito Civil – CJF).

E em relação à sucessão de posses? (art. 9º do Estatuto da Cidade):

Art. 9º Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e

98
CAPÍTULO 3

sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o


domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
(...)
3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a
posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da
abertura da sucessão.

4. MODALIDADES DE USUCAPIÃO
São modalidades de usucapião de bens imóveis:

• Usucapião extraordinária;
• Usucapião ordinária;
• Usucapião constitucional especial rural;
• Usucapião constitucional especial urbana;
• Usucapião especial urbana por abandono do lar;
• Usucapião especial urbana coletiva;
• Usucapião especial indígena.

4.1. Usucapião extraordinária


A usucapião extraordinária está prevista no art. 1.238 do Código Civil:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição,
possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente
de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença,
a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o
possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele
realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

O registro à que se refere esse artigo não é constitutivo, pois a usucapião é forma
originária de propriedade, como dito. Trata-se de registro declaratório para que haja eficácia
erga omnes.

O prazo será reduzido para 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a


sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Trata-se da
posse qualificada pela função social (“posse funcionalizada”). Nesse caso, o ônus da prova
depende do próprio autor da ação de usucapião.

4.2. Usucapião ordinária


A usucapião ordinária está prevista no art. 1.242 do CC:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e


incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

99
CAPÍTULO 3

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel
houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do
respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele
tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse
social e econômico.

Adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo


título e boa-fé o possuir por 10 anos. Portanto, são requisitos:

• Posse contínua e duradoura, mansa e pacífica;


• Justo título e boa-fé;
• Lapso temporal de 10 anos.
O parágrafo único reduz esse prazo para 05 anos, se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada
posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou
realizado investimentos de interesse social e econômico. Essa é a chamada usucapião tabular.

Atenção! Para o STJ o contrato de promessa de compra e venda pode fazer às vezes do
justo título para fins de ação de usucapião ordinária.

A expressão "‘justo título’ contida nos arts. 1.242 e 1.260 do Código Civil abrange todo e
qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de
registro”. (Enunciado 86 da I Jornada de Direito Civil).

No que se refere ao instrumento particular, o STJ tem jurisprudência no seguinte


sentido:

“[...] Esta Corte Superior reconhece como justo título, hábil a demonstrar a
posse, o instrumento particular de compromisso de compra e venda, ainda
que desprovido de registro. A promessa de compra e venda gera efeitos
obrigacionais, não dependendo, para sua eficácia e validade, de ser
formalizada em instrumento público [...]” (AgInt no REsp 1325509/PE, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe
06/02/2017).

“[...] O contrato particular de cessão e transferência de direitos e obrigações de


instrumento particular de compra e venda, o qual originou a longeva posse
exercida pela ora recorrente, para efeito de comprovação da posse, deve ser
reputado justo título [...]” (REsp 652.449/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 23/3/2010).

Quanto ao contrato particular de cessão de direitos e obrigações:

“[...] III - Por justo título, para efeito da usucapião ordinária, deve-se
compreender o ato ou fato jurídico que, em tese, possa transmitir a
propriedade, mas que, por lhe faltar algum requisito formal ou intrínseco

100
CAPÍTULO 3

(como a venda a non domino), não produz tal efeito jurídico. Tal ato ou fato
jurídico, por ser juridicamente aceito pelo ordenamento jurídico, confere ao
possuidor, em seu consciente, a legitimidade de direito à posse, como se dono
do bem transmitido fosse ("cum animo domini"); V - O contrato particular de
cessão e transferência de direitos e obrigações de instrumento particular de
compra e venda, o qual originou a longeva posse exercida pela ora recorrente,
para efeito de comprovação da posse, deve ser reputado justo título [...]” (REsp
n. 652.449/SP, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em
15/12/2009, DJe de 23/3/2010.)

4.3. Usucapião especial rural (ou pro labore)


A usucapião constitucional ou usucapião especial rural (art. 191 da Constituição
Federal) é uma usucapião pro labore, gerada pelo trabalho.

Segundo o art. 191 da CF, “aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou
urbano possua como seu, por 05 anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona
rural não superior a 50 hectares tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia adquirir-lhe-á a propriedade.

Tal dispositivo foi reproduzido pelo art. 1.239 do CC. Não há exigência de justo título e
boa-fé.

O Enunciado 594 do CJF diz que é possível adquirir uma propriedade de menor
extensão do que ao do módulo rural estabelecida para a região, por meio da usucapião
especial rural.

Atenção! Exige-se justo título e boa-fé? Não. Mas exige-se a comprovação da função
social.

Caso a área seja maior, é possível requerer a usucapião apenas nos limites dos 50
hectares? Não. Se a área for maior é preciso delimitar a área antes, para fins dessa espécie de
usucapião.

Segundo Enunciado da JDC: “Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites
legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja
a dimensão do que se quer usucapir”. (Enunciado 313 da IV Jornada de Direito Civil).

Atenção! Ausência de outra propriedade X ônus da prova – juntar ao menos certidão


de ônus daquela região em que se encontra a propriedade.

Aquele que adquiriu a propriedade por usucapião especial rural e alienou o bem a
terceiros pode, no futuro, adquirir nova propriedade rural mediante usucapião especial? Sim.
Não há impedimento para aquisição de nova propriedade nos casos de usucapião especial
rural. Diferentemente do que ocorre na usucapião especial urbana.

101
CAPÍTULO 3

4.4. Usucapião especial urbana (ou pro misero)


A usucapião constitucional ou usucapião especial urbana ou usucapião pro misero (art.
183 da CF). Não se exige função social.

O art. 183 da CF dispõe que o possuidor com área urbana de até 250m²,por 5 anos
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O direito à usucapião especial urbana não é reconhecido ao mesmo possuidor por


mais de uma vez. Essa vedação não se vislumbra da usucapião especial rural.

Destaque-se que o herdeiro legítimo continua de pleno direito à posse de seu


sucessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. A usucapião
especial urbana não exige justo título ou boa-fé.

De acordo com o art. 1.240 do Código Civil:

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à
mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez.

Atenção! E se o possuidor já tiver sido proprietário de algum imóvel no passado? Não


impede a usucapião especial urbana. Mas não pode ter sido proprietário no período
necessário para a usucapião especial urbana.

O limite de 250m2 diz respeito ao terreno ou à área construída? Importa o tamanho da


área de superfície e não o tamanho da área construída.

Posso adquirir apartamento com base na usucapião especial urbana? Sim. Observa-se
o tamanho da área privativa.

Para efeitos do art. 1.240, caput, do novo Código Civil entende-se por "área urbana" o
imóvel edificado ou não, inclusive unidades autônomas vinculadas a condomínios edilícios.
(Enunciado 85 da I Jornada de Direito Civil).

Para os efeitos do art. 1.240, não se deve computar, para fins de limite de metragem
máxima, a extensão compreendida pela fração ideal correspondente à área comum.
(Enunciado 314 da I Jornada de Direito Civil).

102
CAPÍTULO 3

4.5. Usucapião especial urbana coletiva (lei nº 10.257/01)


O art. 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2007) diz que:

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de


cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a
duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de
serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam
proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo,
acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam
contínuas.
§ 2º A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz,
mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro
de imóveis.
§ 3º Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo
hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais
diferenciadas.
§ 4º O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de
extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos
condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio.
§ 5º As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão
tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também
os demais, discordantes ou ausentes.

A usucapião especial coletiva de imóvel urbano é declarada por sentença, a qual


servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis, com natureza, como dito,
declaratória.

No que se refere à legitimidade ativa para a ação de usucapião, dispõe o art. 12 da Lei:

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial
urbana:
I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;
II – os possuidores, em estado de composse;
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade,
regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que
explicitamente autorizada pelos representados.
§ 1º Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do
Ministério Público.
§ 2º O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita,
inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

103
CAPÍTULO 3

Atenção! Quanto ao procedimento para processamento, esse será o procedimento


comum. Entretanto, dispõe o art. 14 da Lei que “na ação judicial de usucapião especial de
imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário”. Assim, se a ação foi proposta
antes do NPCP, aplica-se o procedimento comum em atendimento ao Estatuto das Cidades.
Se a ação foi proposta após a vigência do NCPC< observará o procedimento comum.

Nesse sentido, disposições do Novo CPC:

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão


desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973.
§ 1º As disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 , relativas ao
procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas
aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência
deste Código.

Art. 1.049. Sempre que a lei remeter a procedimento previsto na lei processual
sem especificá-lo, será observado o procedimento comum previsto neste
Código.
Parágrafo único. Na hipótese de a lei remeter ao procedimento sumário, será
observado o procedimento comum previsto neste Código, com as
modificações previstas na própria lei especial, se houver.

4.6. Usucapião especial urbana familiar


Nos termos do art. 1.240-A do CC:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem
oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m²
(duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-
cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua
moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não
seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor
mais de uma vez.

A usucapião especial urbana por abandono do lar tem por fundamento o art. 183 da
CF. Além disso, a Lei nº 12.424/2011 incluiu a usucapião especial urbana por abandono do lar.

Segundo essa forma de usucapião, aquele que exercer, por 02 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de
até 250m²cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que
não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

104
CAPÍTULO 3

O direito da usucapião especial urbana por abandono do lar não é conhecido por mais
de uma vez.

O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião


familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da
família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável.
Revogado o Enunciado 499. (Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil).

Não importa a culpa do fim do casamento ou da união estável. O imóvel tem que estar
em condomínio comum (civil) com o cônjuge ou companheiro, mas não precisa ser na fração
de 50% para cada um. O cônjuge abandonado vai requerer a usucapião da fração ideal
daquele que abandou o bem.

As expressões "ex-cônjuge" e "ex-companheiro", contidas no art. 1.240-A do Código


Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.
(Enunciado 501 da V Jornada de Direito Civil).

4.7. Usucapião especial indígena


Está prevista no Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973).

Segundo o art. 33 do Estatuto, o índio integrado ou não, que ocupe como próprio, por
10 anos consecutivos, trecho de terra inferior a 50 hectares, adquirir-lhe-á a propriedade
plena.

Esse artigo não se aplica às terras do domínio da União ocupadas por grupos tribais, às
áreas reservadas de que trata esta Lei, nem às terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

4.8 Usucapião Administrativa


Além das modalidades judiciais, a Lei Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977/2009) instituiu
a modalidade de usucapião administrativa, efetivada pelo Cartório de Registro de Imóveis, a
fim de que o poder público legitime a posse, sejam eles públicos ou particulares, a qual será
concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que esses não sejam
concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural, e desde que não
sejam beneficiários de uma legitimação de posse concedida anteriormente.

O detentor do título de legitimação de posse, depois de 5 anos, poderá requerer ao


oficial de registro de imóveis que seja convertida a legitimação de posse em registro de
propriedade, desde que se trate de imóvel particular, pois bem público não estará submetido
a esta conversão.

4.9 Usucapião Extrajudicial


O novo CPC incluiu a modalidade de usucapião extrajudicial na Lei de Registros
Públicos (lei 6.015/73, em seu art. 216-A), em que se permite o reconhecimento da usucapião

105
CAPÍTULO 3

na esfera extrajudicial, que correrá integralmente fora do Poder Judiciário, começando no


Tabelião de Notas (com a confecção da ata notarial) e depois no Registro de Imóveis.

Somente em eventuais impugnações, o processo será remetido ao juiz corregedor do


cartório.

Trata-se de procedimento facultativo, pois o interessado terá sempre a liberdade de


optar pela via judicial.

4.10 Usucapião imobiliária e a questão intertemporal


O art. 2.029 do CC diz que, até dois 2 após a entrada em vigor do Novo Código Civil, os
prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242, que
tratam da usucapião ordinária e extraordinária serão acrescidos de 2 anos, qualquer que seja
o tempo transcorrido na vigência do antigo CC de 1916.

É uma regra de transição, apenas para as mencionadas espécies de usucapião. Para os


demais casos, valerá a regra do art. 2.028, o qual estabelece que serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

4.11 Usucapião de bens móveis


É forma originária de aquisição da propriedade. Há aqui duas formas:

• Usucapião ordinária;
• Usucapião extraordinária.
No que se refere à usucapião ordinária, quem possui a coisa móvel como sua, de
forma contínua e pacífica, durante 3 anos, desde que tenha justo título e boa-fé, vai adquirir a
propriedade.

No caso de usucapião extraordinária, se a posse da coisa se prolongar por 5 anos


haverá usucapião, sendo dispensável a boa-fé e o justo título.

5. ASPECTOS PROCESSUAIS DA USUCAPIÃO


5.1. Procedimento comum
O Novo Código de Processo Civil não prevê um procedimento especial para a ação de
usucapião.

Nesse sentido, dispõe o art. 318 do CPC que, “aplica-se a todas as causas o
procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei. Parágrafo único.
O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao
processo de execução”.

Compõe o procedimento comum, as seguintes fases:

106
CAPÍTULO 3

Postulatória Ordinatória Instrutória Decisória

5.2. Legitimidade
A legitimidade ativa será daquela pessoa que pretende adquirir a propriedade na ação
de usucapião. A legitimidade será daquela pessoa que está na posse do imóvel ou do bem
móvel.

A legitimidade passiva será do proprietário registral, bem como dos confinantes (art.
246, § 3º, do CPC) e demais terceiros interessados (citação por edital).

Quanto ao autor/réu casado, haverá a necessidade de consentimento do cônjuge, não


se trata de litisconsorte ativo. Nesse sentido, art. 73 do CPC:

“O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre
direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens. §
1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação: I - que verse sobre direito
real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens”.

5.3. Competência
A competência para processamento e julgamento da ação de usucapião será do foro
situação da coisa. Nesse sentido, art. 47 do CPC: “para as ações fundadas em direito real
sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa”.

5.4. Passo a passo do procedimento


5.4.1. Petição inicial

A petição inicial obedecerá ao disposto nos arts. 319 e 320 do CPC: Narrativa adequada
dos fatos; Fundamentos (tipo de usucapião + preenchimento dos requisitos) e Pedidos.

Exemplo quanto aos pedidos:

Diante do exposto, requer:

a) A concessão dos benefícios da gratuidade de justiça;

b) A dispensa da audiência de conciliação do art. 334 do CPC;

107
CAPÍTULO 3

c) A citação dos réus para que apresentem contestação no prazo de 15 (quinze) dias,
sob pena de revelia;

d) A publicação de edital, nos termos do art. 259, I, do CPC;

e) A intimação do ilustre representante do Ministério Público (se for o caso);

f) A intimação da União, do Estado de_____ e do Município de _____, para que


manifestem eventual interesse na causa;

g) A procedência do pedido para que, ao final, seja declarada a aquisição da


propriedade imobiliária xxxxxxxxx pelo autor, por meio da usucapião determinando-se, por
conseguinte, o registro da sentença no respectivo Registro Imobiliário, nos termos do art. 167,
I, da Lei nº 6.015/73;

h) A condenação dos réus ao pagamento das despesas processuais e honorários


advocatícios, na forma do art. 85 do CPC.

Atenção! Documentos que devem ser juntados:

• Documentos de representação processual;


• Certidão do Registro Imobiliário;
• Planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente
habilitado;
• Justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem,
a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento
dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel;
• Ata notarial (não obrigatório).

Atenção! A inexistência de matrícula do imóvel NÃO impede a propositura da ação de


usucapião. Cabe ao Estado provar que aquele bem se trata de bem público. Nesse sentido,
provimento nº 65/2017 do CNJ:

Art. 3º O requerimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião


atenderá, no que couber, aos requisitos da petição inicial, estabelecidos pelo
art. 319 do Código de Processo Civil – CPC, bem como indicará:
(...);
IV – o número da matrícula ou transcrição da área onde se encontra inserido o
imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou
transcrito”;

5.4.2. Contestação

Podem ser suscitadas tanto questões processuais quanto questões de mérito.

108
CAPÍTULO 3

Na contestação, o réu deve buscar desconstruir os requisitos da usucapião,


impugnando todos os fatos narrados pelo autor. Para tanto, ele deve fazer três coisas
importantíssimas:

1ª) conhecer muito bem todos os requisitos da usucapião, a fim de examinar se estão
ou não presentes;

2ª) investigar a relação entre o autor e o imóvel, a fim de verificar a data em que o
prazo da usucapião teve início, bem como se houve alguma causa suspensiva ou interruptiva
do prazo da usucapião;

3ª) Analisar as provas produzidas, ou seja, se elas realmente confirmam todos os fatos
narrados. Note que um simples contrato de cessão de posse não prova posse. o autor deve
provar posse por outros meios (ex.: notas fiscais, fotos, imagens via satélite, pagamento de
tributos etc.).

Feito isso, o réu, na contestação, desconstruir cada fato narrado na inicial e cada um
dos requisitos da usucapião. O objetivo do réu é evitar a usucapião, logo, é preciso
desconstruir a narrativa do autor.

É importante registrar que a apresentação de contestação na ação de usucapião não


interrompe o seu prazo. Isso significa dizer que o prazo da usucapião também pode ser
contato no curso do processo, conforme entendimento do STJ:

“[...] 5. O julgador deve sentenciar o processo tomando por base o estado em


que o mesmo se encontra, recepcionando, se for o caso, fato constitutivo que
se implementou supervenientemente ao ajuizamento da ação. É dizer: a
prestação jurisdicional deve ser concedida de acordo com a situação dos fatos
no momento da sentença. 6. É plenamente possível o reconhecimento da
prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do
ação de usucapião, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual
em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de
procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência
quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é
reforçado por fatos supervenientes. Precedentes. 7. Recurso especial
conhecido e provido”. (REsp n. 1.720.288/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 26/5/2020, DJe de 29/5/2020.)

Nos termos do art. 493 do CPC:

Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,


modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao
juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a decisão.
Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes
sobre ele antes de decidir.

109
CAPÍTULO 3

5.4.3. Reconvenção

Cabe reconvenção na ação de usucapião, seguindo o procedimento comum.

5.4.4. Réplica

Também cabe réplica na ação de usucapião, seguindo o procedimento comum,


conforme necessidade.

5.4.5. Saneamento

A fase de saneamento segue o disposto no procedimento comum.

5.4.6. Instrução

Esse é o momento do processo no qual as partes terão a oportunidade de produzirem


novas provas, além das provas documentais já juntadas aos autos.

Geralmente, após o autor apresentar a réplica, o juiz intima as partes para que elas
especifiquem as provas que pretendem produzir. Tal especificação deve ser feita por simples
petição, porém é muito importante que a parte demonstre a necessidade da prova requerida
e sua finalidade para o processo (ex.: prova oral, a fim de demonstrar a continuidade da
posse).

Também é possível juntar novos documentos. Contudo, vale lembrar que se os


documentos já estavam em poder da parte e ela deixou de juntá-los anteriormente, corre-se
o risco de o juiz indeferir a juntada, com fundamento nos arts. 320, 434 e 435 do CPC.

Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à


propositura da ação

Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os


documentos destinados a provar suas alegações.
Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução
cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput ,
mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as
partes.

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos
novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos
articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos
formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se
tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à
parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los
anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da
parte de acordo com o art. 5º .

110
CAPÍTULO 3

Na ação de usucapião, outros meios de prova que podem ser importantes para a
demonstração dos requisitos são: a) prova oral; b) prova pericial; c) inspeção judicial.

5.4.7. Sentença

A sentença determinará a expedição de mandado para o C.R.I (art. 167, I, “28”, da Lei nº
6.015/73):

Art. 225 - Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que, nas escrituras e nos
autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as
confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos
confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par
ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da
edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do
registro imobiliário. (...)

Art. 226 - Tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar


do mandado judicial.

111
CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4 AÇÕES PETITÓRIAS

1. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA
1.1 Promessa de compra e venda

Introdução
Inicialmente, é importante lembrar que a promessa de compra e venda não se
confunde com o contrato de compra e venda. O primeiro é contrato preliminar. O segundo é
contrato definitivo.

Nos termos do art. 462 do CC, “o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve
conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”. Por sua vez, o art. 463,
caput, do CC dispõe que “concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no
artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das
partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o
efetive”.

Embora o parágrafo único do art. 462 do CC estabeleça que “o contrato preliminar


deverá ser levado ao registro competente”, na prática, é muito comum que os sujeitos do
negócio não registrem a promessa de compra e venda na matrícula do imóvel. A falta de
registro, contudo, não retira a natureza do negócio (promessa de compra e venda) e nem
invalida o ato, porém produz efeitos apenas entre as partes.

Na promessa de compra e venda de bens imóveis o registro é importante para conferir


publicidade ao ato, produzir efeitos erga omnes e, em especial, constituir o direito real de
aquisição, nos termos do art. 1.417 do CC:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou


arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito
real à aquisição do imóvel.

O contrato de promessa de compra e venda é muito utilizado nas hipóteses de


pagamento parcelado. Garante ao promitente comprador uma melhor condição de
pagamento, e ao promitente vendedor a manutenção da propriedade imobiliária em suas
mãos, já que somente será lavrada a escritura pública de compra e venda (contrato definitivo)
após o adimplemento da obrigação pelo promitente comprador.

112
CAPÍTULO 4

Nota-se, assim, que enquanto o objeto do contrato de compra e venda é uma


obrigação de dar, o objeto da promessa de compra e venda é uma obrigação de fazer, qual
seja, a celebração do contrato principal.

1.2. Cláusula de arrependimento


É possível que as partes insiram uma cláusula de arrependimento na promessa de
compra e venda. Trata-se da estipulação do direito de não celebrar o contrato definitivo.

O direito de arrependimento, uma vez instituído, gera para o sujeito o direito


potestativo de resilir unilateralmente o contrato. Pactuado o direito de arrependimento, ele
pode ser exercido até o adimplemento integral da obrigação da outra parte.

Aplica-se, portanto, o art. 473 do CC, in verbis:

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou


implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes
houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia
unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a
natureza e o vulto dos investimentos.

A existência de cláusula de arrependimento impede a propositura de ação de


adjudicação compulsória, a qual visa a obtenção forçada da tutela definitiva (transferência da
propriedade imobiliária ao promitente comprador).

Ainda que não haja cláusula de arrependimento expressa também haverá inviabilidade
da adjudicação compulsória na hipótese em que as partes pactuam arras penitenciais. Isso
porque é da essência das arras penitenciais a existência de um direito de arrependimento,
conforme se infere do art. 420 do CC:

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para


qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória.
Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as
recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá
direito a indenização suplementar.

1.3. Outorga uxória


Exige-se outorga uxória na promessa de compra e venda?

Para responder a essa pergunta é preciso observar que o art. 462 do CC dispõe que “o
contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao
contrato a ser celebrado”. Isso significa que, muito embora a promessa de compra e venda
(contrato preliminar) possa ser celebrada por qualquer forma, os demais requisitos do

113
CAPÍTULO 4

contrato de compra e venda (contrato definitivo) devem estar presentes (princípio da


equiparação).

Logo, como a compra e venda exige a outorga uxória do cônjuge do vendedor (art.
1.647 do CC), sob pena de anulabilidade (art. 1.649 do CC), a promessa de compra e venda
deve, também, conter a outorga do cônjuge do promitente vendedor, salvo se casados sob o
regime da separação absoluta de bens.

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode,
sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que
possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando
casarem ou estabelecerem economia separada.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária
(art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge
pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade
conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por
instrumento público, ou particular, autenticado.

2. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA JUDICIAL


2.1. Notificação extrajudicial
Adimplidas as obrigações pelo promitente comprador surge para ele à celebração do
contrato definitivo de compra e venda, ou seja, a assinatura da escritura pública, conforme
prevê o art. 463, caput, do CC:

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no


artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento,
qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo,
assinando prazo à outra para que o efetive.

2.2. Propositura da ação de adjudicação compulsória


Inicialmente, impende destacar que a inércia do promitente vendedor em assinar a
escritura pública de compra e venda (contrato definitivo) configura inadimplemento
contratual. Por conseguinte, o promitente comprador possui duas grandes opções: 1ª)
promover ação de resolução de contrato com pedido de restituição dos valores pagos; 2ª)
promover ação de adjudicação compulsória.

114
CAPÍTULO 4

Analisaremos a segunda opção.

Esgotado o prazo previsto na notificação, o promitente comprador ajuizará ação de


adjudicação compulsória. O objetivo da ação é a obtenção da tutela específica, qual seja,
conferir à promessa de compra e venda o caráter definitivo, a fim de possibilitar o registro e a
consequente transferência da propriedade imobiliário ao promitente comprador.

É como se a sentença judicial transformasse a promessa de compra e venda em


escritura de compra e venda.

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a


vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

A adjudicação compulsória está prevista no art. 1.418 do CC, in verbis:

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do


promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos,
a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no
instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do
imóvel.

É preciso ter cuidado para não confundir a ação de adjudicação compulsória com a
ação de obrigação de fazer. Se o promitente comprador ajuíza ação de obrigação de fazer, o
pedido será para que o réu seja compelido a assinar o contrato definitivo de compra e venda.
A ação certamente demorará muito. A ação de adjudicação compulsória não tem por objetivo
forçar o réu a assinar o contrato, mas afastar compulsoriamente a sua recalcitrância,
substituindo a sua própria vontade, para tornar o contrato preliminar definitivo e,
independentemente de qualquer comportamento do réu, transferir a propriedade imobiliária
ao promitente comprador junto ao registro imobiliário.

A adjudicação compulsória é uma forma de obter a tutela específica (transferência da


propriedade imobiliária), incidindo, assim, a regra do art. 505 do CPC, segundo o qual “na
ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar
procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da
declaração não emitida”.

2.3. Requisitos
A ação de adjudicação compulsória, nos casos de promessa de compra e venda de
bem imóvel, depende do preenchimento dos seguintes requisitos:

a) Promessa de compra e venda de bem imóvel celebrada pelo proprietário;

b) Ausência de cláusula de arrependimento;

c) Adimplemento da obrigação pelo promitente comprador.

115
CAPÍTULO 4

O prévio registro da promessa de compra e venda não é requisito para a ação de


adjudicação compulsória, conforme entendimento firmado pelo STJ através da súmula 239:

Súmula 239. O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao


registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Vê-se, assim, que os documentos que devem ser anexados à petição inicial são: a)
documentos de representação processual; b) cópia da certidão de matrícula do imóvel; c)
cópia do contrato de promessa de compra e venda assinado pelas partes; d) cópia do
comprovante de quitação; e) cópia do comprovante de notificação do promitente comprador.

2.4. Legitimidade
Tem legitimidade ativa:

a) Promitente comprador/espólio/herdeiros:

Regra geral, a legitimidade ativa será daquele que figura como promitente comprador
no instrumento. Se ele falecer terá legitimidade o seu espólio, representado pelo
inventariante. Caso os direitos aquisitivos decorrentes do contrato tenham sido objeto de
inventário e já tenha sido realizada a partilha, a legitimidade caberá aos herdeiros que
receberam tal direito.

b) Cessionário:

É possível que a promessa de compra e venda tenha sido cedida para alguém. Nesse
caso, o cessionário terá legitimidade para ajuizar ação de adjudicação compulsória. A cessão
da promessa de compra e venda também acarreta a cessão das ações correspondentes.
Assim, a ação deve ser proposta pelo cessionário contra o promitente vendedor e não contra
o cedente. Aliás, conforme entendimento do STJ, o cedente sequer deve ocupar o polo
passivo dessa ação.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. NECESSIDADE DE INCLUSÃO DOS
PROMITENTES VENDEDORES NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. SÚMULA
83/STJ. ALEGAÇÃO DE TER OCORRIDO CESSÃO DE CRÉDITO ENTRE OS
PROMITENTES VENDEDORES E OS PRIMITIVOS ADQUIRENTES.
IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO DESSA TESE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO
INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte dispõe no sentido de
que "na ação de adjudicação compulsória não é necessária a participação dos
cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima
para figurar no pólo passiva da demanda" (AgRg no Ag 1.120.674/RJ, Rel.
Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 13/5/2009).
2. Não sendo incluídos na demanda os promitentes vendedores, de rigor a
improcedência da ação, assim como determinado pelas instâncias ordinárias.
3. A modificação da conclusão exarada no aresto hostilizado e o acolhimento

116
CAPÍTULO 4

da tese recursal defendida pelos insurgentes (a respeito de ter havido apenas


cessão de crédito entre os promitentes vendedores e os primitivos
adquirentes), demandaria necessariamente o reexame do conjunto de fatos e
provas do respectivo processo, o que é vedado no âmbito do recurso especial,
em decorrência do disposto na Súmula 7/STJ, não sendo o caso de revaloração
das provas. 4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.442.859/RJ, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze,
Terceira Turma, julgado em 9/9/2019, DJe de 12/9/2019.)

c) Promitente vendedor

É possível que a recalcitrância seja do próprio promitente comprador. Nesse caso, o


promitente vendedor pode se valer da ação de adjudicação compulsória para que o imóvel
seja registrado em nome daquele.

Trata-se de uma “adjudicação compulsória inversa”.

Caso o promitente comprador seja falecido, a ação será proposta contra o seu espólio
(caso haja inventário) ou contra os seus herdeiros (caso não haja inventário). Nesse caso,
julgado procedente o pedido o imóvel será registrado em nome do “de cujus”, a fim de
observar o princípio da continuidade do registro para só depois registrar em nome dos
herdeiros contemplados no inventário.

Quando a ação for promovida pelo promitente comprador (espólio ou herdeiros) e


pelo cessionário, a legitimidade passiva será do promitente vendedor. Caso este seja falecido,
a legitimidade passiva será do seu espólio (caso haja inventário) ou dos seus herdeiros (caso
não haja inventário, ou este já tenha sido encerrado).

Não será cabível a adjudicação compulsória, caso o promitente vendedor não seja o
proprietário registral do imóvel.

2.5. Competência
Por se tratar de ação real imobiliária, a competência será do foro (local) onde o bem
imóvel está situado. Trata-se de regra de competência territorial absoluta, prevista no art. 47
do CPC (“Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de
situação da coisa”). A ação deverá ser distribuída para uma das varas cíveis da comarca.

2.6. Participação do cônjuge


Por se tratar de ação real imobiliária, aplica-se o art. 73 do CPC. Assim, se a parte
autora for casada, deverá obter a autorização do seu cônjuge, salvo se o casamento for
regido pelo regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, caput, do CPC:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.

117
CAPÍTULO 4

Se o réu for casado, o seu cônjuge também deverá ser citado, salvo se o casamento for
regido pelo regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, § 1º, I, do CPC:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens;
(...)

Essa mesma regra se aplica à união estável comprovada nos autos, conforme prevê o §
3º do art. 73 do CPC (“Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos
autos”).

2.7. Petição inicial


A petição inicial deve observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC. O valor da
causa será o valor previsto no contrato.

2.8. Audiência de conciliação ou mediação


Não sendo o caso de indeferimento da petição inicial (art. 330 do CPC) ou de
julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) o juiz designará uma
audiência de conciliação, observando o art. 334 do CPC.

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso
de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação
ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser
citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na
audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código,
bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação,
não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira
sessão, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu
advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual;
II - quando não se admitir a autocomposição.
§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na
autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez)
dias de antecedência, contados da data da audiência.

118
CAPÍTULO 4

§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser


manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio
eletrônico, nos termos da lei.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de
conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será
sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica
pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores
públicos.
§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração
específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por
sentença.
§ 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de
modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de
uma e o início da seguinte.

2.9. Contestação
Não havendo acordo em audiência, o réu terá o prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar contestação.

Podem ser suscitadas tanto questões processuais quanto questões de mérito.

2.10. Reconvenção
Na ação de adjudicação compulsória o réu pode, além de contestar apresentar
reconvenção. A título de exemplo, basta imaginar a reconvenção do réu, na qual pretende a
resolução do contrato de promessa de compra e venda, sob o argumento de inadimplemento
do autor-reconvindo; ou, ainda, reconvenção para pleitear o reembolso dos valores pagos a
título de IPTU ou taxas condominiais pagos após a celebração do contrato de promessa de
compra e venda.

Cabe reconvenção na ação de usucapião, seguindo o procedimento comum.

2.11. Réplica
Quando o réu alegar questões preliminares (art. 337 do CPC), questões prejudiciais ou
juntar novos documentos o juiz intimará o autor para se manifestar em réplica no prazo de
15 (quinze) dias

2.12. Saneamento
Apresentada a réplica, quando for o caso, o juiz, se não for o caso de julgamento
conforme o estado do processo (hipóteses dos arts. 485, 487, II ou III, 355 ou 356 do CPC), o

119
CAPÍTULO 4

juiz proferirá uma decisão de saneamento e organização do processo, seguindo a forma do


art. 357 do CPC:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz,
em decisão de saneamento e de organização do processo:
I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória,
especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ;
IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos
ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se
torna estável.
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação
consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV,
a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito,
deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em
cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso,
convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz
fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes
apresentem rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o
respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez),
sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.
§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a
complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve
observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo,
calendário para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora
entre as audiências.

2.13. Instrução
Esse é o momento do processo no qual as partes terão a oportunidade de produzir
novas provas, além das provas documentais já juntadas aos autos.

O objetivo do autor será demonstrar o preenchimento dos requisitos da adjudicação


compulsória (existência da promessa de compra e venda; quitação da obrigação; e recusa do
réu em assinar a escritura de compra e venda).

120
CAPÍTULO 4

O objetivo do réu é tentar justificar o motivo pelo qual não assinou a escritura
definitiva e/ou a ausência de direito do autor à adjudicação.

Também é possível juntar novos documentos. Contudo, vale lembrar que se os


documentos já estavam em poder da parte e ela deixou de juntá-los anteriormente corre-se o
risco de o juiz indeferir a juntada, com fundamento nos arts. 320, 434 e 435 do CPC.

Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à


propositura da ação

Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os


documentos destinados a provar suas alegações.
Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução
cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput ,
mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as
partes.

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos
novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos
articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.
Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos
formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se
tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à
parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los
anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da
parte de acordo com o art. 5º .

Sendo necessário o juiz poderá deferir a produção de prova oral designando, para
tanto, audiência de instrução e julgamento, ocasião em que serão ouvidas as partes – caso
haja requerimento de depoimento pessoal ou caso o juiz determine de ofício – e as
testemunhas arroladas.

2.14. Alegações finais


Havendo audiência de instrução e julgamento as alegações finais serão apresentadas
oralmente, conforme prevê o art. 364 do CPC:

Art. 364. Finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do


réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua
intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um,
prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz.
§ 1º Havendo litisconsorte ou terceiro interveniente, o prazo, que formará com
o da prorrogação um só todo, dividir-se-á entre os do mesmo grupo, se não
convencionarem de modo diverso.
§ 2º Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o
debate oral poderá ser substituído por razões finais escritas, que serão

121
CAPÍTULO 4

apresentadas pelo autor e pelo réu, bem como pelo Ministério Público, se for o
caso de sua intervenção, em prazos sucessivos de 15 (quinze) dias, assegurada
vista dos autos.

2.15. Sentença
Em caso de procedência do pedido, a sentença substituirá a vontade do promitente
vendedor, conforme art. 501 do CPC:

Art. 501. Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a
sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado,
produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Não haverá a lavratura da escritura pública de compra e venda, pois a própria


sentença já confere à promessa de compra e venda de caráter definitivo, nos termos do art.
464 do CC:

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a


vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

Transitada em julgado a sentença será lavrada a carta de adjudicação, a qual será


encaminhada, via mandado, ao Cartório de Registro de Imóveis para ser registrada na
matrícula do imóvel, a fim de que passe a constar o promitente comprador como proprietário
do bem.

3. AÇÃO REIVINDICATÓRIA
3.1. Introdução
A ação reivindicatória decorre do jus possidendi, ou seja, do direito do proprietário de
ter a coisa em seu poder (art. 1.228 do CC). Trata-se de ação fundada no domínio. Seu
objetivo é retomar a coisa daquele que injustamente a detenha.

Segundo Francisco Eduardo Loureiro,

“A faculdade de reivindicar é a prerrogativa do proprietário de excluir a


ingerência alheia injusta sobre coisa sua. É o poder do proprietário de buscar a
coisa em mãos alheias, para que possa usar, fruir e dispor, desde que o
possuidor ou detentor conserve sem causa jurídica. É efeito dos princípios do
absolutismo e da sequela, que marcam os direitos reais. A ação reivindicatória,
espécie de ação petitória, com fundamento no jus possidendi, é ajuizada pelo
proprietário sem posse, contra o possuidor sem propriedade. Irrelevante a
posse anterior do proprietário, pois a ação se funda no ius possidendi e não

122
CAPÍTULO 4

no ius possessionis; ou, em termos diversos, não no direito de posse, mas no


direito à posse, como efeito relação jurídica preexistente”14.

3.2. Requisitos
São requisitos da ação reivindicatória:

a) Domínio atual

Somente o proprietário pode se valer da ação reivindicatória para reaver a coisa de


quem injustamente a possua ou detenha. Logo, o autor deve provar ser o proprietário do
bem imóvel juntando aos autos cópia da certidão atualizada da matrícula. Sem a prova da
propriedade a ação sequer será admitida.

A ação também pode ser promovida pelo promitente comprador quando a promessa
de compra e venda estiver registrada na matrícula do imóvel e o promitente vendedor não
ajuizar a ação.

Nesse sentido, dispõe o enunciado 87 da I Jornada de Direito Civil (“Considera-se


também título translativo, para fins do art. 1.245 do novo Código Civil, a promessa de compra
e venda devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6o do art. 26 da Lei n. 6.766/79)”.

b) Posse injusta do réu

Para que seja cabível a ação reivindicatória é preciso que o réu exerça posse injusta
sobre o imóvel. Essa posse injusta, porém, não é a mesma que autoriza o ajuizamento de
ação de reintegração de posse.

Para fins de ação possessória, posse injusta é aquela obtida de forma violenta,
clandestina ou precária. Por outro lado, posse injusta para fins de ação reivindicatória é
aquela exercida por qualquer pessoa que não seja proprietária ou que não mantenha com o
proprietário nenhuma relação jurídica. Assim, se há contrato de locação entre proprietário e
possuidor, não cabe ação reivindicatória.

Posse injusta para ações Posse injusta para a ação


possessórias reivindicatória
•Violenta •Qualquer pessoa que não seja
•Clandestina proprietário ou que não
•Precária mantenha com ele nenhuma
relação jurídica.
•A posse do não proprietário
pode até ser “justa”

14
LOUREIRO, Francisco Eduardo. In: Peluso, Cezar. Código civil comentado. Barueri, São Paulo:
Manole, 2007, p.1.044.

123
CAPÍTULO 4

3.3. Legitimidade
A legitimidade ativa será do proprietário registral do bem, podendo ser estendida ao
promitente comprador, desde que o contrato de promessa de compra e venda esteja
registrado na matrícula do imóvel e o promitente vendedor (proprietário) não proponha a
ação.

A legitimidade passiva será do possuidor injusto ou do mero detentor.

Tratando-se de bem em regime de condomínio, qualquer condômino tem legitimidade


não se exigindo a formação de litisconsórcio ativo. Vejamos o que diz o art. 1.314 do CC:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação,
sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la
de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Segundo Francisco Eduardo Loureiro,

Finalmente, o último dos direitos do condômino é reivindicar a coisa comum


de terceiros. Decorre do direito de sequela, de perseguir a coisa em poder de
quem injustamente se encontra. Em relação a terceiros, o condômino age
como se fosse proprietário pleno. Pode ajuizar ações petitórias em geral
contra terceiros, tanto reivindicatória como imissão de posse ou publicianas,
todas fundadas no ius possidendi, independentemente da anuência dos
demais coproprietários. O pedido não se limita à devolução da parte ideal do
autor da demanda, mas da coisa por inteiro, em benefício próprio e dos
demais condôminos”. LOUREIRO, Op. cit., p. 1.165.

Se forem dois ou mais ocupantes, como a sentença, ao final, será uniforme em relação
a eles, deverá o autor requerer a citação de todos formando-se, assim, um litisconsórcio
passivo.

Caso o proprietário do imóvel seja falecido, a ação pode ser proposta pelo espólio
(representado pelo inventariante) ou pelos herdeiros.

3.4. Participação do cônjuge ou do companheiro


Por se tratar de ação real imobiliária aplica-se o art. 73 do CPC. Assim, se a parte autora
for casada deverá obter a autorização do seu cônjuge, salvo se o casamento for regido pelo
regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, caput, do CPC:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.

Se o réu for casado, o seu cônjuge também deverá ser citado, salvo se o casamento for
regido pelo regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, § 1º, I, do CPC:

124
CAPÍTULO 4

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens;
(...)

Essa mesma regra se aplica à união estável comprovada nos autos, conforme prevê o §
3º do art. 73 do CPC (“Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos
autos”).

3.5. Competência
Por se tratar de ação real imobiliária, a competência será do foro (local) onde o bem
imóvel está situado. Trata-se de regra de competência territorial absoluta, prevista no art. 47
do CPC (“Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de
situação da coisa”). A ação deverá ser distribuída para uma das varas cíveis da comarca.

3.6. Procedimento
3.6.1. Petição inicial

A petição inicial deve observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC. O valor da
causa será o valor previsto no contrato.

3.6.2. Audiência de conciliação ou mediação

Não sendo o caso de indeferimento da petição inicial (art. 330 do CPC) ou de


julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) o juiz designará uma
audiência de conciliação, observando o art. 334 do CPC.

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso
de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação
ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser
citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na
audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código,
bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação,
não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira
sessão, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu
advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual;

125
CAPÍTULO 4

II - quando não se admitir a autocomposição.


§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na
autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez)
dias de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser
manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio
eletrônico, nos termos da lei.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de
conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será
sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica
pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores
públicos.
§ 10º A parte poderá constituir representante, por meio de procuração
específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11º A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por
sentença.
§ 12º A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada
de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de
uma e o início da seguinte.

3.6.3. Contestação

Não havendo acordo em audiência, o réu terá o prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar contestação.

Podem ser suscitadas tanto questões processuais quanto questões de mérito.

As defesas mais comuns do réu são:

3.3.4. Falta de domínio do autor

Trata-se de alegação do réu no sentido de que o autor não é o proprietário do imóvel.


Essa alegação pode ter por fundamento:

a) Ausência de título

Reconhecido que o autor não é proprietário registral ou promitente comprador (na


hipótese em que estará autorizado a propor a ação reivindicatória), o processo deve ser
extinto, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa;

b) Vício no título

É possível alegar algum vício constante no título aquisitivo, como incapacidade, coação,
fraude etc.

126
CAPÍTULO 4

Trata-se de questão prejudicial. Para que o juiz julgue improcedente o pedido do autor
será preciso, antes, aferir a existência ou não de vício podendo o réu, inclusive, requerer a
declaração da nulidade do próprio título.

A dúvida que surge é se, em caso de declaração da nulidade do título, haverá coisa
julgada material sobre essa questão prejudicial. É possível, sim, que a questão prejudicial
fique coberta pelo manto da coisa julgada, desde que sejam preenchidos os requisitos do § 1º
do art. 503 do CPC, quais sejam: i - o julgamento do mérito depende da resolução da questão
prejudicial; ii - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no
caso de revelia; iii - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la
como questão principal.

c) Disputa de títulos

É possível que o réu também tenha um título aquisitivo registrado. Isso ocorre no caso
de vendas duplas com duplo registro. Nesse caso, a propriedade deve ser reconhecida àquele
que registrou em primeiro lugar, em homenagem ao princípio da prioridade, conforme se
infere do art. 186 da Lei nº 6.015/73 (“O número de ordem determinará a prioridade do título,
e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de
um título simultaneamente”).

Essa prioridade é identificada com base na data do protocolo de entrada do título no


registro imobiliário e não na data que consta do título de aquisição. Logo, mesmo que o réu
tenha adquirido o imóvel em data posterior, se o seu título foi apresentado para registro
antes da apresentação do título do autor, o pedido do autor da ação reivindicatória será
julgado improcedente.

d) Duplicidade de matrícula

É possível que autor e réu tenham títulos legítimos sobre a mesma área. Há, nesse
caso, duplicidade de matrícula. Quando isso ocorrer deverá prevalecer o título inscrito em
primeiro lugar no Registro de Imóveis.

Nesse sentido:

EMENTA OFICIAL: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE


REGISTRO PÚBLICO – DUPLICIDADE DE MATRÍCULAS ABERTAS PARA ÚNICO
IMÓVEL – PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE MATRICIAL E DA PRIORIDADE – LEI Nº
6.015/73. Nos termos da Lei de Registros Públicos, cada imóvel só poderá ter
uma única matrícula para que não ocorra a ofensa ao princípio da
unitariedade matricial. Comprovada a duplicidade de registros relativos à
propriedade do mesmo imóvel, prevalece o mais antigo, devendo ser
declarado nulo o registro posterior. (TJMG. Apelação Cível nº 1.0570.17.003243-
9/001, Comarca de Salinas, Relator Des. Wagner Wilson Ferreira, julgada em
08/04/2021 e publicada em 14/04/2021).

127
CAPÍTULO 4

3.3.5. Usucapião

O réu, na contestação, pode alegar a usucapião. A possibilidade de alegação de


usucapião como matéria defensiva em ação reivindicatória se deve ao fato de que, nela,
também se discute propriedade. Contudo, é importante registrar que a alegação de
usucapião como matéria defensiva em ação reivindicatória tem o condão apenas de gerar a
improcedência do pedido reivindicatório. A sentença não poderá ser levada a registro pois,
para que isso ocorra, é preciso que haja uma ação específica de usucapião.

Nesse sentido é o entendimento do STJ, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.


ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE.
RESSALVA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE QUE O ACOLHIMENTO DA TESE DA
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO IMPORTA NA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO. AÇÃO
PRÓPRIA. NECESSIDADE. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. "A contradição que
dá ensejo aos embargos de declaração é a que se estabelece no âmbito
interno do julgado embargado, ou seja, a contradição do julgado consigo
mesmo, como quando, por exemplo, o dispositivo não decorre logicamente da
fundamentação, e não a eventual contrariedade do acórdão com um
parâmetro externo (um preceito normativo, um precedente jurisprudencial,
uma prova etc)". (AgRg no REsp 987.769/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011) 2. Na espécie, o
Tribunal de origem ressaltou que a alegação de usucapião pode ser utilizada
como matéria de defesa na ação reivindicatória; todavia, o pleno
reconhecimento da satisfação de todos os requisitos exigidos para o
usucapião é matéria reservada para a ação própria. Assim, acolhida a alegação
de usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, os réus não
dispõem de título para a transcrição da propriedade no Cartório de Registro de
Imóveis. 3. Dessa sorte, a conclusão adotada pelo Tribunal de origem está em
consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, de que "o
acolhimento da tese de defesa, estribada na prescrição aquisitiva, com a
conseqüente improcedência da reivindicatória, de forma alguma, implica a
imediata transcrição do imóvel em nome da prescribente, ora recorrente, que,
para tanto, deverá, por meio de ação própria, obter o reconhecimento judicial
que declare a aquisição da propriedade" (REsp 652.449/SP, Rel. Ministro
Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 23/03/2010). 4.
Inocorrência de contradição no acórdão recorrido. Violação do disposto no art.
535 do CPC não verificada. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n.
1.270.530/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
21/3/2013, DJe de 5/4/2013.)

Há, todavia, uma importante exceção: a possibilidade de alegar, como matéria


defensiva, a usucapião especial urbana. Nesse caso, a sentença de improcedência poderá ser
levada a registro, conforme previsão do art. 13 da Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
Vejamos:

128
CAPÍTULO 4

Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como
matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para
registro no cartório de registro de imóveis.

3.3.6. Posse justa do réu

A ação reivindicatória deve ser proposta pelo proprietário contra aquele que
injustamente possua ou tenham a coisa. O réu poderá alegar que a sua posse é justa, ou seja,
que ela decorre de alguma relação jurídica legalmente constituída, como, por exemplo,
locação, arrendamento, comodato, usufruto etc.

Importante destacar que se o réu tiver algum direito real sobre o imóvel (ex.:
superfície, laje, usufruto etc.) tal direito é oponível erga omnes, por se tratar de característica
inerente aos direitos reais. Se o réu tiver algum direito pessoal (ex.: locação, arrendamento,
comodato etc.) só poderá alegá-lo contra aquele com quem celebrou o negócio jurídico.

É possível, ainda, que o réu não tenha relação direta com o proprietário, mas ainda
assim possa alegar a existência de relação jurídica que inviabiliza o acolhimento do pedido
reivindicatório. É o que ocorre, por exemplo, na sublocação devidamente prevista no contrato
de locação celebrado entre o proprietário e o locatário (sublocador).

3.3.7. Direito de retenção

Vale, aqui, o que foi dito no módulo sobre posse.

O direito às benfeitorias e o direito de retenção são tratados nos arts. 1.219 a 1.221 do
CC.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem
pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá
exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias


necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem
o de levantar as voluptuárias.

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao


ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor


de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao
possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

No que tange às benfeitorias voluptuárias, é preciso atentar para um detalhe prático


muito importante: a opção entre levantar a benfeitoria voluptuária ou pagar a respectiva

129
CAPÍTULO 4

indenização é daquele que está reivindicando o imóvel. Caso ele não exerça a opção, o
possuidor de boa-fé terá o direito de levantá-la.

O direito de retenção é um “contradireito”, ou seja, uma defesa apresentada pelo


possuidor na própria contestação. Assim, enquanto o reivindicante não pagar a indenização
pelas benfeitorias (quando devida a indenização), o possuidor poderá permanecer no imóvel.

O direito de retenção por benfeitorias estende-se, evidentemente, às construções e às


plantações. Nesse sentido é o enunciado 81 da I Jornada de Direito Civil:

Enunciado 81. O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil,


decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica
às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

Conforme mencionado trata-se de um contradireito exercido na própria contestação,


de modo que o possuidor não precisa apresentar reconvenção para alegar o direito à
indenização e, consequentemente, o direito de retenção. É preciso, contudo, tomar cuidado
com um ponto muito importante: a não alegação do direito de retenção na contestação gera
preclusão. Isso significa que se o réu não alegar tal direito não poderá invocá-lo no mesmo
processo e deverá desocupar o bem, sem prejuízo de, após ajuizar ação indenizatória
autônoma contra o reivindicante do bem, conforme entendimento do STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. OFENSA AO


ART. 535 NÃO CONFIGURADA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMBARGOS DE
RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. DISCUSSÃO NÃO REALIZADA NA FASE
COGNITIVA. PRECLUSÃO. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no
art. 535, inciso II, do CPC, verifico que o julgado recorrido não padece de
omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua
análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos
interesses da parte. 2. O acórdão encontra-se em sintonia com a
jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que, tratando-se de ação
de reintegração de posse - como no caso dos autos -, o pedido de retenção das
benfeitorias deve ser formulado no processo de conhecimento, no bojo da
própria contestação (CPC, art. 922), sob pena de preclusão. 3. Agravo
Regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 385.662/DF, relator Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/2/2015, DJe de 6/4/2015.)

3.7. Reconvenção
A reconvenção é totalmente compatível com a ação reivindicatória. Teoricamente, o
sistema processual admite a apresentação de reconvenção para requerer o reconhecimento
da usucapião. O objetivo da reconvenção, nesse caso, é permitir que a sentença sirva como
título para ser registrado na matrícula do imóvel.

Não obstante, a jurisprudência, de uma forma geral, não admite. Na prática, o ideal é
ajuizar ação própria de usucapião evitando-se, assim, tumulto processual na ação

130
CAPÍTULO 4

reivindicatória, especialmente em razão da necessidade de inserir vários outros sujeitos no


polo passivo da reconvenção, como os confinantes, além da intimação da fazenda pública e
publicação de editais.

Questão que merece críticas acadêmicas é o equivocado entendimento de alguns


tribunais, como TJMG e TJDFT, que entendem que o direito de retenção deve ser alegado em
sede de reconvenção e não em sede de contestação. O fundamento apresentado por esses
tribunais é o de que a ação reivindicatória não tem natureza dúplice.

Ocorre que o direito de retenção deve ser alegado em sede de contestação, nos casos
de ações dúplices, como as ações possessórias, mas porque o direito de retenção é uma
exceção de mérito, ou seja, um contradireito. Como tal, deve ser alegado em sede de
contestação independentemente da natureza da ação (possessória ou petitória).

Na prática, é importante que o advogado pesquise antes, qual o entendimento do


tribunal de justiça sobre esse tema para, conforme o caso, apresentar tal alegação em sede
de contestação ou de reconvenção.

3.8. Réplica
Quando o réu alegar questões preliminares (art. 337 do CPC), questões prejudiciais ou
juntar novos documentos o juiz intimará o autor para se manifestar em réplica no prazo de
15 (quinze) dias

3.9. Saneamento
Apresentada a réplica, quando for o caso o juiz, se não for o caso de julgamento
conforme o estado do processo (hipóteses dos arts. 485, 487, II ou III, 355 ou 356 do CPC),
proferirá uma decisão de saneamento e organização do processo, seguindo a forma do art.
357 do CPC:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz,
em decisão de saneamento e de organização do processo:
I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória,
especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ;
IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos
ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se
torna estável.
§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação
consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV,
a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.

131
CAPÍTULO 4

§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito,


deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em
cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso,
convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz
fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes
apresentem rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o
respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez),
sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.
§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a
complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve
observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo,
calendário para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora
entre as audiências.

3.10. Instrução
Esse é o momento do processo no qual as partes terão a oportunidade de produzir
novas provas, além das provas documentais já juntadas aos autos.

Também é possível juntar novos documentos. Contudo, vale lembrar que se os


documentos já estavam em poder da parte e ela deixou de juntá-los anteriormente corre-se o
risco de o juiz indeferir a juntada, com fundamento nos arts. 320, 434 e 435 do CPC.

Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à


propositura da ação

Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os


documentos destinados a provar suas alegações.
Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução
cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput ,
mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as
partes.

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos
novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos
articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos


formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se
tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à
parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los

132
CAPÍTULO 4

anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da


parte de acordo com o art. 5º .

Se necessário, o juiz poderá deferir a produção de prova oral designando, para tanto,
audiência de instrução e julgamento, ocasião em que serão ouvidas as partes – caso haja
requerimento de depoimento pessoal ou caso o juiz determine de ofício – e as testemunhas
arroladas.

3.11. Alegações finais


Havendo audiência de instrução e julgamento, as alegações finais serão apresentadas
oralmente, conforme prevê o art. 364 do CPC:

Art. 364. Finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do


réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua
intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um,
prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz.
§ 1º Havendo litisconsorte ou terceiro interveniente, o prazo, que formará com
o da prorrogação um só todo, dividir-se-á entre os do mesmo grupo, se não
convencionarem de modo diverso.
§ 2º Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o
debate oral poderá ser substituído por razões finais escritas, que serão
apresentadas pelo autor e pelo réu, bem como pelo Ministério Público, se for o
caso de sua intervenção, em prazos sucessivos de 15 (quinze) dias, assegurada
vista dos autos.

3.12. Sentença
Em caso de procedência do pedido, após o trânsito em julgado, o juiz determinará que
o réu desocupe voluntariamente o imóvel no prazo assinalado, sob pena de expedição de
mandado de imissão de posse.

4. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE


4.1. Introdução
A ação de imissão de posse estava prevista no CPC/39 como procedimento especial
das ações possessórias, deixando de ser prevista no CPC/73. O CPC/2015 também não a
prevê como procedimento especial.

O Decreto-lei 70/1966, que versa sobre o funcionamento de associações de poupança


e empréstimo e sobre a cédula hipotecária, prevê um procedimento extrajudicial para a
retomada do imóvel financiado pelo credor hipotecário (arts. 31 a 38).

Nesse procedimento, se o devedor não promover a purgação da mora, o credor


poderá levar o bem a leilão. Efetivada a alienação do imóvel será emitida a respectiva carta de

133
CAPÍTULO 4

arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo agente fiduciário, e por cinco pessoas
físicas idôneas, absolutamente capazes, como testemunhas, documento que servirá como
título para a transcrição no Registro Geral de Imóveis.

Uma vez transcrita no Registro Geral de Imóveis a carta de arrematação dispõe o


Decreto-lei 70/1966 que o adquirente poderá requerer ao Juízo competente imissão de posse
no imóvel, que lhe será concedida liminarmente.

4.2. Cabimento da ação de imissão de posse


A ação de imissão de posse tem natureza petitória, pois tem por fundamento o jus
possidendi, ou seja, o direito do proprietário à posse do bem. Trata-se de ação a ser proposta
por aquele que adquiriu a propriedade, mas nunca teve posse sobre o bem.

É o que ocorre, por exemplo, na arrematação de bem em hasta pública e leilões


promovidos por credores fiduciários (Lei nº 9.514/97).

Ao adquirir a propriedade do bem imóvel é natural que o proprietário queira exercer


todas as faculdades inerentes a esse direito, em especial a faculdade de usar e fruir do bem.
Contudo, como o bem se encontra sob a posse de terceiro, é preciso que o proprietário
requeira um provimento judicial que lhe garanta a posse do bem,. tal requerimento é feito
por meio da ação de imissão de posse.

Os requisitos são muito semelhantes aos da ação reivindicatória. Vejamos:

c) Domínio atual

Somente o proprietário que nunca teve posse pode se valer da ação de imissão de
posse. Assim, o autor deve provar ser o proprietário do bem imóvel, juntando aos autos cópia
da certidão atualizada da matrícula. Sem a prova da propriedade, a ação sequer será
admitida.

A ação também pode ser promovida pelo promitente comprador quando houver
previsão no contrato de que o promitente comprador poderá imitir-se na posse. O STJ, aliás,
admite a propositura da ação de imissão de posse, mesmo que o promitente comprador não
leve o contrato de promessa de compra e venda a registro. O fundamento é o de que apesar
de ainda não ser proprietário, não disporá de qualquer outra ação frente a terceiros que
ocupam indevidamente o imóvel.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMISSÃO NA


POSSE. AÇÃO PETITÓRIA COM BASE NO DOMÍNIO. NECESSIDADE, EM
PRINCÍPIO, DA DEMONSTRAÇÃO DA PROPRIEDADE DO BEM PELO
DEMANDANTE. POSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE O ADQUIRENTE,
OSTENTANDO A PROMESSA DE COMPRA E VENDA CELEBRADA COM O
PROPRIETÁRIO REGISTRADO DO IMÓVEL, AJUIZAR FRENTE A TERCEIROS QUE
NÃO DETENHAM TÍTULO DESSA NATUREZA, A COMPETENTE DEMANDA PARA

134
CAPÍTULO 4

SE VER IMITIDO NA POSSE. 1. Controvérsia em torno da viabilidade jurídica do


ajuizamento de imissão na posse pelo adquirente (promitente comprador) de
imóvel, apresentando o respectivo título aquisitivo, mas ainda não registrado
no Cartório do Registro de Imóveis. 2. O autor, ostentando título aquisitivo de
imóvel em que consta o proprietário registral do bem como promitente
vendedor, mas que não o registrou no álbum imobiliário, nem celebrou a
escritura pública apta à transferência registral, pode se valer da ação de
imissão de posse para ser imitido na posse do bem. 3. Necessário apenas
verificar de modo mais aprofundado, no curso da ação de imissão na posse
movida pelo compromissário comprador, se os réus ostentam título que lhes
possa franquear a propriedade do bem, situação a ser observada pela Corte
de origem, pois limitada, tão somente, à análise das provas coligidas. 4.
Acórdão recorrido reformado de modo a se reconhecer a possibilidade de o
compromissário comprador ser imitido na posse do imóvel, mesmo não sendo
ele ainda proprietário, determinando-se, ainda, que a Corte de origem, à luz
das provas produzidas e dos argumentos esgrimidos pelos demandados,
verifique se ostentam direito a lhes franquear a propriedade do imóvel, em
detrimento do direito do autor. 5. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 6.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.724.739 - SP
(2016/0221125-7) RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO)

d) Posse injusta do réu

Para que seja cabível a ação de imissão de posse é preciso que o réu exerça posse
injusta sobre o imóvel. Essa posse injusta, porém, não é a mesma que autoriza o ajuizamento
de ação de reintegração de posse.

Para fins de ação possessória, posse injusta é aquela obtida de forma violenta,
clandestina ou precária. Por outro lado, posse injusta para fins de ação de imissão de posse é
aquela exercida por qualquer pessoa que não seja proprietária ou que não mantenha com o
proprietário nenhuma relação jurídica. Assim, se há contrato de locação entre proprietário e
possuidor não cabe ação de imissão de posse.

Posse injusta para ações Posse injusta para a ação de


possessórias imissão de posse
•Violenta •Qualquer pessoa que não
•Clandestina seja proprietário ou que não
•Precária mantenha com ele nenhuma
relação jurídica.
•A posse do não proprietário
pode até ser “justa” para fins
possessórios

135
CAPÍTULO 4

4.3. Legitimidade
A legitimidade ativa será do adquirente do bem imóvel (novo proprietário registral) ou
do promitente comprador, caso haja previsão de imediata imissão na posse.

A legitimidade passiva será do possuidor injusto ou do mero detentor.

Tratando-se de bem em regime de condomínio, qualquer condômino tem legitimidade


não se exigindo a formação de litisconsórcio ativo. Vejamos o que diz o art. 1.314 do CC:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação,
sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la
de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Segundo Francisco Eduardo Loureiro,

Finalmente, o último dos direitos do condômino é reivindicar a coisa comum


de terceiros. Decorre do direito de sequela, de perseguir a coisa em poder de
quem injustamente se encontra. Em relação a terceiros, o condômino age
como se fosse proprietário pleno. Pode ajuizar ações petitórias em geral
contra terceiros, tanto reivindicatória como imissão de posse ou publicianas,
todas fundadas no ius possidendi, independentemente da anuência dos
demais coproprietários. O pedido não se limita à devolução da parte ideal do
autor da demanda, mas da coisa por inteiro, em benefício próprio e dos
demais condôminos”. LOUREIRO, Op. cit., p. 1.165.

Se forem dois ou mais ocupantes, como a sentença, ao final, será uniforme em relação
a eles deverá o autor requerer a citação de todos, formando-se, assim, um litisconsórcio
passivo.

Caso o proprietário do imóvel seja falecido a ação pode ser proposta pelo espólio
(representado pelo inventariante) ou pelos herdeiros.

4.4 Participação do cônjuge ou do companheiro


Por se tratar de ação real imobiliária aplica-se o art. 73 do CPC. Assim, se a parte autora
for casada deverá obter a autorização do seu cônjuge, salvo se o casamento for regido pelo
regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, caput, do CPC:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.

Se o réu for casado o seu cônjuge também deverá ser citado, salvo se o casamento for
regido pelo regime da separação absoluta de bens, conforme art. 73, § 1º, I, do CPC:

136
CAPÍTULO 4

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação


que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de
separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I - que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime
de separação absoluta de bens;
(...)

Essa mesma regra se aplica à união estável comprovada nos autos, conforme
prevê o § 3º do art. 73 do CPC (“Aplica-se o disposto neste artigo à união
estável comprovada nos autos”).

4.5. Competência
Por se tratar de ação real imobiliária, a competência será do foro (local) onde o bem
imóvel está situado. Trata-se de regra de competência territorial absoluta, prevista no art. 47
do CPC (“Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de
situação da coisa”). A ação deverá ser distribuída para uma das varas cíveis da comarca.

4.6. Procedimento
4.6.1. Petição inicial

A petição inicial deve observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC. O valor da
causa será o valor previsto no contrato.

4.6.2. Audiência de conciliação ou mediação

Não sendo o caso de indeferimento da petição inicial (art. 330 do CPC) ou de


julgamento de improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC), o juiz designará uma
audiência de conciliação, observando o art. 334 do CPC.

Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso
de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação
ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser
citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na
audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código,
bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação,
não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira
sessão, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu
advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual;

137
CAPÍTULO 4

II - quando não se admitir a autocomposição.


§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na
autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez)
dias de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser
manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio
eletrônico, nos termos da lei.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de
conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será
sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica
pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores
públicos.
§ 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração
específica, com poderes para negociar e transigir.
§ 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por
sentença.
§ 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de
modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de
uma e o início da seguinte.

4.6.3. Contestação

Não havendo acordo em audiência, o réu terá o prazo de 15 (quinze) dias para
apresentar contestação.

Podem ser suscitadas, aqui, as mesmas teses relativas à ação reivindicatória.

As defesas mais comuns do réu são:

4.6.4. Falta de domínio do autor

Trata-se de alegação do réu no sentido de que o autor não é o proprietário do imóvel.


Essa alegação pode ter por fundamento:

e) Ausência de título

Reconhecido que o autor não é proprietário registral ou promitente comprador, o


processo deve ser extinto, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa.

f) Vício no título

É possível alegar algum vício constante no título aquisitivo, como incapacidade, coação,
fraude etc.

138
CAPÍTULO 4

Trata-se de questão prejudicial. Para que o juiz julgue improcedente o pedido do autor
será preciso, antes, aferir a existência ou não de vício podendo o réu, inclusive, requerer a
declaração da nulidade do próprio título.

A dúvida que surge é se, em caso de declaração da nulidade do título, haverá coisa
julgada material sobre essa questão prejudicial. É possível, sim, que a questão prejudicial
fique coberta pelo manto da coisa julgada, desde que sejam preenchidos os requisitos do § 1º
do art. 503 do CPC, quais sejam: i - o julgamento do mérito depender da resolução da questão
prejudicial; ii - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no
caso de revelia; iii - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la
como questão principal.

g) Disputa de títulos

É possível que o réu também tenha um título aquisitivo registrado. Isso ocorre no caso
de vendas duplas com duplo registro. Nesse caso, a propriedade deve ser reconhecida àquele
que registrou em primeiro lugar, em homenagem ao princípio da prioridade, conforme se
infere do art. 186 da Lei nº 6.015/73 (“O número de ordem determinará a prioridade do título,
e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de
um título simultaneamente”).

Essa prioridade é identificada com base na data do protocolo de entrada do título no


registro imobiliário e não na data que consta do título de aquisição. Logo, mesmo que o réu
tenha adquirido o imóvel em data posterior, se o seu título foi apresentado para registro
antes da apresentação do título do autor, o pedido do autor da ação de imissão de posse será
julgado improcedente.

h) Duplicidade de matrícula

É possível que autor e réu tenham títulos legítimos sobre a mesma área. Há, nesse
caso, duplicidade de matrícula. Quando isso ocorrer deverá prevalecer o título inscrito em
primeiro lugar no Registro de Imóveis.

Nesse sentido:

EMENTA OFICIAL: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE


REGISTRO PÚBLICO – DUPLICIDADE DE MATRÍCULAS ABERTAS PARA ÚNICO
IMÓVEL – PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE MATRICIAL E DA PRIORIDADE – LEI Nº
6.015/73. Nos termos da Lei de Registros Públicos, cada imóvel só poderá ter
uma única matrícula para que não ocorra a ofensa ao princípio da
unitariedade matricial. Comprovada a duplicidade de registros relativos à
propriedade do mesmo imóvel, prevalece o mais antigo, devendo ser
declarado nulo o registro posterior. (TJMG. Apelação Cível nº 1.0570.17.003243-
9/001, Comarca de Salinas, Relator Des. Wagner Wilson Ferreira, julgada em
08/04/2021 e publicada em 14/04/2021).

139
CAPÍTULO 4

4.6.5. Usucapião

O réu, na contestação pode alegar a usucapião. A possibilidade de alegação de


usucapião como matéria defensiva em ação de imissão de posse se deve ao fato de que, nela,
também se discute propriedade. Contudo, é importante registrar que a alegação de
usucapião como matéria defensiva em ação imissão de posse tem o condão apenas de gerar
a improcedência do pedido reivindicatório. A sentença não poderá ser levada a registro pois,
para que isso ocorra, é preciso que haja uma ação específica de usucapião.

Aplica-se, aqui, o mesmo entendimento do STJ acerca da ação reivindicatória:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.


ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO COMO MATÉRIA DE DEFESA. POSSIBILIDADE.
RESSALVA DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE QUE O ACOLHIMENTO DA TESE DA
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA NÃO IMPORTA NA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO. AÇÃO
PRÓPRIA. NECESSIDADE. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. "A contradição que
dá ensejo aos embargos de declaração é a que se estabelece no âmbito
interno do julgado embargado, ou seja, a contradição do julgado consigo
mesmo, como quando, por exemplo, o dispositivo não decorre logicamente da
fundamentação, e não a eventual contrariedade do acórdão com um
parâmetro externo (um preceito normativo, um precedente jurisprudencial,
uma prova etc)". (AgRg no REsp 987.769/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki,
Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, DJe 13/12/2011) 2. Na espécie, o
Tribunal de origem ressaltou que a alegação de usucapião pode ser utilizada
como matéria de defesa na ação reivindicatória; todavia, o pleno
reconhecimento da satisfação de todos os requisitos exigidos para o
usucapião é matéria reservada para a ação própria. Assim, acolhida a alegação
de usucapião como matéria de defesa em ação reivindicatória, os réus não
dispõem de título para a transcrição da propriedade no Cartório de Registro de
Imóveis. 3. Dessa sorte, a conclusão adotada pelo Tribunal de origem está em
consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, de que "o
acolhimento da tese de defesa, estribada na prescrição aquisitiva, com a
conseqüente improcedência da reivindicatória, de forma alguma, implica a
imediata transcrição do imóvel em nome da prescribente, ora recorrente, que,
para tanto, deverá, por meio de ação própria, obter o reconhecimento judicial
que declare a aquisição da propriedade" (REsp 652.449/SP, Rel. Ministro
Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 23/03/2010). 4.
Inocorrência de contradição no acórdão recorrido. Violação do disposto no art.
535 do CPC não verificada. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n.
1.270.530/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
21/3/2013, DJe de 5/4/2013.)

Há, todavia, uma importante exceção: a possibilidade de alegar, como matéria


defensiva, a usucapião especial urbana. Nesse caso, a sentença de improcedência poderá ser
levada a registro, conforme previsão do art. 13 da Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade).
Vejamos:

140
CAPÍTULO 4

Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como
matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para
registro no cartório de registro de imóveis.

4.6.6. Posse justa do réu

A ação de imissão de posse deve ser proposta pelo proprietário (ou promitente
comprador) contra aquele que injustamente possua ou tenham a coisa. O réu poderá alegar
que a sua posse é justa, ou seja, que ela decorre de alguma relação jurídica legalmente
constituída como, por exemplo, locação, arrendamento, comodato, usufruto etc.

Importante destacar que se o réu tiver algum direito real sobre o imóvel (ex.:
superfície, laje, usufruto etc.), tal direito é oponível erga omnes, por se tratar de característica
inerente aos direitos reais. Se o réu tiver algum direito pessoal (ex.: locação, arrendamento,
comodato etc.) só poderá alegá-lo contra aquele com quem celebrou o negócio jurídico.

É possível, ainda, que o réu não tenha relação direta com o proprietário, mas, ainda
assim possa alegar a existência de relação jurídica que inviabiliza o acolhimento do pedido de
imissão de posse. É o que ocorre, por exemplo, na sublocação devidamente prevista no
contrato de locação celebrado entre o proprietário e o locatário (sublocador).

4.6.7. Direito de retenção

Vale, aqui, o que foi dito no módulo sobre posse.

O direito às benfeitorias e o direito de retenção são tratados nos arts. 1.219 a 1.221 do
CC.

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem
pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá
exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias


necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem
o de levantar as voluptuárias.

Art. 1.221. As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao


ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem.

Art. 1.222. O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor


de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao
possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual.

No que tange às benfeitorias voluptuárias é preciso atentar para um detalhe prático


muito importante: a opção entre levantar a benfeitoria voluptuária ou pagar a respectiva

141
CAPÍTULO 4

indenização é aquele que está reivindicando o imóvel. Caso ele não exerça a opção, o
possuidor de boa-fé terá o direito de levantá-la.

O direito de retenção é um “contradireito”, ou seja, uma defesa apresentada pelo


possuidor na própria contestação. Assim, enquanto o reivindicante do bem não pagar a
indenização pelas benfeitorias (quando devida a indenização) o possuidor poderá
permanecer no imóvel.

O direito de retenção por benfeitorias estende-se, evidentemente, às construções e às


plantações. Nesse sentido é o enunciado 81 da I Jornada de Direito Civil:

Enunciado 81. O direito de retenção previsto no art. 1.219 do Código Civil,


decorrente da realização de benfeitorias necessárias e úteis, também se aplica
às acessões (construções e plantações) nas mesmas circunstâncias.

Conforme mencionado, trata-se de um contradireito exercido na própria contestação,


de modo que o possuidor não precisa apresentar reconvenção para alegar o direito à
indenização e, consequentemente, o direito de retenção. É preciso, contudo, tomar cuidado
com um ponto muito importante: a não alegação do direito de retenção na contestação gera
preclusão. Isso significa que se o réu não alegar tal direito, não poderá invocá-lo no mesmo
processo e deverá desocupar o bem, sem prejuízo de, após, ajuizar ação indenizatória
autônoma contra o reivindicante do bem, conforme entendimento do STJ:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. OFENSA AO


ART. 535 NÃO CONFIGURADA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMBARGOS DE
RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. DISCUSSÃO NÃO REALIZADA NA FASE
COGNITIVA. PRECLUSÃO. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no
art. 535, inciso II, do CPC, verifico que o julgado recorrido não padece de
omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua
análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos
interesses da parte. 2. O acórdão encontra-se em sintonia com a
jurisprudência deste Tribunal Superior, no sentido de que, tratando-se de ação
de reintegração de posse - como no caso dos autos -, o pedido de retenção das
benfeitorias deve ser formulado no processo de conhecimento, no bojo da
própria contestação (CPC, art. 922), sob pena de preclusão. 3. Agravo
Regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 385.662/DF, relator Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/2/2015, DJe de 6/4/2015.)

4.7. Reconvenção
A reconvenção é totalmente compatível com a ação de imissão de posse.
Teoricamente, o sistema processual admite a apresentação de reconvenção para requerer o
reconhecimento da usucapião. O objetivo da reconvenção, nesse caso, é permitir que a
sentença sirva como título para ser registrado na matrícula do imóvel.

142
CAPÍTULO 4

Não obstante, a jurisprudência, de uma forma geral, não admite. Na prática, o ideal é
ajuizar ação própria de usucapião evitando-se, assim, tumulto processual na ação de imissão
de posse, especialmente em razão da necessidade de inserir vários outros sujeitos no polo
passivo da reconvenção, como os confinantes, além da intimação da fazenda pública e
publicação de editais.

Questão que merece críticas acadêmicas é o equivocado entendimento de alguns


tribunais, como TJMG e TJDFT, que entendem que o direito de retenção deve ser alegado em
sede de reconvenção e não em sede de contestação. O fundamento apresentado por esses
tribunais é o de que a ação reivindicatória (e, de igual forma, a ação de imissão de posse) não
tem natureza dúplice.

Ocorre que o direito de retenção deve ser alegado em sede de contestação nos casos
de ações dúplices, como as ações possessórias, porém o direito de retenção é uma exceção
de mérito, ou seja, um contradireito. Como tal, deve ser alegado em sede de contestação
independentemente da natureza da ação (possessória ou petitória).

Na prática, é importante que o advogado pesquise, antes, qual o entendimento do


tribunal de justiça sobre esse tema para, conforme o caso, apresentar tal alegação em sede
de contestação ou de reconvenção.

4.8. Réplica
Quando o réu alegar questões preliminares (art. 337 do CPC), questões prejudiciais ou
juntar novos documentos, o juiz intimará o autor para se manifestar em réplica no prazo de
15 (quinze) dias

4.9. Saneamento
Apresentada a réplica, quando for o caso, o juiz, se não for o caso de julgamento
conforme o estado do processo (hipóteses dos arts. 485, 487, II ou III, 355 ou 356 do CPC), o
juiz proferirá uma decisão de saneamento e organização do processo, seguindo a forma do
art. 357 do CPC:

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz,
em decisão de saneamento e de organização do processo:
I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória,
especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 ;
IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
§ 1º Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos
ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se
torna estável.

143
CAPÍTULO 4

§ 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação


consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV,
a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.
§ 3º Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito,
deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em
cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso,
convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
§ 4º Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz
fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes
apresentem rol de testemunhas.
§ 5º Na hipótese do § 3º, as partes devem levar, para a audiência prevista, o
respectivo rol de testemunhas.
§ 6º O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez),
sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato.
§ 7º O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a
complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.
§ 8º Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve
observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo,
calendário para sua realização.
§ 9º As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora
entre as audiências.

4.10. Instrução
Esse é o momento do processo no qual as partes terão a oportunidade de produzir
novas provas, além das provas documentais já juntadas aos autos.

Também é possível juntar novos documentos. Contudo, vale lembrar que se os


documentos já estavam em poder da parte e ela deixou de juntá-los anteriormente corre-se o
risco de o juiz indeferir a juntada, com fundamento nos arts. 320, 434 e 435 do CPC.

Art. 320. A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à


propositura da ação

Art. 434. Incumbe à parte instruir a petição inicial ou a contestação com os


documentos destinados a provar suas alegações.
Parágrafo único. Quando o documento consistir em reprodução
cinematográfica ou fonográfica, a parte deverá trazê-lo nos termos do caput ,
mas sua exposição será realizada em audiência, intimando-se previamente as
partes.

Art. 435. É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos
novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos
articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

144
CAPÍTULO 4

Parágrafo único. Admite-se também a juntada posterior de documentos


formados após a petição inicial ou a contestação, bem como dos que se
tornaram conhecidos, acessíveis ou disponíveis após esses atos, cabendo à
parte que os produzir comprovar o motivo que a impediu de juntá-los
anteriormente e incumbindo ao juiz, em qualquer caso, avaliar a conduta da
parte de acordo com o art. 5º .

Sendo necessário, o juiz poderá deferir a produção de prova oral designando, para
tanto, audiência de instrução e julgamento, ocasião em que serão ouvidas as partes – caso
haja requerimento de depoimento pessoal ou caso o juiz determine de ofício – e as
testemunhas arroladas.

4.11. Alegações finais


Havendo audiência de instrução e julgamento, as alegações finais serão apresentadas
oralmente, conforme prevê o art. 364 do CPC:

Art. 364. Finda a instrução, o juiz dará a palavra ao advogado do autor e do


réu, bem como ao membro do Ministério Público, se for o caso de sua
intervenção, sucessivamente, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um,
prorrogável por 10 (dez) minutos, a critério do juiz.
§ 1º Havendo litisconsorte ou terceiro interveniente, o prazo, que formará com
o da prorrogação um só todo, dividir-se-á entre os do mesmo grupo, se não
convencionarem de modo diverso.
§ 2º Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, o
debate oral poderá ser substituído por razões finais escritas, que serão
apresentadas pelo autor e pelo réu, bem como pelo Ministério Público, se for o
caso de sua intervenção, em prazos sucessivos de 15 (quinze) dias, assegurada
vista dos autos.

4.12. Sentença
Em caso de procedência do pedido, após o trânsito em julgado, o juiz determinará que
o réu desocupe voluntariamente o imóvel no prazo assinalado, sob pena de expedição de
mandado de imissão de posse.

5. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE DECORRENTE DE EXECUÇÃO


EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL
5.1. Alienação fiduciária em garantia de bem imóvel
A Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário institui a
alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências estabelece um procedimento
extrajudicial para a consolidação da posse e propriedade nas mãos do credor fiduciário.
Trata-se de verdadeira execução extrajudicial.

145
CAPÍTULO 4

A referida lei versa sobre a alienação fiduciária em garantia sobre bem imóvel.

Nos termos do art. 20 da referida lei, “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o
negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a
transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

A propriedade fiduciária de bem imóvel constitui-se mediante registro no competente


Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. Constituída a propriedade fiduciária,
ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o devedor fiduciante o possuidor direto e o
credor fiduciário o possuidor indireto do bem imóvel.

5.2. Consolidação da propriedade imobiliária


A Lei nº 9.514/97 prevê o procedimento extrajudicial de consolidação da posse e
propriedade do bem imóvel objeto da alienação fiduciária nas mãos do credor fiduciário.

Trata-se de procedimento que tramita no Cartório de Registro de Imóveis, ou seja, sem


necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Tal procedimento está previsto nos arts. 36 e
seguintes da referida lei de regência. Vejamos as fases:

a) Inadimplemento: o devedor fiduciante deixa de pagar as prestações do contrato;

b) Constituição em mora: havendo inadimplemento, o credor fiduciário promoverá a


constituição do devedor fiduciante em mora. Para tanto, o devedor fiduciante, ou seu
representante legal ou procurador regularmente constituído será intimado, a requerimento
do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis a satisfazer, no prazo de quinze
dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros
convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive
tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança
e de intimação. A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante
legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do
oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da
situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de
recebimento. Admite-se intimação por hora certa (art. 26, § 3º, da Lei nº 9.514/9715) e por
edital (art. 26, § 4º, da Lei nº 9.514/9716);

15
§ 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e
documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio
ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer
pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a
fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts.
252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
16
§ 4o Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador
encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário
encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão,
promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de

146
CAPÍTULO 4

c) Não purgação da mora: se o devedor pagar as prestações vencidas até a data do


pagamento e as demais despesas e encargos incidentes tem-se por purgada a mora,
mantendo-se hígido o contrato. Por outro lado, se o devedor não purgar a mora no prazo de
15 (quinze) dias, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato,
promoverá a averbação na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do
fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos
(ITBI). Ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias, a purgação da mora pode ser feita até a data
da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, caso em que o devedor deverá
pagar a integralidade da dívida, ou seja, todo o saldo devedor (parcelas vencidas e vincendas),
conforme prevê os arts. 26-A, § 2ºe 27, § 3º, II, da Lei nº 9.514/97). O STJ, contudo, estende a
purgação da mora até a data da assinatura do auto de arrematação, hipótese em que o
devedor também deverá pagar todo o saldo devedor (parcelas vencidas e vincendas)17;

d) Leilão público: uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o credor


fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo
anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. Se no primeiro leilão público o
maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do
parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias
seguintes. No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior
ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive
tributos, e das contribuições condominiais. Vale lembrar que o devedor fiduciante deve ser
intimado das datas dos leilões, pois possui direito de preferência na aquisição do imóvel;

e) Arrematação: qualquer pessoa interessada no imóvel poderá participar do leilão e


o arrematar o bem imóvel;

f) Ação de imissão de posse: arrematado o bem e assinado o auto de arrematação, o


novo proprietário deverá ajuizar ação de imissão de posse contra a pessoa que estiver na
posse do imóvel. Não se trata de ação de reintegração de posse, porque a posse do réu é
justa (não foi obtida de forma violenta, clandestina ou precária). Também não cabe ação
reivindicatória, porque não houve perda da posse pelo proprietário. A ação é a de imissão de
posse exatamente porque o proprietário jamais teve a posse da coisa.

SÚMULA 211 DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência


desta Corte garante ao devedor a possibilidade de purgar a mora até a
lavratura do auto de arrematação, pelo pagamento integral do débito,
entendido este como as obrigações vencidas, acrescidas dos encargos legais e
contratuais. (AgInt no REsp 1.760.519/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL

maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária,
contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital.
17
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PURGA DA MORA ATÉ A
LAVRATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO. POSSIBILIDADE. EFETIVA LAVRATURA DO AUTO NO CASO
CONCRETO.

147
CAPÍTULO 4

GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/9/2019, DJe 30/9/2019) 2. No caso


dos autos, o acórdão recorrido não merece reforma, tendo em vista que
afastou a possibilidade de a devedora purgar a mora, ante a não realização do
pagamento integral do débito, sendo os valores depositados nos autos
inferiores ao montante devido, situação que afastaria a quitação da dívida. 3. A
Corte de origem não enfrentou a tese apontada em sede de aclaratórios sob o
ângulo da efetiva lavratura do auto de arrematação do imóvel, situação que
enseja o reconhecimento da ausência de prequestionamento, máxime ante a
falta de específica e concreta análise da matéria submetida à apreciação
judicial. Incidência da Súmula 211 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega
provimento. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.940.535/SP, relator Ministro Raul
Araújo, Quarta Turma, julgado em 15/8/2022, DJe de 26/8/2022.)

5.3. Questões práticas importantes


a) Intimação do devedor fiduciante para constituição da mora

Nos termos do art. 26, § 3º, da Lei nº 9.514/97 a intimação do devedor fiduciante para
purgar a mora deve ser pessoal, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro
de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel
ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

Nesse sentido, segundo entendimento do STJ, “é nula a intimação do devedor que não
se dirigiu à sua pessoa, sendo processada por carta com aviso de recebimento no qual consta
como receptor pessoa alheia aos autos e desconhecida" (REsp 1531144/PB, Rel. Ministro
Moura Ribeiro, Terceira Turma, DJe 28/03/2016).

O STJ entende, ainda, que a intimação por edital somente possa ser considerada válida
após frustrada a tentativa de intimação pessoal. Assim, o devedor fiduciante somente pode
ser intimado via edital após frustradas as tentativas de intimação via oficial de Registro de
Títulos e Documentos e via correios. Conforme já decidiu o STJ, “a intimação por edital é nula
quando o credor fiduciário restringe-se a enviar a notificação para purgação da mora apenas
por via postal, não providenciando a intimação pessoal por intermédio de oficial de registro
de imóveis”.

Havendo vício na intimação o devedor fiduciante pode ajuizar ação anulatória de


execução extrajudicial de imóvel contra o credor fiduciário, objetivando a anulação do
procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade.

b) Intimação do devedor acerca da realização do leilão

É muito comum a designação de leilão promovido pelo credor fiduciário sem que o
devedor fiduciante seja pessoalmente intimado para o ato, ainda que ele tenha sido intimado
pessoalmente para purgar a mora. Frustradas as tentativas de intimação pessoal do devedor,
cabe intimação por edital. Ora, tendo o devedor fiduciário direito de preferência na
arrematação, é evidente que a falta de intimação pessoal gera a nulidade do leilão.

148
CAPÍTULO 4

Nesse sentido é o entendimento do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO


INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. INTIMAÇÃO DO
DEVEDOR POR EDITAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO
ESPECIAL DESPROVIDO. 1."É necessária a intimação pessoal do devedor acerca
da data da realização do leilão extrajudicial, porém é válida a notificação por
edital quando esgotados os meios para a notificação pessoal" (AgInt no AREsp
1422337/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 24/06/2019, DJe 27/06/2019, g.n.) 2. A modificação do
entendimento lançado no v. acórdão recorrido acerca do esgotamento dos
meios necessários e da publicação da notificação no jornal local demandaria o
revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede
de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 3. Agravo
interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso
especial. (AgInt no AREsp n. 1.782.140/GO, relator Ministro Raul Araújo, Quarta
Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 21/10/2022.)

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE


CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL.
NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE.
PRECEDENTES. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO CPC/2015. ANÁLISE
CASUÍSTICA. NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do
Decreto-Lei n. 70/1996, é imprescindível a intimação pessoal do devedor
acerca da realização do leilão extrajudicial, ainda que tenha havido a prévia
intimação para purgação da mora. Desse modo, a dispensa da intimação
pessoal só é cabível quando frustradas as tentativas de realização deste ato,
admitindo-se, a partir dessas circunstâncias, a notificação por edital. 1.1.
Registra-se, ainda, que a purgação da mora é possível mesmo após a
consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário. Assim,
é imprescindível a intimação pessoal do devedor acerca da realização do leilão
extrajudicial. 2. O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso
interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do
CPC/2015, devendo ser analisado caso a caso. 3. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.970.116/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira
Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 11/5/2022.)

c) Usucapião

Consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário, cessa a relação jurídica


anteriormente existente entre ele e o devedor fiduciante. Há, em razão disso, efeitos jurídicos
muito relevantes, especialmente no tocante à usucapião.

149
CAPÍTULO 4

Note que, como o imóvel retornou para a esfera jurídica do credor fiduciante, de forma
definitiva e exclusiva, o devedor passa a ser simples possuidor direto, sem vínculo com o
credor. Por conseguinte, essa posse pode gerar a usucapião.

Dizendo por outras palavras, a contagem do prazo da usucapião deve iniciar da data
em que houve a consolidação da averbação da consolidação da propriedade na matrícula do
imóvel. A intimação do devedor acerca da data do leilão não é capaz de interromper o prazo
da usucapião. Somente a ação de imissão de posse ajuizada pelo arrematante é que
interromperá o prazo da usucapião.

Em caso semelhante, um banco ajuizou ação de execução contra o devedor, ocasião


em que o bem imóvel foi penhorado e levado à hasta pública. O próprio banco adjudicou o
bem na hasta pública e passou a ser o proprietário do imóvel. O devedor (executado)
continuou na posse do bem. Tempos depois, o banco promoveu leilão extrajudicial, tendo
havido arrematação. O arrematante ajuizou ação de imissão de posse, porém o possuidor
alegou a usucapião como matéria defensiva. O autor da ação alegou que a intimação do réu
acerca do leilão extrajudicial interrompeu o prazo da usucapião, tese que não foi acolhida
pelo STJ, que reconheceu a usucapião do réu. Vejamos:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.


CPC/1973. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. USUCAPIÃO 'PRO MORARE' EM
MATÉRIA DE DEFESA. TRANSCURSO DO LAPSO TEMPORAL. EXISTÊNCIA DE
GRAVAME SOBRE O IMÓVEL. ALEGAÇÃO DISSOCIADA DA REALIDADE DOS
AUTOS. EDITAL DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
AQUISITIVA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE EFETIVA OPOSIÇÃO À POSSE. 1.
Controvérsia acerca da alegação de usucapião em matéria de defesa no curso
de ação reivindicatória. 2. Irrelevância da alegação de existência de gravame
sobre o imóvel, pois o lapso da prescrição aquisitiva foi computado somente
no período posterior ao registro da adjudicação do imóvel pelo credor
hipotecário, quando já extinto o gravame, portanto. 3. Necessidade de efetiva
oposição à posse exercida pelo usucapiente, para que seja interrompida a
prescrição aquisitiva. Julgados desta Corte Superior. 4. Caso concreto em que a
mera publicação de edital de leilão extrajudicial não revela efetiva oposição à
posse, não havendo falar, portanto, em interrupção da prescrição aquisitiva. 5.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no AgInt nos EDcl no REsp n.
1.627.282/RO, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
julgado em 1/10/2018, DJe de 5/10/2018.)

Com efeito, o arrematante precisa ter muita atenção na hora de adquirir o imóvel em
leilão, pois, se o devedor permaneceu no imóvel e entre a data da averbação da consolidação
da propriedade em favor do credor fiduciante e a data do ajuizamento da ação de imissão de
posse pelo arrematante transcorreu o prazo da usucapião, o possuidor (réu) poderá alegar
usucapião como matéria defensiva gerando, assim, a improcedência do pedido de imissão de
posse.

150
CAPÍTULO 4

5.4. Aquisição de bem imóvel objeto de contrato de locação: imissão de posse


ou despejo?
Nos casos de aquisição de imóvel que é objeto de contrato de despejo, o comprador
deve verificar o que diz o contrato de locação18. Se o contrato de locação for por tempo
indeterminado, o comprador poderá denunciar o contrato (notificação do locatário), fixando o
prazo de 90 (noventa) dias para desocupação. Se o contrato de locação for por prazo
determinado, contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à
matrícula do imóvel, o comprador deverá respeitar o prazo de vigência da locação.

Essas regras também se aplicam no caso de promessa de compra e venda registrada


na matrícula do imóvel.

O art. 8º, da Lei n. 8.245/1991 dispõe que "se o imóvel for alienado durante a locação, o
adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação,
salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em
caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel". Ainda no referido
dispositivo, os §§ 1º e 2º, apontam que "idêntico direito terá o promissário comprador e o
promissário cessionário, em caráter irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título
registrado junto à matrícula do mesmo" e que "a denúncia deverá ser exercitada no prazo de
noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso, presumindo-se, após esse
prazo, a concordância na manutenção da locação".

E se o locatário (denunciado o contrato ou vencido o prazo) não desocupar o imóvel?


Qual ação cabível: despejo ou imissão de posse?

A resposta está no art. 5º da Lei nº 8.245/91, que dispõe que “seja qual for o
fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo”.

Vale dizer: a aquisição do imóvel não extingue o contrato de locação, razão pela qual o
comprador, caso queira ser imitido na posse do bem, deverá, observar a regra prevista no art.
8º da Lei de Locações, ajuizar ação de despejo.

Nesse sentido é o entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE. NEGATIVA DE


PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. BEM
IMÓVEL LOCADO. ALIENAÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO. DENÚNCIA PELO

18
Vale registrar que, caso o locador pretenda alienar o imóvel, o locatário tem direito de
preferência. Nesse sentido, dispõe o art. 27 da Lei nº 8.245/91 que “no caso de venda, promessa de
venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência
para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe
conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência
inequívoca”. O parágrafo único do citado artigo estabelece, ainda, que “a comunicação deverá conter
todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus
reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente”e.

151
CAPÍTULO 4

ADQUIRENTE. POSSIBILIDADE. ART. 8º DA LEI Nº 8.245/1991. RETOMADA DO


BEM. PRETENSÃO. AÇÃO DE DESPEJO. VIA ADEQUADA. ART. 5º DA LEI Nº
8.245/1991. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2
e 3/STJ). 2. Na origem, cuida-se de ação de imissão de posse proposta por
adquirente de imóvel alugado , que pretende, após a denúncia do contrato de
locação, reaver a posse direta do bem. 3. As questões controvertidas no
presente recurso podem ser assim resumidas: (i) se o acórdão recorrido
padece de vício de nulidade por negativa de prestação jurisdicional e (ii) qual é
a via processual adequada para a retomada da posse direta pelo adquirente
de imóvel objeto de contrato de locação: ação de imissão de posse ou ação de
despejo. 4. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de
origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com
a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido
pretendido pela parte. 5. A alienação do imóvel durante a relação locatícia não
rompe a locação, que continuará tendo existência e validade, de modo que o
adquirente que assume a posição do antigo proprietário tem o direito de
denunciar o contrato se assim desejar ou de permanecer inerte e sub-rogar-se
nos direitos e deveres do locador, dando continuidade à relação locatícia.
6. O adquirente de imóvel locado tem direito de denunciar o contrato de
locação na forma do art. 8º da Lei n° 8.245, mas só poderá reaver a posse
direta do imóvel mediante o ajuizamento da ação de despejo, nos termos do
art. 5° da mesma lei, sob pena de malferir o direito de terceiro que
regularmente ocupa o bem. 7. A ação adequada para reaver o imóvel em casos
de aquisição de imóvel locado é a ação de despejo, não servindo para esse
propósito a ação de imissão de posse. 8. Recurso especial provido. (REsp n.
1.864.878/AM, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 30/8/2022, DJe de 5/9/2022.)

6. AÇÃO PUBLICIANA
6.1. Ação publiciana
6.1.1. Cabimento

A ação publiciana não está prevista expressamente no Código Civil. É pouco utilizada
na prática, mas possui grande importância. Muitos se referem à ação publiciana como ação
reivindicatória daquele que não tem título. Essa ideia está correta.

Para melhor compreender o cabimento da ação publiciana, imagine o seguinte caso:


João exerceu posse ad usucapionem sobre um imóvel por 15 anos ininterruptos. Após esse
prazo, foi esbulhado por Antônio, mas acabou não ajuizando ação de reintegração de posse.
Antônio, por sua vez, celebrou com Maria contrato de cessão de direitos possessórios,
passando o imóvel, então, a ser ocupado por Maria (de boa-fé). João, primeiro possuidor,

152
CAPÍTULO 4

resolve recuperar a sua posse. Ocorre que ele não pode ajuizar ação de reintegração de
posse, pois não foi esbulhado por Maria. Também não pode ajuizar ação reivindicatória, pois
não possui título. Contudo, João, mesmo sem título, já é proprietário do imóvel, pois já
preencheu os requisitos da usucapião.

A ação que deve ser proposta por João é a ação publiciana. Trata-se, portanto, da ação
do proprietário que ainda não obteve a declaração da usucapião contra o possuidor.

Também é cabível o ajuizamento da ação publiciana no caso de esbulho, muito


embora, na prática, entende-se ser melhor o ajuizamento de ação de reintegração de posse,
especialmente para fins de obtenção de liminar.

Note que o pedido a ser formulado na ação publiciana não é a declaração da


usucapião. A usucapião é o fundamento. O pedido é a imissão de posse.

O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência admitindo a propositura da ação


publiciana. Segundo a Suprema Corte, a ação publiciana “funda-se na posse e posse que
conduz à prescrição”, ou seja, “tem como antessuposto posse ad usucapionem, posse em vias
de se categorizar como propriedade.” (RE 10.10.604/SP, Rel. Ministro Orozimbo Nonato, 2ª
Turma, j. 25/07/1950).

No mesmo sentido já decidiu o TJSP:

“... possuidor sem posse atual, da qual despojado por ato injusto de terceiro,
mas com direito à usucapião, ainda não declarado por sentença, pode
demandar proteção por meio da ação publiciana.” (Ap. 9000088-
77.2009.8.26.0224, Rel. Guilherme Santini Teodoro, 2ª Câmara de Direito
Privado, j. 27/09/2016).

A doutrina também admite a propositura da ação publiciana na hipótese em que, ao


perder a posse, o autor estava na iminência de adquirir a propriedade pela usucapião.

6.2. Requisitos
São requisitos da ação publiciana:

a) Transcurso de lapso temporal para aquisição por usucapião (ou iminência de


preencher os requisitos da usucapião;

b) Ausência de ação de usucapião pendente

c) Perda da posse atual

d) Ausência de título de domínio.

153
CAPÍTULO 4

6.3. Procedimento
A ação publiciana observará o procedimento comum cabendo ao autor, na petição
inicial, demonstrar o preenchimento dos requisitos elencados no item anterior: a)
preenchimento dos requisitos da usucapião; b) ausência de ação de usucapião pendente; c)
perda da posse atual; d) ausência de título de domínio.

No mais, segue exatamente a mesma estrutura da ação reivindicatória inclusive no


tocante à defesa do réu.

Ao final, caso o juiz julgue procedente o pedido do autor determinará a sua imissão na
posse do bem.

7. AÇÃO EX EMPTO
7.1. Venda ad corpus e ad mensuram
Nos contratos de compra e venda de imóveis, o interesse principal do comprador pode
ser pelo bem em si pouco importando a sua exata medida ou, por outro lado, o seu interesse
pode ser pelas dimensões do bem.

Na venda ad mensuram, o alienante especifica a medida exata do bem imóvel objeto do


contrato (ex.: imóvel rural de 5.000 hectares). Essa especificação também pode se relacionar
ao preço (ex.: R$ 15.000,00 o m2).

Na venda ad corpus, o que importa é a coisa objeto do contrato, pouco importando


suas medidas exatas.

Se o contrato estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva


área, o contrato deve ser considerado como ad mensuram. Caso a área não corresponda à
dimensão especificada, o comprador terá direito de exigir o complemento da área. Se isso
não for possível, o comprador terá direito à resolução do contrato ou o abatimento
proporcional do preço.

Tais consequências estão previstas no art. 500, caput, do CCC, in verbis:

Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de


extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em
qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir
o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução
do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

Se a dimensão prevista no contrato não exceder a 1/20 (5%) da área real, o Código Civil
considera que a previsão contida no contrato é meramente enunciativa, sem que o
comprador possa reclamar a complementação da área, a rescisão do contrato ou o

154
CAPÍTULO 4

abatimento proporcional do preço, salvo se o comprado provar que, se soubesse da


diferença não teria celebrado o negócio (art. 500, § 1º, do CC).

Exemplo: contrato de compra e venda de imóvel no qual consta como área total 1.000
hectares. Após a aquisição, o comprador realiza a medição da área e descobre que, em
verdade, ela tem 990 hectares. A diferença foi inferior a 5% da área prevista no contrato
presumindo-se, portanto, insignificante.

Por outro lado, pode ser que a dimensão real da área seja maior que aquela prevista
no contrato. Nesse caso, o vendedor não poderá reclamar, salvo se provar que tinha motivos
para ignorar a medida real da área. Se o vendedor conseguir provar, o comprador poderá
escolher entre complementar o valor ou devolver o excesso art. 500, § 2º, do CC). Nesse caso,
o vendedor não poderá pleitear a resolução do contrato.

Tratando-se de relação de consumo, ainda que a diferença seja inferior a 5% da


extensão total prevista no contrato, não é possível considerar como meramente enunciativa,
não se aplicando, portanto, o § 1º do art. 500 do CC haja vista que, nas relações de consumo,
o consumidor é parte vulnerável. Nesse sentido:

Civil. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo


Código de Defesa do Consumidor. Referência à área do imóvel. Diferença entre
a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão
total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da
responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao
consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio
contratual. Boa-fé objetiva. - A referência à área do imóvel nos contratos de
compra e venda de imóvel adquiridos na planta regidos pelo CDC não pode ser
considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada
entre a área mencionada no contrato e a área real não exceda um vigésimo
(5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser
caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor
o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do
contrato. - A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de
compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor
provoca instabilidade na relação contratual. - O Estado deve, na coordenação
da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com
o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade
coletiva. - Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das
cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável
ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a
imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC. - O juiz da eqüidade
deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento. -
Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo
desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando,
assim, ferido o princípio da eqüidade contratual, deve ele receber uma
proteção compensatória. - Uma disposição legal não pode ser utilizada para

155
CAPÍTULO 4

eximir de responsabilidade o contratante que age com notória má-fé em


detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de
exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier
em prejuízo de outrem. - Somente a preponderância da boa-fé objetiva é
capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual. Recurso especial
conhecido e provido. (REsp n. 436.853/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi,
Terceira Turma, julgado em 4/5/2006, DJ de 27/11/2006, p. 273.)

Caso o contrato de compra e venda faça menção à dimensão da área de forma


meramente enunciativa considera-se a venda como ad corpus, razão pela qual não haverá
complemento de área, nem devolução de excesso. Nesse sentido é o § 3º do art. 500 do CC:

§ 3º Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel


for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a
referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter
sido a venda ad corpus.

Há, decerto, uma dificuldade prática em se considerar a venda como sendo ad corpus
ou ad mensuram. Serão as particularidades do caso concreto que permitirão aferir a intenção
das partes e, consequentemente, se as dimensões previstas no contrato foram meramente
enunciativas ou determinantes para a celebração do negócio pelo comprador.

7.2 Ações judiciais cabíveis


Caso a venda do imóvel tenha sido celebrada ad mensuram e as dimensões da área
foram inferiores às dimensões previstas no contrato, excedendo a 5%, nos termos do art.
500, caput, do CC, o comprador poderá ajuizar a ação ex empto, a qual tem por objetivo a
complementação da área faltante. Somente se não for possível complementar a área é que o
comprador poderá propor a ação estimatória (quanti minoris) e a ação redibitória. Veja os a
diferença entre essas ações:

a) Ação ex empto: trata-se de ação que tem por objetivo a complementação da área
imobiliária faltante.

b) Ação estimatória (ou quanti minoris): trata-se de ação que tem por objetivo o
abatimento do preço, tendo em vista que o imóvel possui dimensão menor do que a prevista
no contrato. A ação estimatória busca conservar o negócio jurídico, possibilitando ao
adquirente exigir o abatimento no preço pago correspondente ao desfalque. A ação
observará o procedimento comum;

c) Ação redibitória: trata-se de ação que tem por objetivo rescindir o contrato de
compra e venda. A ação observará o procedimento comum. O fundamento será a diferença
existente, e o pedido será a resolução do contrato e restituição do valor devidamente
atualizado a partir de cada desembolso e com juros de mora a contar da citação;

156
CAPÍTULO 4

As ações supracitadas podem ser cumuladas com pedido de perdas e danos, cabendo
ao autor, evidentemente, provar a ocorrência de prejuízo.

As ações supramencionadas devem ser propostas no prazo decadencial de 1 (um) ano,


a contar do registro do título, conforme previsão do art. 501 do CC. Se o comprador foi
imitido na posse do imóvel somente após o registro e o atraso se deu por culpa do vendedor,
o prazo decadencial terá início apenas na data da imissão na posse.

8. AÇÃO DE DIVISÃO E DEMARCAÇÃO DE TERRAS


PARTICULARES
8.1. Aspectos práticos sobre a ação de divisão e demarcação de terras
particulares
A ação de divisão e demarcação de terras está relacionada ao direito de propriedade.
Aliás, a ação de demarcação de terras é uma ação imobiliária.

Nesse ponto, o artigo 1228 do Código Civil dispõe que “o proprietário tem a faculdade
de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha”. Assim, o direito de propriedade se revela por essa
faculdade que o proprietário tem de usar, gozar e dispor da coisa, ou até mesmo reavê-la.

A individualização da coisa e os limites da propriedade (verticais e horizontais) também


são pontos relevantes para o estudo da ação de divisão e demarcação de terras particulares.

Nos termos do art. 1297 do CC/02, “o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou
tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante
a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a
renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os
interessados as respectivas despesas”.

A ação de divisão e a ação de demarcação de terras particulares possuem natureza


dúplice, pois será prestada tutela jurisdicional ao autor e também ao réu, dispensando-se
pedido deste, que também terá a sua terra dividida ou demarcada.

Também é importante destacar que ambas as ações não se sujeitam a prazo, na


medida em que o direito à divisão ou à demarcação, de natureza potestativa se submeteria à
decadência não havendo, entretanto, prazo estipulado em lei para o exercício dos referidos
direitos.

A ação demarcatória cabe ao proprietário que pretenda obter certeza acerca das linhas
divisórias e limitadoras entre duas propriedades, seja para criá-las, seja para aviventá-las (art.
569, I, CPC; arts. 1.297 e 1.298, CC). A ação divisória cabe ao condômino que pretenda o
desfazimento do condomínio, seja por meio de divisão in natura da própria coisa, seja para a

157
CAPÍTULO 4

apuração do valor da coisa mediante transformação em quinhões, se se tratar de bem


indivisível (art. 569, II, CPC; arts. 1320 a 1322, CC).

8.2. Necessidade de demarcação


Surge a necessidade de demarcação com o objetivo de estremar os prédios de modo à:
(i) fixar novos limites; (ii) aviventar os apagados.

Assim, a demarcação tem relação com propriedades limítrofes. Saber se determinada


área não avançou na área do vizinho ou o inverso.

8.3. necessidade de divisão


Surge a necessidade de divisão com o objetivo de estremar quinhões.

A divisão se relaciona com a copropriedade (duas ou mais pessoas são proprietárias


daquele bem). A ação de divisão irá proporcionar saber qual o quinhão devido a cada
coproprietário.

Nos termos do art. 1314 do CC/02, “cada condômino pode usar da coisa conforme sua
destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de
terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.

Em complemento, o art. 1320 do CC/02 determina que “a todo tempo será lícito ao
condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua
parte nas despesas da divisão”.

8.4. Cumulação de pedidos


Admite-se a cumulação dos pedidos divisório e demarcatório, nos termos do art. 569
do Código de Processo Civil:

Art. 569. Cabe:


I - ao proprietário a ação de demarcação, para obrigar o seu confinante a
estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou
aviventando-se os já apagados;
II - ao condômino a ação de divisão, para obrigar os demais consortes a
estremar os quinhões.

Entretanto, orienta o art. 570, CPC, “é lícita a cumulação dessas ações, caso em que
deverá processar-se primeiramente a demarcação total ou parcial da coisa comum, citando-
se os confinantes e os condôminos”.

Trata-se de uma cumulação bastante singular, que se opera de modo sucessivo e que é
ajuizada em face de diferentes réus, uma vez que se processará, em primeiro lugar, a ação de
demarcação (determinando-se qual é exatamente a área) e, somente após, terá início a ação

158
CAPÍTULO 4

de divisão (partindo daquilo que for decidido na demarcação e desfazendo-se o condomínio


internamente).

8.5. Posição dos confinantes na demarcação e divisão


A posição do confinante depende do pedido que for feito. Na ação de demarcação de
terra, o confinante será réu. Já na ação de divisão, o confinante será um terceiro que pode ter
interesse jurídico na causa.

Se após a demarcação o confiante se sentir prejudicado, dispõe o art. 572 do CPC:

Art. 572. Fixados os marcos da linha de demarcação, os confinantes


considerar-se-ão terceiros quanto ao processo divisório, ficando-lhes, porém,
ressalvado o direito de vindicar os terrenos de que se julguem despojados por
invasão das linhas limítrofes constitutivas do perímetro ou de reclamar
indenização correspondente ao seu valor.
§ 1º No caso do caput , serão citados para a ação todos os condôminos, se a
sentença homologatória da divisão ainda não houver transitado em julgado, e
todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados, se a ação for proposta
posteriormente.
§ 2º Neste último caso, a sentença que julga procedente a ação, condenando a
restituir os terrenos ou a pagar a indenização, valerá como título executivo em
favor dos quinhoeiros para haverem dos outros condôminos que forem parte
na divisão ou de seus sucessores a título universal, na proporção que lhes
tocar, a composição pecuniária do desfalque sofrido.

8.6. Demarcação e divisão extrajudicial


É possível a demarcação e divisão extrajudicial, sendo necessário que todos estejam de
acordo e sejam maiores e capazes. Nos termos do art. 571 do CPC, “a demarcação e a divisão
poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos
os interessados, observando-se, no que couber, os dispositivos deste Capítulo”.

Nos termos do art. 1321 do CC/02, “aplicam-se à divisão do condomínio, no que


couber, as regras de partilha de herança (arts. 2.013 a 2.022)”, bem como art. 2015 do CC/02,
“Se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura pública, termo
nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo juiz”.

8.7. Procedimento da ação demarcatória


A petição inicial (art. 319 e 320 do CPC) da ação demarcatória deverá ser instruída com
o título de propriedade, indicar todos os confinantes da linha (que formarão um litisconsórcio
necessário), designar o imóvel pela situação e pela denominação e, ainda, descrever os
limites por constituir ou aviventar (art. 574, CPC).

Qualquer condômino possui legitimidade para promover a demarcação do imóvel


comum. Trata-se de hipótese de legitimação extraordinária, em que qualquer deles pode agir

159
CAPÍTULO 4

em nome dos demais, que serão intimados para intervir (art. 575, CPC). É admissível a
formação de litisconsórcio no polo ativo, que será facultativo e unitário.

Por se tratar de ação real imobiliário, o foro competente será do local do imóvel.

Na forma do art. 576, CPC, a citação dos réus deverá, em regra, ser realizada pelo
correio, ressalvada a hipótese do art. 247, CPC, que prevê as hipóteses em que a citação
deverá ocorrer por oficial de justiça. Também é cabível a citação por edital (arts. 576,
parágrafo único, e 259, III, CPC), na medida em que se trata de ação em que é necessária, por
lei, a provocação de interessados incertos ou desconhecidos para participação do processo.

O réu poderá alegar qualquer tese defensiva (ex.; nulidade do título de domínio,
correção dos marcos demarcatórios, usucapião etc).

A ação possui natureza dúplice, e no que se refere à reconvenção, se o pedido for


apenas para demarcação em si, o réu não precisará apresentar reconvenção. Entretanto, se o
réu pretender outras questões (ex.: pedido reivindicatório ou possessório) precisará
apresentar reconvenção, por ser outra pretensão.

O prazo para resposta dos réus será comum de 15 dias (art. 577, CPC) havendo
divergência doutrinária acerca da incidência, ou não, da regra do art. 229, CPC (dobra de
prazo para litisconsortes com diferentes procuradores em processo físico), entendendo-se,
majoritariamente, pela possibilidade de dobra.

Antes de proferir a sentença o juiz nomeará um ou mais peritos para tracejar a linha
demarcada (art. 579, CPC). A realização da prova técnica é obrigatória, ressalvada a hipótese
de imóvel georreferenciado (art. 573, CPC), em que é dispensável.

Assim, em se tratando de imóvel georreferenciado, isto é, com mapeamento de acordo


com o Sistema Geodésico Brasileiro (que é obrigatório em imóveis rurais, conforme Lei
10.267/2001, sem o qual não se insere o imóvel no CNIR – Cadastro Nacional de Imóveis
Rurais e, assim, não se faz nenhuma alteração cartorial da propriedade) e se o mapeamento
estiver averbado no registro do imóvel, poderá ser dispensada a realização de prova pericial
na ação divisória ou demarcatória (art. 573, CPC).

Admite-se a produção de outros meios de prova além da prova pericial. A sentença que
determinar o traçado terá natureza declaratória (se apenas afastar as dúvidas acerca dos
limites) ou constitutiva (se fixar limites onde antes não havia); será de procedência se acolher
a pretensão de demarcação nos limites estabelecidos pelo autor na petição inicial ou de
improcedência se consignar como corretos os limites tracejados pelo réu na contestação.
Também, se o caso, determinará a restituição de área invadida e declarará o domínio e/ou a
posse do prejudicado (art. 581, CPC). Da sentença, que encerrará essa fase da ação
demarcatória caberá apelação com efeito suspensivo.

Após o trânsito em julgado da fase acima mencionada, terá início a fase de


cumprimento de sentença (ou a segunda fase da demarcatória) (art. 582, CPC), ocasião em

160
CAPÍTULO 4

que caberá ao perito dar efetivo cumprimento ao comando judicial, efetuando a demarcação
e colocando os marcos necessários (art. 584, CPC), consignando tudo em planta e em
memorial descritivo cujos requisitos estão no art. 583, CPC, com as referências para a
identificação dos pontos assinalados.

Art. 583. As plantas serão acompanhadas das cadernetas de operações de


campo e do memorial descritivo, que conterá:
I - o ponto de partida, os rumos seguidos e a aviventação dos antigos com os
respectivos cálculos;
II - os acidentes encontrados, as cercas, os valos, os marcos antigos, os
córregos, os rios, as lagoas e outros;
III - a indicação minuciosa dos novos marcos cravados, dos antigos
aproveitados, das culturas existentes e da sua produção anual;
IV - a composição geológica dos terrenos, bem como a qualidade e a extensão
dos campos, das matas e das capoeiras;
V - as vias de comunicação;
VI - as distâncias a pontos de referência, tais como rodovias federais e
estaduais, ferrovias, portos, aglomerações urbanas e polos comerciais;
VII - a indicação de tudo o mais que for útil para o levantamento da linha ou
para a identificação da linha já levantada.

É obrigatória a colocação de marcos tanto na estação inicial, dita marco primordial,


quanto nos vértices dos ângulos, salvo se algum desses últimos pontos for assinalado por
acidentes naturais de difícil remoção ou destruição (art. 584 do CPC).

Há a necessidade de emissão de um relatório pelos peritos (art. 585, CPC) denominado


auto de demarcação, sobre o qual as partes poderão se manifestar no prazo comum de 15
dias (art. 586, CPC), antes da homologação do relatório do perito pelo juiz (art. 587, CPC). Essa
fase, que se assemelha ao cumprimento de sentença ou à execução do julgado (tanto que
ocorre somente após o trânsito em julgado) encerra-se por sentença impugnável por
apelação sem efeito suspensivo (art. 1.012, §1º, I, CPC).

8.8 . Introdução
Nos termos do art. 1.314 do CC, “cada condômino pode usar da coisa conforme sua
destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de
terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”. Tal situação de
comunhão, porém, não é perpétua, pois, “a todo tempo será lícito ao condômino exigir a
divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da
divisão” (art. 1.320 do CC).

Para fazer cessar a comunhão o condômino pode se valer da ação de divisão, a fim de
obrigar os demais consortes a estremar os quinhões (art. 569, II, do CPC). Não se pode perder
de vista que há bens divisíveis e há bens indivisíveis. Os bens divisíveis são os que se podem

161
CAPÍTULO 4

fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do


uso a que se destinam (art. 87 do CC) (ex.: sacas de soja).

Por outro lado, os bens indivisíveis são os que não podem fracionar sem alteração na
sua substância. Tal indivisibilidade pode ser natural (ex.: um veículo) decorrer da lei (ex.:
módulo rural) ou decorrer da vontade das partes (ex.: as partes pactuam que o pagamento de
determinada obrigação pecuniária seja realizado de uma só vez).

A ação de divisão de terras particulares tem por objeto estremar os quinhões de dois
ou mais condôminos de um mesmo imóvel. O direito à divisão é, pois, um direito potestativo,
pois ninguém é obrigado a permanecer, ad aeternum, em comunhão com outrem. Tanto que
se todos os demais condôminos manifestarem interesse na manutenção do condomínio,
aquele que não mais o quiser ainda assim fará jus à divisão.

8.9. Primeira fase


A ação de divisão é composta por duas fases: na primeira, busca-se a certificação
quanto ao direito à divisão. Na segunda, busca-se efetivar a divisão no plano fático.

8.9.1. Legitimidade

A legitimidade ativa será do condômino (art. 569, II, do CPC), o qual pode ou não ter a
propriedade plena do imóvel. Assim, é possível, por exemplo, que a ação seja proposta pelo
enfiteuta, nu-proprietário, fiduciário ou mesmo usufrutuário.

Por se tratar de ação real imobiliária, caso o autor seja casado, será necessário o
consentimento do seu cônjuge, salvo se casados sob o regime da separação absoluta de bens
(art. 73, caput, do CPC).

A legitimidade do herdeiro para a divisão dos bens deixados pelo de cujus depende de
prévia homologação da partilha. Isso porque a herança defere-se como um todo unitário,
ainda que vários sejam os herdeiros (art. 1.791 do CC), sendo que, até a partilha, o direito dos
coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas
normas relativas ao condomínio (art. 1.791, parágrafo único, do CC). A partilha, portanto, é
necessária para a definição dos bens deixados pelo extinto, definição dos herdeiros e dos
seus respectivos quinhões.

Se o de cujus era condômino de algum bem, o espólio terá legitimidade para requerer
a divisão, enquanto não houver a partilha no juízo do inventário. No polo passivo, por sua vez,
figurarão os demais condôminos, os quais formarão um litisconsórcio necessário. Havendo
algum réu casado, seu cônjuge também deverá ser citado, salvo se casados sob regime da
separação absoluta de bens (art. 73, § 1º, I, do CPC).

162
CAPÍTULO 4

8.9.2. Competência

Por se tratar de ação real imobiliária, a competência será do foro do local do imóvel
(art. 47 do CPC). Trata-se de competência absoluta e, portanto, imodificável, quer seja pela
vontade das partes, quer seja por regras de conexão ou continência. Se a extensão do imóvel
abranger mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária ficará prevento o juízo de
qualquer deles, cuja competência estender-se-á sobre a totalidade do imóvel (art. 60 do CPC).

Havendo interesse da União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e


fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional a competência será da Justiça
Federal (art. 109, I, da CF e art. 45 do CPC).

8.9.3. Petição inicial

Além dos requisitos exigidos pelos arts. 319 e 320 do CPC, a petição inicial será
instruída com os títulos de domínio do promovente e conterá: a) a indicação da origem da
comunhão e a denominação, a situação, os limites e as características do imóvel; b) o nome, o
estado civil, a profissão e a residência de todos os condôminos, especificando-se os
estabelecidos no imóvel com benfeitorias e culturas; c) as benfeitorias comuns (art. 588 do
CPC).

8.9.4. Citação

As regras citatórias são as mesmas previstas para a ação de demarcação (art. 576 do
CPC), conforme prevê o art. 589 do CPC. Recebida a petição inicial, o juiz determinará a
citação dos réus. Além disso, deverá o juiz determinar a publicação de edital, a fim de
possibilitar a participação de interessados incertos ou desconhecidos (arts. 259, III e 576,
parágrafo único, do CPC).

8.9.5. Defesa do réu

Feitas as citações, terão os réus o prazo comum de 15 (quinze) dias para contestar
(arts. 577 e 589 do CPC). Se os réus tiverem diferentes procuradores, de escritórios de
advocacia distintos, e o processo não for eletrônico, o prazo será contado em dobro (art. 229,
caput e § 2º, do CPC).

As matérias defensivas podem ser das mais diversas. Não há restrição. Assim, podem
os réus, além das questões preliminares (art. 337 do CPC) alegar, por exemplo, a nulidade do
título em que o autor fundamenta o seu direito de propriedade, usucapião, indivisibilidade do
bem, existência de benfeitorias etc.

A ação de divisão tem natureza dúplice, de tal sorte que a divisão a ser realizada, ao
final, valerá tanto para o autor quanto para os réus. Assim, qualquer discussão referente à
divisão em si poderá ser suscitada pelos réus na própria contestação, não sendo necessário
apresentar reconvenção.

163
CAPÍTULO 4

A reconvenção, porém, será possível, quando a pretensão dos réus não se limitar ao
pedido de divisão. É possível, por exemplo, a apresentação de reconvenção para formular um
pedido reivindicatório.

Apresentada a resposta, observar-se-á o procedimento comum (art. 578 do CPC).

8.9.6. Instrução

No procedimento da ação de divisão, não há discussão acerca de questões


demarcatórias, salvo, claro, quando houver a cumulação de ambas as ações (demarcação e
divisão). Embora o CPC seja omisso, na ação de divisão, assim como ocorre na ação de
demarcação haverá duas sentenças, sendo uma para cada fase. Isso porque é preciso que o
juiz julgue, em primeiro lugar, se o imóvel pode ou não ser dividido.

A instrução que ocorrerá na primeira fase deve dizer respeito tão somente ao direito
ou não do autor à divisão e à possibilidade ou não de divisão do imóvel. Se for necessária a
produção de prova pericial, esta ocorrerá para este fim não se confundindo com a perícia a
que se refere o art. 590 do CPC, a qual diz respeito à segunda fase, ou seja, a concretização da
divisão. Não obstante, embora não seja recomendável, nada impede que o juiz já realize a
referida perícia, hipótese em que não haverá qualquer prejuízo às partes.

8.9.7. Sentença

Encerrada a instrução, o juiz proferirá sentença, julgando procedente ou improcedente


o pedido divisório. Tal sentença tem natureza declaratória e desafia recurso de apelação (art.
1.009 do CPC).

8.9.1.Segunda fase
A segunda fase é destinada à execução da divisão iniciando-se com a intimação dos
condôminos para apresentação dos seus títulos.

8.9.1.1 Apresentação dos títulos e impugnação aos pedidos de constituição de


quinhões

Transitada em julgado a sentença, todos os condôminos serão intimados a apresentar,


dentro de 10 (dez) dias, os seus títulos, se ainda não o tiverem feito, e a formular os seus
pedidos sobre a constituição dos quinhões (art. 591 do CPC). O condômino que não
apresentar o seu título será, evidentemente, excluído da divisão.

Formulados os pedidos de constituição de quinhões abre-se um prazo de 15 (quinze)


dias para que as partes apresentem eventual impugnação a esses pedidos (art. 592, caput, do
CPC). Não havendo impugnação o juiz determinará a divisão geodésica do imóvel (art. 592, §
1º, do CPC).

Havendo impugnação o juiz proferirá, no prazo de 10 (dez) dias, decisão sobre os


pedidos e os títulos que devam ser atendidos na formação dos quinhões (art. 592, § 2º, do

164
CAPÍTULO 4

CPC). Trata-se de decisão interlocutória irrecorrível de imediato, pois não está contemplada
no art. 1.015 do CPC, razão pela qual caberá à parte interessada, por ocasião do recurso de
apelação interposto contra a sentença ou apresentação de contrarrazões ao recurso de
apelação, suscitar a questão como preliminar (art. 1.009, § 1º, do CPC).

Se qualquer linha do perímetro atingir benfeitorias permanentes dos confinantes feitas


há mais de 1 (um) ano serão elas respeitadas, bem como os terrenos onde estiverem, os
quais não se computarão na área dividenda (art. 593 do CPC).

8.9.1.2. Posição dos confinantes na ação de divisão

O tema já foi abordado no subitem 7.3 deste capítulo. Foi dito, naquela oportunidade,
que, após a divisão, algum confinante pode se sentir despojado de sua propriedade. Nesse
caso, caberá ao confinante do imóvel dividendo vindicar, mediante propositura da ação, a
restituição dos terrenos que lhe tenham sido usurpados (art. 594 do CPC).

Serão citados para a ação todos os condôminos, se a sentença homologatória da


divisão ainda não houver transitado em julgado, e todos os quinhoeiros dos terrenos
vindicados, se a ação for proposta posteriormente (art. 594, § 1º, do CPC). Nesse último caso
(após o trânsito em julgado da homologação da divisão) terão os quinhoeiros o direito, pela
mesma sentença que os obrigar à restituição, a haver dos outros condôminos do processo
divisório ou de seus sucessores a título universal a composição pecuniária proporcional ao
desfalque sofrido (art. 594, § 2º, do CPC).

Aparentemente, o § 2º do art. 594 do CPC permite que o quinhoeiro que não fez parte
do processo possa ser executado pelo quinhoeiro que restituiu a área ou pagou a
indenização. Contudo, conforme vem entendendo a doutrina, cabe ao quinhoeiro
demandado promover a denunciação da lide aos quinhoeiros não demandados, para que
seja aplicada a regra do § 2º do art. 594 do CPC. Caso não sejam denunciados à lide, a
sentença não pode servir como título executivo em seu desfavor, cabendo ao quinhoeiro
demandado ajuizar ação de conhecimento contra os não demandados para haver, na
proporção que lhes tocar, a composição pecuniária do desfalque sofrido.

8.9.1.3. Medição e operações de divisão

Apresentados os títulos e resolvidas eventuais impugnações o juiz nomeará um ou


mais peritos para promover a medição do imóvel e as operações de divisão, observada a
legislação especial que dispõe sobre a identificação do imóvel rural (art. 590 do CPC). O perito
deverá indicar as vias de comunicação existentes, as construções e as benfeitorias, com a
indicação dos seus valores e dos respectivos proprietários e ocupantes, as águas principais
que banham o imóvel e quaisquer outras informações que possam concorrer para facilitar a
partilha (art. 590, parágrafo único, do CPC). A perícia observará as regras para produção de
prova pericial previstas no art. 464 e seguintes do CPC.

165
CAPÍTULO 4

Tratando-se de imóvel georreferenciado, com averbação no registro de imóveis o juiz


poderá dispensar a perícia (art. 573 do CPC).

Realizada a medição do imóvel e as operações de divisão, os peritos proporão, em


laudo fundamentado, a forma da divisão devendo consultar, quanto possível, a comodidade
das partes respeitar, para adjudicação a cada condômino, a preferência dos terrenos
contíguos às suas residências e benfeitorias e evitar o retalhamento dos quinhões em glebas
separadas (art. 595 do CPC).

As partes serão ouvidas sobre o cálculo e o plano da divisão no prazo comum de 15


(quinze) dias. Em seguida, o juiz deliberará a partilha (art. 596, caput, do CPC). Trata-se de
pronunciamento judicial de mérito. Como o processo seguirá para a organização do memorial
descritivo e lavratura do auto de divisão, tal pronunciamento tem natureza de decisão
interlocutória, a desafiar agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, II, do CPC.

Em cumprimento dessa decisão, o perito procederá à demarcação dos quinhões,


observando, além do disposto nos arts. 584 e 585 do CPC, as seguintes regras: a) as
benfeitorias comuns que não comportarem divisão cômoda serão adjudicadas a um dos
condôminos mediante compensação; b) instituir-se-ão as servidões que forem indispensáveis
em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para
que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com
o prédio serviente; c) as benfeitorias particulares dos condôminos que excederem à área a
que têm direito serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição; d) se outra
coisa não acordarem as partes, as compensações e as reposições serão feitas em dinheiro.

8.9.1.4. Memorial descritivo e auto de divisão

Terminados os trabalhos e desenhados na planta os quinhões e as servidões


aparentes, o perito organizará o memorial descritivo (art. 597, caput, do CPC). O juiz
determinará que as partes se manifestem sobre ele no prazo comum de 15 (quinze) dias.
Executadas as correções e as retificações que o juiz determinar, o escrivão lavrará o auto de
divisão, acompanhado de uma folha de pagamento para cada condômino.

O auto conterá: a) a confinação e a extensão superficial do imóvel; b) a classificação


das terras com o cálculo das áreas de cada consorte e com a respectiva avaliação ou, quando
a homogeneidade das terras não determinar diversidade de valores, a avaliação do imóvel na
sua integridade; c) o valor e a quantidade geométrica que couber a cada condômino,
declarando-se as reduções e as compensações resultantes da diversidade de valores das
glebas componentes de cada quinhão (art. 597, § 3º, do CPC).

Cada folha de pagamento conterá: a) a descrição das linhas divisórias do quinhão,


mencionadas as confinantes; b) a relação das benfeitorias e das culturas do próprio
quinhoeiro e das que lhe foram adjudicadas por serem comuns ou mediante compensação; c)
a declaração das servidões instituídas, especificados os lugares, a extensão e o modo de
exercício.

166
CAPÍTULO 4

O auto será assinado pelo juiz e pelo perito e, em seguida, será proferida sentença
homologatória da divisão (art. 597, § 2º, do CPC). O recurso cabível contra a sentença
homologatória, evidentemente, será a apelação.

A folha de pagamento constitui o título de propriedade do condômino, o qual a levará


para registro no Registro Imobiliário.

167
CAPÍTULO5

CAPÍTULO 5 AÇÕES LOCATÍCIAS

1. AÇÕES LOCATÍCIAS - LEI Nº 8.245/91


1.1. Introdução
A Lei nº 8.245/91, chamada de lei de locações ou lei do inquilinato, é dividida em uma
parte dedicada às “disposições gerais”, uma parte dedicada aos procedimentos e uma parte
dedicada às disposições gerais.

A Lei nº 8.245/91 não regula as seguintes locações: a) de imóveis de propriedade da


União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; b) de vagas
autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; c) de espaços
destinados à publicidade; d) em apart- hotéis, hotéis - residência ou equiparados, assim
considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam
autorizados a funcionar; e) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.

Todavia, a Lei nº 8.245/91 aplica-se às relações entre lojistas e empreendedores de


shopping center devendo prevalecer, contudo, as condições específicas livremente pactuadas
pelas partes.

Também não se aplicam as regras previstas no CDC às relações locatícias.

1.2. Competência
As ações locatícias devem ser propostas no foro eleito pelas partes no contrato de
locação. Não havendo cláusula de eleição de foro, a ação deve ser proposta no foro onde está
localizado o imóvel (art. 58, II, da Lei nº 8.245/91).

Vale registrar que o art. 58, II, da Lei nº 8.245/91 estabelece uma regra de competência
relativa. Isso significa dizer que cabe ao réu arguir preliminar de incompetência, caso o autor
não observe o comando legal. Caso o autor proponha a ação em foro diverso e o réu não
apresentar a preliminar haverá preclusão e o juízo se tornará o competente. Registre-se,
ainda, que, por se tratar de competência relativa, o juiz não pode declarar a incompetência de
ofício, nos termos da Súmula 33 do STJ.

1.3. Valor da causa


Nas ações locatícias, o valor da causa será o correspondente a 12 (doze) meses de
aluguel (art. 58, III, da Lei nº 8.245/91). Essa regra vale, inclusive, para as ações de consignação
em pagamento de aluguel, nos termos da Súmula 449 do STF (“O valor da causa, na
consignatória de aluguel, corresponde a uma anuidade”).

168
CAPÍTULO5

Tratando-se de contrato de locação celebrado entre empregador e empregado, extinto


o contrato de trabalho, o empregador-locador pode requerer o despejo do empregado-
locatário, tendo como fundamento justamente a extinção do contrato de trabalho. Nesse
caso, o valor da causa será o correspondente a três salários do empregado considerando,
evidentemente, a sua última remuneração.

1.4. Ausência de efeito suspensivo da apelação nas ações locatícias


Nas ações cíveis de uma forma geral, o recurso de apelação possui efeito suspensivo
automático. Isso significa dizer que enquanto pendente o recurso de apelação, a sentença
não poderá produzir os seus efeitos e, consequentemente, o vencedor não poderá requerer o
cumprimento provisório da sentença.

Tal previsão consta do art. 1.012, caput, do CPC. Todavia, o § 1º do art. 1.012 do CPC
estabelece algumas exceções, ou seja, situações nas quais o recurso de apelação não terá
efeito suspensivo automático. Vejamos:

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.


§ 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos
imediatamente após a sua publicação a sentença que:
I - homologa divisão ou demarcação de terras;
II - condena a pagar alimentos;
III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do
executado;
IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;
VI - decreta a interdição.

Nota-se que o dispositivo não contempla nenhuma regra específica para as ações
locatícias. Tal regra, contudo, está prevista no art. 58, V, da Lei de Locações, que diz que “os
recursos interpostos contra as sentenças terão efeito somente devolutivo”. Vale dizer:
proferida a sentença, o vencedor poderá requerer o seu cumprimento imediato cabendo ao
vencedor, no recurso de apelação, tentar obter o efeito suspensivo junto ao relator do
recurso, nos termos do art. 1.012, § 4º , do CPC.

Nesse mesmo sentido, tratando-se de ação renovatória, caso o pedido do autor


(locatário) seja julgado improcedente, o juiz determinará a expedição do mandado de
despejo, nos termos do art. 74 da Lei de Locações.

Art. 74. Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de


mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a
desocupação voluntária, se houver pedido na contestação.

169
CAPÍTULO5

1.5. Execução de título extrajudicial


O contrato escrito de locação é título executivo extrajudicial (art. 784, VIII, do CPC).
Logo, o locador pode optar pela ação de execução de título executivo extrajudicial.

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:


(...);
VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de
imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de
condomínio.

Note que em nenhum momento o dispositivo se refere à assinatura de duas


testemunhas. Portanto, a exequibilidade do contrato de locação não depende da assinatura
de duas testemunhas.

2. AÇÃO DE DESPEJO
2.1. Introdução
A ação de despejo é a medida judicial proposta pelo locador contra o locatário
objetivando a retomada do imóvel objeto da locação.

A Lei de Locações estabelece como causas extintivas do contrato de locação:

• Distrato entre as partes;

• Denúncia unilateral promovida pelo locatário: devolução do imóvel com pagamento


da multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato ou, na sua
falta, a que for judicialmente estipulada;

• Resolução por inadimplemento;

• Anulação, nos casos de vício ou defeito do negócio jurídico;

• Expiração do prazo contratual;

• Alienação do prédio, quando não houver previsão de manutenção do contrato.

Ocorrendo uma dessas causas e não havendo a desocupação voluntária e entrega do


imóvel, o locador deverá propor ação de despejo (art. 5º da Lei de Locações).

A ação judicial pode ser uma consequência da extinção do contrato ou mesmo a sua
causa. Exemplo: se João promove a ação de despejo tendo por fundamento o término do
contrato, a ação foi proposta como consequência da própria extinção da locação. Por outro
lado, se a ação é proposta em razão do descumprimento, pelo locatário, de suas obrigações,
a ação não será apenas de despejo, mas de resolução do contrato cumulada com despejo,
pois primeiro é preciso rescindir o contrato para, em seguida, obter-se o despejo do réu.

170
CAPÍTULO5

Vale lembrar que quando a ação de despejo for para uso próprio poderá ser ajuizada
no juizado especial cível, nos termos do art. 3º, III, da Lei nº 9.099/95.

2.2. Denúncia vazia e denúncia cheia


Denúncia vazia é aquela na qual a retomada do imóvel independe de qualquer
justificativa. É o que ocorre nas locações residenciais ajustadas por escrito e por prazo igual
ou superior a trinta meses, conforme prevê o art. 46 da Lei de Locações:

Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a
trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado,
independentemente de notificação ou aviso

Também haverá denúncia vazia nas locações não residenciais, quando houver o
vencimento do termo contratual (art. 56 da Lei de Locações).

A denúncia cheia, por sua vez, é aquela na qual a retomada do bem exige uma
motivação por parte do locador. As hipóteses estão previstas no art. 47 da Lei de Locações:

Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a
trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se
automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado
o imóvel:
I - Nos casos do art. 9º ;
II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do
imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego;
III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para
uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como
seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;
IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização
de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em,
no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel
ou pensão, em cinqüenta por cento;
V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.
§ 1º Na hipótese do inciso III, a necessidade deverá ser judicialmente
demonstrada, se:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:


I - por mútuo acordo;
II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder
Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do
locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti - las.
a) O retomante, alegando necessidade de usar o imóvel, estiver ocupando,
com a mesma finalidade, outro de sua propriedade situado nas mesma

171
CAPÍTULO5

localidade ou, residindo ou utilizando imóvel alheio, já tiver retomado o imóvel


anteriormente;
b) o ascendente ou descendente, beneficiário da retomada, residir em imóvel
próprio.
§ 2º Nas hipóteses dos incisos III e IV, o retomante deverá comprovar ser
proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário, em caráter
irrevogável, com imissão na posse do imóvel e título registrado junto à
matrícula do mesmo.

2.3. Especialidade do procedimento


A ação de despejo é um procedimento especial. Tal especialidade reside tão somente
na fase inicial do processo e na fase executiva. A ação tem força executiva pois, ao julgar
procedente o pedido de despejo, o juiz não condenará o réu a desocupar o imóvel mas,
expedirá, desde logo, mandado de despejo fixando um prazo para a desocupação voluntária
do réu e demais ocupantes. Não havendo desocupação no prazo assinalado proceder-se-á o
imediato despejo, com emprego de força e arrombamento, se necessário.

Art. 63. Julgada procedente a ação de despejo, o juiz determinará a expedição


de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a
desocupação voluntária, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes.
§ 1º O prazo será de quinze dias se:
a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decorrido mais
de quatro meses; ou
b) o despejo houver sido decretado com fundamento no art. 9o ou no § 2o do
art. 46.

2.4. Petição inicial


A ação de despejo será proposta pelo locador ou pelo seu sucessor (adquirente do
imóvel, espólio ou herdeiros). O locador não precisa ser proprietário do imóvel. O polo
passivo será ocupado pelo locatário e quem mais estiver no imóvel em nome deste. A título
de exemplo: se o locatário morrer, a ação será proposta contra o seu cônjuge e/ou herdeiros
que se encontrarem no imóvel. Havendo fiador, e a ação de despejo for cumulada com
cobrança, este poderá integrar o polo passivo em litisconsórcio com o locatário.

A petição inicial deve observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC, devendo estar
acompanhada do contrato de locação escrito. A existência de contrato escrito não é requisito
indispensável para a ação de despejo, pois a lei não exige solenidade. Contudo é natural que,
na falta de contrato escrito será mais difícil a obtenção da liminar.

Há casos em que o autor deverá juntar à petição inicial a prova da propriedade


imobiliária (certidão atualizada da matrícula) ou do compromisso de compra e venda
registrado na matrícula do imóvel. São eles:

172
CAPÍTULO5

a) Despejo para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público,


que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no
imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las (art. 9º, IV, da Lei de Locações);

b) Despejo para fins de demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras


aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte
por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta
por cento (art. 47, IV, da Lei de Locações);

c) Despejo, quando o proprietário, promissário comprador ou promissário cessionário,


em caráter irrevogável e imitido na posse, com título registrado, que haja quitado o
preço da promessa ou que, não o tendo feito seja autorizado pelo proprietário pedir o
imóvel para demolição, edificação, licenciada ou reforma que venha a resultar em
aumento mínimo de cinquenta por cento da área útil (art. 53, II, da Lei de Locações).

Em relação às hipóteses que fundamentam o pedido de despejo, previstas no art. 59, §


1º, do CPC deverá o autor provar a sua ocorrência.

2.5. Liminar
A liminar na ação de despejo tem natureza de tutela antecipada. Todavia, não se trata
de tutela de urgência, mas de evidência, como ocorre, por exemplo, nas ações possessórias.

Uma vez preenchidos os requisitos legais, o juiz concederá a liminar de despejo, sem
que, para isso, o autor tenha que demonstrar qualquer situação de perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo.

As hipóteses de concessão da liminar estão previstas no art. 59, § 1º, da Lei de


Locações. Para a concessão da liminar, o autor deverá prestar caução correspondente a 3
(três) meses de aluguel.

Vejamos as hipóteses:

a) Descumprimento do mútuo acordo (art. 9º, I, da Lei de Locações), desde que: i – o


acordo tenha sido celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas
testemunhas; ii – o acordo contenha prazo mínimo de 6 meses para a desocupação,
contado da assinatura do instrumento;

b) Extinção do contrato de trabalho (art. 47, II da Lei de Locações) havendo prova


escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência
prévia;

c) Término do prazo da locação para temporada19, tendo sido proposta a ação de


despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato. Após esse prazo, será

19
A locação para temporada está prevista nos arts. 48 a 50 da Lei de Locações. Nos termos do
art. 48 da lei de Locações, “considera - se locação para temporada aquela destinada à residência

173
CAPÍTULO5

possível ajuizar ação de despejo, porém não será possível o deferimento da liminar
com base nesse fundamento;

d) Morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação residencial, de acordo


com o referido no inciso I do art. 11 (cônjuge/companheiro; herdeiros necessários; ou
pessoas que dependiam economicamente do de cujus e que residam no imóvel),
permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei;

e) Quando extinta a locação, o sublocatário permanecer no imóvel;

f) Quando houver necessidade de reparação urgente no imóvel (art. 9º, IV, da Lei de
Locações);

g) Término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40 , sem


apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do contrato;

h) Término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30
(trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de
retomada;

i) Falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o


contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido
contratada ou em caso de extinção, ou pedido de exoneração dela
independentemente de motivo. Nesse caso, o locatário (réu) poderá, no prazo de 15
(quinze) dias da intimação concedidos para a desocupação do imóvel e
independentemente de cálculo efetuar depósito judicial que contemple a totalidade
dos valores devidos. O depósito deverá incluir: i - os aluguéis e acessórios da locação
que vencerem até a sua efetivação; ii - as multas ou penalidades contratuais, quando
exigíveis; iii - os juros de mora; iV - as custas e os honorários do advogado do locador
fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar
disposição diversa.

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade


de garantia, nos seguintes casos:
I - morte do fiador;
II – ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador,
declaradas judicialmente;
III - alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança
de residência sem comunicação ao locador;
IV - exoneração do fiador;
V - prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada
por prazo certo;

temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de
obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada
por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.

174
CAPÍTULO5

VI - desaparecimento dos bens móveis;


VII - desapropriação ou alienação do imóvel.
VIII - exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento;
IX - liquidação ou encerramento do fundo de investimento de que trata o
inciso IV do art. 37 desta Lei.
X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o
locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por
todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação
ao locador.
Parágrafo único. O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova
garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da
locação.

A depender da situação fática é possível obter a concessão da liminar de despejo


mesmo sem a prestação de caução. É o que ocorre, por exemplo, quando o valor do débito é
superior ao valor da caução a ser prestada pelo autor. nesse caso, poderá o autor requerer a
substituição da caução pelo próprio crédito relativo aos alugueres vencidos. Nesse sentido,
vejamos como já decidiu o TJDFT:

“[...] 1. O artigo 59, § 1º, inciso IX, da Lei nº. 8.245/91, prevê que a concessão de
liminar de despejo está condicionada à prestação de caução de valor
equivalente a três prestações locatícias. 2. É possível a substituição da caução
pelo crédito de aluguéis inadimplidos em favor do locador. 3. No particular,
evidencia-se que a inadimplência apontada perfaria montante superior a R$
30.000,00 (trinta mil reais), enquanto o pagamento da caução no valor
correspondente a 3 (três) meses de aluguel resultaria em um depósito de
cerca de R$ 8.700,00 (oito mil e setecentos reais), o que denotaria a
desproporcionalidade da medida, notadamente, considerando a possibilidade
de ser oferecida em garantia a parcela do próprio débito devido pela locatária.
4. Agravo de instrumento parcialmente provido. (Acórdão 1425379,
07037321020228070000, Relator: ALFEU MACHADO, 6ª Turma Cível, data de
julgamento: 18/5/2022, publicado no DJE: 2/6/2022. Pág.: Sem Página
Cadastrada.)

De igual forma, também é possível dispensar a prestação de caução, quando o autor


for hipossuficiente como ocorre, por exemplo, quando a fonte de renda do locador é
justamente os aluguéis. Vejamos:

“[...] 1. Verificando que a locadora é economicamente hipossuficiente, depende


do recebimento do aluguel para a sua subsistência e o contrato de locação
está desprovido de garantia, excepcionalmente, dado as peculiaridades do
caso, é possível dispensar a prestação de caução para se efetivar liminarmente
o despejo por comprovada falta de pagamento, inteligência dos artigos 59, §1º,
IX, e 79, da Lei nº 8.245/91, e 300, §1º, do CPC. 2. Agravo de instrumento
conhecido e não provido. (Acórdão 1410185, 07381682920218070000, Relator:

175
CAPÍTULO5

ANA CANTARINO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 23/3/2022, publicado no


DJE: 4/4/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

A liminar de despejo não pode ser deferida pelo juiz de ofício. Por se tratar de tutela
provisória exige-se o requerimento da parte autora.

Contra a decisão que defere ou indefere a liminar cabe agravo de instrumento.

2.6. Citação
Deferida a liminar, o réu será intimado e citado.

• Intimado para desocupar o imóvel no prazo de 15 (quinze) dias (art. 59, § 1º da Lei de
Locações), sob pena de desocupação forçada;

• Citado para contestar a ação no prazo de 15 (quinze) dias.

O réu, ao ser citado, poderá adotar uma das seguintes medidas:

a) Interpor recurso

Tendo em vista que a liminar de despejo é uma tutela provisória, o recurso cabível é o
agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC).

b) Apresentar contestação/reconvenção

Na contestação, o réu pode alegar questões processuais e questões de mérito. Pode


alegar, por exemplo, pagamento, direito à compensação, direito de retenção por benfeitorias
(salvo se tiver renunciado a esse direito)20.

O réu pode, ainda, apresentar reconvenção, quando a sua pretensão tiver alguma
conexão com o pedido principal ou os fundamentos da própria defesa, nos termos do art. 343
do CPC.

c) Purgar a mora

Quando a ação de despejo tiver por fundamento a falta de pagamento poderá o


locatário evitar a rescisão da locação e elidir a liminar de desocupação se, dentro dos 15
(quinze) dias concedidos para a desocupação do imóvel e independentemente de cálculo,
efetuar depósito judicial que contemple a totalidade dos valores devidos, na forma prevista
no inciso II do art. 62.

À luz do art. 62, II, da Lei de Locações, a purgação da mora deverá contemplar o
pagamento do débito atualizado, independentemente de cálculo e mediante depósito judicial,
incluídos: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as
multas ou penalidades contratuais, quando exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os

20
Nos termos da Súmula 335 do STJ, “nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à
indenização das benfeitorias e ao direito de retenção”.

176
CAPÍTULO5

honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se
do contrato não constar disposição diversa;

Segundo o STJ, o prazo de 15 (quinze) dias para a purgação da mora deve ser contado a
partir da juntada aos autos do mandado de citação/aviso de recebimento devidamente
cumprido.

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO. PURGAÇÃO


DA MORA. PRAZO. TERMO INICIAL. MANDADO. JUNTADA. DÉBITO.
CONTESTAÇÃO PARCIAL. DEPÓSITO. COMPLEMENTAÇÃO. ART. 62, III, DA LEI Nº
8.245/1991. INCOMPATIBILIDADE. 1. Na ação de despejo, o prazo de 15
(quinze) dias para purgação da mora deve ser contado a partir da juntada aos
autos do mandado de citação/aviso de recebimento devidamente cumprido. 2.
A contestação de parte do débito na ação de despejo por falta de pagamento é
incompatível com a intimação do locatário para fins de complementação do
depósito, nos moldes do art. 62, III, da Lei nº 8.245/1991, em relação às
parcelas tidas por ele como indevidas. 3. Recurso especial não provido. (REsp
n. 1.624.005/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 25/10/2016, DJe de 9/11/2016.)

d) Concordar com a desocupação

A concordância com a desocupação gera alguns importantes efeitos jurídicos


processuais, a depender do fundamento da ação de despejo.

O art. 61 da Lei de Locações prevê a possibilidade de abreviação do procedimento em


razão da concordância do réu com a desocupação, quando o despejo estiver fundado nas
seguintes causas:

a) Retomada por denúncia vazia, nas locações residenciais prorrogadas por prazo
indeterminado (art. 46, § 2º, da Lei de Locações);

b) Retomada para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso


residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge
ou companheiro, de imóvel residencial próprio (art. 47, III, da Lei de Locações);

c) Retomada para demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras


aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte
por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta
por cento (art. 47, IV, da Lei de Locações).

Nessas hipóteses, se o réu (locatário), no prazo da contestação, concordar com a


desocupação o juiz julgará antecipadamente o pedido e fixará prazo de seis meses para a
desocupação, contados da citação. O juiz condenará o réu ao pagamento das custas e
honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor dado à causa. Todavia, se a
desocupação ocorrer dentro do prazo fixado, o réu ficará isento do pagamento das custas e

177
CAPÍTULO5

honorários. Se não desocupar no prazo, será expedido mandado de despejo,


independentemente de nova intimação.

Essa aquiescência do réu não precisa ser expressa. A simples revelia já autoriza o
julgamento antecipado e a aplicação do art. 61 da Lei de Locações.

Nas demais hipóteses de ação de despejo, a aquiescência do réu quanto à


desocupação poderá gerar, conforme o caso, a perda superveniente do interesse de agir.
Assim se, após ser citado, o réu desocupa voluntariamente o imóvel o juiz poderá extinguir o
processo em relação ao pedido de despejo sem resolução do mérito, condenando o réu,
todavia, ao pagamento das despesas e honorários advocatícios (art. 85, § 10, do CPC). Se o
pedido de despejo for cumulado com o pedido de cobrança, o processo prosseguirá apenas
em relação ao pedido de cobrança.

2.7. Contestação
Na contestação, o réu poderá apresentar defesas processuais e defesas de mérito.
Tratando-se de despejo por denúncia cheia, a defesa do réu deve buscar impugnar os
motivos apresentados pelo autor. Tratando-se de despejo por denúncia vazia, a defesa do réu
fica praticamente limitada a questões processuais, tendo em vista a irrelevância dos motivos
que ensejaram o pedido de despejo.

Conforme entendimento do STJ, a opção pela purgação da mora, na ação de despejo


por falta de pagamento, é incompatível com a contestação do débito ou a revisão de
cláusulas contratuais.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.


RECONSIDERAÇÃO. NOVO EXAME DO FEITO. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE
PAGAMENTO. MORA NÃO PURGADA NA INTEGRALIDADE. MULTA MORATÓRIA
NÃO INCLUÍDA NOS DEPÓSITOS. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. REEXAME
DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. Decisão agravada
reconsiderada. Novo exame do feito. 2. A ausência de impugnação, nas razões
do recurso especial, de fundamento suficiente à manutenção do acórdão
estadual atrai a incidência das Súmulas 283 e 284 do STF. 3. No caso, o
Tribunal de Justiça concluiu que, "(...) diante dos depósitos efetuados, bem
como da própria confissão da ré, ao discordar da multa moratória, não houve
purga da mora em sua totalidade, de modo que correta a sentença de
procedência, decretado o despejo por falta de pagamento". A pretensão de
alterar tal entendimento, considerando as circunstâncias do caso concreto,
demandaria reexame de matéria fático-probatória, inviável em sede de
recurso especial. 4. "É assente na jurisprudência deste Superior Tribunal de
Justiça que a opção pela purgação da mora, na ação de despejo por falta de
pagamento, é incompatível com a contestação do débito ou a revisão de
cláusulas contratuais, nos moldes do artigo 62 da Lei nº 8.245/1991, em

178
CAPÍTULO5

relação às parcelas tidas como indevidas" (AgInt no AgInt no AREsp 425.767/RJ,


Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 11/09/2018, DJe
de 18/09/2018). 5. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão
agravada e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao
recurso especial. (AgInt no AREsp n. 1.307.438/SP, relator Ministro Raul Araújo,
Quarta Turma, julgado em 20/2/2020, DJe de 18/3/2020.)

Há vozes doutrinárias que criticam esse entendimento, sob o argumento de que a


impossibilidade de apresentar contestação e purgação da mora só faz sentido quando a tese
apresentada pela contestação é a inexistência de débito. Nos casos em que o réu impugna
alguma parcela do total pleiteado pelo autor, seria possível apresentar a purgação da mora,
para evitar o despejo e contestar, por exemplo, a incidência de uma parcela.

2.8. Procedimento comum


A partir da contestação, o processo seguirá a regras do procedimento comum.

2.9. Sentença e prazo para a desocupação


Na ação de despejo, a sentença tem natureza executiva. Isso porque não será preciso
instaurar uma fase de cumprimento de sentença. A consequência é a expedição do mandado
de despejo.

Nos termos do art. 63 da Lei de Locações, “julgada procedente a ação de despejo, o juiz
determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias
para a desocupação voluntária, ressalvado o disposto nos parágrafos seguintes”.

A mesma lei estabelece, ainda, outros prazos.

• 15 dias: i – se entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decorrido


mais de quatro meses; ou ii – se o despejo houver sido decretado com fundamento no
art. 9o ou no § 2o do art. 46 ;

• 6 meses a 1 ano: quando se tratar de estabelecimento de ensino autorizado e


fiscalizado pelo Poder Público, o juiz deve ajustar o despejo de modo que a
desocupação coincida com o período de férias escolares;

• 1 ano: quando se tratar de hospitais, repartições públicas, unidades sanitárias oficiais,


asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder
Público, bem como por entidades religiosas devidamente registradas, e o despejo for
decretado com fundamento no inciso IV do art. 9º (realização de reparações urgentes
determinadas pelo Poder Público) ou no inciso II do art. 53 (demolição, edificação,
licenciada ou reforma que venha a resultar em aumento mínimo de cinqüenta por
cento da área útil). Observação: Se, entre a citação e a sentença de primeira instância
houver decorrido mais de um ano, o prazo será de seis meses.

179
CAPÍTULO5

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:


I - por mútuo acordo;
II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder
Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do
locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti - las.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a
qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.

3. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO DE ALUGUEL E ACESSÓRIOS


3.1. Cabimento
O pagamento da dívida não é apenas um dever daquele que por ela se obrigou, mas
também um direito. O devedor, seja qual for o seu motivo, tem o direito de liberar-se da
obrigação mediante o seu adimplemento. A consignação em pagamento, nesse sentido, pode
ser conceituada como o meio de que se vale o devedor ou terceiro para liberar-se de uma
obrigação mediante o depósito do seu objeto na forma prevista em lei.

O pagamento é a forma natural de extinção da obrigação. Nos termos do art. 304,


caput, do CC “qualquer interessado na extinção da dívida pode pagá-la, usando, se o credor
se opuser, dos meios conducentes à exoneração do devedor”. Por sua vez, o art. 334 do CC
dispõe que “considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em
estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais”. Não raras vezes,
contudo, o devedor encontra algum óbice, natural ou jurídico, para liberar-se da obrigação.
Nas palavras de Pontes de Miranda, “desde que se componha um dos pressupostos
necessários e suficientes para o depósito em consignação para adimplemento, nasce ao
devedor o direito a consignação para liberação”21.

O art. 335 do CC elenca as hipóteses de cabimento da consignação em pagamento. São


elas:

Quando o credor não puder ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento,
ou dar quitação na devida forma: como regra a dívida é quesível, ou seja, o pagamento
deve ser realizado no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem
diversamente ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das
circunstâncias (art. 327 do CC). Contudo, na hipótese em que a dívida for portável ou
seja, quando incumbir ao devedor adimpli-la no domicílio do credor e houver uma
impossibilidade física do credor de receber o pagamento (ex.: o credor está
hospitalizado) ou uma injustificada recusa (ex.: o credor não quer receber ou não quer
dar quitação), terá cabimento a ação de consignação em pagamento;

21
MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado, parte especial, tomo
XXIV, 2ª edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1959, p. 191.

180
CAPÍTULO5

Quando o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e
condição devidos: a presente hipótese se refere à dívida quesível (art. 327 do CC). A
relevância de o credor procurar o devedor em seu domicílio para cobrar a dívida
repousa justamente na caracterização da mora. Isso porque, em se tratando de dívida
quesível, caso o credor não diligencie no sentido de receber ou cobrar a coisa devida
no domicílio do devedor, ficarão afastados os efeitos da mora;

Quando o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente,


ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil: inicialmente, vale destacar
que a simples incapacidade, absoluta ou relativa, do credor não impede o pagamento,
desde que este seja realizado na pessoa do seu representante ou assistente. Já em
relação ao credor desconhecido é possível que algum fato superveniente ao negócio
jurídico modifique o polo ativo da obrigação (ex.: falecimento do credor, cessão do
crédito etc.) e o devedor desconheça o novo titular do crédito admitindo-se, nesse
caso, a consignação;

Quando ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do


pagamento: se o devedor tiver dúvida sobre quem deva legitimamente receber o
objeto do pagamento poderá se valer da ação de consignação em pagamento;

Quando pender litígio sobre o objeto do pagamento: mesmo sabendo quem é o


seu credor é possível que haja algum litígio sobre o objeto do pagamento. É o que
ocorre, por exemplo, quando o devedor, notificado por um terceiro acerca de um litígio
existente sobre o objeto da obrigação.

O rol do art. 335 é exemplificativo e se aplica à locação. Além das referidas hipóteses, a
Lei nº 8.245/91 prevê, ainda, uma hipótese especial de consignação, aplicável à locação de
imóvel utilizado como habitação multidisciplinar, quando a construção for considerada em
condições precárias pelo Poder Público. Vejamos:

Art. 24. Nos imóveis utilizados como habitação coletiva multifamiliar, os


locatários ou sublocatários poderão depositar judicialmente o aluguel e
encargos se a construção for considerada em condições precárias pelo Poder
Público.
§ 1º O levantamento dos depósitos somente será deferido com a comunicação,
pela autoridade pública, da regularização do imóvel.
§ 2º Os locatários ou sublocatários que deixarem o imóvel estarão
desobrigados do aluguel durante a execução das obras necessárias à
regularização.
§ 3º Os depósitos efetuados em juízo pelos locatários e sublocatários poderão
ser levantados, mediante ordem judicial, para realização das obras ou serviços
necessários à regularização do imóvel.

181
CAPÍTULO5

3.2. Legitimidade
A legitimidade ativa será do locatário ou de terceiro interessado, como o fiador. Por
outro lado ocupará o polo passivo da ação o locador. Vale lembrar que o administrador que
celebrou o contrato de locação como mandatário do locador não será réu na ação
consignatória, pois o contrato é celebrado pelo locador, representado pelo administrador.

Por outro lado, quando o administrador, autorizado pelo proprietário do imóvel,


celebra o contrato de locação em nome próprio será sua a legitimidade passiva para a ação
consignatória.

3.3. Pressuposto
A ação consignatória pressupõe a impossibilidade de o devedor pagar o aluguel ao
credor. Tal impossibilidade pode decorrer de uma das hipóteses do art. 335 do CC ou
do art. 24 da Lei nº 8.245/91.

Em regra, a dívida é quesível, ou seja, o pagamento deve ser realizado no domicílio do


devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar
da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias (art. 327 do CC). Nesse caso, ao
propor a ação consignatória, o autor-devedor não precisará provar a recusa de
recebimento do réu-credor.

Por outro lado, se a dívida for portável, ou seja, quando o contrato estabelecer que o
pagamento ocorrerá no domicílio do credor, o autor-devedor deverá provar que
ofereceu o pagamento e este foi recusado injustamente pelo réu-credor.

3.4. Procedimento
A Lei de Locações prevê a ação consignatória em seu art. 67. Não há, contudo, a
sistematização de todo o procedimento, razão pela qual haverá de ser aplicado,
subsidiariamente, o procedimento previsto nos arts. 539 a 549 do CPC.

3.4.1. Petição inicial

A petição inicial deve observar os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC, especificando
os aluguéis e acessórios da locação e o respectivo valor.

O valor da causa corresponderá a doze meses de aluguel, nos termos do art. 58, III, da
Lei nº 8.245/91.

3.5. Citação e depósito judicial


Recebida a inicial, o juiz determinará a citação do réu e a intimação do autor para, no
prazo de vinte e quatro horas, efetuar o depósito judicial da importância indicada na petição
inicial, sob pena de extinção processo.

182
CAPÍTULO5

Vale lembrar que o CPC prevê o prazo de 5 (cinco) dias para o depósito. É preciso ficar
atento, pois a Lei nº 8.245/91 é especial e, portanto, deve ser aplicado o prazo nela previsto,
qual seja, 24 (vinte e quatro) horas.

Caberá ao autor, ainda, efetuar o depósito das prestações que se vencerem durante a
tramitação do feito até a prolação da sentença de primeira instância, cujos depósitos devem
ser realizados nos respectivos vencimentos.

3.5.1 Revelia ou concordância com os valores

Se o réu (locador) não apresentar contestação ou receber os valores depositados, o juiz


julgará antecipadamente o pedido acolhendo-o e declarará quitadas as obrigações.

Nesse caso, o juiz condenará o réu ao pagamento das custas e honorários de 20%
(vinte por cento) do valor dos depósitos.

3.5.2. Contestação

A contestação deve ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias (aplicação subsidiária


do art. 335 do CPC). O réu poderá discutir questões processuais e questões de mérito. Em
relação às questões de mérito, tanto o CPC quanto a Lei de Locações preveem as mesmas
matérias. Assim, o réu poderá alegar que:

• Não houve recusa ou mora em receber a quantia ou a coisa devida; b) que foi justa a
recusa;

• O depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;

• O depósito não é integral. Nesse caso, a alegação somente será admissível se o réu
(credor) indicar o montante que entende devido.

3.5.3 Reconvenção

Na ação de consignação em pagamento também é admitida a apresentação de


reconvenção. A reconvenção poderá ser utilizada para que o réu (locador) requeira contra o
autor (locatário) o despejo e a cobrança dos valores objeto da consignatória ou da diferença
do depósito inicial, na hipótese de ter sido alegado não ser o mesmo integral.

Impende destacar que em relação ao pedido reconvencional de cobrança, o réu-


reconvinte só pode cobrar os valores que são objeto da ação de consignação, não sendo
permitido, em sede de reconvenção, cobrança de outras prestações.

Vale lembrar ainda, que, nos termos do art. 343 do CPC, contestação e reconvenção
devem ser apresentadas na mesma peça processual.

Por fim, havendo, na reconvenção, cumulação dos pedidos de rescisão da locação e


cobrança dos valores objeto da consignatória, a execução desta somente poderá ter início
após obtida a desocupação do imóvel, caso ambos tenham sido acolhidos.

183
CAPÍTULO5

3.5.4. Complementação do depósito

Apresentada contestação e/ou reconvenção pelo réu, o autor será intimado para se
manifestar. Se o réu alegar insuficiência do depósito, o autor poderá completá-lo no prazo de
5 (cinco) dias da ciência do oferecimento da resposta, com acréscimo de 10% (dez por cento)
sobre o valor da diferença, caso em que o juiz declarará quitadas as obrigações, elidindo a
rescisão da locação, e imporá ao autor a responsabilidade pelas custas e honorários
advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor dos depósitos (art. 67, VII, da Lei de
Locações).

É possível, contudo, que o autor ao ser intimado, não complemente o depósito, por
entender que o valor depositado é suficiente. Mesmo alegando que o depósito é insuficiente,
o réu (credor) poderá levantar a quantia e o processo prosseguirá em relação à parte
controvertida.

Se for necessário haverá instrução e, ao final, o juiz decidirá.

3.5.5. Levantamento do depósito

A qualquer momento, o réu poderá levantar as importâncias incontroversas.

3.5.6. Sentença

Entendendo o juiz que o depósito está correto julgará procedente o pedido do autor,
liberando-o da obrigação, e condenará o réu ao pagamento das verbas de sucumbência. Por
outro lado, se entender que o depósito não foi suficiente, o juiz julgará improcedente o
pedido do autor determinará, sempre que possível, o montante devido e condenará o réu nas
verbas de sucumbência.

Note que, nesse último caso deverá ser aplicada a tese fixada pelo Superior Tribunal de
Justiça no REsp 1108058/DF, sob a sistemática dos recursos repetitivos ("Em ação
consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de
improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo
obrigacional”).

A sentença valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o


cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária (aplicação subsidiária do art.
545, § 2º, do CPC).

4. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL


4.1. Cabimento
Nos termos do art. 19 da Lei de Locações, “não havendo acordo, o locador ou locatário,
após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir
revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”.

184
CAPÍTULO5

Note que a lei estabelece um pressuposto temporal: a ação só pode ser proposta após
três anos de vigência do contrato. Não obstante, tratando-se de locação não residencial é
possível que as próprias partes renunciem o direito à revisão. Nesse sentido dispõe o § 1º do
art. 54-A da Lei de Locações:

Art. 54- A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador


procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo
ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a
fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as
condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições
procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos
aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.

Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a
trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado,
independentemente de notificação ou aviso.
(...);
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o contrato a
qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para desocupação.

Art. 57. O contrato de locação por prazo indeterminado pode ser denunciado
por escrito, pelo locador, concedidos ao locatário trinta dias para a
desocupação.

Vale registrar ainda, que, durante o prazo para a desocupação de que trata os arts. 46,
§ 2º e 57 da Lei nº 8.245/91, ou quando a desocupação tiver sido estipulada de forma
amigável ou judicialmente, não será cabível ação de revisão de aluguel.

4.2. Natureza
A ação tem natureza constitutiva, pois o seu objetivo é modificar a relação jurídica
mediante a fixação de um novo valor para o aluguel. Há, também, natureza condenatória,
pois uma vez fixado o novo valor do aluguel, as diferenças serão executadas nos mesmos
autos da ação revisional, conforme prevê o art. 69, § 2º, da Lei nº 8.245/91.

4.3. Legitimidade
Tanto o locador quanto o locatário possuem legitimidade para promover ação
revisional. Isso porque, assim como o locador pode entender que o valor da locação está
defasado e, portanto, precisa ser majorado, o locatário pode entender que o valor da locação
está acima do praticado no mercado e, portanto, deve ser reduzido.

185
CAPÍTULO5

4.4. Procedimento
O art. 68 da Lei de Locações prevê que a ação observará o procedimento sumário.
Ocorre que tal rito foi abolido pelo novo CPC. Assim, as ações propostas na vigência do
CPC/15 observarão o procedimento comum (arts. 318 e seguintes do CPC).

4.5. Petição inicial


A petição inicial observará os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC. Além disso, o autor
deve indicar na inicial o valor que considera devido, não sendo admitido pedido genérico a
fim de que o juiz arbitre o valor.

Na prática, o ideal é o autor fazer, antes, uma pesquisa de mercado, a fim de ter
certeza de que o valor pactuado não corresponde à realidade. O valor requerido pelo autor
será o limite da sentença. Assim, se a ação for proposta pelo locatário que pretende reduzir o
valor do aluguel de R$ 2.000,00 para R$ 1.500,00 o juiz não poderá reduzir para R$ 1.000,00.
Da mesma forma, se o locador for o autor e pretender majorar o valor de R$ 2.000,00 para R$
4.000,00 o juiz não pode majorar para R$ 5.000,00.

4.5.1. Aluguel provisório

Recebida a petição inicial, o juiz designará uma audiência de conciliação. Se as provas


apresentadas pelo autor demonstrarem a probabilidade do seu direito o juiz fixará,
liminarmente, os aluguéis provisórios. Trata-se de tutela provisória de evidência, pois a lei
exige, tão somente, a probabilidade do direito.

A Lei de Locações, contudo, estabelece um limite para a fixação do aluguel provisório,


qual seja: a) ação revisional ajuizada pelo locador: o aluguel provisório não poderá ser
excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido; b) ação revisional ajuizada pelo locatário: o
aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente

Vejamos o que diz o art. 68, II, da Lei nº 8.245/91:

Art. 68. Na ação revisional de aluguel, que terá o rito sumário, observar-se-á o
seguinte:
(...)
II - ao designar a audiência de conciliação, o juiz, se houver pedido e com base
nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que
indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos
seguintes moldes:
a) em ação proposta pelo locador, o aluguel provisório não poderá ser
excedente a 80% (oitenta por cento) do pedido;
b) em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser
inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente;

186
CAPÍTULO5

Fixado o valor do aluguel provisório sua vigência terá como marco inicial a citação do
réu.

Pergunta-se: se o juiz majorar provisoriamente o valor do aluguel em ação promovida


pelo locador e o locatário não pagar o novo valor no tempo e na forma devida, cabe ação de
despejo por falta de pagamento? A provisoriedade do aluguel afasta a possibilidade de
despejo?

A resposta pode ser extraída do art. 62 da Lei de Locações, segundo a qual “nas ações
de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel
provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação,
observar-se-á o seguinte: (...)”. Portanto, ainda que se trate de aluguel provisório, o
inadimplemento do locatário gera, para o locador o direito de requerer, em ação própria, o
despejo.

Contra a decisão que defere o pedido liminar e fixa o aluguel provisório cabe agravo de
instrumento.

A Lei de Locações prevê uma espécie de “pedido de reconsideração”, de modo a


oportunizar ao réu o direito de, sem prejuízo da contestação e até a audiência de conciliação,
apresentar elementos que demonstrem a necessidade de revisão da decisão judicial que
fixou o aluguel provisório (art. 68, III, da Lei nº 8.245/91). Esse pedido de revisão
(reconsideração) interrompe o prazo para interposição de recurso contra a decisão que fixar
o aluguel provisório.

4.5.2. Audiência de conciliação

As partes comparecerão à audiência de conciliação designada. Iniciado o ato, o réu


deverá apresentar contestação. Caso não concorde com o valor o réu, na contestação, já deve
apresentar contraproposta.

O juiz tentará a conciliação. Obtido o acordo o juiz o homologará e o mérito será


resolvido, nos termos do art. 487, III, “B”, do CPC. Não obtida a conciliação o juiz determinará
a realização de perícia, se necessária, designando, desde logo, audiência de instrução e
julgamento.

Nomeado o perito, seguir-se-á na forma dos arts. 464 e seguintes do CPC (prova
pericial). Nada impede que a prova pericial seja substituída pela prova técnica simplificada,
nos moldes dos §§ 2º, 3º e 4º do art. 464 do CPC:

§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à


perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto
controvertido for de menor complexidade.

187
CAPÍTULO5

§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de


especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande
especial conhecimento científico ou técnico.

§ 4º Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica


específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer
recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer
os pontos controvertidos da causa.

4.5.3. Sentença

Ao final, o juiz proferirá sentença fixando, de forma definitiva, o valor do aluguel. O


aluguel fixado na sentença retroage à citação, e as diferenças devidas durante a ação de
revisão, descontados os alugueres provisórios satisfeitos, serão pagas com juros de mora e
correção monetária a contar do trânsito em julgado da decisão que fixar o novo aluguel (art.
69 da Lei nº 8.245/91).

A título de exemplo, se o valor do contrato é de R$ 1.000,00 e o juiz fixa alugueis


provisórios de R$ 1.500,00 mas, ao final, fixa os alugueis definitivos em R$ 2.000,00, a
diferença de R$ 500,00 (diferença entre os R$ 1.500,00 fixados liminarmente e os R$ 2.000,00
fixados na sentença) deverá ser paga, fluindo os juros de mora e a correção monetária
apenas com o trânsito em, julgado.

Se o pedido for julgado improcedente, o autor responderá pelo ressarcimento dos


danos gerados pela fixação de aluguel provisório. Vejamos dois exemplos:

• Ação revisional proposta pelo locador: o contrato previa o valor de R$ 1.000,00 e o


autor obteve aluguel provisório de R$ 2.000,00. Ao final, o juiz julgou improcedente o
pedido do autor. Nesse caso, o réu, que teve que pagar o aluguel provisório durante o
processo deverá ser ressarcido do valor desembolsado a mais;

• Ação revisional proposta pelo locatário: o contrato previa o valor de R$ 2.000,00 e o


autor obteve aluguel provisório de R$ 1.000,00. Ao final, o juiz julgou improcedente o
pedido do autor. Nesse caso o réu (locador), que suportou a diminuição do valor terá
direito ao pagamento da diferença.

A execução das diferenças será feita nos autos da ação de revisão.

Embora o juiz esteja limitado ao pedido das partes – de modo que a sentença não
pode majorar ou reduzir, em patamar maior do que o requerido pela parte, o juiz não está
adstrito às cláusulas contratuais no tocante à periodicidade do reajuste do valor do aluguel. A
pedido do locador ou sublocador, o juiz poderá estabelecer tal periodicidade conforme as
peculiaridades do caso concreto, conforme previsão do § 1º do art. 69 da Lei nº 8.245/91:

§ 1º Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá estabelecer


periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no

188
CAPÍTULO5

contrato revisando, bem como adotar outro indexador para reajustamento do


aluguel.

O recurso cabível contra a sentença é a apelação. Como tal recurso não possui efeito
suspensivo automático (art. 58, V, da Lei nº 8.245/91), a parte poderá requerer o seu imediato
cumprimento.

4.6. Cabimento
O direito à renovação do contrato é assegurado ao locatário nas locações de imóveis
destinados ao comércio. Trata-se do direito de constranger o locador a renovar o contrato de
locação. Contudo, o art. 51 da Lei nº 8.245/91 estabelece três requisitos cumulativos.
Vejamos:

Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá


direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo
determinado;
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos
dos contratos escritos seja de cinco anos;
III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo
mínimo e ininterrupto de três anos.

Preenchidos esses requisitos, o locatário pode exigir do locador a renovação. Caso o


locador se recuse a renovar o locatário poderá, então, se valer da ação renovatória.

O direito à renovação compulsória se aplica apenas às locações não residenciais de


cunho comercial. O objetivo da lei é proteger o fundo de comércio

4.7. Natureza
A ação tem natureza constitutiva, pois modifica a relação jurídica entre as partes, na
medida em que, se procedente o pedido haverá renovação do contrato. A natureza
condenatória também se mostra visível pois, em caso de procedência, o réu (locador) poderá
requerer ao juiz a condenação do autor (locatário) a desocupar o imóvel.

4.8. Legitimidade
Tem legitimidade ativa o locatário. Quando houver sublocação consentida pelo locador
(art. 13 da Lei nº 8.245/91), o sublocatário também terá legitimidade para promover a ação
renovatória.

A ação será proposta pelo sublocatário contra locador e sublocador (litisconsórcio


passivo). Contudo, se o sublocador (locatário originário) dispuser de prazo que admita
renovar a sublocação, a ação será proposta apenas contra ele. Nesse sentido prevê o
parágrafo único do art. 71 da Lei nº 8.245/91:

189
CAPÍTULO5

Parágrafo único. Proposta a ação pelo sublocatário do imóvel ou de parte


dele, serão citados o sublocador e o locador, como litisconsortes, salvo se, em
virtude de locação originária ou renovada, o sublocador dispuser de prazo que
admita renovar a sublocação; na primeira hipótese, procedente a ação, o
proprietário ficará diretamente obrigado à renovação.

A título de exemplo, imagine um contrato de locação com prazo de 15 anos. No


segundo ano de vigência o locatário, com o consentimento do locador, promove uma
sublocação total com prazo de 6 anos. Antes do término da sublocação, o sublocador
pretender renovar a sublocação. Nesse caso, como o locatário (sublocador) ainda dispõe de
prazo, já que o seu contrato é de 15 anos, a ação renovatória deve ser proposta pelo
sublocatário apenas contra o sublocador.

A lei prevê, ainda, outros legitimados ativos:

• Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de


sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o
direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade (art. 51, § 2º);

• Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente


fica sub-rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo (art. 51, §
2º).

4.9. Procedimento
A Lei nº 8.245/91 não dispões completamente sobre o procedimento devendo ser
aplicado, em caso de omissão, as regras do procedimento comum (arts. 318 e seguintes do
CPC).

4.9.1 Petição inicial

A petição inicial observará os requisitos dos arts. 319 e 320 do CPC, bem como
requisitos específicos previstos no art. 71 da Lei nº 8.245/91.

a) Prova do preenchimento dos requisitos dos incisos I, II e III do art. 51

Os requisitos são:

• Contrato celebrado por escrito e com prazo determinado: não se admite, portanto,
ação renovatória quando se tratar de contrato verbal ou, quando realizado por escrito,
for por prazo indeterminado;

• O prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos


contratos escritos seja de cinco anos: é possível que o contrato tenha prazo inferior a 5
(cinco) anos, porém, somando-o aos contratos anteriores objeto de renovação entre
locador e locatário, ultrapasse o prazo de 5 (cinco) anos. Nesse caso, será admitida a
renovação. Ex.: primeiro contrato: prazo de 2 anos; renovação por mais 2 anos;

190
CAPÍTULO5

renovação por mais 2 anos. Segundo o STJ, “. quando o art. 51, caput, da Lei 8.2145
dispõe que o locatário terá direito à renovação do contrato "por igual prazo", ele está
se referido ao prazo mínimo exigido pela legislação, previsto no inciso II do art. 51, da
Lei 8.245/91, para a renovação, qual seja, de 5 (cinco) anos, e não ao prazo do último
contrato celebrado pelas partes” (REsp n. 1.323.410/MG, relatora Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/11/2013, DJe de 20/11/2013);

• O locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e
ininterrupto de três anos: tendo em vista que o objetivo da ação renovatória é a
proteção do fundo de comércio é preciso que o locatário esteja explorando a mesma
atividade há um tempo razoável. Esse tempo mínimo, para o art. 51, III, da Lei de
Locações, deve ser de 3 (três) anos.

b) Prova do exato cumprimento do contrato em curso

Só tem direito à renovação compulsória o locatário que demonstrar ter honrado suas
obrigações contratuais. Humberto Theodoro Júnior entende que se, durante a vigência
do contrato de locação, o locatário foi demandado em ação de despejo e purgou a
mora para evitar o despejo, tal purgação, embora afaste os efeitos da mora, não apaga
o inadimplemento ocorrido, razão pela qual não se pode mais falar em “exato
cumprimento do contrato”. Assim, esse locatário não terá direito à renovação.

c) Prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo
pagamento lhe incumbia

A obrigação de pagar os tributos incidentes sobre o imóvel, atribuída ao locatário pelo


contrato, configura obrigação acessória. Nos termos do art. 25 da Lei de Locações, “atribuída
ao locatário a responsabilidade pelo pagamento dos tributos, encargos e despesas ordinárias
de condomínio, o locador poderá cobrar tais verbas juntamente com o aluguel do mês a que
se refiram”. O não cumprimento dessa obrigação obsta a propositura, pelo locatário, de ação
renovatória.

d) Indicação clara e precisa das condições oferecidas para a renovação da locação

Na petição inicial, deverá o locatário especificar os termos e condições do contrato a


renovar. Ele pode, simplesmente, pretender a renovação pelo preço e demais condições do
contrato ou pugnar pela modificação dos termos contratuais (ex.: prazo, valor, vencimento,
periodicidade dos reajustes etc.). Trata-se de requisito essencial que busca, também, garantir
o exercício do contraditório pelo locador.

e) Indicação do fiador, quando houver no contrato a renovar e, quando não for o


mesmo, com indicação do nome ou denominação completa, número de sua inscrição
no Ministério da Fazenda, endereço e, tratando-se de pessoa natural, a nacionalidade,
o estado civil, a profissão e o número da carteira de identidade, comprovando, desde
logo, mesmo que não haja alteração do fiador, a atual idoneidade financeira

191
CAPÍTULO5

Se o contrato de locação foi garantido por fiança o locatário, ao propor a ação


renovatória, deve indicar o fiador que garantirá o adimplemento da obrigação. Note que não
basta apresentar o fiador, mas, também, demonstra a sua idoneidade financeira. Impende
destacar que o locador pode exigir a substituição do fiador ou da garantia. Nos termos do art.
40 da Lei de Locações, o locador possa exigir novo fiador ou substituição da modalidade de
garantia, por exemplo, em casos como alienação ou gravação de todos os bens imóveis do
fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao locador; desaparecimento dos
bens móveis; desapropriação ou alienação do imóvel.

Impende destacar que, ainda que o contrato a renovar não preveja garantia o locador
pode exigi-la.

f) Prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir, na renovação aceita, os


encargos da fiança autorizado por seu cônjuge, se casado for

Como na ação renovatória a renovação decorre da própria sentença, o autor (locatário)


deverá juntar aos autos prova de que o fiador indicado aceita os encargos da fiança. Para
tanto, basta juntar declaração assinada pelo fiador, com firma reconhecida, bem como de seu
cônjuge, exceto no regime de separação absoluta, nos termos do art. 1.647, III, do CC.

Havendo declaração do fiador, este se sujeitará aos afeitos da sentença. Assim, se o


locador (réu) requerer a majoração do valor do aluguel e o juiz acolher tal pedido, o locador
poderá requerer o cumprimento de sentença também, contra o fiador, relativamente a
diferença devida no curso do processo.

“[...] 6. O fiador não necessita integrar o polo ativo da relação processual na


renovatória, porque tal exigência é suprida pela declaração deste de que
aceita os encargos da fiança referente ao imóvel cujo contrato se pretende
renovar. Destarte, admite-se a inclusão do fiador no polo passivo do
cumprimento de sentença, caso o locatário não solva integralmente as
obrigações pecuniárias oriundas do contrato que foi renovado - ou, como na
espécie, ao pagamento das diferenças de aluguel decorrentes da ação
renovatória. 7. A existência de fundamento do acórdão recorrido não
impugnado - quando suficiente para a manutenção de suas conclusões -
impede a apreciação do recurso especial. 8. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp n. 1.911.617/SP, relatora
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de
30/8/2021.)

g) Prova, quando for o caso, de ser cessionário ou sucessor, em virtude de título


oponível ao proprietário.

Se a ação for proposta pelo cessionário, é preciso que o autor prove que a cessão é
oponível ao locador. Será oponível quando o locador consentir com a cessão, nos termos do
art. 13 da Lei nº 8.245/91.

192
CAPÍTULO5

Tratando-se de sucessor, é preciso observar a regra prevista no art. 11, II, da Lei nº
8.245/91:

Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e


obrigações:
I - nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o
companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que
viviam na dependência econômica do de cujus , desde que residentes no
imóvel;
II - nas locações com finalidade não residencial, o espólio e, se for o caso, seu
sucessor no negócio.

4.9.2. Prazo decadencial

O § 5º do art. 51 da Lei nº 8.245/91 estabelece um prazo decadencial para a


propositura da ação renovatória.

§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no


interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à
data da finalização do prazo do contrato em vigor.

A título de exemplo, imagine que o prazo do contrato de locação vença no dia


01/01/2025. Caso o locatário pretenda propor ação renovatória, deverá fazê-lo entre o dia
01/01/2024 (1 ano antes do término do contrato) e 01/07/2024 (6 meses antes do término do
contrato).

4.9.3. Fixação de aluguel provisório

Se o autor pretender que o valor do aluguel seja inferior ao previsto no contrato a


renovar deverá formular pedido expresso, indicando o valor que considera correto. Poderá,
ainda, requerer a fixação de aluguel provisório.

De igual forma, o réu (locador), na contestação, poderá pedir a fixação de aluguel


provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não
excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para
aferição do justo valor do aluguel (art. 72, § 4º, da Lei nº 8.245/91).

Note que o locador não precisa apresentar reconvenção para requerer a fixação de
novo valor, tendo em vista que o objetivo da ação renovatória não é, apenas, o de renovar o
prazo de locação, mas também o de, conforme o caso, redesenhar os termos e condições
contratuais.

4.9.4. Citação e resposta do réu

Recebida a inicial, o juiz citará o réu para responder à ação no prazo de 15 (quinze)
dias. Se o réu não apresentar contestação será considerado réu. Todavia, o efeito material da

193
CAPÍTULO5

revelia não tem plena incidência não renovatória, pois não é possível presumir preenchidos
os requisitos exigidos pelo art. 51 da lei de Locações, cabendo ao juiz proceder à sua análise.

Na contestação, o réu poderá alegar tanto questões processuais quanto questões de


mérito, as quais estão previstas no art. 72, in verbis:

Art. 72. A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber,
ficará adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte:
I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei;
II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na
época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou
lugar;
III - ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores;
IV - não estar obrigado a renovar a locação (incisos I e II do art. 52).

Nos termos do art. 52 da Lei nº 8.245/91, o locador não será obrigado a renovar a
locação quando: a) por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que
importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que
aumente o valor do negócio ou da propriedade; b) o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio
ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da
maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.

Caso o réu alegue que o valor proposto pelo autor é divergente do praticado no
mercado, mostra-se prudente juntar, desde logo, documentos que demonstrem a
discrepância (ex.: laudos e declarações de empresas ou profissionais habilitados). Nesse caso,
o locador deverá apresentar, em contraproposta, as condições de locação que repute
compatíveis com o valor locativo real e atual do imóvel (art. 72, § 1º).

Se o locador alegar ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores,


deverá juntar prova documental da proposta do terceiro, subscrita por este e por duas
testemunhas, com clara indicação do ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do
locatário. Nessa hipótese, o locatário poderá, em réplica, aceitar tais condições para obter a
renovação pretendida (art. 72, § 2º).

Conforme já mencionado, na contestação, o locador, ou sublocador, poderá pedir,


ainda, a fixação de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do
contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que
apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel.

4.9.5. Produção de provas

Na ação revisional podem ser produzidos todos os meios de prova admitidos


destacando-se, evidentemente, a prova documental, pois é a que melhor consegue
demonstrar o preenchimento dos requisitos legais. Caso haja discussão acerca do valor do
aluguel deve ser admitida a produção de prova pericial.

194
CAPÍTULO5

4.9.6. Sentença

Se o juiz se convencer do preenchimento dos requisitos legais decretará a renovação


compulsória do contrato, o valor da locação, as demais condições contratuais e o prazo do
contrato.

Caso o pedido do autor seja julgado improcedente e houver pedido expresso do réu na
contestação o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de
30 (trinta) dias para a desocupação voluntária.

Se a improcedência decorrer do acolhimento da tese concernente à proposta de


terceiro para a locação, em condições melhores (art. 72, III) o juiz fixará, desde logo,
indenização devida ao locatário em consequência da não prorrogação da locação,
solidariamente devida pelo locador e o proponente.

4.9.7. Prazo da renovação

Uma das questões mais polêmicas da ação renovatória diz respeito ao prazo da
renovação. Em termos gerais, o STJ fixou o seguinte entendimento:

a) A renovação diz respeito ao último contrato;

b) Se houve renovações sucessivas entre as partes, o prazo a ser observado é o do


último contrato;

c) Caso o último contrato tenha prazo superior a 5 (cinco) anos, a renovação não
poderá ultrapassar esse prazo (5 anos), sem prejuízo de serem propostas, no futuro,
novas ações renovatórias.

Vejamos:

CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE CONTRATO DE


LOCAÇÃO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. PRETENSÃO DO LOCADOR DE VER REPETIDO O PRAZO DO
CONTRATO ORIGINAL. IMPOSSIBILIDADE. PRAZO MÁXIMO DE PRORROGAÇÃO
DE CINCO ANOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. Em sede da ação renovatória de
locação comercial prevista no art. 51 da Lei 8.245/91, o prazo máximo de
prorrogação contratual será de cinco (5) anos. Assim, ainda que o prazo da
última avença supere o lapso temporal de cinco anos, a renovação
compulsória não poderá excedê-lo, porquanto o quinquênio estabelecido em
lei é o limite máximo. 2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n.
1.990.552/RS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em
17/5/2022, DJe de 26/5/2022.)

A sentença de procedência produz efeitos ex tunc, ou seja, retroage à data do término


do contrato. Assim, o novo aluguel é devido desde o primeiro dia imediatamente posterior ao

195
CAPÍTULO5

fim do contrato primitivo. Por conseguinte, as diferenças, se existentes, a teor do art. 73 da


Lei n. 8.245/1991 serão executadas nos próprios autos da ação renovatória.

Nesse sentido é o entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. LEI DE LOCAÇÕES. AÇÃO RENOVATÓRIA DE


LOCAÇÃO. DIFERENÇAS DOS ALUGUÉIS VENCIDOS. JUROS DE MORA. TERMO
INICIAL. PRAZO FIXADO NA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. INTIMAÇÃO
PARA O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. 1- Recurso especial interposto em
20/11/2020 e concluso ao gabinete em 27/5/2021. 2- O propósito recursal
consiste em determinar, no âmbito de ação renovatória de aluguel, o termo
inicial dos juros de mora relativos às diferenças de aluguéis vencidos. 3- A
sentença de procedência do pedido renovatória produz efeitos ex tunc, isto é,
o novo aluguel é devido desde o primeiro dia imediatamente posterior ao fim
do contrato primitivo. Fixado o novo valor do aluguel, pode remanescer saldo
relativo às diferenças de aluguéis vencidos em favor do locador ou do
locatário, a depender de o novo valor ser, respectivamente, maior ou menor
do que o original. As diferenças, se existentes, a teor do art. 73 da Lei n.
8.245/1991, serão executadas nos próprios autos da ação renovatória. 4- O
termo inicial dos juros de mora relativos às diferenças dos aluguéis vencidos
será (a) ou a data para pagamento fixada na própria sentença transitada em
julgado (mora ex re) (b) ou a data da intimação do devedor - prevista no art.
523 do CPC/2015 - para pagamento no âmbito da fase de cumprimento de
sentença (mora ex persona). 5- Na hipótese dos autos, inexistindo prazo fixado
na sentença para pagamento das diferenças, os juros moratórios devem
incidir desde a intimação dos executados para pagamento no âmbito do
cumprimento de sentença. 6- Recurso especial parcialmente provido. (REsp n.
1.929.806/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
7/12/2021, DJe de 13/12/2021.)

Os valores devem ser pagos devidamente atualizados desde a data de cada


vencimento. Quanto aos juros de mora, porém, estes somente incidirão a partir da data de
intimação para o cumprimento de sentença, por ser este o momento da constituição em
mora do devedor.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.


LOCAÇÃO. AÇÃO RENOVATÓRIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DIFERENÇAS DE ALUGUÉIS
ENTRE O AJUIZAMENTO DA AÇÃO RENOVATÓRIA E O TRÂNSITO EM JULGADO DA
SENTENÇA. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO PARA O CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA 1. Os juros moratórios sobre as diferenças entre os valores do aluguel
original e o fixado na ação renovatória são contados da data de intimação para o
cumprimento de sentença, por ser este o momento em que se constituiu em mora o
devedor. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.805.279/DF, relator
Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/4/2022, DJe de 27/4/2022.)

196
CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 6 DIREITO CONDOMINIAL

1. CONDOMÍNIO ORDINÁRIO
A base legal da ideia de condomínio se encontra em quatro espécies discriminadas no
Código Civil de 2002, a saber:

• Condomínio Voluntário – formado a partir da voluntariedade de mais de uma pessoa


na gerencia da titularidade de um direito de propriedade;

• Condomínio Necessário – ex.: circunstância de aquisição de bens sob determinado


regime de bens de casamento/união estável; bens que compõem a herança sob a
perspectiva dos herdeiros;

• Condomínio Edilício – propriedade privativa + propriedade comum;

• Condomínio de Lotes – ex.: os chamados condomínios fechados de lotes.

1.1. A Exclusividade Da Propriedade


A exclusividade na perspectiva da propriedade pode ser analisada sob a ótica subjetiva
(a propriedade só cabe, em regra, a um proprietário) e objetiva (para cada bem apenas um
direito de propriedade incidirá sobre ele).

A percepção do regime de condomínio é feita como uma excepcionalidade. Isso


significa dizer que o “normal” será a detenção exclusiva da propriedade. Noutras palavras,
quando falamos em condomínio, tratamos de uma situação jurídica incômoda ao
ordenamento que o visualiza como uma potencial fonte de conflitos. Trata-se de exceção ao
princípio da exclusividade.

Nos termos do art. 1.314, Código Civil, “cada condômino pode usar da coisa conforme
sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la
de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la” e, segundo o
parágrafo único, “nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem
dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”.

Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de ser admissível a usucapião


de bem em condomínio, desde que o condômino exerça a posse do bem com

197
CAPÍTULO 6

exclusividade. (REsp n. 1.909.276/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,


Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022).

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA.


EXTINÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DO IMÓVEL COMUM. AÇÃO DE
EXTINÇÃO DE CONDOMÍNIO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO.
PEDIDOS DE ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM COMUM E DE PAGAMENTO DE
ALUGUÉIS. 1. Controvérsia: Polêmica em torno do direito de alienação judicial
do imóvel adquirido, em comunhão, vindicado por parte do ex-companheiro e
a possibilidade de cobrança de aluguéis pelo uso exclusivo de imóvel. 2.
Possibilidade de alienação judicial do imóvel: Improcedência do argumento de
que a venda acarretará prejuízo à ex-companheira, considerando que ela
detém a titularidade de apenas 50% dos direitos aquisitivos do imóvel. Ex-
companheira na posse do imóvel há mais de quatro anos, período em que se
manteve anunciado para venda. Correto o deferimento do pedido de alienação
judicial do imóvel, pois a utilização exclusiva do bem por parte da requerida
impossibilita o autor de dispor do bem. Constitui, finalmente, direito
potestativo do condômino de bem imóvel indivisível promover a extinção do
condomínio mediante alienação judicial da coisa. 3. Pedido de pagamento de
aluguéis: No momento da dissolução da união estável, conforme asseverado
pelo próprio recorrente, restou convencionado que recorrida permaneceria
residindo no imóvel, sem a necessidade de pagar alugueres, até a efetiva
venda do bem. Nesse contexto, apesar de julgados em sentido contrário do
STJ, deve ser mantido o posicionamento do acórdão recorrido quanto à
desnecessidade de pagamento de alugueres na proporção de sua cota parte.
4. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA
RESTALEBECER PARCIALMENTE A SENTENÇA DE PRIMIERO GRAU. (REsp n.
1.852.807/PR, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma,
julgado em 10/5/2022, DJe de 13/5/2022.).

RECURSO ESPECIAL. CÍVEL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSE DIRETA E


EXCLUSIVA EXERCIDA POR UM DOS CONDÔMINOS. PRIVAÇÃO DE USO E GOZO
DO BEM POR COPROPRIETÁRIO EM VIRTUDE DE MEDIDA PROTETIVA CONTRA
ELE DECRETADA. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL PELO USO EXCLUSIVO DA
COISA PELA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. DESCABIMENTO.
DESPROPORCIONALIDADE CONSTATADA E INEXISTÊNCIA DE
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
DESPROVIDO. [...] 3. Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar
obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do
bem comum, na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção
insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade,
além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de
promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque
serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para
rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição
Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão

198
CAPÍTULO 6

indenizatória em tal caso. 4. [...] 5. Outrossim, a imposição judicial de uma


medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do
seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o
imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se
evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitimasse o
arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito
de propriedade do agressor. 6. Portanto, afigura-se descabido o arbitramento
de aluguel, com base no disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da
coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida
protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo
do imóvel de cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade
constatada em cotejo com o art. 226, § 8º, da CF/1988, seja pela ausência de
enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/2002). Na hipótese, o Tribunal de
origem decidiu em consonância com a referida tese, inexistindo, assim, reparo
a ser realizado no acórdão recorrido. 7. [...]. (REsp n. 1.966.556/SP, relator
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de
17/2/2022.).

1.2. As Obrigações Dos Condôminos


Nos termos do art. 1.314, Código Civil, “o condômino é obrigado, na proporção de sua
parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus
a que estiver sujeita” e, segundo o parágrafo único, “presumem-se iguais as partes ideais dos
condôminos”.

O art. 1.317, Código Civil esclarece que, “quando a dívida houver sido contraída por
todos os condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na obrigação, nem se estipular
solidariedade, entende-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu quinhão na
coisa comum”.

Segundo o disposto no art. 1.318, Código Civil, “as dívidas contraídas por um dos
condôminos em proveito da comunhão, e durante ela, obrigam o contratante; mas terá este
ação regressiva contra os demais”.

O art. 504, Código Civil, traz ainda a vedação de que, “não pode um condômino em
coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O
condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver
para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena
de decadência”.

Complementa em seu parágrafo único que, “sendo muitos os condôminos, preferirá o


que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as
partes forem iguais, haverá a parte vendida os comproprietários, que a quiserem,
depositando previamente o preço”.

199
CAPÍTULO 6

O Enunciado 623, Jornada de Direito Civil traz a orientação de que, “ainda que sejam
muitos os condôminos, não há direito de preferência na venda da fração de um bem entre
dois coproprietários, pois a regra prevista no art. 504, parágrafo único, do Código Civil, visa
somente a resolver eventual concorrência entre condôminos na alienação da fração a
estranhos ao condomínio”.

Pela determinação expressa do referido dispositivo legal, outro condômino terá


prerrogativa de adquirir o bem pelas mesmas condições oferecidas ao terceiro exercendo o
direito de preferência. Logo, no caso de alienação de quinhão ao terceiro é necessária a
prévia comunicação aos demais condôminos para o exercício do direito de preferência (ação
de preempção).

Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO SOBRE IMÓVEL INDIVISÍVEL.


DIREITO DE PREFERÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 504 DO CÓDIGO CIVIL.
APLICAÇÃO APENAS À ALIENAÇÃO DA FRAÇÃO IDEAL A ESTRANHOS E NÃO A
CONDÔMINOS. NORMA RESTRITIVA DE DIREITOS. INTERPRETAÇÃO TAMBÉM
RESTRITIVA. EXEGESE LITERAL E TELEOLÓGICA DESTA E DE OUTRAS NORMAS
DO SISTEMA A ESTABELECER SEMELHANTE DISPOSIÇÃO. 1. Controvérsia em
torno do direito de preferência na venda de fração ideal de imóvel indivisível
em condomínio a outros condôminos, em face do disposto no art. 504 do
Código Civil. 2. A exegese do enunciado normativo do art. 504, "caput", do CC,
denota que o direito de preferência ali regulado contempla a hipótese fática
em que um dos condôminos vende parte do bem condominiado a estranhos,
omitindo-se de o oferecer aos demais cotitulares interessados. 3.
Interpretação restritiva desse dispositivo legal por representar restrição ao
direito de propriedade e à liberdade de contratar, notadamente, de dispor do
bem objeto do domínio, alienando-o a quem o condômino bem entenda. 4. A
concorrência estabelecida entre os condôminos, prevista no parágrafo único
do art. 504 do CC, preferindo aquele que possua benfeitorias de maior valor
ou, em segundo plano, aquele que detenha a maior fração condominiada,
somente incidirá quando a premissa para o exercício do direito de preferência
constante no caput desse dispositivo legal tenha sido verificada, ou seja,
quando, alienada a fração ideal do imóvel a um estranho, não se tenha
ofertado previamente aos demais condôminos tanto por tanto. 5. Não há
direito potestativo de preferência na hipótese em que um dos condôminos
aliena sua fração ideal para outro condômino, já que não se fez ingressar na
compropriedade pessoa estranha ao grupo condominial, razão pela qual fora
erigida a preempção ou preferência. 6. Exegese sistemático-teleológica das
disposições do Código Civil à luz do princípio da autonomia privada. 7.
Precedentes específicos da 3ª e 4ª Turmas do STJ. 8. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. (REsp n. 1.526.125/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
Terceira Turma, julgado em 17/4/2018, DJe de 27/4/2018.).

200
CAPÍTULO 6

O Código Civil traz também a precisão da ação de divisão em seu art. 1.320, Código
Civil, no sentido de que:

Art. 1.320, Código Civil. A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão
da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas
despesas da divisão.
§ 1º Podem os condôminos acordar que fique indivisa a coisa comum por
prazo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior.
§ 2º Não poderá exceder de cinco anos a indivisão estabelecida pelo doador ou
pelo testador.
§ 3º A requerimento de qualquer interessado e se graves razões o
aconselharem, pode o juiz determinar a divisão da coisa comum antes do
prazo.

2. CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Também chamado de condomínio horizontal ou condomínio em edificações, o
Condomínio Edilício, apesar de ter previsão no Código Civil Francês, não ganhou a atenção
necessária pelo Código Civil de 1916 que somente se dedicou a abordar o tema referente à
casa de parede-meia, através das normas de direito de vizinhança (Dec. Lei 5.481/28; Lei
4.591/64; Código Civil de 2002).

Com a introdução da previsão trazida pelo Código Civil de 2002, a incidência da Lei
4.591/64 passou a ser subsidiária. Isso porque, o Diploma Civil confirmou a primeira parte
(arts. 1º ao 22), mantendo-se intacta a segunda parte da legislação que se refere à
incorporação imobiliária.

Por se tratar de propriedade autônoma, a alienação da propriedade privada não impõe


a necessidade de atenção à prioridade ou preferência.

A área comum estará vinculada a área privativa. Portanto, a alienação desta última
resulta na da primeira.

Pergunta-se: Pode haver relação de consumo? Segundo jurisprudência do STJ:

DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE


CONDÔMINOS E EMPRESA CONTRATADA POR CONDOMÍNIOS PARA
COBRANÇA DE TAXAS ATRASADAS. 1. Há relação de consumo entre o
prestador do serviço e o condomínio que o contratou, mas não entre o
terceiro contratado e os condôminos individualmente considerados. 2.
Precedentes: RMS 17.605/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 24/06/2010; REsp 441.873/DF, Rel.
Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, DJ 23/10/2006, p. 295. Agravo
regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.378.352/PR, relator Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 3/9/2015, DJe de 14/9/2015.).

201
CAPÍTULO 6

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. PROCON. FISCALIZAÇÃO.


MULTA ADMINISTRATIVA. ABRANGÊNCIA. CONDOMÍNIOS. DÍVIDA SUB-
ROGADA. EMPRESA DE COBRANÇA. 1. A dívida cobrada em sub-rogação
mantém a mesma natureza da original, para aferição da relação de consumo.
2. Inexistindo caráter consumerista na relação entre condômino e condomínio,
tampouco haverá dita natureza na relação entre a empresa de cobrança
contratada pelo condomínio e o condômino. 3. Agravo interno a que se nega
provimento. (AgInt no REsp n. 1.419.490/PR, relator Ministro Og Fernandes,
Segunda Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 24/6/2022.).

2.1. Personalidade Do Condomínio


Personalidade do condomínio – ente despersonalizado. Entretanto, parte da doutrina
defende que o condomínio seja tratado como pessoa jurídica sui generis. Os enunciados n. 90
e n. 246 da JDC trazem orientações importantes sobre esse ponto:

Enunciado 90, JDC. Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao


condomínio edilício nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu
peculiar interesse.
Enunciado 246, JDC. Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte
final: "nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse".
Prevalece o texto: "Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio
edilício".

Segundo jurisprudência do STJ:

MEDIDA CAUTELAR. RECURSO ESPECIAL. PLAUSIBILIDADE DO DIREITO


ALEGADO. URGÊNCIA. VIABILIDADE DO APELO. JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA.
LIMINAR DEFERIDA 1. Em situações excepcionais, o Superior Tribunal de Justiça
admite a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, desde que
efetivamente demonstradas: (a) a plausibilidade do direito alegado; (b) a
urgência da prestação jurisdicional; e (c) a viabilidade do apelo nesta Corte. 2.
Considera-se plausível o direito alegado quando as Turmas que integram a eg.
Primeira Seção do STJ já se pronunciaram no mesmo sentido, no caso, da
qualificação do condomínio edilício como pessoa jurídica para fins de
pagamento de contribuição previdenciária. 3. Reputa-se urgente a prestação
jurisdicional quando demonstrada a proximidade da data aprazada para se
realizar o leilão de bem penhorado nos autos de execução fiscal. 4. Medida
liminar deferida. (MC n. 15.422/SC, relator Ministro Castro Meira, Segunda
Turma, julgado em 14/4/2009, DJe de 4/5/2009.)

TRIBUTÁRIO. CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS. PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINS


DE ADESÃO À PROGRAMA DE PARCELAMENTO. REFIS. POSSIBILIDADE. 1.
Cinge-se a controvérsia em saber se condomínio edilício é considerado pessoa
jurídica para fins de adesão ao REFIS. 2. Consoante o art. 11 da Instrução
Normativa RFB 568/2005, os condomínios estão obrigados a inscrever-se no
CNPJ. A seu turno, a Instrução Normativa RFB 971, de 13 de novembro de

202
CAPÍTULO 6

2009, prevê, em seu art. 3º, § 4º, III, que os condomínios são considerados
empresas - para fins de cumprimento de obrigações previdenciárias. 3. Se os
condomínios são considerados pessoas jurídicas para fins tributários, não há
como negar-lhes o direito de aderir ao programa de parcelamento instituído
pela Receita Federal. 4. Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao
condomínio a forma de pessoa jurídica, a jurisprudência do STJ tem-lhe
imputado referida personalidade jurídica, para fins tributários. Essa conclusão
encontra apoio em ambas as Turmas de Direito Público: REsp 411832/RS, Rel.
Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005;
REsp 1064455/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
19/08/2008, DJe 11/09/2008. Recurso especial improvido. (REsp n.
1.256.912/AL, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em
7/2/2012, DJe de 13/2/2012.).

2.2. Relação Locador/Condomínio


Atenção! Relação locador/condomínio. Segundo jurisprudência do STJ:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE


PROCEDIMENTO COMUM AJUIZADA POR LOCATÁRIO. PRETENSÃO VINCULADA
À RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O PROPRIETÁRIO LOCADOR E O
ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA NA
ORIGEM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. RAZOABILIDADE.
RECURSO DESPROVIDO. 1. [...] 2. O vínculo obrigacional estabelecido no
contrato de locação dá-se entre o inquilino e o locador. 3. A convenção
realizada entre os particulares transfere a posse direta do imóvel e,
eventualmente, o dever de arcar com obrigações propter rem, de titularidade
do proprietário, mas não sub-roga o inquilino em todos os direitos do
condômino perante o condomínio. 4. No caso específico dos autos, a
pretensão autoral está embasada em ocorrências inerentes à relação jurídica
estabelecida entre o proprietário e o condomínio. 5. O locatário não possui
legitimidade para ajuizar ação contra o condomínio, no intuito de questionar o
descumprimento de regra estatutária, a ausência de prestação de contas e a
administração de estabelecimento comercial, cujo reconhecimento resultaria
na necessidade de adequações de cota condominial e recomposição de
prejuízos financeiros. [...]. (REsp n. 1.630.199/RS, relator Ministro Antonio
Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 5/8/2021, DJe de 10/8/2021.).

2.3. Legitimidade Do Condomínio


Segundo jurisprudência do STJ no tocante à legitimidade do condomínio:

“O condomínio possui legitimidade para promover defesa de interesse comum


dos condôminos" (AgInt no AREsp 1297430/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI,
QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019).

203
CAPÍTULO 6

“Esta Corte Superior tem entendimento firmado no sentido de que o


condomínio é parte legítima para figurar no polo ativo da ação de cobrança,
pois o fato de se valer de empresa especializada para cobrança de taxas de
condomínio, mediante sistema de antecipação de pagamento do débito pelos
condôminos, não constitui sub-rogação ou cessão de crédito em favor desta,
se não expressamente convencionado”. (AgInt no REsp n. 1.701.683/PR, relator
Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 14/6/2021, DJe de
17/6/2021.).

“O condomínio é parte legitima para propor demanda contra o condômino ou


proprietário de apartamento que altera de forma indevida a fachada do
prédio”. (AgInt no AREsp n. 1.630.196/RJ, relator Ministro Antonio Carlos
Ferreira, Quarta Turma, julgado em 21/9/2020, DJe de 24/9/2020.).

“O condomínio tem legitimidade ativa para pleitear, em favor próprio,


indenização por dano moral, não podendo fazê-lo em nome dos condôminos”.
(REsp n. 1.736.593/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 11/2/2020, DJe de 13/2/2020.).

2.4. Normas Condominiais


A convenção de condomínio refere-se ao ato de constituição do condomínio edilício.
Advirta-se que, não se trata de um documento de instituição. É um documento em que se
busca determinar os limites dos direitos e deveres dos condôminos. Tem nítido perfil
normativo, possuindo caráter estatutário ou institucional, podendo ser feito por instrumento
particular ou público.

Súmula 260, STJ: A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é
eficaz para regular as relações entre os condôminos.

Dentro da convenção de condomínio, existe o regimento interno que, apesar de ter


previsão específica, não depreende autonomia no seu trato, posto que é parte componente
da Convenção. Esta norma refere-se à questões mais usuais do condomínio.

Os compradores e os cessionários dos direitos relativos a unidades autônomas são,


por expressa disposição legal, equiparados aos proprietários, curvando-se à convenção. Da
mesma forma, entendeu o STJ que há legitimidade passiva concorrente do promitente
comprador e do promitente vendedor em ação de cobrança de débitos condominiais.

“Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade


pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre
o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto”. (Tese
julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 - Tema 886).

204
CAPÍTULO 6

2.5. Cotas Condominiais


Por deter uma área comum, aplicam-se ao suporte dos custos destas as regras
vinculadas ao Condomínio Ordinário, ou seja, cada condômino arcará com o valor a depender
da sua quota-parte. Por falar em quota-parte, tem-se em mente que esta está vinculada ao
tamanho da área privativa.

Nos termos do art. 1.336, Código Civil, “são deveres do condômino: I - contribuir para
as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em
contrário na convenção”.

Segundo o teor da Súmula 478, STJ, “na execução de crédito relativo a cotas
condominiais, este tem preferência sobre o hipotecário”.

2.6. Expulsão Do Condômino Antissocial


Segundo julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, no tocante à polêmica da expulsão do condomínio antissocial:

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. EXPULSÃO DE MORADOR.


COMPORTAMENTO ANTISSOCIAL. CONDUTAS NOCIVAS. REITERAÇÃO.
SANÇÕES PECUNIÁRIAS. ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL.
DECISÃO DE ASSEMBLEIA. QUORUM QUALIFICADO. APELAÇÃO CONHECIDA E
DESPROVIDA. 1. Em que pese a ausência de disposição legal ou estatutária
acerca da expulsão do condômino pela prática de atos incompatíveis à
convivência coletiva, tal possibilidade decorre da vedação ao abuso do direito
e da garantia constitucional da função social da propriedade, sendo que o
exercício irregular do direito à propriedade viola a sua função social. 2.
Contudo, a aplicação da penalidade exige aprovação em assembleia
condominial com quórum qualificado de três quartos, correspondente ao
mesmo utilizado para fixação de multa mais gravosa ao condômino infrator,
consoante artigo 1337, caput e parágrafo único, do Código Civil. 3. Não
comprovada a decisão coletiva da maioria qualificada, fica obstada a expulsão
do condômino. 4. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-DF
07176692120218070001 1436971, Relator: LUÍS GUSTAVO B. DE OLIVEIRA,
Data de Julgamento: 07/07/2022, 3ª Turma Cível, Data de Publicação:
21/07/2022)

Apelação. Condomínio. Ação de exclusão de ocupante antissocial. Sentença de


improcedência. Ausência de previsão legal expressa no ordenamento jurídico
que permita a expulsão de condômino por mau comportamento. Aplicação
estrita do disposto no art. 1.337 do Código Civil de 2002. Ainda que o direito de
propriedade esteja limitado em sua função social, devendo o condômino
observar regras mínimas de bom comportamento e convívio, a medida de
expulsão não encontra amparo legal. Hipótese em que o condomínio pode
aplicar multas de elevado valor, como forma de compelir o proprietário a sair

205
CAPÍTULO 6

de sua zona de conforto e tomar providências quanto à sua locatária. Expulsão


que se mostra ainda mais temerária quando se observa estarmos diante de
situação emergencial em razão da pandemia da COVID-19, além de ser a Ré
pessoa de extrema vulnerabilidade por ser pessoa idosa. Sentença mantida.
Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC:
10293075220188260001 SP 1029307-52.2018.8.26.0001, Relator: L. G. Costa
Wagner, Data de Julgamento: 26/01/2021, 34ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 26/01/2021).

2.7. O síndico e a obrigação de prestação de contas


A interpretação do art. 1.348, VIII, do Código Civil leva à conclusão de que a prestação
de contas deve ser feita diretamente à assembleia de condôminos, o que afasta a
legitimidade ativa do condômino para, em nome próprio, valer-se da ação de exigir contas
sem que elas tenham sido requeridas pela referida assembleia. Nos termos do art. 1.348,
Código Civil, “compete ao síndico: VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando
exigidas”.

Segundo o doutrinador THEODORO JÚNIOR, Humberto:

"[...] O importante é, na espécie, a indagação, no que concerne aos termos da


relação material, da existência efetiva do poder daquele que se diz credor das
contas de sujeitar o demandado a prestá-las. Há, é bom lembrar, vários casos
em que o contrato ou a lei dispõe sobre o destinatário das contas, limitando-o
a certos órgãos de representação coletiva, como se dá nas sociedades e nos
condomínios. Nessa situação, o sócio ou condômino, embora titular do
interesse gerido por outrem, não tem legitimidade para, individualmente,
reclamar contas do administrador social ou do síndico". (THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Curso de Direito Processual Civil, V. II, Forense, 52ª edição, pag. 79).

Segundo jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. CONDOMÍNIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS.


CARÊNCIA DA AÇÃO. CONDÔMINO. ILEGITIMIDADE ATIVA. ART. 22, § 1º, f, DA
LEI nº 4.591/1964. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. DOCUMENTOSA
PRESENTADOS EXTRAJUDICIALMENTE. 1. O condômino, isoladamente, não
possui legitimidade para propor ação de prestação de contas, pois a obrigação
do síndico é de prestar contas à assembleia, nos termos do art. 22, § 1º, f, da
Lei nº 4.591/1964. 2. Faltará interesse de agir ao condômino quando as contas
já tiverem sido prestadas extrajudicialmente, porque, em tal hipótese, a ação
judicial não terá utilidade. 3. Recurso especial provido." STJ, REsp 1046652/RJ,
RECURSO ESPECIAL 2008/0075993-0, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA, 3ª Turma, j. 16/09/2014, DJe 30/09/2014, RDDP vol. 141 p. 122.
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ILEGITIMIDADE DO CONDÔMINO PARA PROPOR
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. O condômino, isoladamente, não possui
legitimidade para ajuizar ação de prestação de contas contra o condomínio.

206
CAPÍTULO 6

Isso porque, nos termos do art. 22, § 1º, f, da Lei 4.591/1964, o condomínio,
representado pelo síndico, não tem obrigação de prestar contas a cada um
dos condôminos, mas sim a todos, perante a assembleia dos condôminos. No
mesmo sentido, o art. 1.348, VIII, do CC dispõe que compete ao síndico, dentre
outras atribuições, prestar contas à assembleia, anualmente e quando
exigidas." (STJ, REsp 1.046.652-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j.
16/9/2014, p. 30/09/2014).

2.8. O Síndico E A Destituição


Somente a assembleia de condôminos tem legitimidade para requerer a destituição do
síndico, não cabendo a providência, isoladamente, a um dos condôminos.

Nos termos do art. 1.349, Código Civil, “a assembleia, especialmente convocada para o
fim estabelecido no §2º do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus
membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não
administrar convenientemente o condomínio”.

Segundo jurisprudência do STJ:

RECURSO ESPECIAL - FALÊNCIA - DESTITUIÇÃO DE SÍNDICO - AGRAVO DE


INSTRUMENTO INTERPOSTO PELO PRÓPRIO SÍNDICO DESTITUÍDO - ACÓRDÃO
ESTADUAL QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE
RECURSAL. INSURGÊNCIA DO SÍNDICO. Hipótese em que se discute se o
síndico destituído tem legitimidade e interesse recursais para impugnar a
decisão que o destituiu do cargo. 1. De acordo com o art. 66, § 2º, do Decreto-
lei nº 7.661/1945, "destituindo o síndico, o juiz nomeará o seu substituto, e do
despacho que decretar a destituição, ou deixar de fazê-lo, cabe agravo de
instrumento". 1.1 A melhor interpretação do referido dispositivo legal é a que
reconhece legitimidade e interesse recursais ao próprio síndico destituído,
pois ele é o destinatário da eficácia jurídica do ato decisório recorrível. 2.
Recurso especial provido, para determinar o retorno dos autos à Corte local, a
fim de que julgue o agravo de instrumento interposto naquela instância pelo
síndico recorrente, como entender de direito. (STJ - REsp: 1368748 SC
2013/0039219-4, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento:
20/11/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/06/2015).

207
CAPÍTULO 7

CAPÍTULO 7 DIREITO IMOBILIÁRIO EXTRAJUDICIAL

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL


A Constituição Federal contém previsão sobre a existência de serviços notariais e de
registro. Determina que eles sejam prestados em caráter privativo, por delegação do poder
público (art. 236), sendo incumbência da lei disciplinar a atividade e a responsabilidade
daqueles que a exercem (art. 236, §1º).

O diploma normativo que regulamenta o art. 236 da CF é a lei 8935/94. Esta lei
enumera a existência dos seguintes serviços: tabelionato de notas, tabelionato de protesto,
registro de imóveis, registro de títulos e documentos, registro civil de pessoas jurídicas,
registro civil de pessoas naturais, tabelionato e registo de contratos marítimos e registro de
distribuição.

O ponto comum dessas atividades é que elas são consideradas atividades


eminentemente públicas exercidas em caráter privativo, em um regime híbrido de direito
administrativo e privado com controle realizado pelo judiciário.

Quando se fala que a atividade é eminentemente publica, isso significa que ela emana
diretamente do Estado e, rigorosamente, pertence a ele, como um serviço público qualquer.
Por isso seus exercentes gozarão de algumas prerrogativas próprias do poder público, como
por exemplo, a fé pública notarial e registral.

Apesar disso, a outorga da delegação não se confunde com a concessão e a permissão


de serviço público. Neste caso, o serviço público era originariamente prestado pelo Poder
Público e rigorosamente poderia continuar sendo. É uma escolha política fazer a concessão
ou a permissão. Na outorga extrajudicial, o Poder Público não pode exercer a atividade em
caráter permanente, ele tem o dever de outorgar.

Apesar de ser uma atividade pública, a Constituição Federal determina que ela deve
ser exercida em caráter privativo, não havendo margem para escolha política. Isso significa
que a gestão do serviço será feita, como regra, de forma privada.

O Estado, portanto, não fará aportes financeiros para que a atividade seja
desenvolvida. Não comprará prédios, não alugará salas, não custeará materiais e servidores.
O Estado é apenas o ente delegante e fiscalizatório, através do Poder Judiciário.

Inclusive, não se admite que uma serventia fique vaga por mais de 6 meses, sem que
se realize concurso público (art. 236, §3º, CF). A implementação desse dispositivo tem sido
difícil em alguns Estados da Federação.

208
CAPÍTULO 7

Alguns abrem concurso rigorosamente a cada 06 meses. Outros cumprem o prazo de


06 meses assim que o concurso anterior for encerrado. Mas há Estados que jamais
conseguiram concluir um concurso público.

Os recursos necessários para o desenvolvimento da atividade são custeados pelos


respectivos usuários. Eles são estabelecidos por lei estadual, tendo a natureza jurídica de
taxa. São chamados de emolumentos.

O ente delegante dos serviços de notas e registro é o Estado. Antes da CF e da Lei


8.935/94, havia certa divergência sobre a forma de outorga chegando-se a admitir, em
algumas épocas, inclusive a compra e venda, a doação e a sucessão hereditária. Quando a
outorga era realizada em caráter originário, era por ato do Governador do Estado, portanto
de forma política.

Tudo isso contribuiu de forma decisiva para um conceito negativo que a sociedade
formou sobre os cartórios. Mas isso ficou para o passado. Atualmente, a delegação passou a
ser feita pelo Tribunal de Justiça, em concurso público de provas e títulos, com a participação,
em todas as suas fases, da OAB, do MP, de um notário e de um registrado (art. 15, Lei
8.935/94).

Os delegatários dos serviços notariais e de registro são necessariamente pessoas


naturais. A atividade é de natureza intelectual, notários e registradores tem independência
jurídica no exercício de suas atribuições (art. 28, Lei 8.935/94).

Não se cogita, portanto, de estruturação de pessoa jurídica para prestar a atividade. O


cartório deve estar inscrito em CNPJ, para cumprir certas obrigações fiscais, mas o titular será
sempre uma pessoa natural, que recolhe imposto de renda da pessoa física.

Notários e registradores não são detentores de cargo público. Por isso, não estão
subordinados ao teto remuneratório nem à aposentadoria compulsória.

A finalidade precípua da atividade notarial e registral é assegurar, preventivamente, a


autenticidade, publicidade, segurança e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Portanto, é a lei
que elege os casos em que a intervenção de um agente delegatário seja conveniente e
necessária.

A fiscalização mencionada na CF abrange a regulação da atividade. Isso é feito pelas


corregedorias dos Tribunais, tanto a nacional, no âmbito do CNJ, que dita proventos e
resoluções, quanto pelas corregedorias estaduais que editam as chamadas normas de serviço
extrajudicial, verdadeiros códigos que regula a atividade.

Legislar sobre registro público é de competência privativa da União (art. 22, XXV, CF).

209
CAPÍTULO 7

1.1. Natureza jurídica sui generis da atividade


A atividade de notas e registro é sui generis tendo em vista que não existe outra de
natureza assemelhada em nossa estrutura administrativa. O delegatário é sempre uma
pessoa natural, profissional do direito, dotado de fé pública e de independência no exercício
das funções.

O direito administrativo geralmente classifica os agentes públicos em: agentes


políticos; servidores públicos; militares e particulares em colaboração com o poder público
(por requisição e nomeação; os gestores de negócio; e os delegatários do Poder Público).
Notários e registradores são geralmente enquadrados nesta última categoria.

A atividade notarial e registral é híbrida, na medida em que a atividade em si é pública,


mas seu exercício é privado. O delegatário age como um empresário individual (ADI 2.602,
Eros Grau, 31/03/2006), mas não pode estar organizado como uma pessoa jurídica.

1.2. A delegação do poder público


A delegação de um serviço público pode ser comum ou especial (sui generis). A
delegação comum é aquela já conhecida do direito administrativo, está sujeita a contrato e,
geralmente, a licitação. A atividade pode ser executada diretamente pelo Estado, que é seu
titular, com remuneração mediante tarifa. O serviço pode ser encampado.

A delegação sui generis é a que ocorre no caso das serventias extrajudiciais. Ela
depende de concurso, sendo titular do serviço o particular. O Estado apenas fiscaliza. A
remuneração é paga pelo usuário do serviço, mediante taxa. Em caso de falta administrativa
grave, pode haver a perda da delegação, assumindo o serviço um substituto particular.

Genericamente, falamos em agentes delegados, aqueles particulares que recebem


incumbência da execução de determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em
nome próprio, por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente
fiscalização do delegante.

No caso dos serviços notariais e registrais, esses agentes não são servidores públicos,
nem agentes honoríficos, nem representantes do Estado. Constituem uma categoria à parte,
de particulares em colaboração com o Poder Público. Nessa categoria encontram-se também
os leiloeiros, os tradutores e intérpretes públicos.

1.3. Gerenciamento da serventia


Depois de investido, o notário ou registrador torna-se privativamente responsável pela
organização administrativa da serventia.

Os arquivos físicos e digitais são públicos. Mas os móveis, utensílios e imóveis são
todos privados.

210
CAPÍTULO 7

O delegatário deve praticar os atos necessários à organização e execução dos serviços


previstos em lei podendo administrar a serventia como lhe aprouver, desde que mantida a
qualidade de atendimento.

Assim, fala-se que o titular goza de independência administrativo-funcional. Ele tem


independência total para organizar a serventia, com dever de manutenção de qualidade
mínima exigida pela atividade correcional (art. 21 e 28 da Lei 8.935/94).

No exercício da atividade, o titular também terá independência jurídica ou


hermenêutica. Não é uma independência ampla como a do Magistrado é uma independência
limitada pela legalidade administrativa e deve ter como referência a lei, as normas de serviço
e a jurisprudência administrativa.

No ponto, o registrador tem muito menos independência que o tabelião por exemplo.
O tabelião materializa qualquer situação jurídica amparada pelo ordenamento; o registrador
só materializa os atos que a lei autoriza.

1.4. Fé pública notarial e registral


A outorga da delegação é atributiva de fé pública, um dos elementos essenciais da
atividade (art. 3, Lei 8.935/94).

A doutrina costuma enumerar 03 características de fé pública notarial e registral. A fé


pública, no sentido de pertinência e consonância dos atos com a norma jurídica; a fé física,
que diz respeito à conservação dos atos e documentos; e a fé histórica, o lastro institucional
da atividade.

A fé pública deriva diretamente da confiança que todos depositam na verdade ou


legitimidade de ato emanado de autoridade pública. Relaciona-se com a aparência e a boa-fé.

Em nosso ordenamento, a fé pública pode ser administrativa, judicial, notarial e


registral.

A fé pública administrativa é própria de todo e qualquer funcionário público, no


exercício de suas atribuições. Ela dá notoriedade e valor aos atos realizados pelo Estado que
são cobertos pela presunção de legalidade e legitimidade.

A fé pública judicial é aquela própria da jurisdição. Ela reveste os comandos judiciais


com um selo de autenticidade, permitindo a eficácia e a transcendência da atuação dos
tribunais. E possui meios próprios de impugnação e correção.

A fé pública notarial é aquela que deriva da profilaxia notarial e visa pré-constituir


provas de atos, fatos e negócios jurídicos assegurando a produção de efeitos jurídicos e
auxiliando futuras decisões judiciais.

211
CAPÍTULO 7

Por fim, a fé pública registral é aquela relacionada com as informações extraídas dos
livros públicos, elas são tidas como precisas e corretas espelhando a verdade dos títulos que
a determinam.

O conceito de fé pública, portanto, não é no sentido de convicção ou crença do


espírito, naquilo que não se vê e sim a necessidade de caráter jurídico, que nos obriga a
estimar como autênticos e indiscutíveis os fatos e atos submetidos à norma.

A fé pública do tabelião lhe confere o poder de juridicizar a vontade das partes


atribuindo a esta a qualidade de título hábil a ingressar no sistema registral.

A fé pública que emana dos registros públicos implica a crença de que tudo que neles
consta é formal e materialmente verdadeiro e correto.

É a fé pública que assegura a existência, a validade e a plena eficácia das disposições


relativas aos direitos lançados nos livros.

No sistema brasileiro a fé pública gera presunção relativa de veracidade. Ela pode ser
afastada por prova em sentido contrário, mas o ônus será da parte que vier a impugná-la.

1.5. Autenticidade e segurança jurídica


A finalidade da atividade notarial é garantir a publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia dos atos e negócios jurídicos (art. 1º, Lei 8.935/94).

O tabelionato de notas faz o controle substancial do ato ou do negócio jurídico,


constituindo o título. Ele formaliza a vontade das partes. Já os registros depuram o título, em
um exame de qualificação jurídica do ato ou negócio eles realizam o controle formal e
substancial do título, autorizando a produção de efeitos jurídicos.

A segurança jurídica notarial e registral emanam, então, da confiança na forma, no


conteúdo e na técnica. A segurança jurídica do registro decorre de um encadeamento de atos
dotados de fé pública.

1.6. Princípios
1.6.1. Princípio da publicidade

Os registros são chamados de públicos, porque todos os atos e fatos praticados devem
ser passíveis de conhecimento público. É dessa cognoscibilidade, aliada à fé pública, que se
pode extrair oponibilidade erga omnes de alguns direitos.

A possibilidade de informação gera a ficção de que terceiro tem conhecimento do teor


do registro, daí a obrigatoriedade de respeitá-lo. A publicidade dentro do nosso sistema é
fundamentalmente uma publicidade eficácia: visa garantir eficácia erga omnes.

212
CAPÍTULO 7

A publicidade no sistema extrajudicial pode ser ativa ou passiva. Ativa quando a


informação é levada ao conhecimento da parte, como no caso da notificação extrajudicial;
passiva, quando é obtida mediante solicitação do interessado (traslados e certidões).

1.6.2. Princípio da eficácia

A intervenção do delegatário deve garantir a eficácia de atos e negócios jurídicos. Essa


eficácia pode ser constitutiva, comprovatória, publicitária ou declaratória.

Eficácia constitutiva é a aptidão que o registro tem para constituir, extinguir ou


modificar direitos, como ocorre com os direitos reais ou com a atribuição de personalidade
para a pessoa jurídica.

Eficácia comprobatória é a aptidão para certificar, com fé pública, a existência do ato e


sua adequação com o ordenamento.

Eficácia publicitária é a cognoscibilidade do ato a terceiros.

Eficácia declaratória e a verificação da ocorrência do fato, para a extração de efeitos


jurídicos, como no caso do nascimento e do óbito.

Todos os atos devem ser assinados por aqueles dotados de fé pública, ou seja, pelo
notário ou registrador ou pelos escreventes autorizados.

A regra geral do ordenamento é que os atos e negócios jurídicos tenham eficácia


apenas inter partes não beneficiando nem prejudicando terceiros. Há situações, contudo, que
demanda o respeito de todos, sendo o registro necessário para gerar essa oponibilidade erga
omnes.

1.7. Terminologia: notário e registrador


Tabelião ou notário não se confunde com oficial ou registrador.

Tabelião ou notário é um conselheiro imparcial dos particulares; Ele intervém na


realização de atos e negócios jurídicos relevantes, que as partes queiram ou devam dar forma
pública. Além disso, o tabelião certifica fatos.

Tabelião ou notário, portanto, elabora escrituras públicas, lavra atas notariais,


autentica cópias, reconhece firmas.

Registrador ou oficial é o agente de um órgão que existe para tornar cognoscível


determinados atos, fatos e negócios jurídicos, dependendo desta publicidade, por vezes, a
própria existência do direito.

Registrador registra. Não elabora o título, mas o examina e verifica sua compatibilidade
com o ordenamento publicizando os atos, fatos e negócios jurídicos que demandem
oponibilidade contra terceiros.

213
CAPÍTULO 7

Distinção entre as atividades:

• Atividade notarial – atividade meio; interesse diretamente particular, indiretamente


difuso; natureza público obrigacional; livre disposição das partes;

• Atividade registral – atividade fim; interesse diretamente difuso e indiretamente


particular; natureza real; tipicidade.

1.8. Classificação dos atos de registro


Os atos de registro podem ser classificados em transcritivos ou inscritivos. O critério
distintivo é o fato de ser reproduzido inteiramente ou não o documento registrado.

Os sistemas transcritivos ou arquivam o documento ou o copiam na íntegra. Já os


inscritivos fazem registro por extrato.

Como a transcrição é a cópia, ela é típica dos documentos que contém negócios
atípicos. Já os negócios típicos podem ser facilmente registrados resumidamente.

Para os registros público, na designação genérica de registro consideram-se


englobadas a inscrição e a transcrição a que se refere às leis civis (art. 168, Lei 6.015/73).

1.9. Quadro funciona da serventia


A responsabilidade pelo funcionamento da serventia é do titular, inclusive no que toca
aos recursos humanos. Até o advento da Lei 8.935/1994, todos os prepostos eram
estatutários, ou seja, pagos pelos delegatários, mas subordinados ao regime jurídico dos
servidores públicos.

Atualmente, o regime jurídico dos prepostos é o celetista, com remuneração


livremente ajustada entre empregador e empregado. O regime jurídico de contratação foi
transformado, tendo sido admitida para os funcionários da época, opção pela manutenção ou
modificação do regime (art. 48, Lei 8.935/1994).

A quantidade de escreventes e prepostos de uma serventia não é definida em lei. Fica


a critério do titular (princípio da independência funcional). Mas a discricionariedade do titular
é relativa. Se houve atraso ou ineficiência do serviço, o juiz corregedor pode determinar a
contratação de novos escreventes ou auxiliares.

Na contratação, vigora a liberdade salarial. A remuneração é livremente ajustada entre


as partes.

A hierarquia funcional na serventia é determinada pelo oficial. A lei prevê a existência


dos auxiliares, dos escreventes e do escrevente substituto.

Auxiliares são aqueles funcionários em cargo inicial, que recebem autorização apenas
para ajudar no desenvolvimento da atividade, não podendo praticar os atos próprios da
delegação. Os auxiliares não podem subscrever certidões, ne lavrar atos do ofício.

214
CAPÍTULO 7

Escreventes são os demais empregados que praticam atos próprios do delegado (art.
20, §3º). Sua atribuição é mais ampla que a dos auxiliares e mais restrita que a dos
substitutos. Eles podem subscrever as certidões e lavrar os atos do ofício que o titular
autorizar.

Substitutos são os escreventes que têm capacidade técnica podendo praticar todos os
atos do titular (art. 20, §4º, Lei 8.935/1994). Dentre os substitutos, um será chamado de
substituto designado (art. 20, §5º, Lei 8.935/1994), aquele eleito pelo delegatário para
responder pelo serviço nas suas ausências e impedimentos.

Na estrutura funcional, a serventia pode contar ainda com estagiários e terceirizados,


contratados para prestar serviços estranhos à função.

O preposto é o nome genérico que se dá a quaisquer funcionários da serventia.

Na estrutura funcional da serventia vigora o princípio da responsabilidade pessoal do


delegatário. Ainda que o ato tenha sido subscrito pelos escreventes ou substitutos, a
responsabilidade será sempre pessoal e intransferível do delegatário.

1.10. Responsabilidade civil


O art. 22 da Lei 8.935/1994, passou por diversas mudanças legislativas. Inicialmente,
havia uma corrente que, com base neste dispositivo, imputava responsabilidade objetiva ao
Estado e, regressivamente, por culpa, ao delegatário (art. 37, §6º da CF).

Na sequência, passou-se a atribuir responsabilidade objetiva ao delegatário. O


fundamento era a redação antiga do art. 222, bem como os arts. 14 e 18 do Código de Defesa
do Consumidor (defeito ou vício do serviço).

Com a Lei 13.286/16, a responsabilidade por atos próprios notariais e registrais passou
a ser claramente subjetiva havendo imputação objetiva do ato do preposto ao delegatário.

De qualquer maneira, a responsabilidade do delegatário é sempre por ato próprio,


jamais por ato de seu antecessor, seja ele o antigo delegatário, seja ele o interventor ou
interino designado.

A responsabilidade criminal do delegatário será individualizada aplicando-se, no que


couber, a legislação sobre crimes contra administração (art. 24 da Lei 8.935/1994).

Com relação à responsabilidade trabalhista, vigora o princípio da intransmissibilidade


relativa dos vínculos obrigacionais. O oficial não é obrigado a recepcionar os prepostos
quando assume a delegação, não havendo sucessão ou sub-rogação por direitos e obrigações
anteriores, se os empregados não continuarem em serviço. Não há solidariedade automática.

Se os empregados continuarem a trabalhar na serventia, o novo delegatário responde


por todo o passivo anterior à sua posse havendo sucessão plena por direitos e obrigações
anteriores.

215
CAPÍTULO 7

O delegatário está ainda adstrito a uma responsabilidade administrativa, pois está


vinculado à Administração Pública por um vínculo desta natureza. Aqui, cogita-se do
cumprimento de deveres funcionais.

1.11. Direitos do delegatário


Os delegatários gozam de independência funcional no exercício da atividade, portanto
têm alguma margem para interpretação jurídica dos deveres de seu ofício (art. 28 da Lei
8.935/1994).

Pela prática dos atos, têm direito aos emolumentos integrais. Isso não significa que
ficam com todo o valor pago para a serventia. Os emolumentos correspondem a uma fração,
geralmente menos da metade, do preço pago pelos usuários dos serviços, depois de abatidas
as transferências legais, os chamados repasses (art. 28 da Lei 8.935/1994).

Emolumentos são espécies de taxa sui generis, na medida em que encerram retribuição
quanto ao serviço público prestado e exercício do poder de polícia.

Os delegatários têm, ainda, direito de opção, em caso de desmembramento ou


desdobramento de suas atribuições ou de sua circunscrição territorial (art. 29, I, da Lei
8.935/1994).

Por fim, os delegatários podem se associar e participar de organizações de classe e


sindicatos (art. 29, II, da Lei 8.935/1994).

1.12. Deveres do delegatário


Os delegatários têm o dever de prestar a sua atividade com eficiência e urbanidade,
devendo dar prioridade a requisições oficiais. Devem atuar de forma a dignificar a função,
guardando sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada.

Devem observar prazos; cumprir normas técnicas; guardar e zelar pelos livros; manter
arquivo de leis e normas; facilitar acesso a acervo.

Caso não possam praticar o ato solicitado, a requerimento da parte, deve suscitar
dúvida ao juiz corregedor permanente.

1.13. Incompatibilidades e impedimentos


A atividade notarial e registral é incompatível com o exercício da advocacia, a
intermediação dos seus serviços e o exercício de cargo, emprego ou função públicos.

Não se admite também, que o delegatário exerça mandato eletivo. Em caso de


diplomação haverá afastamento necessário da atividade (art. 25, §2º da Lei 8.935/1994).

216
CAPÍTULO 7

Impedimento é a proibição da prática de ato jurídico determinado. O oficial não poderá


pessoalmente praticar ato de interesse próprio, de seu cônjuge ou de parente até o terceiro
grau. O ato incumbe ao substituto legal.

Não se admite que o delagatário exerça simultaneamente mais de uma delegação. No


ponto, vigora o princípio da unidade. Contudo, pode acontecer de a delegação abranger
naturalmente mais de um serviço. Pode acontecer de uma serventia ser um tabelionato de
notas e em registro civil de pessoas naturais. É comum que exista cumulação de RTD e de
RCPJ.

O que não deveria acontecer é o exercício simultâneo da delegação de notas e de


registro de imóveis concomitantemente, pois a ideia aqui é que uma serventia fiscalize os
atos da outra.

1.14. Penas aplicáveis aos delegatários


Por faltas funcionais, os delegatários ficam sujeitos a repreensão, multa, suspensão e
perda da delegação. Não existe pena de advertência.

A repreensão é aplicada no caso de falta leve, quando não há dolo. A multa é aplicada
em caso de reincidência. É possível analogia aos dias-multa do Código Penal.

A suspensão é o afastamento da atividade de 90 dias, prorrogáveis por mais 30.


Durante o prazo, o delegatário não recebe remuneração. Ocorre em caso de
descumprimento ou falta mais grave.

Em caso de afastamento é designado um interventor pelo juiz corregedor permanente.

Por fim, existe a perda da delegação. Trata-se de uma espécie de extinção da


delegação. Caso o delegatário esteja sujeito a esta sanção admite-se o afastamento das
atividades até a decisão final. Ou seja, a pena de suspensão não se confunde com a
suspensão preventiva.

Para que essas penas possam ser aplicadas existem a sindicância e o processo
administrativo. Ambos são conduzidos pelo juiz corregedor permanente, com avocação
possível pelo Corregedor Geral. O juiz pode aplicar todas as penas, menos a de perda da
delegação.

1.15. Fiscalização
A atividade extrajudicial é fiscalizada pelo Poder Judiciário, por determinação
constitucional.

O juiz, sob o ponto de vista administrativo, pode e deve exigir rapidez, qualidade,
eficácia, readequação.

217
CAPÍTULO 7

Por isso, via de regra, o vínculo administrativo das serventias fica a cargo das
corregedorias, abrangendo tanto a nacional (CNJ), a geral (Corregedoria Geral de Justiça) e a
permanente (juiz com a competência de registros públicos).

1.16. Criação, anexação e extinção de serventias


Depende de lei a criação, anexação e extinção de serventias. A extinção deve esperar a
vacância da serventia, pois seu titular tem direito adquirido a ela. Em cada sede municipal
haverá ao menos um RCPN.

2. NOTARIADO
Aos tabeliães ou notários compete (art. 6, Lei 8.935/1994) formalizar juridicamente a
vontade das partes intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram
dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos
adequados conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo. Eles
podem, ainda, autenticar fatos.

Há basicamente duas espécies de notários: os tabeliães de notas e os tabeliães de


protesto. Fala-se ainda em tabelião de notas e oficial de registro de contratos marítimos,
onde houver.

2.1. Tabelionato de notas


Tabelião de notas e notário é o profissional de direito responsável pela captação e
trasladação da vontade das partes, formalizando juridicamente a declaração dada e
conferindo a ela autenticidade.

A autenticidade notarial conferida pela fé pública garante que a identidade e a


capacidade das partes foi objeto de verificação, bem como que o ato lavrado se encontra em
consonância com o ordenamento jurídico. Isso confere segurança jurídica preventiva ao ato
permitindo que se confie na sua plena produção de efeitos jurídicos.

No exercício de seu ofício, o tabelião de notas lavra escrituras públicas. A escritura


pública é um documento oficial (art. 215, CC) que formaliza a existência de um negócio
jurídico, ao qual as partes queiram ou devam dar forma pública.

Assim, fala-se em escritura pública de compra e venda, de doação e de mandato


(procuração), por exemplo. O tabelião de notas lavra ainda os testamentos públicos e aprova
os testamentos cerrados. Tratando-se de um negócio jurídico, os testamentos públicos são
espécies de escrituras públicas.

Por fim, o tabelião de notas certifica fatos. Ele verifica a ocorrência de certos eventos
com os seus sentidos descrevendo-os com fé pública. É o que acontece com as atas notariais
e com os atos de reconhecimento de firma e de autenticação de cópias.

218
CAPÍTULO 7

Em suma, o notário autoriza a redação ou redige os instrumentos adequados,


responsabilizando-se por sua validade e eficácia. Conserva-se os originais dos documentos
em seus livros e expede cópias fidedignas de seu conteúdo, os chamados traslados. Além
disso, ele autentica fatos.

Como o tabelião de notas participa da elaboração do título e intervém nos negócios


jurídicos, mesmo nos negócios particulares que não exijam a forma pública, a que as partes
apenas queiram dar forma pública, o notário exerce uma função de assessoramento jurídico
e mediação muito semelhante com a função de um advogado consultivo.

Mas nessa assessoria existe uma peculiaridade relevante. O tabelião tem o dever de
cuidar da segurança, da validade e da eficácia dos atos que pratica; Ele está subordinado à
estrita legalidade administrativa e é fiscalizado neste aspecto pelo Poder Judiciário. Portanto,
ele exerce sua função com independência jurídica, ao contrário do advogado, que é
remunerado para defender o interesse da parte.

Assim, quando uma pessoa quer celebrar um negócio jurídico qualquer, mas não quer
contratar um advogado, ela pode, naturalmente, procurar um tabelião. Pode fazer um
contrato de locação, um contrato social, um contrato de empréstimo, tudo por escritura
pública, com preço tabelado.

A relação que se estabelece, desta forma, entre o notário e o usuário do serviço é


essencialmente de confiança. Ou seja, o cliente pode escolher o notário que quiser, em
qualquer lugar do Brasil, ainda que os bens ou direito não estejam situados naquele local.

Mas os serviços terão o preço tabelado, determinado pela lei do Estado em que o
tabelionato estiver. E fica a cargo do cliente procurar o tabelionato. O tabelião só pode ir até o
cliente se estiver dentro de sua circunscrição territorial.

Assim, um tabelião de São Paulo, não pode ir ao Rio de Janeiro lavrar uma escritura de
compra e venda. Mas o cliente do Rio de Janeiro pode ir a São Paulo procurar pessoalmente o
tabelião, ainda que os imóveis estejam na capital fluminense. Neste caso, a tabela de
emolumentos aplicada será a de São Paulo, porque é este o local da lavratura do ato.

Questão relevante, como foi dito é que o tabelião vai sempre conservar os originais dos
atos lavrados entregando aos usuários do serviço os traslados. Traslados nada mais são do
que cópias autenticadas em papel de segurança, sendo a primeira via gratuita, embora
possam ser expedidos em tantas vias quanto forem necessárias.

Assim, se o interessado perde a escritura ou se ela se extravia por algum motivo será
sempre possível expedir uma nova, buscando inclusive de forma eletrônica, se o ato for
antigo e a pessoa não mais se recordar o cartório em que o ato foi lavrado.

A conservação do original tem função relevante ainda em dois atos específicos. Na


procuração, pois a revogação de poderes vai sempre constar do ato e receber, assim,
publicidade. E no testamento, pois a sua utilização ocorrerá quando o autor já for falecido.

219
CAPÍTULO 7

Além de lavrar os negócios jurídicos, o tabelião autentica fatos. Essa autenticação nada
mais é do que a utilização da fé pública estatal, para certificar a ocorrência ou o modo de
ocorrer de certos eventos perceptíveis pelos sentidos.

Assim, o tabelião pode comparecer a uma assembleia e lavrar uma ata notarial
documentando, com fé pública, os eventos que presenciou. Pode comparecer a um imóvel e
certificar a existência e a duração da posse. Pode conferir cópias de documentos com os seus
originais certificando a identidade. Pode verificar assinaturas e declarar que foram apostas
em sua presença ou que se assemelham a outras previamente depositadas em seu acervo. E,
principalmente, pode certificar a qualificação das partes e sua capacidade civil nos atos que
praticam.

Note-se que a autenticação de cópias e o reconhecimento de firmas, atos mais


conhecidos pelo público e vistos por alguns como sinal de burocracia e atraso, são apenas
expressão de alguns atos que o tabelião pode praticar. Rigorosamente, o fato poderia ser
praticado por qualquer funcionário público, no uso de suas atribuições.

A propósito, lembre-se que o reconhecimento de firma pode ser feito de duas


maneiras. Por autenticidade, ou seja, quando a assinatura é feita na presença do notário ou
de seu preposto; ou por semelhança, quando existe uma ficha com um exemplar da
assinatura previamente depositado em cartório e o notário compara, por semelhança, com
aquela aposta no documento.

O reconhecimento de firma marca ainda a data. Quando se quer documentar o


empréstimo gratuito de um imóvel em certa data, por exemplo, basta reconhecer a firma dos
signatários em um contrato de comodato.

Com relação à lavratura das escrituras em si, o notário deve atender ao que
determinada a lei 7.433/85, bem como ao Dec. Fed. 93.240/86. Esses diplomas legais
determinam que o tabelião deve exigir uma série de documentos para lavratura do ato, como
a certidão atualizada da matrícula do imóvel, a certidão dos distribuidores, guia de
recolhimento de tributo etc. Esses documentos no original ou em cópia autenticada também
ficam arquivados no tabelionato.

Se, por um acaso, o número de um documento não foi consignado de forma correta na
escritura, o próprio tabelião certifica o fato em uma ata retificativa, sem que seja preciso
lavrar novamente o ato, sem que seja preciso assinar novamente a escritura.

2.2. Tabelionato de protesto


Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova o inadimplemento ou o
descumprimento de obrigação originada em título e outros documentos de dívida (art. 1, Lei
9492/97). Incluem-se entre os títulos protestáveis as sentenças e as certidões de dívidas ativa.

Esse conceito legal fornece as características principais: o protesto não é exatamente,


de forma imediata, um mecanismo de cobrança, embora auxilie no recebimento de valores; e

220
CAPÍTULO 7

o descumprimento de obrigação tem que ser objeto de título de crédito ou outros


documentos de dívida.

O conceito de outros documentos de dívida tem sido alargado recentemente. Podem


ser considerados outros documentos de dívida todos os títulos executivos judiciais e
extrajudiciais. Até mesmo documentos que, rigorosamente, não são título executivo podem
ser protestados, se contarem com os atributos da certeza, liquidez e exigibilidade.

O fato de o protesto ser feito por tabelião confere maior confiança ao procedimento,
tendo em vista que é um agente munido de fé pública e fiscalizado pelo Poder Judiciário.

Foi dito que o protesto, em si, não é exatamente um mecanismo de cobrança. Mas na
realidade ele funciona como se fosse. O protesto gera necessariamente um abalo de crédito
do devedor, confere e dá publicidade ao inadimplemento, ensejando o lançamento do nome
do devedor em cadastros gratuitos dos cartórios e nas maiores e principais bases de
negativação.

Desta forma, o protesto evita o ajuizamento de uma ação de cobrança. Em sua


esmagadora maioria, os títulos são pagos em algum momento.

Relevante, neste sentido é que o protesto é um ato 100% gratuito para o credor em
São Paulo e na maioria dos Estados da Federação. Antigamente, as custas deveriam ser
adiantadas pelo credor, no momento da apresentação do título. Atualmente, a tendência é
que os emolumentos sejam considerados devidos no momento do pagamento do título ou no
de cancelamento do ato de protesto.

Os tabeliães agem somente mediante provocação e dependem da apresentação de um


requerimento em meio físico ou digital, encaminhando o título a protesto. Feito isso, tabelião
qualifica juridicamente o título, para verificar a sua protestabilidade e, verificando a sua
adequação, notifica o devedor para pagar ou cumprir a obrigação cambiária em 3 dias.

Em caso de inércia, o protesto deve ser lavrado e registrado. Isso é feito no último dia
do tríduo legal concluindo-se, no primeiro dia útil subsequente, obrigatoriamente antes do
início da jornada de trabalho para atendimento ao público. Neste dia seguinte, o título e o
instrumento de protesto devem estar à disposição do credor.

A regra geral é que não cabe ao tabelião de protesto investigar prescrição ou


caducidade (art. 9º da lei 9492/97). Se forem apurados vícios formais o protesto será negado,
com nota de devolução. Caso contrário deve ser dado seguimento.

A vedação à análise da prescrição e decadência, contudo, está sofrendo alterações.


Antigamente, havia a súmula 17 do TJSP: “a prescrição ou perda de eficácia executiva do título
não impede sua remessa a protesto, enquanto disponível a cobrança por outros meios”. Mas
esta súmula foi revogada. Subsiste, atualmente, o discurso da necessária análise sobre a
perda de eficácia do título.

221
CAPÍTULO 7

O STJ, de qualquer forma, tem precedentes sólidos considerando ser indevido o


protesto de título de crédito prescrito. Nesse sentido: “jurisprudência em teses STJ, Ed. 56,
item 11: É indevido o protesto de título de crédito prescrito”.

A recusa deve ser feita mediante nota de devolução justificada, o que pode ensejar
impugnação perante o juízo corregedor permanente.

O protesto não será realizado em caso de desistência, pagamento ou sustação judicial.

Depois de lavrado e registrado o protesto pode apenas haver suspensão dos efeitos do
protesto.

2.2.1. Protesto de outros documentos de dívida

Entre os chamados outros documentos de dívida estão as decisões judiciais, os


créditos condominiais, as certidões de dívida ativa e os documentos de dívida dotados de
certeza, liquidez e exigibilidade, ainda que não sejam títulos executivos.

A decisão judicial transitada em julgado poderá ser protestada depois de transcorrido


o prazo para pagamento voluntário (art. 517, CPC). Para tanto deve ser apresentada certidão
de teor da decisão, que será expedida no prazo de 3 dias. A sentença pode ser protestada
onde tramitou o processo ou no domicílio do devedor.

No caso de decisão a respeito de alimentos, o protesto deve ser promovido por


determinação do juízo (art. 528, §1, CPC). Se houver pagamento, o tabelião informará o juízo e
aguardará informações a respeito do repasse do valor.

Admite-se a anotação da rescisória à margem do registro de protesto (art. 517, §3,


NCPC). O termo técnico adequado seria averbação.

Não cabe ao tabelião, contudo, protestar o ato decisório contra pessoa que não figura
no título, ainda que seja evidente o caso de desconsideração da personalidade jurídica.

No que se refere às certidões de dívida ativa, a discussão girava em torno da


inexistência de autorização legal na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980).

Neste sentido, houve tentativa de declaração de inconstitucionalidade do art. 1, Lei


9.492/1997, sem redução de texto, mas o STF aceitou a compatibilidade do dispositivo com
Constituição Federal, por ampla maioria.

Atualmente, o protesto de certidões de dívida ativa, de quaisquer dos entes públicos é


amplamente aceito.

O crédito condominial também pode ser protestado. Para tanto, exige-se apresentação
de planilha, assinada pelo síndico, na qual conste especialização do crédito condominial,
cópia da convenção do condomínio para comprovação da previsão das contribuições

222
CAPÍTULO 7

ordinárias ou extraordinárias ou a aprovação destas em assembleia geral, bem como a


indicação do nome, endereço e CPF ou CNPJ do condômino-devedor.

É criticável a exigência de convenção de condomínio, pois ela equivale ao ato


constitutivo da PJ. O título pode ser protestado no local do imóvel ou no domicílio do devedor.

Incluem-se entre os documentos de dívidas as certidões de dívida ativa, que poderão


ser apresentadas no original, por meio eletrônico ou mediante simples indicação.

Além dos títulos executivos são protestáveis documentos de dívida dotados de certeza,
liquidez e exigibilidade. Ou seja, não há tipicidade fechada para o protesto.

Os documentos de dívida podem ser apresentados no original ou em cópia


autenticada ou digitalizada, mediante arquivo assinado digitalmente. No caso de arquivo
digital, o apresentante deve firmar declaração garantindo a origem e integridade, bem como
sua posse.

No caso de dívidas periódicas (ex. aluguel), toda vez que for apresentado um valor a
protesto, o documento poderá ser reapresentado assim que inadimplido o período seguinte.
Por isso eventual quitação deve ser dada em apartado.

No que se refere aos contratos em geral, podem ser protestados os valores que
dependam exclusivamente do fator tempo. Por ex.: multa, juros, correção monetária. Outros
elementos dependem de condenação judicial, como danos causados ao imóvel.

O contrato de honorários advocatícios pode ser protestado resguardado o sigilo


profissional.

2.2.2. Local do protesto

A regra geral é a de que o protesto seja feito no local previsto para pagamento. Na
sequência, como locais subsidiários, pode ser protestado o título na praça do devedor e na do
credor (ou sacador).

O protesto especial para fins falimentares tem regra especial de local de protesto: deve
ser feito no local do principal estabelecimento do devedor.

Os títulos judiciais podem ser protestados no local de tramitação do processo ou no


domicílio do devedor.

A cédula de crédito bancário garantida por alienação fiduciária pode ser protestada
tanto no local de pagamento, quando no domicílio do devedor, a critério do credor.

2.2.3. Prazo

O prazo para a tirada do protesto é de 3 dias úteis, contados do protocolo. Não é


considerado dia útil o dia em que não houver expediente forense ou bancário. Mas, durante a
época de recesso, os prazos fluem normalmente.

223
CAPÍTULO 7

O protesto não será lavrado antes de decorrido 1 dia útil da intimação. Quando a
intimação for feita no último dia do tríduo ou além dele, o protesto será tirado no primeiro
dia útil subsequente, o que será mencionado no instrumento, com o motivo do atraso.

2.2.4. Intimação

A intimação ao devedor ou ao sacado será expedida pelo tabelião para o endereço


inicialmente fornecido pelo apresentante do título ou documento de dívida, mesmo se
localizado em Comarca diversa da circunscrição territorial do tabelionato, considerando-se
cumprida quando comprovada sua entrega naquele endereço.

A remessa da intimação poderá ser feita através de portador do próprio tabelião ou


por qualquer outro meio, desde que o recebimento fique assegurado e comprovado.

A intimação também pode ser expedida por telegrama e pode ser comprovada pela
impressão da consulta de rastreamento.

Na falta de devolução do aviso de recebimento no tríduo, o tabelião renovará,


incontinenti, a remessa da intimação.

A intimação será feita por edital se a pessoa indicada para aceitar ou pagar for
desconhecida, sua localização incerta ou ignorada ou quando for tentada sem êxito a
intimação no seu endereço. Antes de expedir edital devem ser buscados meios de localização
do devedor.

Considera-se frustrada a intimação por meio postal quando o aviso de recebimento


não for devolvido pelos Correios no prazo de 15 dias úteis, contado da remessa da primeira
intimação.

O edital será afixado no tabelionato e publicado pela imprensa local, podendo ser
veiculada no site do tabelionato. A imprensa local poderá ser jornal eletrônico.

2.2.5. Desistência e sustação

Antes da lavratura do protesto, o apresentante poderá retirar o título pagando os


emolumentos. É a chamada desistência do protesto.

A sustação do protesto é sempre medida que antecede a lavratura e registro. Se o


protesto já foi lavrado e registrado pode haver apenas suspensão dos seus efeitos.

O título cujo protesto for sustado permanecerá no tabelionato a disposição do


respectivo Juízo e só poderá ser pago, protestado ou retirado com autorização judicial.

O cumprimento dos mandados de sustação definitiva fica condicionado ao prévio


pagamento das custas e emolumentos, observada a gratuidade de justiça.

224
CAPÍTULO 7

Os mandados de sustação de protesto, se apresentados ao tabelião depois de


protestado o título serão qualificados como ordens judiciais de sustação dos efeitos do
protesto.

2.2.6. Pagamento

O pagamento deve ser feito no valor igual ao declarado pelo apresentante acrescido
dos emolumentos e despesas. Juros, comissão de permanência e encargos não serão
considerados na definição do valor total da dívida, salvo nos casos expressamente permitidos
por lei. Ou seja, depois de apresentado o valor não é mais atualizado.

O devedor pode fazer o pagamento em dinheiro, em cheque, e mediante boleto de


cobrança. Mas sempre para o próprio tabelionato, pois é ele que está em poder do título.

No primeiro dia útil subsequente, o pagamento deve ser colocado à disposição do


credor ou interessado pelo cartório.

2.2.7. Lavratura e registro

Em caso de inércia do devedor o tabelião lavrará o protesto. Mas não é só a falta de


pagamento que enseja o protesto. Também ensejam o protesto a falta de aceite, de
devolução, de data de aceite ou especialmente para fins falimentares.

O registro é o ato lavrado nos livros do cartório. O instrumento é a via entregue ao


credor, junto com o título, para que este possa provar o protesto e o inadimplemento.

2.2.8. Cancelamento do protesto

O cancelamento será requerido diretamente ao tabelião por qualquer interessado,


mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia será arquivada ou por meio de
solicitação simples do credor ou do apresentante.

Quando for fundado no pagamento e não for possível demonstrá-lo pelo título será
exigida declaração de anuência ao cancelamento, com firma reconhecida. É dispensada a
exibição de cópias dos atos constitutivos das pessoas jurídicas credoras. Havendo dúvida
sobre o poder de representação será exigida prova da condição de representante do
signatário.

O cancelamento do protesto faz com que este deixe de produzir efeitos. Ele não deixa
de existir, uma vez que subsiste registrado nos livros, porém a averbação do cancelamento
faz com que ele deixe de ter publicidade.

O cancelamento do protesto pode ainda ser feito por determinação judicial.


Importante, no caso, é determinar quem será o responsável pelo pagamento das custas e
emolumentos. Se o cancelamento for determinado porque houve pagamento nos autos, esse
ônus é do devedor. Se o cancelamento for determinado porque o protesto foi considerado
indevido, o ônus será do credor.

225
CAPÍTULO 7

O cancelamento será averbado no registro e anotado no índice.

Após o cancelamento, a certidão expedida pelo tabelionato é negativa, salvo quando o


devedor o requerer ou houver requisição judicial. O cancelamento será comunicado às
entidades de proteção ao crédito.

As ordens judiciais de cancelamento provisório serão qualificadas pelo tabelião como


suspensão provisória dos efeitos do protesto. O cancelamento tem caráter definitivo, sendo
certo que os efeitos do protesto podem ser restabelecidos se a decisão judicial não for
definitiva.

2.3. Tabelionato de notas e ofício de registro de contratos marítimos


O direito marítimo é ramo, do direito, responsável pela organização jurídica e
administrativa de relações advindas de atividades relacionadas à exploração do transporte
marítimo, de cargas e passageiros.

Os tabelionatos e ofícios de registro de contratos marítimos são as serventias


extrajudiciais responsáveis pela lavratura e pelo registro de todos os contratos de direito
marítimo que exigem forma pública, inclusive o de hipoteca naval.

São serventias que não existem em todas as unidades da federação. Na verdade, no


Brasil, são apenas 4: Rio de Janeiro, Belém (Pará), Manaus (Amazonas) e Caucaia (Ceará).

3. REGISTROS
Os registradores não se confundem com os notários. Registradores não participam da
elaboração do título, mas são responsáveis pela sua verificação em um juízo prudencial
chamado de qualificação.

Todos os títulos estão sujeitos a qualificação, inclusive os títulos judiciais. Se os títulos


estão em ordem é praticado o ato de registro, constituindo, modificando ou extinguindo
direitos ou meramente dando publicidade a eles.

Registradores, portanto, não elaboram escritura pública, nem fazem reconhecimento


de firmas. Registadores registram.

3.1. Distribuição
Ofício de registro de distribuição é a serventia extrajudicial que tem por objetivo
recepcionar títulos e encaminhá-los às serventias competentes para o seu assentamento,
podendo ainda proceder a uma distribuição equitativa dos referidos títulos, praticando atos
de assentamento, averbações e cancelamentos e expedindo certidões dos atos e documentos
próprios de seu ofício.

226
CAPÍTULO 7

Na sociedade pós-moderna, o grande objetivo de um ofício de distribuição é permitir


um controle absoluto sobre os títulos recebidos e emitidos, garantindo publicidade sobre os
referidos títulos e não só sobre os assentamentos realizados, pelas diversas serventias.

Não se trata de serventia existente em todas as unidades da federação.

3.2. Registro civil de pessoas naturais


O registro civil de pessoas naturais (RCPN) é a serventia encarregada de lavrar atos
concernentes ao estado civil da pessoa natural. O RCPN assegura o pleno exercício da
cidadania, na medida em que insere a pessoa natural no sistema jurídico. Forma um
repositório jurídico que define o estado da pessoa, identificando-a por si mesma e em face de
sua família e da sociedade.

Com base nesse repertório, substancialmente com base na certidão de nascimento são
obtidos todos os outros documentos da pessoa natural.

Dada a relevância do RCPN, a doutrina menciona que ele é marcado pela


atemporalidade e pela ininterruptividade da atividade. Atemporalidade, no sentido de que os
atos poderiam, em tese, ser realizados a qualquer tempo; ininterruptividade, no sentido de
que a atividade deveria, em tese, ser exercida de forma contínua.

Os atos mais comuns praticados no RCPN são registro de nascimento, de casamento e


de óbito.

Mas não é só, o RCPN também pratica atos modificativos, como o reconhecimento de
paternidade biológica e socioafetiva, o registro da união estável declarada por escritura
pública, as correções e alterações de nome, a interdição etc.

Nesta serventia, também são recepcionados atos e pedidos de outras serventias como
o reconhecimento de paternidade e as solicitações de certidões.

São as certidões extraídas nesta serventia que demonstram o estado civil da pessoa
(solteira, casada, separada, divorciada, viúva), as relações de ascendência e descendência
(seja para fins sucessórios ou para demonstração de nacionalidade), o poder familiar, a
capacidade, a nacionalidade e a naturalidade.

Atualmente, o RCPN promove a inscrição da pessoa natural no CPF/MF, comunica


dados relevantes de assentamentos para o adequado desenho de políticas públicas e recebe
até denúncias de violência doméstica.

Por todos esses motivos, o RCPN recebeu o carinhoso apelido de Ofício da Cidadania.
Cada sede municipal, por menor que seja, terá ao menos um (art. 43, §2, Lei 8.935/1994).

O RCPN possui os seguintes livros: Livro Protocolo; Livro A: Nascimento; Livro B:


Casamento; Livro B Auxiliar: Casamento religioso para efeitos civis; Livro C: Óbito; Livro C

227
CAPÍTULO 7

Auxiliar: Natimorto; Livro D: Proclamas; Livro E: demais atos. Veremos os principais livros e
atos a eles relativos.

3.2.1. Registro de nascimento.

O registro de nascimento é o mais importante do RCPN, pois ele cumpre a função de


centralizar todos os dados relativos ao registrando. É no registro de nascimento que se
estabelece a paternidade, que se adquire e modifica o nome, que se anota a incapacidade
registrada no Livro E, bem como as informações de separação e divórcio do Livro B.

Uma certidão de nascimento sem anotações ou averbações, em princípio indica que a


pessoa é solteira e plenamente capaz.

Por causa de sua relevância, todo nascimento que ocorrer no território nacional deve
ser dado a registro.

São 3 os locais competentes para o registro: lugar do parto, da residência da mãe ou


da residência do pai (art. 50, Lei 6.015/1973).

O prazo ordinário para declaração de nascimento é de 15 dias, com ampliação para 3


meses, para nascimentos ocorridos a mais de 30 km da sede do serviço.

Há uma situação excepcional de prorrogação do prazo por 45 dias, no caso de falta ou


impedimento do pai ou da mãe (totalizando 60 dias).

São obrigados a fazer a declaração de nascimento (art. 52, Lei 6.015/1973): (a) o pai ou
a mãe, isoladamente ou em conjunto; (b) no caso de falta ou impedimento do pai e da mãe, o
parente mais próximo, sendo maior e achando-se presente; (c) na falta de parente, os
administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto; (d)
pessoa idônea da casa em que ocorrer; (e) as pessoas encarregadas da guarda do menor.

O nome do pai constante da DNV não constitui prova ou presunção da paternidade,


somente podendo ser lançado no registro de nascimento, quando verificado nos termos da
legislação civil (art. 54, §2, Lei 6.015/1973).

Para evitar duplicidade do registro, é retirada uma via da DNV, que fica arquivada em
cartório. Assim, quando houver apresentação da DNV, a declaração de nascimento poderá
ser feita por quaisquer dos legitimados, dispensada a verificação da ordem de preferência.

Perdido o prazo, haverá o chamado registro por declaração extemporânea. Este


registro ocorre para quaisquer dos legitimados mencionados no art. 52 da Lei 6.015/1973,
quando feita a declaração fora do prazo.

As consequências do registro por declaração extemporânea são (art. 46, da Lei


6.015/1973): (a) deslocamento de competência territorial: o registro deverá necessariamente
ser feito no local de residência do interessado; (b) haverá a necessidade de requerimento,
assinado pelo declarante e por 2 testemunhas; (c) ampliação dos poderes de averiguação do

228
CAPÍTULO 7

registrador: se o Oficial suspeitar de falsidade da declaração, poderá exigir prova suficiente


(art. 46, §3, Lei 6.015/1973) ou requerer ao juiz as providências que forem cabíveis (art. 52, §2,
Lei 6.015/1973).

Essas providências não existem, quando a declaração é feita no prazo. Se o oficial tiver
dúvida sobre a veracidade da declaração, poderá adotar somente 3 atitudes (art. 52, §1, Lei
6.015/1973): (a) ir à casa do recém nascido verificar sua existência; (b) exigir atestação do
médico ou parteira que tiver assistido o parto (naturalmente, quando não houver DNV); (c)
exigir o testemunho de 2 pessoas que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido.

Há 2 procedimentos distintos a serem observados em caso de registro por declaração


extemporânea (Provimento 28/2013 CNJ): o procedimento do registro fora do prazo e o
procedimento do registro tardio, conforme a pessoa tenha ou não completado os 12 anos.

O procedimento do registro fora do prazo é para as pessoas que não tenham


completado 12 anos. Neste caso, é dispensado o requerimento escrito e o comparecimento
das testemunhas, se for apresentada a DNV. Se não for apresentada DNV, uma DNV deverá
ser preenchida pelo oficial e assinada pelo declarante, se o registrando tiver menos de 3
anos.

O procedimento de registro tardio é dedicado a pessoas que já tenham completado 12


anos. Para registrar o nascimento, neste caso, não há como dispensar o requerimento
assinado pelo declarante e por duas testemunhas.

Este requerimento deverá apresentar diversas informações como os dados relativos ao


nascimento, à pessoa do registrando, de seus genitores e avós e ser acompanhado fotografia
por e impressão digital.

Além disso, o requerimento deve ser acompanhado pela atestação de 2 testemunhas,


a respeito da identidade do registrado.

Essas testemunhas devem assinar a atestação de identidade na presença do Oficial,


com verificação dos documentos pessoais; e serão feitas entrevistas em separado do
registrando, do requerente e das testemunhas. Há, ainda, possibilidade de dilação probatória
(art. 4, Provimento 28/2013 CNJ). Tudo com o intuito de saber se a declaração de nascimento
é verdadeira e se não existe duplicidade.

Na hora de lavrar o registro é preciso ter atenção para alguns elementos que são
proibidos.

Não pode ser mencionada a origem e a natureza da filiação, a ordem da filiação (exceto
de gêmeos), lugar do casamento dos pais ou seu estado civil. Também não se pode fazer
referência às leis ou à CF, ou a qualquer outro indício de o registrando não ser fruto de
relação conjugal.

229
CAPÍTULO 7

No registro de filhos existentes fora do casamento ou união estável não serão


considerados o estado civil, nem eventual parentesco dos genitores cabendo ao oficial velar
unicamente pelo atendimento da declaração manifestada pelos pais.

3.2.2. Registro de casamento

O registro de casamento é realizado apenas depois de um processo relativamente


complexo, que envolve 6 etapas.

A primeira etapa é a da deflagração. O processo de casamento inicia-se por


requerimento dos interessados instruído com os documentos previstos no art. 1.525, do CC,
sendo competente o RCPN de qualquer das residências dos nubentes.

A segunda etapa é a dos proclamas. Analisado o requerimento e estando em ordem os


documentos, é publicado um edital na serventia e em jornal de circulação local. A publicação
deve ser feita pelo RCPN da residência de ambos os nubentes.

A terceira etapa é a do saneamento do processo. Neste momento é feita uma


conferência documental e verificada a oposição de impedimentos e de causas suspensivas. Se
tudo estiver em ordem é expedida uma certidão ou certificado de habilitação (conforme fique
nos autos do processo de habilitação ou tenha que ser levado a outro RCPN).

Quarta etapa é a celebração. A celebração deve ser feita pelo juiz de casamentos de
qualquer RCPN. O competente aqui é o RCPN do local da cerimônia.

Quinta etapa é o registro. O casamento se realiza com a manifestação de vontade dos


nubentes perante o juiz de paz e sua declaração de que estão casados. O fato deve ser
registrado pelo RCPN do local da cerimônia.

Sexta e última etapa é a das comunicações e anotações. Uma vez registrado o


casamento, o fato deve ser comunicado aos RCPNs dos atos anteriores dos nubentes,
nascimento e casamento, se houver.

Não existe propriamente uma certidão de separação ou divórcio. Desfeito o casamento


ou a sociedade conjugal, o fato deve ser demonstrado por certidão do casamento, com
averbação da separação ou divórcio.

Também não existe propriamente uma certidão de solteiro. O fato pode ser extraído
de uma certidão do registro de nascimento, não apontando a existência de anotações. No
mais, pode ser obtida uma certidão de inexistência de casamento ou de habilitação no RCPN
de domicílio dos nubentes.

3.2.3. Registro de óbito

Em princípio, nenhum sepultamento (ou cremação) pode ser feito sem certidão de
óbito (art. 77, Lei 6.015/1973). A competência é do RCPN do lugar do falecimento.

230
CAPÍTULO 7

Para ser lavrado o registro de óbito é preciso que seja apresentado um atestado de
óbito, também chamado de declaração de óbito (DO). A DO é um documento padronizado,
assim como a DNV, atestando a ocorrência do fato médico e suas circunstâncias.

Se, por algum motivo não for lavrada DO o registro de óbito pode ser feito mediante a
declaração de 2 testemunhas, que tiverem presenciado ou verificado a morte.

Se o assento for lavrado depois do enterro (ou cremação), o que não é a regra, não
havendo DO ou 2 testemunhas assinarão com quem fizer a declaração de óbito, 2
testemunhas que houverem assistido ao falecimento ou ao funeral e puderem atestar, por
conhecimento próprio ou informação que houverem colhido, a identidade do cadáver (art. 83,
Lei 6.015/1973).

No caso de morte acidental ou violenta, podem declarar o óbito as autoridades


policiais. Se a morte ocorrer em estabelecimento público, pela respectiva autoridade
administrativa.

Antes de realizar o assento de óbito de criança com menos de 1 ano o oficial deve
verificar se houve registro de nascimento (art. 77, §1, Lei 6.015/1973), praticando o respectivo
ato, se necessário.

A cremação depende da verificação da vontade do morto ou de interesse de saúde


pública; e de o atestado de óbito ter sido firmado por 2 médicos ou por 1 médico legista. No
caso de morte violenta deve haver autorização judicial (art. 77, §2, Lei 6.015/1973).

É comum que, nos plantões judiciais apareça pedido de autorização judicial de


cremação. O caso requer algum cuidado, já que o corpo do falecido é o possível corpo de
delito de eventual homicídio.

Neste caso, o magistrado deve ter o cuidado de exigir o atestado assinado por 2
médicos ou a prévia realização da necropsia. Neste caso, a DO será naturalmente assinada
por médico legista. Não sendo este o caso, não se deve autorizar a cremação.

São obrigados a requerer o registro de óbito o homem, a mulher, os filhos, os


hóspedes etc. (art. 79, Lei 6.015/1973). Se for apresentada DO, o oficial fica desobrigado de
observar a ordem sucessiva mencionada na lei.

O prazo para declaração é de 24h. Na impossibilidade, há extensão do prazo para até


15 dias. Em locais distantes mais de 30 km da sede o prazo será de 3 meses (art. 78, Lei
6.015/1973). Ultrapassado o prazo é preciso autorização judicial para registrar o óbito.

No assento de óbito constam diversas informações, desde a hora e o lugar do


falecimento até o fato de o falecido ter deixado sucessores e patrimônio.

A declaração de que o falecido convivia em união estável ou a omissão de quaisquer


sucessores ou da informação sobre bens a inventariar não estão abrangidas pela fé pública

231
CAPÍTULO 7

registral. São elementos declaratórios, que sequer precisam de retificação para instrução de
feitos judiciais.

3.2.4. Registro civil de pessoas jurídicas (rcpj)

O registro civil de pessoa jurídica (RCPJ) tem por atribuição registrar atos da vida
jurídico-administrativa das pessoas jurídicas de direito privado de natureza não empresarial.

Geralmente, essas entidades jurídicas de natureza não empresarial não têm fins
lucrativos dedicando-se a atividades beneméritas, morais, altruístas, como as associações e
as fundações.

Mas esta serventia recebe, também, atos de sociedades que podem sim perseguir fins
econômicos, desde que não sejam organizadas de forma empresarial.

É o caso de uma sociedade simples limitada ou de uma, agora extinta, EIRELI (empresa
individual de responsabilidade limitada) que seja o veículo do exercício de profissão
intelectual, de natureza científica, literária ou artística.

O registro dos atos constitutivos das pessoas jurídicas é atributivo de personalidade.


Com ele o interessado poderá obter inscrição em CNPJ e, por exemplo, abrir conta em banco
em nome da pessoa jurídica, alcançando autonomia financeira e patrimonial em relação a seu
instituidor.

Por fim, no RCPJ são matriculados os jornais, periódicos, oficinas impressoras e


empresas de radiodifusão, garantindo publicidade aos responsáveis pelas informações que
veiculam.

3.3. Registro de títulos e documentos (rtd)


O registro de títulos e documentos (RTD) é uma espécie de registro que tem como
finalidade recepcionar títulos e documentos, em especial os instrumentos particulares, para
marcação de data, guarda e conservação, bem como para prova das obrigações
convencionais e produção de efeitos perante terceiros.

A produção de efeitos perante terceiros é uma característica dos direitos reais. Assim o
RTD é o local adequado para recepcionar instrumentos que versem sobre direitos reais de
garantia sobre bens móveis.

Além disso, é nesta serventia que são realizadas as notificações extrajudiciais, um ato
de comunicação sobre um ato de registro ou de averbação, que garante certeza e segurança
não só com relação à ciência em si, mas também com relação ao conteúdo do documento.

Em suma, no registro de títulos e documentos em geral não se constituem


propriamente os direitos, mas se garante a oponibilidade de relações jurídicas a terceiros.

232
CAPÍTULO 7

Sempre que um documento não for atribuído a outra serventia poderá ser inscrito
neste serviço (competência residual), nos termos do art. 127, §único, Lei 6.015/73 .

3.4. Registro de imóveis


O registro de imóveis é a serventia extrajudicial que assegura a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia de atos e negócios jurídicos relativos a imóveis.

Esta serventia está estruturada em um sistema real e inscritivo. Ou seja, está baseada
na matrícula imobiliária, onde se perpetua a vida jurídica do bem.

Cada matrícula refere-se a um imóvel; e cada imóvel terá apenas uma matrícula. Sem
que o imóvel esteja matriculado não são praticados atos ou constituídos direitos reais
relativos a ele.

É no registro de imóveis que se transmitem os imóveis comprados e vendidos, onde se


concretiza a partilha hereditária, onde se realizam as garantias reais imobiliárias, como a
hipoteca ou a alienação fiduciária, enfim, é nesta serventia onde são constituídos extintos ou
modificados os direitos reais imobiliários.

No registro de imóveis, por outro lado, não são praticados negócios jurídicos em si. O
registrador não elabora escrituras, não autentica fatos.

A principal tarefa do registrador imobiliário é controlar o acervo imobiliário,


matriculando os imóveis; e, depois, praticar os atos que perpetuam a vida jurídica desses
bens, depois de depurados os respectivos direitos, em uma sequencia indeterminada de atos
de registro e de averbação.

Por fim, o registrador dá publicidade a todos esses direitos. Presume-se que tudo
aquilo que consta do registro é de conhecimento dos interessados.

O serviço de registro imobiliário tem natureza territorial. O espaço de atribuição do


oficial registrador é chamado de circunscrição. Nem sempre coincide com a área do Município
ou da Comarca, mas geralmente está vinculado a elas.

Portanto, é sempre no cartório da circunscrição em que está situado o imóvel que o


ato deve ser praticado, assim como é no foro de situação da coisa que devem ser ajuizadas as
ações que versem sobre direitos reais imobiliários (art. 47, CPC). O interessado não pode
escolher o registrador, assim como pode escolher o notário.

3.4.1. Sistemas registrais

A transmissão derivada da propriedade imobiliária segue basicamente 2 grandes


sistemas no mundo: o sistema francês (sistema do título) e o sistema alemão (sistema do
modo).

233
CAPÍTULO 7

O sistema brasileiro é baseado no alemão, mas não totalmente fiel a ele, sendo quase
um meio termo entre ele e o francês (sistema do título e modo).

Em paralelo existe ainda o sistema australiano (registro torrens).

A regra geral do direito brasileiro é que a propriedade imobiliária só se adquire através


do registro do título (ver art. 1.227 e 1.245, CC). Presume-se dono aquele assim indicado no
registro imobiliário (§§1 e 2, art. 1.245).

Essa regra comporta as seguintes importantes exceções: (a) aquisição a título


originário; (b) aquisição por sucessão hereditária; (c) aquisição por força de lei; (d) aquisição
de imóveis públicos.

Características do sistema registral brasileiro: nosso registro de imóveis é constitutivo e


causal. Constitutivo, porque a propriedade imobiliária só se transmite por ato inter vivos
mediante o registro do título no cartório imobiliário (art. 1.227, Código Civil). Causal, porque
anulado o título, anula-se o registro (art. 1.247, CC). O registro não tem efeito saneador do
título (art. 1.245, §2, CC).

3.4.2. Técnica registral: protocolo e qualificação

Verificado o local em que o ato tem que ser praticado, a entrada no cartório ocorre por
protocolo ou prenotação. Protocolo ou prenotação nada mais é do que o lançamento do
título em um livro, atribuindo a ele um número de ordem.

Após o lançamento no protocolo, os títulos são encaminhados para a elaboração dos


resumos (extratos). Depois, são feitas buscas e verificações, ocasião em que é verificado se já
tramita no cartório outro título relativo à mesma pessoa ou ao mesmo imóvel. Por fim, o ato
de registro deve ser praticado.

Via de regra, protocolizado o título, proceder-se-á ao registro ou à emissão de nota


devolutiva, no prazo de 10 dias. Nesse período, o título deve ser examinado (qualificação)
praticando-se o ato solicitado ou justificando-se a impossibilidade (art. 188, Lei 6.015/1973).

Como a prenotação é válida por 20 dias (art. 205, Lei 6.015/1973), o interessado terá
ainda 10 dias úteis para cumprir o que for necessário, em caso de exigência.

O que requer maior tempo e esforço na tramitação do título dentro do cartório é a


qualificação registral. Qualificação registral é um exame jurídico do título, bem como da
necessidade de apresentação de documentos complementares ou da realização de outros
atos registrais precedentes.

Se houver qualquer ilegalidade ou desatenção a regras registrais, se faltar documento


necessário, se não for recolhido o tributo o oficial recusa a prática do ato e devolve o título ao
apresentante, justificando sua conduta em uma nota devolutiva.

234
CAPÍTULO 7

É difícil resumir em um curto espaço as regras mais importantes que são observadas
pelos registradores na qualificação do título.

Na impossibilidade, apresentaremos alguns princípios que norteiam a atividade do


registrador, pois eles são suficientes para apresentar uma noção geral do funcionamento do
sistema.

3.4.3. Princípio da obrigatoriedade

O princípio da obrigatoriedade ou princípio do ônus do registro indica que, em


princípio, a constituição, transferência, modificação ou extinção de direitos reais sobre
imóveis depende de registro em sentido amplo (art. 1.245, §1, CC). Assim, costuma-se dizer
que o registro é obrigatório, porque sem ele, a constituição, transferência, modificação ou
extinção de direitos reais sobre imóveis não se efetiva.

3.4.4. Princípio da rogação ou da instância

A atividade registral depende de provocação do interessado. Via de regra, não pode ser
desenvolvida de ofício (sem solicitação). O pedido pode ser feito pelo interessado ou pelo
Ministério Público. Pode ser verbal, mas em alguns casos, em especial para as averbações a
lei exige que seja feito por escrito, de forma fundamentada, facultando-se ao oficial exigir o
reconhecimento de firma.

3.4.5. Princípio da legalidade

O princípio da legalidade aplicado ao sistema registral imobiliário indica que a atuação


dos oficiais registradores deve ser resultado da estrita aplicação da lei. Além disso, para que o
título tenha acesso ao registro imobiliário é preciso que ele seja válido. O oficial tem a
obrigação de rejeitar títulos viciados.

3.4.6. Princípio da prioridade

Quando se fala em prioridade a referência é à ordenação temporal dos direitos, de


acordo com a sua apresentação no protocolo.

No direito registral, prioridade indica que dois direitos contraditórios não ocupam o
mesmo posto, mas se graduam por relação de precedência com base na ordem cronológica
de seu aparecimento. Os direitos são ordenados de forma escalonada, de maneira que o
exercício do primeiro impede ou inviabiliza o exercício do segundo.

O que interessa é a ordem de apresentação do título ao registro de imóveis e não a


data em que o título foi confeccionado.

3.4.7. Princípio da especialidade

Tendo em vista que os direitos reais têm eficácia erga omnes (contra todos), o registro
deve especificar adequadamente o bem sobre o qual o direito recai (especialidade objetiva),

235
CAPÍTULO 7

bem como o seu titular (especialidade subjetiva) tornando-os inconfundíveis com quaisquer
outros.

3.4.8. Princípio da continuidade

Também é conhecido como princípio do trato sucessivo. Expressa a ideia de que os


registros devem ser perfeitamente encadeados, de forma que não exista interrupção ou salto
na corrente filiatória. Indica, em resumo, que ninguém pode dispor de direitos que não tem
ou de direitos diferentes daqueles que tem (arts. 195 e 237, da Lei 6.015/73).

Assim, em relação a cada imóvel deve haver uma cadeia de titularidades, de modo que
o oficial só faz um registro se o outorgante constar no assento como sendo o seu titular
(assim forma-se a cadeia de transmissão do domínio).

A continuidade também tem um aspecto objetivo e outro subjetivo.

Continuidade objetiva diz respeito à estabilidade na descrição do imóvel (espelho


registral).

Já a continuidade subjetiva diz respeito ao encadeamento de sujeitos que transmitem


os direitos.

Nenhum título foge ao exame de continuidade, nem mesmo o título judicial. Não pode
ser objeto de registro o mandado de adjudicação que descreve o imóvel com medida diversa
da que consta no registro. Não pode ser objeto de registro a carta de arrematação de bem
que não era de titularidade do devedor. Por fim, não pode ser objeto de registro o formal de
partilha que contenha salto na atribuição do acervo hereditário.

3.4.9. Princípio da presunção

O registro imobiliário é um registro de direitos que são previamente depurados por


agente delegatário dotado de fé pública. O registro de imóveis não é um mero cadastro
administrativo, no sentido de ser um mero repertório de informações com os cadastros
municipais.

Como o registro de imóveis é um registro de direitos, mantido e elaborado por agente


dotado de fé pública, presume-se correta a informação que consta do registro, no sentido de
pertencimento do direito real (§§1 e 2, art. 1.245, CC) e de sua higidez. Além disso, presume-
se que a informação mencionada no registro coincida com a realidade.

A presunção que resulta do registro imobiliário, contudo, é relativa.

O registro brasileiro é causal, de maneira que os vícios dos títulos contaminam o


registro.

Se o registro não expressar a verdade, o interessado pode reclamar que se retifique ou


anule (art. 1.247, CC).

236
CAPÍTULO 7

3.4.10. Princípio da concentração

Todos os fatos ou situações jurídicas relevantes devem ser tornados públicos através
do registro imobiliário, para que possam ser oponíveis contra terceiros.

Tudo o que consta do registro, por outro lado, presume-se de forma absoluta que seja
de conhecimento dos interessados.

Esse princípio foi reforçado recentemente pela reforma do art. 54, da Lei 13.097/2015,
pela Lei 14.382/2022, que pretendeu afastar em definitivo a caracterização de fraude a
execução quando não houver referência à existência da ação judicial na matrícula imobiliária.

3.4.11. Dúvida registral

Como foi mencionado, no procedimento de qualificação do título o oficial é obrigado a


recusar o registro de títulos que não estejam formais ou materialmente de acordo com o
ordenamento jurídico.

Mas o interessado não é obrigado a concordar com a nota devolutiva do registrador.


Caso exista discordância entre o oficial e o particular, o interessado pode solicitar ao oficial
registrador que suscite dúvida (art. 198, Lei 6.015/73), ou seja, que submeta a qualificação do
título a um reexame feito por um juiz.

Na dúvida registral, objetiva-se exclusivamente examinar a registrabilidade do título.

Feito o pedido pelo interessado, o registrador anota o fato no protocolo notifica o


interessado para dar-lhe ciência dos termos da dúvida e, juntando cópia da suscitação,
remete os autos a juízo, mediante carga, para o que o procedimento seja decidido pelo juiz
corregedor permanente.

Recebendo os autos em juízo deve ser ouvido o Ministério Público no prazo de 10 dias
(art. 200, Lei 6.015/73).

Caso a dúvida seja julgada procedente, o título não será registrado. Caso a dúvida seja
julgada improcedente, o juiz determinará ao oficial que realize o registro. O recurso cabível é
a apelação, que deve ser julgada pelo Conselho Superior da Magistratura.

3.4.12. Assentos registrais (a) matrícula

Matrícula é o cadastro do imóvel no registro imobiliário, reunindo o conjunto de todos


os atos jurídicos relativos a ele. Trata-se de figura instituída pela Lei 6.015/73. É um ato
registral em que se descreve e perpetua toda a vida jurídica do imóvel.

Cada imóvel tem que ter uma matrícula. E a cada matrícula corresponde um único
imóvel (art. 176, §1º, I, da Lei 6.015/73). E recebe o nome de princípio da unitariedade da
matrícula.

237
CAPÍTULO 7

A matrícula compreende: (i) a descrição do imóvel, que não irá mais se repetir; (ii) a
designação cadastral perante o Município; (iii) os titulares do domínio no momento de
abertura da matrícula; (iv) o número do registro anterior; (v) os ônus existentes sobre o
imóvel; (vi) a sequência dos atos de registro e averbação.

Sempre que há desmembramento, ou seja, a formação de um imóvel menor, a partir


de porção de um imóvel maior, nova matrícula deve ser aberta. O remanescente permanece
na matrícula primitiva.

Como a matrícula contém, necessariamente, todos os atos relativos ao imóvel, a


certidão de propriedade imobiliária pode ser expedida por simples cópia autenticada da
matriz. Essa certidão é chamada, usualmente, de certidão de ônus reais, mas seria mais
adequado chamá-la simplesmente de certidão da matrícula.

O registro imobiliário, como será visto a seguir, contém 5 livros principais. O Livro 2,
designado Registro Geral é formado pelo conjunto de matrículas dos imóveis.

Há imóveis que ainda não foram matriculados, que permanecem no sistema anterior à
Lei 6.015/73. No sistema registral anterior (Dec. 4.857/39), o registro de imóveis era um
registro de documentos, pessoal e inscritivo. Os imóveis que permanecem no sistema
anterior são chamados de “imóveis transcritos”.

O art. 228 da Lei 6.015/73 determina que a matrícula será aberta no momento em que
for necessário praticar o primeiro ato de registro vigência da lei atual. Estimou-se em 30 anos
o período necessário para a transferência do sistema anterior para o atual, sendo certo que
os imóveis ainda transcritos são exceção no sistema.

Como foi mencionado, o sistema inaugurado com a Lei 6.015/73 é chamado de real e
inscritivo. (b) Registro e averbação.

A Lei 6.015/73 rompeu com a nomenclatura do antigo Código Civil, utilizando apenas
dois termos para os atos praticados pelo oficial: o registro e a averbação.

Em princípio, os atos constitutivos de direitos reais são objeto de registro. Na


designação genérica de registro, englobam-se a transcrição e a inscrição (art. 168, da Lei
6.015/73). Os demais atos são objeto de averbação (art. 167, II, da Lei 6.015/73).

A regra, contudo, não foi seguida fielmente pela lei, que possui enumeração casual e
nem sempre lógica. Mesmo assim, pode-se conceituar a averbação como uma nota, uma
ocorrência, que não é relativa à criação de direito real, mas que atinge o direito real ou as
pessoas nele interessadas. Consequentemente, altera o registro modificando, esclarecendo
ou extinguindo os elementos dele constantes. A averbação era, tipicamente, uma anotação à
margem da matrícula ou do registro.

238
CAPÍTULO 7

3.4.13. Livros obrigatórios no registro imobiliário

Como deve ter ficado claro, o registro de imóveis não é um lugar mágico onde a pessoa
apresenta um documento para que ele receba um simples carimbo a preços exorbitantes.

Há uma ordem lógica de análise do título para que se possa extrair do negócio jurídico,
um extrato e praticar o ato que, por si só, constitui, modifica ou extingue o direito real. Esse
procedimento todo é praticado em livros de registro.

A Lei 6.015/73 prevê a existência de 5 livros obrigatórios para o registro imobiliário:


Livro 1 - Protocolo, Livro 2 - Registro Geral, Livro 3 - Registro Auxiliar, Livro 4 - Indicador Real,
Livro 5 - Indicador Pessoal (art. 173, Lei 6.015/73). Vejam o funcionamento e as características
de cada um deles. (a) Livro 1: Protocolo.

No Livro 1 Protocolo é feito o apontamento de todos os títulos apresentados


diariamente no serviço (art. 174, Lei 6.015/73).

É por meio dele que se estabelece a prioridade do registro.

Os títulos devem ser qualificados e os assentos devem ser praticados na exata ordem
em que forem protocolados, de maneira que os direitos protocolados antes sejam analisados
e registrados em primeiro lugar, ainda que seja necessário cumprir uma série de exigências.

O protocolo recebe também o nome de prenotação. Com a apresentação do título ao


registro imobiliário, o primeiro ato a ser praticado é o seu lançamento no protocolo ou a
realização da prenotação. O título recebe um número de ordem (art. 182, Lei 6.015/73), que
determina sua prioridade (art. 186, Lei 6.015/73).

Todos os títulos apresentados devem obrigatoriamente ser protocolados, ainda que


sua irregularidade seja manifesta. O oficial registrador não pode recusar o apontamento do
título no livro protocolo (art. 12, Lei 6.015/73).

Existe apenas uma exceção: a pedido expresso do interessado, o título pode ser
recepcionado exclusivamente para exame e cálculo dos respectivos emolumentos (art. 12,
§único, Lei 6.015/73). (b) Livro 2: Registro Geral.

O Livro 2 Registro Geral é o mais importante do registro imobiliário. Ele é formado pelo
conjunto de matrículas imobiliárias, suporte documental dos demais assentos, os registros e
as averbações (art. 175, Lei 6.015/73).

Todo e qualquer ato relativo a imóvel, que não seja expressamente atribuído ao Livro
3, deve ser praticado no Livro 2. Requisito para a prática de qualquer assento é a existência
de matrícula.

A escrituração do Livro 2 deve obedecer às seguintes normas.

239
CAPÍTULO 7

Primeiro, cada imóvel terá uma matrícula própria; e cada matrícula poderá relacionar-
se exclusivamente a um imóvel. É o já mencionado princípio da unitariedade da matrícula (art.
176, §1, I, Lei 6.015/73).

Segundo: a matrícula será aberta por ocasião do primeiro ato de registro em sentido
estrito a ser feito na vigência da Lei 6.015/73. Ou seja, a lei estipulou uma maneira lenta e
gradual de transição do sistema anterior chamado de sistema das transcrições das
transmissões, para o sistema atual, chamado de fólio real. (c) Livro 3: Registro Auxiliar.

O Livro 3 Registro Auxiliar é o livro destinado aos atos que, sendo atribuídos por lei ao
registro imobiliário não digam respeito diretamente a imóvel matriculado (art. 177, Lei
6.015/73).

Serão registrados no Livro 3 por exemplo as cédulas de crédito, as convenções de


condomínio, o penhor de máquinas, os pactos antenupciais e os títulos que, a requerimento
da parte, sejam transcritos em seu inteiro teor.

O registro no Livro 3 deve ser feito sem prejuízo do ato que tenha que ser praticado no
Livro 2.

Por exemplo, se as cédulas de crédito contiverem garantia real como uma hipoteca ou
uma alienação fiduciária, o direito real deve ser objeto de registro na matrícula respectiva. As
convenções de condomínio, depois de registradas no Livro 3 devem ser averbadas nas
matrículas a que se referem. Os pactos antenupciais devem ser averbados nas matrículas dos
titulares de direitos reais, em atenção ao princípio da especialidade subjetiva. (d) Livro 4 e
Livro 5: os indicadores.

Os livros 4 e 5 são espécies de índices dos demais livros.

O Livro 4, indicador real, é o repositório de todos os imóveis que figurarem nos demais
livros devendo conter sua identificação, referência, o número de ordem e anotações (art. 179,
Lei 6.015/73).

Já o Livro 5, indicador pessoal, é o repositório dos nomes de todas as pessoas que,


individual ou coletivamente, ativa ou passivamente, direta ou indiretamente figurarem nos
demais livros (art. 180, Lei 6.015/73).

Para saber se um determinado imóvel está matriculado é preciso solicitar uma certidão
do Livro 04. Para saber se uma pessoa é titular de algum imóvel é preciso solicitar uma
certidão do Livro 5.

4. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL


4.1. Histórico
O instituto da alienação fiduciária em garantia surgiu em nosso ordenamento jurídico
envolto em controvérsias terminológicas: propriedade resolúvel e propriedade fiduciária.

240
CAPÍTULO 7

Como será visto na sequência, a alienação fiduciária em garantia é uma espécie do


gênero propriedade fiduciária, mas não se confunde com a propriedade resolúvel
propriamente dita.

Em sua origem histórica, a alienação fiduciária em garantia remonta à fidúcia romana,


que era uma espécie de contrato real (para a doutrina majoritária), ou seja, que demandava a
entrega da coisa, além do acordo de vontades.

O instituto entrou em decadência no período pós-clássico desaparecendo por volta do


século V d.C., mesmo momento em que foram extintas a mancipatio e a in iure cessio.

No direito comparado, encontramos figuras semelhantes em diversos ordenamentos


jurídicos com grande relevância para a mortgage e o deed of trust do direito inglês e
americano.

Outro instituto inglês medieval e subsistente até os dias atuais, com grande relação
com a alienação fiduciária é o trust. Na prática, este instituto também forma uma relação
trilateral, em que há entrega de bens para o uso de determinada pessoa, em conformidade
com um contrato prévio, com fundamento da confiança recíproca

4.2. Conceito
O conceito de alienação fiduciária em garantia é apresentado no art. 22, da Lei
9.514/1997 da seguinte maneira: “Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o
negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a
transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.”

Apesar da definição legal, a alienação fiduciária tem sido vista pela doutrina como um
direito real de garantia, em que o devedor afeta a propriedade de um bem, entregando-a em
favor do credor, que terá o direito de consolidá-la sob sua titularidade se descumprido um
contrato principal. Por outro lado, adimplida a dívida desafeta-se o bem em favor do devedor,
que se torna proprietário pleno do bem.

É bem verdade que essa modalidade de garantia é criada com a transferência, ao


credor, do domínio e posse indireta da coisa. Mas, na essência, a situação mais se aproxima
da afetação do que da propriedade resolúvel propriamente dita.

Com a alienação fiduciária, o devedor retira de sua titularidade a propriedade do bem


transferindo-a para um patrimônio de afetação do credor, até o implemento da condição
resolutiva (quitação ou não da dívida).

O credor passa a ter a coisa afetada a si, mas deverá valer-se do procedimento de
execução extrajudicial previsto na Lei 9.514/1997, em caso de inadimplemento, para concluir
a consolidação da propriedade em seu nome, se houver inadimplemento.

241
CAPÍTULO 7

4.3. Diferenças entre alienação fiduciária e hipoteca


A alienação fiduciária não se confunde com a hipoteca.

Na hipoteca, o devedor onera o bem, mas continua com o seu domínio, que não é
transferido de nenhuma forma ao credor. Como consequência, o devedor prossegue com a
prerrogativa de gravá-lo sucessivas vezes, bem como de aliená-lo.

Na alienação fiduciária, essa prerrogativa, em princípio, não existe, já que a


propriedade, afetada em garantia, deixa de integrar o patrimônio do devedor.

Como consequência:

• Na falência ou insolvência do devedor: na hipoteca, o bem integra a massa devendo


ser arrecadado e excutido, observando-se apenas a prioridade no pagamento da dívida do
credor, como decorrência lógica da garantia real. Na alienação fiduciária, a insolvência não
alcança a propriedade fiduciária, já que o bem não integra o patrimônio do devedor,
revertendo em benefício da massa apenas o que sobejar;

• O procedimento de execução: na hipoteca, o procedimento de execução é, em


princípio, judicial; enquanto na alienação fiduciária é extrajudicial;

• O leilão: na hipoteca, quando a execução é movida pelo credor hipotecário, o leilão


marca a saída do bem do patrimônio do devedor; já na alienação fiduciária, quando a
execução é movida pelo credor fiduciário, o leilão marca a fase final de consolidação da
propriedade, de um bem que já integra o patrimônio do credor;

• Prazo para purgação da mora: na execução hipotecária, a mora pode ser purgada até
a assinatura do auto de arrematação; na alienação fiduciária, a mora pode ser purgada até a
prática do ato de averbação, pelo registrador imobiliário, depois do transcurso do prazo da
notificação;

• Ambulatoriedade: na hipoteca, o bem permanece no comércio, ou seja, pode ser


novamente onerado ou mesmo alienado; na alienação fiduciária, o bem permanece fora do
comércio, não pode mais ser alienado ou onerado.

4.4. Natureza jurídica


Há de se destacar que a alienação fiduciária em garantia não é a mesma coisa que a
hipoteca. Nesse ponto, há basicamente 4 teorias que discorrem sobre a natureza jurídica da
alienação fiduciária, com repercussões relevantes sobre a interpretação que se faz do
instituto:

• Teoria da propriedade resolúvel – a crítica que se faz a essa teoria está na


questão de que a propriedade resolúvel da forma como prevista no Código Civil é um pouco

242
CAPÍTULO 7

diferente dessa propriedade que entra para o domínio do credor. Isso porque a propriedade
resolúvel descrita no CC/02 se trata de uma propriedade plena, em que o titular dessa
propriedade pode de forma direta exercer plenamente a propriedade, o que já não existe nos
casos de alienação fiduciária em garantia. Quanto à essa, no surgimento da sua propriedade
existe já o germe do seu desfazimento;

• Teoria do direito real de garantia – o grande problema que se encontra na defesa


dessa teoria é de que ao tratar da alienação fiduciária em garantia, como direito real de
garantia é de que aquela é desprovida da principal característica inerente ao direito real de
garantia ou seja, não possui a característica de ambulatoriedade;

• Teoria do direito real de aquisição – de fato, ao cumprir a obrigação inerente à


alienação fiduciária o proprietário para exercer todos os direitos inerente à propriedade
daquele bem. A problemática está na questão de que o direito real de aquisição está mais
vinculado à promessa de compra e venda;

• Teoria do patrimônio de afetação* – afastadas as demais teorias, a doutrina se inclina


no sentido que a alienação fiduciária em garantia detém natureza jurídica de patrimônio de
afetação, isso porque esse patrimônio não fará parte do patrimônio geral do credor. Ou seja,
o que existe é vinculação do patrimônio específico do credor a ponto de fazer com que a
doutrina o considere como um patrimônio sem titular.

4.5. Características
A propriedade fiduciária é uma modalidade de garantia real. Ela decorre de um
contrato, o contrato de alienação fiduciária em garantia, que é o título, o instrumento que
institui a propriedade fiduciária. Dessa forma, não se devem confundir dois institutos
jurídicos distintos: o contrato de alienação fiduciária e a garantia fiduciária propriamente dita.

O contrato que institui essa modalidade de propriedade está vinculado ao


cumprimento de uma obrigação, geralmente um empréstimo. Em garantia do pagamento
desse empréstimo, o devedor fiduciante aliena a propriedade de um bem ao credor
fiduciário, aquele que emprestou os recursos para a aquisição do bem. Assim, o contrato de
alienação fiduciária é essencialmente acessório, nunca principal.

Ele pode ser considerado, também, sinalagmático (as prestações são recíprocas),
oneroso (produz vantagens e desvantagens para ambas as partes), comutativo (as partes
conhecem as obrigações desde o início) e consensual (forma-se com o consenso).

Característica marcante do contrato de alienação fiduciária é o desdobramento da


posse: o credor fica com a posse indireta e o devedor com a posse direta do bem (art. 1.361,
§2º, CC; art. 23, §único, Lei 9.514/1997). Ambos, credor e devedor são considerados
possuidores, nos termos do art. 1.197, CC.

243
CAPÍTULO 7

4.6. Requisitos subjetivos


Com relação ao sujeito passivo da relação obrigacional qualquer pessoa, física ou
jurídica, com capacidade genérica para a prática dos atos da vida civil, pode alienar em
garantia. Como se trata de ato que transfere a propriedade se faz necessário que haja a
capacidade de disposição, bem como de legitimidade.

Com relação ao sujeito ativo da relação obrigacional, houve, inicialmente, controvérsia


entre os autores, pois a propriedade fiduciária surgiu no direito brasileiro na lei de mercado
de capitais (Lei 4.728/65). Quando o negócio se tornou típico, regulado pela Lei 9.514/1997 e
pelo CC/2002 a controvérsia perdeu objeto.

4.7. Requisitos objetivos


Coisas móveis ou imóveis, fungíveis ou infungíveis podem ser objeto de alienação
fiduciária. Dependendo do objeto sobre o qual recai, a propriedade fiduciária vai ter
requisitos subjetivos diversos, sendo regida por leis distintas.

Na lei de mercado de capitais (Lei 4.728/1965, art. 66-B), o objeto é bem amplo:
qualquer bem móvel. Prevalece, no entanto, que só pode ser credor fiduciário instituição
financeira. A execução, no caso, é feita por busca e apreensão, nos termos do Decreto-Lei
911/1969.

Na lei do sistema financeiro imobiliário (Lei 9.514/1997), o objeto é qualquer bem


imóvel. Qualquer pessoa física ou jurídica pode ser credor fiduciário, ainda que não integrem
o sistema financeiro imobiliário (art. 22, §1º).

No Código Civil (arts. 1.361 a 1.368), o objeto são bens móveis infungíveis. Qualquer
pessoa física ou jurídica pode ser credor fiduciário.

Não somente a propriedade plena pode ser objeto da alienação fiduciária em garantia.
Há uma lista de outros direitos reais limitados que podem ser alienados fiduciariamente,
como o domínio útil (enfiteuse), a propriedade superficiária, o direito de uso especial para fins
de moradia e o direito real de uso.

Prevalece na doutrina que o rol do art. 22, §2, da Lei 9.514/1997 deve ser interpretado
como taxativo (não exauriente). Questionamento fica por conta do direito de laje, introduzido
na legislação posteriormente, pela Lei 13.465/2017.

Não podem ser alienados fiduciariamente direitos sobre os quais pesem determinação
de indisponibilidade, como aquela decorrente de penhora realizada pela Fazenda Nacional
(art. 53, §1, Lei 8.212/1991) ou os bens gravados com cláusula de impenhorabilidade,
inalienabilidade, o bem de família voluntário e o bem objeto de matrícula bloqueada.

244
CAPÍTULO 7

4.8. Alienação de frações ideais


Quando o bem é de titularidade de mais de uma pessoa, em condomínio voluntário,
para alienar fiduciariamente em garantia 100% da propriedade, todos os coproprietários
precisam anuir (art. 1.420, §2, CC).

Questão interessante existe quando apenas um co-propretário pretende alienar


fiduciariamente somente a sua parte ideal do todo.

Há quem sustente que a alienação fiduciária é apenas compatível com a oneração de


toda a propriedade, pelos problemas que surgiriam em caso de consolidação.

Há quem sustente, por outro lado, que a alienação fiduciária de fração ideal do todo
seria plenamente possível. E mais há quem diga, neste caso, que a anuência dos demais
coproprietários não seria sequer necessária.

Efetivamente, não há previsão específica na Lei 9.514/1997 sobre a possibilidade de


alienação fiduciária de parte ideal de imóvel. Todavia, assim determina o art. 1.314, CC:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação,
sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la
de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-
la.”

Além deste dispositivo específico, cogita-se da aplicação analógica do art. 1.420, §2, CC.
Note-se:

Art. 1.420. Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em
anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor,
anticrese ou hipoteca. §1. A propriedade superveniente torna eficaz, desde o
registro, as garantias reais estabelecidas por quem não era dono. §2. A coisa
comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na
sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode
individualmente dar em garantia real a parte que tiver.

Sobre o direito de preferência na aquisição do quinhão alienado, sustenta-se que a


prerrogativa poderá ser postergada para a hipótese de leilão em caso de inadimplemento,
situação que marca a entrada efetiva do imóvel no patrimônio do terceiro adquirente:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem
não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência.

245
CAPÍTULO 7

Neste sentido, ver Proc. 1006191-74.2019.8.26.0100, 1VRPSP, j. 21/02/2019, Juíza Tânia


Mara Ahualli.

4.9. Graus sucessivos


Em princípio, a alienação fiduciária é incompatível com sucessivos graus de oneração,
como é possível fazer com os demais direitos reais de garantia.

O devedor, uma vez constituída a garantia, fica despido da faculdade de oneração e


alienação, já que não é mais proprietário formal do bem. Assim, não pode efetuar nova
alienação.

Em suma, não se admite a chamada alienação fiduciária de segundo grau, faculdade


mencionada no art. 1.476 para a hipoteca.

Pode-se cogitar eventualmente da constituição de uma segunda alienação fiduciária


não sobre a propriedade plena, mas sobre a propriedade superveniente, que sobrevém com
o adimplemento da obrigação principal. Enunciado 506 Jornadas Direito Civil CEJ/JF:

Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição


concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que,
entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o
fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver
subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser
registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do
registro, produzindo efeito ex tunc.

Esse entendimento está em linha com o disposto no Código Civil: “Art. 1.361. (...) §3. A
propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a
transferência da propriedade fiduciária.”

Essa situação assemelha-se verdadeiramente a uma alienação fiduciária de segundo


grau, mas nada mais é do que uma nova alienação fiduciária, que permanece sob condição
suspensiva enquanto estiver pendente o cancelamento da primeira.

Não se fala propriamente em alienação de segundo grau, contudo, porque isso


implicaria na plena eficácia de ambas ao mesmo tempo.

4.10. Garantia de mais de um imóvel


A alienação fiduciária pode ter como objeto mais de um imóvel para garantir a mesma
dívida. Neste caso, as regras de competência registral não são modificadas: a garantia deve
ser constituída na matrícula de cada imóvel ficando cada serventia responsável pelo
procedimento extrajudicial de execução se for o caso.

Há quem defenda que a tramitação em separado dos procedimentos atenta contra a


celeridade, tendo em vista a duplicidade de notificações necessárias. Contudo, não há base

246
CAPÍTULO 7

legislativa para processamento de duas execuções em um único processo, em especial


quando relativas a imóveis situados em circunscrições distintas.

4.11. Forma
Como negócio jurídico que institui direito real, não basta o contrato para a criação da
garantia. Nosso sistema é o do título e modo. Para coisa móvel exige-se a tradição ficta
(constituto possessório); para coisa imóvel o registro do título no registro imobiliário. Essa é a
regra geral do sistema (ver arts. 1.227 e 1.245, CC, para propriedade imóvel, e art. 1.267, CC
para propriedade móvel).

O negócio jurídico que constitui a propriedade fiduciária é formal: exige-se instrumento


escrito, onde conste a dívida, o prazo, a época do pagamento, a taxa de juros (se houver), a
descrição da coisa objeto da transferência, a cláusula de constituição, a livre utilização, a
disciplina do leilão etc. (art. 1.362, Código Civil; art. 24, Lei 9.514/1997).

Essas cláusulas são cogentes e devem estar presentes de todo e qualquer contrato de
alienação fiduciária, sob pena de não serem registráveis.

Para coisas móveis, o formalismo do ato completa-se com o registro do contrato no


registro de títulos e documentos do domicílio do devedor e, em se tratando de veículos, na
repartição de trânsito (art. 1.361, §1º, CC). Para coisas imóveis, é necessário o registro do
título no registro imobiliário (art. 23, Lei 9.514/1997). Assim, garante-se observância ao
princípio da publicidade.

Não se exige escritura pública. O negócio pode ser celebrado por instrumento
particular, ainda que se refira a imóvel de valor superior a 30 salários mínimos (art. 38, Lei
9.514/1997):

Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua


aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação
ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por
escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura
pública.

Aliás, não se exige escritura pública para nenhum dos atos e contratos resultantes da
alienação fiduciária de imóvel.

Assim, quando temos a seguinte estrutura: (1) compra e venda; que (2) dá causa a um
mútuo; (3) garantido por alienação fiduciária; a compra e venda excepciona o art. 108 do
Código Civil. E isso não acontece porque a compra e venda é acessória da garantia, seguindo
o seu regime jurídico, mas porque foi a garantia que viabilizou a aquisição do bem, sendo
resultante da aplicação da alienação fiduciária.

A mesma coisa acontece com a dação em pagamento resultante do inadimplemento


do empréstimo; ou com a compra feita em leilão de alienação da garantia.

247
CAPÍTULO 7

Contudo, se no primeiro caso, da compra e venda formou-se o entendimento tranquilo


pela dispensa da escritura pública, o mesmo não é tão pacífico para o segundo e o terceiro
casos. Para a dação em pagamento, bem como para a aquisição em leilão, parte importante
da doutrina ainda exige a forma pública.

Embora não se exija a forma pública, em geral é necessário o ato de reconhecimento


de firma, exceto quando se tratar de operação estabelecida no âmbito do sistema financeiro
da habitação.

4.12. Deveres e obrigações do devedor fiduciante


Aquele que aliena a propriedade fiduciária é o devedor da obrigação principal. Como
devedor, tem a obrigação e pagar o débito. Além disso, deve usar a coisa de acordo com a sua
destinação, às suas expensas e risco. Não se aplica aqui, o princípio de que a propriedade
perece sempre para o dono (res perit domino).

A perda da coisa ou a sua deterioração não liberam o devedor de pagar pelo


empréstimo tomado. Além disso, o devedor deve guardar e conservar a coisa, assim como o
depositário. Por fim, em caso de inadimplemento, o devedor deve restituir a posse direta da
coisa ao credor, possuidor indireto.

4.13. Deveres e obrigações do credor fiduciário


O credor fiduciário tem direito de receber a coisa em caso de inadimplemento. Não
satisfeita a obrigação, o credor se torna proprietário pleno da coisa (art. 26, Lei 9.514/1997).

Porém, não pode ficar com ela (vedação ao pacto comissório ou cláusula comissória),
deve levá-la a leilão (art. 27, Lei 9.514/1997). Notar que a cláusula comissória é vedada de
forma geral, para todos os direitos reais de garantia (art. 1.428, CC).

A expressão, no entanto, é plurívoca. Também se chama cláusula comissória a cláusula


resolutiva expressa, art. 474, CC.

A venda pode ser em leilão judicial ou extrajudicial (art. 1.364, CC), aplicando-se o
produto da venda para saldar o crédito. O saldo, se houver deve ser devolvido ao devedor
fiduciante.

Se o produto da venda não for suficiente a regra, ao menos para móveis, é que o
devedor fiduciante continua obrigado pela diferença, que pode ser cobrada através de ação
monitória.

Súmula 384 STJ: “Cabe ação monitória para haver saldo remanescente oriundo de
venda extrajudicial de bem alienado fiduciariamente em garantia.”

O CDC considera nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações
pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a rescisão do
contrato (art. 53):

248
CAPÍTULO 7

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante


pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia,
consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda
total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do
inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto
alienado.

A discussão sobre a aplicação do art. 53 do CDC está mal colocada.

De um lado há aqueles que defendem a plena aplicação do art. 53, exigindo que o
valor pago pelas prestações seja integralmente restituído, caso o bem seja perdido por
inadimplemento e resolução do contrato.

De outro, existem aqueles que entendem que este dispositivo não pode ser aplicado à
Lei 9.514/1997. Primeiro, porque é norma anterior, sendo a Lei 9.514/1997 norma especial.

E segundo porque, em caso de aplicação, a restituição implicaria reconhecer um direito


ao devedor, de usar o bem sem nada pagar, enquanto o contrato estava em vigor. Neste
sentido, ver REsp 1.891.498 e REsp 1.894.504.

Não é essa a dinâmica da alienação fiduciária, nem a de qualquer financiamento.

Rescindido o contrato de mútuo por inadimplemento, o valor emprestado deve ser


integralmente restituído, acrescido de multa e juros.

A restituição integral do valor emprestado ocorre com a imputação no valor das


parcelas já pagas. Vendida a garantia em leilão, o preço será imputado no pagamento do
saldo restituindo-se ao devedor o que sobejar.

O que determina o art. 53 do CDC é a proibição de perda dos valores pagos


periodicamente, como sanção pelo inadimplemento e rescisão contratual. Isso
verdadeiramente não é possível.

O fato nada tem que ver com a remuneração pela utilização do bem, até porque ele foi
comprado pelo devedor. Também não tem a ver com a restituição daquilo que o credor
emprestou e é seu, devendo ser devolvido por ocasião do desfazimento do contrato.

A situação é completamente diferente do compromisso de compra e venda. No


compromisso de compra e venda, a rescisão por inadimplemento implica a restituição do
bem ao compromitente vendedor; bem como a restituição do preço pago pelo
compromissário comprador, abatidas naturalmente as perdas e danos, inclusive as
decorrentes do uso normal do imóvel. Não há alienação nem imputação dos valores já pagos
no montante de dívida com o alienante.

249
CAPÍTULO 7

Não se trata, pois, de recusar a aplicação do art. 53 do CDC à alienação fiduciária em


garantia, mas de aplicá-lo direito, respeitando-se a restituição do empréstimo feito para
aquisição do bem.

4.14. Aspectos registrais


A constituição da garantia decorrente da alienação fiduciária ocorre pela prática de um
ato de registro em sentido estrito (art. 23, Lei 9.514/1997; e art. 167, I, 35, da Lei 6.015/1973).

Com o registro do contrato de alienação fiduciária, o bem fica afetado ao pagamento


da dívida, desdobrando-se a posse em direta e indireta.

Se a garantia é oferecida para assegurar o pagamento de empréstimo havido para a


aquisição do bem, então o registro da alienação fiduciária será precedido de um registro de
compra e venda.

Cumprindo-se o contrato regularmente, com a posterior quitação da dívida, o


cancelamento do gravame é feito por ato de averbação, mediante apresentação do termo de
quitação (art. 248, Lei 6.015/1973).

Se o devedor fiduciante deixar de pagar a dívida, contudo, o credor fiduciário poderá


levar a efeito a execução extrajudicial.

Se, intimado, o devedor não purgar a mora no prazo legal a propriedade será
consolidada em nome do credor fiduciante, mediante a prática de um ato de averbação.

Essa providência será feita a requerimento do credor fiduciário, munido da certidão


expedida nos autos da execução extrajudicial atestando a inércia do devedor, além de
comprovante do recolhimento do ITBI.

Realizada a averbação, consolida-se a propriedade em benefício do credor que, no


entanto, ainda detém uma propriedade plena. O credor não poderá ficar com o imóvel, mas
deverá levá-lo a leilão.

Se o leilão for positivo, a compra será celebrada por escritura pública ou escrito
particular, dando causa a um ato de registro.

Se o leilão for negativo, deverá ser realizado um segundo. Caso a venda ainda assim
não seja possível, averba-se a ocorrência na matrícula para que, aí sim, a propriedade fique
liberada, plena e consolidada em nome do credor, que poderá proceder com o imóvel como
melhor lhe aprouver.

4.15. Aditamento e novação


É frequente que, durante a execução do contrato de mútuo garantido por alienação
fiduciária, as partes façam alterações ou repactuações.

250
CAPÍTULO 7

A rigor, esses aditamentos não podem implicar modificação nos elementos essenciais
do negócio jurídico, sob pena de caracterizarem verdadeira novação.

Registralmente, as diferenças são relevantes. Em caso de aditamento, basta um ato de


averbação na matrícula. Em caso de novação, averba-se o cancelamento da alienação
fiduciária e registra-se outra alienação fiduciária.

Para a configuração da novação, é importante que exista uma vontade de novar


(animus novandi), o que pode restar acordado de forma expressa ou tácita, porém sempre
inequívoca.

O problema é que, na prática, as partes invariavelmente praticam uma novação,


consignando expressamente o contrário. A análise do caso concreto, então, é que dirá a
natureza efetiva do ato.

Há julgados que expressam o entendimento de que não existe novação quando a


alteração contratual é feita para adicionar novas garantias, conceder moratória ao devedor,
acordar desconto no preço, alterar a taxa de juros ou as condições de pagamento ou mesmo
para alongar este prazo.

Por outro lado, se for concedido um novo empréstimo, forem acordadas novas formas
de pagamento, for majorado o valor da dívida etc., via de regra será o caso de novação.

4.16. Quitação
A legitimidade para dar quitação é do credor fiduciário, que deve fazer prova de seus
poderes.

O termo de quitação é desconstitutivo de direito real, mas nem por isso deve se revestir
de forma pública. Pode ser outorgado por instrumento particular (art. 320, CC; art. 38, Lei
9.514/1997), com firma reconhecida.

Se constar do registro a emissão de cédula de crédito imobiliário, o cancelamento


depende ainda de declaração da instituição custodiante, atestando quem é o atual credor. Se
a cédula houver sido emitida de forma cartular, bastará a apresentação da própria cédula ou
de declaração de que se extraviou.

O credor fiduciário terá o prazo de 30 dias a contar da data de liquidação da dívida


para fornecer o respectivo termo de quitação, sob pena de multa equivalente 0,5% ao mês,
ou fração, sobre o valor do contrato (art. 25, §1, Lei 9.514/1997).

Observe-se, ainda, que a dívida pode ser extinta por dação em pagamento, cuja
propriedade se consolida, então, em nome do credor fiduciário mediante ato de registro.

Importante, para que não se confunda a dação em pagamento com o pacto comissório
é que o negócio seja celebrado depois do inadimplemento e não seja previsto no próprio
contrato de alienação fiduciária em garantia.

251
CAPÍTULO 7

4.17. Execução da alienação fiduciária de imóveis


Vencida e não paga a dívida, a propriedade do imóvel irá se consolidar na mão do
credor fiduciário, após a constituição em mora do devedor fiduciante (art. 26, da Lei
9.514/1997).

Embora a lei mencione a constituição em mora, não é este exatamente o fenômeno


que ocorre. A mora contratual pode ser ex re ou ex persona. E a determinação de data certa e
expressa para o pagamento, por si só, é suficiente para configurar a mora do devedor.

O problema é que a mora pode ser absoluta ou relativa, de acordo com o grau de
utilidade que a prestação ainda possa ter para o credor. A notificação tem o exato objetivo de
converter a mora relativa em mora absoluta, marcando e provando a situação de
inadimplemento.

A intimação será feita pelo oficial registrador (art. 26, §1º, Lei 9.514/1997) ou, a seu
pedido, através do registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do
domicílio de quem deve receber, ou pelo correio com aviso de recebimento (art. 26, §3º, da
Lei 9.514/1997).

A intimação conterá a determinação de pagamento, no prazo de 15 dias, das


prestações vencidas e das que vencerem até o pagamento, além de encargos legais e
contratuais (art. 26, §1º, da Lei 9.514/1997). Não há vencimento antecipado do restante do
financiamento.

Embora a lei mencione expressamente a palavra intimação, o correto seria tratá-la


como notificação. O caso é de cientificação extrajudicial e não a ciência de um ato processual.
A designação, contudo, não é de maior relevância.

A intimação deverá ser feita na pessoa do devedor fiduciante ou seu representante


legal. Se a garantia for prestada por terceiro, intimados devem ser o devedor e o fiduciante.

Por isso, em juízo de qualificação, cabe ao oficial aferir a capacidade e a legitimidade


do intimando.

Se, por duas vezes, o intimando for procurado e não for encontrado, havendo
suspeitas fundadas de ocultação, pode-se realizar a intimação por hora certa.

No caso de conjuntos imobiliários com acesso controlado, considera se a intimação


realizada quando entregue a correspondência a pessoa encarregada na respectiva portaria.
Naturalmente, se a pessoa estiver ausente o porteiro poderá declarar, sob as penas da lei,
que o devedor está ausente.

Se o devedor fiduciante for falecido, a intimação deverá ser feita na pessoa do


inventariante judicial ou extrajudicial. Não havendo nem um nem outro, a intimação deve ser
feita na pessoa de todos os sucessores.

252
CAPÍTULO 7

Se o devedor fiduciante for casado em regime diverso da separação legal, necessária a


intimação do cônjuge. Havendo cláusula de procuração recíproca, ela deve ser respeitada
pelo oficial registrador, embora possa ser impugnada na justiça.

Se o devedor fiduciante for pessoa jurídica, deve ser intimado o representante com
poderes demonstrados.

A intimação, geralmente, deve ser pessoal devendo ser tentada ao menos no endereço
do imóvel e no endereço declinado no contrato.

A intimação somente será realizada por edital, quando esgotadas as tentativas de


intimação pessoal, não bastando, para tanto, que o credor alegue que o devedor está em
local incerto e não sabido.

Decorrido o prazo sem a purgação da mora, o oficial registrador averbará, na


matrícula, a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, se este provar o
pagamento do ITBI (art. 26, §7º, da Lei 9.514/1997).

O prazo é habitualmente de 15 dias. Mas será acrescido de mais 30 quando se tratar


de operações do Programa Minha Casa Minha Vida, com recursos advindos do Fundo de
Arrendamento Residencial (art. 26-A, §1, da Lei 9.514/1997).

Consolidada a propriedade do imóvel na pessoa do credor fiduciário, ele terá 30 dias


para promover o leilão para alienação do imóvel (art. 27, da Lei 9.514/1997).

No primeiro leilão, pode-se fazer a venda se o valor proposto for maior do que o valor
acordado pelas partes para efeito de venda. No segundo leilão, admite-se a venda se a
proposta for superior à dívida com encargos (art. 27, §§1º e 2º, da Lei 9.514/1997).

4.18. Vencimento antecipado


A Lei 9.514/1997 não possui previsão de vencimento antecipado da dívida garantida
por alienação fiduciária. Mas aplica-se a ela a disciplina do art. 1.425, CC, por força do
determinado no art. 1.367, CC:

Art. 1.425. A dívida considera-se vencida: I - se, deteriorando-se, ou


depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor,
intimado, não a reforçar ou substituir; II - se o devedor cair em insolvência ou
falir; III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste
modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior
da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução
imediata; IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído; V - se
se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a
parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.

253
CAPÍTULO 7

O primeiro caso, de deterioração ou depreciação do bem, constitui, a rigor, exceção ao


princípio res perit domino. Mas, no caso da alienação fiduciária há um agravante, tendo em
vista que a propriedade se consolida em nome do credor fiduciário se os leilões forem
negativos.

Neste caso, há forte corrente defendendo a resolução do contrato, com vencimento


antecipado da dívida e execução judicial por título extrajudicial, ocasião em que o devedor
responderá com todo seu patrimônio pela dívida.

4.19. Discussão judicial da dívida e execução extrajudicial


A simples propositura de ação para impugnar a dívida não implica suspensão
automática da execução extrajudicial, assim como não serve para, por si só, elidir a mora.
Súmula 380 STJ: “A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a
caracterização da mora do autor.”

O devedor, intimado, tem apenas uma opção extrajudicialmente: fazer o pagamento.


Se não fizer e permanecer inerte, a propriedade se consolida em nome do credor.

Para suspender a tramitação do procedimento, deverá obter decisão de urgência


perante o Judiciário.

4.20. Purgação da mora


O prazo para purgação da mora é de 15 dias, contados da notificação, podendo ser
acrescido de mais 30 dias, quando se tratar de financiamento habitacional do PMCMV com
recursos do FAR.

O pagamento, para purgar a mora, deve ser realizado pelo devedor, perante o registro
de imóveis em que se processa a execução extrajudicial, na circunscrição do imóvel.

Feito esse pagamento, o oficial terá o prazo de 3 dias para repassar o pagamento ao
credor fiduciário, já compensadas as despesas de cobrança e de intimação.

Questão interessante refere-se à contagem deste prazo. Nos termos do ordenamento


civil, exclui-se o dia de início e inclui-se o final. Quando a contagem se encerra em dia não útil,
prorroga-se para o dia imediato (art. 132, CC).

Com o novo ordenamento processual, cogitou-se da contagem em dias úteis o que,


rigorosamente, afastaria qualquer discussão a respeito do termo inicial ou final em dias não
úteis.

Prevaleceu, contudo, que a contagem continuava como anteriormente, contando-se


em dias corridos, prorrogando-se para o dia imediato quando o termo inicial ou final caísse
em dia que não fosse útil.

254
CAPÍTULO 7

Esta situação deve ser modificada com a entrada em vigor da Lei 14.382/2022, que
inseriu um §1, no art. 9, da Lei 6.015/1973:

Art. 9 (...) §1. Serão contados em dias e horas úteis os prazos estabelecidos
para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a
prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos
e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões, exceto nos casos
previstos em lei e naqueles contados em meses e anos.” “Art. 9 (...) §3. A
contagem dos prazos nos registros públicos observará os critérios
estabelecidos na legislação processual civil.

Esta mesma lei, inseriu também um outro dispositivo mais adiante na Lei 6.015/1973
que trata do cancelamento extrajudicial do compromisso de compra e venda e que pode ser
utilizado aqui por analogia:

Art. 251-A. (...) § 3º Aos procedimentos de intimação ou notificação efetuados


pelos oficiais de registros públicos, aplicam-se, no que couber, os dispositivos
referentes à citação e à intimação previstos na Lei nº 13.105, de 16 de março
de 2015 (Código de Processo Civil).

No que se refere à purgação da mora fora do prazo, sempre prevaleceu na doutrina


um entendimento que diferenciava a alienação fiduciária da hipoteca, no sentido de que a
emenda ainda seria possível, verdadeiramente, até a prática do ato de averbação, que
consolida a propriedade na pessoa do credor fiduciário. Superado este evento, não mais.

No momento em que se faz essa averbação, verifica-se o fato gerador do ITBI,


ocorrendo uma mudança júri-real que não tem previsão de desfazimento. O credor adquire a
propriedade verdadeiramente.

A recondução à situação anterior dependeria de alienação dessa propriedade


consolidada de volta ao devedor, para prática de nova alienação fiduciária ao credor
fiduciário.

Tanto que, para consolidação da propriedade exige-se prova do pagamento do tributo,


o que não ocorre com a simples constituição da garantia.

Apesar dessa constatação, o STJ passou a sustentar o entendimento pro-devedor em


sentido contrário aplicando à alienação fiduciária o regramento da hipoteca (art. 34, Dec.-Lei
70/1966).

Segundo o STJ, seria possível a purgação da mora até o momento da assinatura do


auto de arrematação, decorrente do leilão, tendo em vista que a relação contratual não se
extingue com a mera consolidação da propriedade, mas pela realização dos leilões.

255
CAPÍTULO 7

Esta compreensão só veio a ser alterada depois da edição Lei 13.465/2017, que inseriu
dispositivo expresso sobre o assunto na Lei 9.514/1997 (art. 26-A). Com isso, segundo o STJ,
deixou de ser possível a purgação da mora depois da averbação da consolidação.

A posição superada do STJ está em desacordo com a regulamentação da matéria e era


de aplicação prática muito difícil, a começar pela própria restituição do valor pago a título de
ITBI.

Contudo, como mencionado, atualmente, existe dispositivo expresso na Lei 9.514/1997


(art. 26-A), o que torna o assunto de mais tranquila compreensão:

Art. 26-A (...) §2. Até a data da averbação da consolidação da propriedade


fiduciária, é assegurado ao devedor fiduciante pagar as parcelas da dívida
vencidas e as despesas de que trata o inciso II do §3. do art. 27, hipótese em
que convalescerá o contrato de alienação fiduciária.” (Incluído pela Lei
13.465/2017).

4.21. Consolidação da propriedade


Trata-se de uma etapa da execução extrajudicial em que é realizado um ato de
averbação na matrícula, marcando a mora do devedor e o encerramento da possibilidade de
sua purgação. Este ato, por extinguir a pretensão aquisitiva do devedor fiduciante, remete o
credor fiduciário ao necessário leilão do bem dado em garantia.

Muito embora se fale em consolidação da propriedade plena, ela ainda não terá
disponibilidade, até que se realizem os leilões e se extinga a dívida. Antes dos leilões, só se
adquire a disponibilidade plena se as partes transigirem e acordarem, por escritura pública
ou escrito particular a dação em pagamento.

Se os dois leilões forem infrutíferos averba-se o fato na matrícula, ocasião em que, aí


sim, o credor fiduciário adquire a disponibilidade, atributo relevante da propriedade plena,
livre e desembaraçada.

O art. 26, §7, da Lei 9.514/1997 menciona que o ato a ser praticado na matrícula para a
consolidação da propriedade é de averbação. Tecnicamente, a designação mais correta seria
de registro em sentido estrito, por ser o ato que marca verdadeira aquisição de propriedade
por parte do credor fiduciário.

Alguns sustentam que a dicção legal está correta, tendo em vista que existe verdadeiro
cancelamento da alienação fiduciária e o ato de cancelamento é praticado tradicionalmente
por averbação (art. 248, Lei 6.015/1973).

Contudo, a alienação fiduciária constitui apenas uma afetação patrimonial e não uma
verdadeira aquisição de propriedade, posteriormente marcada pelo afastamento da
resolubilidade.

256
CAPÍTULO 7

A consolidação da propriedade é ato constitutivo de direito real para o credor


fiduciário, extinguindo a possibilidade de reaquisição pelo devedor fiduciante.

Tecnicamente, portanto, averbação haverá somente no caso de pagamento integral da


dívida, com extinção por cancelamento da alienação fiduciária.

Perceba-se que mesmo após a averbação de consolidação a relação jurídica entre


credor e devedor não se extingue. O credor continua obrigado a levar o imóvel a leilão
devendo observar para tanto o que foi acordado previamente entre as partes, a começar pelo
preço mínimo do primeiro leilão.

Após a consolidação admite-se a reintegração de posse do imóvel. O devedor, contudo,


permanece responsável pelo pagamento de impostos, taxas, contribuições condominiais até
a efetiva transferência da posse direta para o credor (art. 27, §8, da Lei 9.514/1997).

Questão interessante se coloca entre o registro da alienação e a averbação da


consolidação se for decretada a indisponibilidade dos bens do devedor. Neste caso, há duas
correntes. Uma que admite, mesmo assim, a prática da averbação de consolidação, uma vez
que não se trata de transmissão voluntária da propriedade; e outra que não admite a prática
do ato de averbação. Prevalece a primeira posição.

Habitualmente, para ser possível a oneração de um imóvel seu titular deve ter a sua
livre disposição.

Portanto, a regra é a de que a indisponibilidade impede a alienação fiduciária em


garantia.

Essa regra, contudo, não é absoluta e comporta as seguintes exceções:

• Se a garantia fiduciária já estiver regularmente constituída, no momento em que for


decretada a indisponibilidade, a indisponibilidade não impede a consolidação da propriedade
em favor do credor fiduciário por inadimplemento do devedor fiduciante. Primeiro, por uma
questão de anterioridade: a propriedade foi alienada em garantia antes da decretação à
indisponibilidade. Segundo, porque a indisponibilidade atinge o patrimônio do devedor no
estado em que estiver no momento da decretação, apenas direitos aquisitivos e uma
expectativa de aquisição de uma propriedade futura;

• Se a garantia fiduciária for constituída em conjunto com a aquisição do bem. Neste


caso, o devedor usa recursos próprios, de terceiros ou até futuros para celebrar uma
operação que, rigorosamente, representa acréscimo patrimonial. Portanto, não há risco de
prejuízo para os credores da indisponibilidade, nem para o credor fiduciário, nos termos do
item 1 mencionado acima. Boa referência sobre o assunto pode ser encontrada no seguinte
julgado: 1VRPSP - processo: 1106718-63.2021.8.26.0100, j. 25/10/2021.

257
CAPÍTULO 7

4.22. Dação em pagamento


Depois da constituição do devedor em mora, credor e devedor podem transigir,
combinando a entrega do imóvel em pagamento da dívida. Essa dação somente é possível,
não se confundindo com o pacto comissório, e quando pactuada depois do inadimplemento.

Na ausência de norma específica sobre forma deste negócio jurídico há muitas


posições na doutrina exigindo a forma pública. Contudo, a aplicação do art. 38, da Lei
9.514/1997 leva a conclusão em sentido contrário. No Estado de SP, a consolidação normativa
aceita a forma particular (item 252, Cap. XX).

4.23. Leilão
O procedimento a ser adotado para o leilão deve ser objeto de regramento específico
no contrato de alienação fiduciária.

Exige-se a comunicação do devedor sobre as datas, horários e locais dos leilões (art.
27, §2-A, da Lei 9.514/1997).

O controle dos prazos do leilão não integra o âmbito de qualificação registral. Mas,
segundo o STJ, o seu descumprimento pode ensejar nulidade.

O legislador exigiu que fossem realizados ao menos 2 leilões. No primeiro, o valor de


referência para alienação será o estabelecido contratualmente, pelas partes. Se não houver
licitante ou este oferecer valor inferior ao valor da avaliação será realizado um segundo leilão.

Até a data do segundo leilão, o devedor poderá exercer o seu direito de preferência
para adquirir o imóvel pelo preço correspondente ao valor da dívida.

Realizado leilão positivo, no prazo de 5 dias o credor fiduciário deverá entregar ao


devedor a importância que sobejar.

Se, no segundo leilão, não houver licitante ou não for oferecido valor superior ao da
dívida restará a dívida extinta e o contrato e o credor ficaram com o imóvel, adquirindo assim
a propriedade plena.

O resultado do leilão poderá ser averbado no registro de imóveis: Enunciado 511


JDC/CEJ-JF: “Do leilão, mesmo que negativo, a que se refere o art. 27 da Lei n. 9.514/1997, será
lavrada ata que, subscrita pelo leiloeiro, poderá ser averbada no registro de imóveis
competente, sendo a transmissão da propriedade do imóvel levado a leilão formalizada
mediante contrato de compra e venda.”

4.24. Arrematação
Arrematado em leilão, credor fiduciário e adquirente deverão formalizar a aquisição,
por instrumento público ou particular.

258
CAPÍTULO 7

Aqui, mais uma vez, existe divergência doutrinária sobre a necessidade de se celebrar
o negócio por escritura pública. No Estado de SP, a consolidação normativa aceita a forma
particular (item 253.1, Cap. XX).

A ausência de quitação expressa do devedor fiduciante não obsta o registro da


alienação, não sendo requisito para o ato.

4.25. Cessão da posição contratual


Durante a vigência da alienação fiduciária, não poderão o credor e o devedor alienar o
imóvel objeto da garantia. Ele fica afetado, fora do comércio.

Ambos podem, contudo, ceder sua posição a terceiro o que, na prática, quando
realizada pelo devedor, equivale à transmissão do próprio bem. O cessionário sub-roga-se na
posição do cedente.

No caso de cessão da posição do credor fiduciário, opera-se a transferência da


garantia, exonerando-se o cedente de todas as suas obrigações. Dispensa-se a concordância
do devedor. E, além disso, o caso não é hipótese de incidência de ITBI. O ato a ser praticado
na matrícula é de averbação.

No caso de cessão da posição do devedor fiduciante o ato demanda prévia e expressa


anuência do credor fiduciário. E, para tanto, deverá ser recolhido o ITBI. Não há consenso
sobre a natureza do ato a ser praticado prevalecendo que se trata de um ato de averbação,
embora existam precedentes defendendo que se trata de um ato de registro.

Por fim, pode haver portabilidade do financiamento para outra instituição financeira,
ocasião em que o ato a ser praticado na matrícula também será de averbação das novas
condições contratuais.

4.26. Partilha de imóvel alienado


A partilha de imóvel alienado pode decorrer de separação e divórcio, de um lado; ou
de sucessão hereditária, de outro.

No primeiro caso, exige-se a anuência do credor fiduciário, tendo em vista que é


relevante para ele a pessoa que assumirá a condição de devedor.

No segundo caso, como a transmissão de direito ocorre por saisine, ou seja,


imediatamente com a morte, não existe esta opção para o credor fiduciário.

Tecnicamente, contudo, tanto em um quanto em outro caso, o que se arrola e se


partilha são os direitos aquisitivos e não o próprio imóvel em si.

5. USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL

259
CAPÍTULO 7

5.1. Introdução
A usucapião é uma das formas de aquisição da propriedade imóvel, ao lado do registro
do título e da acessão. Tratando-se de uma maneira de aquisição da propriedade, a
usucapião tende a ser vista, inicialmente, pelo que representa individualmente, como
expressão de acréscimo patrimonial.

Ocorre que a usucapião tem um aspecto social relevante, pois ela marca a
consolidação jurídica de um estado de fato, pelo decurso do tempo. Assim, mais do que
designar a aquisição da propriedade, a usucapião reinsere o imóvel no sistema registral,
regularizando sua cadeia filiatória e titularidade.

Viabiliza, portanto, garantia relevante ao direito de moradia e permite que o possuidor


possa gozar das prerrogativas que lhe deferem o sistema registral, como a oneração do
imóvel e sua segura alienação.

Na análise do instituto, dois aspectos sobressaem: o material ou civil e o registral.

Ao primeiro, pertence a conceituação do instituto, bem como a análise de seus


requisitos.

Ao segundo, pertence a recepção do instituto pelo registro imobiliário, com ênfase,


atualmente, para o próprio procedimento extrajudicial de reconhecimento de sua ocorrência.

A ênfase é para o segundo aspecto, em especial o procedimento extrajudicial de


reconhecimento da usucapião.

5.2. Aspectos materiais usucapião


5.2.1. Conceito

Usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais,


pela posse prolongada e qualificada pelos requisitos previstos em lei.

Não há divergência doutrinária relevante sobre a originalidade da aquisição da


propriedade.

O usucapiente constitui direito à parte, independentemente de qualquer relação


jurídica com o anterior proprietário. A propriedade e os demais direitos reais são adquiridos
com o transcurso do tempo e por força de lei.

Como consequência, não há incidência de ITBI rompe-se a cadeia dominial, eventuais


vícios existentes no registro ou nos títulos anteriores não se perpetuam havendo verdadeiro
saneamento da cadeia filiatória.

260
CAPÍTULO 7

5.2.2. Elementos

A usucapião tem 2 elementos essenciais: a posse e o tempo. Sem esses dois elementos
não haverá usucapião. Cabe ao direito civil aprofundar cada um deles.

A posse que é necessária para a usucapião é a posse mansa, pacífica, ininterrupta e


com animus domini (ou animus rem sibi abendi).

O tempo necessário para aquisição da propriedade e dos demais direitos reais por
usucapião vai variar de acordo com os predicativos da posse.

Não só a propriedade plena, mas também outros direitos reais limitados são
usucapíveis.

O exemplo mais comum de direito real limitado que pode ser usucapido é a servidão
de passagem.

Para que possa existir usucapião, a posse e o tempo devem recair sobre um objeto
apto a ser usucapido. Em geral, tudo o que pode ser objeto de posse privada e que não
estiver fora do comércio é suscetível de prescrição aquisitiva.

Não podem ser objeto de usucapião os bens públicos. A determinação tem sede
constitucional (art. 183, §3; e art. 191, §único, ambos da Constituição Federal) e
infraconstitucional (art. 102, Código Civil).

5.3. Procedimento extrajudicial


5.3.1. Aspectos gerais

A usucapião, como mencionado, é uma forma originária de aquisição da propriedade e


de outros direitos reais. Ocorre pelo simples transcurso do tempo, aliado a uma posse
exercida com os predicativos legais.

A aquisição do direito ocorre fora do registro, sem que seja necessário o


pronunciamento de qualquer órgão estatal ou concordância do dono e de qualquer terceiro.
Trata-se de um efeito que decorre diretamente da lei, uma vez preenchidos os seus
requisitos.

Não existe, por isso, relação necessária entre a usucapião e algum tipo específico de
processo, a manifestação de órgão estatal ou a existência de lide.

O que é necessário é que o fato jurídico seja verificado e que, desta maneira, seja
viabilizado o seu acesso ao registro imobiliário. E isso pode ocorrer no Brasil por duas vias
distintas: a judicial e a extrajudicial.

A via judicial de reconhecimento da usucapião é a mais tradicional e conhecida. Na


época do Código de Processo Civil de 1973, contava inclusive com uma ação regida por rito
especial e próprio (arts. 941 a 945).

261
CAPÍTULO 7

Mesmo naquela época, a sentença proferida no processo judicial tinha caráter


meramente declaratório e não constitutivo. Na medida em que reconhecia a ocorrência da
prescrição aquisitiva formava o título que deveria ter acesso ao registro imobiliário,
apresentando os elementos necessários para o registro.

A experiência processual do regime anterior não era muito exitosa. A ação de


usucapião recebia tramitação especialmente lenta por inúmeros motivos, a começar pela
inexistência de urgência, mas passando também por dificuldades na integração do polo
passivo, necessidade de intervenção das Fazendas, realização de perícia, desconhecimento do
juiz e das partes sobre o procedimento e os elementos necessários para a atuação do registro
imobiliário etc.

Não bastasse isso, apenas raramente o procedimento judicial demonstrava a


existência de lide. Na grande maioria dos casos, a ação não era sequer contestada, não
havendo resistência fundada ao pedido de reconhecimento de usucapião.

É com base nestes elementos que surge um movimento pela desjudicialização do


procedimento de reconhecimento da usucapião.

Apesar das reconhecidas dificuldades encontradas pela jurisdição estatal, qualquer


proposta de meios alternativos de solução de controvérsia e de desjudicialização encontra
sempre uma resistência imediata, ao argumento de alegada inconstitucionalidade.

Essa argumentação funda-se na já tradicional compreensão de afronta ao monopólio


da jurisdição ou da inafastabilidade do Judiciário. Tende a ver o Judiciário como único
mecanismo de assegurar o devido processo legal e a ampla defesa.

Na realidade, os mecanismos de acesso a uma ordem jurídica justa são mais


complexos, compostos por inúmeros atores e não exclusivamente representados pelo Poder
Judiciário.

5.3.2. Antecedentes legislativos

A desjudicialização do procedimento de reconhecimento da usucapião tem um


contexto legislativo. Ela não surge do nada e inspirada em experiências estrangeiras.

É criada com fundamento em experiências exitosas anteriores que auxiliaram a


delinear o procedimento, os documentos necessários e a maneira de dar conformação
segura para nova descrição registral.

São dignos de nota o processo administrativo de retificação bilateral de registro (Lei


10.931/2004), os procedimentos administrativos de inventários, partilhas, separações e
divórcios amigáveis (Lei 11.441/2007), o processo administrativo de demarcação de terrenos
públicos (Lei 11.481/2007), e a usucapião administrativa prevista na lei do programa Minha
Casa, Minha Vida (Lei 11.977/2009).

262
CAPÍTULO 7

5.3.3. A inovação do ncpc

Foi então com novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015 que houve verdadeira
inovação no que se refere ao reconhecimento extrajudicial da usucapião.

O diploma processual inseriu o art. 216-A na Lei 6.015/1973, texto posteriormente


modificado pela Lei 13.465/2017.

Assim, ficou estabelecido que, sem prejuízo da via jurisdicional admite-se a formulação
de pedido de reconhecimento de usucapião perante o oficial de registro de imóveis, com
tramitação integralmente extrajudicial.

A legislação determinou que o pedido seja instruído com:

• Ata notarial atestando a posse e suas qualidades;

• Planta e memorial descritivo assinados por profissional habilitado, com anotação de


responsabilidade técnica;

• Certidões negativas dos distribuidores;

• Justo título e outros documentos que demonstrem a origem, continuidade, natureza e


o tempo da posse.

O procedimento foi regulamentado pelo Provimento 65/2017 CNJ.

Para parte da doutrina, o procedimento extrajudicial criado pelo Código de Processo


Civil é verdadeiro processo administrativo, onde se identifica jurisdição, ainda que com as
particularidades em face da jurisdição comum, já que não tem aptidão para produzir a
imutabilidade da coisa julgada.

A questão parece singela, mas é complexa, tendo em vista que a jurisdição voluntária,
para boa parte da doutrina processual, não é sequer espécie de jurisdição, tampouco
voluntária.

Na verdade, no procedimento extrajudicial de reconhecimento da usucapião não existe


espaço para a contenciosidade, portanto a atividade ali desenvolvida é meramente
administrativa, uma administração de interesses públicos e privados que, por isso mesmo,
não é exclusiva do juiz.

Ora, já foi mencionado que a usucapião não depende de manifestação judicial ou


administrativa. É um instituto de direito material, que depende exclusivamente do tempo e da
posse. Não é o juiz, o tabelião ou o registrador que constituem a propriedade. Não há
condenação, mandamento ou execução. Não existe medida de força. Não se inova, apenas se
reconhece aquilo que juridicamente já existe.

263
CAPÍTULO 7

Chama a atenção o fato de que o procedimento prevê a intervenção de notário e de


registrador, dois agentes imparciais, que desenvolvem atividade sob fiscalização do Poder
Judiciário.

Notários e registradores não estão vinculados às partes, nem se subordinam a outras


instruções que não sejam decorrentes, objetivamente, da lei e das normas dos órgãos
correcionais. São agentes imparciais.

Neste sentido, trata-se de mera opção legislativa a eleição da tramitação do feito


perante o registro de imóveis. A experiência internacional demonstra, no ponto, que o
procedimento poderia, em tese, tramitar também perante o tabelionato de notas. Afinal, é o
notário que habitualmente participa da elaboração do título. O registrador apenas o qualifica.

Apesar das experiências estrangeiras diversas, a opção legislativa parece adequada


para a realidade nacional.

Primeiro porque, em um único procedimento, foi possível concentrar a intervenção do


notário e do registrador, com recurso para o juiz corregedor permanente. Esta estrutura
reforça a garantia constitucional do devido processo legal.

Segundo porque, em um país vasto, é conveniente que pedidos relativos a imóveis, em


especial quando dizem respeito ao direito de propriedade e outros direitos reais, sejam
conhecidos por aqueles que estão próximos da coisa.

Em tese, fosse a competência do notário, a escritura poderia ser lavrada perante o


tabelionato de livre escolha do requerente.

Em terceiro lugar, é no registro de imóveis da situação da coisa onde está localizada a


maior parte das informações necessárias para instruir o pedido com segurança, como os
registros e transcrições afetados, os confrontantes etc.

Por fim, a competência para a prática de atos de registro em sentido estrito é do


registrador e, como tal, forma verdadeira condição de validade do procedimento.

O procedimento de reconhecimento extrajudicial da usucapião é destinado a formar


verdadeiro processo administrativo. Portanto, a petição inicial deverá seguir os requisitos do
art. 319 do Código de Processo Civil, entre o que se destaca o endereçamento ao oficial,
nome e qualificação das partes, o fato e os fundamentos do pedido, o pedido com suas
especificações, o requerimento de notificação dos interessados e intimação das Fazendas,
bem como atribuição de valor ao imóvel.

Além disso, a lei exigiu capacidade postulatória para a condução do feito, sendo a
presença de advogado ou defensor público mandatória.

O requerimento deve ser instruído com documentos relevantes, como ata notarial,
planta e memorial, certidões negativas etc.

264
CAPÍTULO 7

Recebido o requerimento, ele será autuado e tramitará regularmente culminando com


a prolação de uma decisão final, que acolhe ou rejeita, em definitivo, o pedido formulado.

5.3.4. O requerimento

5.3.4.1. Endereçamento e competência

O requerimento será dirigido ao oficial do registro de imóveis da situação da coisa.

Se o imóvel estiver situado em mais de uma comarca, o pedido será processado no


ofício de imóveis da circunscrição em que estiver situada a maior parte dele (art. 2, Prov.
65/2017 CNJ).

Não se cogita, no ponto, de tramitação perante ambos ou de tramitação perante o


registro mais antigo.

5.3.4.2. Qualificação das partes e integração do polo passivo

A qualificação dos interessados é fundamental, não apenas para o processo e para a


futura abertura de matrícula, mas também para regularidade das notificações e aferição da
legitimidade ativa e passiva.

Na ação judicial de usucapião, fala-se em réus certos e réus incertos. No procedimento


extrajudicial, não existem partes porque não há lide. Falamos em interessados, no caso
interessados certos e incertos.

São certos os interessados conhecidos e que devem, por isso, obrigatoriamente ser
qualificados e procurados pessoalmente.

No procedimento extrajudicial, a lei enumerou como certos os titulares de direitos


registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis
confinantes, além das Fazendas.

A terminologia usada pela lei aparenta ser um pouco exagerada, ao incluir os outros
titulares de direitos inscritos. A rigor, o procedimento é de interesse dos titulares de direitos
reais.

Um locatário, por exemplo, que tenha inscrito o direito de preferência ou a cláusula de


vigência, há muitos anos, na matrícula do imóvel usucapiendo, sem posterior cancelamento,
não tem qualquer interesse no feito. O mesmo ocorre com a averbação premonitória
existente na matrícula de um imóvel confrontante.

Apesar disso, a dicção da lei é expressa e clara, devendo ser atendida pelos
interessados.

Se a lei foi exagerada neste ponto foi insuficiente em outro de extrema relevância. Não
há previsão legal de participação no feito dos ocupantes dos imóveis vizinhos.

265
CAPÍTULO 7

Apesar da omissão legal, não há dúvida de que a participação dos possuidores dos
imóveis vizinhos, com animus domini, é imprescindível.

Os confrontantes, fáticos e registrais, devem ser todos chamados ao feito para se


apurar se a descrição a ser levada ao espelho registral do imóvel usucapiendo reflete a
verdade. Se, na descrição dos marcos divisórios, não houver sobreposição, a rigor não há
impugnação a ser oferecida por eles.

O entendimento sobre o assunto é antigo e já sumulado. Note-se a Súmula 391 STF: “O


confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião.”

Por fim, também devem participar do feito as Fazendas Públicas. Sua necessária
participação no processo existe para verificar se o imóvel que se pretende usucapir é público,
caso em que incidiria a vedação prevista no art. 102 do Código Civil, e no art. 183, §3, e art.
191, §único, ambos da Constituição Federal.

Com relação aos interessados incertos, sua existência é justificada pela própria
natureza do direito real, oponível contra todos. São incertos aqueles que, eventualmente,
podem ter interesse no feito, mas que, nem por isso, são conhecidos. Como não se sabe
exatamente quem são, não podem ser qualificados ou notificados pessoalmente devendo,
para tanto, ser publicado edital.

A integração do polo passivo da ação judicial de usucapião sempre foi um


procedimento complexo e motivo de grandes atrasos na tramitação do feito. Espera-se que a
situação seja modificada com o procedimento extrajudicial.

Os interessados certos que figurem no registro imobiliário devem ser procurados no


endereço que consta do registro imobiliário e no local em que o imóvel usucapiendo está
situado.

Se não forem localizados, devem ser realizadas buscas por novos endereços,
notificando-se, por fim, por edital, se não forem localizados.

Mas muita atenção: é nula a notificação dos interessados certos por edital, se não for
tentada previa e adequadamente a intimação pessoal. Essa nulidade atingirá todo o
procedimento administrativo, inclusive a própria abertura de matrícula.

Lembre-se que a notificação dos cônjuges e companheiros dos interessados certos no


procedimento também é necessária.

Na ação judicial de reconhecimento de usucapião, quando só ela existia, era tranquilo


o entendimento de que se tratava de uma ação real imobiliária atraindo a necessidade de
citação.

A desjudicialização não modificou esta situação. É preciso que os cônjuges e


companheiros dos interessados certos também sejam qualificados e também sejam

266
CAPÍTULO 7

intimados pessoalmente, exceto se o regime de bens do casamento ou da união estável for o


da separação absoluta.

Efetivamente, a decisão final do procedimento, ao reconhecer a usucapião interfere na


órbita patrimonial comum da sociedade conjugal.

Pode ocorrer, no entanto, de o titular do imóvel vizinho ter falecido. Neste caso, será
notificado o inventariante, se houver, ou todos os herdeiros.

Em caso de necessidade de intimação, não cabe ao registrador exigir termo de


inventariança judicial ou escritura pública declaratória de únicos herdeiros com nomeação de
inventariante. Apenas se o consentimento com a usucapião for voluntário será indispensável
o ato (art. 12, Prov. 65/2017 CNJ; Apelação Cível 1005092- 83.2020.8.26.0278,
Itaquaquecetuba).

Pode ocorrer, também, de o titular ser uma pessoa jurídica. Neste caso, a intimação
será feita na pessoa de seu representante legal (art. 75, VIII, Código de Processo Civil). Se a
pessoa jurídica houver sido extinta, a notificação será feita na pessoa dos antigos sócios.

Em caso de unidades autônomas de condomínio regularmente registrado, não há


possibilidade de atribuição de uma descrição ao imóvel usucapiendo diversa daquela que
constou originariamente no registro imobiliário. Neste caso, dispensa-se a citação dos
confrontantes, bastando a notificação do síndico, na qualidade de representante do
condomínio.

A mesma coisa acontecerá se o imóvel usucapiendo corresponder exatamente em sua


descrição e limites àquele previsto no registro imobiliário em nome de terceiro. Não havendo
alteração no espelho registral, desnecessária a notificação de quaisquer confrontantes.

Por fim, se o requerente apresentar, com a petição inicial, expressa concordância dos
interessados certos, desnecessária será a intimação. Essa concordância deve ser expressa por
escrito, preferencialmente na planta do imóvel a ser usucapido. A firma deverá ser
reconhecida, pois se trata do único elemento de autenticidade do escrito.

5.3.4.3. Fatos e fundamentos do pedido

O requerimento extrajudicial de usucapião deverá conter os fatos e os fundamentos


jurídicos do pedido, à semelhança de uma petição judicial.

A doutrina processual, no ponto, lembra que o ordenamento jurídico brasileiro adota o


princípio da substanciação. No âmbito da usucapião, isso implica reconhecer a necessidade
de narrar, na petição inicial, a origem da posse, a forma de seu exercício, a modalidade
pretendida de usucapião e assim por diante.

O registrador, contudo, não fica vinculado ao fundamento jurídico apresentado. Caso,


por exemplo, seja solicitado o reconhecimento da usucapião ordinária pode ser reconhecida
a usucapião extraordinária, se estiverem presentes os seus requisitos.

267
CAPÍTULO 7

Ao ônus da substanciação da petição inicial corresponde o ônus da impugnação


especificada, já anteriormente mencionado na retificação bilateral. Mais adiante volta-se a
este assunto.

Os fatos e fundamentos do pedido devem abranger uma justificação do óbice para a


correta escrituração e registro da propriedade ou do direito real a ser usucapido (art. 13, §2,
do Prov. 65/2017 CNJ).

Esse esclarecimento é relevante, pois o procedimento não deve ser usado para a
prática de atos simulados ou fraudulentos, em especial no que se refere ao correto
recolhimento de tributos.

Contudo, este requisito não deve ser visto de forma exageradamente rígida. Lembre-se
que, rigorosamente, não é requisito da usucapião a absoluta impossibilidade de saneamento
do título ou da cadeia filiatória.

5.3.4.4. O pedido

O pedido deve ser certo e determinado. Em caso de usucapião, o que se pretende é a


declaração de domínio ou de outro direito real, pela posse somada ao decurso do tempo.

Para que o pedido seja certo e determinado, deve recair sobre imóvel descrito com
precisão, em homenagem ao princípio da especialidade objetiva.

A lei não prevê expressamente que o pedido deve ser apresentado com a firma
reconhecida. Essa, contudo, é a regra geral dos requerimentos apresentados ao registrador,
nos termos do art. 221, II, da Lei 6.015/1973.

Reputa-se lícita a cumulação de pedidos em um mesmo processo de usucapião, ou


seja, que o requerente formule pedidos de usucapião de mais de um imóvel.

Mas, para que esses pedidos sejam compatíveis entre si, é preciso que os imóveis não
sejam completamente autônomos, com posses distintas. É preciso ao menos que formem a
mesma unidade econômica, como no caso de um imóvel rural que foi seccionado por uma
estrada municipal.

Admite-se, também, a formulação de pedidos subsidiários, caso o pedido principal não


possa ser atendido.

As emendas e alterações do pedido também são possíveis. Contudo, devem preceder


as notificações e anuências. Caso contrário, haveria ofensa ao contraditório e à ampla defesa.

5.3.4.5. Notificação dos interessados e intimação das fazendas

A petição inicial deve conter, ainda, pedido de notificação dos interessados e de


intimação das Fazendas.

268
CAPÍTULO 7

Os interessados certos são aqueles que poderiam anuir ao pedido de forma expressa
mediante assinatura da planta e não o fizeram. Basicamente, os titulares de direitos
registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis
confinantes, bem como os possuidores dos imóveis confrontantes.

É ônus do requerente declinar o nome, a qualificação e o endereço de todos os


interessados certos, viabilizando a sua localização. Ao seu lado, devem figurar cônjuges e
companheiros, exceto se casados no regime da separação voluntária.

Não há fórmula sacramental para o requerimento. A petição deve conter apenas o


imprescindível para a prática do ato, evitando-se aditamentos desnecessários. Afinal, o
próprio pedido de reconhecimento da usucapião abrange, implicitamente, pedido de
notificação dos interessados certos.

No que se refere às Fazendas, a intenção é verificar se o imóvel é público ou não.

A forma com que se leva a existência do procedimento ao conhecimento das Fazendas


também não é relevante. Ela pode ser chamada ao feito por notificação, por ser titular de
imóvel confrontante. Ou pode ser chamada ao feito por intimação simplesmente por ser
Administração Pública. Por fim, pode consentir diretamente na planta ou em documento
autônomo, demonstrando-se que o signatário tem poderes para tanto.

5. 3.4.6. Valor do imóvel e os emolumentos

É imprescindível declinar o valor do imóvel na petição inicial, assim como se atribui


valor à causa nos feitos judiciais.

Apesar de não haver sucumbência no procedimento extrajudicial de reconhecimento


da usucapião, o valor do imóvel será usado para o cálculo dos emolumentos, tanto para o
processamento, quanto para o registro.

Via de regra, o valor a ser usado é o valor venal.

Sem dúvida, há situações em que a determinação do valor do imóvel não é tão simples,
em especial quando o imóvel não tem cadastro administrativo no INCRA ou no Município.

Nestes casos, pode ser feito o cálculo de um valor proporcional conforme o tamanho,
se a área estiver inserida em outra de maior porção com valor venal conhecido.

Para imóveis rurais, no Estado de São Paulo, pode-se tomar como referência os
parâmetros do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Para imóveis urbanos, pode-se tomar
como referência o maior valor entre o valor venal do IPTU, ITBI, ITCMD ou mesmo o valor de
mercado, estimado de forma objetiva pelo requerente.

Não sendo possível recorrer a esses parâmetros, o registrador pode exigir o prévio
cadastramento.

269
CAPÍTULO 7

Os emolumentos notariais e registrais serão então calculados com base no valor do


imóvel.

Na ausência de legislação estadual específica, no tabelionato de notas, a ata notarial


será considerada ato de conteúdo econômico.

No registro imobiliário, pelo processamento da usucapião, serão devidos emolumentos


equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro e, caso o
pedido seja deferido, também serão devidos emolumentos pela aquisição da propriedade
equivalentes a 50% do valor previsto na tabela de emolumentos para o registro (art. 26, Prov.
65/2017 CNJ).

Tudo isso sem prejuízo do valor do registro em sentido estrito da usucapião em si.

Resumindo, os pagamentos são de 3 tipos: um pela ata notarial, um pelo


processamento (dividido em duas parcelas de 50%) e um pelo registro da usucapião.

Questão controvertida refere-se à gratuidade. É evidente que a União não pode


conceder gratuidade para emolumentos notariais e registrais, pois eles têm natureza de taxa
estadual. Existe nesta forma de proceder ofensa grave ao pacto federativo.

Contudo, como os serviços notariais e registrais têm caráter notoriamente acessório


aos serviços forenses, a invasão legislativa da União tem sido cada dia mais tolerada na esfera
extrajudicial, em especial quando veiculada em legislação processual ou quando editada para
dar cumprimento a seus preceitos.

5.3.5. As provas e os documentos

Como o sistema registral trabalha com uma cadeia de autenticidade, o que é requisito
necessário da certeza e da segurança que permeiam os registros públicos, todos os
documentos devem ser apresentados em seu original ou, quando não possível, em cópia
autenticada. Além disso, todas as firmas devem ser reconhecidas.

O requerimento será instruído com tantas cópias quantas sejam necessárias para as
notificações, em número idêntico aos titulares de direito inscritos nas matrículas.

5.3.5.1. Ata notarial

Uma inovação relevante do procedimento extrajudicial de usucapião foi a previsão de


que a posse e seus predicativos devem ser demonstrados por ata notarial.

Ata notarial é um documento público, lavrado por tabelião, em que se consigna a


existência e o modo de existir de algum fato (art. 384, Código de Processo Civil).

A crítica habitualmente feita a respeito da previsão da ata no procedimento


extrajudicial é a de que o tempo de posse não é fato objetivo a ser depreendido pelos
sentidos do notário.

270
CAPÍTULO 7

Essa crítica não parece exata. Especificamente no caso da usucapião, a lei parece ter
outorgado ao tabelião uma prerrogativa um pouco mais ampla do que a simples atestação de
fatos perceptíveis pelos sentidos.

O notário, como agente imparcial que participa e fiscaliza o procedimento extrajudicial


deve fazer um certo juízo de valor sobre a situação examinada. Afinal, a existência da posse
com animus domini e seu tempo de duração estão abrangidos pelo modo de existir do fato,
conforme mencionado no art. 384, Código de Processo Civil.

Este juízo de valor, contudo, não é amplo e discricionário, como o do magistrado. Ele é
restrito e objetivo. Na dúvida, a atestação deve ser recusada.

Na verdade, o que ocorre é que o tabelião certifica os fatos, dos quais se depreende a
duração do tempo e a intenção do possuidor. É o conjunto de elementos coligidos pela ata
que demonstrará os predicativos da posse e, portanto, a adequação da valoração feita pelo
tabelião.

Neste ponto, a ata notarial se aproxima de uma ata de notoriedade. Ela atesta os fatos
que são tidos como certos pelas pessoas que se relacionam com aquela posse, de acordo
com os documentos apresentados. Consequentemente, a ata não se limita a atestar um fato
notório, mas a própria notoriedade do fato.

Por este motivo, a ata deve ser lavrada de forma minudente, analisando documentos e
apresentando os fatos narrados pelos vizinhos e demais presentes no momento da sua
lavratura.

A propósito, a lei não exige, mas tudo recomenda que o tabelião compareça ao local do
imóvel antes da lavratura da ata, que ele faça uma vistoria, que percorra o perímetro e
compare tudo o que vê com a planta apresentada. A posse é uma situação fática, que
tipicamente não se extrai exclusivamente de documentos. E as testemunhas não serão
ouvidas sob o crivo do contraditório.

A ata notarial para fins de usucapião, portanto, é além de uma ata de notoriedade,
uma típica ata de presença. E, como tal, deve ser lavrada pelo tabelião que tem atribuição
territorial sobre o local em que está situado o imóvel.

Importante lembrar que o procedimento pode ser instruído com mais de uma ata
notarial e até por escrituras declaratórias lavradas por diferentes tabeliães, ainda que de
diversos municípios (art. 4, §7, Prov. 65/2017 CNJ). Quando mais robusto estiver o conjunto
probatório, mais tranquilo será o processamento.

Discute-se na doutrina sobre a possibilidade de dispensa da ata notarial em caso de


apresentação de documentos que lhe substituam, como por exemplo, depoimentos de
testemunhas emprestados de um processo judicial de usucapião extinto sem análise do
mérito.

271
CAPÍTULO 7

Essa dispensa não parece possível por dois motivos. Primeiro porque a ata é
apresentada como necessária pelo texto da lei, que menciona que o requerimento será
instruído com ela. Além disso, o tabelião é parte necessária do procedimento, responsável
inclusive por sua fiscalização.

Portanto, ainda que se esteja a aproveitar um farto e robusto conjunto probatório, a


ata notarial ainda assim será necessária.

5.3.5.2. Planta e memorial descritivo

Ao lado da ata notarial, o documento mais relevante para a instrução do procedimento


de usucapião é a planta com o respectivo memorial descritivo.

Para que se tenha razoável segurança com relação a eles é imprescindível que a planta
e o memorial descritivo sejam elaborados por profissional habilitado (engenheiro ou
arquiteto), com a respectiva anotação de responsabilidade técnica (ART) ou registro de
responsabilidade técnica (RRT).

A planta é imprescindível para a verificação da localização do imóvel e dos


confrontantes. Deve conter exatamente a situação do imóvel que se pretende usucapir,
sobreposta à situação fática e registral dos imóveis confrontantes. Deve conter, desde logo, a
concordância destes confrontantes, se o caso, com firma reconhecida.

Já o memorial descritivo é a exata tradução da planta em palavras, é a descrição do


imóvel e, com base nela será formulado o espelho registral. A descrição do imóvel não deve
ser realizada de maneira informal pelo registrador, ainda que o imóvel seja de pequena
extensão.

Notar que imóvel, para efeitos registrais, não é a construção que nele se situa. É
verdade que o direito registral importa a compreensão de imóvel do direito civil, mas a
definição para fins registrais não coincide exatamente com as lições apresentadas pelo direito
comum.

Imóvel, para efeitos registrais, é uma área poligonal perfeitamente delineada e


referenciada na superfície terrestre ou em planos horizontais. Tudo aquilo que se incorpora
ao imóvel, natural ou artificialmente (art. 1.248, V, Código Civil) deve ser registralmente
compreendido como acessão.

O imóvel registral, portanto, é o solo e a unidade autônoma de condomínio edilício. O


prédio que se incorpora artificialmente ao terreno é uma acessão, que deve ser objeto de
averbação após a abertura da matrícula.

Logo, não faz nenhum sentido apresentar no processo a planta baixa do imóvel, ou
seja, o desenho de uma construção feito, em geral, a partir de um corte horizontal. Essa
planta não esclarece onde está o imóvel e quais são os confrontantes.

272
CAPÍTULO 7

O registrador, contudo, não fica estritamente vinculado ao memorial descritivo na


abertura da matrícula, tal como está escrito. Ele extrai objetivamente os elementos
descritivos do memorial, como medidas perimetrais, ângulos, pontos, área podendo ordená-
los em um texto narrativo mais claro e compreensivo do que aquele apresentado pelo
engenheiro.

A anuência dos confrontantes, bem como dos titulares de direitos registrados ou


averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes deve
ser dada preferencialmente na própria planta, com firma reconhecida, assim como ocorre no
procedimento da retificação bilateral.

É bem verdade que esta anuência não tem forma certa. Se não estiver na planta pode
ser apresentada em qualquer documento em apartado e até na própria ata notarial.
Importante é que a anuência seja inequívoca.

Considera-se outorgado o consentimento, quando for apresentado pelo requerente


documento que demonstre a existência de relação jurídica com o titular registral, sendo
apenas necessário verificar se este documento está acompanhado de prova de quitação das
obrigações e certidão dos distribuidores demonstrando a inexistência de lide sobre o assunto
(art. 13, Prov. 65/2017 CNJ).

São exemplos de títulos o compromisso ou promessa de compra e venda, a escritura


definitiva, a cessão ou promessa de cessão de direitos, a promessa de compra, a reserva de
lote, a procuração em causa própria etc.

5.3.5.3. Certidões negativas

O requerimento deve ser instruído com certidões negativas dos distribuidores cíveis da
Justiça Estadual e Federal.

As certidões negativas têm o objetivo de provar que a posse é mansa, pacífica e


duradoura, bem como que não há hipótese de suspensão ou interrupção da prescrição
aquisitiva ou litígio envolvendo a posse ou o domínio. Provam, ainda, que a Administração
não reivindica a área por ser pública.

Portanto, não há qualquer problema se, na análise das certidões, surgirem anotações
de feitos em que o requerente é parte. Para cada um dos apontamentos deve ser
apresentada certidão de objeto e pé, demonstrando que ela não tem relação qualquer com
disputa envolvendo o imóvel.

Assim, se o requerente é réu em ações de família, alimentos, indenizatórias em geral,


execuções civis e fiscais, falência etc., nada disso influencia o pedido de usucapião.

Não há qualquer incompatibilidade entre a exigência de certidões dos distribuidores


(art. 216-A, III, Lei 6.015/1973) e o princípio da concentração de atos na matrícula (arts. 54 a
56, Lei 13.097/2015).

273
CAPÍTULO 7

A ausência de indicação, na matrícula, de averbações premonitórias, penhoras,


arrestos, sequestros e outros gravames processuais não é indício suficiente de que a posse
não seria objeto de disputa.

O ônus de providenciar a respectiva inscrição é do beneficiário, sob pena de


eventualmente não recuperar o imóvel que esteja em poder de terceiro de boa-fé. Aliás, a
concentração de atos visa, exatamente, proteger este terceiro de boa-fé.

Por outro lado, a existência desses gravames, por si só, não é impeditiva para a
aquisição da propriedade e de outros direitos reais por usucapião.

Na maior parte das vezes, eles não revelam qualquer expressão de sequela, mas
tentativa de vinculação do bem à eventual satisfação de direito obrigacional.

5.3.5.4. Justo título e outros documentos

O justo título é um documento imprescindível para a demonstração dos requisitos da


usucapião ordinária. Mas não se presta exclusivamente para esta finalidade.

A interpretação que prevalece a respeito do justo título em sede de usucapião é


bastante restritiva, no sentido de ser um título que, em tese, seria apto a transmitir a
propriedade. Muitos chegam a não admitir o título nulo como um justo título para efeito de
usucapião.

A interpretação da expressão justo título no art. 216-A, IV, da Lei 6.015/1973 não
precisa ser restritiva, se não for o caso de usucapião ordinária.

Justo título pode ser apenas um documento que demonstre a origem, a qualidade e a
duração da posse. Pode até ser que prove a extensão da posse, o que delimita os contornos
de aquisição de um direito real diferente da propriedade.

O próprio Prov. 56/2017 CNJ, no art. 13, §1 contém exemplos do que se pode
considerar justo título, quando fala dos documentos que podem afastar a necessidade de
notificação:

Art. 13. (...) §1. São exemplos de títulos ou instrumentos a que se refere o
caput: I – compromisso ou recibo de compra e venda; II – cessão de direitos e
promessa de cessão; III – pré-contrato; IV – proposta de compra; V – reserva de
lote ou outro instrumento no qual conste a manifestação de vontade das
partes, contendo a indicação da fração ideal, do lote ou unidade, o preço, o
modo de pagamento e a promessa de contratar; VI – procuração pública com
poderes de alienação para si ou para outrem, especificando o imóvel; VII –
escritura de cessão de direitos hereditários, especificando o imóvel; VIII –
documentos judiciais de partilha, arrematação ou adjudicação.

274
CAPÍTULO 7

Além do justo título, o requerimento pode ser instruído com outros documentos.

Entre esses outros documentos, os mais relevantes para efeito de usucapião são as
contas de consumo relativas ao imóvel e a prova de quitação das obrigações tributárias.

As contas de consumo de água, esgoto, luz, gás etc. demonstram geralmente que o
imóvel foi habitado. Não basta, portanto, que existam faturas, elas devem revelar a existência
de consumo, portanto a relação existente entre o possuidor e o imóvel.

A quitação de obrigações tributárias caminha no mesmo sentido. Quem paga imposto


territorial e taxas incidentes sobre o imóvel revela a intenção de agir em relação à coisa como
se fosse dono, mantendo aparência de regularidade.

Isso não significa que o tabelião pode dispensar o comparecimento ao imóvel no


momento da lavratura da ata notarial, simplesmente por ter analisado, em gabinete, esses
documentos.

A posse não deixa de ser uma relação fática de submissão da coisa a um senhorio, de
maneira que a observação objetiva do que se passa no local é imprescindível, em especial
quando, no local, são ouvidas pessoas de forma espontânea.

Os documentos, geralmente, reforçam ou enfraquecem uma convicção que se forma


no local.

5.3.5.5. Certidões das matrículas

A situação tabular do imóvel usucapiendo e de seus confrontantes deve ser


demonstrada por meio de certidão, quando os imóveis não estiverem matriculados na
serventia.

É importante que essas certidões sejam o mais atualizadas possível, nunca com prazo
superior a 30 dias, de maneira a demonstrar a atual situação registral.

Não há necessidade de extração e exibição de certidões da própria serventia em que


tramita o feito, pelo simples fato de que o registrador tem o dever de consultar,
gratuitamente, o seu acervo, certificando nos autos aquilo que for necessário.

Portanto, as certidões são imprescindíveis quando houver desmembramento


territorial, de forma que parte do acervo registral ainda se encontra em serventia distinta.

O fato de o imóvel usucapiendo ou de qualquer de seus confrontantes não ter


matrícula também não inviabiliza a usucapião. No caso, o que será preciso é a certidão
negativa a este respeito, extraída do indicador real e do indicador pessoal, tanto na serventia
em que tramita o expediente, quando em suas predecessoras.

Lembre-se que a inexistência de registro não é indicativa de que o imóvel seja público
ou de que se trataria de terra devoluta.

275
CAPÍTULO 7

O conceito de imóvel público é obtido por exclusão, compreendendo todos aqueles


que não se incorporaram de forma adequada ao patrimônio particular.

5.3.5.6. Instrumento de mandato

É fundamental que o pedido seja veiculado por advogado. Portanto, o instrumento de


mandato deve, necessariamente, acompanhar a petição inicial. Recentemente, foi suprimida
a exigência de que a firma do signatário esteja devidamente reconhecida (art. 4, VI,
Provimento CNJ 65/2017, com a redação dada pelo Provimento CNJ 121/2021).

5.3.6. O processamento

O procedimento da usucapião extrajudicial pode ser dividido em 4 fases para efeitos


didáticos: postulatória, instrutória, notificatória e decisória.

Há quem entenda ser mais adequado partir para as notificações apenas quando o feito
estiver regularmente instruído, o que viabiliza em melhores condições o contraditório a
ampla defesa.

Há quem entenda que as notificações devem ser feitas desde logo, tendo em vista que
a integração do polo passivo pode ser lenta e trabalhosa. Contanto que não exista
modificação do pedido, da planta e do memorial, rigorosamente não haverá problema neste
sentido.

5.3.6.1. Prenotação

O pedido apresentado ao registrador de imóveis será autuado, prorrogando-se o prazo


da prenotação até o acolhimento ou rejeição do pedido (art. 216-A, §1, Lei 6.015/1973).

Questão relevante refere-se ao efeito desta prenotação, se obstativo ou não de outros


protocolos posteriores, com relação ao mesmo imóvel. Em outras palavras, se o pedido de
usucapião é contraditório e excludente de outros registros.

Há na doutrina quem sustente que, uma vez prenotado o pedido de usucapião, não
seria admitida a prática de outros registros ou averbações na matrícula, até o seu desfecho
final (MELLO, Henrique Ferras Corrêa de, Usucapião Extrajudicial, 2ed. São Paulo, YK Editora,
2018, p. 331).

Não parece ser esta uma solução isenta de críticas. Se o imóvel já está matriculado e a
usucapião não ensejar modificação na descrição tabular, é bem possível fazer na matrícula
uma averbação que indique a existência do procedimento, autorizando o regular acesso ao
fólio dos títulos lavrados com atenção à continuidade registral.

Se o pedido for acolhido posteriormente, o deferimento colhe a situação no estado em


que estiver, prejudicando o direito do adquirente que registrou seu título na pendência
daquela averbação.

276
CAPÍTULO 7

Pode ocorrer, contudo, de o imóvel não ter vida registral regular. Pode acontecer,
também, de não ter matrícula naquela serventia. Nestes casos, não há como se falar na
averbação da tramitação do feito ou mesmo no registro de títulos contraditórios,
simplesmente porque não haverá base matricial para tanto.

5.3.6.2. Despacho liminar

Autuado o pedido, ele será submetido à qualificação do oficial registrador, que poderá
dar um despacho liminar positivo, negativo ou ordinatório.

Se a documentação estiver perfeita, o oficial determinará o prosseguimento do feito,


com a notificação dos interessados certos.

Se o pedido for inviável, seja porque o bem não pode ser usucapido, seja porque da
narrativa dos fatos não decorre logicamente o pedido será elaborada nota devolutiva
definitiva, explicando os motivos pelos quais a tramitação não pode ser admitida.

Se forem necessárias correções e adequações, bem como a juntada de novos


documentos ou a realização de diligências, o oficial registrador deverá elaborar uma decisão
ordinatória exigindo o que for necessário.

Importante que a qualificação seja feita, desde logo, de forma completa e exauriente.

5.3.6.3. Notificações e intimações

Quando o feito estiver em ordem e devidamente instruído será determinada a


notificação dos interessados certos, que ainda não tiverem expressado anuência, bem como
a intimação das Fazendas Públicas.

As notificações devem ser feitas pessoalmente. De preferência pelo oficial de títulos e


documentos do local de residência do notificando. Mas também não existe fórmula
sacramental para esta notificação, que pode ser feita até por carta com aviso de recebimento,
desde que a ciência do notificando seja inequívoca.

O notificando pode, por exemplo, comparecer à serventia e assinar a planta na


presença de preposto do oficial. Pode, também, exarar o seu ciente em documento público
ou particular. Desnecessário, em quaisquer desses casos, a assistência por advogado (art. 10,
§7, Prov. 65/2017 CNJ).

Tratando-se de pessoa jurídica, a intimação deverá ser feita na pessoa de seu


representante legal, cabendo ao requerente, neste caso, apresentar certidão da Junta
Comercial ou do RCPJ indicando como ela ocorre.

Havendo suspeita de ocultação, a notificação deveria ser feita por hora certa.
Tratando-se de processo administrativo, não se verifica qualquer problema na aplicação
analógica ao caso do Código de Processo Civil, em especial depois da inserção do §3, no art.

277
CAPÍTULO 7

251-A, pela Lei 14.382/2022. Entre as modalidades fictas de cientificação, esta é muito melhor
do que a realizada por edital.

Mas a verdade é que doutrina e jurisprudência caminham no sentido de que essa


providência dependeria de previsão legal ou normativa expressa e específica, o que não
existe.

Assim, infrutífero o ato deve-se promover a notificação por edital.

Importante, de qualquer maneira, que para a publicação do edital sejam exauridas as


tentativas de notificação nos endereços conhecidos, sob pena de nulidade. E isso implica
realizar buscas de endereços, ao menos perante os órgãos públicos.

O edital será publicado em jornal local, às expensas do requerente uma única vez
assinalando-se o prazo de 15 dias para manifestação.

Além dos interessados certos não localizados ou que estejam em local incerto,
ignorado ou inacessível, também devem ser notificados por edital os interessados incertos.
Essa notificação pode ser feita em conjunto, no mesmo ato.

5.3.6.4. Impugnações

A lei estabelece o prazo de 15 dias para manifestação dos interessados certos, incertos
e para a Fazenda Pública. No processo administrativo, o prazo começa a correr da própria
notificação e não da juntada aos autos da respectiva certidão ou comprovação.

Esses prazos para manifestação devem ser considerados categóricos e, em princípio,


não devem ser dilatados. Contudo, não são preclusivos em sentido estrito, pois a matéria que
se verifica, no caso, é de ordem pública e diz respeito à própria higidez do sistema registral.

Assim, as manifestações apresentadas, a qualquer tempo, devem ser juntadas aos


autos e devem ser apreciadas, ouvido previamente sobre o assunto o requerente.

Apresentada uma impugnação, a lei dá a entender que o feito seria automaticamente


extinto, com entrega dos autos ao requerente para emenda da inicial e ajuizamento do
procedimento judicial. Não é bem esse o cenário ideal.

Já citamos o fato de que o requerente tem o ônus da substanciação da petição inicial


devendo narrar os fatos e os fundamentos do pedido. Ao ônus da substanciação do
interessado ativo, corresponde o ônus da impugnação especificada do interessado passivo.

É ônus do interessado passivo manifestar-se sobre cada fato mencionado na petição


inicial, sob pena de restarem não controvertidos e, portanto, presumirem-se verdadeiros. A
aplicação analógica do Código de Processo Civil ao caso é imediata:

Art. 341. Incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as


alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as

278
CAPÍTULO 7

não impugnadas, salvo se: I - não for admissível, a seu respeito, a confissão; II -
a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar
da substância do ato; III - estiverem em contradição com a defesa, considerada
em seu conjunto. Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos
fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador
especial.

Por este mesmo motivo, a ausência de manifestação dos interessados certos não
poderia ser considerada discordância e indicativo de lide, como de fato foi colocado na
redação inicialmente aprovada com o Código de Processo Civil. O silêncio, no caso, é neutro.

Lembre-se que a ausência de impugnação não implica, necessariamente, juízo de


admissão da usucapião no processo judicial, assim como a concordância expressa dos
interessados certos.

O mesmo vale para o registrador que, diante dessas situações, segue vinculado ao
princípio da estrita legalidade.

Assim, em boa hora foi alterada a redação do art. 216-A, §2, da Lei 6.015/1973, pela Lei
13.465/2017 para que o silêncio seja interpretado como concordância.

Enfim, assim como ocorre com o silêncio, em caso de impugnação, a tramitação


extrajudicial do feito não deve automaticamente ser inviabilizada. É preciso saber se a
manifestação apresentada é fundada.

A impugnação que obsta a tramitação extrajudicial deve ser razoável, indicando


precisamente as alegações de fato constantes na inicial que prejudicam o direito do
impugnante.

Interessado certo que pretende opor-se ao feito de forma fundada é aquele que se
desincumbe do ônus da impugnação especificada, esclarecendo de que maneira o
procedimento lhe prejudica, em qual local.

Apresentada impugnação fundada, sendo inviável a conciliação o feito também não


deve ser extinto. Aconselha-se, no caso, a remessa do feito a juízo para que o juiz corregedor
decida exclusivamente a questão controvertida, sumariamente ou mediante instrução
sumária.

Somente então, se o juiz assim determinar o feito será extinto, podendo o interessado
emendar a petição para fazer a respectiva adequação ao procedimento comum.

Em suma, a impugnação infundada, desarrazoada, desprovida de argumentos deve ser


considera inexistente. Sua remessa a juízo deve ser evitada, pois é medida desnecessária e
inútil já insuficiente para indicar a existência de litígio. Se a impugnação for fundada, o juiz
deve resolvê-la devolvendo o feito ao registrador, para apreciação do mérito.

279
CAPÍTULO 7

5.3.6.5. Juízo decisório

Depois de cumpridas todas as notificações, não havendo interesse das Fazendas,


publicado edital para notificação dos interessados incertos, estando o feito em ordem, o
pedido de reconhecimento da usucapião deve ser acolhido.

No procedimento, será produzida uma decisão fundamentada relatando todo os


acontecimentos relevantes, enfrentando as situações jurídicas apresentadas, bem como
certificando a aquisição do direito de propriedade ou outro direito real imobiliário.

Toda decisão proferida no feito, em especial a decisão final, deve ser fundamentada
nos termos do que determina o art. 93, IX, da Constituição Federal. Parâmetro para tanto
deve ser o art. 489, §1, do Código de Processo Civil:

Art. 489. (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,


seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à
reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a
causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados,
sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos
que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos
os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

Como anteriormente mencionado, o registrador não fica vinculado à modalidade de


usucapião deduzida na inicial. A adstrição, aqui, ocorre com relação ao pedido de
reconhecimento de aquisição da propriedade. A modalidade de usucapião pertence aos
fundamentos do pedido.

Assim, se for solicitado o reconhecimento da usucapião ordinária nada impede que, se


estiverem presentes os seus requisitos, seja reconhecida a usucapião extraordinária.

5.3.6.6. Recorribilidade

A lei determina que todas as decisões proferidas no procedimento administrativo de


usucapião são recorríveis mediante utilização do procedimento de dúvida, sejam elas de
acolhimento ou rejeição final do pedido, mas também todas as demais decisões
interlocutórias.

De fato, a dúvida existe para dirimir as divergências eventualmente existentes entre o


oficial registrador e o interessado (art. 198, Lei 6.015/1973).

Por uma questão de economia e praticidade, convém que os autos em que se processa
o pedido sejam desde logo encaminhados a juízo, dispensando-se a formação de expedientes
ou autos apartados.

280
CAPÍTULO 7

A recorribilidade das decisões mediante o procedimento de dúvida não afasta a


possibilidade de formulação de pedidos de reconsideração e de embargos de declaração.

6. INCORPORAÇÃO E CONDOMÍNIO
6.1. Incorporação imobiliária
6.1.1. Natureza Jurídica

Incorporação é um termo que comporta diversos significados no direito. No direito


societário, designa a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra,
que lhes sucede em direitos e obrigações (art. 1.116, CC; e art. 227, Lei 6.404/1976).

No direito civil, a incorporação aparece ainda designando agregação de acessão ao


solo, como forma de aquisição da propriedade (art. 1.248, V, CC). O objeto do estudo,
contudo, é a incorporação imobiliária.

No âmbito do direito registral imobiliário, a incorporação designa uma atividade


empresária, correspondente à articulação de construtores e compradores, para produzir e
vender, antes ou durante a construção, unidades imobiliárias em regime condominial (art. 29,
Lei 4.591/1964, exc. p. art. 68, inserido pela Lei 14.382/2022).

Não há incorporação imobiliária, portanto, quando o dono do terreno contrata a


construção do imóvel, sem a intenção de vender ou prometer vender unidades antes ou
durante a construção.

Neste caso, o proprietário poderá, ele próprio, custear a edificação instituindo e


especificando condomínio diretamente, para posterior alienação das unidades autônomas. •
A incorporação é uma fase anterior e temporária, que se encerra com a averbação da
construção e a instituição e especificação de condomínio.

6.1.1.1. Obrigatoriedade do registro da incorporação

A necessidade de regulamentar a incorporação imobiliária decorre do risco que


representa para os adquirentes. A compra tem como objeto uma unidade futura, que existe
apenas na planta; e o pagamento importa, muitas vezes, as economias de uma vida,
angariadas com muito esforço para aquisição da moradia própria.

Por isso, a Lei 4.591/1964 condiciona a alienação e oneração das unidades futuras à
prévia apresentação, ao registro de imóveis, de uma série de documentos (art. 32), em seu
conjunto chamados de “memorial de incorporação”.

Estes documentos são necessários para a realização de um registro especial: o registro


da incorporação.

281
CAPÍTULO 7

Note-se que memorial de incorporação (art. 32, caput) não se confunde com memorial
descritivo (art. 32, ‘g’), o que, a rigor não é forma muito técnica de designar os requisitos do
registro.

Os documentos exigidos conferem transparência para a operação e evidenciam a


regularidade formal e jurídica do empreendimento, possibilitando que o adquirente tenha
certeza e segurança na aquisição de uma unidade ainda na planta ou em fase incipiente de
construção.

O registro da incorporação viabiliza, assim, a venda das futuras unidades, que


fisicamente ainda não existem, financiando a própria construção.

Logo, somente se exige o registro especial de incorporação, quando as vendas ou


promessas de vendas forem realizadas antes ou durante a construção.

Sem o registro da incorporação imobiliária, é vedado o acesso ao fólio real de títulos de


venda ou promessa de venda de frações ideais do terreno, atreladas a futuras unidades
autônomas.

A obrigatoriedade do registro especial decorre do art. 167, I, 17, c/c art. 169, ambos da
Lei 6.015/1973; e da própria Lei 4.591/1964, quando condiciona a alienação ou oneração ao
registro especial (art. 32, caput).

Mas o ato de instituição e especificação de condomínio continua mandatório, pois


determina a extinção da incorporação e cede lugar ao condomínio edilício em si.

Contudo, o registro da incorporação é mandatório apenas se o incorporador desejar


realizar a venda ou oneração de unidades na planta.

Se o terreno for próprio e o interessado dispuser de recursos financeiros próprios para


prosseguir na obra sem a venda antecipada das unidades, o registro da incorporação será
absolutamente desnecessário.

6.1.1.2. O incorporador

Não é necessário que o incorporador seja o dono do terreno ou o construtor da obra. É


preciso que ele tenha a posse do imóvel, com promessa de aquisição da propriedade de
forma irretratável e irrevogável, além de consentimento para demolição, construção e
alienação de frações ideais atreladas a futuras unidades autônomas.

O incorporador, portanto, é um intermediário entre, de um lado, proprietário do


terreno e construtor; e, de outro, os adquirentes das futuras unidades, assumindo o risco
financeiro do empreendimento, pois se compromete a viabilizar a construção, mesmo que de
imediato só consiga vender uma ou algumas unidades.

282
CAPÍTULO 7

O incorporador pode ser pessoa física ou jurídica. Será o responsável pela


coordenação de esforços necessária para financiar e viabilizar a construção, entregando as
unidades concluídas no prazo, preço e condições estabelecidos.

Podem atuar como incorporador: o proprietário, promitente comprador, cessionário


ou promitente cessionário do imóvel; o construtor; o corretor de imóveis; e o ente da
Federação imitido na posse do imóvel (art. 31).

Em suma, será aquele com poderes para realizar a atividade de venda das frações
ideais vinculadas a futuras unidades autônomas a serem construídas.

6.1.2. Espécies de incorporação


A estrutura do contrato utilizado para alienação das unidades autônomas pode ser de
diferentes tipos, o que dá origem a diferentes espécies de incorporação.

A incorporação a preço fechado (regime de empreitada) é aquela em que o


incorporador estabelece o preço da unidade, obrigando-se a entregá-la ao adquirente por
este valor (art. 55).

Neste caso, os riscos financeiros da obra são todos do incorporador, sejam os


decorrentes de fatores não previstos, sejam os decorrentes da flutuação de preços no
mercado e dos erros cometidos na construção. Esse preço fechado pode ser fixo (invariável)
ou reajustável, já que os pagamentos, geralmente, prolongam-se no tempo.

A incorporação pode ainda ser por administração (art. 58). Neste caso, o preço da
unidade é apenas estimado inicialmente. Os adquirentes assumem a responsabilidade pelo
pagamento do custo integral da obra. Nesta modalidade de contratação, os riscos financeiros
da obra são todos dos adquirentes.

6.1.3. Qualificação e procedimento de registro


6.1.3.1. Impedimentos à incorporação

Via de regra, o imóvel que vai ser objeto da incorporação deve estar livre de ônus e
encargos, não podendo haver quaisquer impedimentos a atos de disposição.

Afinal, a intenção da incorporação é produzir no imóvel unidades autônomas, em


regime condominial, para alienação.

Desta forma, são motivos que impedem o registro da incorporação:

• A cláusula de inalienabilidade, imposta por doação ou testamento (art. 1.838 e 1.911,


CC);

• O bem de família voluntário (art. 1.711, CC);

283
CAPÍTULO 7

• A indisponibilidade judicial;

• A penhora feita em execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e


fundações (art. 53, Lei 8.212/1991);

• A averbação da existência da ação judicial que contesta a própria aquisição do imóvel;

• A hipoteca cedular (Dec.-Lei 413/1969, Lei 6.313/1975, Lei 6.840/1980);

• A alienação fiduciária em garantia, tendo em vista o seu regime jurídico peculiar e


diverso da hipoteca).

Contudo, nem todos os ônus reais implicam impossibilidade de registro da


incorporação. A começar pela própria hipoteca, já que é nula a cláusula que proíbe o
proprietário de alienar o bem (art. 1.475, CC).

Se o imóvel for objeto de usufruto, a incorporação demanda anuência do nu


proprietário e do usufrutuário, tendo em vista a possibilidade de compra e venda bipartida.

6.1.3.2. O registro especial de incorporação

O registro de incorporação imobiliária é chamado de especial, não apenas porque


localizado em lei especial, mas também porque distinto dos demais procedimentos de
registro.

O procedimento tem início mediante requerimento a ser formulado no Registro de


Imóveis da circunscrição territorial em que o imóvel está registrado.

Recebido o pedido, instruído com a documentação (memorial de incorporação), o


oficial lançará o título no Livro 1, Protocolo, autuando o procedimento para a realização da
qualificação registral.

O prazo para exame da documentação é de 10 dias úteis a contar do protocolo (art. 32,
§6, Lei 4.591/1964, com a redação da Lei 14.382/2022). Cumpridas as exigências, o oficial terá
o prazo de mais 10 dias úteis para efetuar o registro.

6.1.4. Memorial de incorporação


Os documentos que devem instruir o requerimento estão enumerados no art. 32, da
Lei 4.591/1964.

6.1.4.1. Requerimento

O requerimento atende ao princípio da rogação e deve ser formulado por pessoa


legitimada, com firma reconhecida (art. 221, II, Lei 6.015/1973).

Além do proprietário registral, podem formular o requerimento de registro da


incorporação o compromissário comprador ou seu cessionário, desde que o direito a
aquisição esteja registrado.

284
CAPÍTULO 7

6.1.4.2. Título de propriedade ou direito aquisitivo

Geralmente, em matéria notarial e registral, quando se fala em título a referência é ao


título causal, aquele que deu ou dá origem ao direito do requerente.

Assim, quando o imóvel não está registrado em nome do requerente será necessário o
prévio registro de aquisição da propriedade ou da promessa irretratável de compra venda ou
de permuta.

Quando o imóvel já está em nome do requerente, contudo, a apresentação do título


causal é absolutamente desnecessária, tendo em vista que o registro, em si, tem caráter
constitutivo do direito do adquirente e a matrícula é dotada de fé pública.

Assim, título mencionado no art. 32, ‘a’ é aquele que demonstra o poder de demolir,
construir e alienar as frações ideais, podendo muitas vezes ser a simples matrícula.

Não parece ser essa, contudo, a interpretação de parte relevante da doutrina, para
quem não basta a apresentação da certidão da matrícula do imóvel, com o direito
devidamente registrado (KÜMPEL, Vitor, Tratado Notarial e Registral, v. 5, t. 2, p. 2441).

Para esta doutrina, o registro é lançado na matrícula por extrato, podendo haver, no
título, outras informações relevantes sobre a aquisição, a exemplo do direito para demolir e
construir.

Também estão legitimados a requerer o registro da incorporação certos titulares de


direitos mitigados, como o promissário comprador, seu cessionário, ou o promitente
permutante.

Pressuposto para o registro, neste caso, é não só a irretratabilidade do compromisso,


mas também a imissão na posse, bem como a autorização expressa, para a demolição da
construção eventualmente existente no local, bem como o desenvolvimento do
empreendimento planejado.

6.1.4.3. Certidões negativas

O incorporador deve apresentar, ainda, certidões negativas de tributos federais,


estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais
relativas ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador.

Nota-se, em primeiro lugar, que as certidões devem se referir ao imóvel, aos alienantes
do terreno e ao incorporador.

Com relação ao imóvel é preciso verificar inicialmente quais tributos podem incidir
sobre ele. Não há tributo federal sobre imóveis urbanos, salvo em caso de aforamento.

285
CAPÍTULO 7

Porém, tratando-se de imóvel que anteriormente estava na zona rural pode-se cogitar
da incidência de ITR, sendo necessário comprovar a respectiva quitação, se o imóvel teve esta
natureza nos últimos 5 anos.

Também não há tributos estaduais que tenham como fundamento a propriedade


imobiliária, sendo a incidência do ITCMD indireta, em caso de sucessão ou doação.

O tributo mais relevante que incide sobre imóveis é o IPTU, sendo a certidão mais
importante a municipal. Ainda com relação ao imóvel, a lei enumera a certidão de ônus reais,
o que mais uma vez é amplamente suprido pela certidão da matrícula imobiliária. A existência
de constrições judiciais sobre o imóvel em geral implica qualificação negativa.

Com relação às pessoas é preciso distinguir o alienante do incorporador. As certidões


aqui não dizem respeito a toda a cadeia dominial. Quando o incorporador é o proprietário é
somente dele que são exigidas certidões, ao contrário do que ocorre com o registro especial
loteamento. Haverá necessidade de certidões do alienante, quando o incorporador for titular
de direito mais restrito, como o de promessa de compra e venda ou de permuta.

As certidões, neste caso, serão as de protesto e as dos distribuidores cíveis e criminais.


Sempre que constar alguma referência nas certidões será preciso apresentar certidão
complementar, esclarecendo o desfecho ou a situação atual do processo.

A lei faculta, na verdade, a substituição da certidão dos distribuidores por “impressão


do andamento do processo digital” (art. 32, §14). Sobre este ponto, existe doutrina que
sustenta a registrabilidade da incorporação, mesmo que existam ações importantes
relacionadas ao imóvel, ao incorporador ou ao dono do terreno.

O fundamento, para esta corrente doutrinária é o art. 37, que diferencia a


incorporação do loteamento ao determinar a simples referência a estas ações nos
instrumentos negociais e no registro. Não parece ser esta a melhor compreensão sobre o
assunto, já que o art. 32, ‘b’ menciona “certidões negativas” de “ações cíveis e criminais”.

Além disso, passou a existir incompatibilidade entre o art. 37, da Lei 4.591/1964 e o art.
55, da Lei 13.097/2015. Isso porque a alienação ou oneração das unidades autônomas
integrantes de incorporação imobiliária não poderá mais ser objeto de evicção ou de
decretação de ineficácia.

Assim, há dúvida fundada se não seria papel do registrador obstar um ato de fraude à
execução. A lei não estabelece prazo de validade das certidões a serem apresentadas. Em SP,
as normas estabelecem o prazo máximo de 6 meses (item 210.5 e 210.6).

6.1.4.4. Histórico dos títulos de propriedade do imóvel

O histórico dos títulos de propriedade do imóvel nada mais é do que a explicação, em


forma narrativa, da cadeia filiatória do bem, até chegar ao seu estado atual.

286
CAPÍTULO 7

Deve abranger os últimos 20 anos e deve ser acompanhado de certidão dos


respectivos registros. Muito já se discutiu a respeito deste prazo, se teria sido reduzido pela
redução do prazo máximo de prescrição (10 anos, art. 205, CC) ou se pela redução do prazo
da usucapião extraordinária (15 anos, art. 1.238, CC).

Contudo, prevalece que o prazo permanece o mesmo, seja porque a lei é especial, seja
porque o prazo de usucapião de servidões permanece em 20 anos (art. 1.379, §único, CC).

6.1.4.5. Projeto de construção

A regularidade jurídica do empreendimento não diz respeito exclusivamente a sua


situação registral. É preciso que a construção tenha sido previamente aprovada pelo
Município, o que implica, naturalmente, verificação de sua adequação às normas urbanísticas,
ambientais e de postura.

O registro de imóveis, assim, funciona como um guardião indireto dessas normas, não
porque faça o controle diretamente, mas porque remete o interessado ao controle necessário
dos órgãos competentes.

Neste âmbito, é possível que exista ainda algum controle a ser feito pelo Estado, seja
em função da localização do empreendimento, seja em função do seu tamanho. É o que
acontece, em SP, com o controle realizado pelo GRAPROHAB.

Importante, neste ponto, que o projeto aprovado tenha identidade de área com a área
mencionada na matrícula. Requisito para o registro da incorporação e, posteriormente, para a
instituição e especificação de condomínio é a unitariedade matricial.

Caso necessário, devem ser feitos, previamente, os procedimentos de retificação de


área, fusão e desmembramento de matrículas. O que não é possível é que um único projeto
tenha como referência mais de uma matrícula.

6.1.4.6. Cálculo das áreas das edificações

Como a incorporação imobiliária é, via de regra, uma forma de viabilizar a produção de


unidades autônomas subordinadas às regras condominiais é preciso que, em conjunto com
os documentos apresentados, sejam esclarecidas as áreas das edificações discriminando área
global, a das partes comuns, e indicando para cada tipo de unidade a respectiva metragem de
área construída.

Naturalmente, este cálculo não fará sentido para o caso das casas isoladas ou
geminadas previstas no art. 68, inserido pela Lei 14.382/2022, tendo em vista que, neste caso,
a incorporação não deságua em condomínio edilício.

6.1.4.7. Certidão negativa da Previdência Social

Trata-se de documento necessário quando o titular do direito sobre o terreno for


responsável pela arrecadação das respectivas contribuições.

287
CAPÍTULO 7

A certidão será exigida, portanto, quando o incorporador ou o alienante forem pessoa


jurídica e, portanto, forem responsáveis pelo recolhimento das contribuições previdenciárias
relativas aos seus funcionários (art. 47, §2, Lei 8.212/1991).

6.1.4.8. Memorial descritivo

O memorial descritivo nada mais é do que o texto narrativo, que traduz a planta em
palavras. Ele deve conter as especificações da obra, com a descrição do empreendimento, sua
localização, características e metragens.

É o texto do memorial descritivo, posteriormente, que deve balizar os extratos do


registro da incorporação, da instituição e especificação de condomínio, bem como das
matrículas das unidades autônomas.

Memorial descritivo (art. 32, ‘g’), como mencionado anteriormente, não se confunde
com o memorial de incorporação (art. 32, caput).

6.1.4.9. Avaliação do custo global da obra

Em benefício da transparência, o incorporador deve apresentar e arquivar em cartório


uma memória de cálculo dos custos da obra, seja com relação à totalidade do
empreendimento, seja com relação a cada unidade.

Esse custo projetado não vincula o incorporador ou o construtor, mas serve de base
para a tomada de decisão dos adquirentes esclarecendo, por exemplo, quanto se deve à
aquisição do terreno e quanto à construção.

Não se trata de simples avaliação de custo aproximado também. Os valores


apresentados devem ter como referência os valores do custo unitário básico (CUB) fornecido
pelos sindicatos estaduais da construção civil para o metro quadrado de cada tipo de
construção.

6.1.4.10. Frações ideais

Deve ser apresentado um instrumento de divisão do terreno em frações ideais


autônomas e a descrição, a caracterização e a destinação das futuras unidades e partes
comuns que a elas ascenderão.

Essas frações ideais são requisito necessário para a própria instituição do regime
condominial, portanto não é possível omitir essa informação.

Deverão ser expressas na forma decimal ou em percentual, devendo a sua soma ser
igual à totalidade do empreendimento (100%).

288
CAPÍTULO 7

6.1.4.11. Minuta da convenção

Como a incorporação é uma das vias para a instituição de condomínio e a convenção é


documento imprescindível em qualquer condomínio edilício, a minuta da futura convenção
deve, desde logo, ser apresentada ao registro imobiliário.

Este documento tem um caráter meramente informativo daquilo que se pretende


estabelecer como regramento do futuro condomínio. A convenção propriamente dita será
posteriormente registrada no Livro 3, por ocasião da instituição e especificação de
condomínio.

6.1.4.12. Declaração sobre a aquisição do terreno

Pode acontecer de o terreno não ter sido comprado pelo incorporador, mas ter sido
objeto de uma permuta por futuras unidades a serem construídas.

Se a aquisição do terreno ocorrer desta maneira, o fato deverá ser declarado e


esclarecido indicando com quais futuras unidades autônomas o dono do terreno será pago.

Este tipo de declaração assegura transparência na incorporação, em especial quando


surgem problemas no custeio da obra.

Lembre-se que, agora, a promessa de permuta é ato passível de registro (art. 167, I, 18,
Lei 6.015/1973).

6.1.4.13. Mandato

Como a Lei 4.591/1964 autoriza que outras pessoas, além do proprietário e do


promitente comprador possam incorporar é preciso, naturalmente, que essas pessoas
detenham poderes suficientes para demolir, edificar e alienar frações ideais.

Por isso, o mandato não é exigido em todas as incorporações, mas somente naquelas
em que o mandatário deva proceder pelo proprietário. Não sendo este o caso, é o próprio
proprietário que deve anuir com todos os atos incluindo o pedido de registro da incorporação
e a alienação das unidades autônomas.

6.1.4.14. Prazo de carência

Após o registro da incorporação, o incorporador fica responsável por colocar o


empreendimento de pé, mesmo que ele consiga vender uma ou apenas algumas unidades.

Considerando o vulto dessas operações, bem como o risco envolvido a lei defere ao
incorporador a prerrogativa de desistir do empreendimento dentro de um prazo que o
próprio incorporador estabelecerá, para verificar as condições de mercado.

A fixação deste prazo, portanto, é faculdade do incorporador. Não se trata de requisito


da incorporação. Não se deve confundir o prazo de carência, sinônimo de prazo para
denúncia da incorporação ou prazo para desistência da incorporação (art. 34) com o conceito

289
CAPÍTULO 7

do prazo de validade do registro (art. 33), aquele período em que se deve demonstrar a
concretização da incorporação. Ambos são de 180 dias, mas refletem coisas distintas.

O prazo para concretização da incorporação (art. 33) é o período que o incorporador


tem para demonstrar que seguirá adiante com o empreendimento, sendo marcado pela
formalização da alienação ou da oneração de alguma unidade futura, pela contratação de
financiamento para a construção ou pelo início das obras.

Se a incorporação for concretizada no prazo de 180 dias, o registro permanece válido e


o incorporador pode seguir com a venda das unidades autônomas de forma lícita.

Por outro lado, a demonstração de que houve concretização não é requisito para
averbação da construção e nem para a instituição e especificação de condomínio. Para estes,
o requisito é a própria existência da edificação, certificada sua habitabilidade, bem como os
recolhimentos dos encargos.

O prazo de carência não poderá ser superior a 180 dias podendo ser renovado por
igual período. Trata-se do termo final do prazo de validade do registro de incorporação (art.
33).

Novidade é a possibilidade de revigorar o registro da incorporação que não se


concretizou, sendo preciso apenas “averbar a atualização das certidões e de eventuais
documentos com prazo de validade vencido” (art. 33, com a redação da Lei 14.382/2022).

Não é preciso mais refazer o registro da incorporação. Mas é possível que o


incorporador renuncie a este prazo, o que faz com que a incorporação se aperfeiçoe com o
respectivo registro.

A Lei 4.591/1964 não definiu o que seja a concretização da incorporação. Mas entende-
se que ela ocorre quando se aliena ao menos uma unidade ou se contrata a construção.

6.1.4.15. Atestado de idoneidade financeira

O registro especial de incorporação imobiliária tem como objetivo proteger os


adquirentes. Por isso, em sua redação original, a Lei 4.591/1964 exigia um atestado de
idoneidade financeira do incorporador.

A intenção da lei era boa, mas era também de eficácia muito restrita. Na prática, não
servia sequer para afastar amadores da atividade. Por isso, em boa hora, este documento foi
excluído do rol do art. 32 pela Lei 14.382/2022.

6.1.4.16. Vagas de garagem

O incorporador deve declarar e esclarecer quais são e como funcionam as vagas de


garagem do empreendimento. Trata-se de informação relevante e sensível, que pode ainda
estar sujeita a regimes jurídicos distintos.

290
CAPÍTULO 7

As vagas podem, por exemplo, constituir unidades autônomas, com matrícula própria;
podem constituir acessório da unidade autônoma vinculando-se a elas nas respectivas
matrículas; ou fazerem parte da área comum.

6.1.4.17. Minuta do contrato padrão

Embora não mencionado no rol do art. 32, da Lei 4.591/1964, há forte corrente
doutrinária reconhecendo a necessidade de apresentação, em conjunto com os demais
documentos, da minuta de contrato padrão a ser usado para alienação das unidades, como
ocorre com o registro especial de loteamento.

Na falta de previsão legal, deve-se entender que a minuta de contrato padrão é apenas
de apresentação facultativa pelo incorporador. Neste caso, ele terá a faculdade de celebrar
instrumentos simplificados com os adquirentes, onde conste apenas as especificidades de
cada negócio fazendo apenas referência para a minuta padrão arquivada na serventia.

6.1.5. O registro especial

O requerimento de incorporação, acompanhado da respectiva documentação será


autuado como um processo administrativo. O prazo para qualificação será de 10 dias úteis
(art. 32, §6), ocasião em que, se for o caso, deverá ser elaborada nota de exigências.

Se a documentação estiver em ordem e não ensejar dúvidas o registro será feito no


prazo de mais 10 dias úteis. Este prazo é especial em comparação com os prazos previstos na
Lei 6.015/1973. O prazo geral da Lei 6.015/1973 é de 10 dias úteis para registro ou emissão de
nota devolutiva (art. 188).

Como a prenotação é válida por 20 dias (art. 205), o interessado terá ainda 10 dias
úteis para cumprir o que for necessário. Como a incorporação forma, ainda, um
procedimento administrativo podem existir diversas notas devolutivas, sem a caducidade da
prenotação, até que a qualificação seja positiva, ocasião em que será feito o registro da
incorporação na matrícula do imóvel (Livro 2).

Não há regulamentação específica a respeito do conteúdo deste registro de


incorporação. Dos princípios que instruem o sistema extrai-se que deve constar, em resumo,
todos os elementos do empreendimento, em especial a individuação das unidades e suas
frações ideais.

Embora seja possível negociar as unidades autônomas logo após o registro, elas só
passam a existir, efetivamente, depois de construídas. Por isso, até a entrada em vigor da Lei
14.382/2022, em muitos Estados, não se admitia a imediata abertura de matrícula para essas
unidades, assim como ocorre no caso do loteamento.

Depois da Lei 14.382/2022, a Lei 6.015/1973 passou a ter novo dispositivo que, em
tese, autoriza a abertura de matrículas para as frações ideais logo após o registro da
incorporação. “Art. 237-A. (...) §4. É facultada a abertura de matrícula para cada lote ou fração

291
CAPÍTULO 7

ideal que corresponderá a determinada unidade autônoma, após o registro do loteamento ou


da incorporação imobiliária.”

O registro da incorporação, como mencionado, não desobriga à averbação da obra e


ao registro da instituição e especificação de condomínio. Estes são os atos necessários para a
abertura de matrícula das unidades autônomas ou conversão das matrículas das frações
ideais, sem o que o incorporador não cumpre o seu mister.

Depois do registro da incorporação, os autos terão ampla publicidade. Ao contrário do


que ocorre com os demais documentos da serventia, que estão sujeitos a uma publicidade
indireta, apenas (mediante certidão), os autos da incorporação podem ser objeto de
consultas diretas pelos interessados.

6.1.6. Prazo de validade

O prazo de validade do registro da incorporação é de 180 dias (art. 33). Isso quer dizer
que, neste prazo, em tese, o incorporador deve demonstrar que concretizou a incorporação
(vendeu uma unidade ou contratou a construção), sob pena de não poder continuar
anunciado a venda das unidades na planta.

O registro da incorporação é eminentemente transitório. Ele existe para segurança dos


adquirentes. Se a incorporação não se concretizar, para seguir nas vendas, o incorporador
deve renovar a documentação anteriormente apresentada.

Pode ser que, mesmo não demonstrada a concretização da incorporação, o


incorporador siga com as obras com recursos próprios. Neste caso, concluída a obra nada
obsta a averbação da construção, bem como a instituição e especificação de condomínio.

Contudo, estes atos não serão praticados com fundamento no registro da


incorporação que caducou, mas com base no título de propriedade ou direito aquisitivo.

Vendas que sejam realizadas após o prazo de validade da incorporação atraem a


responsabilidade civil e criminal do incorporador como se não houvesse registro. Mas não
são contaminadas por qualquer vício. De maneira que, instituído e especificado o
condomínio, as alienações das unidades podem ser regularmente registradas.

Mais uma vez, contudo, o registro poderá ser feito se e somente se tiver como
fundamento o título de propriedade ou o direito aquisitivo do incorporador e não exatamente
o registro da incorporação.

Se, por outro lado, expirado o prazo de validade do registro da incorporação, o


incorporador ou os adquirentes desejarem a prática de atos com fundamento no registro de
incorporação, então, neste caso, o registro deverá ser revalidado, com fundamento no art. 33,
da Lei 4.591/1964.

292
CAPÍTULO 7

É o que pode vir a acontecer se forem apresentados a registro contratos preliminares


ou definitivos de compra e venda de frações ideais vinculadas a futuras unidades autônomas.
Estes títulos somente poderão ser recepcionados, se o registro da incorporação estiver válido.

É o que se extrai do seguinte julgado: CSMSP, Apelação Cível: 525-6/8, Caraguatatuba, j.


25/05/2006, Rel. Gilberto Passos de Freitas. Note-se apenas que a data da concretização da
incorporação é a data da celebração dos contratos ou da contratação da construção e não a
data de registro destes contratos.

De maneira que, expirado o prazo de 180 dias, a recepção destes títulos segue sendo
possível se for demonstrado que a incorporação se concretizou naquele período, portanto
que o registro continua hígido.

É o que se extrai do seguinte julgado: CSMSP, Apelação Cível: 12.303- 0/6, Campos do
Jordão, j. 27/05/1991, Rel. Onei Raphael Pinheiro Oricchio.

6.1.7. Modificação da incorporação

Apesar de transitória, a incorporação tem vocação para a estabilidade. O registro


confere segurança aos adquirentes, na medida em que estes sabem da impossibilidade de
alterações no projeto sem o seu consentimento.

Isso não quer dizer que as modificações não sejam possíveis. Mas apenas que deverão
ser realizadas com a concordância expressa de todos os adquirentes, bem como dos titulares
de direitos reais atrelados ao empreendimento (art. 43, IV, Lei 4.591/1964).

Neste caso, não é preciso cancelar o registro primitivo, mas apenas salientar as
alterações, por meio de ato de averbação.

6.1.8. Patrimônio de afetação

O planejamento de uma incorporação, assim como o de qualquer obra envolve a


elaboração de um cronograma físico e financeiro, bem como a verificação de que o
empreendimento específico conta com recursos suficientes para financiar a conclusão das
obras.

Embora seja esta a regra geral, flutuações normais de mercado podem implicar queda
nas vendas das unidades e dificuldades para a conclusão das obras levando até à falência do
incorporador.

Assim, apesar das precauções adotadas com o registro da incorporação, não era
incomum verificar que certa construção ficava comprometida por elementos estranhos à
própria obra.

Nesse contexto, o regime de afetação surgiu para proteger os adquirentes e demais


credores da obra assegurando que os valores desembolsados na aquisição das unidades ou
para financiamento dos trabalhos fossem realmente utilizados no empreendimento, sem

293
CAPÍTULO 7

desvios voluntários por parte do incorporador ou involuntários, em decorrência de decisões


judiciais.

A teoria da afetação, assim, determina a vinculação de certo acervo patrimonial a uma


certa finalidade. Não há, exatamente, transmissão de bens e direitos, mas uma certa forma
de incomunicabilidade, uma segregação patrimonial.

No regime de afetação, o patrimônio especial responde exclusivamente pelas dívidas e


obrigações da própria incorporação, não se comunicando com os demais bens e direitos do
incorporador. Neste acervo patrimonial são incluídas, naturalmente, as unidades futuras, mas
também todos os investimentos já realizados, bem como as respectivas receitas.

Isso não quer dizer que o incorporador fica liberado de responsabilidades relativas ao
próprio patrimônio afetado. Se lhe causar prejuízo, naturalmente que responderá com seu
patrimônio geral.

Em âmbito registral, o patrimônio de afetação é criado por ato de averbação praticado


em decorrência de pedido do titular do direito. O requerimento de averbação, no caso, deve
ser acompanhado de termo de afetação assinado e com firma reconhecida.

Esse termo não tem forma específica. Pode constar de ato autônomo, mas também de
declaração que conste do requerimento da incorporação ou até do memorial descritivo.
Demanda, apenas, a prática de um ato específico de averbação, não se recomendando que
conste do corpo do registro da incorporação.

O incorporador não está obrigado a constituir o patrimônio de afetação. Ele assim o


faz, porque a lei instituiu um Regime Especial de Tributação, que envolve o pagamento
mensal e unificado de tributos (Lei 10.331/2004) de maneira mais vantajosa.

Além disso, a recente Lei do Distrato (Lei 13.786/2018) autoriza a majoração da


retenção para até 50% no caso de inadimplemento por parte do adquirente.

6.2. Condomínio

6.2.1. Espécies de condomínio


Via de regra, a propriedade indica exclusividade dominial do titular. Trata-se de direito
absoluto, oponível contra todos, sumarizado nas faculdades de usar, gozar, fruir e dispor da
coisa.

Contudo, admite-se que uma única coisa seja propriedade de mais de uma pessoa
situação chamada simplesmente de condomínio. Neste caso, cabe a cada proprietário igual
direito, idealmente sobre o todo e cada uma de suas partes.

O critério usado para exprimir, em valor econômico, o direito de cada coproprietário


sobre o todo é a quota ou fração ideal. Sem circunscrever o direito a um local no espaço, a
fração ideal possibilita a titularidade em proporções distintas para cada coproprietário, a

294
CAPÍTULO 7

respectiva disponibilidade, bem como o estabelecimento de critérios para custear sua


manutenção e aferir os frutos.

O condomínio, portanto, é expressão que designa a titularidade dominial de uma única


coisa indivisa por mais de uma pessoa.

O Código Civil prevê 3 espécies de condomínio: o condomínio comum, ordinário ou


voluntário; o condomínio necessário ou forçado; e o condomínio edilício.

Atualmente, cogita-se, também, da existência de um condomínio especial sobre


frações ideais na incorporação imobiliária. Vejamos cada um deles.

6.2.1.1. Condomínio comum, ordinário ou voluntário

O condomínio comum, ordinário ou voluntário, também chamado de tradicional é


aquele que se forma por manifestação de vontade das partes, que aceitam, direta ou
indiretamente, ser proprietárias, ao mesmo tempo, de uma única coisa em estado de
indivisão.

Neste caso, cada condômino pode exercer, plenamente, os direitos compatíveis com a
indivisão, como reivindicar a coisa de terceiro, defender a sua posse, alhear a respectiva parte
ideal ou gravá-la (art. 1.314, CC).

Apesar da autorização expressa para alienar ou gravar a coisa, nota característica do


condomínio voluntário é a existência de um direito de preferência:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto.
O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá,
depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer
no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.

A consequência da não observância ao direito de preferência é grave. O preterido pode


haver para si a parte vendida a estranho, desde que o requeira no prazo de 180 dias.

Além do direito de preferência, uma característica relevante do condomínio voluntário


é a possibilidade de promover a sua extinção (art. 1.320, CC). Neste caso, se o bem for
divisível, a partilha pode ser física.

Se não for divisível e ninguém se dispuser a assumir a parte dos demais, a situação
resolve-se em alienação judicial (art. 1.322, CC). “Art. 1.320. A todo tempo será lícito ao
condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua
parte nas despesas da divisão.”

295
CAPÍTULO 7

6.2.1.2. Condomínio necessário ou forçado

O condomínio é chamado de necessário ou forçado quando é imposto por lei, não


podendo ser desfeito por ato de vontade.

É o que ocorre com a meação de paredes, cercas, muros e valas (art. 1.327, CC). É o
que ocorre, também, com certas nuances no caso do condomínio edilício (art. 1.331, CC),
conforme será visto abaixo.

No condomínio necessário não faz muito sentido falar em direito de preferência.

A preocupação da lei, neste caso, é a de que os condôminos necessários paguem os


custos da estremação de imóveis e tenham direito de aquisição forçada da sua parte.

Importante é que o condomínio não poderá ser desfeito por vontade das partes.

6.2.1.3. Condomínio edilício

Com a expansão dos centros urbanos, o regime tradicional da propriedade passou a se


defrontar com uma realidade marcada pela falta de espaço e respectivo aumento dos preços
dos imóveis.

Uma das maneiras de lidar com essa situação, induzindo a comunhão de esforços, com
a divisão de custos para aquisição do terreno e construção de unidades foi a criação da figura
do condomínio edilício.

É bem verdade que existiam formas rudimentares de condomínio edilício já na


antiguidade.

Contudo, da maneira como o conhecemos atualmente passou a se desenvolver apenas


recentemente, após a crise de moradia decorrente da destruição da Europa depois da 1a
Grande Guerra mundial.

O Código Civil de 1916 não previa o instituto, nem regulamentava a matéria.

Em nosso ordenamento civil não existia a possibilidade de divisão de edifícios por


planos horizontais, apenas a divisão por planos verticais geradoras das casas de parede meia,
reguladas pelas regras do condomínio necessário e dos direitos de vizinhança.

O condomínio edilício, também chamado de propriedade horizontal, já que organizado


em planos horizontais, foi introduzido em nosso ordenamento pelo Dec. 5.481/1928.

Contudo, ele somente foi tratado de maneira sistematizada pela Lei 4.591/1964, que
regulamentou também a atividade da incorporação imobiliária, anteriormente abordada.

Atualmente, o condomínio edilício está inteiramente regulamentado pelo Código Civil,


prevalecendo que houve, no ponto, revogação tácita desta parte da Lei 4.591/1964.

296
CAPÍTULO 7

Em suma, nosso direito positivo admite que em edificações existam partes que são
propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos (art. 1.331, CC).

O condomínio edilício forma, assim, realidade complexa. Combina a existência de


unidades autônomas, objeto de propriedade exclusiva, com uma propriedade comum, que
incide sobre áreas que servem ao conjunto das unidades.

Verifica-se, pois, que ao contrário do condomínio comum, o condomínio edilício é


coativo e perene. Ou seja, ele é necessário (forçado) e permanente (indissolúvel).

O condomínio edilício possuirá sempre unidades autônomas, que podem ser


apartamentos, escritórios, salas, lojas, garagens, lotes etc.

Essas unidades autônomas, objeto de propriedade exclusiva, podem ser alienadas e


gravadas livremente por seus proprietários (art. 1.331, §1, CC).

Em tese, não basta uma edificação. É preciso que a propriedade imobiliária seja
submetida a um regime jurídico especial, com especificação das partes comuns e das
unidades autônomas.

A chave está nestes dois conceitos: partes comuns e unidades autônomas. As partes
comuns são aquelas que servem a todos, direta ou indiretamente. As unidades autônomas
são aquelas passíveis de aproveitamento exclusivo e independente de um ou de alguns.

O condomínio edilício é por vezes chamado de condomínio horizontal ou condomínio


vertical. O condomínio horizontal é aquele formado por planos horizontais sobrepostos. O
condomínio vertical é aquele formado pela justaposição, lado a lado, das unidades
autônomas.

A referência, aqui, é o plano de ligação entre as unidades. O condomínio horizontal


forma uma edificação verticalizada. O condomínio vertical forma uma edificação espalhada
em um plano horizontal.

6.2.1.4. Condomínio por frações ideais

Com a promulgação da Lei 14.382/2022, passou a existir na doutrina um número


crescente de vozes sustentando a existência de uma nova modalidade condominial.

Ao que tudo indica, a Lei 14.382/2022, ao modificar dispositivos da Lei 4.591/1964 e da


Lei 6.015/1973 criou uma modalidade nova de condomínio chamado, na dicção legal, de
“condomínio especial”, “condomínio sobre frações ideais” ou “condomínio por frações
autônomas”.

Antes da Lei 14.382/2022, registrada a incorporação as alienações das frações ideais do


terreno, vinculadas às futuras unidades autônomas formava, na matrícula matriz, um
condomínio voluntário ou comum.

297
CAPÍTULO 7

Esta situação perdurava até a prática do ato de instituição e especificação de


condomínio, que divide a propriedade em estado de indivisão, esclarecendo aquilo que será
objeto de propriedade exclusiva e aquilo que será propriedade comum dos condôminos, no
condomínio edilício.

Este ato, via de regra, somente é praticado após a averbação da obra e o prolongado
estado de indivisão era verdadeiramente inconveniente. Por um lado, a existência de um
condomínio voluntário demandava o respeito ao direito de preferência dos demais
coproprietários em caso de alienação da fração ideal (art. 504, do CC).

Por outro, não havia proibição legal para a divisão forçada; nem disciplina jurídica
específica para o caso de oneração independente das frações ideais (apesar do art. 1.314,
parte final, do CC).

Agora, depois das inovações promovidas pela Lei 14.382/2022, para ser registrada a
incorporação, deve ser apresentado um instrumento de divisão do terreno em frações ideais
autônomas (art. 32, i, da Lei 4.591/1964). A divisão da matrícula base, portanto, é feita desde
logo com o registro da incorporação.

Além disso, passou a haver autorização expressa para a abertura de matrícula para as
frações ideais (art. 237-A, a Lei 6.015/1973), mesmo antes da averbação da obra, o que em
alguns estados era expressamente proibido e operacionalizado por fichas complementares.

Essa autorização para abertura precoce de matrícula parece fazer sentido, uma vez
que agora também existe autorização expressa para que qualquer comprador possa alienar
ou onerar suas frações ideais sem a necessidade de concordância dos demais (art. 32, §1-A a
Lei 4.591/1964).

Reforça a conclusão de que passou a existir uma nova modalidade condominial a nova
dicção do art. 213, §10, inc. II, da Lei 6.015/1973. Ao tratar da notificação de confrontantes, na
retificação administrativa bilateral, a lei passou a diferenciar o condomínio edilício, que será
representado pelo síndico, do condomínio por frações autônomas que será representado
pela comissão de representantes.

Aparentemente, este regime condominial especial parece decorrer diretamente do


registro da incorporação imobiliária, não sendo dependente de um ato registral adicional ou
complementar é o tal ato único mencionado no art. 32, §15, da Lei 4.591/1964.

Registre-se apenas que essas conclusões são preliminares, objeto de uma corrente
doutrinária que está em formação, logo após a edição da Lei 14.382/2022. É preciso verificar
como o assunto será normatizado pelo CNJ e pelas corregedorias estaduais, em especial com
relação ao momento em que será admitida a abertura de matrícula para as futuras unidades
autônomas.

298
CAPÍTULO 7

6.2.2. Objeto do condomínio edilício

No condomínio edilício, como mencionado, temos uma realidade complexa. A


propriedade exclusiva recai sobre a unidade autônoma, que pode ser um apartamento para
moradia, uma laje corporativa, uma sala comercial, uma loja, sobreloja, abrigo para veículos
etc.

Não importa exatamente o seu conteúdo ou destinação, mas o fato de ser de


titularidade exclusiva vinculada de forma permanente a uma fração ideal do solo e das outras
partes comuns.

Cada unidade terá necessariamente uma designação especial, por números ou letras
para efeito de discriminação e identificação. Já a propriedade comum é aquela que recai
sobre as partes de uso comum de todos os condôminos e moradores, de acordo com suas
finalidades.

Assim, as partes comuns não se restringem à edificação. Abrangem o solo, as vias


internas de circulação para pessoas e carros, jardins, praças e clube recreativo, além dos
equipamentos que servem a todas as unidades, como a rede de água, esgoto, gás,
eletricidade, refrigeração etc.

As partes comuns são inseparáveis das unidades autônomas e seu uso, em princípio, é
de todos. Isso não exclui a possibilidade de existir, em casos concretos, áreas que são
utilizadas de forma exclusiva por um ou alguns condôminos.

Enunciado 247 JDC/CEJ: “No condomínio edilício é possível a utilização exclusiva de área
"comum" que, pelas próprias características da edificação, não se preste ao "uso comum" dos
demais condôminos.”

As partes comuns também não podem ser penhoradas ou oneradas separadamente,


pois são indissolúveis das frações ideais das unidades imobiliárias.

6.2.3. A fração ideal

Fração, quota, parte ou porção ideal são expressões que designam o equivalente da
área comum que é de titularidade vinculada a cada unidade autônoma, para fins de
instituição e especificação condominial. Trata-se de um índice de participação de cada
condômino em relação às coisas comuns.

A fração ideal reflete a unidade autônoma nas coisas comuns, de forma abstrata e
indivisa, sendo inseparável uma da outra. Seu valor deve ser previamente estabelecido
porque serve de parâmetro para o rateio das despesas comuns.

Originalmente, o Código Civil determinava que a fração refletisse o valor econômico


proporcional da unidade autônoma.

299
CAPÍTULO 7

Em 2004, contudo, sobreveio alteração legislativa ficando determinado simplesmente


que cabe aos condôminos estabelecer o valor da quota, que eles têm a opção de manter essa
proporção econômica, mas que ela pode referir-se ao tamanho da unidade ou pode ter como
critério outra referência (art. 1.331, §3, CC).

Assim, vigora relativa liberdade para fixação do valor da fração ideal, mas qualquer que
seja ela deve ser estabelecida de forma unânime pelos proprietários.

A fração ideal indica um parâmetro permanente do condomínio. Depois de


estabelecida, sua alteração é possível, desde que por deliberação unânime. Imagine-se o caso
de construção de novos pavimentos no edifício ou da aquisição de terrenos lindeiros para a
ampliação das áreas comuns.

6.2.4. Instituição e especificação de condomínio

O condomínio edilício pode ser instituído de várias maneiras: por manifestação de


vontade do titular de todas as unidades, em ato inter vivos ou causa mortis (testamento); por
decisão judicial; ou até mesmo por usucapião (art. 1.332).

Na ausência de determinação legal sobre a necessidade de instrumento público


prevalece na doutrina e na jurisprudência que a instituição do regime jurídico do condomínio
edilício pode ser feita por instrumento particular.

Tecnicamente, contudo, o ato causa modificação do regime jurídico da propriedade e,


na maior parte das vezes, tem a natureza jurídica de ato de divisão da propriedade, o que a
rigor, deveria atrair a aplicação do art. 108, CC.

Importante é que a instituição e especificação seja feita por pessoa com legitimidade.
Quando o condomínio decorre de incorporação imobiliária, a legitimidade para o
requerimento é primordialmente do incorporador (art. 44, Lei 4.591/1964), pois é ele que
deve requerer a averbação da construção.

Em caso de inércia, o dever passa ao construtor, sob pena de responsabilidade


solidária. Se ambos omitirem-se a prerrogativa será de qualquer dos adquirentes das
unidades, desde que apresentem seus títulos aquisitivos, já que são os maiores interessados
na regularidade do empreendimento (art. 44, §§1 e 2, Lei 4.591/1964).

Não sendo o caso de incorporação, a legitimidade será da unanimidade dos


condôminos, ainda que seja um único. Enunciado 504 JDC/CJF: “A escritura declaratória de
instituição e convenção firmada pelo titular único de edificação composta por unidades
autônomas é título hábil para registro da propriedade horizontal no competente registro de
imóveis, nos termos dos arts. 1.332 a 1.334 do Código Civil.”

Note-se que o ato que institui e especifica o condomínio não se confunde com a
respectiva convenção de condomínio. Para aprovação da convenção, basta a deliberação de
2/3 das frações ideais (art. 1.333, CC).

300
CAPÍTULO 7

Há inclusive parte da doutrina que defende que um (a instituição e especificação) não


depende necessariamente do outro (a convenção), apesar de ser recomendável o seu registro
conjunto.

O fato é que a convenção é o ato que estabelece as regras de funcionamento do


condomínio, sendo levada a registro no Livro 3; enquanto a instituição e especificação é o ato
de registro em sentido estrito praticado no Livro 2, dividindo a propriedade então em estado
de indivisão e determinando o nascimento de um ente jurídico com personalidade anômala,
o condomínio edilício.

Tema controvertido é momento em que o regime condominial edilício passa a existir e,


consequentemente, a partir de quando as unidades autônomas têm existência jurídica.

Predomina na doutrina o entendimento de que a instituição de condomínio com a


criação jurídica das unidades autônomas somente seria possível após o término da obra, com
averbação da construção.

A partir deste momento, as unidades são verdadeiramente suscetíveis de utilização


exclusiva, assim como as áreas comuns passam a ser usufruídas por todos, o que
fundamenta a existência do ente moral de personalidade anômala chamado condomínio,
com a respectiva cobrança das quotas condominiais.

Mas há doutrina não desprezível sustentando que, mesmo antes de iniciada a


construção a instituição e especificação poderia ser feita, vertente que é usada em alguns
Estados da federação.

Ainda, em outros Estados, segue-se o entendimento de que, uma vez registrada a


incorporação o regime condominial já estaria estabelecido, viabilizando inclusive a abertura
imediata de matrículas.

A primeira corrente não despreza a possibilidade de celebração de negócios jurídicos


sobre as unidades autônomas. Mas exige que o seu registro seja feito por vinculação a
frações ideais do terreno (matrícula base) e direito aquisitivo à acessão em construção.

Já a terceira corrente sustenta que a existência jurídica da unidade autônoma começa


com o registro da incorporação, momento a partir do qual comporta negócios jurídicos.
Portanto, deveria ser este o marco de sua existência jurídica.

Note-se o que determina a Lei 4.591/64: “Art. 32. O incorporador somente poderá
alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras
unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de
incorporação composto pelos seguintes documentos:”

Basear a argumentação da existência da unidade autônoma na possibilidade de


celebração de negócio jurídico a seu respeito, parece uma opção um tanto frágil, pois não é

301
CAPÍTULO 7

requisito dos negócios jurídicos que o seu objeto seja material ou mesmo existente no
momento de sua celebração.

Basta que o objeto do negócio seja lícito, possível e determinado ou determinável,


como estabelece o Código Civil: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente
capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não
defesa em lei.”

Ou seja, o objeto do negócio jurídico, a unidade autônoma não precisa existir no


momento da celebração do negócio jurídico, nem se cogita do estado de sua corporificação
para que se analise o início de sua existência jurídica. Tome-se por exemplo os tantos
negócios jurídicos celebrados sobre as produções agropastoris futuras. Imagine-se todo o
mercado da Bolsa de Mercadorias e Futuros.

No ponto, é relevante verificar o que determinam as normas de serviço de cada


unidade federativa. Pode ser que, seguindo a primeira corrente, como no Estado de SP, seja
admitida a abertura de matrícula para as unidades autônomas apenas depois da averbação
da construção e instituição do condomínio.

Por outro lado, pode ser que, seguindo o terceiro entendimento, como no Estado do RJ
admita-se a abertura desde logo de matrículas averbando-se nelas apenas a informação de
que se trata de unidade projetada, ainda não construída.

6.2.5. O condomínio na técnica registral

Do ponto de vista da técnica registral existirá uma matrícula matriz, correspondente ao


solo, onde será construído o prédio.

Ou seja, o requisito básico para a futura instituição de condomínio seja mediante


prévio registro da incorporação ou não é a existência de matrícula única do imóvel em que
será realizada a construção.

Se este imóvel é composto por diversas matrículas, de vários donos, primeiro é


necessário unificar os imóveis, fundindo as matrículas.

Tradicionalmente, nessa matrícula base, registra-se a incorporação e, eventualmente, a


venda ou promessa de venda das frações ideais do empreendimento a ser construído com
direito de aquisição das futuras acessões.

Por fim, averba-se nessa matrícula base a construção, mediante habite-se e certidão
previdenciária e, por fim, registra-se a instituição e especificação de condomínio, com
atribuição das unidades. Somente depois, abre-se matrícula independente para as unidades
autônomas.

Agora, depois da promulgação da Lei 14.382/2022, aparentemente o registro da


incorporação implica instituição de condomínio por frações ideais.

302
CAPÍTULO 7

Assim, o ato de registro da incorporação implica divisão do terreno atribuindo às


frações ideais vida autônoma. Por isso, a Lei 6.015/1973 faculta, desde logo, a respectiva
abertura de matrícula.

Lei 6.015/1973: “Art. 237-A. (...) §4. É facultada a abertura de matrícula para cada lote
ou fração ideal que corresponderá a determinada unidade autônoma, após o registro do
loteamento ou da incorporação imobiliária.”

Note-se que a abertura de matrícula é para as frações ideias e não para as unidades
autônomas. É por isso que o registro da incorporação e a instituição do novo regime
condominial é ato único. Lei 4.591/1964: “Art. 32. (...) §15. O registro do memorial de
incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral
único.”

Depois, segue-se a cronologia normal: averba-se na matrícula matriz a construção,


mediante habite-se e certidão previdenciária e, por fim, registra-se a instituição e
especificação de condomínio.

Seguindo-se a técnica tradicional ou a nova técnica resultante da Lei 14.382/2022, o


fato é que a abertura de matrícula para as unidades autônomas não determina, jamais, o
encerramento da matrícula base, que continua viva.

Tanto que, nesta matrícula, ainda podem ser praticados outros atos, como a averbação
de outras construções comuns. É na matrícula base que permanecem as porções da
propriedade comum, a que farão referência as matrículas filhas.

Habitualmente, portanto, o condomínio edilício utiliza-se da técnica do duplo fólio. Há


uma matrícula base onde é registrada a incorporação, é averbada a construção e é registrada
a instituição e especificação de condomínio; e, ao mesmo tempo, existem matrículas para as
unidades autônomas.

O prazo para a qualificação registral na incorporação imobiliária é especial. O


registrador tem 10 dias úteis para formular exigências e mais 10 dias úteis para registro da
incorporação (art. 32, §6, Lei 4.591/1964).

Lembre-se que o prazo geral da Lei 6.015/1973 é diferente. A prenotação tem um


prazo total de 20 dias úteis (art. 205). Protocolado o título, o registrador terá o prazo geral de
10 dias úteis, salvo casos especiais, para realizar o registro ou emitir nota devolutiva.

O prazo para o registro da instituição e especificação de condomínio tem início com o


lançamento, no Protocolo, do respectivo requerimento. Este pedido, com firma reconhecida
deverá ser acompanhado de um instrumento de especificação condominial, por instrumento
público ou particular, que caracterize e identifique as unidades autônomas, acompanhado do
projeto aprovado e do habite-se.

303
CAPÍTULO 7

O termo habite-se é o imperativo do verbo habitar. É a designação comum do ato do


poder público municipal, que verifica a conclusão das obras e o estado de habitabilidade da
construção.

Emitido pelo Município o habite-se, acompanhado de prova do recolhimento dos


encargos da obra, é o documento apto e necessário para averbar na matrícula a construção.

A prova do recolhimento desses encargos é a certidão negativa de débitos do INSS


relativa à edificação (art. 47, II, Lei 8.212/1991). Esta certidão não é aquela mencionada no art.
32, ‘f’, da Lei 4.591/1964, utilizada para solicitar o registro da incorporação. A certidão do INSS
aqui mencionada refere-se à obra em si.

O projeto aprovado é o mesmo usado para a incorporação imobiliária e deve coincidir,


exatamente, com o memorial descritivo, o habite-se e a certidão negativa do INSS.

A atribuição das unidades autônomas, então, será um meio especial de extinção do


condomínio por frações ideais ou, tradicionalmente, da propriedade indivisa da matrícula
base.

Ela é efetivada mediante designação de uma ou mais unidades para cada


coproprietário. Essa divisão é atípica, pois escapa à necessidade de escritura pública (art. 108,
CC).

304
CAPÍTULO 8

CAPÍTULO 8 PROMESSA DE COMPRA E VENDA

1. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - ANÁLISE


JURÍDICA
É importante destacar que os termos do contrato de promessa, pré-contrato,
antecontrato, ou ainda, contrato preliminar designam locuções sinônimas. Quanto ao rigor
técnico da expressão, o Código Civil emprega como nomenclatura o contrato preliminar. Em
que pese o legislador civilista se utilizar desta expressão e esses outros nomes também são
empregados. Ressalta-se que a referida figura contratual se notabilizou sendo batizada e
chamada de promessa de compra e venda.

O contrato preliminar é um contrato perfeito e acabado, o que não se confunde com a


negociação preliminar, sendo que esta se coloca em uma esfera pré-contratual, em que as
pessoas estão a pontuar interesses recíprocos, fazer propostas, contrapostas, até que se
desenvolva a aceitação e se forme o contrato.

Por outro lado, o contrato preliminar não está nessa esfera pré-processual trata-se,
como dito anteriormente, de contrato perfeito e acabado em que as partes fizeram a
negociação verificaram os pontos de convergência e a partir daí estabeleceram a figura
contratual de um contrato preliminar ou de promessa.

Deve-se entender, portanto, por contrato preliminar ou de promessa um contrato


perfeito e acabado, cuja obrigação central é a de fazer um contrato futuro. Aquele que faz
uma promessa de compra e venda se compromete a celebrar o contrato definitivo de compra
e venda no futuro, sendo por isso chamado de contrato preliminar, pré-contrato,
antecontrato, ou ainda, de promessa.

Partindo para uma análise da lei, o art. 462 do Código Civil diz que o contrato
preliminar terá todos os requisitos do contrato principal, à exceção da forma: “O contrato
preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a
ser celebrado”.

Leia-se, portanto, que a forma do contrato preliminar invariavelmente será livre,


independentemente da forma entabulada para o contrato principal. Isso é extremamente
importante na análise de compra e venda de imóveis, porque a redação do art. 108 do CC
prevê que os contratos envolvendo imóveis, cujo valor ultrapasse trinta vezes o maior salário
mínimo vigente no país haverão de ser celebrados por escritura pública.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à


validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência,

305
CAPÍTULO 8

modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a


trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Entretanto, se ao invés de uma compra e venda, se estiver a fazer um contrato


preliminar ou de promessa de compra e venda terão todos os requisitos do contrato
principal, com exceção da forma. Assim, independentemente do valor do bem poderia-se
fazer uma promessa de compra e venda por instrumento particular.

Dessa forma, o título aquisitivo pode se dar por instrumento particular ou escritura
pública. Veja que caso se trate de contrato definitivo de compra e venda e o valor do imóvel
for superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país trata-se de escritura
pública, exigência essa do art. 108 do CC.

Por outro lado, caso o contrato diga respeito a imóvel cujo valor seja inferior a trinta
vezes o maior salário mínimo vigente no país, ou ainda estiver diante de um contrato de
promessa ou preliminar, a escritura pública não será exigida nessa negociação podendo-se
realizar por instrumento particular.

Para que se torne proprietário do bem é necessário que se tenha o registro. Assim,
aquele contrato por instrumento particular ou realizado por escritura pública deve ser levado
no registro imobiliário.

Assim, não se deve confundir o título aquisitivo com o modo de aquisição. Quando o
ordenamento jurídico vincula uma forma ao título, a não observação da prescrição legal
constitui hipótese de nulidade absoluta: Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: IV - não
revestir a forma prescrita em lei.

Além disso, é importante que se diga que o contrato preliminar se presume


irretratável, o que consta do art. 463 do CC:

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no


artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento,
qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo,
assinando prazo à outra para que o efetive.

Assim, tratando-se de promessa de compra e venda e não havendo uma única cláusula
sobre retratação, a presunção é que este contrato será irretratável. Nada impede, portanto, a
presença no contrato preliminar, da chamada cláusula de arrependimento.

As arras se bifurcam em duas: as confirmatórias e as penitenciais. As arras


confirmatórias estão estipuladas no art. 417 a 419 do CC, sendo estas a regra geral.

Assim, caso se tenha um contrato e lá tenha arras e não havendo cláusula sobre
arrependimento contratual presume-se que é confirmatória. Pode ser dada em dinheiro,
assim como em um bem móvel.

306
CAPÍTULO 8

É importante registrar também que as arras confirmatórias ratificam o início do


programa contratual e inadmitem o arrependimento contratual. Portanto, quando se tem
uma arra confirmatória, esse contrato em tese é irretratável.

Por sua vez, as arras penitenciais constam do art. 420 do CC, as quais admitem
arrependimento:

Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para


qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória.
Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as
recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá
direito a indenização suplementar.

Dessa forma, quando se tem um contrato de promessa de compra e venda com


pagamento de sinal e uma cláusula admitindo arrependimento e amarrando aquele sinal com
uma indenização se está diante de arras penitenciais.

É importante que se diga que como essas arras possibilitam o arrependimento, elas
expressam o valor indenizatório por inteiro impossibilitando o pedido de qualquer
indenização complementar.

Geralmente, quando se tem essa cláusula é importante dizer que ela costuma vir
amarrada com as chamadas Arras Penitenciais. Neste caso de arras penitenciais não cabe
falar em qualquer tipo de indenização complementar, na linha do raciocínio externado, tem-
se o verbete sumular de jurisprudência do STF:

Súmula 412-STF. No compromisso de compra e venda com cláusula de


arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição
em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e
danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

Ademais, o parágrafo único do art. 463 do CC nos recorda que o contrato preliminar
deverá ser levado ao registro competente.

Apesar da disposição legal, a doutrina por intermédio do Enunciado nº. 30 do Conselho


da Justiça Federal indica que se o contrato preliminar não for levado a registro não terá
eficácia erga omnes e se manterá um mero efeito inter partes: “A disposição do parágrafo
único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante
terceiros”.

1.1 Como fica a promessa de compra e venda de imóveis?


O Código Civil, em seu art. 1.225, inciso VII prevê que constituem direitos reais o direito
do promitente comprador do imóvel. É importante que se diga que o direito do promitente
comprador do imóvel ou do promissário comprador, como alguns preferem chamar foi
elevado à categoria de direito real, mas para que ele seja efetivamente um direito real, na

307
CAPÍTULO 8

literalidade do CC é exigida uma promessa de compra e venda irretratável quitada e


registrada.

É nesse sentido que caso se tenha uma promessa de compra e venda de imóvel
irretratável - o contrato preliminar é presumivelmente irretratável, devidamente quitado e
levado ao registro; O promissário comprador vai ter um direito real de aquisição e isso o
conduzirá ao ajuizamento de uma ação de Adjudicação Compulsória. Assim, comprovado
esses requisitos, o magistrado determinará que o vendedor transfira a propriedade ao
comprador e se ele não o fizer já oficia ao registro imobiliário e ordena que se realize a
transferência.

É importante que se diga que a jurisprudência do STJ, por intermédio do verbete


sumular 239 relativiza a exigência do registro, nos seguintes termos: “O direito à adjudicação
compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório
de imóveis”.

Por esse motivo, a Súmula 84 do STJ estipula que é admissível a oposição de embargos
de terceiro fundado em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de
imóvel, ainda que desprovido de registro. Novamente, relativiza o respectivo registro.

Ademais, é de se ressaltar que o conceito de compra e venda é extraído do art. 481 do


CC: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio
de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.

No contrato de compra e venda troca-se a coisa pelo preço - Res por Pretio, assim uma
das partes se compromete a transferir o domínio da coisa, ao passo que a outra parte se
compromete a pagar certo preço.

Há quem entenda, inclusive, que o contrato de compra e venda acaba por abranger
coisas imateriais, outros, a exemplo do que diz o doutrinador Venosa22 entende que não,
devendo, pois o art. 481 do CC ser seguido em sua literalidade - é necessário que seja uma
coisa material.

Na seara do direito imobiliário, com a mudança do Código Civil é possível a aquisição


de frações de tempo em empreendimentos, ao que denomina de multipropriedade; O que
importa na compra de uma fração de tempo de uso com o recebimento de dividendos

22
Sócio Consultor nas áreas de Resolução de Disputas, Sílvio de Salvo Venosa é pós-graduado
pela USP e pela PUC-SP e bacharel em Direito pela USP. Foi juiz no Estado de São Paulo por 25 anos.
Atuou como professor na Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), na FMU, na Faculdade de Direito
de São Bernardo do Campo, nas Faculdades Integradas de Itapetininga e na UNIP. Autor de diversos
livros sobre Direito: “Coleção Direito Civil”, “Lei do Inquilinato Comentada”, “Introdução ao Estudo do
Direito: Primeiras Linhas, Introdução ao Estudo do Direito”, “Código Civil Comentado, v. XII”, “Código
Civil Anotado”, “Código Civil Interpretado”, “Comentários ao Código Civil Brasileiro, v. XVI” e “Código
Comercial e Legislação Empresarial”. Organizador de “Novo Código Civil”. Disponível em:
https://www.demarest.com.br/team/silvio-de-salvo-venosa/ 04/06/2023

308
CAPÍTULO 8

resultantes da exploração daquele empreendimento imobiliário no resto do período; O que


não deixa de envolver, em certa medida, uma compra e venda, apesar de ser um contrato
regulado por outras regras com um viés mais condominial. Apesar da divergência tem-se
uma abertura conceitual maior na doutrina moderna.

Para além disso, é importante que se diga que a compra e venda no Brasil tem caráter
meramente obrigacional, ou seja, ao realizar o contrato de compra e venda, o sujeito não se
torna o proprietário da coisa de forma automática, até porque, a aquisição da propriedade,
no Brasil exige o título necessitando ainda do modo de aquisição. Assim, no caso dos bens
imóveis, geralmente se exige o registro imobiliário, ao passo que, tratando-se dos móveis,
tem-se a tradição. Perceba, portanto, que o fato de se realizar o contrato de compra e venda
não significa que o sujeito já se torna proprietário daquele bem. Há pois, uma caminhada até
se ostentar a qualidade de proprietário.

2. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA


Trata-se de contrato bilateral, oneroso, informal, sinalagmático, comutativo,
consensual e de execução instantânea ou de duração.

É classificado como bilateral e oneroso, pois traz onerosidade para ambas as partes.
Além disso, é sinalagmático porque essas obrigações estabelecem uma espécie de via de mão
dupla, haja vista que o vendedor tem a obrigação de entregar a coisa e o comprador de pagar
o preço.

Mas aí surge a seguinte questão: esse sinalagma começa por onde, ou seja, é primeiro
o comprador que tem que pagar o preço para o vendedor entregar a coisa, ou o inverso?

É nesse sentido que o art. 491 do CC resolve a problemática, nos seguintes termos:
“Não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber
o preço”.

Veja que a premissa é de que primeiro paga-se o preço, para depois se entregar a
coisa. Ademais, é importante que se diga que nada impede que seja uma venda a crédito.

Tendo em vista disso, o art. 495 do CC determina que não obstante o prazo ajustado
para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em insolvência, poderá o vendedor
sobrestar na entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no tempo
ajustado.

A essa cláusula legal a doutrina denomina de cláusula de inseguridade, a qual constitui


possibilidade de exigir do comprador garantia de que honrará com a obrigação contratual de
pagamento. Caso não se dê garantias é admissível a operacionalização da resolução
antecipada do contrato.

Outra característica do contrato de compra e venda é a informalidade. Trata-se da


regra geral, mas é importante que se diga que comporta exceções. Nesse sentido, nem

309
CAPÍTULO 8

sempre será informal, isso porque o art. 108 do CC prescreve que a venda de imóveis, cujo
valor seja superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, exige a forma de
escritura pública.

Seguindo na classificação, é de se ressaltar que a compra e venda é um contrato


comutativo isso porque, previamente, se consegue diagnosticar o custo-benefício do
contrato.

Apesar da regra geral, excepcionalmente pode-se verificar uma compra e venda


aleatória, isto é contrato que envolve uma álea - fator de variação, sorte. A título de exemplo,
tem-se a compra e venda de ações na bolsa de valores.

Inclusive, o próprio Código Civil traz três situações de compra e venda aleatórias
consubstanciada nos seguintes artigos:

2.1 Contrato de compra de coisa futura, com assunção de risco pela existência
(emptio spei ou contrato de esperança)
É o contrato de compra de coisa futura com assunção de risco pela existência, isto é o
sujeito compra coisa futura assumindo o risco dessa coisa existir ou não. O clássico exemplo
é o seguinte: Imagine que uma pessoa chegue na beira de uma praia firme um contrato com
o pescador ficando estabelecido que no local indicado será lançado uma rede e o que vier
será dessa pessoa.

Trata-se, pois, da compra de uma esperança, ou seja, da compra de coisa futura


assumindo o risco da existência. No exemplo dado é possível que seja lançada a rede e não
venha nada, ainda assim terá de pagar pelo lançamento da rede.

Assim como, também é possível que com o lançamento da rede venha mais peixes do
que normalmente viria. Nos dois casos acima se trata de um contrato com assunção de risco
pela existência ou não trata-se, como dito anteriormente, da compra da esperança. É
importante registrar que não se admite é que a parte haja com dolo ou culpa.

Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos
futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o
outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de
sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha
a existir.

2.2 Contrato de compra de coisa futura, sem assunção de risco pela existência
(emptio rei speratae ou compra de coisa esperada)
A segunda modalidade prevista no Código Civil é a compra de coisa esperada. Nesse
caso, a parte compra coisa futura, sem assunção de risco pela existência. A álea, isto é o fator
de risco aqui não é a existência da coisa, mas sim a quantidade. Imagine que a parte compre
uma safra de tomates que ainda serão semeados, no caso é possível que venham mais ou

310
CAPÍTULO 8

menos tomates, ainda assim a parte terá de entregar os tomates, pois trata-se da compra de
coisa futura, sem assunção do risco pela existência. Nessa modalidade também não se
admite que o vendedor concorra com dolo ou culpa:

Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o
adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá
também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver
concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à
esperada. Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não
haverá, e o alienante restituirá o preço recebido.

2.3 Contrato de compra de coisa presente, mas exposta a risco assumido pelo
contratante
Temos ainda, o contrato de coisa presente, mas exposto a risco assumido pelo
contratante, o que consta do art. 460 do CC. Imagine que você compre uma égua prenha
tendo inclusive, pago a mais; Perceba, que o potro da égua pode nascer, como também não
nascer. Nesse caso, o contratante comprou coisa presente - égua prenha, assumindo o risco
da existência:

Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas
expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante
a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia
do contrato.

3. ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA COMPRA E VENDA


Os elementos específicos da compra e venda, também chamado de elementos
essenciais são basicamente três:

● Preço;

● Objeto;

● Consenso.

Tais elementos deverão estar presentes em todo e qualquer contrato de compra e


venda.

3.1 Preço
O contrato de compra e venda é aquele em que se troca coisa por preço - Res por
Pretio. Deve ser expresso em moeda nacional/pecúnia. É nesse sentido que o art. 315 do CC
prevê que as dívidas devem ser pagas em dinheiro e segundo o valor nominal: “As dívidas em

311
CAPÍTULO 8

dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o
disposto nos artigos subsequentes”.

Se a compra e venda for internacional admite-se, excepcionalmente, a precificação em


moeda estrangeira. Por outro lado, é importante que se diga que as partes podem
convencionar o aumento progressivo das prestações sucessivas. É o que se chama de índice
de escala móvel.

Além disso, esse preço tem que ser sério, o que significa que ele tem de estar dentro
de parâmetros, bases razoáveis no mercado. Este preço pode ser determinado ou
determinável. Por determinado, entende-se aquele preço previamente estabelecido,
determinado e consensuado entre as partes. Por outro lado, por determinável entende-se
pelo preço que se determinará, isto é trata-se de ajuste de preços que se determinará pelas
seguintes hipóteses:

● Por terceiro (art. 485, CC)

Na primeira hipótese, o preço pode ser deixado ao arbítrio de um terceiro, que os


contratantes logo designarem ou prometerem designar. Imaginem, o seguinte exemplo:
Vender uma fazenda e a gente consensuou que quem vai dar o preço da fazenda é Joana, que
é uma corretora experiente nesse tipo de negociação. Trata-se da designação de um terceiro
que dará o preço. E aí surge a seguinte dúvida: e se o terceiro designado não aceitar a
incumbência?

Veja que, caso o terceiro não aceite o encargo o contrato fica sem efeito, salvo se os
contratantes designarem outra pessoa, como bem estabelece o art. 485 do CC:

Art. 485. A fixação do preço pode ser deixada ao arbítrio de terceiro, que os
contratantes logo designarem ou prometerem designar. Se o terceiro não
aceitar a incumbência, ficará sem efeito o contrato, salvo quando acordarem
os contratantes designar outra pessoa.

● Segundo taxa de mercado ou bolsa de valores (art. 486, CC)

A segunda forma de dar preço de maneira determinável, de acordo com taxa de


mercado ou da bolsa de certo e determinado dia e local consta do art. 486 do CC. Imaginem o
seguinte exemplo: o preço é fixado de acordo com a bolsa de valores da região tal, do dia tal.
É nesse sentido que no caso de compra de ações o valor da ação se determinará dessa forma.

● Índices econômicos do governo (art. 487, CC)

O preço também pode ser determinável de acordo com índices econômicos do


governo, o que consta do art. 487 do CC nos seguintes termos: “É lícito às partes fixar o preço
em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação”.

312
CAPÍTULO 8

Um detalhe importante é que será nula a compra e venda quando se deixar a fixação
do preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes, nos termos do art. 489 do CC: “Nulo é o
contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a
fixação do preço”.

Caso a compra e venda seja feita e não seja dado um preço, o art. 488 do CC oferece a
solução:

Art. 488. Convencionada a venda sem fixação de preço ou de critérios para a


sua determinação, se não houver tabelamento oficial, entende-se que as
partes se sujeitaram ao preço corrente nas vendas habituais do vendedor.
Parágrafo único. Na falta de acordo, por ter havido diversidade de preço,
prevalecerá o termo médio.

3.2. Objeto
O objeto pode ser uma coisa atual ou uma coisa futura. Obviamente que no caso de
coisa futura o contrato fica sem efeito, se essa coisa não existir, a não ser que seja um
contrato aleatório, com a assunção de um risco pela existência, como bem assevera o art. 483
do CC, in verbis:

Art. 483. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste
caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção
das partes era de concluir contrato aleatório.

Nada impede, por exemplo, a pactuação de uma promessa de compra e venda de um


imóvel que será construído. Todavia, é importante que se diga que não é possível contratação
sobre a herança de pessoa viva, na medida em que, tal impossibilidade resta consubstanciada
no art. 426 do CC: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. É o que se
chama de vedação do pacto corvina.

Conclui-se, então, que não se pode ceder, antecipadamente, uma herança. Trata-se de
norma de cunho moral, pois se proíbe a contratação de herança de pessoa viva, pelo simples
fato de que caso assim fosse estaria se estimulando o homicídio. Imaginem a seguinte
situação: caso não se pague o sujeito a quem foi oferecida futura garantia de herança de seu
pai, o sujeito poderia querer matar esses pai para que o herdeiro receba a herança, e assim
ele receba o dinheiro devido.

3.3. Consentimento
É o consenso direcionado ao preço e ao objeto. Então é necessário que se tenha
consenso, pelo menos, no que tange ao preço e ao objeto. Caso não se tenha o consenso
quanto a esses elementos não se tem a compra e venda.

Na legislação, temos algumas situações importantes de consentimento que dialogam


com as questões imobiliárias:

313
CAPÍTULO 8

● Compra e venda entre ascendente e descendente (art. 496,CC)

A primeira delas é a possibilidade de compra e venda entre ascendente e descendente.


Será que um pai pode vender um bem para o filho, ou então, um avô poderia vender um bem
para o neto, e aí surge a seguinte questão: como é que fica a venda entre ascendente e
descendente?

Imaginem que Caio é casado com Ana e eles têm dois filhos, Luís e Mariana, maiores e
capazes. Nessa situação, Caio deseja vender um bem para Luís. Será que seria viável? A
resposta é positiva, entretanto, o art. 496 do CC nos traz, o que chamamos tecnicamente de
hipótese de legitimação, ou então, também denominado de capacidade negocial ou privada.

No exemplo dado, mesmo Caio e Luís tendo capacidade jurídica geral ou plena, para
que essa compra e venda se opere seria necessário o consentimento expresso dos demais
descendentes e do cônjuge. É importante destacar que, em caso de notificação de Ana e
Mariana não há presunção de aceite em caso de silêncio devendo elas figurarem no contrato
de compra e venda como intervenientes anuentes.

Existe uma excepcionalidade quanto ao consentimento expresso, caso em que o


cônjuge não precisará consentir se for casado no regime da separação obrigatória de bens.
Veja que os descendentes continuarão tendo que consentir, apenas o cônjuge é que neste
caso estará liberado.

Caso a compra e venda entre ascendente e descendente não observe a regra do


consentimento expresso, a consequência jurídica é que o ato é anulável, conforme prescreve
o art. 496 do CC: “É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros
descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.

E aí surge a seguinte questão: o ato é anulável em qual prazo? Como o art. 496 não diz
o prazo, aplica-se, então o art. 179 do CC: ‘’Quando a lei dispuser que determinado ato é
anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar
da data da conclusão do ato”. Trata-se, portanto, de prazo decadencial de dois anos, contados
da conclusão do ato.

A súmula 494 da jurisprudência do STF indica que o prazo é prescricional de vinte anos.
Esse verbete sumular foi editado na vigência do CC anterior, e naquela época não havia o art.
179.

A Doutrina foi construída, à época, no sentido desse prazo ser prescricional e também
de ser aplicado o maior prazo prescricional do CC anterior, que era de vinte anos.

Mas hoje, essa súmula caducou, isto é, perdeu os efeitos, sendo que, é nesse sentido
que se conclui que esse prazo não é prescricional, e sim decadencial, e também, não é de
vinte, e sim de dois anos.

314
CAPÍTULO 8

3.4 Compra e venda entre cônjuges


Outro tema relevante na área do direito imobiliário é a compra e venda entre
cônjuges/companheiros. Será que cônjuges/companheiros podem vender bens entre si? A
resposta é positiva, mas a venda por óbvio deve envolver bens que não pertencem ao outro
cônjuge/companheiro.

Veja que o art. 499 do CC nos diz que: “É lícita a compra e venda entre cônjuges, com
relação a bens excluídos da comunhão”. Portanto, a venda nessa situação é viável, mas no
que tange ao patrimônio excluído daquela comunhão.

3.5 Compra e venda de bem condominial


Exemplo: se um indivíduo possui um bem em condomínio com outras pessoas, será
que ele pode vender? A primeira questão que é importante. E devemos chamar atenção pois
se está diante do condomínio comum. Imaginem a seguinte situação: Luciano, João e Maria
têm uma lancha juntos, de forma que um terço da lancha pertence a cada um. O bem, por
óbvio, é indivisível, isto é não admite divisão cômoda.

A dúvida, no exemplo dado é: Luciano poderia vender um terço da lancha? A resposta


é afirmativa, mas diz o legislador, por intermédio do art. 504 do CC determina que, antes de
vender a um terceiro, deve-se dar direito de preferência aos demais condôminos nas mesmas
condições de preço e prazo:

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a
estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem
não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para
si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias,
sob pena de decadência.

Caso se venda a um terceiro sem dar aos demais condôminos a preferência, neste caso
o preterido poderá depositar o preço e haver para si a parte vendida a estranho, se requisitar
no prazo decadencial de cento e oitenta dias.

Imaginem, ainda no exemplo dado acima, que tanto João, quanto Maria queiram
exercitar a preferência, o parágrafo único do art. 504 do CC dá a solução ao estabelecer o
critério de desempate:

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver


benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se
as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a
quiserem, depositando previamente o preço.

O primeiro critério de desempate seria aquele que tivesse benfeitoria de maior valor, e
na falta de benfeitoria, o segundo critério seria o de quinhão maior. Caso as partes sejam

315
CAPÍTULO 8

iguais, o raciocínio que se deve ter, ainda considerando o exemplo dado anteriormente, é
que, tanto João, quanto Maria ficarão com metade da lancha.

3.6 Venda de bens de pessoas sujeitas ao dever de zelar e guardar


Lembre-se ainda que nas situações especiais de consentimento é nula a venda de bens
realizada por aqueles que têm a obrigação de zelar. Há pessoas que têm a obrigação de zelar
pela vida dos bens - o juiz da vara de execução, o leiloeiro, etc. E por óbvio, também não se
admite uma cessão ou substabelecimento para que alguém compre, conforme nos indica o
art. 497 do CC:

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em
hasta pública: I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores,
os bens confiados à sua guarda ou administração; II - pelos servidores
públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou
que estejam sob sua administração direta ou indireta; III - pelos juízes,
secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou
auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo
ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;
IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam
encarregados. Parágrafo único. As proibições deste artigo estendem-se à
cessão de crédito.

3.7 Venda por pessoa casada


E a venda por pessoa casada? Não se trata da hipótese de venda entre
cônjuges/companheiros, e sim, daquela feita por alguém que é casado. Imaginem a seguinte
situação: João é casado com Maria e aquele quer vender o imóvel a um terceiro. O CC, em seu
art. 1.647, inciso I, estipula que se você for casado para se alienar o bem, como regra geral, é
necessário a autorização do cônjuge. A isso se denomina de Vênia ou Outorga Conjugal, que
em rigor técnico se dada pela esposa chama-se de uxória e se é dado pelo marido, chama-se
de marital. Então, se você é casado e vai alienar ou gravar de ônus real bens imóveis,
necessita-se da vênia.

A depender do regime de bens, pergunta-se se pode ser liberada da vênia? Há duas


situações em que se tem exceção, a primeira delas é se for casado em regime de separação
absoluta de bens (art. 1.647,CC), e a segunda situação é se é casado com participação final
nos aquestos (art. 1.656,CC).

Deve-se ter o cuidado que quando se fala no regime da separação de bens, divide-se
em duas categorias: a absoluta/total/convencional/voluntária e a
legal/necessária/cogente/obrigatória, que são regimes diversos. Na separação absoluta, se
escolhe o regime da separação absoluta, o que consta do art. 1.687 e ss do CC. Já na
separação legal, não se escolhe trata-se de imposição da lei, conforme prevê o art. 1.641 do
CC.

316
CAPÍTULO 8

A exceção à vênia é só na primeira hipótese, isto é o do regime da separação absoluta


de bens. Não necessita de vênia conjugal na separação absoluta, já na legal, em regra,
precisa. Isso porque na separação legal tem a incidência da Súmula 377 do STF, assim, apesar
da separação legal, a jurisprudência diz que se comunicam os bens adquiridos na constância,
e por isso se exige a vênia:

RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA.


DOAÇÃO DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO EM REGIME
DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. OUTORGA UXÓRIA. NECESSIDADE. FINALIDADE.
RESGUARDO DO DIREITO À POSSÍVEL MEAÇÃO. FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO
COMUM. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO
IMPROVIDO. 1. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. 2.
Controvérsia sobre a aplicação da Súmula n. 377 do STF. 3. Casamento regido
pela separação obrigatória. Aquisição de bens durante a constância do
casamento. Esforço comum. Contribuição indireta. Súmula n. 7 do STJ. 4.
Necessidade do consentimento do cônjuge. Finalidade. Resguardo da possível
meação. Plausibilidade da tese jurídica invocada pela Corte originária. 5.
Interpretação do art. 1.647 do Código Civil. 6. Precedente da Terceira Turma
deste Sodalício: "A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios
jurídicos de (presumidamente) maior expressão econômica previstos no artigo
1647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis)
decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da
gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vínculo
matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos
onerosamente na constância do casamento. Nas hipóteses de casamento sob
o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF,
possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do
casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de
outorga uxória/marital para os negócios jurídicos previstos no artigo 1647 da
lei civil." (REsp n. 1.163.074, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe 4-2-2010). 6. Recurso
especial improvido. (REsp n. 1.199.790/MG, relator Ministro Vasco Della
Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em
14/12/2010, DJe de 2/2/2011.)

A segunda exceção à vênia consta no art. 1.656 do CC - são aqueles casados no regime
da participação final nos aquestos, em que o pacto antenupcial libera a outorga para a venda
de imóveis particulares.

É importante que se diga que não basta que o sujeito seja casado pelo regime da
participação final nos aquestos, sendo necessário ainda que o pacto antenupcial libere a
outorga para a venda de imóveis particulares.

Imaginem a seguinte situação: Luís é casado com Rebeca pelo regime da comunhão
parcial de bens sendo que, antes do casamento, Luís tinha um imóvel, e agora tem a
pretensão de vender o imóvel, e aí surge a questão: Luís necessita da autorização da Rebeca
para proceder à venda do imóvel? A resposta é positiva por dois fundamentos: o primeiro

317
CAPÍTULO 8

deles é mais legalista, porque se trata do argumento contido no art. 1.647, I, do CC. Então, se
o sujeito é casado e quer fazer a alienação de um bem, regra geral, precisa da vênia conjugal.

O segundo argumento é extraído do seguinte: apesar do imóvel não comunicar por ser
anterior ao casamento, os frutos gerados por esse imóvel e as benfeitorias realizadas no
imóvel comunicam-se. Como os frutos e as benfeitorias do bem particular se comunicam há
uma comunicabilidade indireta, e por conta disso, demanda-se a vênia.

É nesse sentido que surge a seguinte situação: essa vênia/outorga conjugal aplica-se a
união estável? Em um primeiro momento o STJ dizia que não precisava da vênia na união
estável, porque não é possível descobrir quem vive em união estável, ao passo que tratando-
se do casamento basta dirigir-se ao registro de pessoas naturais e lá se verificar se a pessoa
vive ou não casada, haja vista que a certidão de nascimento é substituída pela de casamento.

Em vista disso, é importante frisar que a união estável não exige um contrato, nem
mesmo uma declaração para ser constituída. Diante disso tudo, em uma primeira análise, o
STJ defendeu que não é possível a exigência vênia conjugal, por ser uma tarefa muito árdua
para a outra parte descobrir se o sujeito vive ou não em uma união estável.

Em um segundo momento, o STJ disse que dependerá da publicidade conferida à união


estável. Defende a Corte Superior de Justiça que se há a averbação no contrato de
convivência ou da decisão declaratória da união estável no Registro de Imóveis, ou ainda,
independentemente da publicidade, se houver má-fé do adquirente, aí nesses casos, verifica-
se a exigência da vênia conjugal.

É importante destacar, ainda, que a vênia não é para compra de bens, e sim para
alienar ou gravar de ônus real bem imóvel, sendo essa uma confusão que corriqueiramente
se faz no dia a dia.

3.7.1 Como se confere a vênia?

O art. 220 do CC nos diz que sempre que possível a vênia constará do próprio
instrumento: “A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato,
provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio
instrumento.”

Logo, no próprio contrato de compra e venda de imóvel, ou então, de promessa de


compra e venda constará como interveniente anuente, o cônjuge/companheiro. Perceba que
não há nenhuma vedação jurídica para que essa vênia seja conferida por instrumento
apartado.

Caso o cônjuge esteja impossibilitado de dar a vênia, ou ainda, trata-se de denegação


injusta, imotivada, surge a seguinte dúvida: qual o remédio jurídico para isso? Para essas
situações, o art. 1.648 do CC prevê a possibilidade de o sujeito requisitar ao juízo que venha a
suprir a outorga, o que se denomina de ação de alvará ou ação de suprimento judicial.

318
CAPÍTULO 8

A consequência da ausência da vênia consta do art. 1.649 do CC, a qual será a


anulabilidade do ato. De modo que o ato será anulável no prazo decadencial de até dois anos,
contados da conclusão do ato. É neste sentido que se o ato é anulável, por óbvio, é passível
de convalidação, assim a aprovação posterior desse ato irá convalidá-lo, nos termos do
parágrafo único do art. 1.649 do CC: “A aprovação torna válido o ato, desde que feita por
instrumento público, ou particular, autenticado”.

Atenção! O STJ na súmula 332 diz que a ausência de vênia no contrato de fiança gerará
a ineficácia total da garantia. Na verdade, trata-se de uma repercussão da anulabilidade, na
medida em que, como entende o STJ que é anulável, a consequência jurídica é que será
completamente ineficaz.

É importante que se diga que a referida súmula se relaciona apenas à fiança, não se
referindo, por conseguinte, ao aval. A doutrina, por intermédio do Enunciado nº. 114 do CJF
defende que a ausência de vênia no aval vai gerar uma ineficácia parcial, ou seja, apenas não
atingirá aquele que não conferiu a vênia. É importante reforçar, mais uma vez, que se trata de
posição doutrinária.

E aí surge a seguinte questão: quem é que vai requisitar a anulação desse ato por
ausência da vênia? O art. 1.650 do CC diz que será pleiteado pelo cônjuge a quem caberia
consentir e não o fêz, ou então, por seus herdeiros. Além do mais, o terceiro prejudicado vai
ter ação de reparação de dano contra o causador do ato, o que consta do art. 1.646 do CC:
“No caso dos incisos III e IV do art. 1.642, o terceiro, prejudicado com a sentença favorável ao
autor, terá direito regressivo contra o cônjuge, que realizou o negócio jurídico, ou seus
herdeiros”.

4. EFEITOS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA


O primeiro efeito diz respeito à evicção e aos vícios redibitórios, que são duas
decorrências daquilo que a doutrina chama de princípio da garantia.

Imaginem a seguinte situação: Caio (vendedor) vendeu um bem à Luísa (compradora),


pensem ainda, que João se diz proprietário deste bem tendo exercido o chamado direito de
sequela - direito de reivindicação previsto no art. 1.228 do CC, a qual constitui o direito do
proprietário de reaver o bem onde quer que esteja, e também, na mão de quem quer que
esteja.

No exemplo dado, Luísa (compradora) ficou sem o bem, sofreu a perda, o que se
chama de evicção. Então, ela irá demandar contra Caio (vendedor) as consequências da
perda.

Assim, se Caio fez a venda, ele tem que garantir que o bem que vendeu era
efetivamente dele, de modo que se um terceiro se provar proprietário anterior e vier a
reivindicar esta coisa, Caio será responsabilizado pela evicção. É importante destacar também

319
CAPÍTULO 8

que em decorrência do princípio da garantia, o vendedor responderá pelos vícios e defeitos


ocultos daquele bem.

Deve-se ressaltar uma regra especial da compra e venda que consta do art. 503 do CC,
a qual nos indica que nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma delas não
possibilitará a rejeição de todas. Ainda como defeitos da compra e venda, tem-se a regra do
res perit domino (a coisa perece com o seu dono) previsto no art. 492 do CC:

Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do
vendedor, e os do preço por conta do comprador. § 1º. Todavia, os casos
fortuitos, ocorrentes no ato de contar, marcar ou assinalar coisas, que
comumente se recebem, contando, pesando, medindo ou assinalando, e que
já tiverem sido postas à disposição do comprador, correrão por conta deste. §
2º. Correrão também por conta do comprador os riscos das referidas coisas, se
estiver em mora de as receber, quando postas à sua disposição no tempo,
lugar e pelo modo ajustados.

Enquanto o vendedor não lhe entrega a coisa responde pela perda, ao passo que,
enquanto o comprador não paga o preço, também responde pela perda daquele valor. E aí
surge o seguinte questionamento: quem é que vai arcar com as despesas da negociação na
compra e venda?

O Código Civil, em seu art. 490 traz uma regra dispositiva, pois admite convenção em
sentido contrário. O primeiro norte que é importante estabelecer é que cabe disciplina em
sentido contrário, ou seja, nada impede que o contrato regule quem arcará com qual
despesa.

Assim, se o contrato não regular, o referido dispositivo legal nos dará um norte, na
medida em que prevê que as despesas de escritura e registro são do comprador e as de
tradição do vendedor.

5. SITUAÇÕES ESPECIAIS DE COMPRA E VENDA


Temos ainda, algumas situações especiais de compra e venda, algumas se aplicam a
negócios imobiliários, outras não. De toda sorte, é importante estudá-las:

5.1. Venda por amostras


A primeira situação especial trata-se da venda por amostras, sendo plenamente
possível a venda a partir de amostras, protótipos ou modelos, e neste caso, é importante que
se diga que prevalecerá a amostra, o protótipo ou o modelo, nos termos do art. 484 do CC:
“Se a venda se realizar à vista de amostras, protótipos ou modelos, entender-se-á que o
vendedor assegura ter a coisa as qualidades que a elas correspondem”.

320
CAPÍTULO 8

5.2. Compra e venda ad mensura e ad corpus


A segunda situação especial, a qual é extremamente aplicada ao mercado imobiliário é
a venda ad corpus e a venda ad mensura. Na venda ad corpus não se está comprando por
medida ou tamanho, de forma que tais elementos são meramente enunciativos. Exemplo:
Compra de apartamento que tinha cerca de 120 m² - não se trata da compra por medida,
sendo esta enunciativa.

Em contrapartida, na venda ad mensura a compra é por medida ou tamanho. Veja,


como exemplo, a situação de uma compra de uma fazenda que tinha 80 hectares, de modo
que, foi pago tantos reais por hectare. Nesse sentido, enquanto que na venda ad corpus a
medida ou tamanho é meramente enunciativa, na venda ad mensura, a medida ou tamanho
constituem o motivo, isto é, a razão da compra.

Na venda ad mensura surge a seguinte preocupação: o eventual conflito entre a área


vendida e a efetivamente entregue. Nesse cenário pode acontecer a situação de o sujeito ter
adquirido uma propriedade de 100 hectares e ter comprado por medida, e terem entregue,
tão somente, 70 hectares. É nesse sentido que o sujeito pode sofrer um vício redibitório de
tamanho. E o que fazer nessas situações de eventual vício redibitório na venda ad mensura?

Imagine a situação em que a área entregue é inferior à paga. Na hipótese: o sujeito


comprou uma fazenda de 100 hectares - foi uma venda ad mensura, tendo sido pago dez mil
reais por hectare, mas ao fim só se recebeu 70 hectares.

Assim, três são as soluções em que se apresentam sob o ponto de vista jurídico, quais
sejam, a primeira consiste em ajuizar uma Ação Redibitória, cuja finalidade é o desfazimento
do contrato.

A segunda hipótese é a ação Estimatória que também é chamada de Quantis Minori, a


qual objetiva o abatimento proporcional do preço. E a terceira e última modalidade de ação,
caso se tenha recebido uma área inferior a efetivamente paga é a ação Ex Empto, em que se
requer a complementação da área.

E se ao invés de faltar área tiver sobrado área, ou seja, se você estiver comprado um
lote com 100 hectares e o sujeito lhe entregou uma área com 120 hectares, pergunta-se: o
que fazer nessa hipótese de que a área entregue é superior à paga?

O parágrafo segundo do art. 500 do CC estabelece que se o vendedor provar que tinha
motivos para ignorar a medida exata da área vendida caberá ao comprador a sua escolha
completar o valor ou devolver o excesso. Se o vendedor fizer prova que havia motivo para
desconhecer o excesso, o comprador a sua escolha poderá pagar a diferença ou devolver o
excesso.

O primeiro detalhe, que é importante ressaltar é que é possível que a diferença da


área seja insignificante - quando não exceda de um vigésimo da área enunciada, nesse caso,
o legislador entende que não se tem como fazer nenhum tipo de requisição de

321
CAPÍTULO 8

complementação de área, ou ainda de redibição. No entanto, tem uma ressalva, de forma


que se esse um vigésimo for exatamente o fato gerador da requisição poder-se-ia requerer o
vício redibitório.

A segunda nota relevante é que o prazo para se propor essas ações está elencado no
art. 501 do CC, sendo esse decadencial de um ano, a contar do registro do título. Mas, se
houver atraso na imissão da posse atribuível ao vendedor, a partir dela é que começa a
contar o prazo.

Veja que o prazo conta do registro do título aquisitivo, mas imaginem que o vendedor
atrasa para conceder a imissão na posse, aí neste caso, por culpa atribuível ao
vendedor/alienante, o prazo só começará a fluir da data da imissão na posse.

6. CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA


É importante que se diga que essas cláusulas são especiais, e não essenciais para a
compra e venda. Ou seja, são cláusulas que podem ou não estar presentes. Tratando-se de
situações para casos específicos.

6.1. Cláusula de retrovenda


A retrovenda é uma cláusula especial que pode estar presente na venda de imóveis.
Então, é importante que se diga que só se aplica a retrovenda na venda de imóveis, não
incidindo na venda de móveis.

Através desta cláusula, o vendedor reserva-se no direito potestativo de desfazer a


venda e recobrar o imóvel para si no prazo decadencial máximo de três anos restituindo ao
comprador o preço, as despesas autorizadas por escrito, ou para realização de benfeitorias
necessárias, o que consta do art. 505 do CC:

Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la


no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e
reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período
de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização
de benfeitorias necessárias.

A retrovenda é um direito potestativo, o que induz a concluir que se trata de um direito


irresistível. Então, imagine que no prazo de três anos o vendedor queira desfazer a venda e
recobrar o bem, nessa situação, o comprador não tem como negar. Caso o comprador negue,
o art. 506 do CC diz que poderá o vendedor realizar o depósito do valor judicialmente e
requisitar que este bem seja reavido para ele.

Por óbvio, ele só terá esse bem de volta, quando tiver depositado integralmente o valor
do preço, somado às despesas assinadas por escrito, bem como, as benfeitorias necessárias.
Em sentido contrário, se o depósito for insuficiente não será entregue o bem, até que se faça
a suficiência do depósito.

322
CAPÍTULO 8

É importante que se diga ainda que o direito de retrovenda é transmissível, na medida


em que, o art. 507 do CC diz que tal direito se transmite a herdeiros e legatários, e mais, pode
ser exercitado contra o terceiro adquirente.

Imaginem a seguinte situação: Luciano vendeu a Carla um imóvel com a cláusula de


retrovenda com um prazo decadencial máximo de três anos para o desfazimento da venda e
recobrança do bem, restituindo a Carla o preço, as despesas autorizadas por escrito e as
benfeitorias necessárias.

Nesse mesmo exemplo, pensem que um ano após a venda do imóvel, Carla aliena este
bem a Igor, ainda assim, a cláusula de retrovenda não inviabilizará a negociação do bem, no
entanto, Luciano ainda poderá, no prazo remanescente de dois anos, exercitar o direito de
recobrar o bem. Percebam, portanto, a transmissibilidade dessa cláusula de retrovenda.
Ademais, é importante dizer que é com o registro desse contrato com cláusula de retrovenda
que se tem o efeito erga omnes, o que traduz a sua oponibilidade contra todos.

Como dito, a natureza desse prazo é decadencial de três anos, pois se refere a um
direito potestativo – e, portanto, não se interrompe, nem se suspende. Nada impede, por
conseguinte, que o contrato regule um prazo inferior a três anos. É importante frisar que caso
o contrato que contenha cláusula de retrovenda não indique esse prazo, aplica-se então, o
prazo máximo de três anos.

Mas aí surge a seguinte dúvida: e se o contrato trouxer um prazo superior a três anos?
O legislador nesse caso nos dá a solução entendendo que o prazo será ineficaz naquilo que
exceder os três anos.

6.2. Preempção, Prelação ou Preferência.


A preferência é o direito subjetivo que decorre de uma cláusula contratual que pode
dizer respeito tanto a bem móvel, quanto, imóvel, e que estabelece ao vendedor originário a
preferência da aquisição do bem, caso o comprador queira aliená-lo em um determinado
prazo.

Trata-se de cláusula totalmente diferente da retrovenda, na medida em que, aqui o


vendedor vai ter a preferência se o comprador quiser alienar. Então, se o comprador não
quiser vender, o vendedor não pode imputar o desfazimento do negócio.

Esse direito de preferência é personalíssimo, e, portanto, intransmissível. Imaginem a


seguinte situação: João vendeu à Maria a sua moto, e a mesma, resolveu alienar esse bem a
uma terceira pessoa. Qual seria o prazo para o exercício do direito de preferência? A gente
passa então a analisar a lei, em especial, os arts. 513 a 516, todos do CC.

O art. 513 do CC prevê que:

A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao


vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este

323
CAPÍTULO 8

use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto. Parágrafo único. O
prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e
oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.

Já o art. 516 do CC nos diz que: “Inexistindo prazo estipulado, o direito de preempção
caducará, se a coisa for móvel, não se exercendo nos três dias, e, se for imóvel, não se
exercendo nos sessenta dias subsequentes à data em que o comprador tiver notificado o
vendedor”.

Veja que o art. 513 nos traz um prazo de vigência da preferência, ao passo que, o art.
516 traz um prazo de exercício da preferência. A vigência da preferência de móveis será de
180 dias e o exercício de três dias. Já a vigência da preferência de bens imóveis é de dois anos
e o exercício é de 60 dias.

Nesse sentido, imaginem o seguinte exemplo: uma pessoa vende uma moto e durante
a negociação foi estabelecido o direito de preferência. Se o comprador nos 180 dias que se
seguem à aquisição dessa moto resolver vendê-la a um terceiro, deve notificar ao vendedor
originário, tanto por tanto - mesma condição de preço e prazo. Nesse caso, o vendedor
originário terá o prazo de três para dizer se quer ou não. Caso estivesse vendendo um imóvel,
o raciocínio é o mesmo, só muda os prazos.

Veja que a preferência é diferente da retrovenda, porque na retrovenda o vendedor


tem o direito potestativo de recobrar a coisa, ao passo que, na preferência há um direito
subjetivo do vendedor em ter a coisa, se o comprador quiser vendê-la dentro de um
determinado prazo.

Além disso, enquanto a retrovenda é para imóveis, a preferência é para móveis e


imóveis. É importante dizer ainda que enquanto que na retrovenda se transmite, na
preferência não. Tanto uma quanto a outra são cláusulas especiais que habitam negócios
imobiliários.

6.3. Cláusula de reserva do domínio


A cláusula de reserva do domínio diz respeito apenas a bens móveis e se relaciona a
um expediente de garantia, isso porque, o vendedor transmite a posse do bem, mas ele
segura a propriedade, e apenas a transmite, após a quitação integral do preço.

Imaginem a seguinte situação: Caio (vendedor) vende a Luísa (compradora) uma moto
e faz uma venda com reserva do domínio. Já na assinatura do contrato, Luísa passa a ter a
posse direta e Caio segue com a propriedade e posse indireta da moto. Quando Luísa quitar o
preço, ela torna-se efetivamente a proprietária.

Nesse mesmo exemplo, se Luísa (compradora) não quitar o preço, o vendedor poderá
ajuizar uma ação de busca e apreensão da moto, ou ainda, cobrar as prestações vencidas e
vincendas.

324
CAPÍTULO 8

Essa venda com reserva de domínio, a coisa objeto da venda tem que ser
perfeitamente caracterizada, individualizada, devendo essa cláusula ser entabulada por
escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.

É importante que se diga que a venda com reserva de domínio ainda existe, mas ela foi
mercadologicamente engolida pela alienação fiduciária em garantia. Isso porque, se
descobriu que o negócio fica melhor quando se coloca um agente financeiro - o banco.

A instituição financeira que paga o vendedor e empresta dinheiro ao comprador com


juros e correção. Ademais, a alienação fiduciária em garantia pode dizer respeito tanto a bem
móvel, quanto, imóvel.

6.4. Cláusula de venda a contento e venda sujeita a prova


Ainda nas cláusulas especiais, temos a chamada venda à contento e venda sujeita a
prova. Na venda à contento, fica estabelecido que o comprador tem um prazo para exercitar
o descontentamento, e por consequência, o negócio é desfeito. No direito do consumidor,
inclusive, essa é uma regra geral aplicável nas relações de consumo de venda fora do
estabelecimento comercial. Nesse prazo do descontentamento, não precisa imputar efeito
algum, basta dizer que não está contente e está resolvida a situação. Se foi estabelecido
venda à contento, mas não se regulou qual é o prazo, o art. 512 do CC nos diz que o vendedor
vai notificar o comprador, dando prazo razoável para que ele exerça o contentamento, e se o
comprador nada dizer, presume-se que está contente.

Na venda sujeita a prova, por sua vez, se o vendedor comprovar que o objeto alienado
atende ao objetivo, a venda está perfeita e acabada, é o que determina o art. 510 do CC:
“Também a venda sujeita a prova se presume feita sob a condição suspensiva de que a coisa
tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina”.

Imaginem a seguinte situação: Luciano vendeu uma máquina atendendo um edital de


uma empresa montadora de veículos para se acoplar a linha de produção e fazer uma
determinada produção de um bem. Nesse caso, se o vendedor fizer a prova de que aquela
máquina se acoplou e funcionou, atendendo ao edital, Luciano tem de ser remunerado.

As cláusulas especiais se submetem ao rol de exemplos, então é possível que haja


outras decorrentes da criatividade humana, inclusive, é muito usual a venda mediante
poupança - que são os cartões de fidelização (acúmulo de pontos, milhas, etc). É plenamente
possível esse tipo de situação, desde que respeitada a teoria geral dos contratos.

325
CAPÍTULO 8

6.5. Modelo - Promessa de Compra e Venda de Imóvel (Instrumento


Particular)
O contrato preliminar ou de promessa tem forma livre, pouco importa se é feito na
forma de instrumento particular ou não, nos termos do art. 462 do CC. É importante que se
diga que essa forma livre se aplica independentemente da forma prevista no contrato
principal.

Segue um modelo de instrumento particular de uma promessa de compra e venda de


imóvel, começando pela qualificação dos promitentes vendedores e compradores:

De um lado,

…, brasileiro, divorciado, engenheiro, portador da cédula de identidade (RG) nº …,


inscrito no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …, residente e domiciliado na
…, e …, brasileira, divorciada, portadora da cédula de identidade (RG) nº …, inscrita no
CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …, residente e domiciliado na …,

ambos, em conjunto ou separadamente, doravante denominado(s) PROMITENTE(S)


OU PROMISSÁRIO(S) VENDEDORE(S)

e, de outro lado,

…, brasileiro, convivente com …, analista de sistemas, portador da cédula de identidade


(RG) nº …, inscrito no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …, residente e
domiciliado à …, e brasileira, convivente com …, administradora, portadora da cédula
de identidade (RG) nº …, inscrita no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …,
residente e domiciliada na …, em conjunto ou separadamente, doravante
denominados de PROMITENTE(S) OU PROMISSÁRIO(S) COMPRADORE(S),

AJUSTAM, entre si, de livre e espontânea vontade, sem nenhum vício de


consentimento ou social, o presente contrato de Promessa de Compra e Venda, de
forma irrevogável e irretratável, na forma das cláusulas à seguir.

326
CAPÍTULO 8

É muito importante colocar o irrevogável e irretratável, porque isso é que vai garantir
no futuro a eventual ação de adjudicação compulsória. Em cláusula primeira deve-se
descrever o imóvel da seguinte forma:

CLÁUSULA PRIMEIRA

[O IMÓVEL]

Os Promitentes Vendedores declaram serem legítimos proprietários do imóvel


residencial, designado pelo nº …, de porta, no prédio denominado …, situado na Rua …,
composto de …, inscrito no Cadastro Imobiliário Municipal sob o … O referido imóvel
encontra-se devidamente registrado no Cartório do … da Comarca de … sob o nº. … de
matrícula.

Geralmente essas informações do imóvel constam na certidão de ônus na matrícula do


imóvel que é um dos documentos essenciais para que se proceda à compra e venda. Afinal de
contas, é preciso verificar se aquele vendedor efetivamente é dono daquele bem, por isso, a
importância de verificar a certidão de ônus.

Parágrafo primeiro. Declaram os Promitentes Vendedores que o imóvel e as suas


respectivas vagas de garagem são objeto de financiamento junto à Caixa Econômica
Federal. Afora esta questão, asseguram Promitentes Vendedores que o imóvel e as
suas respectivas vagas de garagem encontram-se livres e desembaraçados de
quaisquer outros ônus, encargos, gravames, responsabilidades, dívidas de qualquer

No modelo aqui apresentado, trata-se de imóvel dado em financiamento a Caixa


Econômica Federal e você vai ver que no plano de pagamento, o sinal constitui a quitação do
financiamento.

Parágrafo segundo. Os Promitentes Vendedores declaram que ajustaram no valor da


presente promessa de compra e venda todos os móveis e eletrodomésticos que no
local se encontram nesta data, entre os quais: ar-condicionados, tapete, cortinas,
geladeira, racks, mesas de cabeceira, lustres, lâmpadas e luminárias, sapateira, banco,
cadeiras coloridas, mesinha e armário na cozinha, tanque, 1 cômoda com chave,
estante do escritório, plantas, cadeiras e duas mesas em vime, móveis embutidos e

327
CAPÍTULO 8

todos os demais que no imóvel se encontram e que porventura deixaram de ser aqui
listados.

É importante destacar que algumas pessoas preferem fazer um termo anexo,


contendo a descrição detalhada dos bens. Não há problema algum nisso. Seguindo adiante se
tem a cláusula segunda do instrumento particular de promessa de compra e venda de imóvel:

CLÁUSULA SEGUNDA

[PREÇO]

O preço total, certo e ajustado para a presente promessa de compra e venda, é de R$


…, pagos da seguinte forma:

A. 1ª PARCELA: R$ …, a ser paga pelos Promissários Compradores, à Caixa


Econômica Federal, imediatamente após a assinatura deste contrato, objetivando
quitar o financiamento imobiliário do imóvel em nome dos

Promitentes Vendedores.

Como dito, o modelo trata de imóvel financiado pela Caixa, então para se conseguir
que terceiro compre este imóvel, é necessário quitar esse financiamento na Caixa, há não ser
que se proceda a uma transferência do financiamento, que é uma cessão da posição do
contrato de financiamento junto a Caixa Econômica, o que é extremamente difícil, pois há
uma exigência de uma série de documentos, comprovação de renda etc. É por isso que o
ideal é que se quite o financiamento para se operacionalizar esse negócio.

B. 2ª PARCELA: R$ …, pagos pelos Promissários Compradores, com recursos


próprios e em até 15 (quinze) dias após a emissão e entrega da baixa da hipoteca
decorrente da quitação do financiamento indicado no item “A”, da seguinte maneira:

R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), no Banco …, Agência nº …, Conta


Corrente nº …, de titularidade do Promitente Vendedor …, inscrito no CPF/MF sob o nº

328
CAPÍTULO 8

…, cuja quitação dar-se-á somente após a compensação do mesmo na repartição


bancária correspondente.

R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), no Banco …, Agência nº …, Conta


Corrente nº …, de titularidade do Promitente Vendedora …, inscrito no CPF/MF sob o
nº …, cuja quitação dar-se-á somente após a compensação do mesmo na repartição
bancária correspondente.

R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), referente a 50% (cinquenta por


cento) dos honorários de intermediação imobiliária, no Banco …, Agência nº …, Conta
Corrente nº …, de titularidade da …, inscrita no CNPJ sob o nº …, cuja quitação dar-se-á
somente após a compensação do mesmo na repartição bancária correspondente.

C. 3ª PARCELA: R$ …, através de financiamento Imobiliário, a ser aprovado pelo


agente financiador aos Promissários Compradores. O pagamento em questão será
feito da seguinte forma:

i. R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), no Banco …, Agência nº …,


Conta Corrente nº …, de titularidade do Promitente Vendedor …, inscrito no CPF/MF
sob o nº …, cuja quitação dar-se-á somente após a compensação do mesmo na
repartição bancária correspondente.

ii. R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), no Banco …, Agência nº …,


Conta Corrente nº …, de titularidade do Promitente Vendedora …, inscrito no CPF/MF
sob o nº …, cuja quitação dar-se-á somente após a compensação do mesmo na
repartição bancária correspondente.

iii. R$ … através de TED (Transferência Eletrônica Direta), referente a 50% (cinquenta


por cento) dos honorários de intermediação imobiliária, no Banco …, Agência nº …,
Conta Corrente nº …, de titularidade da …, inscrita no CNPJ sob o nº …, cuja quitação
dar-se-á somente após a compensação do mesmo na repartição bancária
correspondente.

329
CAPÍTULO 8

Parágrafo Primeiro. Os Promitentes Vendedores se comprometem a providenciar, em


aproximadamente 15 (quinze) dias após a quitação prevista no Item B (2ª Parcela), a
entrega da documentação necessária para que os Promissários Compradores
providenciem o Financiamento Imobiliário junto ao agente financiador.

Parágrafo Segundo. Após a entrega e aprovação da documentação ao Agente


Financiador, os Promissários Compradores terão aproximadamente 60 dias para
quitação da terceira parcela prevista no item C.

Parágrafo Terceiro. Os prazos previstos nos parágrafos acima poderão ser


renegociados no caso de qualquer atraso causado unicamente pelo Cartório de
Registro de Imóveis, como também no caso de qualquer pendência documental
identificada pelo Agente Financiador.

Parágrafo Quarto. Os Promissários Vendedores transmitirão a posse do imóvel e das


respectivas vagas de garagem, aos Promissários Compradores, na data da
compensação do pagamento descrito no item “A”. A partir de então, os Promissários
Compradores ficarão responsáveis pelos pagamentos das taxas de luz, água/esgoto,
Taxa de Condomínio e IPTU. Os Promissários Compradores, comprometem-se, ainda a
transferir, para sua titularidade e no prazo máximo de até 30 (trinta) dias após a
imissão na posse, a titularidade das contas de fornecimento de água e energia, bem
como a taxa de condomínio do imóvel, juntos às empresas fornecedoras.

Parágrafo Quinto. Acaso os Promissários Compradores não adimplam a sua obrigação


de quitação integral do preço, com o pagamento da parcela indicada no item “C”, por
ausência de liberação do recurso do Financiamento, resta ajustado que os
Promissários Compradores irão proceder a quitação com recursos próprios,
diretamente aos Promitentes Vendedores. Tal pagamento será realizado em 36 (trinta
e seis) parcelas mensais e consecutivas, sendo a primeira no dia …, cada uma no valor
de …, já com a inclusão de juros de 1% (um por cento) ao mês. Tais parcelas serão
anualmente atualizadas pelo IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.

Parágrafo Sexto. A ausência no pagamento de três das parcelas mencionadas no


parágrafo segundo, pelos Promissários Compradores, facultará aos Promitentes
Vendedores a imediata resolução contratual, com o desfazimento do pacto e a
incidência de arras penitenciais, em favor dos Promitentes Vendedores e no montante

330
CAPÍTULO 8

de R$ …, a serem atualizados pelo IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor


Amplo e ressalvado aos Promitentes Vendedores o pleito de eventuais perdas e danos
complementares.

Parágrafo Sétimo. Em qualquer situação, na hipótese de mora no pagamento, os


Promissários Compradores, ficarão sujeitos ao pagamento de multa de 15% (quinze
por cento) sobre o valor da prestação em aberto, além de juros moratórios de 1% (um
por cento) ao mês, calculados “pro rata die”.

CLÁUSULA TERCEIRA

[CERTIDÕES]

Obrigam-se os Promitentes Compradores a fornecer todos os documentos necessários


e solicitados para registrar o imóvel junto ao agente financiador e ao Cartório de
Registro de Imóveis, tais como: cópia de RG, CPF e comprovante de estado civil,
Certidão de Inteiro Teor da matrícula do imóvel ora transacionado, espelho do IPTU,
Certidão do Fórum, Certidão Estadual, Certidão do Trabalho, Certidão da Receita
Federal e quitação de água, energia e condomínio.

Parágrafo Primeiro. Após o vencimento das certidões já fornecidas pelos Promitentes


Vendedores e necessárias para o registro de imóvel, ficam os Promissários
Compradores responsáveis pela despesa para obtenção de nova documentação, acaso
necessário.

CLÁUSULA QUARTA

[INTERMEDIAÇÃO]

O presente negócio foi intermediado pela …, inscrita no CNPJ sob o nº …, representada


pelo Corretor de Imóvel …, registrado no Creci-Ba …, …, Região.

Parágrafo Primeiro. As partes declaram que previamente examinaram e verificaram


a(s) procuração(ões), o título aquisitivo, a escritura e as certidões registrais do imóvel

331
CAPÍTULO 8

objeto do presente contrato e isentam o corretor de imóveis acerca da veracidade


desses documentos, eximindo os mesmos por todo e qualquer erro.

Parágrafo Segundo. A remuneração pelo serviço de intermediação resta pactuada no


importe de R$ …, conforme descrito na Cláusula Segunda deste Instrumento, cuja
quitação dar-se-á somente após a compensação da mesma na repartição bancária
correspondente, também na forma da Cláusula Segunda.

Parágrafo Terceiro. A resolução do contrato ou arrependimento posterior de qualquer


das partes, após firmado o presente instrumento, uma vez que as partes aqui
demonstram estarem de acordo quanto ao preço e condições de pagamento do valor
da compra do imóvel, não implica na devolução dos honorários profissionais do
corretor já adimplidos, na forma do artigo 725 do Novo Código Civil Brasileiro.

Parágrafo Quarto. A responsabilidade do corretor de imóveis relaciona-se à


intermediação da presente transação, bem como acompanhamento da lavratura da
escritura definitiva de compra e venda, verificação de documentação e
acompanhamento e regularização do registro do imobiliário. Exclui-se da
responsabilidade do corretor todas e quaisquer obrigações assumidas pelas partes.

O STJ entende, com base no art. 725 do CC (contrato de corretagem), que a atividade
do corretor é de intermediação. Então, se ele aproximou as partes e gerou um contrato,
recebe honorários. Ainda que tenha havido arrependimento posterior, isso não irá implicar
na devolução dos honorários profissionais já adimplidos, uma vez que a atividade desse
profissional já foi desempenhada.

CLÁUSULA QUINTA

[ESCRITURA PÚBLICA DEFINITIVA DE COMPRA E VENDA]

Caberá aos Promissários Compradores todas as despesas com a lavratura das


escrituras públicas do objeto desse contrato, tais como Taxas, Impostos, Certidões,
Custas Cartorárias, ITIV e outras que se fizerem necessárias; assim como caberão aos
Promitentes Vendedores todas as despesas referentes a certidões pessoais e do objeto
desta transação.

332
CAPÍTULO 8

Parágrafo Primeiro. Eventuais custos relativos ao objeto deste contrato anteriores a


esta negociação - a exemplo de ITIV pretérito, custas cartorárias, taxas, emolumentos
…, são de responsabilidade dos Promitentes Vendedores, devendo os mesmos quitá-
los de pronto.

Então, se tem débito pretérito é com o vendedor. Essa cláusula das despesas é
importante porque o Código Civil, em seu art. 490 traz regras supletivas, com a ressalva de
disposições em sentido contrário regulado no contrato: “Salvo cláusula em contrário, ficarão
as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da
tradição”.

CLÁUSULA SEXTA

[VISTORIA]

Declaram os Promissários Compradores terem vistoriado detalhadamente o objeto do


presente contrato, declarando neste instrumento que o mesmo se encontra em bom
estado de conservação e nada tendo a reclamar sobre eventuais vícios. Declaram,
ainda, os Promissários Compradores, que adquirem um imóvel usado, o qual tem
desgastes naturais do tempo, tendo plena ciência sobre este fato e nada tendo a
reclamar.

Parágrafo Único. Resta registrado que os Promitentes Vendedores informaram aos


Promissários Compradores sobre a possível necessidade de adequação da cobertura
em matéria localizada na área do deck do imóvel. Como informado aos Promissários
Compradores, há um projeto em andamento no Condomínio para adequação, visando
padronização. Nessa linha, os Promissários Compradores ficam cientificados sobre
este tema e expressamente informaram que irão assumir todos os eventuais custos da
possível necessidade de adequação.

Para contextualizar é importante que se diga que quando se está fazendo negociação
de imóvel usado, obviamente que este bem tem desgaste do tempo. Por isso, a necessidade
de uma cláusula sobre a vistoria do imóvel.

333
CAPÍTULO 8

O segundo aspecto a ser considerado é que havia uma necessidade de adequação de


imóvel de cobertura para uma deliberação de condomínio em que ficou ajustado que o
comprador é quem fará. Adiante tem-se as disposições gerais, em que se pode utilizar em
todo contrato.

CLÁUSULA SÉTIMA

[DISPOSIÇÕES GERAIS]

7.1 As partes firmam que avaliam todos os riscos e benefícios concernentes ao


presente contrato, o pactuando na sua livre e desembaraçada manifestação de
vontade.

7.2 Resta ajustada que as comunicações pertinentes a este contrato poderão ser feitas
por e-mail, os quais estão indicados na qualificação das partes, ou através de carta
com aviso de recebimento. Assim, comprometem-se as Partes a informar eventual
alteração de endereço e/ou e-mail, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias de
quando cessará o recebimento do endereço anterior, sob pena de validade das
notificações enviadas no endereço informado neste contrato.

7.3 O presente negócio é celebrado em caráter irretratável e irrevogável, pactuando


com expressa renúncia ao arrependimento, obrigando as partes e sucessores, a
qualquer título.

7.4 As obrigações assumidas neste instrumento estão sujeitas à execução específica,


nos termos do Código de Processo Civil Brasileiro, sendo facultado à Parte prejudicada
utilizar-se de qualquer ação ou procedimento judicial ou extrajudicial para ver
respeitado este ajuste e cumpridas todas as obrigações aqui assumidas.

7.5 Qualquer tolerância na hipótese de descumprimento de alguma obrigação prevista


neste instrumento não importará em novação, mantendo-se hígidas todas as suas
cláusulas.

7.6 Caso algum Tribunal ou autoridade declare, por alguma razão, nula, inválida ou não
exequível qualquer cláusula, parte de uma cláusula, ou cláusulas, as restantes
cláusulas e/ou partes de cláusulas deste Contrato continuarão em vigor, devendo as

334
CAPÍTULO 8

partes negociar a substituição dessa disposição contratual por outra ou outras que
restabeleçam o equilíbrio contratual inicial.

7.7 As alterações ao presente negócio devem revestir a forma escrita e ser assinadas
pelas Partes. Os prazos, condições, garantias ou declarações que não constem do
presente instrumento não serão vinculativos.

7.8 Fica eleito o foro da Comarca de Salvador - BA, para solução de quaisquer questões
oriundas no presente contrato, renunciando as partes a qualquer outro foro, por mais
privilegiado que seja ou venha a se tornar.

Estando assim ajustadas e acertadas, assinam as Partes o presente contrato em 3 (três)


vias, de igual teor e forma, para um só efeito, depois de lidas e conferidas na presença
das testemunhas abaixo assinadas.

Salvador, Bahia, …

______________________________________

CPF/MF nº …

Promitente Vendedor

______________________________________

CPF/MF nº …

Promitente Vendedora

______________________________________

CPF/MF nº …

Promissário Comprador

______________________________________

335
CAPÍTULO 8

CPF/MF nº …

Testemunhas:

______________________________________

CPF/MF nº …

______________________________________

CPF/MF nº …

Lembrando que deve haver duas testemunhas para que vire título executivo
extrajudicial. Destaca-se o seguinte roteiro teórico com questões que devem se atentar
quando for fazer a promessa de compra e venda:

I. Por que fazer a promessa e não o contrato de compra e venda?

Veja que a promessa de compra e venda pode ser feita por instrumento particular,
independentemente do valor do imóvel. Nesse caso talvez faça sentido já haver um
instrumento contratual vinculativo para que depois se faça um instrumento definitivo,
pois se trata de uma negociação de valor elevado.

II. Forma será livre independentemente do valor?

Isso porque a forma do contrato de promessa de compra e venda independe do valor


do imóvel.

III. Primeira preocupação: partes. É necessário que haja vênia conjugal?

Fique atento para caso haja a necessidade de vênia conjugal. No modelo aqui descrito
não necessitava de vênia, pois os cônjuges eram coproprietários. No entanto, caso se
trate de um imóvel particular de alguém que é casado sob o regime da comunhão
parcial, aí teria que ter o vendedor (dono do imóvel) e o cônjuge dando a vênia
conjugal.

336
CAPÍTULO 8

IV. Segunda preocupação: Objeto.

O objeto deve ser bem detalhado, de modo a trazer a certidão de ônus com essa
especificação do objeto.

V. Terceira preocupação: Preço.

Outro aspecto que tem que estar bem detalhado é o preço.

VI. Quarta preocupação: Questões acessórias.

É importante trazer aquelas questões acessórias, como: vistoria, se os bens móveis


integram ou não etc.

VII. Devo levar a registro imobiliário.

É importante lembrar que a promessa de compra e venda, em tese tem que ser levada
a registro no Registro de Imóveis. Agora, se a compra e venda será feita na sequência, não
levar ao registro não se tornará um problema “tão grave assim.” Porque nesse caso, se fará a
compra e venda na sequência e leva ao registro e a coisa se resolve.

Destaca-se ainda, que tratando-se de promessa de compra e venda, cuja compra e


venda irão demorar muito para ser levada ao registro, neste caso, faz sentido fazer logo o
registro da promessa de compra e venda, enquanto se aguarda chegar ao momento da
escritura pública definitiva de compra e venda.

6.6. Modelo de Escritura Pública


Agora, que foi apresentado um modelo de Contrato de Promessa de Compra e Venda é
importante conhecer a estrutura de Escritura Pública de Compra e Venda, afinal de contas, o
contrato de promessa é perfeito e acabado, cujo objeto central é a obrigação de fazer um
contrato futuro, qual seja, uma compra e venda.

Como estamos na área do direito imobiliário, a tendência é que você esteja negociando
um imóvel, cujo valor ultrapasse a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Sendo assim, será necessário fazer a venda por escritura pública.

Veja que, é importante que se procure um tabelionato de confiança e peça um modelo


de Escritura Pública, ou então, apresente a documentação necessária (RG, CPF, Certidões
Negativas de Distribuidores Judiciais, Certidão de Ônus do imóvel etc.) e o tabelião irá gerar
uma minuta de escritura pública.

337
CAPÍTULO 8

Por vezes o advogado terá o trabalho de revisar esta minuta, fazendo ajustes, caso
necessário, mas não será a pessoa que efetivamente que irá confeccionar esta minuta.

Obviamente que a depender do Tabelionato de Notas irá haver algumas variações na


forma de redigir. Abaixo serão apresentados dois modelos de Escritura Pública:

ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA, QUE FAZ … A … NA DECLARADA NA


FORMA ABAIXO

SAIBAM quantos esta pública escritura virem ou notícias suas tiverem que nesta
cidade de Salvador, Comarca de igual nome, Estado da Bahia, neste 2ª Tabelionato de
Notas, perante mim, Escrevente, compareceram partes entre si justas e contratadas, a
saber: - de um lado como OUTORGANTE VENDEDOR: …, brasileiro, maior, casado,
divorciado, que declara não conviver em união estável, administrador, filiação: … e …,
nascido em …, natural de CIDADE/UF, portador da cédula de identidade RG nº …,
inscrito no CPF nº …, residente e domiciliado na Rua …, e-mail …, e do outro lado, como
OUTORGANTE COMPRADOR: …, brasileira, maior, capaz, divorciada, administradora,
filiação: … e …, nascida em …, natural de CIDADE/UF, portadora da cédula de identidade
RG nº …, inscrita no CPF nº …, residente e domiciliada na Rua …, e-mail; pessoas pelas
próprias por mim reconhecidas, ou identificadas documentalmente, do que dou fé.
PRIMEIRO - DO IMÓVEL: Pelo Outorgante Vendedor me foi dito que a justo título é o
senhor e possuidor, com livre e geral administração, do seguinte imóvel:
APARTAMENTO DE nº … da porta … e de inscrição no Cadastro Imobiliário Municipal,
integrante do prédio denominado …, situado na Rua …, devidamente registrado,
descrito e caracterizado na matrícula nº … no …, Ofício de Registro de Imóveis da
Comarca de Salvador - Bahia, nos termos da Certidão de Ônus emitida em xx/xx/xxxx.
SEGUNDO - FORMA DE AQUISIÇÃO: Havia dito imóvel por Contrato Particular datado
de …, nos termos da … da referida matrícula. TERCEIRO - DISPONIBILIDADE: O
vendedor declara que o imóvel objeto do negócio está livre de ônus reais fiscais e
outros judiciais e extrajudiciais, inexistindo em relação a eles ações reais e pessoais
reipersecutórias, o que é declarado para os efeitos do Decreto Federal nº 93. 240/1986,
art. 1ª, § 3º. A vendedora declara que o imóvel está quite com todas as suas despesas
condominiais. QUARTO - CADASTRO: O imóvel objeto desta Escritura encontra-se
cadastrado no Censo Imobiliário Municipal sob o nº …, com o valor venal atualizado de
…. QUINTO - PREÇO E PAGAMENTO: O imóvel objeto desta escritura foi vendido pelo
preço certo e previamente convencionado de {VALOR DECLARADO} (valor por extenso),
como por bem desta Escritura e na melhor forma de direito, que confessa o
Outorgante Vendedor já haver recebido dela Outorgada Compradora, em moeda
corrente deste País, da seguinte forma: FORMA DE PAGAMENTO, DATA, CONTAS DE
DÉBITO E CRÉDITO, dando neste ato à compradora plena, geral e irrevogável quitação

338
CAPÍTULO 8

de paga e satisfeita para nada mais reclamar. SEXTO - TRANSMISSÃO: Assim, o


vendedor transfere toda a posse desde já, o jus dominii, direitos e ações sobre o
imóvel ora vendido, negócio que se complementará com o registro desta escritura no
… Ofício de Registro de Imóveis de Salvador - Bahia. A vendedora promete por si ou
sucessores a fazer esta venda sempre boa, firme e valiosa respondendo pela evicção
de direito, quando chamada à autoria, na forma da lei. SÉTIMO - TRIBUTOS: O
imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos (ITIV), devido
pela presente, no valor de {VALOR _ITIV} (valor por extenso) foi recolhido à Prefeitura
Municipal de Salvador/BA, transação nº, imóvel inscrito junto ao Censo Imobiliário
Municipal sob o nº 630.447-8, pago junto ao Banco em dd/mm/aaaa, calculado com
base na alíquota de 3% . Tendo sido o ITIV calculado sobre o valor venal ou da
transação, qual seja R$ xx,xxx (valor por extenso), vez que o valor venal atualizado é de
R$ xx,xxx (valor por extenso). OITAVO - DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS: Foram
apresentadas as seguintes certidões e documentos, cujas cópias ficam arquivadas
digitalmente nestas Notas e seus originais são devolvidos às partes contratantes, nos
termos do art. 145, § 1º, do Código de Normas dos Serviços Extrajudiciais do Estado da
Bahia: a) Do vendedor: RG, CPF, Certidão de Casamento com Averbação de Divórcio; b)
Do comprador: RG, CPF, Certidão de Casamento com Averbação de Divórcio; c) Do
imóvel: Certidão de ônus expedida em xx de xx de xxxx, a qual passa a ser parte
integrante desta Escritura; DAM e comprovante de pagamento de Imposto de
Transmissão - ITIV; Certidão Negativa de Débitos Tributários Municipais, de nº
11155933, código de controle 05DA9037EBB16F00E4F3D7C03D5FEC6, válida até
01/02/2023. NONO - DAS CERTIDÕES: Nos termos do art. 1.150, do Código de Normas
Extrajudiciais do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, fica dispensada a
apresentação das certidões dos distribuidores do foro das Justiças Estadual, Federal e
Trabalhista. Foi dispensada a Declaração de Quitação Condominial com firma
reconhecida, bem como a cópia da ata de eleição do síndico, estando ciente o
outorgado comprador da responsabilidade por eventuais débitos, nos termos do art.
1.149, parágrafo único do Código de Normas da CGJ-BA. Certidão Negativa de Débitos
Trabalhistas dispensada, em razão do disposto no art. 121, parágrafo 2º, e 1.295,
parágrafo 2º, CNP-BA. Declara o outorgado comprador que está ciente da possibilidade
da possibilidade obtenção gratuita e prévia da Certidão Negativa de Débitos
Trabalhistas (CNDT) em nome da alienante, e que está ciente, sob as penas da Lei, das
consequências da não apresentação da referida certidão. De acordo com o Provimento
CGJ nº 09/2018, ficam dispensados os Tabeliães de exigir a exibição da Certidão
Negativa ou Positiva de débitos relativos a créditos tributários, contribuições e outras
imposições pecuniárias compulsórias Federais e Dívida Ativa da União (CND), emitida
pela RFB, em virtude da dispensa da referida certidão, declara o outorgado comprador
que, está ciente, sob as penas da Lei, das consequências da não apresentação,
conforme art. 121, § 2º c/c 1.295, §2º do Código de Normas da Bahia. DÉCIMO-
CONSULTA À CENTRAL DE INDISPONIBILIDADE DE BENS: Foi feita a consulta à base
de dados da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens e o resultado foi NEGATIVO

339
CAPÍTULO 8

- Código Hash: {OUTORGANTE_HASH}. DÉCIMO PRIMEIRO - DECLARAÇÕES FINAIS:


Emitida regularmente a D.O.I (Declaração de Operações Imobiliárias), conforme
Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 1.112 de 28/12/2010 e dentro
do prazo estabelecido pela Instrução Normativa da RFB. Os Representantes da
Outorgante Vendedora e Outorgante Comprador, declaram neste ato, para os
devidos fins, que não são pessoas politicamente expostas, atualmente ou nos
últimos 05 (cinco) anos, que não são familiares em linha reta até segundo grau ou
cônjuge , companheiro, enteado ou estreito colaborador de pessoa politicamente
exposta e que não possuem envolvimento com terrorismo, conforme o art. 9º,§
6º, do provimento nº 88 do CNJ, de 01 de outubro de 2019, alterado pelo
Provimento nº 90, de 12 de fevereiro de 2020 c/c Resolução ME nº 31/2019. As
partes autorizam o Ofício de Registro de Imóveis competente a proceder ao registro e
averbação necessários. Foram cumpridas as exigências legais e fiscais inerentes à
legitimidade do ato. De acordo com o Art. 119, § 1º do Código de Normas da CGJ-BA,
na ausência de assinatura de uma das partes, após transcorridos 30 (trinta) dias
contados da lavratura do ato, o Tabelião declarará incompleta a escritura e
consignará, individualizando, as assinaturas faltantes; e advertidas as partes no
corpo da escritura serão devidas as taxas e emolumentos correspondentes. Assim
o dizem e dou fé. A pedido das partes, lavrei esta Escritura consoante o que faculta o
art. 215 do Código Civil Brasileiro, dispensadas as testemunhas instrumentárias, por
ausência de atual previsão legal e normativa. Após lida e facultada a leitura, as partes
aceitam e outorgam este instrumento, conforme redigido, assinando-o em minha
presença.

Temos aqui uma segunda minuta de Escritura Pública. Lembrando que essa escritura
pública de compra e venda não lhe torna, ainda, proprietário do bem. O adquirente
não é o proprietário, porque tem a escritura pública de compra e venda. Esse
instrumento deve ser levado na sequência ao registro imobiliário, sendo esse um
pressuposto necessário.

SAIBAM quantos esta pública escritura virem ou notícias suas tiverem que, aos … dias
do mês de … do ano de …, nesta cidade de Salvador, Comarca de igual nome, Estado da
Bahia, neste … Tabelionato de Notas, perante mim, xxxxxxxxxx, compareceram partes
entre si justas e contratadas, a saber: - de um lado como OUTORGANTES
VENDEDORES: …, brasileiro, maior, capaz, engenheiro, filiação: … e …, nascido em …,
natural de Salvador/BA, portadora da cédula de identidade RG nº …, inscrito no CPF sob
o nº …, endereço eletrônico …, casados entre si, sob o Regime da Comunhão Parcial de
Bens, com celebração em …, e registro em …, e do outro lado, como OUTORGANTES
COMPRADORES: …, brasileiro, maior, capaz, engenheiro, filiação: … e …, nascida em …,
natural de CIDADE/UF, portadora da cédula de identidade RG nº …, inscrita no CPF nº …,
endereço eletrônico …, casados entre si, sob o Regime da Comunhão Parcial de Bens
registrado em … nos termos da certidão de casamento emitida pelo RCPN da Comarca

340
CAPÍTULO 8

de …, sob matrícula nº …, residentes e domiciliados na …, pessoas pelas próprias por


mim reconhecidas, ou identificadas documentalmente, do que dou fé. PRIMEIRO - DO
IMÓVEL: Pelos Outorgantes Vendedores me foi dito que a justo título são senhores e
possuidores, com livre e geral administração, do seguinte imóvel: …. O imóvel
encontra-se registrado no 6º Ofício de Registro de Imóveis, sob matrícula nº …, nos
termos da certidão do registro de imóvel apresentada em …. SEGUNDO - FORMA DE
AQUISIÇÃO: Havia dito imóvel por Instrumento Particular de Compra e Venda,
conforme … da certidão de ônus. TERCEIRO - DISPONIBILIDADE: O imóvel objeto
encontra-se alienado em caráter Fiduciário ao Itaú Unibanco S/A. Os vendedores
declaram que o imóvel está quite com todas as suas despesas condominiais. QUARTO
- CADASTRO: O imóvel objeto desta Escritura encontra-se cadastrado no Censo
Imobiliário Municipal, com o valor venal atualizado de …. QUINTO - PREÇO E
PAGAMENTO: O imóvel objeto desta escritura foi vendido pelo preço certo e
previamente convencionado de …, como por bem desta Escritura e na melhor forma de
direito, que confessa os Outorgantes Vendedores já haver recebido deles Outorgados
Compradores, em moeda corrente deste País, da seguinte forma: …, dando neste ato à
compradora plena, geral e irrevogável quitação de paga e satisfeita para nada mais
reclamar. SEXTO - TRANSMISSÃO: Assim, os vendedores transferem toda a posse
desde já, o jus dominii, direitos e ações sobre o imóvel ora vendido, negócio que se
complementará com o registro desta escritura no … Ofício de Registro de Imóveis de
Salvador - Bahia. Os vendedores prometem por si ou sucessores a fazer esta venda
sempre boa, firme e valiosa respondendo pela evicção de direito, quando chamada à
autoria, na forma da lei. SÉTIMO - TRIBUTOS: O imposto sobre transmissão de bens
imóveis e de direitos a eles relativos (ITIV), devido pela presente, no valor de … foi
recolhido à Prefeitura Municipal de Salvador/BA, transação nº, imóvel inscrito junto ao
Censo Imobiliário Municipal sob o nº …, pago junto ao Banco Itaú em …, com
vencimento em …, calculado com base na alíquota de 3% . Tendo sido o ITIV calculado
sobre o valor da transação, qual seja …. OITAVO - DOS DOCUMENTOS
APRESENTADOS: Foram apresentadas as seguintes certidões e documentos, cujas
cópias ficam arquivadas digitalmente nestas Notas e seus originais são devolvidos às
partes contratantes, nos termos do art. 145, § 1º, do Código de Normas dos Serviços
Extrajudiciais do Estado da Bahia: a) Dos vendedores: RG, CPF, Certidão de Casamento;
b) Dos compradores: RG, CPF, Certidão de Casamento; c) Do imóvel: Certidão de ônus
expedida em 09 de junho de 2022, a qual passa a ser parte integrante desta Escritura;
DAM e comprovante de pagamento de Imposto de Transmissão - ITIV; Certidão
Negativa de Débitos Tributários Municipais, de nº 10689700, código de controle
F73BDFC4AC015633304F728394544938, válida até 18/09/2022. NONO - DAS
CERTIDÕES: Foi dispensada a Declaração de Quitação Condominial com firma
reconhecida, bem como a cópia da ata de eleição do síndico, estando ciente o
outorgado comprador da responsabilidade por eventuais débitos, nos termos do art.
1.149, parágrafo único do Código de Normas da CGJ-BA. Foram apresentadas as
seguintes certidões: Dos Vendedores: …. DÉCIMO - AVERBAÇÕES: Oportunidade em

341
CAPÍTULO 8

que solicita ao competente registro de imóveis averbação do Termo de Liberação de


Alienação Fiduciária emitido pelo Banco Itaú, nº do contrato 10131025505, em 30 de
junho de 2022. DÉCIMO PRIMEIRO - CONSULTA À CENTRAL DE INDISPONIBILIDADE
DE BENS: Foi feita a consulta à base de dados da Central Nacional de Indisponibilidade
de Bens e o resultado foi NEGATIVO - Código Hash: ….

O percurso no direito imobiliário é esse: inicia-se pela formalização do contrato de


promessa de compra e venda (instrumento particular de forma livre), na sequência procede-
se a escritura pública de compra e venda - se for imóvel cujo valor exceda a trinta vezes o
maior salário mínimo vigente no País, e posteriormente é necessário o registro imobiliário, e
aí sim, o sujeito torna-se proprietário daquele bem.

7. DOAÇÃO
7.1 Definição, Características e Interpretação
A definição do contrato de doação encontra-se no artigo 538 do Código Civil que diz o
seguinte: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do
seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. É curioso a comparação da redação atual
dada pelo art. 538 do CC com a anterior, a qual tinha um acréscimo da seguinte expressão
escrita: “que os aceita”.

Então, a redação do Código anterior detinha a seguinte composição: “Considera-se


doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou
vantagens para o de outra, que os aceita.”

É nesse sentido que se estabelece o seguinte questionamento: a aceitação do contrato


de doação é necessária ou não para que este contrato esteja perfeito e acabado? No
momento em que o CC/02 retira a expressão que os aceita, isso significa que para que haja
contrato de doação não é necessária aceitação? A Doutrina e a Jurisprudência indicam que a
doação exige sim aceitação, ainda que a lei não faça mais essa menção expressa.

Essa aceitação que, ainda se demanda para que haja doação, pode se dar de quatro
formas, quais sejam, pode ser expressa - aquilo que é expresso é incontroverso. Como
exemplo, João aceita um presente e diz “muito obrigado”. A aceitação expressa também pode
se dar por escrito. É importante que se faça essa distinção, pois muitos acabam por
confundir expresso com escrito, e expresso e escrito não são expressões sinônimas.

A aceitação também pode ser tácita, e esta se verifica quando há a prática de um ato
incompatível com a recusa, onde não se diz expressamente que aceita - não pratica, por
consequência ato incontroverso de aceitação, no mesmo sentido em que se pratica uma
conduta incompatível com a recusa. Como exemplo, João recebe um presente, mas não diz
que aceita, e concomitantemente o leva para casa.

342
CAPÍTULO 8

É importante ressaltar que a aceitação também pode se dar de forma presumida, na


medida em que o artigo 539 do CC diz que o doador pode fixar prazo para que o donatário
aceite a liberalidade, e se o donatário ciente do lapso temporal nada fizer entende-se que
houve o aceite, se não for sujeita a encargo.

Para ficar mais compreensivo, a doação pura é aquela em que não há nenhum modo
ou encargo, de modo a não se exigir nenhuma contraprestação: abre-se mão de algo, sem
esperar receber algo em troca. Portanto, se essa doação é pura de modo a ser estabelecido
um prazo para aceitação e o donatário, que é o destinatário daquela doação, fica em silêncio
a aceitação se presume (Doação Pura com prazo + silêncio do donatário).

Há uma quarta forma de aceitar que é a ficta que está presente no art. 543 do CC,
assim, se o donatário for absolutamente incapaz e a doação for pura, a aceitação está
dispensada nos seguintes termos: “Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a
aceitação, desde que se trate de doação pura”.

O raciocínio a que chegou o legislador é que se a doação é pura não há nenhum tipo
de encargo, de forma que o absolutamente incapaz não teria qualquer prejuízo por isso a
aceitação ficta. A própria norma já gera essa aceitação.

Quando se fala em doação, tem-se dois sujeitos envolvidos: o doador que é aquele que
está “abrindo mão” do patrimônio e o donatário que é aquele que está recebendo o
patrimônio ou vantagem. Esse contrato de doação em suas características usuais é gratuito e
unilateral. Na regra geral, a doação é gratuita e unilateral porque onerará apenas uma das
partes. É o que se chama de Contrato Benéfico.

Mas aí surge a seguinte questão: a doação poderá ter modo ou encargo? A resposta é
positiva sendo possível a doação modal e nesse cenário o contrato de doação deixa de ser
gratuito, unilateral e benéfico passando a ser um contrato bilateral e oneroso por onerar as
partes de forma bilateralmente. Conclui-se que é viável sim, uma doação modal (com encargo
ou modo), momento em que este contrato será travestido da figura onerosa. Ademais, esse
modo ou encargo pode ser em favor do doador, como de terceiros, ou ainda, em favor da
coletividade.

Nessa linha de pensamento o art. 533 do CC ensina que o donatário será obrigado a
cumprir os encargos, caso seja em benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral nos
seguintes termos: “O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a
benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral”.

Um detalhe importante é que se for em benefício do interesse geral, o Ministério


Público pode exigir a execução do encargo depois da morte do doador, se este não estiver
feito. Afinal de contas, se é do interesse geral, há um interesse da coletividade o que legitima
a atuação do órgão ministerial ao buscar o cumprimento desse encargo, se o doador não
tiver feito em vida.

343
CAPÍTULO 8

Veja que, a regra geral é a doação como um contrato unilateral, gratuito, benéfico e
terá interpretação restritiva (estrita), nos termos do art. 114 do CC. Afinal de contas, o negócio
jurídico benéfico e a renúncia merecem uma interpretação estrita. O raciocínio é o seguinte:
se alguém está abrindo mão de algo sem receber nada em troca, que tenha pelo menos o
benefício da interpretação restrita.

Há também figuras contratuais outras que têm interpretação restrita, como a fiança
prevista no art. 819 do CC: “A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação
extensiva”. O verbete sumular nº 214 da Jurisprudência do STJ também ratifica isso ao
estabelecer que “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento
ao qual não anuiu”.

Lembrado, porém, que isso não impede que haja cláusula contratual estabelecendo
que na prorrogação automática o fiador se obriga, nos termos da Súmula 656-STJ: “É válida a
cláusula de prorrogação automática de fiança na renovação do contrato principal. A
exoneração do fiador depende da notificação prevista no art. 835 do Código Civil”.

Além disso, também temos como interpretação restrita, a transação prevista no art.
843 do CC: “A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmite, apenas se
declaram ou reconhecem direitos”.

A fiança tem interpretação restrita por uma causa muito simples, ou seja, o fiador se
torna responsável por débito alheio - assume a responsabilidade por algo que nem deve. É
nesse sentido que entende o legislador que tem de pactuar por escrito e de forma restrita.

Já a transação é importante dizer que se trata de um acordo com concessões


recíprocas. Nessa linha de pensamento é que se verifica que a interpretação há de ser
restritiva por se querer impedir a quebra no equilíbrio do contrato.

Ainda, na regra geral, o contrato de doação para além de gratuito e unilateral é formal.
Geralmente quando o contrato é gratuito, a lei exige que seja por escrito. O art. 541, caput, do
CC é direto ao informar que a doação será feita por escritura pública ou instrumento
particular.

Um ponto interessante é que a exceção à regra do contrato por escrito consta do


parágrafo único do art. 541 que estabelece que a doação verbal será válida e, portanto, viável
se disser respeito a um bem móvel de pequeno valor e na qual se tenha logo a tradição. A
Doutrina chama de Doação Manual ou Doação de Bagatela.

Nesse caso, se a doação é de um bem móvel de pequeno valor e na qual de imediato


há a entrega, a forma é livre. É por isso que a maioria das doações, vistas diariamente são de
bens móveis de pequeno valor e nas quais há de logo a entrega, têm-se a forma livre.

A exceção acaba sendo o instrumento escrito. Mas, por exemplo, quando se estiver
diante de doação de bem imóvel, é importante recordar do art. 108 do CC, ao qual estabelece

344
CAPÍTULO 8

que negócios envolvendo imóveis cujo valor ultrapasse a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País haverão de serem realizados por escritura pública.

Ou então, se o imóvel é inferior a trinta vezes o maior salário mínimo, em tese, basta
que seja por instrumento particular. Nos dois casos, obviamente, terá que levar o título ao
registro imobiliário para que haja a transferência proprietária e recolher o respectivo tributo
de doação.

7.2 Objeto
O objeto do contrato de doação, em certa medida, está no próprio conceito legal, na
medida em que o art. 538 do CC já diz que o objeto do contrato de doação é a transferência
de bens ou vantagens. Então, o que o doador está transferindo ao donatário são bens ou
vantagens.

A primeira discussão específica acerca desse objeto é que não exige o legislador que
esse objeto seja um bem material, isto é, que seja uma coisa revestida de materialidade. Para
além disso, é importante recordar que o legislador também permite a chamada Doação por
Subvenção Periódica ou por Cotas Periódicas - aquela doação que vai se renovando no
tempo.

Registra-se, inclusive sobre esse assunto que tem previsão legal, uma vez que, o art.
545 do CC indica que: “A doação em forma de subvenção periódica ao beneficiado extingue-
se morrendo o doador, salvo se outra coisa dispuser, mas não poderá ultrapassar a vida do
donatário.”

Então, por exemplo, caso João se comprometa a todo mês doar uma cesta básica para
instituição de caridade, no dia do seu falecimento, esta obrigação se extingue e, portanto, se
resolve.

Contrariamente, temos a situação em que o doador morre na doação de subvenção de


cota periódica e ainda fica obrigado a essa cota periódica, o qual, está previsto no art. 1.920
do CC trata do chamado Legado Alimentar deixando um valor a título de legado para que seja
utilizado para essa doação de subvenção periódica.

Como exemplo, dessa segunda situação tem-se o seguinte: João doa uma cesta básica
por mês a uma determinada instituição de caridade deixando um valor em uma conta e um
testamento informando que na data do falecimento aquele valor será utilizado para fins de
legado alimentar, seguindo com essa subvenção de cota periódica até consumir todo aquele
valor.

Agora, é importante registrar que essa doação em subvenção de cota periódica não
poderá ultrapassar a vida do donatário. Assim, se o donatário falecer ou no caso de a pessoa
jurídica for extinta, por óbvio, essa doação se findará.

345
CAPÍTULO 8

Além disso, deve-se recordar que nos contratos em geral não é possível, nem mesmo
viável ser objeto de contrato a herança de pessoa viva é o que disciplina o art. 426 do CC:
“Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. É o que se chama de Vedação à
Pacta de Corvina.

A razão em se restringir essa contratação sobre herança de pessoa viva é que se busca
evitar o estímulo ao homicídio. Por esse viés ético não se permite esse contrato sobre
herança de pessoa viva.

7.3. Situações especiais


Retrata-se as situações especiais que habitam o contrato de doação. Passa-se então, a
analisar um rol de situações que podem ocorrer na prática, em relação às quais o
ordenamento jurídico têm bastante cuidado, daí denomina-se de situações especiais:

7.3.1. Doação de ascendente para descendente e entre cônjuges

A primeira delas é a doação de ascendente para descendente e a doação entre


cônjuges. E aí surge a seguinte pergunta: é possível a doação de ascendente para
descendente, ou ainda, entre cônjuges? A resposta é positiva, sendo plenamente viável e
possível. Aliás, perceba que usualmente as doações de ascendentes para descendentes ou
doações entre cônjuges são realizadas.

O cuidado que o legislador toma é que o art. 544 do CC nos diz que: “A doação de
ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes
cabe por herança”. É o que se chama de Antecipação ou Adiantamento da Legítima. Imaginem
a seguinte situação: João é pai de Caio e Marina. João resolve doar um imóvel à Marina de R$
500.000,00.

Essa doação entre ascendente e descendente é plenamente possível. No entanto, no


momento em que João morrer, se a herança for dividida igualitariamente entre Caio e Marina,
chega-se à conclusão que Marina será mais beneficiada porque além dos cinquenta por cento
da herança terá recebido a doação do imóvel.

É por isso que, nesse caso de doação de ascendente para descendente, o legislador de
forma cuidadosa diz que aqui se configurará um adiantamento, antecipação da herança, de
modo que, no momento do falecimento de João esse valor terá que ser levado à colação -
operação matemática cujo objetivo é igualar os quinhões hereditários. A ideia é se buscar
uma igualdade do quinhão hereditário, portanto, da quota da Marina se descontará os R$
500.000,00.

Quando se fala em sistema sucessório, o Brasil adota o sistema da divisão necessária,


assim, de todo o patrimônio que se possui cinquenta por cento são disponíveis e os outros
cinquenta por cento são indisponíveis - é o que se chama de Legítima. Nesse sentido, os
cinquenta por cento indisponíveis são enquadrados como legítima.

346
CAPÍTULO 8

E aí surge a seguinte pergunta: dentro da cota disponível é possível o endereçamento,


parcial ou total, a apenas um dos filhos, ou ao esposo/esposa? A resposta é positiva, sendo
plenamente viável.

Trata-se de uma dúvida extremamente recorrente, entendendo-se que não há a


quebra da igualdade/isonomia entre os filhos. É aconselhável que no ato da doação, por
conta do cuidado da lei em dizer que importa em antecipação de herança, é importante
informar que a doação está saindo da quota disponível, e por isso, não depende de colação.

Outro detalhe interessante, ao se analisar a compra e venda de ascendente para


descendente que está no art. 496 do CC é possível verificar que há um regramento jurídico
específico direcionado a este assunto. Isso porque, na compra e venda entre ascendente e
descendente se faz necessário o consentimento expresso dos demais descendentes e do
cônjuge, sob pena de anulação do ato que curvará ao prazo decadencial de dois anos,
contados da conclusão do ato, nos termos do art. 179 do CC.

Veja que, na compra e venda entre ascendentes e descendentes poderá dispensar o


consentimento do cônjuge se o casamento for no regime da separação obrigatória de bens.
Por outro lado, nos demais regimes se exigirá esse consentimento. Perceba que na doação de
ascendente para descendente não se exige o consentimento dos demais descendentes e do
cônjuge.

7.3.2. Doação onerosa?

A doação, na segunda hipótese pode ser onerosa, que é a famosa Doação com Modo
ou Encargo, também conhecida por Doação Modal. Aquela na qual se tem uma
contraprestação podendo ser em favor do doador, de terceiro, ou ainda, do interesse da
coletividade, nos termos do art. 553 do CC: “O donatário é obrigado a cumprir os encargos da
doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral”.

Essa doação se traveste do regramento de contrato oneroso, na medida em que se


aplica a ela a exceção do contrato não cumprido - instituto afeto aos contratos onerosos; se
aplica, ainda, os vícios redibitórios; evicção - que são institutos dos contratos onerosos.
Lembrando que, em regra geral a doação é pura. Isso porque, quem doa, não espera receber
nada em troca.

7.3.3. Doação remuneratória

A doação pode ser ainda remuneratória que está prevista no art. 540 do CC, nos
seguintes termos:

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não


perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou
a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo
imposto.

347
CAPÍTULO 8

A Doutrina chama também de Contemplação do Merecimento do Donatário. Diz a lei


que essa espécie de doação não perde o caráter de liberalidade. Leia-se, por conseguinte, que
ela se enquadra como uma doação pura, e mais, não perde o caráter de remuneração, acaso
o bem doado tenha valor superior à suposta remuneração.

7.3.4. Doação conjuntiva?

Adentrando na quarta modalidade de doação, será abordado a doação conjuntiva


prevista no art. 551 do CC: “Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de
uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual. Parágrafo único. Se os donatários, em
tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo”.

Nesse sentido, pergunta-se se é possível endereçar a doação a mais de uma pessoa? E


a resposta é positiva. É importante destacar que isso acontece muito no direito imobiliário,
assim, às vezes um pai em sede de planejamento sucessório procede a uma partilha em vida,
através de instrumento de doação, transferindo um determinado imóvel a mais de uma
pessoa, concomitantemente. Isso permite afirmar que é viável que se faça uma doação
endereçando-a a mais de uma pessoa.

Nessa hipótese, a presunção é que a doação se distribuirá por igual. Portanto,


tratando-se da doação de um imóvel para João e Maria, presume-se que é cinquenta por
cento para João e os outros cinquenta por cento para Maria. Obviamente, nada impede que
se tenha uma cláusula ou ajuste de vontades no sentido de uma divisão desigual.

É importante ressaltar que nessa doação conjuntiva se os destinatários - os donatários


forem marido e mulher haverá o chamado direito de acrescer. Então, por exemplo, caso for
doado um imóvel a João e Maria e eles são casados entre si, e João vem a óbito o imóvel fica
por inteiro para Maria. A ela vai acrescer a quota parte de João. A lei fala em marido e mulher
para regulamentar esse direito de acrescer, e aí surge a seguinte dúvida: e se forem
companheiros? Por analogia, entende-se que em relação aos companheiros haverá esse
direito de acrescer.

7.3.5. Doação inoficiosa

A doação inoficiosa é aquela que invade a legítima - quota indisponível. Veja que de
todo o patrimônio, cinquenta por cento é disponível e os outros cinquenta por cento
indisponível (legítima). Nessa linha de pensamento, é possível a doação da quota disponível a
quem quer que seja. No entanto, imaginem a doação de setenta por cento do patrimônio, a
isso se chama de doação inoficiosa. Significa que aquela doação invade a legítima, e por
consequência a quota indisponível.

Pergunta-se: qual será a consequência jurídica dessa doação inoficiosa? O art. 549 do
CC responde que é “Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador,
no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.” Veja que é nula quanto a parte

348
CAPÍTULO 8

que exceder, e não a doação toda. É nesse sentido que será nulificado o excesso procedendo-
se a um redutor dessa doação.

7.3.6. Doação universal (art. 548 do CC)

A doação universal é quando o doador resolve doar todo o patrimônio. Nessa situação,
o legislador fica muito preocupado entendendo o seguinte: “É nula a doação de todos os bens
sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”. Portanto, ou o
sujeito reservou parte do patrimônio, ou renda suficiente para a sua subsistência, ou então,
vai se nulificar toda a doação. Há doutrinador que entende de modo contrário ao legislador
chegando-se a conclusão que deveria se nulificar apenas parte da doação.

Uma saída muito usual nessa situação especial é o usufruto vitalício, na medida em
que se o sujeito quer doar todo o patrimônio, ao menos em parte ou em todo dele, se quiser
vai se gravar de usufruto vitalício. A ideia é que os frutos e o uso relacionado àquele
patrimônio fiquem com o doador.

7.3.7. Doação com cláusula de reversão (art. 547 do CC)

A doação pode ter, ainda, uma cláusula de reversão chamada de cláusula de retorno.
Essa cláusula prevê que se o doador sobreviver ao donatário leia-se, se o donatário vir a óbito
primeiro, o patrimônio retornará ao doador. Um detalhe importante é que não é viável que
essa cláusula seja em favor de terceiro, nos termos do art. 547 do CC: “O doador pode
estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.
Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro”.

7.3.8. Doação em favor de entidade futura (art. 554 do CC)

A doação pode ser, ainda, em favor de uma entidade futura. Imaginem que João
pretenda abrir uma fundação de amparo aos estudiosos do direito civil, tendo sido doados
vinte livros para a futura pessoa jurídica que será constituída. O detalhe é que nos termos do
art. 554 do CC: “A doação a entidade futura caducará se, em dois anos, esta não estiver
constituída regularmente”.

7.3.9. Doação para casamento futuro com certa e determinada pessoa?

Na doação para casamento futuro com certa e determinada pessoa, temos o seguinte
exemplo: doação de um apartamento para Maria, se ela for casar com João. É importante
destacar que essa hipótese especial trata de uma doação sob condição suspensiva.

É tecnicamente uma condição, porque o casamento é um evento futuro e incerto, de


modo que, enquanto não implementada essa condição não há aquisição, tampouco, exercício
do direito.

Além disso, é de se ressaltar que a Doutrina e o próprio Código Civil chegam a


conclusão de que essa doação acaba sendo onerosa, isso porque, considerando o exemplo,

349
CAPÍTULO 8

para Maria receber o apartamento vai ter o ônus de se casar com João. A essa doação se
aplicará toda a roupagem dos contratos onerosos. O art. 546 do CC diz o seguinte:

Art. 546. A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e


determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um
deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode
ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento
não se realizar.

É nesse sentido que, acontecendo o casamento, presume-se que houve aceitação


daquela doação, que a condição suspensiva deixou de existir, e assim, a consequência
jurídica é a entrega do apartamento à Maria.

7.3.10. Doação em prejuízo à credores?

Pergunta-se a possibilidade de se fazer uma doação em prejuízo à credores? Essa


doação por óbvio vai se enquadrar como uma fraude contra credores, o que consta do art.
158 e ss. do Código Civil.

Inclusive, por ser um ato gratuito, por se tratar de uma doação é possível verificar a
presença de má-fé, isso porque, ao invés do sujeito vender o que tem para pagar os credores,
resolve sair doando os seus bens, o que caracteriza fraude contra credores.

Para recordar, é importante dizer que a fraude contra credores é combatida mediante
um remédio específico, denominado de Ação Pauliana, o qual tem o objetivo de anular esse
ato que foi praticado.

7.3.11. Doação para o amante?

Será que é possível a doação de bens para o amante ou como chama o Código Civil ao
cúmplice do adultério? O art. 550 do Código Civil, diz que essa doação ao cúmplice do
adultério é ato anulável no prazo de até dois anos, depois de dissolvida a sociedade conjugal:
“A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por
seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”.

Imaginem a situação: João é casado com Maria e doou um imóvel à sua amante, Ana.
No dia em que for dissolvida a sociedade conjugal entre João e Maria, esta terá o prazo de até
dois anos para anular essa doação, com a propositura da ação. A consequência jurídica é que
esse patrimônio retornará ao doador passando a entregar a eventual partilha, meação.
Lembrando que, podem ajuizar a referida ação tanto o cônjuge que foi enganado, quanto os
seus herdeiros.

7.3.12. Promessa de doação?

Ainda nas questões especiais da doação pergunta-se: será que é viável a promessa de
doação? Esse é um debate doutrinário e jurisprudencial secular sobre a (in)possibilidade da
promessa de doação. Basicamente, a Doutrina e a Jurisprudência vêm dividindo esse contrato

350
CAPÍTULO 8

preliminar de doação ou promessa de doação para analisar se está diante de uma promessa
de doação pura ou onerosa.

A promessa de doação pura é aquela em que o sujeito promete doar algo, sem esperar
nada em troca. A dúvida que fica é: será que essa promessa de doação pura vincula, ou seja
caso o sujeito não doe o bem, o promitente/promissário donatário pode exigir a entrega da
coisa ou perdas e danos, ou ainda será que essa promessa de doação pura não traz nenhum
tipo de vinculação?

7.3.13. Promessa de doação

Veja que, em relação à vinculação ou não da promessa de doação, temos a existência


de três teses. A primeira é da não vinculação - inclusive, essa é a posição adotada pela
jurisprudência do STJ, com base em precedentes antigos do STF. Essa primeira tese diz que na
doação pura, o animus donandi, isto é a intenção de doar tem que ser atual.

A segunda tese, entende que haverá perdas e danos com base na Teoria do Abuso de
Direito, especificamente, a quebra de confiança, da boa-fé, ou então da “nemo potest venire
contra factum proprium” - proibição do comportamento contraditório.

A ideia é que não é admissível a criação de expectativa em alguém de uma


determinada conduta, com a posterior ruptura unilateralmente e sem nenhum tipo de
justificativa.

Veja que, caso tenha sido prometido a doação de algo, ainda que, em sede de doação
pura, e depois, injustificadamente, não houver a transferência desse bem ao sujeito resta
caracterizado por essa segunda tese o direito à indenização.

A terceira tese é a da obrigatoriedade, que tem como defensores os professores


Cristiano Chaves e Flávio Tartuce - segundo a qual, na promessa de doação pura o animus
donandi já foi externado e, portanto, se verifica que há de ter obrigatoriedade, por conta da
força obrigatória dos contratos.

Veja, então, que a primeira tese, a da não vinculação é a adotada na promessa de


doação pura pelo STJ e assim, não vincula e nem tem perdas e danos, isso porque o animus
donandi tem que ser sempre atual. A segunda tese é a da perda e danos, que é adotada, por
exemplo, pela doutrinadora portuguesa Ana Prata, a qual entende que haveria uma quebra
da expectativa gerando o dever de indenizar.

A terceira tese adotada pelos professores Flávio e Cristiano advoga a ideia que já houve
a manifestação da intenção da promessa e que, portanto, o contrato se deve ter como
obrigatório.

É importante frisar que a coisa muda de figura quando se passa a analisar a promessa
de doação no cenário oneroso. No caso da promessa de doação em contrato oneroso a
Jurisprudência vem entendendo como vinculante, sendo importante setorizar. Em vista disso,

351
CAPÍTULO 8

enquanto que a promessa de doação pura, segundo o STJ, não gera nenhuma obrigação, a
onerosa vincula e é plenamente exigível.

7.4. Revogação da doação


Uma vez feita a doação é possível a sua revogação? A doação perfeita e acabada, a
priori é irrevogável e irretratável. Por outro lado, isso não quer dizer que essa doação não
possa, eventualmente, ser invalidada por vício de consentimento ou de validade.

É importante que se diga que há no ordenamento jurídico duas hipóteses excepcionais


de revogação da doação, o que contraria a regra geral da irrevogabilidade e irretratabilidade
de doação perfeita e acabada, situações excepcionais estas, que constam do art. 555 do CC:
“A doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo”.

7.4.1. Descumprimento de Encargo

A doação feita com encargo, em tese, começa a produzir os seus efeitos, desde logo
haja vista que o modo ou encargo, a priori, não suspende nem a execução, nem a aquisição
do direito, nos termos dos arts. 136 e 137 do CC. Perceba que, o fato de a doação ter um
modo ou encargo não quer dizer que vai se esperar o encargo/modo cumprir para
implementar a doação, até porque não raro o cumprimento do encargo depende da
implementação da doação.

Agora, com a inexecução do encargo a que foi atribuído, é admissível a revogação da


doação sendo necessário constituir o sujeito in mora. Basicamente, a mora é de duas formas,
ou a mora é ex-re que é a mora automática, a qual se configurará quando houver um prazo
para o cumprimento da obrigação; no caso de não haver um prazo, a mora é ex-persona,
sendo preciso constituir o sujeito em mora, ou seja notificar o sujeito, dando prazo razoável
para o cumprimento do encargo.

Nos termos do art. 559 do CC, o prazo para propor essa ação de revogação é de um
ano, contado do conhecimento do doador: “A revogação por qualquer desses motivos deverá
ser pleiteada dentro de um ano, a contar de quando chegue ao conhecimento do doador o
fato que a autorizar, e de ter sido o donatário o seu autor”.

7.4.2. Ingratidão

Além dessa hipótese, a segunda situação excepcional em que será possível a


revogação da doação é a ingratidão. Aqui, há uma série de cuidados, o primeiro é que não é
qualquer doação que é revogável por ingratidão.

No art. 564 do CC, temos o seguinte: “Não se revogam por ingratidão: I - as doações
puramente remuneratórias; II - as oneradas com encargo já cumprido; III - as que se fizerem
em cumprimento de obrigação natural; IV - as feitas para determinado casamento”.

352
CAPÍTULO 8

Veja que, em todas elas há um ônus adimplido. Geralmente, as que se revogam por
ingratidão são as doações puras. Mas aí surge o seguinte questionamento: o que seria a
ingratidão?

A ingratidão consubstancia as situações de atentado à ética e a boa-fé. E o Código Civil,


no art. 557 e 558 traz as seguintes hipóteses:

Art. 557. Podem ser revogadas por ingratidão as doações: I - se o donatário


atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra
ele; II - se cometeu contra ele ofensa física; III - se o injuriou gravemente ou o
caluniou; IV - se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que
este necessitava.

Essas causas de ingratidão também podem dizer respeito ao cônjuge, ascendente,


descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador, nos termos do art. 558 do CC: “Pode
ocorrer também a revogação quando o ofendido, nos casos do artigo anterior, for o cônjuge,
ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador”.

E aí surge a pergunta: esse rol de causas da ingratidão seria taxativo? A Doutrina


trabalha com o que se chama de Tipicidade Finalística - a ideia é que respeitada a finalidade
poder-se-ia alargar os tipos. Há quem insira o auxílio, induzimento e instigação ao suicídio
nessa tipicidade finalística.

É importante destacar, ainda, que o art. 556 do CC prevê que “não se pode renunciar
antecipadamente o direito de revogar a liberalidade por ingratidão do donatário”, isso porque
é uma questão ligada à boa-fé e à ética, ou seja, é irrevogável.

A legitimidade para pleitear a revogação da doação - o que se aplica tanto para


ingratidão, quanto para o descumprimento do encargo -, consta do art. 560 do CC que diz:

Art. 560. O direito de revogar a doação não se transmite aos herdeiros do


doador, nem prejudica os do donatário. Mas aqueles podem prosseguir na
ação iniciada pelo doador, continuando-a contra os herdeiros do donatário, se
este falecer depois de ajuizada a lide.

Veja que, a priori, é uma legitimidade personalíssima exclusiva do doador de ajuizar a


ação. Agora, se o doador iniciou a ação em vida, e veio a óbito os herdeiros podem dar
sequência.

Obviamente, que há uma hipótese em que a legitimação não é do doador, que é a do


homicídio, prevista no art. 561 do CC, nos seguintes termos: “No caso de homicídio doloso do
doador, a ação caberá aos seus herdeiros, exceto se aquele houver perdoado”. Ressalvada a
hipótese de o doador ter perdoado o ingrato, que é o que se chama de Reabilitação do
ingrato ou perdão do ingrato.

353
CAPÍTULO 8

7.5. Modelo de Promessa de Doação


Segue um modelo de instrumento particular de Promessa de Doação de valor advindo
da venda de imóvel comum, começando pela qualificação das promitentes doadora e
donatária:

Promessa de Doação

Valor Advindo da Venda de Imóvel Comum

[Instrumento Particular]

Pelo presente INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE DOAÇÃO DE VALOR


ADVINDO DA VENDA DE IMÓVEL COMUM, as partes:

De um lado,

…, brasileira, viúva e que declara não conviver em união estável, administradora de


empresas, portadora da cédula de identidade RG nº …, inscrita no CPF/MF sob o nº …,
residente e domiciliada à …, titular do endereço eletrônico (e-mail): … doravante
denominada Promitente Doadora;

E, do outro lado,

…, brasileira, solteira e que declara não conviver em união estável, jornalista, portadora
da cédula de identidade RG nº …, inscrita no CPF/MF sob o nº …, residente e
domiciliada à …, titular do endereço eletrônico (e-mail): … doravante denominada
Promitente Donatária;

Em conjunto e individualmente, definem:

I. CONSIDERANDO que as Partes são duas das três coprietárias do imóvel


localizado à … inscrito no Cadastro Imobiliário Municipal sob o nº …;

354
CAPÍTULO 8

II. CONSIDERANDO que a titularidade condominial do imóvel é decorrente do


Inventário e Partilha do SR. …, cônjuge da Promitente Doadora e genitor da Promitente
Donatária;

III.CONSIDERANDO que o condomínio do imóvel se dá na seguinte proporção:

IV.CONSIDERANDO a existência de uma promessa de venda e compra do imóvel,


celebrada entre as coproprietárias supracitadas e o Srs. …;

V. CONSIDERANDO que a promessa de venda e compra do imóvel comum foi


negociada no valor de R$ … e que o pagamento será da seguinte forma: …;

VI.CONSIDERANDO que haverá pagamento de honorários de corretagem no


montante de R$ …, o que resultará no valor líquido, da promessa de venda e compra
do imóvel, no valor de R$ …;

Resolvem, as Partes, celebrar o presente INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA


DE DOAÇÃO DE VALOR ADVINDO DA VENDA DE IMÓVEL COMUM, conforme as
condições abaixo estabelecidas e reciprocamente aceitas:

CLÁUSULA PRIMEIRA

[PROMESSA DE DOAÇÃO DE VALOR ADVINDO DA VENDA DE IMÓVEL COMUM]

1.1 A promessa de doação neste instrumento regulada está condicionada à


concretização da venda do imóvel comum, localizado à …. Acaso a venda do imóvel não
seja concretizada, automaticamente esta promessa de doação se encontra
prejudicada.

CLÁUSULA SEGUNDA

[DA PROMESSA DE DOAÇÃO

2.1 A correta distribuição do valor oriundo da venda do bem comum, proporcional à


participação das coproprietárias do imóvel, remete à seguinte divisão:

355
CAPÍTULO 8

2.2 No entanto, decidiu a Promitente Doadora prometer doar à Promitente Donatária,


quem decidiu por aceitar a promessa de doação, acaso concretizada a venda do
imóvel, o valor de R$ ….

CLÁUSULA TERCEIRA

[DA CONCRETIZAÇÃO DA DOAÇÃO E DA ANTECIPAÇÃO DA HERANÇA]

3.1 Uma vez efetivada a venda do imóvel e a consequente promessa de doação, aqui
regulada, pactuam as Partes que o valor doado - qual seja: R$ … - corresponderá a
adiantamento da legítima, conforme disciplina o artigo 544 do Código Civil, saindo da
cota legitimária e devendo ser devidamente colacionado quando do inventário e
partilha dos bens da Srª …, a fim de adequação da herança.

3.2. Ressalta-se que o enquadramento da doação como antecipação de herança, com


posterior necessidade de colação, decorre do fato de tratar-se de doação de
ascendente (genitora e Promitente Doadora) para descendente (filha e Promitente
Donatária), bem como do desejo das Partes envolvidas.

CLÁUSULA QUARTA

[DISPOSIÇÕES FINAIS]

4.1 As Partes firmam que avaliaram todos os riscos e benefícios concernentes ao


presente contrato, o pactuando na sua livre e desembaraçada manifestação de
vontade.

4.2 Resta ajustada que as comunicações pertinentes a este contrato poderão ser feitas
por e-mail, os quais estão indicados na qualificação das partes, ou através de carta
com aviso de recebimento. Assim, comprometem-se as Partes a informar eventual
alteração de endereço e/ou e-mail com antecedência mínima de 5 (cinco) dias de
quando cessará o recebimento do endereço anterior, sob pena validade das
notificações enviadas ao endereço informado neste contrato.

356
CAPÍTULO 8

4.3 O presente negócio é celebrado em caráter de condição suspensiva, já que a


promessa de doação aqui regulada está condicionada à efetivação da venda do imóvel
comum das partes.

4.4 Qualquer tolerância na hipótese de descumprimento de alguma obrigação prevista


neste instrumento não importará em novação, mantendo-se hígidas todas as suas
cláusulas.

4.5 Caso algum Tribunal ou autoridade declare, por alguma razão, nula, inválida ou não
exequível qualquer cláusula, parte de uma cláusula ou cláusulas, as restantes cláusulas
e/ou partes de cláusulas deste Contrato continuarão em vigor, devendo as partes
negociar a substituição dessa disposição contratual por outra ou outras que
estabeleçam o equilíbrio contratual inicial.

4.6 As alterações do presente negócio devem revestir a forma escrita a ser assinada
pelas Partes. Os prazos, condições, garantias ou declarações que não constem do
presente instrumento não serão vinculativos.

4.7 Fica eleito o foro da Comarca de Salvador/BA, para solução de quaisquer questões
oriundas no presente contrato, renunciando as partes qualquer outro foro, por mais
privilegiado que seja ou que venha a se tornar.

Por estarem assim justas e contratadas, as partes assinam o presente instrumento em


3 (três) vias de idêntico teor e feito, na presença das duas testemunhas abaixo
assinadas.

Salvador, …

_______________________________________

PROMITENTE DOADORA

CPF Nº ...

_______________________________________

357
CAPÍTULO 8

PROMITENTE DONATÁRIA

CPF Nº. ...

Testemunhas:

1._____________________________________

Nome Completo:

RG:

CPF:

2._____________________________________

Nome Completo:

RG:

CPF:

8. LOCAÇÃO
8.1. Locação de coisas: análise jurídica

O Código Civil, em seu artigo 565, diz que: “Na locação de coisas, uma das
partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de
coisa não fungível, mediante certa retribuição”.

Verifica-se então, que de um lado se tem o locador - aquele que cede a coisa
para o uso de outra pessoa por tempo determinado ou não, mediante remuneração;
e do outro lado, o locatário - aquele que recebe a coisa para uso, mediante o
pagamento da locação, aluguel ou retribuição.

Ademais, é importante ressaltar que o objeto é uma coisa não fungível, ou seja,
é infungível. Esse é o conceito do contrato de locação.

8.2. Elementos essenciais do contrato de locação

A depender da Doutrina é possível verificar que há autores que trazem mais


elementos essenciais do contrato de locação, do que outros.

Pela leitura do art. 565 do CC, a Doutrina identifica os seguintes elementos


essenciais do contrato de locação: tempo, preço, objeto e consentimento.

358
CAPÍTULO 8

É aquilo que efetivamente está presente no contrato de locação como


elementos de formação.

8.2.1. Preço

O primeiro elemento do contrato de locação é o tempo. Por óbvio, para ter


contrato de locação a coisa tem que ser cedida por um determinado tempo, de forma
que não há locação instantânea. Porém, é importante destacar que esse tempo não
quer dizer que essa locação pode ser perpétua.

Maria Helena Diniz destaca em sua obra que a locação perpétua seria o
equivalente da compra e venda, por isso é que a locação tem uma duração no tempo,
não podendo ser confundida com o contrato de compra e venda.

A locação pode se dar por prazo determinado, quanto indeterminável. Isso,


porém, não quer significar que essa locação seja perpétua. Nesse sentido, ainda
que o prazo da locação não esteja determinado, por óbvio, ela poderá findar um dia,
isto é, acabar.

A priori, para dar em locação não é exigível a vênia conjugal isso porque
esse ato não significa alienar. Todavia, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), a qual se
dedica em tratar de locação de imóvel urbano, em seu art. 3º diz o seguinte:

Art. 3º. O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo,
dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos. Parágrafo
único. Ausente a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a observar o
prazo excedente”.

Se o prazo do contrato de locação for igual ou superior a dez anos, é preciso


da vênia conjugal. O raciocínio do legislador é que se a locação é de largo período,
ou seja, por prazo igual ou superior a dez anos, chega-se à conclusão de que é
preciso da vênia conjugal.

Nesse sentido, não havendo a vênia conjugal, o parágrafo único do art. 3º da Lei
do Inquilinato, dá o norte ao dizer que: “ausente a vênia conjugal, o cônjuge não
estará obrigado a observar o prazo excedente.”

É por isso que, a partir do décimo ano aquele que não deu a vênia conjugal
poderá requisitar o desfazimento do contrato, isto é, o despejo, a denúncia
contratual.

359
CAPÍTULO 8

8.2.2. Objeto

O segundo elemento essencial do contrato de locação é o objeto. Ademais, é


importante ressaltar que a locação não se dá apenas em bens imóveis podendo
ser sobre bens móveis e imóveis.

E aí surge o seguinte questionamento: a locação seria só sobre bens


infungíveis? É importante recordar que o bem infungível é aquele que não se
substitui, ou seja, não pode ser substituído por outro de mesmo gênero, qualidade,
quantidade.

Apesar do art. 565 do CC trabalhar com essa questão da infungibilidade como


critério marcante da locação, no mundo moderno é consabido que bens fungíveis
são dados em locação.

Nesse caso, terá que ser devolvido o bem dado em locação, ou caso haja a
depreciação e deterioração do bem, terá que ser entregue outro do mesmo gênero,
quantidade, qualidade. É plenamente viável de acontecer.

Aliás, é importante que se diga que o próprio conceito de fungibilidade é um


conceito relativo, isso porque, um livro a priori é fungível. Entretanto, se esse livro
for autografado, aí o bem deixa de ser fungível, e passa a ser infungível. Portanto, é
possível chegar à conclusão de que o critério da fungibilidade também tem um
revestimento de relativismo.

Outra pergunta que surge é se o objeto do contrato de locação pode recair


sobre bens com cláusula de inalienabilidade? A resposta é positiva, isso porque a
cláusula de inalienabilidade como é cediço impede que o imóvel seja apenas alienado,
mas não seja dado em locação. É por isso que dar em locação não significa alienar.

O locador tem que ser necessariamente o proprietário do bem? A resposta é


negativa, isso porque o locador não necessariamente será o proprietário do bem.
Nesse sentido, é possível que o locador seja alguém que tenha poderes para dar o
bem em locação, como por exemplo na situação em que o sujeito tem vários imóveis,
contrata uma imobiliária e outorga poderes a ela para gerenciar aqueles imóveis e
dar em locação.

8.2.3. Preço

O terceiro elemento da locação é o preço, que se trata do aluguel. E aí surge a


primeira dúvida: tem que ser em dinheiro? A resposta é positiva, porque as
obrigações no Brasil, previstas nos artigos 315 a 317 do CC, haverão de serem
pactuadas em moeda corrente, e de acordo com o seu valor nominal.

360
CAPÍTULO 8

Veja que, como é uma obrigação de duração, o art. 316 do CC permite que seja
eleito um índice de escala móvel, isto é, índice de reajuste: “É lícito convencionar o
aumento progressivo de prestações sucessivas”.

Afinal de contas, uma locação de dez anos tem um valor fixado, a título de
aluguel e que se não houver um índice de reajuste ou de escala móvel, por óbvio, essa
locação passa a ser deficitária, isto é, defasada. Por isso é indicado que haja esse
índice de escala móvel.

Elegia-se e elege muito, ainda hoje, o IGP-M/ FGV que é o Índice Geral de
Preços de Mercado, mas durante a pandemia esse índice deu uma disparada,
inclusive teve um ano que a locação aumentou 25% (vinte e cinco por cento), o que
resultou em ações para revisionar o índice da locação, tema que está afetado nas
Casas Superiores da Justiça. Acaba que o índice ficou abusivo, por isso é que várias
decisões reviram o índice. É nesse sentido que a FGV criou outro índice, o IVAR/FGV,
que é o Índice de Variação do Aluguel.

O valor do aluguel não é necessariamente apenas o pagamento pelo uso da


coisa, o que não impede que se inclua o IPTU proporcional do mês, o condomínio, as
taxas ordinárias de condomínio, tudo isso compondo a contraprestação pelo uso
daquele determinado bem.

Geralmente, o valor do aluguel é previamente determinado no contrato, de


modo a incluir o valor pelo uso da coisa, assim como é composto pelo IPTU
proporcional do mês, condomínio, taxas ordinárias de condomínio e o índice de
reajuste. É nesse sentido que surge a dúvida: é viável a locação de valor determinável?
E a resposta é positiva, sendo plenamente viável.

8.2.4. Consentimento válido

O último requisito é o consentimento válido. Veja que, para se ter locação é


preciso do consentimento sobre: o tempo de duração, o objeto dado em locação e o
preço.

É necessário um acordo de vontade sobre esses três itens para que haja
locação, se a divergência é quanto ao prazo, objeto ou valor, composição do aluguel,
índice de reajuste, não tem locação o que significa dizer que ela não foi pactuada, isso
porque é preciso que o locador e o locatário haverão de confluir em relação a esses
assuntos.

361
CAPÍTULO 8

8.3. Obrigações do locador

No Código Civil, as obrigações do locador estão regulamentadas entre os


artigos 566 e 568, e na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), preponderantemente, o art.
22 trabalha com o assunto.

É curioso observar que o CC se inspirou na Lei do Inquilinato, isso porque, o


Código, em tese, é uma lei geral posterior que trabalha com a locação de coisas, ao
passo que a Lei do Inquilinato é uma norma especial anterior que trabalha com a
locação de imóvel urbano. O legislador civilista ao trazer as obrigações do locador
acabou olhando para a Lei do Inquilinato que é anterior ao Código Civil de 2002.

Diz o art. 566 do CC que:

Art. 566. O locador é obrigado: I - a entregar ao locatário a coisa alugada, com


suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la
nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário; II
- a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.

Essas obrigações também estão na Lei do Inquilinato, que em seu art. 22 prevê
o seguinte:

Art. 22. O locador é obrigado a: I - entregar ao locatário o imóvel alugado em


estado de servir ao uso a que se destina; II - garantir, durante o tempo da
locação, o uso pacífico do imóvel locado; […]

É curioso observar que a locação é um daqueles negócios jurídicos que geram


um fenômeno que é chamado em Direitos Reais de Desdobramento da Posse, na
forma do art. 1.197 do CC: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder,
temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de
quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o
indireto”. Esse desdobramento acaba bifurcando a posse em duas modalidades: na
posse indireta e na posse direta.

Trata-se de um desdobramento que não gera sobreposição de uma posse


sobre a outra, na medida em que, o diálogo é o de convívio, pois essas duas
modalidades irão conviver entre si. Ademais, esse desdobramento é transitório, isso
porque cessado o negócio jurídico a posse, novamente, será uniformizada na mão de
uma das pessoas.

É importante que se diga que essa bifurcação é relevante pelo fato de que se
um terceiro tentar lesar essa posse, tanto o possuidor direto, quanto o possuidor
indireto poderão sair em defesa dela.

362
CAPÍTULO 8

Não se está a dizer que é necessário a formação de um litisconsórcio entre


o possuidor direto e o indireto para sair em defesa da posse e sim que, tanto um,
quanto o outro, individual ou conjuntamente podem sair em defesa da posse.

Aliás, o possuidor indireto e o possuidor direto tem possessória um contra o


outro, de modo que, o possuidor direto poderá se utilizar de possessória contra o
indireto, e vice-versa.

Considere que o proprietário do bem (possuidor indireto), vistorie a coisa todos


os dias, e isso está atrapalhando a posse do locatário (possuidor direto), - o locatário
está sofrendo turbação. Nesse caso, o possuidor direto poderá ajuizar uma ação de
manutenção de posse para regulamentar essa vistoria.

Inclusive, o art. 568 do CC detalha ainda mais essa questão, quando diz que o “o
locador resguardará o locatário dos embaraços e turbações de terceiros, que tenham
ou pretendam ter direitos sobre a coisa alugada, e responderá pelos seus vícios, ou
defeitos, anteriores à locação”.

Ainda, o Código Civil, em seu art. 567 prevê que “se, durante a locação, se
deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução
proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a
que se destinava”.

No próprio art. 22 da Lei do Inquilinato se verifica que o locador tem que


manter a forma e o destino do imóvel e responder pelos vícios ou defeitos anteriores
à locação, sendo que a ideia é que haja a entrega do imóvel hábil e apto ao uso a que
se destina. Não raro acontece, na locação de imóvel urbano para fins comerciais, de o
sujeito locar imóvel que não está em bom estado.

Ainda, nas obrigações do locador ele é obrigado a nos termos do inciso V do art.
22 da Lei do Inquilinato a “fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição
minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos
eventuais defeitos existentes”.

É o chamado Termo de Vistoria que não é elemento essencial do contrato,


mas se indica fazer, especialmente, se é uma locação de um valor mais robusto.
No termo de vistoria vai constar a vistoria da entrega do imóvel, com o atestado do
locatário, para que depois não se venha a alegar que o imóvel não atingiu a finalidade
a que destinava.

363
CAPÍTULO 8

Também constitui obrigação do locador, nos termos do art. 22, VI, da Lei do
Inquilinato, “fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este
pagas, vedada a quitação genérica.”

Obviamente, aquele que paga tem direito ao recibo de quitação. O recibo


de quitação é tão importante que no art. 319 do CC há a notícia de que se o credor se
negar a dar o recibo de quitação o devedor pode reter o pagamento. É com base
nisso que, caso o locatário vá pagar e o locador não forneça o recibo é aconselhável
que o locatário retenha o pagamento e que realize uma ação de consignação em
pagamento.

A questão do pagamento é tão importante, que a Lei do Inquilinato, em seu art.


44, inciso I, diz que:

Art. 44. Constitui crime de ação pública, punível com detenção de três meses a
um ano, que poderá ser substituída pela prestação de serviços à comunidade:
I - recusar - se o locador ou sublocador, nas habitações coletivas
multifamiliares, a fornecer recibo discriminado do aluguel e encargos; [...]

O locador tem obrigação, ainda, como base no art. 22, VII, da Lei do Inquilinato
de “pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações,
nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do
pretendente ou de seu fiador.” É nesse sentido que se tem um corretor envolvido, a
taxa é do locador (proprietário).

Também é obrigação do locador “pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio


de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o
imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato”, nos termos do art. 22,
VIII, da Lei do Inquilinato.

Veja que essa obrigação é dispositiva, então se o contrato disser que essas
obrigações são do locatário, vale o contrato. Por outro lado, se o contrato nada disser,
isto é, for silente, aí essas obrigações ficam a cargo do locador.

Os incisos IX e X, da Lei do Inquilinato preveem, ainda, que o locador tem


obrigação de “exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às
parcelas que estejam sendo exigidas”, e “pagar as despesas extraordinárias de
condomínio”. As despesas condominiais, chamadas de taxas condominiais,
basicamente, se dividem em duas espécies: ordinárias e extraordinárias.

364
CAPÍTULO 8

As ordinárias são as despesas usuais do condomínio, de manutenção. O


contrato de locação pode imputar o pagamento das despesas ordinárias ao locatário,
isso porque, se entende que é despesa de uso.

Além das ordinárias, têm ainda, as despesas extraordinárias que ficam a cargo
do locador por ser o proprietário. A Lei do Inquilinato, inclusive, detalha o que seriam
as despesas extraordinárias, o que consta do parágrafo único do art. 22:

Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem


aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício,
especialmente: a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à
estrutura integral do imóvel; b) pintura das fachadas, empenas, poços de
aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; c) obras destinadas
a repor as condições de habitabilidade do edifício; d) indenizações trabalhistas
e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao
início da locação; e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de
telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer; f) despesas de
decoração e paisagismo nas partes de uso comum; g) constituição de fundo de
reserva.

Veja que, na locação de imóvel urbano nada impede que no contrato reste
estabelecido que a obrigação de pagar o condomínio e a de pagar o IPTU integram o
aluguel, podendo ser imputado ao locatário essas despesas. Lembrando que, o
locatário pagará as despesas ordinárias do condomínio e o IPTU, por se entenderem
como despesas de uso.

Entretanto, sob o ponto de vista da natureza jurídica obrigacional, tanto a taxa


condominial, quanto o IPTU se inserem no mundo das chamadas obrigações propter
rem - é aquela que decorre da propriedade. Essa obrigação adere a coisa, e
acompanha a coisa, onde quer que vá, e por isso que é do proprietário e a
transferência dessa obrigação dependerá da transferência da propriedade.

Nesse sentido, quem efetivamente é o devedor do tributo relacionado ao


imóvel ou da taxa condominial é o proprietário e não o locatário, de modo que esse
ajuste particular realizado entre o locador e entre o locatário e o proprietário e o
inquilino não vai ter eficácia jurídica de afastar a natureza jurídica dessa obrigação
propter rem, no que tange a questão tributária recorda-se inclusive que ajustes entre
particulares são inoponíveis ao fisco.

Essas obrigações propter rem podem atingir o imóvel que seja bem de família,
porque está nas exceções em que ocorre a penhorabilidade do bem de família
especificamente, o art. 3º, da Lei nº 8.009/90.

365
CAPÍTULO 8

É importante que o locador tenha um nível de controladoria em relação a


esse assunto. Por isso que se o proprietário imputa ao inquilino o pagamento do
IPTU e do condomínio é preciso do controle para se verificar se o inquilino
efetivamente está pagando.

Geralmente, as notificações de inadimplemento são remetidas para o próprio


imóvel locado, de modo que se o inquilino inadimplente não passa ao proprietário
quando este recebe o imóvel de volta é que se diagnostica o problema, inclusive com
o seu nome na dívida ativa.

Ainda nas obrigações do locador, tema que costuma gerar bons debates nos
julgados e confecção dos contratos diz respeito a obrigação do locador em indenizar
benfeitorias.

O conceito de benfeitoria está no art. 97 do CC costuma-se dizer que é um


conceito a contrario sensu: “Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou
acréscimos sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou
detentor”.

Ou seja, benfeitoria vai ser o melhoramento ou acréscimo sobrevindo ao bem,


através da intervenção do proprietário, possuidor ou detentor. Nesse sentido, as
benfeitorias são sempre artificiais - decorrem da atividade humana.

Nas pegadas do art. 96 do CC, as benfeitorias se classificam em três espécies:


podem ser voluptuárias, úteis e necessárias.

As voluptuárias são aquelas que se dedicam ao mero deleite ou recreio, ainda


que sejam valiosas aumentem ou não o uso habitual do bem (ex.: chafariz). As
benfeitorias úteis são aquelas que aumentam ou facilitam o uso do bem (ex.:
despensa na cozinha).

Já as benfeitorias necessárias são aquelas que têm por finalidade evitar a


deterioração do bem (ex.: vigas de sustentação do imóvel, tubulação elétrica,
tubulação hidraúlica etc).

A classificação das benfeitorias não se liga ao valor e sim a finalidade das


benfeitorias, é justo por isso que classificar a benfeitoria é uma atividade realizada
no caso concreto.

Diante da locação de imóvel urbano como que fica a indenização das


benfeitorias? A resposta está no art. 35 da Lei do Inquilinato que diz o seguinte: “Salvo
expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas

366
CAPÍTULO 8

pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que
autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção”.

Isso quer dizer que se trata de uma norma dispositiva ou supletiva- é aquela
que é aplicada no silêncio do contrato, por isso é que o contrato pode regular
diversamente e se regular vale o contrato.

A regra então é que se não houver disciplina contratual, na Lei do Inquilinato


em relação às benfeitorias necessárias há direito de indenização e retenção.
Agora, quanto às benfeitorias úteis autorizadas, também há direito de
indenização e retenção.

No que tange às voluptuárias, o entendimento é que elas podem ser


levantadas, leia-se, retiradas, desde que não atrapalhem a estrutura da coisa
principal, mas isso é salvo disciplina em sentido contrário.

É nesse sentido que é extremamente usual nos contratos de locação de imóvel


urbano a presença de cláusula informando a negativa de indenização, tampouco,
retenção em relação a qualquer modalidade de benfeitoria.

Dessa forma surge o questionamento se essa cláusula seria válida e a resposta


é afirmativa, na medida em que o verbete sumular nº 335 da Jurisprudência do STJ
estabelece que: “Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à
indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.” Essa súmula foi criada para ser
aplicada a contratos paritários - aquele contrato celebrado entre iguais ou quase
iguais.

Ademais, é importante destacar que essa súmula não foi criada para regular a
situação no contrato por adesão - é aquele que é pré-confeccionado por uma das
partes, cabendo a outra aderir ou não ao bloco.

No contrato por adesão, por óbvio, aquele que o redige faz o melhor contrato
para ele, então o legislador fica preocupado, sendo por isso que traz duas regras
importantes de interpretação nos contratos por adesão que se encontram no Código
Civil, nos arts. 423 e 424.

A primeira regra é que as cláusulas ambíguas ou contraditórias serão


interpretadas pro-aderente. Enquanto que a segunda regra interpretativa
importante estabelece que é nula a renúncia antecipada a direito do aderente em
contrato por adesão.

É nesse sentido que o Enunciado 433 da CJF determina que: “A cláusula de


renúncia antecipada ao direito de indenização e retenção por benfeitorias necessárias

367
CAPÍTULO 8

é nula em contrato de locação de imóvel urbano feito nos moldes do contrato de


adesão”.

Ainda assim, é possível que se tenha locação por adesão não se tratando de
uma relação de consumo. É importante não confundir contrato por adesão com
contrato de consumo, isso porque nem todo contrato por adesão é contrato de
consumo.

Além disso, seguindo nas obrigações do locador, outra questão importante liga-
se ao direito de preferência na locação de imóvel urbano o que encontra referência
nos artigos 27 e seguintes da Lei do Inquilinato.

É nesse sentido que se o proprietário vender o imóvel, antes de aliená-lo, terá


de ofertar ao inquilino (locatário) a possibilidade de exercitar o direito de preferência.
É a famosa preferência “Tanto por Tanto”, isto é mesma condição de preço e prazo.

Considere que o proprietário está vendendo a Caio, o imóvel por R$ 100.000,00


(cem mil reais) em dez prestações de R$ 10.000,00 (dez mil reais), antes de aliená-lo a
Caio o proprietário tem que ofertar a preferência ao locatário nas mesmas condições
de preço e prazo.

Antes de vender ao terceiro, o locador tem obrigação de ofertar ao inquilino/ locatário


o exercício do direito de preferência tanto por tanto, ou seja, nas mesmas condições de preço
e prazo. Caso o locador vender ao terceiro e não der preferência ao locatário a solução
dependerá da análise da situação concreta.

Veja que, se o contrato de locação estiver registrado há pelo menos 30 (trinta) dias
anteriores à venda, o locatário terá o prazo de 6 (seis) meses para depositar o preço e haver a
coisa para si.

Esse prazo de trinta dias é exigível porque como esse contrato está previamente
registrado na matrícula do imóvel, passa a ter uma eficácia erga omnes - contra todos. É por
isso que todos haveriam de respeitar este contrato.

Se o contrato de locação não houver sido levado ao registro, ou ainda, caso o locatário
perder o prazo de seis meses terá que se buscar, apenas as perdas e danos. Nessas
situações, o locatário não terá direito de requisitar a adjudicação do bem.

É nesse sentido que o locatário sai de um direito real, o qual teria a oportunidade de
impor a preferência, e entra em uma seara obrigacional - violação de um direito de
preferência, com a discussão de uma indenização por perdas e danos. Por isso é que se faz
sentido de registar o contrato de locação.

368
CAPÍTULO 8

8.4. Obrigações do locatário


As obrigações do locatário constam do Código Civil, em especial, nos arts. 569 e 570,
como também, presentes na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), especificamente nos arts. 23
e seguintes.

É importante dizer que o CC acabou sendo influenciado pela Lei do Inquilinato que é
uma norma anterior, de modo que muitas das obrigações do locatário presentes na Lei do
Inquilinato, também são reproduzidas no CC, e vice-versa.

Nos termos do art. 569 do CC, o locatário é obrigado a “servir-se da coisa alugada para
os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem
como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse”.

Inclusive, o art. 570 determina que “se o locatário empregar a coisa em uso diverso do
ajustado, ou do a que se destina, ou se ela se danificar por abuso do locatário, poderá o
locador, além de rescindir o contrato, exigir perdas e danos”.

O art. 23, I, da Lei do Inquilinato também reproduz a mesma disposição legal do art.
569 do CC, ao afirmar que o locatário é obrigado a “servir - se do imóvel para o uso
convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina,
devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu”.

A ideia é que o locatário deve se atentar para as finalidades daquele imóvel e respeitar.
É por isso que o imóvel comercial não deve ser usado para fins residenciais, assim como, não
se admite o contrário.

Por óbvio, a doutrinadora Maria Helena Diniz, chama atenção que o desvio de
finalidade - abuso de direito no desvio de finalidade, primeiro que exige que a conduta seja
um manifesto desvio de finalidade, de modo que não é qualquer desvio de finalidade que
gerará esse abuso de direito no uso do imóvel.

Essa é a interpretação conforme com o art. 187 do CC que trabalha com a ilicitude do
abuso de direito, o qual determina o seguinte: “Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

A segunda questão, portanto, é que se o excesso é manifesto a análise do caso


concreto é muito relevante, isso porque o Enunciado 37 da CJF chega a conclusão de que o
abuso de direito é significado de acordo com critério objetivo finalístico.

A segunda obrigação do locatário, nos termos do art. 569, II, do CC é “pagar


pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do
lugar”.

369
CAPÍTULO 8

Aqui é interessante, porque tem uma variável para a Lei do Inquilinato que no art. 23, I,
diz que o locatário é obrigado a “pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação,
legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil
do mês seguinte ao vencido, no imóvel locado, quando outro local não tiver sido indicado no
contrato.” É nesse sentido que enquanto o Código Civil trabalha com os costumes - costuma
ser o quinto dia útil, a Lei do Inquilinato trabalha com o sexto dia útil.

Seguindo nas obrigações do locatário previstas no art. 569 do CC, diz o inciso III: “levar
ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em
direito.” E, por fim, “restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as
deteriorações naturais ao uso regular”, nos termos do art. 569, IV, do CC.

É importante destacar sobre esse último inciso que o uso regular da coisa,
inevitavelmente, gera deterioração de uso, o que não deve ser permitido são as deteriorações
muito acima da média.

No inciso III da Lei do Inquilinato, constitui obrigação do locatário: “restituir o imóvel,


finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso
normal.” A partir daí, a norma passa a ser mais detalhista, quanto às obrigações ao
estabelecer:

Art. 23. O locatário é obrigado a: IV - levar imediatamente ao conhecimento do


locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este
incumba, bem como as eventuais turbações de terceiros; V - realizar a
imediata reparação dos danos verificados no imóvel, ou nas suas instalações,
provocadas por si, seus dependentes, familiares, visitantes ou prepostos; VI -
não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento
prévio e por escrito do locador; VII - entregar imediatamente ao locador os
documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como
qualquer intimação, multa ou exigência de autoridade pública, ainda que
dirigida a ele, locatário; VIII - pagar as despesas de telefone e de consumo de
força, luz e gás, água e esgoto; IX - permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou
por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora, bem como
admitir que seja o mesmo visitado e examinado por terceiros, na hipótese
prevista no art. 27; X - cumprir integralmente a convenção de condomínio e os
regulamentos internos; XI - pagar o prêmio do seguro de fiança; XII - pagar as
despesas ordinárias de condomínio.

Por despesas ordinárias, a Lei do Inquilinato entende o seguinte:

Art. 23. § 1º Por despesas ordinárias de condomínio se entendem as


necessárias à administração respectiva, especialmente: a) salários, encargos
trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do
condomínio; b) consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso
comum; c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de
uso comum; d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos

370
CAPÍTULO 8

hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum; e)


manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum
destinados à prática de esportes e lazer; f) manutenção e conservação de
elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas; g) pequenos reparos nas
dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum; h) rateios de
saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação; i)
reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou
complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se
referentes a período anterior ao início da locação.

No art. 25 da Lei do Inquilinato fica nítido a possibilidade de ser atribuída ao locatário a


responsabilidade pelos tributos, encargos, despesas ordinárias de condomínio e que pode ser
cobrado em conjunto do aluguel não havendo problema algum nisso. A ressalva aqui é a
necessidade de uma controladoria/governança, com o intuito de se verificar se o inquilino
está adimplindo com as obrigações.

Diz o art. 26 da referida lei que “necessitando o imóvel de reparos urgentes, cuja
realização incumba ao locador, o locatário é obrigado a consenti-los”. Já o parágrafo único
estabelece que “se os reparos durarem mais de dez dias, o locatário terá direito ao
abatimento do aluguel, proporcional ao período excedente; se mais de trinta dias, poderá
resilir o contrato.” A resilição é o desfazimento do contrato, por ato unilateral de vontade.

8.5. Do termo final da locação


8.5.1. Locação por prazo determinado

A primeira hipótese é a locação por prazo determinado que esteja prevista no art. 573
do CC, o qual diz o seguinte: “A locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o
prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso”.

Veja que nas pegadas do art. 574 do CC e art. 46 da Lei do Inquilinato, se vencer o
prazo e o sujeito, ainda assim, continuar na posse do bem - segundo a Lei do Inquilinato mais
de 30 (trinta) dias, e nada foi dito, aquela locação que, em tese, acabaria naquele prazo,
prorroga-se por tempo indeterminado. É nesse sentido que caso o proprietário queira
retomar o imóvel exatamente no término da locação é aconselhável notificar o inquilino.

É importante destacar que o artigo 576 do CC e o 8º da Lei do Inquilinato preveem que


se a locação for por prazo certo com cláusula de vigência e levado ao registro, o terceiro tem
que respeitar a locação. Por outro lado, se não houver um dos requisitos, aí nessa situação, o
terceiro pode despejar o locatário. Nesse sentido, faz-se necessário a notificação
premonitória de 90 (noventa) dias.

Outra dúvida é se o imóvel não for devolvido após a notificação? O art. 575 do CC traz
uma questão bem interessante: “Se, notificado o locatário, não restituir a coisa, pagará,
enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que
ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito”.

371
CAPÍTULO 8

O primeiro ponto é que se o locatário foi notificado - havia um prazo final da locação, e
o sujeito não devolve o bem naquele prazo, obviamente, o locatário está em mora, e
portanto, tem uma responsabilidade civil mais agravada. E é justamente por isso, que a parte
final do art. 575 imputa a este inquilino uma responsabilidade civil mais agravada, à medida
em que responde inclusive na hipótese de caso fortuito.

Aliás, na teoria geral das obrigações, em especial, no art. 399 do CC é possível verificar
que o devedor em mora passa a ter o que a doutrina chama de perpetuação da obrigação.

Apenas não responde, acaso o locatário comprove que o dano aconteceria, ainda que
houvesse adimplido a obrigação a tempo e modo. Veja que, essa responsabilidade civil mais
agravada é replicada na parte especial da locação, ou seja, no art. 575 do CC.

Além disso, o locador poderá determinar um aluguel e a Doutrina e a Jurisprudência


vem denominando este aluguel de aluguel sanção - aluguel penalidade. É nesse sentido que
será arbitrado um aluguel sanção - acima da média do mercado, os julgados verificam-se uma
vez e meia a duas vezes o valor corrente de mercado - 1,5 a 2,0 X, até porque não se admite
que esse aluguel seja manifestamente excessivo, e se assim for o parágrafo único do art. 575
do CC determina que o juiz poderá reduzi-lo, mas sem perder do horizonte que esse aluguel é
uma penalização. A ideia é que além de pagar pelo uso o locatário seja apenado, por estar
para além do prazo da locação.

É possível a retomada do imóvel ou a sua entrega antes do termo final da locação? É


uma discussão bem interessante que perpassa sob o ponto de vista da confiança e da boa-fé.
Veja que, se no contrato for estabelecido um prazo de locação, há uma expectativa mútua
que aquele prazo vai ser adimplido.

Nessa linha de pensamento, o art. 571 do CC e o 4º da Lei do Inquilinato trabalham


com essa ideia de boa-fé e confiança, partindo da premissa que se a locação tem prazo certo
por consequência tem de ser obedecido. É por isso que se penaliza eventual devolução antes
do prazo, assim como se proíbe a tentativa de retomada antes do tempo.

O art. 571 do CC diz o seguinte: “Havendo prazo estipulado à duração do contrato,


antes do vencimento não poderá o locador reaver a coisa alugada, senão ressarcindo ao
locatário as perdas e danos resultantes, nem o locatário devolvê-la ao locador, senão
pagando, proporcionalmente, a multa prevista no contrato.” Por sua vez, o art. 4º da Lei do
Inquilinato tem uma redação bem próxima ao do artigo anterior:

Art. 4o Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o


locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2o do art.
54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada,
proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que
for judicialmente estipulada.

372
CAPÍTULO 8

A ideia é que se o contrato de locação tem prazo, em tese, o proprietário não pode
retomar e o inquilino não pode devolver, antes do término do tempo estabelecido no negócio
jurídico. Na disciplina geral, art. 571 do CC é possível se fazer o pagamento da multa
proporcional.

Agora, caso o contrato de aluguel não discipline o valor da multa, aí nesse caso, aplica-
se o art. 572 do CC: “Se a obrigação de pagar o aluguel pelo tempo que faltar constituir
indenização excessiva será facultado ao juiz fixá-la em bases razoáveis.” Veja que, o artigo
legal traz um parâmetro de saída - o valor do aluguel pelo tempo faltante ou valor do aluguel
pelo prazo faltante. No entanto, se o juiz entender que não é proporcional é possível buscar
uma redução.

Na Lei do Inquilinato que regula especificamente a locação de imóvel urbano, o


parâmetro é a aplicação da multa com a proporcionalidade, e se não houver o valor será
judicialmente estipulado. E na prática nessa estipulação judicial o magistrado acaba por se
valer do art. 572 do CC como parâmetro de saída.

Na locação de imóvel urbano há um detalhe importante, que é parágrafo único do art.


4º da Lei do Inquilinato que diz o seguinte: “O locatário ficará dispensado da multa se a
devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público,
para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por
escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência”.

8.6. Lei do inquilinato


A primeira questão especial da Lei do Inquilinato (Lei nº. 8.245/91) é sobre o seu objeto
de aplicação. Veja que o art. 1º da referida norma diz que ela se aplicará à locação de imóvel
urbano.

É nesse sentido que surge na Doutrina discussões a respeito do critério utilizado para
definir o que é e o que não é imóvel urbano. Veja que preponderantemente aplica-se o
Critério da Destinação: consideram-se os imóveis urbanos os que se destinam a moradia,
instalação de casas comerciais e industriais, e rurais, os que têm por finalidade a exploração
rural.

Isso é interessante, porque é possível a aplicação da Lei do Inquilinato, mesmo que se


esteja em zona rural, se a locação tem finalidade urbana. Dessa forma, o Critério da
Destinação é o que vai se sobrepor aos demais - Critério da Localização: consideram-se
urbanos os imóveis situados no perímetro da cidade, edificados ou não e Critério do Estado:
consideram-se imóveis urbanos os edificados, e rurais os não edificados.

Outro detalhe importante é que mesmo dentro dos imóveis urbanos têm-se algumas
exceções em que não se aplicam a Lei do Inquilinato, mas sim o Código Civil e leis especiais:

Art. 1º A locação de imóvel urbano regula - se pelo disposto nesta lei:


Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:

373
CAPÍTULO 8

a) as locações:
1. de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas
autarquias e fundações públicas;
2. de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de
veículos;
3. de espaços destinados à publicidade;
4. em apart- hotéis, hotéis - residência ou equiparados, assim considerados
aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam
autorizados a funcionar;
b) o arrendamento mercantil, em qualquer de suas modalidades.

Para essas molduras não se deve lançar mão da Lei do Inquilinato, e sim do Código
Civil ou de leis especiais.

8.6.1 A Retomada do Imóvel

A primeira questão importante da Lei do Inquilinato se relaciona à retomada do


imóvel. É por isso que se mostra relevante diferenciar a locação residencial com a dita
comercial. O art. 46 da Lei do Inquilinato indica que se a locação for ajustada por escrito e por
prazo igual ou superior a trinta meses a resolução ocorrerá findo o prazo,
independentemente de notificação ou aviso.

No entanto, é aconselhável a notificação, isso porque se nada for feito e passar trinta
dias aquela locação se prorrogará por prazo indeterminado. Ainda que isso aconteça, caso a
locação originariamente tivesse prazo igual ou superior a trinta meses, o locador poderia
reaver o seu imóvel através da chamada Denúncia Vazia - é a denúncia imotivada, ou seja o
proprietário pode requisitar a devolução do imóvel, concedendo trinta dias para a
desocupação.

Por outro lado, caso a locação residencial for com prazo inferior a trinta meses, o art.
47 da Lei do Inquilinato diz que, findo o prazo estabelecido, a locação se prorrogará
automaticamente por tempo indeterminado. Somente podendo ser retomado o imóvel nos
casos do art. 9º:

Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:


I - por mútuo acordo;
II - em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III - em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder
Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do
locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

Retomando ao art. 47 da Lei do Inquilinato, também é possível a retomada do imóvel


nas seguintes hipóteses:

374
CAPÍTULO 8

Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a
trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se
automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado
o imóvel: [...]
II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do
imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego;
III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para
uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como
seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio;
IV - se for pedido para demolição e edificação licenciada ou para a realização
de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em,
no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel
ou pensão, em cinquenta por cento;
V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

Dessa forma, tratando-se de contrato de locação com prazo inferior a trinta meses não
cabe a denúncia vazia sendo admissível, tão somente, a Denúncia Cheia, isto é a denúncia
motivada. Lembrando que a denúncia é a resilição unilateral, ou seja, é o desfazimento do
contrato por ato de vontade de apenas uma das partes.

Na locação comercial, o prazo importante é o de cinco anos isso porque


eventualmente, a depender da presença de outros requisitos, esse prazo pode acabar
gerando o direito à chamada renovação compulsória da locação.

Quando se trabalha com a chamada locação comercial, muitas das vezes, o chamado
ponto comercial/empresarial é fundamental para o sucesso ou insucesso do negócio. É por
isso que, não raro, o lugar onde o negócio funciona é que constitui o grande distintor do
sucesso/insucesso. Para além disso, o Código Civil e o próprio direito brasileiro se preocupa
muito com a empresa, por isso a importância da função social da empresa.

Diante disso tudo, o legislador na Lei do Inquilinato busca tutelar a função social da
empresa, especificamente, no art. 51 e seguintes, onde traz na locação comercial o
tratamento da renovação compulsória - é a possibilidade de atingidos certos requisitos o
inquilino requisitar que aquele contrato seja compulsoriamente renovado, ou seja, direito à
renovação daquele contrato.

Para que se tenha a renovação compulsória são necessários alguns requisitos: o


primeiro deles é que o contrato tenha sido pactuado por escrito; segundo que o contrato ou a
soma de contratos que se renovaram tenham cinco anos; e terceiro que esteja explorando o
mesmo fundo de comércio há pelo menos três anos. Essa ação tem que ser proposta no
prazo decadencial entre um ano e seis meses, antes do término do contrato.

O locador tem matéria de defesa, mas são restritas ao art. 52 da Lei do Inquilinato:

375
CAPÍTULO 8

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:


I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que
importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal
natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;
II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo
de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do
capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.
§ 1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do
mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de
comércio, com as instalações e pertences.
§ 2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá
recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
§ 3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e
dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e
desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de
proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de
três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as
obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.

É importante salientar que a renovação compulsória não garante a manutenção do


valor do aluguel. Geralmente, o próprio contrato traz parâmetros para o reajuste de aluguel e
a Lei do Inquilinato também diz que se o contrato não trouxer, de três em três anos é possível
pedir essa revisão.

A questão do fundo de comércio também é muito importante, isso porque o fato de


não se renovar compulsoriamente o contrato de locação não retira do locatário, como bem
assevera o art. 52 da Lei do Inquilinato, o pleito das eventuais indenizações.

8.6.2. Garantias Locatícias

Esse é um tema muito relevante para a prática, porque como a locação é um contrato
que dura no tempo é importante ter notícias das chamadas garantias locatícias. A Lei do
Inquilinato, no art. 37 traz as modalidades de garantias:

Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes


modalidades de garantia:
I - caução;
II - fiança;
III - seguro de fiança locatícia.
IV - cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.

A primeira é a caução que é o valor que o sujeito antecipa - cauciona o contrato.


Apesar da lei não dizer o valor, geralmente, o mercado dita três aluguéis. A segunda é a
fiança, que é uma modalidade de garantia fidejussória, isto é, pessoal.

376
CAPÍTULO 8

O fiador assume a responsabilidade por débito alheio. Essa fiança, sob o ponto de vista
da pessoa física na locação é extremamente onerosa, isso porque a Lei nº 8.009/90 que é a
norma do bem de família, em seu art. 3º diz que o fiador na locação responde até com o bem
de família.

Inclusive, o verbete sumular nº 549 da Jurisprudência do STJ estabelece que: “É válida a


penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.” Inclusive, tentou se
fazer uma distinção na locação de imóvel urbano residencial e comercial, porém o STF em
repercussão geral, Tema 1.127 diz que pouco importa se a locação é de imóvel urbano
residencial ou comercial

Ainda nas modalidades, constitui garantia o seguro de fiança locatícia que é quando o
sujeito paga uma seguradora para que ela seja sua fiadora. Nesse sentido, a seguradora
cobra uma apólice para ser a fiadora garantindo aquela relação, e na hipótese de
inadimplemento é importante notificar a seguradora para que ela quite em quinze dias.

Temos ainda como modalidade, a cessão fiduciária de quotas de fundo investimento,


essa é bem rara, mas é possível que o sujeito abra um fundo de investimento e faça uma
cessão fiduciária do valor das quotas como garantia.

O detalhe é que é inadmissível acumular garantias, sob pena de nulidade. A vedação,


portanto, é de acumulação de garantias recaindo a nulidade sobre a segunda garantia.
Inclusive, é importante ressaltar que a acumulação de garantias constitui contravenção penal,
nos termos do art. 43 da Lei do Inquilinato:

Art. 43. Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias
a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel
atualizado, revertida em favor do locatário:
[...]
II - exigir, por motivo de locação ou sublocação, mais de uma modalidade de
garantia num mesmo contrato de locação;

O art. 12 da Lei do Inquilinato recorda que nos casos de separação de fato, judicial,
divórcio, dissolução de união estável a locação residencial automaticamente continua com o
cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel. É o que se chama de sub-rogação.

Nesse caso, o fiador deve ser comunicado de que houve essa dissolução da união
estável, separação de fato/judicial, divórcio sendo que a partir da data da comunicação terá o
prazo de 30 (trinta) dias para dizer se quer ou não permanecer como fiador. Se o sujeito não
quiser continuar nessa posição de fiador seguirá responsável pelos efeitos da fiança por 120
(cento e vinte) dias.

Veja que, esse prazo de trinta dias é para o sujeito se desonerar da fiança, se passar
esse tempo e nada disser a presunção é que continua como fiador. ATENÇÃO! O art. 39 da
Lei do Inquilinato diz o seguinte: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das

377
CAPÍTULO 8

garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a
locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.”

Nesse sentido, é importante destacar que não se tratando de locação de imóvel


urbano, a súmula 656 da Jurisprudência do STJ diz que será válida a cláusula de
prorrogação automática da fiança na renovação do contrato principal. Veja que, na
locação de imóvel urbano independe de cláusula, isto é a garantia continua até a efetiva
devolução do bem.

No caso de o contrato se renovar por prazo indeterminado, o art. 40 da Lei do


Inquilinato indica que o fiador deve notificar o locador informando a sua desoneração,
seguindo obrigado somente por 120 (cento e vinte) dias após a notificação. É nesse sentido
que o parágrafo único do art. 40 estabelece que o locador pode notificar o locatário para
apresentar uma nova garantia no prazo de trinta dias, sob pena de desfazimento da
locação.

8.6.3. Built-to-suit

O Built-to-suit, também chamado de BTS, é o construir para alugar. A ideia é o ajuste de


uma locação de longo período, de modo que, na eventualidade do desfazimento, a multa
corresponderá aos aluguéis faltantes de todo o período. O art. 54-A da Lei do Inquilinato
diz o seguinte:

Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador


procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo
ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a
fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as
condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições
procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1o Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos
aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário,
compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá,
porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação.

O contrato é pactuado com base na completa liberdade contratual podendo ser


estabelecida as cláusulas, renúncia, eventual revisão da locação e multa que geralmente são
os aluguéis faltantes, acaso o inquilino resolva devolver antes do prazo. É uma modalidade
locatícia que vem ganhando muito espaço, em especial nos fundos imobiliários.

ATENÇÃO! É importante não confundir o Built-to-suit com a chamada Locação


Gerência - locação de negócio já estabelecido para que alguém gerencie e receba um
percentual do que rentabilizar. Por outro lado, no Built-to-suit a ideia é construir para alugar.

378
CAPÍTULO 8

8.7. Locação em Shopping Center


A locação em shopping center demanda entender primeiro o seu conceito. O shopping
center é um mix de lojas e serviços que, obviamente, é ofertado ao público geral. É a
possibilidade e a oportunidade de em um único local resolver várias coisas
concomitantemente.

A locação do shopping tem esse viés de local diferenciado que precisa ter uma atenção
diferente a esse mix, sendo justamente por isso que o art. 54 da Lei do Inquilinato dá uma
nitidez maior quanto à liberdade contratual. Nesse sentido, os contratos em shopping center
são mais paritários - aquele contrato em que é estabelecida a relação entre iguais ou quase
iguais. Ou seja, as partes negociam as cláusulas do negócio e resta estabelecida aquela
relação contratual.

Por esse ângulo, surge o questionamento: o contrato é efetivamente paritário? A


resposta depende do tamanho do lojista, ou seja, caso se trate de uma loja âncora (grandes
lojas que atraem grandes públicos), os shoppings correm atrás dela - dão espaço; prazo de
carência; ajudam na reforma; isso porque, o shopping precisa da loja âncora que é o grande
argumento para ter um expressivo público passante.

Para pequenas lojas (p. ex. cafeteria, box do açaí) o contrato não é paritário, e
seguramente, o contrato é por adesão.

ATENÇÃO! Aqui, há de se recordar que não só apenas o contrato de consumo é


contrato por adesão, ou seja não é só o contrato de consumo que é contrato por adesão.

Por essa razão o contrato empresarial, também pode ser um contrato por adesão. E
por óbvio, se é um contrato por adesão busca-se as regras interpretativas do contrato que
estão consubstanciados nos arts. 423 e 424 do Código Civil, os quais indicam que as
cláusulas ambíguas ou contraditórias serão interpretadas pró-aderente, isto é, para
aquele que adere. O que indica que são nulas as renúncias antecipadas aos direitos do
aderente. ATENÇÃO! Apesar de se ter uma presunção de que esse contrato dentro do
shopping center será paritário pode eventualmente ser um contrato por adesão.

O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu em algumas oportunidades que esse


contrato não constitui relação de consumo (STJ, Resp 1.259.210/RJ 3ª Turma, Rel. Min Nancy
Andrighi, julgado em 26/06/2012 DJe 07/08/2012). Afinal de contas, o sujeito aluga um espaço
no shopping center não como destinatário final, mas sim como insumo, e, portanto,
efetivamente não é relação de consumo.

Voltando os olhos para a locação do shopping, vislumbram-se algumas cláusulas


importantes. A primeira delas diz respeito à questão da cobrança do aluguel. Não raro, se tem
a presença de uma cláusula bivalente no que tange a cobrança do aluguel, porque no
contrato se estabelece a cobrança de aluguel mínimo, assim como o percentual que só vai
incidir se for maior que o mínimo.

379
CAPÍTULO 8

Essa cláusula é entendida como válida pelo STJ. Justamente por essa questão do
percentual é que o contrato também trabalha com o direito do shopping de fiscalizar as
vendas do lojista.

Além disso, os contratos de locação em shopping center costumam prevê o chamado


aluguel dobrado de dezembro, cláusula essa também lícita, segundo o STJ, isso porque,
geralmente, no mês de dezembro o shopping tem um grande incremento de custos (aumento
do horário de funcionamento, sorteios, outdoor, mais segurança, promoções de natal,
propaganda em mídia paga etc), por isso é que se prevê esse aluguel em dobro, por entender
que se gerará um público passante maior.

Existem cláusulas ainda que permitem a cessão do contrato de locação, ou que por
vezes proíbem a cessão do contrato de locação. Ou que inviabilizam um lojista a mudar o
ramo de atuação.

Há inclusive, a chamada, cláusula de raio que também é tida como lícita (STJ, Resp
123847/SP) - que é aquela cláusula que estabelece que o lojista não pode abrir uma loja fora
do shopping igual em um determinado quilômetro de raio. Isso se justifica porque, em tese,
aquele que está de fora do shopping consegue vender mais barato do que quem está dentro,
sendo custoso para o lojista que está dentro do shopping (aluguel em dobro no mês de
dezembro, aluguel mínimo versus aluguel percentual). É viável também que o contrato
contenha uma cláusula de reposicionamento, por óbvio o shopping terá que arcar com os
custos.

8.8. Modelos
8.8.1 Modelo - Contrato de Locação com finalidade comercial

Contrato de Locação.

Fins Não Residenciais

[Instrumento Contratual]

De um lado,

…, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº …,

estabelecida à …, neste ato representada, na forma de seu contrato social, pelo

Sr. …, inscrito no CPF/MF sob o nº …, profissionalmente estabelecido no mesmo

endereço …, doravante denominada de LOCADORA e/ou Partes(s);

e, de outro lado,

380
CAPÍTULO 8

…, brasileira, casada, médica, inscrita no CPF/MF sob o nº …, residente e

domiciliada à …, doravante denominada de LOCATÁRIA e/ou Partes(s);

RESOLVEM, pelo presente instrumento particular e na melhor forma do

direito, na mais livre manifestação de vontade e sem qualquer vício de

consentimento, pactuar o presente CONTRATO DE LOCAÇÃO, na forma das

cláusulas que adiante se seguem:

Cláusula Primeira

[Objeto]

1.1 A presente locação de imóvel urbano diz respeito a dois turnos

semanais (terças-feiras à tarde e sextas-feiras pela manhã) de um dos

consultórios da clínica LOCADORA, situados no mesmo endereço em que a

LOCADORA é estabelecida.

Cláusula Segunda

[Vigência]

2.1 O presente contrato vigorará pelo prazo de …, iniciando a sua vigência

no dia //, e com término no dia //, independentemente de qualquer notificação

judicial ou extrajudicial.

2.2 No caso de prorrogação contratual através da incidência do art. 56,

parágrafo único da Lei 8.245/91, todas as condições estabelecidas por este

instrumento permanecerão inteiramente inalteradas, inclusive a garantia

locatícia.

Cláusula Terceira

[Finalidade]

381
CAPÍTULO 8

3.1 No imóvel ora locado a LOCATÁRIA desenvolverá atividade médica, a

qual há de ser exercida em consonância com o objeto social da LOCADORA,

normas condominiais e legais, bem como todos os ditames da profissão e leis

aplicáveis.

3.2 Constitui infração contratual e causa de imediata resolução da

locação, sem prejuízo das demais cominações legais e/ou contratuais, a

exploração, pela LOCATÁRIA e no imóvel locado, de qualquer outro ramo de

negócio ou serviço em desacordo ao pactuado neste instrumento.

Cláusula Quarta

[Aluguel]

4.1 A LOCATÁRIA pagará mensalmente à LOCADORA, à título de aluguel, o

valor de R$ …, atualizados ano a ano pela variação positiva do IVAR-FGV, ou, no

caso de sua extinção, de índice que venha a substituí-lo.

4.2 O não pagamento de qualquer aluguel em seu vencimento constitui

em automática mora da LOCATÁRIA, independentemente de qualquer

notificação judicial ou extrajudicial, sujeitando a mesma ao pagamento de juros

de 1% (um por cento) ao mês, ou fração sobre o total do débito, e ainda multa

moratória de 10% (dez por cento) incidente sobre o total da dívida vencida e não

liquidada, corrigida monetariamente pela variação positiva do IVAR-FGV, ou, no

caso de sua extinção, de índice que venha a substituí-lo.

4.3 A correção monetária será calculada pro-rata die, utilizando-se como

índice a variação positiva do IVAR-FGV, ou, no caso de sua extinção, de índice

que venha a substituí-lo, sempre do mês anterior ao da data do vencimento.

Será adotado o pró-rateamento deste índice e a correção monetária será da

data de vencimento até a data do efetivo pagamento.

382
CAPÍTULO 8

4.4 As Partes expressamente e mutuamente afastam a incidência do art.

322 do Código Civil, de modo que o eventual pagamento da última parcela não

gerará a presunção relativa de quitação das anteriores.

4.5 A LOCATÁRIA declara que tem conhecimento e autoriza

expressamente à LOCADORA, a partir do 5º (quinto) dia corrido, após o

vencimento, a efetuar o protesto do valor do aluguel, multa e encargos que

eventualmente não tenham sido pagos, bem como a inclusão dos devedores nos

órgãos de cadastro de inadimplentes (SPC, Serasa e outros).

Cláusula Quinta

[Data e Local de Pagamento]

5.1 O aluguel mensal devido será pago à LOCADORA, ou em local por ele

indicado, até o dia cinco de cada mês.

Cláusula Sexta

[Cessão, Empréstimo e Sub-locação]

6.1 É vedado à LOCATÁRIA ceder, emprestar ou sublocar, total ou

parcialmente, o objeto desse contrato a terceiros, salvo prévia e expressa

anuência escrita da LOCADORA, conforme art. 13 da Lei 8.245/91.

Cláusula Sétima

[Conservação e Benfeitorias]

7.1 Declarar à LOCATÁRIA que o imóvel está em perfeito estado de

conservação, não precisando de qualquer intervenção. Outrossim, convenciona-

se entre as Partes que a LOCATÁRIA resta proibida de realizar qualquer

modificação no imóvel, as quais, acaso feitas, além de importarem em

383
CAPÍTULO 8

descumprimento e resolução contratual, não gerarão qualquer direito à

indenização e/ou retenção.

Cláusula Oitava

[Garantia]

Cláusula Nona

[Multa e Tolerância]

9.1 A infração de qualquer cláusula deste contrato, além de importar em

sua imediata resolução, sujeitará o infrator ao pagamento de uma multa

correspondente a 03 (três) aluguéis vigentes. A cobrança da multa não

prejudicará as demais medidas legais, ou contratuais, porventura cabíveis.

9.2 Se a LOCATÁRIA decidir por findar este contrato antes de seu termo,

ficará sujeita à pena prevista no caput desta cláusula, tudo conforme o art. 4º da

Lei 8.245/91.

9.3 Na hipótese deste contrato passar a vigorar por prazo indeterminado,

tanto a LOCATÁRIA, com o LOCADOR, poderão denunciá-lo, mediante aviso

prévio de trinta dias e sem qualquer necessidade indenizatória.

9.4 A eventual tolerância do LOCADOR quanto ao recebimento do aluguel

em atraso, modo, local e imposição de multas (ou em relação a qualquer outra

cláusula do presente contrato), não constituirá, em nenhuma hipótese, novação

do presente contrato e será entendida como mera liberalidade.

Cláusula Décima

[Encerramento do Contrato]

10.1 Na hipótese da LOCADORA encerrar as suas atividades no imóvel em

384
CAPÍTULO 8

que a LOCATÁRIA está a locar em seus dois turnos semanais, o presente

contrato restará imediatamente resolvido, sem qualquer indenização de parte a

parte, bastando que haja aviso prévio com trinta dias de antecedência.

Cláusula Décima Primeira

[Formação de Clientela]

11.1 Renuncia à LOCATÁRIA qualquer pretensão indenizatória no que diz

respeito à formação de fundo de comércio, seja anterior a este contrato ou

constituído durante a sua vigência, renunciando - de forma plena, geral e

irrevogável - a qualquer direito relacionado a esta questão.

Cláusula Décima Segunda

[Foro]

12.1 As Partes obrigam-se por si, herdeiros e sucessores a respeitar e a

fazer respeitar o presente contrato, elegendo o Foro da Comarca do …, para

dirimir quaisquer questões decorrentes do presente contrato, renunciando a

qualquer outro foro, por mais privilegiado que o outro foro seja.

E por estarem, assim, justos e contratados assinam em 2 (duas) vias, na

presença de 2 (duas testemunhas).

Salvador, …

__________________________________________________

CNPJ nº …

LOCADORA

__________________________________________________

CPF nº …

385
CAPÍTULO 8

LOCATÁRIA

_________________________________________________

Nome:

CPF:

Testemunha

__________________________________________________

Nome:

CPF:

Testemunha

8.8.2 Modelo - Instrumento Particular de Locação de espaço para evento

INSTRUMENTO PARTICULAR DE LOCAÇÃO DE ESPAÇO PARA EVENTO

Pelo presente instrumento contratual, de um lado,

…, inscrita no CNPJ sob o nº …, com sede à Rua …, neste ato representada,

na forma de seus Estatutos, por …, inscrito no CPF de nº …, doravante

simplesmente denominada LOCADOR

e, de outro lado,

…, inscrito no CNPJ sob o nº …, com sede à Rua …, neste ato representado

por seu administrador …, inscrito no CPF/MF sob o nº …, doravante

simplesmente denominado como LOCATÁRIO, tem, entre si, na melhor forma do

direito e sem nenhum vício de consentimento ou social, justo e contratado o que

se segue.

386
CAPÍTULO 8

CONSIDERANDO INICIAIS

Considerando que as partes inicialmente realizaram Contrato de Locação

de Espaço para Evento em Janeiro de 2020.

Considerando que em razão da pandemia provocada pelo novo

Coronavírus (Covid-19), o Governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal

de Salvador determinaram o cumprimento de medidas preventivas e de controle

de contaminação do vírus;

Considerando que dentre as medidas de combate ao novo Coronavírus

estava a proibição de realização de eventos presenciais para grande público, o

que acarretou na suspensão do evento no espaço contratado;

Considerando que diante do cenário de incerteza sobre a possibilidade de

realização de eventos, fora realizado DISTRATO entre as partes em setembro de

2020.

Considerando que no DISTRATO realizado assinado em setembro de 2020

ficou acordado que o valor pago quando da assinatura do PRIMEIRO contrato

seria utilizado como créditos na realização de eventos futuros.

Considerando que salvo o crédito descrito acima, as partes acordaram e

firmaram, reciprocamente, plena, geral, irrevogável e irretratável quitação da

relação contratual ora distratada, não mais podendo reclamar uma da outra

qualquer direito ou dever relativo ao contrato ora distratado, em Juízo ou fora

dele.

Considerando o avanço da vacinação e a flexibilização das medidas

preventivas e de controle do vírus por parte das autoridades competentes.

Resolvem as partes realizar NOVO CONTRATO, na forma das cláusulas

abaixo.

1.CLÁUSULA PRIMEIRA - OBJETIVO

1.1 O objetivo deste contrato é a locação do espaço AUDITÓRIO - …

PESSOAS / dependências do …, para realização de eventos, a se realizar da

seguinte forma:

387
CAPÍTULO 8

1.2 Além do auditório, pelo presente contrato o LOCADOR também

disponibilizará 2 (duas) salas de apoio e 1 (uma) sala Vip, sem nenhum custo

adicional ao contrato;

1.3 Resta pactuado que para a realização dos eventos o LOCATÁRIO fará a

montagem 1 (um) dia antes do evento, desde que o espaço esteja liberado,

porquanto a ausência de outro evento na data. Caso surja agenda para o dia da

montagem, o LOCATÁRIO será informada com até 1 (uma) semana de

antecedência, para que a montagem seja feita no período noturno.

2.CLÁUSULA SEGUNDA- OBRIGAÇÕES DO LOCADOR

2.1 O LOCADOR disponibilizará as dependências do local - … - em

condições de uso e devidamente limpas. Disponibilizará palco, cadeiras, mesas,

sistema de som, conforme ficha técnica anexa.

2.2 O LOCADOR designará uma pessoa responsável para o

acompanhamento de todo o evento.

3. CLÁUSULA TERCEIRA - OBRIGAÇÕES DO LOCATÁRIO

3.1 O LOCATÁRIO deve fornecer as informações necessárias para a

perfeita realização do evento, assumindo integralmente a responsabilidade pela

precisão das mesmas.

3.2 O LOCATÁRIO assumirá o custo adicional por convidado excedente à

capacidade máxima do auditório, no valor correspondente unitário;

3.3 O LOCADOR não se responsabilizará por todo e qualquer dano

causado e/ou sofrido pelos participantes do evento, enquanto nas dependências

do espaço do evento, excetuando-se as hipóteses em que o dano decorra da

conduta do LOCADOR;

3.4 O LOCATÁRIO deverá ressarcir ao LOCADOR, a valores de mercado,

todos e quaisquer danos causados ao imóvel, bem como, móveis e utilitários,

seja por má utilização ou vandalismo dos participantes do evento, seja pelos

prestadores de serviço contratados pelo LOCATÁRIO.

3.5 O LOCATÁRIO deverá cumprir o horário de utilização do espaço,

388
CAPÍTULO 8

conforme avençado na Cláusula Primeira (item 1:1). O não cumprimento do

horário ajustado produzirá um acréscimo de R$ … por hora de atraso.

3.6 É de responsabilidade do LOCATÁRIO a implantação de um Posto de

Atendimento, bem como translado de pessoas, caso necessário, em decorrência

de acidentes pessoais.

3.7 É de responsabilidade do LOCATÁRIO a contratação de Brigadistas

Civil para o Hall do Auditório, para eventuais contratempos.

3.8 As vagas de garagem são disponibilizadas para o LOCATÁRIO de forma

gratuita, porém os manobristas são de responsabilidade do LOCATÁRIO.

4.CLÁUSULA QUARTA - PREÇO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO

4.1 Para a utilização do espaço, nas condições estabelecidas neste

contrato, conforme pontuado nos Considerando Inicias, a LOCATÁRIA utilizará o

crédito no valor de … oriundo dos contratos anteriormente firmados e

inexecutados por circunstâncias alheias à vontade dos contratantes.

5.CLÁUSULA QUINTA - DISPOSIÇÕES GERAIS

5.1 Qualquer modificação, nos termos deste contrato, somente terá

validade se devidamente ajustada entre as partes e registrada em aditivo ao

contrato, que assinado por ambas, passará a fazer parte integrante deste

instrumento.

5.2 O LOCATÁRIO se compromete a desocupar o imóvel após o horário

previsto na Cláusula Primeira, deixando-o em perfeito estado de conservação,

conforme recebido no momento da locação.

5.3 Fica vedado ao LOCATÁRIO emprestar ou ceder o espaço objeto desta

locação, no todo ou em parte, assim como fica também vedado ao LOCADOR a

realização de outro evento no mesmo espaço, garantindo ao LOCATÁRIO

exclusividade de utilização.

5.4 Não é permitida a venda ou consumo de bebidas alcoólicas nas

dependências do evento.

5.5 Não é permitido, para o referido contrato, show artístico ou

389
CAPÍTULO 8

apresentação ao vivo de bandas ou artistas sem prévia autorização do LOCADOR

e dos órgãos competentes (ECAD …).

5.6 O descumprimento de qualquer das cláusulas estabelecidas neste

contrato acarretará à parte infratora o pagamento de multa indenizatória de

30% (trinta por cento) sobre o valor total estabelecido na Cláusula Quarta, sem

prejuízo de eventual pleito de perdas e danos complementares.

6. CLÁUSULA SEXTA - FORO

6.1 Fica eleito o foro da Comarca da Capital de Salvador, Bahia, como o

competente para dirimir dúvida ou litígio oriundo deste contrato, renunciando

as partes expressamente a qualquer outro, por mais privilegiado que seja.

E por estarem assim justas e avençadas as partes, assinam o presente

Instrumento em duas vias de igual teor e forma, para um só efeito, perante duas

testemunhas que igualmente assinam e se identificam.

Salvador, …

__________________________________________________

CNPJ nº …

LOCADORA

__________________________________________________

CPF nº …

LOCATÁRIA

Testemunhas:

Nome:

CPF/MF:

___________________________________________

390
CAPÍTULO 8

Nome:

CPF/MF:

___________________________________________

8.8.3 Modelo - Contrato de Locação de Imóvel com finalidade Residencial

Contrato de Locação de Imóvel

[Fins Residenciais]

Pelo presente instrumento contratual, de um lado,

…, brasileiro, divorciado, engenheiro, portador da cédula de identidade

(RG) nº …, inscrito no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …, residente e

domiciliado na …, e

…, brasileira, divorciada, portadora da cédula de identidade (RG) nº …,

inscrita no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …, residente e

domiciliado na …,

ambos doravante denominados, conjuntamente ou separadamente,

como LOCADOR(ES), e, de outro lado,

…, brasileira, convivente com …, administradora, portadora da cédula de

identidade (RG) nº …, inscrita no CPF/MF sob o nº …, com endereço eletrônico …,

residente e domiciliado na …, doravante denominada como LOCATÁRIA,

e, ainda, como INTERVENIENTE ANUENTE E FIADORA, as

[...] (Vênia Conjugal)

391
CAPÍTULO 8

Resolvem, em comum acordo e na melhor forma do direito, celebrar o

presente contrato de locação, consoante as disposições a seguir delineadas e de

acordo com os arts 565 e seguintes do Código Civil, Lei 8.245/91 ( Lei do

Inquilinato), Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil) e demais diplomas

legislativos aplicáveis.

CLÁUSULA PRIMEIRA

[Do Objeto]

1.Pelo presente instrumento particular as partes contratantes têm entre si

justa e acordada a locação do IMÓVEL situado à …, doravante denominado,

simplesmente, de IMÓVEL.

CLÁUSULA SEGUNDA

[Do Prazo da Locação]

2. O prazo da presente locação é de 30 (trinta) meses, começando no dia

… e terminando no dia …, data em que a LOCATÁRIA, obriga-se a restituir o

imóvel aos LOCADORES ou a seu representante credenciado, livre e

desembaraçado, no estado em que o recebeu, independemente de notificação

interpelação judicial ou extrajudicial, ressalvada a hipótese de prorrogação do

contrato.

2.1 Findo o período de vigência, o presente instrumento poderá ser

prorrogado, desde que o LOCADOR consinta, hipótese na qual aplicar-se-á o

disposto no art. 46, §§ 1º e 2º da Lei 8.245/91. Em havendo a dita prorrogação

ficarão mantidas todas as cláusulas e condições do presente contrato, inclusive

no que tange à garantia locatícia, até a devida devolução das chaves, conforme o

disposto no art. 39 Lei 8.245/91. Além disso, acaso prorrogado o contrato

poderão os LOCADORES denunciá-lo a qualquer tempo, concedido o prazo de

trinta dias para desocupação e sem nenhuma indenização.

2.2 Qualquer ato praticado pelos LOCADORES, expirada a vigência do

392
CAPÍTULO 8

contrato, não implicará em renovação tácita do mesmo e nem obriga os

LOCADORES ao novo período contratual. Dessa forma, persistem os LOCADORES

com a possibilidade de retomada do imóvel, atualização dos aluguéis a preço de

mercado e a garantia da fiança.

2.3 No desenvolvimento da prorrogação automática da locação e,

eventualmente, desejando a LOCATÁRIA dar por finda a relação de locação,

deverá observar o disposto no artigo 6º da Lei 8.245/91, comunicando por

escrito aos LOCADORES, com antecedência mínima de trinta dias. A não

observância do preceito legal pela LOCATÁRIA acarretará a obrigação de

indenização por igual período.

2.4 Após doze meses de cumprimento do contrato faculta-se a quaisquer

das partes a denúncia imotivada, desde que com aviso prévio de trinta dias e

sem indenização a contraparte.

CLÁUSULA TERCEIRA

[Finalidade]

3. O IMÓVEL, ora locado destina-se exclusivamente ao uso residencial da

LOCATÁRIA, sendo expressamente vedada a mudança de sua destinação, sob

pena de automático desfazimento do contrato.

3.1 A LOCATÁRIA declara, neste ato, que visitou e examinou previamente

o IMÓVEL e que o mesmo encontra-se em perfeitas condições de uso e

habilitação, conforme termo de vistoria e entrega anexo (Anexo I). Obriga-se a

LOCATÁRIA a conservar em perfeita ordem o IMÓVEL ora recebido em locação,

nas condições em que o recebe, conforme vistoria, bem como todos os móveis e

acessórios. Além disso, obriga-se a LOCATÁRIA a realizar, às suas expensas,

todas as obras necessárias a essa perfeita conservação.

3.2 A presente locação diz respeito ao IMÓVEL, acompanhado como

393
CAPÍTULO 8

meros acessórios alguns móveis e eletrodomésticos que guarnecem o lar (Anexo

I). No que tange aos referidos móveis e eletrodomésticos fica ajustado entre as

partes que o Anexo I disciplinará, quais são, seu estado de conservação e quais

deles poderão ser retirados pelos LOCADORES, mesmo na constância do

contrato e sem nenhum prejuízo ao valor do aluguel. Ainda sobre os aludidos

móveis e eletrodomésticos, na hipótese de defeito ou quebra ficarão os

LOCADORES com a faculdade de conserto ou retirada do bem, sem nenhum

impacto no valor ajustado no contrato.

CLÁUSULA QUARTA

[Do aluguel]

4. O valor mensal da locação é de …. O valor mensal do aluguel deverá ser

pago até o 5º dia útil do mês subsequente, em favor dos LOCADORES,

especificamente na conta abaixo indicada: (...)

4.1 O valor do aluguel será reajustado a cada 12 (doze) meses de contrato,

de acordo com a variação do IVAR (Índice de Variação de Aluguéis) ou, na sua

falta pelo Índice de Preços do Consumidor (IPC) ou qualquer outro que o

substitua, dentro da periodicidade mínima para reajuste admitida em lei.

4.2 O não pagamento de qualquer aluguel e demais encargos em seu

vencimento constitui em automática mora da LOCATÁRIA, independemente de

qualquer notificação judicial ou extrajudicial, sujeitando a mesma ao pagamento

de juros de 1% (um por cento) ao mês, ou fração sobre o total do débito, e ainda

multa moratória de 10% (dez por cento) incidente sobre o total da dívida vencida

e não liquidada, corrigida monetariamente pelo IVAR (Índice de Variação de

Aluguéis), ou no caso de sua extinção, pelo IPC (Índice de Preços do Consumidor)

ou por qualquer outro que apure a variação da inflação. A correção monetária

será calculada pro-rata die, utilizando-se como índice o IVAR (Índice de Variação

de Aluguéis) do mês anterior ao da data de vencimento. Será adotado o pró-

394
CAPÍTULO 8

rateamento deste índice e a correção monetária será da data do vencimento até

a data do efetivo pagamento. No caso de extinção do IVAR, o índice a ser

utilizado será o IPC (Índice de Preços do Consumidor). Na falta deste, qualquer

outro que apure a inflação.

4.3 As partes expressamente e mutuamente afastam a incidência do art.

322 do Código Civil, de modo que o eventual pagamento da última parcela não

gerará a presunção relativa de quitação das anteriores.

4.4 A LOCATÁRIA declara que tem conhecimento e autoriza

expressamente aos LOCADORES, a partir do 5º (quinto) dia corrido após o

vencimento, a efetuar o protesto do valor do aluguel, multa e encargos que

eventualmente não tenham sido pagos, bem como a inclusão dos devedores nos

órgãos de cadastro de inadimplentes (Serasa, SPC e outros).

CLÁUSULA QUINTA

[Dos Encargos]

5. Além do valor mensal da locação, será de responsabilidade da

LOCATÁRIA o pagamento de todos os tributos ou contribuições de qualquer

natureza e seus acréscimos punitivos que incidam ou venham a incidir sobre o

IMÓVEL, devidos em razão do uso, enquanto durar a presente locação.

Compreende-se aqui as despesas de consumo de energia elétrica, gás, água,

esgoto, taxas de lixo, iluminação pública, condomínio, IPTU e outras taxas

instituídas pelos Poderes Públicos, cujos respectivos comprovantes de

pagamento serão enviados aos LOCADORES, mês a mês.

5.1 Na hipótese de serem referidos encargos pagos pelos LOCADORES,

porque não os tenham sido feitos pela LOCATÁRIA no prazo devido, serão os

respectivos montantes reembolsados por esta, com a devida atualização

monetária e aplicação das mesmas sanções pelo atraso da locação, disciplinadas

na Cláusula 4.

395
CAPÍTULO 8

CLÁUSULA SEXTA

[Da Conservação]

6. A LOCATÁRIA obriga-se, finda a locação, a entregar o IMÓVEL,

acessórios e eletrodomésticos em perfeitas condições de conservação, como os

recebeu, ressalvadas as depreciações decorrentes do uso natural e correto. Para

tanto, no momento da entrega será realizado novo termo de vistoria e entrega,

comparativo com o primeiro (Anexo I), bem como com eventuais novos anexos

realizados no decorrer da locação.

CLÁUSULA SÉTIMA

[Das demais Obrigações da Locatária]

7. A LOCATÁRIA compromete-se a:

a) encaminhar aos LOCADORES todas as notificações, avisos ou

intimações dos poderes públicos, bem como toda correspondência em nome

dos LOCADORES que forem entregues no IMÓVEL;

b) informar o endereço dos LOCADORES às pessoas encarregadas de

fazer intimações e citações originadas dos poderes públicos ;

c) facultar aos LOCADORES ou ao seu representante legal examinar ou

vistoriar o imóvel, desde que sejam previamente marcados dia e hora;

i. se quando realizada a vistoria for constatado qualquer dano ao imóvel

ou em seus pertences, os LOCADORES notificarão a LOCATÁRIA para, no prazo

de 10 (dez) dias, proceder os reparos e consertos necessários, correndo as

despesas respectivas por conta da LOCATÁRIA. Não cumprida esta notificação,

estará caracterizada grave infração contratual, geradora de rescisão contratual;

396
CAPÍTULO 8

d) manter o IMÓVEL, todas as suas instalações e todos os seus pertences

às suas custas, providenciando, incontinenti, qualquer conserto, reparo,

substituições necessárias, utilizando sempre materiais similares aos existentes

no IMÓVEL e de boa qualidade, com o objetivo de mantê-lo nas condições que

recebeu. Acaso a avaria seja de um dos bens acessórios ou eletrodomésticos,

deverá a LOCATÁRIA informar aos LOCADORES, ficando estes com a opção de

reparo ou retirada, sem nenhum tipo de impacto no valor do aluguel;

e) satisfazer, incontinenti, todas as notificações e intimações expedidas

por órgãos públicos da administração direta ou indireta, decorrentes de atos,

ações ou omissões de sua responsabilidade;

f) Os LOCADORES não terão qualquer responsabilidade perante o

LOCATÁRIO em caso de incêndio, mesmo que originado por curto-circuito ou

estragos nas instalações elétricas do imóvel;

g) Obriga-se a LOCATÁRIA a respeitar Convenção de Condomínio,

Regimento Interno e demais normas relacionadas ao direito da vizinhança,

notadamente no que se refere ao sossego e respeito aos seus vizinhos;

h) Tendo em vista ser a FIADORA da presente locação a atual

empregadora da LOCATÁRIA, aliado ao fato de que a permanência da fiança está

atrelada à permanência da relação de emprego, obriga-se a LOCATÁRIA a

comunicar, de pronto, aos LOCADORES, quaisquer alteração na sua relação de

emprego com a FIADORA, e, em especial, eventual desligamento.

CLÁUSULA OITAVA

[Das Benfeitorias]

8. A LOCATÁRIA não poderá, sem prévia, expressa e escrita autorização

dos LOCADORES, fazer modificações, acréscimos, demolições ou obras no

397
CAPÍTULO 8

imóvel de qualquer natureza, ainda que necessários ou úteis.

8.1 As eventuais benfeitorias realizadas pela LOCATÁRIA - após

autorização prévia, expressa e escrita dos LOCADORES - serão consideradas

incorporadas ao IMÓVEL, não havendo de falar-se em indenização, na forma do

art. 35 da Lei 8.245/91 e da Súmula 335 do Superior Tribunal de Justiça. O dito

aplica-se mesmo para as benfeitorias necessárias ou úteis e ainda que tenham

sido realizadas com o consentimento dos LOCADORES. Ademais, caso não

convier aos LOCADORES a permanência de quaisquer benfeitorias ou obras,

após encerrada a locação, ainda que tenham sido autorizadas, deverá a

LOCATÁRIA removê-las às suas custas.

CLÁUSULA NONA

[Da Sublocação]

9. É expressamente proibido à LOCATÁRIA ceder ou transferir o presente

contrato ou sublocar, total ou parcialmente, o IMÓVEL, sem autorização prévia e

escrita dos LOCADORES, na forma do art. 13 da Lei 8.245/91.

CLÁUSULA DÉCIMA

[Extinção do Contrato]

O presente contrato considerar-se-á rescindido automaticamente, sem

necessidade de interpelação judicial ou extrajudicial, nos seguintes casos:

a) infração de qualquer das cláusulas contratuais;

b) qualquer fato de força maior que acarrete o impedimento total ou

parcial do IMÓVEL, inclusive desapropriação parcial ou total, incêndio ou

acidente.

398
CAPÍTULO 8

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

[Entrega do Imóvel]

11. Na entrega do IMÓVEL, findo o prazo da locação ou se a locação vier a

ser rescindida:

i. Verificando-se infração pela LOCATÁRIA de quaisquer das cláusulas que

compõe o presente contrato e que o IMÓVEL e/ou os itens constantes do ANEXO

I, bem como seus modificativos posteriores, necessitem de algum conserto ou

reparo, ficará a LOCATÁRIA pagando o valor mensal da locação, taxas, impostos

e cotas condominiais até a entrega das chaves, permanecendo vigente o

presente contrato, inclusive, para o FIADOR;

ii. por ocasião da devolução das chaves, os LOCADORES vistoriarão o

IMÓVEL, em conjunto com a LOCATÁRIA, a fim de verificar se o mesmo e os seus

itens constantes do ANEXO I, bem como seus modificativos posteriores, se

acham nas condições em que foi recebido pela LOCATÁRIA, ressalvadas as

depreciações decorrentes do seu uso normal e correto durante a vigência do

presente contrato.

CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA

[Punição às Infrações Contratuais]

12. As partes contratantes obrigam-se a respeitar o presente contrato em

todas as cláusulas e condições, incorrendo a parte que infringir qualquer

disposição contratual ou legal em multa igual ou equivalente a 3 (três) vezes o

valor mensal da locação, que será sempre paga imediata e integralmente. O

pagamento da multa não impede a rescisão do presente contrato pela parte

inocente, caso lhe seja conveniente, configurando o presente contrato título

executivo extrajudicial, na forma do art. 784, III e VIII do Código de Processo Civil

Brasileiro.

399
CAPÍTULO 8

12.1 Tudo quanto for devido em razão deste contrato será cobrada

através de ação apropriada no foro desta Capital, correndo por conta da parte

vencida todas as despesas judiciais e extrajudiciais, mais 20% (vinte por cento)

de honorários advocatícios. Na hipótese de acordo extrajudicial, os honorários

seguem devidos, agora na razão de 15% (quinze por cento).

CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA

[Da Fiança]

13. Em garantia de cumprimento de todas as obrigações assumidas no

contrato de locação pela LOCATÁRIA, assina este instrumento, na qualidade de

FIADORA ….

13.1 A dita fiança, como já destacada, é prestada pela integralidade do

contrato, na forma do artigo 822 do Código Civil. Dessa forma, a fiadora

responderá por todos os encargos deste contrato, inclusive os de custas judiciais

e honorários de advogado, caso os LOCADORES tenham de recorrer às vias

judiciais;

13.2 As responsabilidades ora assumidas pela FIADORA têm pleno valor

mesmo que a locação ultrapasse o prazo previsto inicialmente, persistindo a

garantidora responsável mesmo na renovação do contrato por prazo

indeterminado, até a efetiva devolução das chaves pela LOCATÁRIA, tudo

conforme o art. 39 da Lei 8.245/91.

13.3 A FIADORA assumirá as responsabilidade legalmente previstas

apenas enquanto a LOCATÁRIA se mantiver na qualidade de funcionária da

FIADORA, devendo a LOCATÁRIA providenciar a imediata alteração do FIADOR ou

substituição da garantia em caso de desligamento, sob pena de desfazimento da

presente locação.

400
CAPÍTULO 8

CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA

[Da Sucessão]

O presente contrato obriga não só as partes contratantes, mas,

igualmente, os seus herdeiros e sucessores, seja a que título for.

CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA

[Direito de Preferência]

15. Os LOCADORES comprometem-se a respeitar o direito de preferência

reconhecido à LOCATÁRIA, nos termos da Lei 8.245/91, em caso de venda do

imóvel objeto do presente contrato.

15.1 Efetuada a venda do imóvel locado, o(s) adquirente(s)

compromete(m)-se a respeitar integralmente o contrato ora celebrado até o seu

termo final, devendo os compradores serem cientificados antes da venda.

CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA

[Foro]

Para todas as ações que possam advir do presente contrato, fica eleito o

foro da Comarca de Salvador, Bahia, com a renúncia expressa dos contratantes

a qualquer outro, por mais privilegiado que o seja, e, ainda, independente do

domicílio atual ou futuro dos contratantes.

E por estarem assim justas e avençadas as partes, assinam o presente

instrumento contratual em duas vias de igual teor e forma, juntamente com as

testemunhas abaixo assinadas, para que se produzam seus efeitos jurídicos e

legais.

401
CAPÍTULO 8

Salvador, BA, …

__________________________________________________

LOCADOR

CPF: …

__________________________________________________

LOCADORA

CPF: …

__________________________________________________

LOCATÁRIA

CPF: …

__________________________________________________

FIADOR

TESTEMUNHAS:

Nome:

CPF:

___________________________________________

Nome:

CPF:

___________________________________________

402
BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA

BORGES, MARCUS VINÍCIUS MOTTER (Coord.). Curso de direito imobiliário brasileiro.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021;

CASSERATI, Christiano; SALOMÃO. Marcos Costa. Registro de imóveis. 2 ed.


Indaiatuba: Editora Foco, 2023;

CARNACCHIONI, Daniel. Manual de direito civil. Volume único. 5ª ed. rev. ampl. e
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COSTA-NETO, João; OLIVERIA, Carlos E. Elias de. Direito civil. Volume único. Rio de
Janeiro: Forense; MÉTODO, 2022;

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direitos reais.
12ª edição. Salvador: JusPodivm, 2016;

GAGLIANO, Pablo; PAMPLONA, Rodolfo. Manual de direito civil. volume único. 6ª


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LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 12 ed., rev. e atual.
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PELUSO, Cezar (coord.). Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. rev.
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RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1;

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário: teoria e prática. 19 ed., rev., atual.
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403

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