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Universidade Federal de Roraima - UFRR

Projeto de Extensão Universitária


Instituto de Ciências Jurídicas
Prof. Me. Mauro Campello
Curso de Direito
“Salinha 201”
1a. edição
2020.1

Unidade 9:

Da estrutura da norma jurídica.

Prof. Mestre Mauro Campello*

1. Das normas jurídicas em geral:

A Ciência Jurídica tem por objeto a experiência social na medida em que esta
é disciplinada por certos esquemas ou modelos de organização e de conduta que
denominamos normas ou regras jurídicas.

A norma jurídica é um elemento constitutivo do Direito, é a célula do organismo


jurídico. Portanto, é natural que na norma encontremos as mesmas características do
Direito, como: sua natureza objetiva ou heterônoma e a exigibilidade ou obrigatoriedade
daquilo que a norma enuncia.

Parte da doutrina, influenciada por Hans Kelsen, entende que a norma jurídica
é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao
qual se liga uma consequência (C). Isto entendido na seguinte fórmula:

Se F é, deve ser C.

Dessa forma, toda regra de Direito contém a previsão genérica de um fato (F),
com a indicação de que, toda vez que um comportamento corresponder a esse enunciado,
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deverá advir uma consequência (C), que na teoria de Kelsen, corresponderá sempre a uma
sanção1.

Entretanto, Miguel Reale entende que essa estrutura lógica corresponde


apenas a certas categorias de normas jurídicas, não se estendendo a todas as espécies de
normas.

Segundo Reale, as normas que regem os comportamentos sociais


responderiam a teoria de Kelsen, porém, as normas de organização, às dirigidas aos órgãos
do Estado ou às que fixam atribuições na ordem pública ou privada, por excluírem qualquer
condição, pois nada é dito de forma condicional ou hipotética, a torna incompleta.

Por exemplo:

a) “Compete privativamente à União legislar sobre serviço postal.” (art. 22, V da


Constitucional Federal);

b) “Brasília é a capital Federal.” (art. 18, § 1o da Constituição Federal);

c) “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.” (art. 1 o do Código Civil); e

d) “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto menores.” (art. 1.630 do Código Civil).

Podemos observar que as normas jurídicas citadas se limitam a enunciar, de


maneira objetiva e obrigatória, algo que deve ser feito ou constituído, sem que haja uma
relação condicional ou hipotética.

Logo, as normas que dispõem sobre a organização dos poderes do Estado,


as que estruturam órgãos e distribuem competências e atribuições, bem como as que
disciplinam a identificação, modificação e aplicação de outras normas não se apresentam
como juízos hipotéticos: o que caracteriza é a obrigação objetiva de algo que deve ser feito,

1
- Compreendida apenas como pena.
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sem que o dever enunciado fique subordinado à ocorrência de um fato previsto, do qual
possam ou não resultar determinadas consequências.

Conclui-se que não havendo a alternativa do cumprimento ou não da norma,


não há que falar em hipoteticidade.

Assim, Reale propõe para podermos alcançar um conceito geral de norma


jurídica, que abandonemos a sua redução a um juízo hipotético, como pretendeu a
concepção formalista do Direito desenvolvida por Kelsen, para quem o Direito é norma, e
nada mais do que norma, se harmonizando com a compreensão de norma jurídica como
simples enlace lógico, correlaciona uma consequência (C) a um fato (F), por meio do verbo
dever ser.

Miguel Reale defende que “o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica,
de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma
de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.”

Significa que a norma jurídica é uma estrutura proposicional porque o seu


conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas,
sendo certo que o significado pleno de uma norma jurídica só é dado pela integração lógico-
complementar das proposições que nela se contêm.

Uma norma jurídica enuncia um dever ser porque nenhuma regra descreve
algo que é, mesmo quando, para facilidade de expressão, empregamos o verbo ser.

Por exemplo:

O art. 1o da Constituição Federal declara que o Brasil é uma República Federativa. E qual
o sentido dessa norma jurídica? A norma enuncia que o Brasil deve ser organizado e
compreendido como uma República Federativa.
Essa norma jurídica só terá sentido enquanto se ordena e se atualiza através de um sistema
de disposições que traçam os âmbitos de ação e de competência que devem ser
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respeitados pelos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (arts.
21 ao 25, 30, 32 e 33, todos da Constituição Federal).
A República Federativa é uma realidade de deve ser, uma construção cultural de tipo
finalístico, ou seja, é uma realidade normativa, na qual fatos e valores se integram.

A norma jurídica ainda enuncia um dever ser de forma objetiva e obrigatória.


É próprio do Direito valer de maneira heterônoma – com ou contra a vontade dos obrigados,
no caso das regras de conduta, ou sem comportar alternativa de aplicação, quando se tratar
de regras de organização.

2. Tipos primordiais de normas:

2.1. Normas de conduta e normas de organização:

2.1.1. Normas de conduta:


As normas de conduta são regras de Direito cujo objetivo imediato
é disciplinar o comportamento dos indivíduos, ou as atividades dos grupos e entidades
sociais em geral.

2.1.2. Normas de organização:


As normas de organização possuem um caráter instrumental,
visando à estrutura e funcionamento de órgãos, ou à disciplina de processos técnicos de
identificação e aplicação de normas, a fim de assegurar uma convivência jurídica ordenada.
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2.2. Normas primárias e normas secundárias:

2.2.1. Normas primárias:


Consideraram-se primárias as normas que enunciam as formas de
ação ou comportamentos lícitos ou ilícitos. Rudolf von Ihering2 reconhecia e existência de
normas que estabeleciam o que deve ou não deve ser feito.

2.2.2. Normas secundárias:


São as normas de natureza instrumental. Segundo Ihering, essas
normas se destinam aos órgãos do Poder Judiciário ou Executivo, para assegurar o
adimplemento das normas primárias, na hipótese de sua violação.

2.2.3. Crítica:
Observa Noberto Bobbio3 que a distinção entre normas primárias
e normas secundárias tem o inconveniente de ter duas acepções, uma cronológica

2
- Nasceu numa família de juristas, tendo iniciado os seus estudos do Direito em 1836, na famosa
Universidade de Heidelberg, a mais antiga da Alemanha, e, de acordo com o hábito da época, estudado como
visitante nas universidades de Gotinga, Munique e, depois, em Berlim, doutorando-se em 1843. Destacou-se
entre os colegas. Já no curso jurídico, adquiriu tal renome que foi convidado para ser preceptor em Basileia,
Suíça, onde permaneceu por três anos. Em 1849, passa a lecionar em Kiel, depois muda-se para Giessen,
em 1852, onde escreve seu principal trabalho sobre Direito Romano. Entre 1862 e 1872, torna-se professor
dessa matéria em Viena, tendo sido agraciado com um título de nobreza. Durante esse período (1852/1865),
redigiu o livro “O Espírito do Direito Romano nas Diversas Fases de sua Evolução”, revelando o direito no
costume, que, depois se consagra na lei escrita. Obra que teve decisiva influência no Direito Privado de todos
os países da Europa. Influiu, ainda profundamente, na “Escola de Jurisprudência dos conceitos”, fundada por
Georg Friedrich Puchta, em 1837, dedicada principalmente a consertar e traçar os parâmetros lógicos e
sistemáticos da Ciência do Direito, o que provocou um choque com os adeptos da “Escola Historicista”, criada
por Savigny. Ihering era um representante de um Positivismo Imperialista, contra o qual Savigny lutava. Ihering
exerceu influência decisiva sobre os juristas de épocas posteriores. De cunho eminentemente dogmático a
repercussão da “Escola Conceitualista”, de vocação dogmática, se fez sentir também sobre o pensamento do
notável jurista Hans Kelsen, como se observa pela leitura de sua clássica obra Teoria Pura do Direito
(1881/1883). Posteriormente Ihering preparou sua obra definitiva. “A Finalidade do Direito” (1877/1883),
quando já estava vivendo em Gotinga, para onde se transferira em 1872, (e onde permaneceu até a sua
morte, em 1892), que consolida o seu pensamento e o consagra como uma das maiores expressões da
ciência jurídica do século XIX. Faleceu em 1892.
3
- Foi um filósofo político, historiador do pensamento político, escritor e senador vitalício italiano. Defensor da
democracia social-liberal e do positivismo jurídico e crítico de Marx, do fascismo italiano, do Bolchevismo e
do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. A sua obra, com cerca de 60 livros publicados, compreende os campos
da Filosofia e Filosofia Jurídica, da Teoria Geral do Direito e Teoria Geral do Estado, além de monografias e
estudos em quase todos os ramos do Direito Público e Privado. Faleceu em 2004.
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(indicando uma precedência no tempo), e outra axiológica (significando uma preferência de


ordem valorativa), preferindo, indicá-las como sendo normas de primeiro graus e normas
de segundo graus.
Nem sempre os doutrinadores coincidem chamar primárias e
secundárias as normas que prevêm a conduta ou aquelas que estabelecem sanções.
Para Hans Kelsen a norma primária é aquela que enuncia a sanção,
ficando em segundo plano a regra que fixa o que deve ou não deve ser feito.
Já Herbert Hart4, que desenvolve sua teoria jurídica no âmbito do

4
- Nasceu no Reino Unido em 1907, filho de um alfaiate judeu polonês de ascendência alemã. Estudou
durante um breve período no Cheltenham College, escola que não lhe agradava, e na Bradford Grammar
School, onde teve aguçado seu apetite pela discussão de ideias. Após este período seguiu para o New
College de Oxford, obtendo desempenho brilhante nos Estudos Clássicos e em História e Filosofia Antigas,
obtendo o primeiro lugar nas disciplinas mencionadas no ano de 1929. Em 1932 foi aprovado no exame da
ordem inglês, conhecido como Chancery Bar, tendo exercido a profissão até 1940, junto com Richard
Wilberforce. Hart foi um filósofo do direito e uma das figuras principais no estudo da moral e da filosofia política.
Seu trabalho mais famoso é The Concept of Law, de 1961, que se tornou obra de referência para a filosofia
do direito de tradição analítica. Doutor honoris causa pelas Universidades de Glasgow, Kent, Estocolmo,
Chicago, Harvard e Cambridge. Membro da Academia Britânica e membro honorário de vários Colleges de
Oxford. Foi um influente filósofo do direito, sendo precursor no desenvolvimento de uma teoria sofisticada
sobre o positivismo jurídico nos marcos da filosofia analítica, além de publicar estudos sobre a
responsabilidade jurídica (causalidade e imputação), o direito penal e a história do pensamento jurídico, tendo
dedicado o período de 1969 a 1973 para investigar a obra de Jeremy Bentham, cujos manuscritos jurídicos
fez editar. A obra que o levou a notório conhecimento e reputação internacional foi “O Conceito de Direito”,
publicada em 1961. Esta obra transformou o modo como era compreendida e estudada a Teoria Geral do
Direito, comumente apresentada como 'Jurisprudence" no mundo de língua inglesa e fora dele. Para o autor,
o intuito da obra era o de aprofundar a compreensão do direito, da coerção e da moral como fenômenos
sociais distintos, enquanto relacionados, podendo ser considerada, de acordo com suas palavras como um
ensaio sobre a teoria jurídica analítica. A obra é uma crítica às deficiências do modelo simples de sistema
jurídico, constituído segundo as linhas da teoria imperativa de John Austin, fundamentada e seguida por
outros autores do século XIX, como Sir William Markby. Hart inicia sua argumentação apontando que a
argumentação até então desenvolvida por notórios juristas não foi capaz de dar resposta e uma questão
central, qual seja: “O que é o direito?”, já que a tentativa mais clara e mais completa de análise do conceito
de direito em termos de elementos aparentemente simples de comandos e hábitos, feita por John Austin, não
demonstra a diferença essencial entre ser obrigado a e ter uma obrigação de. É famosa sua negação de
definir o direito de maneira clara, questionando a possibilidade e utilidade de uma definição genérica. A obra
“O Conceito do Direito” causou tamanho impacto que deu origem a uma multiplicidade de publicações
discutindo a argumentação desenvolvida não só no contexto da Teoria Jurídica, como também no da Filosofia
Política e da Filosofia da Moral. Hart é classificado como positivista da corrente inclusivista que não exclui
totalmente a moral da definição do direito, contrapondo-se a positivistas das correntes exclusivista, liderada
por seu aluno Joseph Raz. Tal afirmação traduz-se no prefácio de sua obra “O Conceito de Direito”, quando
o autor afirma que, embora o estudo seja dedicado primariamente aos estudantes de direito, também pode
servir àqueles cujos interesses recaem na filosófica moral ou política.
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Direito inglês (common law5), dá um sentido diverso às expressões normas primárias e


normas secundárias. Segundo Hart, as normas primárias referem-se à ação ou criam uma
obrigação, enquanto as normas secundárias, que se reportam às primárias e delas são
subsidiárias, não se limitam a estabelecer sanções, mas são mais complexas, importando
na atribuição de poderes.
Para Hart as normas secundárias abrangem três tipos de normas: de
reconhecimento, de modificação e de julgamento.

a) Normas de reconhecimento:
São aquelas que se destinam a identificar as normas primárias, possibilitando
a verificação de sua validade e se elas podem ou não ser consideradas pertencentes a
dado sistema ou ordenamento. Exemplo: o ordenamento jurídico.

b) Normas de modificação:
São aquelas que regulam o processo de transformação das normas primárias,
sua revogação ou ab-rogação.

c) Normas de julgamento:
São aquelas que disciplinam a aplicação das normas primárias.

Essa classificação das normas secundárias apresentada por Hart tem o mérito
de demonstrar o equívoco daqueles que seguiram as pegadas de Kelsen em ver a norma
jurídica apenas sob o seu aspecto sancionatório, ou penal.
Todavia, essas espécies de normas apontadas por Hart não representam,
segundo Reale, senão modalidades das normas de organização.

5
- É o nome que se dá à experiência jurídica da Inglaterra, dos Estados Unidos da América, e de outros
países de igual tradição. O que caracteriza o common law é não ser um Direito baseado na lei, mas antes
nos usos e costumes consagrados pelos precedentes firmados através das decisões dos tribunais. É, assim,
um Direito costumeiro-jurisprudencial, ao contrário do Direito continental europeu e latino-americano, filiado à
tradição romanística, do Direito Romano medieval, no qual prevalece o processo legislativo como fonte por
excelência das normas jurídicas.
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As normas de organização podem ser consideradas secundárias ou de


segundo grau, por pressuporem as que estabelecem as formas de atividades ou de
comportamento obrigatórios (primárias ou de primeiro grau), sem significar uma escala de
importância.
As normas de organização não desempenham apenas as funções apontadas
por Hart, possuindo outras características, como por exemplo, as normas interpretativas,
que não visam a apurar a validade, nem a modificar a regra interpretada, mas apenas
esclarecer-lhe o significado.

Reale, em sua crítica, arremata que “sob o aspecto estrutural, temos, por
exemplo, as normas que constituem os órgãos da Administração Pública e lhes conferem
atribuições, não sendo possível separar a estrutura do órgão e as atividades que lhe cumpre
realizar.” E, conclui que “as normas de organização, com efeito, não vêm depois das normas
que fixam as atividades administrativas, mas surgem concomitantemente com estas, razão
pela qual o qualificativo de ‘normas primárias’ e ‘secundárias’ não nos parece relevante,
sujeito que está à diversidade e concretitude da experiência jurídica.”
Conclui Miguel Reale que o essencial é reconhecer que as normas jurídicas
não são modelos estáticos e isolados, mas sim modelos dinâmicos que se implicam e se
relacionam, dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes e outras
subordinadas, umas primárias e outras secundárias, umas principais e outras subsidiárias
ou complementares, segundo perspectivas que se refletem nas diferenças de qualificação
verbal.

3. Estrutura das normas jurídicas de conduta:


Cabe agora destacar o estudo das normas de conduta que têm os indivíduos
como seus destinatários. Sob o ponto de vista lógico, elas se estruturam como juízos
hipotéticos: Se F é, C deve ser.
Esse tipo de norma jurídica se estrutura de maneira binada, articulando
logicamente dois elementos que Miguel Reale chama de hipótese ou fato-tipo; e dispositivo
ou preceito.
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- hipótese ou fato-tipo; e
Norma

- dispositivo ou preceito.

O legislador ao criar a norma prevê uma “espécie de fato” ou um “fato-tipo”,


ao qual poderão corresponder, com maior ou menor rigor, múltiplos fatos concretos. Quando,
na experiência social, se verifica uma correspondência razoável entre um fato particular e
o fato tipo F, previsto na norma, o responsável por aquele fato particular goza ou suporta
as consequências predeterminadas no dispositivo ou preceito.
Entretanto, a consequência ou efeito jurídico não sobrevém, em virtude de
uma relação de “causa e efeito”, mas sim de uma subordinação ou subsunção lógico-
axiológica do fato particular à regra, donde resulta o “nexo de imputabilidade”.

Subsunção lógico-axiológica = fato + norma.

Verifica-se na norma jurídica de conduta que nela há a previsão de uma


“espécie de fato” (fato-tipo). Daí, Benedetto Croce6 afirmar que a lei é “um ato volitivo que
tem por conteúdo uma classe ou série de ações”. Dessa forma, o legislador ao enunciar
uma norma jurídica de comportamento prefigura a ocorrência de um fato-tipo (Se F é…), e

6
- Foi um filósofo, historiador e político italiano que escreveu sobre diversos assuntos, incluindo filosofia,
história, historiografia e estética. Exerceu considerável influência sobre outros intelectuais italianos, incluindo
o marxista Antonio Gramsci e o fascista Giovanni Gentile. Croce foi presidente da PEN International, a
associação mundial de escritores, entre 1949 a 1952. Foi indicado ao Nobel de Literatura dezesseis vezes.
Faleceu em 1952.
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liga a essa classe ou espécie de fato uma dada consequência, também predeterminada,
com as características de objetividade e obrigatoriedade (...C deve ser).
Na concepção formalista da norma, como a de Kelsen, e mesmo nas posições
ulteriores de Hart e Bobbio, como visto nessa unidade, basta dizer que a norma de conduta
tem a estrutura de um juízo hipotético (construção lógico-formal). Entretanto, precisamos
responder por que a norma jurídica tem essa estrutura?
Trata-se de um problema de suma importância. O Direito enquanto ordena os
comportamentos sociais, só pode fazê-lo partindo do pressuposto da liberdade do homem
de cumprir ou descumprir o previsto na regra. Logo, em toda norma jurídica de conduta há
sempre a alternativa do adimplemento ou da violação do dever que nela se enuncia.
Não estou afirmando que o legislador queira a violação da norma, ao contrário,
ele impõe uma sanção punitiva, embora sem poder deixar de pressupor a liberdade de
opção do destinatário.
A hipoteticidade ou condicionalidade da norma de conduta não tem apenas
um aspecto lógico, mas apresenta também um caráter axiológico, uma vez que nela se
expressa a objetividade de um valor a ser atingido, e, ao mesmo tempo, se salvaguarda o
valor da liberdade do destinatário, ainda que para a prática de um ato de violação.
Analisando o art. 121 do Código Penal temos que essa norma jurídica de
natureza penal (Direito Público) determina: “Matar alguém: Pena – reclusão de seis a vinte
anos”. Ela não enuncia um simples juízo lógico de natureza hipotética, a saber: se alguém
matar deverá ser punido com reclusão de seis a vinte anos. Observe que nesse juízo
também está implícito o valor da vida, expresso no imperativo “não matar” que se subsume
na hipoteticidade da norma jurídica, como seu fundamento moral. Presentes o aspecto
lógico e o caráter axiológico.
Toda a eticidade do Direito brilha nessa estrutura lógica e axiologicamente
binada da norma jurídica, que, a um só tempo, afirma a objetividade de um dever e
salvaguarda a subjetividade de um poder.

Assim, Miguel Reale defende que a norma jurídica de conduta se desdobra


em duas que se conjugam e se complementam, propondo o seguinte esquema:
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Se F é, ………………………… C deve ser


Se não-C, …………………….. SP deve ser.

Explica Reale que SP significa a “sanção punitiva”7 que sobrevém quando a


norma é infringida, a fim de que se preserve o valor de C, isto é, da consequência objetivada
pelo legislador, ou melhor, consagrada na norma8.
Em suma, para Hans Kelsen a norma será jurídica se prever a sanção punitiva,
enquanto para Miguel Reale, “a concreta juridicidade só se realiza através da conjunção ou
complementariedade das duas normas que, a bem ver, se integram numa só, de natureza
ao mesmo tempo lógica e axiológica.

4. Estrutura trivalente da norma jurídica:


A norma jurídica é o elemento nuclear do Direito. Ela não pode deixar de ter
uma estrutura tridimensional. Tomemos novamente o juízo normativo na sua formulação
hipotética:

Se F é, C deve ser.

No modelo normativo há a previsão de um fato ou de um complexo fático (F),


que é a base necessária à formulação da hipótese, da qual resultará uma consequência
(C).
Ora, se enuncia dada consequência, declarando-a obrigatória, é sinal que se
pretende atingir um objetivo, realizando-se algo de valioso, ou impedindo a ocorrência de
valores negativos.

7
- Pode ser de natureza civil ou penal. Exemplo: pagar uma indenização ou ser condenado à reclusão.
8
- A norma jurídica não fica vinculada à intenção do legislador.
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Essa correlação entre fato e valor se dá em razão de um enlace deôntico9,


isto é, em termos lógicos de dever ser, com que se instaura a norma. Verifica-se que o
momento lógico expresso pela proposição hipotética, ou a forma da norma jurídica, é
inseparável de sua base fática e de seus objetivos axiológicos: fato, valor e forma lógica.
Trata-se de uma estrutura lógico-fático-axiológica da norma jurídica. Portanto, Reale
defende que quando se pretende ter um conceito integral da norma jurídica é necessário
estudar os três fatores em sua correlação dinâmica.

- base fática;

Proposição hipotética
- fato;
- objetivos axiológicos - valor; e
- forma lógica.

Miguel Reale esclarece que “quando dizemos que o Direito se atualiza como
fato, valor e norma, é preciso tomar estas palavras significando, respectivamente, os
momentos de referência fática, axiológica e lógica que marcam o processus da experiência
jurídica, o terceiro momento representando a composição superadora dos outros dois, nele
e por ele absorvidos e integrados.” Ele denominou essa teoria de “normativismo concreto”.
Para os adeptos do formalismo jurídico a norma jurídica se reduz a uma
proposição lógica, enquanto para a corrente do normativismo concreto há uma
compreensão concreta do Direito, ou seja, a norma jurídica, não obstante a sua estrutura

9
- Diz-se de uma lógica filosófica que estudam as normas. A lógica deôntica é um tipo de lógica modal usada
para analisar formalmente as normas ou as proposições que tratam acerca das normas.
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lógica, assinala o momento de integração de uma classe de fatos segundo uma ordem de
valores, e não pode ser compreendida sem referência a esses dois fatores, que ela
dialeticamente integra em si e supera.
Em síntese, em toda norma jurídica há um elemento lógico ou proporcional
que pode ser estudado de duas maneiras distintas: ou em si mesmo, isto é, em seu
significado formal (lógica jurídica analítica) ou em sua correlação dialética com os
elementos factuais e valorativos (lógica jurídica dialética).
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* Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, professor efetivo no curso de direito do


Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), professor contratado da
Faculdade Cathedral e da Universidade da Amazônia (UNAMA), e pesquisador pelo programa de pós-
graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). É pós-doutor em direito
pela Università degli Studi di Messina na Itália, tendo como orientador o prof. doutor Mario Trimarchi,
doutorando em direito pelo PPGD/UERJ, tendo como orientador o prof. doutor Gustavo Silveira Siqueira,
mestre pelo programa de pós-graduação stricto sensu em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) da UFRR, tendo
como orientadora a prof.ª doutora Maria das Graças Santos Dias e especialista em Direito de Família pela
Universidade Gama Filho (UGF/RJ), em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Laboratório
de Estudos da Criança (LACRI), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e em MBE
Analista Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Diplomado pela Escola Superior de Guerra (ESG), no Curso de Altos Estudos em Política e
Estratégia (CAEPE). Foi advogado no Rio de Janeiro, promotor de justiça em Rondônia e juiz de direito em
Roraima. Lecionou como professor contratado nos cursos de direito das Faculdades Integradas Estácio de
Sá (RJ), da Faculdade Atual da Amazônia (RR) e do Centro Universitário Estácio da Amazônia (RR), como
professor efetivo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e como professor substituto na Universidade
Estadual de Roraima (UERR). Como professor convidado lecionou nos programas de pós-graduações Lato
sensu em Direito Especial da Criança e do Adolescente do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do
Direito (CEPED), da UERJ, em Direito Civil e Processual Civil da Universidade Estácio de Sá (RJ) e em Direito
Público da UERR. Possui artigos publicados em revistas especializadas e científicas. Realizou diversas
palestras no Brasil e no exterior sobre temas ligados ao Direito da Criança e do Adolescente. Prêmio Sócio
educando - 2ª edição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com o programa Justiça
Dinâmica. Finalista do I Prêmio Innovare: O Judiciário do Século XXI, categoria Juiz individual, com o
programa Centro Sócio educativo Homero Filho.
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Fonte bibliográfica:
1. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
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Questionário sobre a Unidade 09.

Responder as perguntas abaixo utilizando-se do texto da Unidade 09: Da


estrutura da norma jurídica.

1. Qual o conceito de norma jurídica?


2. Por que a norma jurídica é heterônoma (natureza objetiva)?
3. Por que a norma jurídica é obrigatória (imperatividade ou exigibilidade)?
4. Explique, segundo Hans Kelsen, a fórmula: Se F é, deve ser C.
5. O que seria sanção para teoria de Hans Kelsen?

6. Qual a crítica feita por Miguel Reale a teoria de Hans Kelsen que considera toda norma
jurídica redutível a um juízo hipotético?
7. O que é hipoteticidade da norma (juízo ou proposição hipotética)ara Hans Kelsen?
8. Para Miguel Reale, o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica?
9. Cite os quatro principais tipos de normas jurídicas.
10. O que são normas jurídicas de conduta?

11. O que são normas jurídicas de organização?


12. O que são normas jurídicas primárias?
13. O que são normas jurídicas secundárias?
14. Quem foi Rudolf von Ihering e sua colaboração para a ideia de norma jurídica?
15. Qual a crítica apresentada por Noberto Bobbio sobre a distinção entre normas jurídicas
primárias e normas jurídicas secundárias?

16. Quem foi Noberto Bobbio e sua colaboração para a ideia de norma jurídica?
17. Qual a ideia de Hans Kelsen sobre normas jurídicas primárias e normas jurídicas
secundárias?
18. Quais os conceitos de normas jurídicas primárias e normas jurídicas secundárias daos
por Herbert Hart?
19. Quem foi Herbert Hart e sua colaboração para a ideia de norma jurídica?
20. Para Herbert Hart as normas jurídicas secundárias ainda abrangem três tipos de normas.
Quais seriam elas?

21. O que são normas jurídicas de reconhecimento para Herbert Hart?


22. O que são normas jurídicas de modificação para Herbert Hart?
23. O que são normas jurídicas de julgamento para Herbert Hart?
Universidade Federal de Roraima - UFRR
Projeto de Extensão Universitária
Instituto de Ciências Jurídicas
Prof. Me. Mauro Campello
Curso de Direito
“Salinha 201”
1a. edição
2020.1

24. Qual a crítica que Miguel Reale faz sobre a subdivisão das normas jurídicas secundárias
apresentadas por Herbert Hart?
25. Segundo Miguel Real, “as normas jurídicas não são modelos estáticos e isolados, mas
sim modelos dinâmicos que se implicam e se relacionam, dispondo-se num sistema, no
qual umas são subordinantes e outras subordinadas, umas primárias e outras secundárias,
umas principais e outras subsidiárias ou complementares.” Explique.

26. Sobre as normas jurídicas de conduta, aponte os dois elementos de sua estrutura,
segundo Miguel Reale.
27. O que é hipótese ou fato tipo da norma jurídica de conduta?
28. O que é dispositivo ou preceito da norma jurídica de conduta?
29. O que é subordinação ou subsunção lógico-axiológica do fato particular à regra?
30. Para Miguel Reale, em toda norma jurídica de conduta há sempre a alternativa do
adimplemento ou da violação do dever que nela se enuncia. Explique.

31. Para Miguel Reale, a hipoteticidade ou condicionalidade da norma jurídica de conduta


não tem apenas um aspecto lógico. O que ele propõe para completar a ideia desse tipo de
norma?
32. Por que Miguel Reale defende que a norma jurídica de conduta se desdobra em duas
que se conjugam e se complementam?
33. Na proposição hipotética contida na norma jurídica, Miguel Reale entende que existem
uma base fática e objetivos axiológicos. Explique.
34. Explique a teoria do normativismo concreto de Miguel Reale.
35. Como podemos estudar o elemento lógico ou proporcional da norma jurídica?

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