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APONTAMENTOS DAS AULAS DE

DIREITO CONSTITUCIONAL
No seu significado comum, constituir é estabelecer alguma coisa, logo a Constituição, fora do
seu contexto jurídico, seria a organização ou estabelecimento de algo. É a base e o
fundamento do ordenamento jurídico. É a lei fundamental e básica. A constituição enquanto
organização é também a "forma/natureza do governo (Governo e A.R) de uma dada
comunidade".
Num sentido mais técnico, a constituição é também a lei fundamental e conjunto das normas
fundamentais de uma comunidade estatual. Por sua vez, o constitucionalismo, de origem
anglo-saxónia, é um movimento, ideal ou conjunto de ideias que se transformou numa
tradição que visa a limitação do poder político do Estado para, sobretudo, proteger os direitos
das pessoas e garantir a sua autonomia e liberdade.
Percebe-se, portanto, que o constitucionalismo começou como um movimento, que se
transformou numa tradição e ultimamente, hoje, depois desta ideia se tornar presente na
nossa sociedade, podemos falar nela como uma técnica específica de limitação do poder para
fins garantisticos ou até numa teoria normativa da política.
Constitucionalismo não tem de resultar numa constituição escrita e, por conseguinte, não é o
processo de aprovação de constituições. No geral, todos os países têm uma constituição
escrita. A Grã Bretanha não tem constituição escrita mas tem um conjunto de leis, costumes e
hábitos que, no seu conjunto, formam uma constituição material. Por sua vez, em
ordenamentos como a Rússia, embora existam constituições, não existe uma tradição de
Constitucionalismo.
Na sua dimensão ideal, o constitucionalismo é uma série de ideias sobre a limitação do poder
do Estado. Na dimensão prática, o Constitucionalismo é o resultado da limitação dos poderes
políticos através da imposição da Constituição, ou seja, as manifestações do
Constitucionalismo. Existem muitas diferenças entre países no que diz respeito à dimensão
prática. O constitucionalismo português é diferente do francês, por exemplo. Por outro lado,
estes dois constitucionalismos também deram origem a constituições diferentes.
No entanto, um objetivo que está presente em todos os constitucionalismos é o de sujeitar o
poder político a regras e aparelhos de conduta que têm por fim a defesa dos direitos dos civis,
ou seja, impedir o poder político arbitrário, garantindo assim a proteção dos direitos dos
cidadãos. Além disso também tem como objetivo a integração, no sentido de construção
nacional, visto que o constitucionalismo, enquanto movimento de limitação de poder, tem
como objetivo forjar uma determinada identidade política na qual se verifiquem todos os
valores que devem ser partilhados por todos os indivíduos dessas comunidade. Deve,
portanto, encarnar a identidade da comunidade nacional e traduzir os valores essenciais dessa
comunidade.
Podemos separar o constitucionalismo em dois momentos, o antigo e o moderno. O
constitucionalismo antigo é diferente do moderno, no sentido em que é puramente descritivo
do funcionamento de um sistema, independentemente da ideia de limitação do poder. O
constitucionalismo antigo é possível mas não representa uma função verdadeiramente útil
pois faltava soberania política.
O constitucionalismo moderno surge no fim da Idade Média e início do Renascimento, tem
diversas fases e tipos de evolução. Neste período surge a noção de um Estado Soberano, que é
essencial para o desenvolvimento da ideia de limitação do poder deste mesmo Estado.
Percebe-se que para existir constitucionalismo tem de existir um estado soberano.
Antes deste momento existiam, de facto, limites ao poder (dos reis, por exemplo), mas estas
limitações não existiam, como no caso do constitucionalismo, com objetivo de proteção dos
direitos individuais.
Só no Estado Soberano existe Direito Público, além do Privado, pois passa a ser possível
distinguir sociedade de Estado. Antes da criação dos órgãos soberanos, apenas falávamos em
direito privado. Na época dos reis, todos obedeciam à vontade divina, logo não havia
necessidade de limitar o poder do rei porque este já era limitado pelo lei de Deus. As pessoas
não possuíam autonomia e via-se o Homem como pré-determinado e súbdito da lei divina. A
ideia que está na base do constitucionalismo é a ideia de que o exercício do poder há de
resultar num consentimento dos governantes e não numa imposição superior, seja ela de
Deus. Anteriormente, tudo obedecia à lei divina e não podia ser questionado ou limitado por
nós. Com o fim da crença de que tudo obedecia à lei divina, e consequentemente era pré-
determinado, passa a fazer sentido permitir a escolha de caminhos não pré-determinados e de
limitar o poder do Estado para garantir essa possibilidade.
Durante o absolutismo, não havia interesse em proteger os direitos individuais embora se
verifique que certas regras visavam a proteção dos direitos de certas classes.
Este constitucionalismo moderno teve, desde então, quatro fases distintas: a das origens, a
das revoluções, a da época liberal e a da democracia constitucional. Dito isto, estas fases não
são etapas obrigatórias, visto que, por exemplo, a Grã-Bretanha não teve uma fase de
constitucionalismo das revoluções como a França ou os Estados Unidos da América.
Na França e nos E.U.A encontramos constitucionalismos revolucionários, ao passo que no
Reino Unido encontramos constitucionalismos das origens, ou seja, constitucionalismo
enquanto reafirmação daquilo que já acontecia anteriormente.
A base filosófica política do constitucionalismo (sobretudo presente no constitucionalismo
de revolução, que inaugura a época das constituições mas também presente no
constitucionalismo das origens) conseguimos encontrar a ideia do contrato social, que afirma
que o exercício do poder não é dado por legitimidade ou poder divino mas sim dado a uma
coligação pelo povo enquanto conjunto dos homens livres. A ideia de contrato social decorre
da ideia de que impera a força, pelo que o mais forte consegue despojar o mais fraco dos seus
direitos. Passamos, então, de um estado de natureza para o estado de sociedade, em que a
organização desta é feita de uma forma que garantisse os seus direitos.

Podemos separar o Constitucionalismo em antigo e moderno, e podemos subsequentemente


dividir o constitucionalismo moderno em quatro fases.
As quatro fases do Constitucionalismo, propostas por Maurizio Fioravanti são: a das origens,
a das revoluções, a da época liberal e a da democracia constitucional. Tem de se ter em conta,
no entanto, que esta temporização/divisão cronológica da evolução deste pensamento não
tem como objetivo ser rigorosa visto que, além de se passarem coisas diferentes em cada fase
e estas terem dimensões temporais diferentes, percebe-se que aquilo que se passa no
sistema político-jurídico de um país pode não se aplicar noutro, ou seja, as suas fases têm
durações e características diferentes em Estados diferentes.
Evidencia-se este facto na forma como a evolução do constitucionalismo foi diferente na
Europa Continental, onde houve revoluções como, por exemplo, em França, e na Grã
Bretanha, onde não houve revoluções mas sim continuidade.
A 1ªfase, do constitucionalismo das origens, é sobretudo uma fase da história das ideias,
onde existe um "marinar" das ideias que vão sendo desenvolvidas. É mais uma fase de
evolução do status quo e das ideias, do que de rutura das mesmas, pelo que faz mais sentido
no contexto da Grã Bretanha.
Por sua vez, a 2ªfase, do constitucionalismo das revoluções, é uma fase de rutura da ordem
anterior. Esta rutura traduz-se num fim semelhante, mas traçam-se caminhos diferentes para o
atingir visto que não há uniformidade de ideias. Um exemplo interessante da rutura com a
ordem anterior é o caso de Napoleão Bonaparte, que personifica a modernidade e a rutura dos
padrões da altura, e da própria revolução. Verifica-se, no entanto, que Bonaparte era um
tirano e extremista que desejava submeter a Europa ao seu poder. Com o fim das revoluções e
a derrota dos radicalismo dá-se o fim desta fase e a introdução do conceito de
constitucionalismo liberal.
A 3ºfase, do constitucionalismo da época liberal, é uma marcha atrás. O poder político
procura uma legitimação diferente da tradicional/monárquica. Em Portugal este processo
começa em 1822 com a primeira constituição, mas só estabiliza com a revisão de 1852 da carta
constitucional de 1826.
Existe uma consciencialização que é necessário combinar a legitimação monárquica com
outro tipo de legitimidade, e um esboço de separação de poderes, mas não se avança mais do
que isso, pois a constituição não é efetivamente aplicada. Apesar de existir e ser glorificada por
todos, na realidade era vista como uma inspiração e não um conjunto de normas a aplicar,
sobretudo nas relações de poder.
Se a lei contrariasse a constituição, não havia uma fiscalização da constitucionalidade. Cabia
ao legislador escolher cumprir com a constituição. Isso só muda na 4ªfase.
Nesta última fase, do constitucionalismo da democracia constitucional, chega-se à conclusão
que a constituição tinha de ser tomada a sério, e a forma de garantir isto era criar uma forma
de impedir que as violações da constituição não pudessem produzir efeitos. Era preciso
fiscalização da constitucionalidade, que só podia ser feita pelos tribunais, ou seja, era
necessário que se fizesse o controlo do constitucionalidade judicial visto que só assim seria
possível que a Constituição fosse aplicada.
Portugal foi pioneiro na fiscalização da constitucionalidade na Europa, desde a constituição
de 1911, artigo 63, mas na prática esta fiscalização nunca foi aplicada. A constituição de 1933
era, na verdade, um disfarce de um estado autoritário, visto que Salazar, embora tenha
contribuído para o desenvolvimento e presença política do país, não possui um governo nada
democrático. A prática da fiscalização da constitucionalidade começa na realidade em 1976.
No resto da Europa, após a 2ª Guerra Mundial. A nível mundial os grandes pioneiros nesta
matéria foram os Estados Unidos da América.
O principal objetivo do constitucionalismo é a proteção da pessoa humana, ou seja, pessoa
individual, através da limitação de poderes. Existe na nossa e em outras constituições uma
absoluta prevalência dos direitos fundamentais sobre os demais valores e princípios
constitucionais. Percebe-se que até a organização do poder político é um meio para proteger a
dignidade da pessoa humana.
Podemos definir a dignidade humana como, sobretudo, a autonomia e liberdade para fazer as
próprias escolhas, tanto na dimensão material como espiritual, ou seja, a possibilidade de
autodeterminação. Trata-se de assegurar que a pessoa humana é vista como um fim e não
como um meio.
Esta ideia de dignidade da pessoa humana, dos principais direitos das pessoas, provém da
ideia de direitos naturais de filósofos da Antiguidade, e da sua perspetiva do Homem enquanto
dotado de Razão, e estava tão enraizada nas mentalidades que inicialmente as constituições (a
americana e a francesa) não a incluíram no seu texto, tendo sido adicionada posteriormente.
Ao estar incluídos na constituição, no plano interno e nacional de um país, tornam-se direitos
fundamentais. No plano internacional, tornam-se direitos humanos, após a 2ªguerra mundial,
quando passa a haver forma de os garantir (como no sistema da convenção europeia dos
direitos do Homem).
Outro objetivo do constitucionalismo é a limitação e racionalização do poder político.
Estas ideias surgem principalmente em Locke, que esboçou as ideias democráticas
fundamentais, mas também em outros autores como Montesquieu, Constant ou Rosseau.
No nosso mundo globalizado e interligado, deparamo-nos com ideias como o
Constitucionalismo Global (ou variações como o trans constitucionalismo, o constitucionalismo
multinível ou o constitucionalismo total).
Estas ideias têm em comum o seu objeto, um constitucionalismo que não se limita pelas
fronteiras estaduais. O que justificaria isto seria o ius cogens, direito cogente ou direito
internacional imperativo, normas internacionais vinculativas independentemente da vontade
dos Estados, ou seja, normas internacionais aplicadas a todas as pessoas independentemente
do estado a que pertencem.
Esta ideia de ius cogens começa a ser admitida por alguns tribunais internacionais, embora
com muita discussão sobre os detalhes. Na prática, no momento atual, para haver
constitucionalismo e uma constituição, é essencial haver um Estado. Verifica-se que não há
constituição europeia e a União Europeia age sob a permissão dos diversos países.

MATRIZES HISTÓRICAS DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO - EXPERIÊNCIAS


CONSTITUCIONAIS BRITÂNCIA, AMERICANA E FRANCESA

CONSTITUCIONALISMO BRITÂNICO
O constitucionalismo britânico é diferente de todos os outros do mundo inteiro. É o primeiro
constitucionalismo, tendo surgido antes do séc.XIV, ou seja, durante a Idade Média, o que se
revela particularmente fora do comum, tendo em conta o contexto europeu absolutista da
época marcado pela brutalidade para com as populações.
No séc. XIII, o Reino Unido avançou com a inclusão de um conjunto de direitos fundamentais
que servem de base para aquilo que temos na nossa constituição, tais como direitos de
liberdade pessoal, liberdade de acesso à justiça, liberdade de circulação, etc. Todos estes eram
aplicados na magna carta.
Para além desta atribuição e aplicação dos direitos, outra característica surpreendente era o
funcionamento de um parlamento já nesta altura que funcionava e que era a base do sistema
de governo britânico. Os juízes eram a base do sistema judicial britânico e eram o
complemento daquilo que era decidido em parlamento. Conclui-se que os britânicos tinham
um sistema constitucional avançado e muito próprio para a altura que se distinguia daquilo
que ocorria no resto da Europa continental.
Podemos identificar como caracteristicas base do constitucionalismo britânico:
 A sua criação baseada na tradição e no pragmatismo mas também na revolução e na
reforma.
 Os seus principais agentes serem o rei e o parlamento, sendo que no que diz respeito
ao parlamento é de notar a supremacia da lei porque no Direito Inglês um dos
princípios mais importantes é a soberania do parlamento.
 A sua finalidade de expansão da liberdade.

É na atualidade que se verificam maiores perturbações no constitucionalismo britânico,


devido a grandes mudanças no sistema eleitoral, à interação entre órgãos de sobernia e ao
BREXIT.

 Periodifcação: periodo monarquico ate sec 17, periodo aristocratico de 1638 até a
primeira grande reforma eleitoral, periodo democratico.

Apesar de terem um constitucionalismo muito marcado, os britânicos não possuem


constituição. De facto, a constituição britânica tem características muito especificas e é
bastante particular: ela não existe no formato físico e escrito, mas sim de forma histórica e
costumeira. É histórica pois decorre da tradição que se sedimentou ao longo dos anos no
Reino Unido; é não escrita pois não foi reduzida a um texto; no entanto, as pessoas conhecem
as regras em que ela foi baseada, ela baseia-se em normas costumeiras mas também em
convenções institucionais, em práticas que são repetidas sempre e em que o povo acredita,
pois há, para ele, uma convicção de obrigatoriedade. Por exemplo, o monarca tem de dar
posse àquele primeiro ministro pois é isso que decorre das normas em vigor e isso não deixa
de ocorrer por as normas não estarem escritas. Há, no entanto, documentos escritos que têm
algumas destas normas (magna carta de 1215, por exemplo) que regulam matérias
constitucionais, leis do parlamento que regulam matérias que poderiam estar num
documento, que noutras localizações seriam consideradas constituições.
O constitucionalismo, no Reino Unido, teve uma evolução e progresso lentos, admitindo a lei
enquanto instrumento essencial e o parlamento enquanto órgão soberano.

CONSTITUCIONALISMO NORTE AMERICANO


O constitucionalismo aparece em segundo lugar, com a revolução americana, em 1774, como
reação a uma decisão do parlamento inglês de impor novos impostos às colónias.
A revolução americana decorre da matriz britânica e é uma reação face a decisões do
parlamento britânico.
Trata-se de um processo constituinte que dura cerca de 15 anos (1774-1789) começando com
uma guerra entre as colonias e a coroa britânica, dando a origem a dois congressos em que
num deles é declarada a independência, sendo criada depois uma confederação e, em 1789,
dá-se a entrada em vigor a constituição americana.
Trata-se de um processo rápido, reativo e de rutura, que dá origem à independência de um
novo estado, passando por três momentos: colonial, republicano e federal.
São importados do constitucionalismo britânico bases como a soberania do parlamento e os
direitos dos cidadãos, dando origem a algo diferente do que faz o direito inglês. A novidade
decorre da forma como é o povo que define quais são os seus direitos e as regras que definem
o poder político.
Por a constituição, proclamada pelo povo, ser superior a tudo o resto; houve a necessidade
de criar órgãos que fiscalizassem a conformidade dos atos do poder político com a
constituição. Por isso, para além das funções já adquiridas pelos tribunais, estes tinham agora
que fiscalizar também o poder político.
A constituição é que disciplina o poder político dando origem a uma consequência,
absolutamente importante e inovadora no constitucionalismo americano: se a constituição
proclamada pelo povo é superior a todos os outros atos, inclusivamente do parlamento, então
o parlamento está abaixo da constituição. Sendo assim, os atos do parlamento que não estão
conforme a constituição são inválidos, pelo que são criados órgãos para fiscalizar o
conformidade dos atos do poder politico com a constituição. É atribuído aos tribunais essa
função: fiscalizar a constitucionalidade das leis através da justiça constitucional.
A constituição americana é: escrita, em sentido formal; rígida; sintética; enriquecida pelo
costume e pela jurisprudência. Escrita em sentido formal pois está num texto, no sentido
instrumental, e está individualizada (os seus atos jurídicos estão separados uns dos outros),
tem força e forma próprias. Rígida pois exige para a sua alteração uma maioria de aprovação
superior à da generalidade das leis. Sintética pois apenas tem 7 artigos.
Verifica-se, atualmente, a impossibilidade de acordo entre os dois partidos, o que leva à
impossibilidade de revisão e alteração da constituição. Sendo de difícil alteração, dá mais
relevância à interpretação que os tribunais fazem da lei, pelo que, a única forma de adapta la
aos problemas atuais, é fazê-la passar por uma evolução na sua interpretação e aplicação. O
facto de ser pequena e rígida dá origem a certos problemas e certas limitações, relativamente
ao que poderia ser a modernização do seu entendimento.

CONSTITUCIONALISMO FRANCÊS
Por sua vez, o constitucionalismo francês é mais recente e inicia-se com a revolução francesa,
que visava romper verdadeiramente com o regime absolutista da época que era socialmente
estratificado e no qual se verificavam fortes contrastes sociais, ou seja, tinha por objetivo uma
rutura total do regime.
Visava-se estabelecer os direitos dos cidadãos, um contrato social novo, estabelecer um
parlamento que resultasse da vontade geral através do exercício do poder constituinte do
povo e a proclamação de uma constituição que atribuísse a soberania ao povo.
Trata-se do primeiro constitucionalismo Europeu Continental e o exercício do poder
constituinte francês, sendo fundacional para Portugal, teve contributos muito importantes dos
constitucionalismos britânico e norte americano.
O constitucionalismo francês tem, no entanto, particularidades. Ao contrário do que ocorre
no E.U.A., a constituição não surge como lei superior e fundamental que se impõe sobre a
ordem política. A lei surge instrumento da vontade do parlamento que, por sua vez, surge
como expressão da vontade geral e popular. Só recentemente é que surgiram mecanismos de
fiscalização da conformidade com a constituição.
Em contraste com os constitucionalismos anteriores, mas em linha com o que ocorre na
europa continental e na tradição europeia, na qual ocorrem frequentemente revoluções, em
França há várias constituições, sendo que estas não são estáticas e quase permanentes, com
apenas algumas alterações. A última é de 1958.

EXPERIÊNCIAS CONSTITUCIONAIS ATUAIS


No sentido de fazer um exercício de comparação jurídico-política do Reino Unido, dos
Estados Unidos da América e da França, tomamos como quadro de referência da comparação,
a história do constitucionalismo. Os elementos desta grelha comparativa incluem ainda:
 Matriz dominante;
 Forma de Estado (conceito que tem a ver com a distribuição do poder político no
território do Estado, podendo os Estados ser simples ou compostos);
 Regime político (conceito que tem a ver com a natureza da relação entre os
governantes e os governados);
 Sistema de governo (conceito que tem a ver com a forma como se estruturam as
relações entre os vários órgãos do poder político do Estado, podendo-se falar em
parlamentarismo, presidencialismo e semipresidencialismo);
 Direitos e liberdades;
 Sistema eleitoral;
 Sistema de partidos;
 Fiscalização da constitucionalidade.

CONSTITUCIONALISMO BRITÂNICA
A matriz dominante do constitucionalismo britânico é a da Constituição mista
expressa na soberania do Parlamento, na Rule of Law e na relevância das convenções
constitucionais.
Por sua vez, no que toca à forma de Estado, o Reino Unido da Grã Bretanha e a Irlanda
do Norte são um Estado Unitário Regionalizado. No entanto, a criação de parlamentos
regionais na Escócia, no País de Gales e na Irlanda do Norte, permitiram a
descentralização política (devolution).
Relativamente ao regime político, verifica-se que no Reino Unido há uma democracia
parlamentar e, ao sistema do governo, verifica-se que o território britânico é governado
por um sistema parlamentar de gabinete.
Os principais órgãos do governo britânico são: o monarca, o governo, o parlamento
bicameral e o Supremo Tribunal de Justiça do Reino Unido.

MONARCA
O Rei é escolhido através da sucessão hereditária e constitui um símbolo da unidade
nacional. O Rei não possui poderes efetivos, salvo um poder arbitral residual na escolha
do Primeiro Ministro, ou um poder de palavra, tendo perdido o direito do verto no séc.
XVIII e tendo os seus antigos poderes (a chamada "prerrogativa real", ou seja, um
conjunto de privilégios e imunidades concedidas ao monarca) passado a ser exercidas
pelo Primeiro Ministro e pelo Parlamento.

GOVERNO
O Governo é composto pelo Primeiro Ministro, pelo Gabinete, que pode ainda possuir
um "inner cabinet" e pelo Ministério.
O Primeiro Ministro é considerado "o verdadeiro eixo da vida política britânica"
(Guedes, 1978) devido à sua tripla condição: líder do partido maioritário, líder do
gabinete e líder da maioria parlamentar. Percebe-se que o Primeiro Ministro não se tem
de defrontar com contrapesos institucionais relevantes. Em 2022, recuperou o poder de
dissolução do Parlamento, que lhe fora retirado em 2011. Este é o líder do partido mais
votado (ou aquele que entretanto lhe suceder, em caso de demissão da liderança do
partido) nas eleições para a Câmara dos Comuns (convenção institucional, desde o
primeiro quartel do séc. XX), não carecendo de uma investidura ou de um voto de
confiança para entrar em funções.
O Gabinete é composto pelo Primeiro Ministro e pelos ministros seniores mais
importantes. É no gabinete onde são tomadas as decisões políticas fundamentais.
O Ministério é composto pelos ministros juniores, que são um equivalente aos
secretários de Estado entre nós, tendo funções essencialmente administrativas. A
escolha dos ministros é feita pelo Primeiro Ministro de entre os membros da Câmara dos
Comuns, sendo ainda habitual que alguns deles sejam membros da Camara dos Lordes.
É ainda de acrescentar que o Governo desempenha a função política, a função
administrativa e, sob delegação do Parlamento, ainda a função legislativa. O Governo
depende da confiança do Parlamento, que o pode derrubar e, em contrapartida, não
faltam ao Governo meios de ação sobre o Parlamento. Verifica-se que, embora o
Primeiro Ministro tenha muito poder, o grupo parlamentar é o seu calcanhar de Aquiles
visto que este pode sofrer revoltas dos seus deputados tal como ocorreu com Margaret
Thatcher e Boris Johnson.

PARLAMENTO BICAMERAL
O parlamento bicameral é composto pela Câmara dos Comuns, que possui 650
deputados, e a Câmara dos Lordes, que possui um número variável de membros mas
que, nos últimos anos tem sido próximo dos 800.
A Câmara dos Comuns é a dominante, no exercício das funções política, legislativa e de
fiscalização, tendo hoje a Câmara dos Lordes essencialmente um poder de retardar a
aprovação de leis pelo período de um ano ou por três meses, caso se trate de diplomas
de natureza financeira.
Os membros da Câmara dos Comuns são eleitos por sufrágio universal, por um
mandato de 5 anos, elegendo de entre eles o Speaker, que preside e dirige, com a
máxima independência, os trabalhos parlamentares. Por sua vez, os membros da
Câmara dos Lordes são nomeados (havendo ainda um grupo de Lordes hereditários
eleitos).
O sistema eleitoral da Câmara dos Comuns é um sistema maioritário uninominal a uma
volta, ou seja, onde é eleito apenas um deputado em cada um dos 650 círculos, o
candidato que tiver mais votos.

SUPREMOS TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO REINO UNIDO


O Supremo Tribunal foi criado na reforma de 2005, em substituição da instância
superior que até então funcionava no seio da Câmara dos Lordes, ou seja, os "Law
Lords".

No que toca à separação de poderes

Verifica-se ainda que, no quesito direitos e liberdades, tecnicamente, por falta de uma
Constituição formal, não há direitos fundamentais em sentido estrito no Reino Unido. No
entanto, a proteção fundamental continua a advir do costume e do common law, mas
também do enraizamento profundo dos direitos na cultura e na opinião pública. A
garantia dos direitos fundamentais ocorre mas não havendo uma constituição, nos
momentos em que tem havido abuso de poder, é mais difícil para os tribunais garantir os
direitos. Os Direitos dos Homens e a pertença à UE acabou por ajudar a garantir os
direitos.

No que toca ao sistema de partidos, trata-se de um sistema bipartidário, consequência


do sistema eleitoral, mas também do pragmatismo britânico, sendo os dois principais
partidos o conservador e trabalhista, mas podendo, em situações especiais, ter alguma
relevância um terceiro partido. Trata-se de partidos com forte organização e disciplina
partidária.

Relativamente à fiscalização da constitucionalidade, dado o princípio da supremacia do


Parlamento e dada a natureza e o caráter da Constituição, apesar de não haver no Reino
Unido fiscalização da constitucionalidade das leis em sentido estrito, a doutrina tem
observado a emergência de uma "forma fraca" de fiscalização de common law.

CONSTITUCIONALISMO NORTE AMERICANO


A matriz dominante do constitucionalismo norte americano é a matriz moderada:
reconhecimento de valores anteriores ao Estado, primado da Constituição, governo das
leis e não dos homens, direitos fundamentais como limites de poder do Estado, divisão e
equilíbrio de poderes, controlo da constitucionalidade das leis.
No que toca à forma de Estado, estamos perante um Estado federal, ou seja, uma
forma de Estado composto, havendo uma dupla estrutura do poder político no território
(a do Estado federal e a dos 50 estados federados) e uma sobreposição de Constituições
(a do Estado federal e as Constituições dos estados federados). Percebe-se que, no caso
dos E.U.A., estamos perante um federalismo perfeito.
No âmbito do regime político verifica-se a existência de uma democracia
constitucional e, no âmbito do sistema de governo, verifica-se presidencialismo.
Os principais órgãos do governo norte-americano são o presidente, o parlamento
bicameral e o supremo tribunal.

PRESIDENTE
O presidente dos E.U.A, detentor do poder executivo, é quem escolhe e determina os
seus secretários. O presidente é eleito por sufrágio universal formalmente indireto, para
um mandato de 4 anos, podendo ser reeleito uma vez. Com o Presidente é eleito um
vice-presidente.
Na eleição presidencial, o sistema eleitoral é o sistema maioritário plurinominal a uma
volta, pelo que o partido que tiver mais votos num determinado círculo fica com todos
os lugares em disputa nesse círculo.

PARLAMENTO BICAMERAL
O parlamento bicameral (Congresso), detentor do poder legislativo, é composto pela
Câmara dos Representantes e pelo Senado, sendo que a primeira é composta por 435
membros que representam a população e o segundo é composto por 100 senadores que
representam os estados federados.
Os representantes são eleitos por sufrágio direto, por dois anos. Por sua vez, os
senadores são eleitos por sufrágio direto, por seis anos, sendo o Senado renovado em
um terço de dois em dois anos.
Na eleição para as duas câmaras do Congresso, o sistema eleitoral, salvo exceção
pontual, é o maioritário uninominal a uma volta.

NOTA: Verifica-se que, por sua vez, nem o Presidente pode dissuadir o Congresso, nem o
Congresso pode demitir o Presidente. Todavia, foi previsto todo um sistema de freios e
contrapesos (checks and balances), que se revela designadamente:
o No veto presidencial das leis, superável, por sua vez, por uma maioria de 2/3;
o Nos poderes de mensagem e de impulso legislativo do Presidente;
o Na submissão da prática de certos atos do Presidente (especialmente as nomeações) a
parecer do Senado;
o Na exigência da ratificação dos tratados por 2/3 dos membros do Senado;
o Na dependência orçamental do Presidente;
o Na existência de comissões de inquérito;
o Na possibilidade do impeachment;
o Na fiscalização da constitucionalidade das leis;
o Nos poderes de interferência por parte dos estados federados.
Por sua vez, da prática constitucional, decorrem ainda outros elementos similares,
como a possibilidade de delegações legislativas ao executivo, a extensão da prática das
"executive orders" do Presidente, os poderes das agências independentes ou o "veto
legislativo" do Congresso a atos do executivo, mecanismo todavia declarado
inconstitucional em 1983.

SUPREMO TRIBUNAL
O supremo tribunal, detentor do poder judicial, é composto por nove juízes e estes
juízes são nomeados a título vitalício pelo Presidente, uma vez obtido o consentimento
do Senado.

No que toca à separação de poderes pode-se afirmar que, no sistema norte-


americano, todos os órgãos são igualmente poderosos, podendo o eixo da vida política
encontrar-se tanto no Presidente, como no Congresso ou no Supremo Tribunal (neste
caso, pelo papel de integração constitucional que, bem ou mal, lhe veio a caber e pelo
ativismo judicial de que tem dado mostras, mas não menos pelo extraordinário prestígio
dos seus juízes e pela repercussão constitucional das suas sentenças e dos votos
individuais).
No âmbito dos direitos e liberdades, verifica-se que logo em 1789 prevaleceu a
corrente que defendia que a Constituição deveria afinal enunciar expressamente os
direitos fundamentais dos cidadãos, que começaram por se dirigir apenas contra a
Federação. Esses dez primeiros Aditamentos (também conhecidos como "Bill of Rights")
viriam a ser complementados por outros, como o 13ºAditamento (de 1865), que proibiu
a escravatura, o 14º Aditamento (1868), que reforçou as garantias da igualdade e do
devido processo legal (garantias agora expressamente dirigidas contra os estados
federados), ou os 15º, 19º, 24º ou 26º Aditamentos, ampliando o direito de voto. Por
outro lado, não pode ser ignorado o papel do Supremo Tribunal, especialmente na
revelação de direitos não enumerados no Bill of Rights (como sucede com o direito à
privacidade, o direito a morrer, os direitos da homossexualidade ou outros direitos que
envolvem a família).
Relativamente ao sistema de partidos, verifica-se que este é constituído por dois
partidos (bipartidarismo perfeito), sendo eles o Democrata (de esquerda liberal), e o
Republicano (de direita), também designado como Grand Old Party (GOP). No entanto,
diferentemente do que sucede com os partidos europeus, os partidos norte americanos
não têm organização central nem forte disciplina partidária, funcionando sobretudo
como estruturas locais focadas no processo eleitoral, com grande relevo das eleições
primárias realizadas no seio dos partidos. Por sua vez, a flexibilidade ideológica permite
que dentro das partidos se possam exprimir distintas correntes de opinião.
O controlo da constitucionalidade é feita através de um sistema de fiscalização
concreta e difusa (judicial review) da constitucionalidade, que permite que todos os
tribunais, nos casos submetidos a julgamento, possam conhecer e decidir questões de
constitucionalidade, tendo, à luz da ideia de supremacia da Constituição, o dever de
desaplicar as normas inconstitucionais; cabendo recurso das decisões tomadas, o
Supremo Tribunal vem a ter a última palavra, para o que dispõe de um mecanismo de
seleção discricionária dos casos que pretende apreciar ( a "writ of certiorari") em cada
período judicial. A isto acresce que, por via do sistema de precedente, "a decisão de
inconstitucionalidade do Supremo Tribunal, apesar de tomada num caso concreto,
dispõe de força obrigatória e geral e passa a ser seguida em todos os tribunais".

CONSTITUCIONALISMO FRANCÊS
No constitucionalismo francês da atualidade confluem diversas matrizes, sendo elas: a
rosseauniana (presente na ideia da lei como expressão da vontade geral, na soberania
popular e no referendo) e a do constitucionalismo liberal, às quais se junta ainda uma
componente bonapartista (vísivel no perfil do Presidente da República).
Relativamente à forma de Estado, estamos perante um estado unitário descentralizado
em que, no âmbito do regime político, se encontra uma democracia constitucional.
No que toca ao sistema de governo, verifica-se a existência de opiniões divergentes
que defendem, por um lado, a ideia de um sistema semipresidencial e, por outro lado, a
ideia de um sistema "Hiper presidencial". Trata-se de um sistema de governo
ambivalente, que oscilaria, quanto aos seu padrão de funcionamento, entre o dito
semipresidencialmismo, verificado em sistema de coabitação, e o hiperpresidencialismo,
durante o habitual cenário de confluência entre a maioria do governo e a maioria
presidencial.
Os principais órgãos do sistema constitucional francês são o Presidente da República,
o governo, um parlamento bicameral e o conselho constitucional.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O presidente da república constitui o eixo da vida política e, na prática, o Governo
depende do mesmo, ainda que, formalmente, o Governo seja apenas responsável
perante a Assembleia Nacional.
O Presidente da República é eleito por sufrágio universal por um mandato de 5 anos
(desde 2000), podendo ser reeleito apenas uma vez (desde 2008).
O presidente pode presidir, por direito próprio, ao Conselho de Ministros, por outro
lado, é quem nomeia o Primeiro Ministro, podendo, igualmente, por costume
constitucional, solicitar a sua demissão. Além destes poderes, o presidente pode ainda
dissolver livremente a Assembleia Nacional, exercer veto absoluto sobre diplomas
legislativos delegados do Governo (ordennance) e veto meramente suspensivo sobre as
leis parlamentares, ter iniciativa de revisão constitucional e de referendo, assumir
poderes excecionais (ainda que com mais apertados limites desde o início do séc.XXI),
dispor, pelo menos na prática, de um domínio reservado e suscitar ao Conselho
Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis.

GOVERNO
O governo francês tem como função determinar e conduzir a política da Nação, como
descrito no artigo 20 da Constituição.
O primeiro ministro está encarregado de dirigir a ação do Governo, de acordo com o
artigo 21 da Constituição, e exercer ainda a importante prerrogativa de fazer prevalecer
a palavra da Assembleia Nacional em caso de discordância prolongada do Senado (não
resolvido em sede de comissão paritária das duas Câmaras).

PARLAMENTO
O parlamento bicameral é composto pela Assembleia Nacional ( com 577 deputados) e
pelo Senado (à data, com 348 senadores).
A Assembleia Nacional é a principal câmara do Parlamento e é eleita por sufrágio
universal para uma legislatura de 5 anos. Por sua vez, o Senado representa as unidades
territoriais e é eleito por sufrágio indireto (num colégio eleitoral de cerca de 150 000
membros) por seis anos, com renovação parcial a três anos.
A eleição para a Assembleia Nacional é o sistema maioritário uninominal a duas
voltas.

CONSELHO CONSTITUCIONAL
O Conselho Constitucional é composto por 9 membros e conta ainda com a presença
de antigos presidentes da república. É o órgão responsável pelas funções de controlo de
constitucionalidade. Salvo as inerências, os seus membros são designados, em um terço,
pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado.

Relativamente à separação de poderes, verifica-se uma primazia inequívoca do


Presidente da República, com subalternização tanto do Governo como do Parlamento.
Verifica-se que, no âmbito dos direitos fundamentais, a Constituição francesa não
dispõe de um catálogo de direitos fundamentais, valendo ainda na França a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, complementada com os direitos
enunciados no preâmbulo da Constituição de 1946 e com os direitos e deveres definidos
na Carta Ambiental de 2004 (como resulta do preâmbulo da Constituição em vigor). O
Conselho Constitucional foi reconhecendo a relevância jurídica desses documentos.
No que toca ao sistema de partidos, até junho de 2017, existiu na França um sistema
multipartidário, com tendência à formação de dois blocos, um à direito e outro à
esquerda, mas esse sistema foi objeto de uma profunda mutação em resultados das
eleições parlamentares de 2017, com o surgimento de uma maioria presidencial (ao
centro, absoluta em 2017, relativa em 2022), a sobrevivência, a custo, do bloco de
direita, o desmoronamento do Partido Socialista e o reforço dos partidos extremistas.
Por fim, verifica-se que a fiscalização preventiva da constitucionalidade está, em
França, a cargo do Conselho Constitucional, tendo, em 2008, sido introduzida por revisão
constitucional a "exceção de inconstitucionalidade" (a ser decidida também pelo
Conselho do Estado ou do Tribunal da Cassação, em casos que envolvam a violação de
direitos e liberdades).

TIPOS HISTÓRICOS DE ESTADO


Até ao século XVI, não se pode tecnicamente falar de Estado, o que não obsta a que se possa falar de
“tipos históricos” de Estado anteriores ao Estado moderno.
Segundo Jellinek, até ao advento do Estado moderno, os tipos fundamentais de Estado são o Estado
oriental, o Estado grego, o Estado romano e o Estado medieval. Estes vários tipos históricos de Estado
têm desde logo em comum a ausência de uma constituição em sentido formal, a ausência de igualdade
jurídica entre pessoas e a ausência de direitos e liberdades fundamentais.
No que toca à divisão de poderes, não se pode dizer que tenha estado sempre ausente a teoria e a
prática da moderação ou equilíbrio dos poderes, quer em termos de movimento de ideais (S.Tomás de
Aquino), quer em termos de prática jurídica (especialmente no constitucionalismo britânico).

ESTADO ORIENTAL: Tratam-se de estados de grande dimensão, marcados pela teocracia (


origem divina do poder), onde se verificam sociedades hierarquizadas e desigualitárias, e diminutas
garantias dos indivíduos.

ESTADO GREGO: Tratam-se de estados de reduzidas dimensões territoriais (cidades-estado) nos quais o
fundamento da comunidade era a religião. Existe uma ideia de comunidade política dos cidadãos, tendo
como base o princípio da igualdade cívica embora não se entendesse o conceito de liberdade no âmbito
individual mas apenas no âmbito da participação política. É também caracterizado pela diversidade de
formas de governo, sucessivamente experimentadas. Este estado permitiu o estabelecimento das
coordenadas da democracia moderna e da teorização do político: formas de governo (puras e
degeneradas), ideia de governo misto, várias dimensões da justiça (distributiva e corretiva,
nomeadamente), construção de utopias políticas.

ESTADO ROMANO: Trata-se de um estado caracterizado pela organização hierárquica e escalonada do


poder, tendo uma base aristocrática, pelo que não se verifica um princípio de igualdade cívica.
Caracteriza-se pelo reconhecimento de direitos do cidadão romano e uma progressiva atribuição de
direitos aos estrangeiros e pela estruturação do seu sistema político sobre a cidadania romana e sobre o
município. Evidencia-se o desenvolvimento da noção de poder político, como poder e a separação entre
o poder público e o poder privado. Verifica-se a coordenação entre o poder central, o poder regional e o
poder local e o surgimento da ordem de valores cristã na última fase.

ESTADO MEDIEVAL: É impróprio falar em Estado neste período, no entanto, trata-se de um estado
caracterizado pela ausência de poder central e unificado. Também caracterizado pela limitação
teleológica, moral e política do poder da Cristandade, mas com ausência de mecanismos de tutela.
Neste estado existe uma identificação do bem comum como finalidade do poder político e afirma-se a
relevância do costume. Evidencia-se a distinção entre Rei e tirano e admissão do direito de resistência, e
a concreta aplicação da ideia de constituição mista (numa estrutura que envolve o Rei, as corporações e
os estamentos). Verifica-se também afloramentos da soberania do povo.

O SURGIMENTO DO ESTADO MODERNO


O Estado moderno sucede à desagregação do sistema medieval, surgindo como resultado dos
processos de centralização do poder político e da supressão dos privilégios feudais de que gozavam
diversos grupos, mas também de passar a ser direta a relação entre o Rei e o súbdito, pelo facto de “a lei
privada” dar lugar à lei-vontade do Rei, ou seja, o Reu exerce poder político soberano, e pelo facto de o
sistema de privilégios e obrigações feudais ser substituído pela submissão de todos ao poder central.
Este processo está praticamente concluído no século XVI.
As características do Estado moderno são:
 Correspondência a uma Nação (comunidade ligada por laços culturais e históricos);
 Progressiva secularização (a comunidade política deveria estar separada da esfera religiosa);
 Afirmação da soberania como poder supremo e aparentemente ilimitado.
A primeira manifestação histórica do Estado moderno é o Estado absoluto que possui duas fases: fase
patrimonial e fase do Estado de polícia.

FASE PATRIMONIAL: Verifica-se que o Estado é um bem que integra o património do Príncipe que
adquire o seu poder real por origem divina.

FASE DO ESTADO DE POLÍCIA: Verifica-se que o seu apogeu ocorre no século XVIII e que o Monarca já
não é dono do Estado e a origem do seu poder passa a ser considerada racional. Entende-se que o Rei
tem o direito de intervir em nome da razão em todos os domínios da vida política, social, cultural,
económica e mesmo privada, com vista à prossecução do interesse e bem públicos.

Verifica-se que o Estado absoluto é um Estado que não está limitado nem pelo Direito (visto que está
acima dele), nem pela separação de poderes (existe uma concentração no rei), nem pelos direitos (as
pessoas estavam sujeitas a intervenções arbitrárias do monarca, ainda que pela teoria do Fisco pudesse
haver indemnizações). O Estado absoluto caracteriza-se pela máxima concentração de poder no rei, e
pela intervenção alargada do Estado, cujo critério de ação política é a conveniência e não a legalidade
(“razão de Estado”); identifica-se uma prevalência da lei sobre o costume e que as antigas cortes deixam
de se reunir.
É neste contexto de Estado acima do Direito que surge o Constitucionalismo das revoluções como
resposta e reação, inaugurando-se a era das Constituições escritas ou do Estado constitucional em
sentido amplo (um Estado limitado pela Constituição).

FORMAS HISTÓRICAS DO ESTADO MODERNO


Desde o século XVIII até hoje, esse Estado constitucional, em sentido amplo, além de momentos de
rutura e suspensão, já passou por diversas formas históricas, pelo que é possível distinguir o
constitucionalismo liberal, ao qual corresponde o Estado liberal de Direito, e o constitucionalismo da
democracia constitucional, ao qual corresponde o Estado social e democrático de Direito. Hoje em dia,
estaremos provavelmente num outro momento a que corresponde um “Estado pós-social e democrático
de Direito: um Estado limitado pelo Direito, menos intervencionista e com um poder político cada vez
mais diluído e fragmentado, por fatores externos e internos.

ESTADO LIBERAL DE DIREITO


Chega primeiro à Inglaterra, no final do século XVII com a Glorious Revolution, do que ao resto da
Europa. Os Estados Unidos, por seu lado, partilharam o legado desses elementos da cultura jurídica
britânica, que incorporaram nas suas instituições constitucionais após a Revolução Americana. Já na
França e na Europa continental, o processo só se veio a consolidar no século XIX. Na Inglaterra falamos
em império da lei (rule of law), na Alemanha a designação é a de Estado de Direito (Rechtsstaat) e na
França é a de Estado constitucional (état constitutionnel).
Surge em contraponto com o Estado de polícia visto que o Estado de Direito é um Estado limitado e
organizado a nível jurídico, de forma a garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Paralelamente,
consolida-se a ideia de “governo representativo” que passa pela separação entre a titularidade do poder
político (que agora pertence ao Povo ou á Nação) e o exercício do poder político (que é confiado a
representantes do Povo ou da Nação e que, por conseguinte, não podem exercer o poder em nome
próprio), mas também por uma modernização do velho conceito de representação.
Neste Estado dá-se a afirmação da burguesia enquanto classe dominante, estando por isso
subordinado aos valores burgueses da liberdade económica e da segurança da propriedade, assentando
nos seguintes três elementos:
 Numa separação clara entre sociedade e Estado;
 Numa redução da intervenção do Estado ao mínimo (Estado guarda noturno);
 Numa preocupação em que o Estado seja regulado pelo Direito, sendo que esta submissão
exige:
o A conceção do Estado enquanto pessoa jurídica;
o A repartição das funções do Estado por vários órgãos;
o A supremacia da lei geral e abstrata.
Em suma, os direitos fundamentais (conhecidos como liberdades negativas do homem burguês, com o
direito de propriedade à cabeça) e a divisão de poderes são os elementos essenciais do Estado de
Direito, verificando uma marcada supremacia da lei (e do Parlamento) sobre a Administração e o poder
judicial, estando este estritamente subordinado à lei.
O Estado liberal de Direito é, portanto, um Estado que se pretende limitado pela Constituição e pelo
Direito, não intervencionais e com separação de poderes.

ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO DE DIREITO


Depois das experiências que constituíram os Estados antiliberais do século XX (ora na modalidade do
poder totalitário como ocorre na Alemanha nazi e na União Soviética sob Estaline, ora nas diversas
formas que assumiram os autoritarismos, incluindo aí o fascismo de Mussolini e os regimes autoritários
da Península Ibérica), entendidos como Estados de não-Direito, após a 2.ª Guerra Mundial, com o
constitucionalismo da democracia constitucional, surge o Estado social e democrático de Direito.
 SOCIAL: Empenho na realização do bem-estar e da justiça social e na prossecução da igualdade
material e intervenção na sociedade com vista a assegurar as condições mínimas de existência
para as pessoas e a redistribuição da riqueza;
 DEMOCRÁTICO: Incorporação da democracia (durante o século X), quer ao nível do fundamento
e da organização do poder, quer pela universalização do sufrágio e do alargamento dos
mecanismos de representação e participação política;
 DE DIREITO: Preservação da herança essencial do Estado de Direito, ou seja, da garantia dos
direitos e da limitação do poder.
O Estado Social e Democrático de Direito traz transformações nos planos dos direitos fundamentais e
da divisão de poderes:
 DIREITOS FUNDAMENTAIS: Constitucionalização dos direitos sociais, alargamento dos direitos
políticos e reinterpretação dos direitos de liberdade;
 DIVISÃO DE PODERES: Racionalização e eficiência da atuação estatal (que conduz diretamente
ao primado de facto do poder executivo), operando-se igualmente um reforço do poder judicial,
sobretudo pela instituição da justiça constitucional, para garantir a supremacia da Constituição
e o primados dos direitos fundamentais.
O Estado Social e Democrático é, portanto, um Estado limitado pelo Direito (desde logo pela
Constituição, que tem agora supremacia sobre a lei), intervencionista, aberto a uma pluralidade de
concretizações e envolvendo um novo entendimento da divisão de poderes.

CONCEITO DE ESTADO
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