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Universidade Federal de Roraima - UFRR

Projeto de Extensão Universitária


Instituto de Ciências Jurídicas
Prof. Me. Mauro Campello
Curso de Direito
“Salinha 201”
1a. edição
2020.1

Unidade 4:

O mundo ético.
Prof. Mestre Mauro Campello*

1. Juízos de realidade e de valor:


As leis éticas (normas éticas) não envolvem apenas um valor sobre os
comportamentos humanos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada
obrigatória numa coletividade. Essa escolha ocorre após um complexo processo de opções
valorativas. Portanto, a tomada de posição axiológica ou valorativa não resulta de uma
decisão arbitrária, ela está condicionada a um processo.

1.1. Imperatividade:
A imperatividade é resultado da decisão do processo de opções
valorativas ou axiológicas e característica de todas as normas éticas (incluída as normas
jurídicas). Significa uma obrigatoriedade.
O Prof. Miguel Reale ao conceber a imperatividade em termos
1
antropomórficos , entende que a obrigatoriedade das normas éticas está banhada de
exigências axiológicas. Sua autoridade, para que seja cumprida, não está na ideia da
“autoridade de arma em punho”.

1.2. O Deve ser:


Toda norma enuncia algo que deve ser, em virtude de ter sido
reconhecido um valor como razão determinante de um comportamento declarado
obrigatório. Em toda regra há um juízo de valor.

1.3. Juízo de valor:


Juízo é o ato mental pelo qual atribuímos, com caráter de necessidade,
certa qualidade a um ser, a um ente. Desse conceito, concluímos que há uma ligação feita
entre a pessoa (sujeito) e a qualidade (predicado) é tida como necessária, sob pena de
não termos um juízo.

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- Descrito ou concebido sob uma forma humana ou com atributos humanos; antropomorfo.
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Miguel Reale exemplifica:

“A Terra é um planeta”.

a) o sujeito “Terra” está ligado a uma determinada qualidade: a de ser


planeta;
b) a ligação feita entre o sujeito e o predicado gera o juízo: a “terra” não
é estrela ou cometa.

Essa ligação entre o sujeito e o predicado pode ser de duas espécies:


indicativa ou imperativa.

- indicativa; e
Ligação entre o sujeito e o predicado
- imperativa.

Em todo juízo lógico, cuja expressão verbal se denomina proposição, há


sempre um sujeito de que se predica algo. A união entre o sujeito e o predicado pode ser
feita pelo verbo copulativo 2 ser ou pelo verbo deve ser, distinguindo-se os juízos de
realidade dos juízos de valor.

- de realidade (ser);e
Juízo
- de valor (deve ser).

2
- Verbo que une o sujeito ao nome predicativo do sujeito (ex.: a casa é grande; ele está cansado).
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Utilizemos o quadro apresentado por Miguel Reale que nos facilita a


compreensão3:

“S” é “P”

“S” deve ser “P”

As relações que se passam entre os homens podem ser estudadas


segundo nexos lógicos dessa natureza, como acontece na sociologia, mas esta opera
também com juízos de valor, formulando apreciações de natureza valorativa ou axiológica
sobre os fatos sociais observados.
Diversamente, nos domínios da Ética, especialmente no que se refere à
Moral e ao Direito, os juízos de valor assumem uma feição em virtude do caráter de
obrigatoriedade conferido ao valor que se quer preservar ou efetivar.
O legislador não se limita a descrever um fato tal como ele é, à maneira
do sociólogo, mas, baseando-se naquilo que é, determina que algo deva ser, com a
previsão de diversas consequências, caso se verifique a ação ou omissão, a obediência à
norma ou a sua violação.

2. Estrutura das normas éticas:


Toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga uma sanção.
Esta é uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é declarada
permitida, determinada ou proibida.
A necessidade de ser prevista uma sanção, para assegurar o adimplemento
do fim visado, já basta para revelar-nos que a norma enuncia algo que deve ser, e não algo
que inexoravelmente tenha de ser.

2.1. Normas éticas e a liberdade:


Uma norma ética se caracteriza pela possibilidade de sua violação. Toda
norma é formulada no pressuposto essencial da liberdade que tem o seu destinatário de
obedecer ou não aos seus ditames.
A imperatividade de uma norma ética, ou o seu dever ser não exclui a
liberdade daqueles a que se destina. Aquela pressupõe esta. É essa correlação essencial

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- Entendendo, “S” como sujeito e “P” como predicado da proposição.
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entre o dever e a liberdade que caracteriza o mundo ético, que é o mundo do dever ser,
distinto do mundo do ser, onde não há deveres a cumprir, mas previsões que têm de ser
confirmadas para continuarem sendo válidas.
A regra, embora transgredida, continua válida, fixando a
responsabilidade do transgressor. O filósofo italiano Rosmini, na segunda metade do século
XIX, afirmava que “a norma ética brilha com esplendor insólito no instante mesmo em que
é violada.”
A norma ética estrutura-se como um juízo de dever ser e estabelecendo
a conduta considerada lícita ou ilícita. Se há algo que deve ser, a norma tem que explicitar
o que deve ser feito e como se deve agir.

2.2. Regra e norma:


O termo “regra” vem do latim regula. Da palavra latina originária regula
derivam dois vocábulos para o português: “régua” e “regra”. Régua é uma direção no plano
físico, enquanto regra é a diretriz no plano cultural, no plano espiritual.
A regra representa um módulo ou medida de conduta. Cada regra nos
diz até que ponto podemos ir, dentro de que limites podemos situar a nossa pessoa e a
nossa atividade. Portanto, regra é sempre medida daquilo que podemos ou não podemos
praticar, do que se deve ou não se deve fazer. Sempre terá essa característica, ou seja, a
de delimitação do agir. Por exemplo: as regras costumeiras, jurídica, religiosa, de trato
social ou de ordem moral.
A palavra “norma” nos lembra aquilo que é normal, traduz a previsão de
um comportamento que, à luz da escala de valores dominantes numa sociedade, deve ser
normalmente esperado ou querido como comportamento normal e de seus membros.
Para Miguel Reale, a norma é, em geral, configurada ou estruturada em
função dos comportamentos normalmente previsíveis do homem comum, de um tipo de
homem dotado de tais ou quais qualidades que o tornam o destinatário razoável de um
preceito de caráter genérico, o que não impede haja normas complementares que prevejam
situações específicas ou particulares, que agravem ou atenuem as consequências contidas
na norma principal.

3. Formas da atividade ética:


O Prof. Miguel Reale segue o pensamento filosófico do alemão Max Scheler,
denominado “Ética material de valores”, para quem toda e qualquer atividade humana,
enquanto intencionalmente dirigida à realização de um valor, deve ser considerada conduta
ética.
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Salienta que o apego desmedido a um valor, em detrimento de outros, poderá
gerar aberrações éticas, por exemplo, os homens que tudo sacrificam pelo poder, pela
economia, pela beleza etc.
Existem diversas normas éticas numa sociedade. A discriminação dessas
espécies de normas poderá ser feita em função das diferentes finalidades que os homens
se propõem.
Espécies fundamentais de normas, em função do bem visado pela ação
(valores cardinais):
a) Belo – as atividades relativas à realização do que é belo, que têm como consequência o
aparecimento dos juízos estéticos, das normas estéticas.
b) Útil – Busca-se a realização de bens econômicos para satisfação de nossas
necessidades vitais. O valor do que é “útil-vital” implica um complexo de atividades
humanas no comércio, na indústria e na agricultura. Em relação ao útil existem a Ciência
Econômica e uma série de atividades empenhadas na produção, circulação e distribuição
das riquezas.
c) Santo – É o valor ao qual correspondem as religiões e os cultos. É o valor do divino
norteando o homem na sociedade, exigindo determinado comportamento por parte dos
indivíduos e dos grupos.
d) Poder – É o valor determinante da Política, que é a ciência da organização do poder e a
arte de realizar o bem social com o mínimo de sujeição. Há uma ética na política.
e) Amor – Trata-se de um campo vastíssimo, desde a simpatia até a paixão, passando por
todas as relações capazes de estabelecer um nexo emocional entre dois seres. Não faltam
tentativas de fundar-se uma Ética de Amor.
f) Bem individual e bem comum – Para Reale, todos os homens procuram alcançar o que
lhes parecer ser o “bem” ou a felicidade. O fim que se indica com a palavra “bem”
corresponde a várias formas de conduta que compõem, em conjunto, o domínio da Ética.
Quanto à realização de um bem, a Ética pode ser vista sob dois prismas
fundamentais:

I – o do valor da subjetividade do autor da ação:


O ato é apreciado em função da intencionalidade do agente, o qual visa, antes
de mais nada, à plenitude de sua subjetividade, para que esta se realize como
individualidade autônoma, isto é, como pessoa.
A Ética que se verticaliza na consciência individual, toma o nome de Moral,
que, desse modo, pode ser considerada a Ética da subjetividade, ou do bem da pessoa.
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II – o do valor da coletividade em que o indivíduo atua:
Quando a ação ou conduta é analisada em função de suas relações
intersubjetivas, implicando a existência de um bem social, que supera o valor do bem de
cada um, numa trama de valorações objetivas, a Ética assume duas expressões distintas:
a da Moral Social (costumes e convenções sociais); e a do Direito.
O bem pessoal é aquele que o indivíduo se põe como seu dever, realizando-
o enquanto indivíduo. O bem social situa-se no campo da ação humana que se denomina
de Direito.
Por exemplo: A Justiça é, sempre, um laço entre um homem e outros homens,
como bem do indivíduo, enquanto membro da sociedade, e, concomitantemente, como bem
do todo coletivo.
A moral visando ao bem da pessoa, visa, implicitamente, ao bem social, o que
demonstra a unidade da vida ética.
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* Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, professor efetivo no curso de direito do


Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), professor contratado da
Faculdade Cathedral e da Universidade da Amazônia (UNAMA), e pesquisador pelo programa de pós-
graduação stricto sensu da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGD/UERJ). É pós-doutor em direito
pela Università degli Studi di Messina na Itália, tendo como orientador o prof. doutor Mario Trimarchi,
doutorando em direito pelo PPGD/UERJ, tendo como orientador o prof. doutor Gustavo Silveira Siqueira,
mestre pelo programa de pós-graduação stricto sensu em Sociedade e Fronteiras (PPGSOF) da UFRR, tendo
como orientadora a prof.ª doutora Maria das Graças Santos Dias e especialista em Direito de Família pela
Universidade Gama Filho (UGF/RJ), em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes pelo Laboratório
de Estudos da Criança (LACRI), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e em MBE
Analista Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Diplomado pela Escola Superior de Guerra (ESG), no Curso de Altos Estudos em Política e
Estratégia (CAEPE). Foi advogado no Rio de Janeiro, promotor de justiça em Rondônia e juiz de direito em
Roraima. Lecionou como professor contratado nos cursos de direito das Faculdades Integradas Estácio de
Sá (RJ), da Faculdade Atual da Amazônia (RR) e do Centro Universitário Estácio da Amazônia (RR), como
professor efetivo da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e como professor substituto na Universidade
Estadual de Roraima (UERR). Como professor convidado lecionou nos programas de pós-graduações Lato
sensu em Direito Especial da Criança e do Adolescente do Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do
Direito (CEPED), da UERJ, em Direito Civil e Processual Civil da Universidade Estácio de Sá (RJ) e em Direito
Público da UERR. Possui artigos publicados em revistas especializadas e científicas. Realizou diversas
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palestras no Brasil e no exterior sobre temas ligados ao Direito da Criança e do Adolescente. Prêmio Sócio
educando - 2ª edição do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com o programa Justiça
Dinâmica. Finalista do I Prêmio Innovare: O Judiciário do Século XXI, categoria Juiz individual, com o
programa Centro Sócio educativo Homero Filho.
Fonte bibliográfica:
1. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
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Questionário sobre a Unidade 04.

Responder as perguntas abaixo utilizando-se do texto da Unidade 04: O


mundo ético.

1. O que são normas éticas?


2. A imperatividade é uma característica de todas as normas éticas. Explique.
3. Defina o que é juízo.
4. Toda norma enuncia algo que deve ser. Explique.
5. Distinguir juízos de realidade dos juízos de valor.

6. O legislador está limitado a descrever um fato tal como ele é? Justifique.


7. O que é a sanção prevista na norma?
8. Seria contraditório afirmar que uma norma ética se caracteriza pela possibilidade de sua
violação? Justifique.
9. A transgressão da norma ética retira sua validade? Justifique.
10. Fale sobre a estrutura da norma ética.

11. O que se entende por regra?


12. A delimitação do agir pode ser considerada como característica da regra? Justifique.
13. O que se entende por norma?
14. O que é moral?
15. A Moral e o Direito pertencem ao campo da Ética? Explique.

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