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9 de Junho de 2022

Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale

Análise histórica e conceitual

Publicado por Matheus França Castro há 3 anos  1.418 visualizações

RESUMO: De grande repercussão no meio jurídico, a teoria


tridimensional do direito, do notável jusfilósofo brasileiro Miguel Reale,
compreende o direito como produto de três elementos: fato, valor e norma.
Na percepção do jurista, estas três dimensões são de tal importância para o
fenômeno jurídico que não podem ser contempladas de modo individual,
como feito por algumas teorias monistas. Nessa senda, o presente trabalho
tem como objetivo explicar como acontece a integração entre esses três
elementos constitutivos do Direito na ótica de Reale.

INTRODUÇÃO

Reale nasceu em São Bento do Sapucaí, interior de São Paulo, em 6 de


novembro de 1910, e faleceu em 14 de abril de 2006, na capital São Paulo.
Formado em Direito, teve grande atividade política, sendo membro do
Conselho Administrativo do Estado de 1942 até 1944 e Secretário da Justiça
do Estado de São Paulo em 1947 e 1963, em 1969 integrou a Comissão de
Alto Nível que reviu a Constituição de 1967, e foi supervisor da Comissão
Elaboradora e Revisora do Código Civil, que culminou na Lei nº. 10.402 de
10/01/2002; e acadêmica, onde foi reitor da Universidade de São Paulo em
1949 e novamente de 1969 a 1973, e fundou o Instituto Brasileiro de
Filosofia em 1949, a Sociedade Interamericana de Filosofia em 1954, e
publicou seu Curso de Filosofia do Direito em 1953. Participou de
conferências e seminários de Filosofia e de Direito por todo o País
(ACADEMIA, 2016).
Miguel Reale é inegavelmente um dos maiores juristas que este país teve a
oportunidade de presenciar. Ao formular a Teoria Tridimensional do
Direito, Reale teve reconhecimento não só nacional, mas internacional,
alcançando dimensões que até o próprio autor não poderia esperar.

De forma especial, objetivar-se-á aqui, analisar a Teoria Tridimensional do


Direito formulada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale, de modo a
apresentar suas características e particularidades.

1. ELENCAMENTO DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO


DIREITO SEGUNDO REALE

O Direito, segundo Reale, é produto da correlação entre fato, valor e norma.


Mas de que forma se chega a essa conclusão? Para responder de forma
satisfatória essa pergunta, é preciso, inicialmente, fazer uma análise
histórica do significado do direito para o homem no curso da história;
assim leciona em Filosofia do Direito (2002).

Qual foi a experiência humana da palavra Direito? Que conteúdo


o homem viveu através desse vocábulo? O estudo desta estimativa
histórica poderá revelar verdades preciosas a quem deseje
penetrar na consistência da realidade jurídica. Vamos, portanto,
buscar na História elementos que possam esclarecer nosso
problema (REALE, 2002, p. 498).

Dessa forma, realizando uma análise histórica, Miguel Reale conjetura que
o homem viveu inicialmente o direito de forma empírica, na forma de fato
social, sempre envolto de misticidade e religiosidade, pois o fato jurídico,
assim como o social, foi intrínseco ao viver do homem na sociedade. Ou
seja, inicialmente, não havia uma concretude jurídica suficiente para
desenvolver uma ciência.

Porém, quando o fato passa a possuir significado no plano da consciência,


este se torna um momento decisivo, diz Reale. Surge, dessa forma, o valor,
que é resultado do contato humano com a ordem social. Porém,
inicialmente, o homem não considerava os valores como produções
próprias, mas os viu como dádivas divinas. Assim ocorreu na Grécia, onde o
sentimento de justiça que foi paulatinamente fomentado no âmago dos
cidadãos helênicos, foi externado e atribuído a divindades como Themis e
Diké. Assim, os valores eram projetados para fora do indivíduo e em
seguida transformados em entidades.

Apesar de ter vivenciado o problema da justiça, a investigação do Direito


como fato só ocorreu na época moderna, com os estudos de Maquiavel,
Jean Bodin, Thomas Hobbes, Montesquieu, e sobretudo, com o trabalho de
sociólogos e históricos dos séculos XIX e XX (REALE, 2002).

A civilização romana contribui com a acepção do direito enquanto norma


ou como lex, explica Reale em Filosofia do Direito: “A importância do
Direito Romano vem daí, de ter tomado contato com o Direito como regra e
de ter formulado a possibilidade de uma Ciência do Direito como ordem
normativa”. Esta ciência seria a Jurisprudência, que não se limita ao
simples estudo dos valores da justiça, mas aos frutos que a humanidade
colheu da Justiça. Dessa forma, a norma surge como um elemento que
materializa, na forma da lei, o fato e os valores.

2. TEORIAS TRIDIMENSIONALISTAS PRECURSORAS À DE


REALE E TEORIAS REDUCIONISTAS

Antes de Miguel Reale formular a Teoria Tridimensional do Direito, houve


algumas teorias, que de forma explícita ou implícita, concebiam o direito
também por uma ótica tridimensionalista. Estas se dividiam em dois
grupos, quais sejam, o Tridimensionalismo Abstrato ou Genérico e
Tridimensionalismo Específico.

Nestas teorias, o tripé fato-valor-norma não foi concebido como objeto de


correlação, logo foi comum os teóricos contemplarem um ou outro fator,
reduzindo o direito a um dos três elementos. São as Teorias Reducionistas
ou Monistas. Desta forma, faz-se mister uma prévia análise destas teorias
para depois buscar um contexto mais amplos nas teorias
Tridimensionalistas.

Ao reduzir o estudo do direito unicamente ao campo do fato, tem-se o


Sociologismo Jurídico, assim definido por Reale:
Sob a rubrica de sociologismo jurídico [...] reunimos todas as
teorias que consideram o Direito sob o prisma predominante,
quando não exclusivo, do fato social, apresentando-o como
simples componente dos fenômenos sociais e suscetível de ser
estudado segundo nexos de causalidade não diversos dos que
ordenam os fatos do mundo físico (REALE, 2002, p. 434).

Este foi um movimento surgido no século XIX, após a criação da Sociologia,


que priorizava o estudo do direito como um conjunto de fatos sociais,
utilizando assim uma abordagem indutiva e causal. Priorizava-se a
efetividade como atributo normativo, ou seja, a dimensão fática da
experiência jurídica, o direito tal como ele é e não como deve ser no mundo
abstrato da regras jurídicas; isto é, tem-se como objeto o “ser” e não o
“dever ser” do direito. Nega que o direito nasce de forma monística pelo
Estado, mas sim de forma plural pelo conjunto da sociedade.

Porém, quando ao contrário do fato, o enfoque é o valor, há o Moralismo


Jurídico. Reale (2002) define como moralistas os juristas que não aceitam a
juridicidade indiferente à licitude, vinculando de forma absoluta o Direito à
Moral. Eles se aproximam dos normativistas lógicos ao entender o direito
como expressão do dever ser, que é resultado dos fins aos quais o homem
se propõe devendo resistir aos fatos, porém se distanciam destes por não
aceitarem uma norma que não positive a licitude da conduta exigida, o que
seria uma norma vazia.

Ao dispor o foco do estudo jurídico, tão somente ao campo da norma, tem-


se o Normativismo Lógico, legado de Kelsen para o mundo jurídico do
século XX. Esta doutrina está inserida no positivismo, definido por
Norberto Bobbio “como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados
sociais em tudo análogos àqueles do mundo natural”. Portanto, no
Normativismo, a norma positivada é um sentido final do dever ser. A
Teoria Pura do Direito, de Kelsen, é uma teoria do direito positivo que
afasta todos os objetos metajurídicos, ou seja, que não podem ser
apreciados pela jurisprudência. De tal forma, em uma segunda fase do
pensamento kelsiano, ele também passa a ver o direito sob uma visão mais
pragmática, como demonstra Miguel Reale:
O certo é que Kelsen deixa de considerar o Direito apenas como
sistema de normas logicamente escalonadas, para examiná-lo
também em sua aplicação prática: o seu estudo, por tais motivos,
embebe-se de preocupação social e histórica, perfilando-se o fato
ao lado da norma, pelo menos em termos de possível conversão
pragmática da vigência das normas de Direito na eficácia do
comportamento dos consociados aos quais ela se refere (REALE,
2002, p. 473).

O Tridimensionalismo Abstrato ou Genérico procura equiponderar os


frutos do sociologismo jurídico, do moralismo jurídico e do normativismo
jurídico. Logo, não estabelece uma relação inicial entre as três para realizar
a atividade jurídica, mas estabelece uma relação final decorrente dos
resultados alcançados por cada modalidade de modo independente. Seus
principais autores são Emil Lask, Frederico Münch e Gustav Radruch

Emil Lask procurar superar a contraposição da valoração e do fato por


intermédio cultural, incluindo nela o Direito. Também segundo o mesmo
autor a filosofia jurídica deve precaver-se com o historicismo e com o
jusnaturalismo, pois, segundo ele, o direito natural visa extrair do valor o
seu conteúdo empírico, e o historicismo pretende extrair do conteúdo
empírico o absoluto do valor (REALE, 2002).

Gustav Radbruch reapresenta a diferença entre realidade e valor, entre ser


e dever ser, porém acrescenta que não pode substituir a antítese entre os
domínios. Porém, segundo ele, é necessário dar um lugar à categoria da
cultura. Expõe, desse modo, a tridimensionalidade como característica
fundamental do culturalismo jurídico. Nessa senda, ele determina três
maneiras pela qual o Direito pode ser encarado. Assim explica Reale:
Gustav Radbruch procura determinar as três maneiras por que
podemos encarar o Direito. A atitude da Ciência do Direito é a que
refere as realidades jurídicas a valores, considerando o Direito
como fato cultural; a atitude da Filosofia do Direito é valorativa
(bewertend), visto como considera o Direito como um valor de
cultura; havendo uma terceira atitude, superadora dos valores
(wertüberwindend) que considera o Direito na sua essência, ou
como não dotado de essência: é a atitude ou o tema da Filosofia
religiosa do Direito (REALE, 2002, p. 521).

Na concepção de Frederico Münch, o Direito é visto como realidade


concreta, sendo sem fundamento qualquer distinção entre fato e valor. "o
Direito é conhecido, concebido e realizado enquanto válido, e não pode ser
conhecido, nem compreendido senão como Direito vigente"[1].

Porém, quando se faz um estudo prévio da correlação existente entre os


elementos constitutivos do direito que são apreciados de forma isolado nas
correntes mencionadas acima, tem-se a tridimensionalidade específica.
Segundo Reale (2002), a teoria tridimensional só se completa quando se
afirma a interdependência dos elementos que fazem do direito um
estrutura social axiológico-normativa. Partindo dessa premissa, Miguel
Reale desenvolveu sua teoria.

3. TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO DE MIGUEL REALE

As teorias tridimensionais abstratas, apesar de criticarem as teorias


monistas, pecaram ao não combinar o tripé fato-valor-norma, e quando se
propuseram para tal, o fizeram sob diferentes perspectivas.

Ao perceber esse erro, Miguel Reale afirma que há no direito três


elementos, dimensões imprescindíveis: o fato, o valor e a norma. Estes
estão correlacionado, de forma a criar uma interdependência entre estes
três fatores na experiência jurídica, devendo então, ser analisado de forma
dialética

O fato pode ser considerado como uma realidade objetiva que influencia a
conduta humana. O fato, no mundo jurídico, revela uma particularidade em
cada momento no processo do direito. O valor indica a parte do direito que
está relacionada com a moral. Reale parte da constatação de que toda
atividade humana é embebida de valores, logo, da mesma forma se daria no
direito. A normal consiste no ordenamento que regula a conduta humana
na sociedade. Conclui Reale, então, que o direito reuni os três elementos,
formando um ordenamento jurídico de fatos determinados por valores.

Entretanto, não há uma simples relação entre as três dimensões, há uma


correlação funcional e dialética. Ou seja, Reale afirma que há uma
implicação mútua e recíproca dos três elementos, o que ele chama de
dialética de implicação.

Em resumo, segundo a Teoria Tridimensional do Direito, o Direito é uma


relação conjunta de três aspectos: o aspecto fático, o aspecto axiológico e o
aspecto normativo. Vale lembrar que fato, valor e norma não existem, na
experiência jurídica, de modo isolado.

Explicada a tridimensionalidade de Reale, vale ressalva observar de que


modo esta teoria influencia na nomogênese.

A nomogênese jurídica é o ato de criação de uma norma jurídica. Nesse


procedimento, as três dimensões de Reale estão em constante interação.
Segundo à nomogênese, o ordenamento jurídico não resulta
exclusivamente dos fatos, haja visto que são influenciados axiologicamente
pela sociedade, logo, todo fato está intrínseco a valores. Nessa senda, o
poder escolhe um destes valores para compor a norma jurídica. Este poder
pode ter validade constitucional, ao ser proveniente de uma norma legal, ou
pode ser originado pela própria sociedade. Porém, vale lembrar que esta
teoria só surgiu quando se observou a relação de interdependência entre
fato, valor e norma.

CONCLUSÃO

O tridimensionalismo de Miguel Reale é de grande importância para o


entendimento do fenômeno jurídico. A teoria elaborada demonstra que os
juristas não devem se ater somente ao campo das normas, mas devem
observar o fato e o valor como elementos constitutivos do Direito.
Desse modo, os vários direcionamentos axiológicos, atuantes em uma
mesma realidade fática, contribuem para uma experiência jurídica
diversificada e atenuante.

REFERÊNCIAS

ACADEMIA Brasileira de Letras. Miguel Reale. 2016.

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. São Paulo:


Editora Saraiva, 2003

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed. São Paulo: Editora


Saraiva, 2012.

REALE, Miguel. O direito como experiência. 2ª ed. São Paulo: Editora


Saraiva, 1992.

[1] BiNDER, La Fondazione della Scienza dei Diritto, p. 154

Disponível em: https://matheusfrancacastro.jusbrasil.com.br/artigos/723680627/teoria-tridimensional-


do-direito-de-miguel-reale

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