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Maceió/AL
2023
CRISTINA APARECIDA NUNES DA SILVA
Maceió/AL
2023
MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS E A SUPERINTERPRETAÇÃO: ESTUDO DE
CASO DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA
Abstract: The present sought to briefly analyze the performance of the interpreter when
applying the law in the concrete case, the construction of the constitutional text by the rational
legislator, in enforcing his will, the overinterpretation of premises and conclusions that lead to
constitutional mutations and their practical application and to demonstrate through from the
case study the recognition by the STF in ADPF 132 and ADI4.277 of the homoaffective
relationship as a stable union and family entity, a classic example of the need for an
interpretation beyond the constitutional text. Finally, I bring a superficial analysis of pragmatics
and how the legal operator uses it in the search for reality, taking into account the historical
context.
Keywords: Interpretation. Overinterpretation. Constitutional mutation. same-sex stable union
1
Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Pós-graduanda em Direito
Tributário pela Escola Mineira de Direito (EMD) e Advogada.
4
1- INTRODUÇÃO
O direito, por meio de suas normas jurídicas, regula as condutas humanas, figurando
como uma das principais formas de controle social e possibilitando a vida em sociedade. Diante
disso, surge como importante objeto de estudo a forma como o direito se opera, ou melhor,
como ele “acontece”, cabendo à Ciência do Direito, no seu mister descritivo, proporcionar à
comunidade jurídica teorias coerentes sobre o seu funcionamento.
Com efeito, tem-se como pacífico que o direito se realiza essencialmente por meio dos
textos jurídicos elaborados pelo legislador racional, na sua função de constructor legal, que
estão aptos a surtir efeitos, alcançando, assim, as condutas intersubjetivas da coletividade.
Não obstante, faz-se necessário analisar questões que, apesar da sua aparente
simplicidade, encerram grandes divergências, em torno da interpretação dada pelo intérprete,
tais divergências implicam construções teóricas cuja aplicação resulta em consequências
práticas absolutamente distintas.
Assim, o trabalho debruçará brevemente sobre questões de superinterpretação e as
mutações constitucionais, para efetivação do direito ao caso concreto. A respeito da temática
será utilizado como fundamentação teórica os Autores como, Umberto Eco com sua obra
“Interpretação e superinterpretação”, Marcelo Dascal, com a sua “Interpretação e
Compreensão”, dentre outros.
Nesse sentido, calcado numa pesquisa bibliográfica, tendo como base, também as obras
dos Professores Gabriel Ivo, Paulo Barros Carvalho, Lourival Villanova e José Roberto
Barroso, o presente trabalho apresentará uma análise sobre as mutações constitucionais e sua
aplicação prática, momento em que demonstrará através de decisões judiciais, a necessidade de
uma interpretação além do texto constitucional.
O direito é um sistema dinâmico, tem uma relação triádica2, suporte físico, significado
e significação, teremos conforme mencionado por Gabriel Ivo3, o enunciado como suporte
2
Perspectiva triádica, onde Significado (meaning) é entendido como o hábito no qual inserimos um signo para
compreendê-lo, sua Significação (signification) como o conjunto das qualidades apresentadas pelo signo e o
Sentido (sense) como o vetor de interpretação do signo responsável pela razoabilidade em relacionar, diante do
estado de coisas, os hábitos do intérprete às qualidades do signo afim de interpretá-lo de maneira satisfatória
(Baggio, 2016).
3
IVO, Gabriel. O direito e a sua linguagem. XII Congresso. IBET. 2015, p. 534.
5
4
DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão. Editora Unisinos. Rio Grande do Sul, 2006, . p. 344.
5
CARVALHO, Paulo Barros. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 9ª edição. Editora
Saraiva. 2012.p. 35.
6
6
CARVALHO, Paulo Barros. Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 9ª edição. Editora
Saraiva. 2012.. p.30.
7
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. Editora
Revistas dos Tribunais. p. 188.
7
8
SANTORO, Emilio. Estado de Direito e Interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do
Estado de Direito. Editora Livraria do Advogado. 2005.p. 41
9
DASCAL, Marcelo. Interpretação e compreensão. Editora Unisinos Rio Grande do Sul, 2006. p. 365.
10
Ibidem. p. 346.
11
ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. 2ª edição. São Paulo. Livraria Martins Fontes Editora
Ltda.2005.
8
Existe uma inquietação associada ao exagero da interpretação que pode acontecer, tanto
em âmbito literário como jurídico. O foco do trabalho é na superinterpretação no âmbito
constitucional, para não permitir interpretação por parte dos operadores do direito, além do
objetivo específico.
Em âmbito constitucional, o método de atuação e de argumentação na jurisdição
constitucional é jurídico, porém tem uma base essencialmente política, pelo fato de o intérprete
desenvolver uma atuação mais aberta, com a possibilidade de escolha mais ampla, como
também em razão das consequências das decisões que pode afetar o equilíbrio entre os poderes.
Segundo Barroso, a interpretação constitucional pode envolver casos fáceis e casos
difíceis. Os casos fáceis serão solucionados com aplicação da regra e elementos tradicionais de
hermenêutica e interpretação, se utilizando das regras jurídicas, por meio da integração, sendo
a dimensão política mitigada. Já nos casos difíceis, a interpretação constitucional, sofrerá a
influência moral e política12. Em síntese, a interpretação constitucional limita-se pelas
possibilidades sentidos e pelas diferentes categorias operacionais do direito.
Vale ressaltar que o intérprete constitucional analisa a interação de sentido com base em
conceitos jurídicos indeterminados e dos princípios, que envolve valores éticos da sociedade,
fazendo uma leitura moral da constituição, observando as premissas fundadas na ideia de justiça
e na dignidade da pessoa humana, desenvolvendo uma interpretação evolutiva e para que o
melhor resultado seja alcançado, aplicando uma interpretação pragmática.
Não obstante, o conflito sobre interpretação constitucional se instaura quando as
discussões que envolvem a interpretação literal do texto, não possibilitando um sentido livre de
forma voluntária. Umberto Eco entende que quando há uma liberdade excessiva do intérprete,
deixa margem para que haja uma interpretação além do texto, existindo, assim uma
subjetividade, muitas vezes dissociando a interpretação, do que realmente o texto quer
transmitir, havendo, um desequilíbrio e um desrespeito a mensagem a ser transmitida.
O direito é algo complexo e envolve relações interpessoais, pois uma decisão do juiz
através de uma superinterpretação poderia causar graves problemas para a sociedade. Desta
forma, é perceptível que os exageros do intérprete geram más interpretações, e apesar de haver
a possibilidade e a responsabilidade de interpretar, não é plausível a ideia de que se pode fazer
qualquer tipo de interpretação.
12
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 5ª Edição. Editora Saraiva. 2015. p.322.
9
13
ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. 2ª edição. São Paulo. Livraria Martins Fontes Editora
Ltda.2005., p.75.
14
Ibidem, p.75.
15
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 5ª Edição. Editora Saraiva. 2015. p.334.
10
Art. 1.723, CC/2002. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família.
16
BRASIL, Lei nº 10.406/2002. Código Civil. Governo Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
17
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Governo Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
11
18
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 5ª Edição. Editora Saraiva. 2015. p.167.
12
19
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 5ª Edição. Editora Saraiva. 2015. p. 171.
20
SANTORO, Emilio. Estado de Direito e Interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do
Estado de Direito. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2005.p. 115
13
Vislumbro que em alguns casos a superinterpretação não é algo danoso, pois o conteúdo
da norma carece ser integrado no contexto da efetivação do direito. Alguns conceitos, como a
dignidade da pessoa humana ou igualdade podem sofrer mutações ao longo dos anos e
consequentemente, produzir efeitos, e o direito deverá se adequar, para a efetivação desses
princípios.
Com a constante evolução da humanidade, o direito positivado muda muitas vezes em
razão do impacto da realidade sobre o sentido, o alcance ou a validade de uma norma, como
bem descreve Barroso, “o que antes era legítimo pode deixar de ser. E vice-versa”. Barroso traz
também o exemplo: a ação afirmativa em favor de determinado grupo social poderá justificar-
se em um momento histórico e perder o seu fundamento de validade em outro21.
A Constituição deve ser compreendida como um organismo biológico dotado de força
vital incessante e de fidelidade à realidade, mostrando-se uma estrutura dinâmica, em constante
mutação, reflexo da própria sociedade da qual constitui ela mesma um instrumento de
regulamentação e exteriorização da vontade política resultante de convicções sociais22.
O Direito tem a pretensão de atuar sobre a realidade, conformando-a e transformando-
a. Adequar o Direito à Justiça é obra perene do operador do direito, por melhor que seja a lei.
E assim é porque, sendo a Justiça, como vimos, um sistema aberto de valores que estão numa
mudança frequente, por melhor que seja a lei, e por mais que sejam avançados seus princípios,
haverá sempre a necessidade de se engendrar novas fórmulas jurídicas para ajustá-la às
constantes transformações sociais e aos novos ideais de justiça23.
21
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção
do novo modelo. 5ª Edição. Editora Saraiva. 2015. p.172.
22
NETO, Francisco Michell do Nascimento. Mutação constitucional: união de pessoas do mesmo sexo. Artigo.
Publicado em 10/03/2019.
23
FILHO, Sergio Cavalieri. Direito, justiça e sociedade. Revista da EMERJ, v.5, n.18, 2002
14
personalidade dos homens, segundo Peirce24 mencionado na obra dos Autores Eisenberg e
25
Pocrebinschi , o contextualismo evidencia-se ao se julgar essas práticas e o conhecimento
delas a partir de quão bem produzem resultados desejáveis em situações problemáticas26.
O contextualismo e o consequencialismo consistem em duas das principais
características do pragmatismo27. Seu uso reiterado na jurisprudência da corte constitucional
brasileira, o Supremo Tribunal Federal aplica o direito instrumentalmente, analisando o
contexto e as consequências de suas decisões. A confirmação deste pressuposto analítico
conduz à conclusão de que, no Brasil, a relação entre o texto positivado e aplicação concreta do
direito, deve ser compreendida sob a ótica do pragmatismo.
Por conseguinte, o pragmatismo está relacionado a verificação empírica, um texto
somente pode ser validado quando há uma aplicação prática, ou seja, um enunciado somente
teria valor se proporcionar um resultado útil, uma aplicação concreta.
Vale ressaltar, que o pensamento pragmático não tem a pretensão de recusar o papel do
enunciado criado pelo legislador, como já disse Santolim 28"o cenário ‘principiológico’ não é
incompatível com o pragmatismo e a busca de maior segurança jurídica, mas pode ser o veículo
para esses propósitos”. Partindo dessa premissa nada obsta que o intérprete após a análise dos
fatos, conclua pela aplicação estrita da legislação.
Doutro modo, a decisão alicerçada no prisma do pragmatismo jurídico pondera
princípios do sistema positivado, como a generalidade, a previsibilidade, a objetividade e a
imparcialidade. Em síntese, o pragmatismo jurídico não exclui nenhum elemento, mas inclui
novas perspectivas, para que se possa alcançar o objeto pretendido. O juiz pragmático, então,
deve ter “disposição para basear as decisões públicas em fatos e consequências, não em
conceitualismos e generalizações”.
24
Peirce, Charles S. "Pragmaticism: a philosophy of science. Values in a universe of chance". In: Selected writings
of Charles S. Peirce. Nova York: Doubleday Anchor Books, 1958, pp. 91 ss. Há duas fontes filosóficas na origem
do pragmatismo de Peirce: no século XVIII, o empiricismo positivista do Iluminismo, derivado dos philosophes e
dos seguidores radicais de Bentham, e uma síntese de contribuições do século XIX, como biologia evolucionista,
historicismo e romantismo. Essas heranças teóricas estão na raiz de duas das principais características do
pragmatismo: do darwinismo e do Iluminismo ele herdou o instrumentalismo; já do historicismo e do romantismo,
herdou o contextualismo. Cf. Grey, Thomas. "What good is legal pragmatism". In: Brint e Weaver (eds.), op. cit.,
pp. 11 ss.
25
EISENBERG, José. POGREBINSCHI, Thamy. Pragmatismo, Direito e Política. Revista Novos Estudos.
CEBRAP.nº 62. março 2002. p. 108.
26
Ibidem. p. 109
27
PODREBINSCHI, Thamy. A normatividade dos fatos, as consequências políticas das decisões judiciais e o
pragmatismo do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo. Editora Atlas. 2008. p. 182.
28
SANTOLIM, Cesar. Ainda sobre a Lei nº 13.655/2018: sobre compatibilizar deontologismo e
consequencialismo. Revista Eletrônica do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Edição
Especial 30 anos da Constituição Estadual, Porto Alegre, 2019. p. 165
15
6- CONCLUSÃO
29
SANTORO, Emílio. Estado de Direito e Interpretação: por uma concepção jusrealista e antiformalista do
Estado de Direito. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2005, p. 65.
30
PODREBINSCHI, Thamy. A normatividade dos fatos, as consequências políticas das decisões judiciais e o
pragmatismo do Supremo Tribunal Federal. Revista de Direito Administrativo. Editora Atlas. 2008. p. 182.
16
REFERÊNCIAS:
ALVES, Francisco Sérvio Maia. O novo paradigma da decisão a partir do art. 20 da LINDB:
análise do dispositivo segundo as teorias de Richard Posner e Neil MacCormick. Revista de
Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 278, n. 3, set./dez. 2019. p. 122. Disponível
em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/80832 . Acesso em:
08/04/2023.
FILHO, Sergio Cavalieri. Direito, justiça e sociedade. Revista da EMERJ, v.5, n.18, 2002.